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Anamorfose:

A matemática na anamorfose

Rosmari Aparecida Ferreira Lima


UNIMESP - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo
Novembro/ 2006

Sinopse: Este artigo é direcionado a educação, ele contém parte histórica,


aplicação e exemplos de alguns tipos de anamorfose, e como ela pode ser usado
para atrair o interesse de pessoas ao conhecimento matemático.

Introdução

Anamorfose soa ser uma palavra de difícil significado, mas significa apenas
que a forma foi mudada. É claro que há outras maneiras de mudar a forma para
que o resultado seja impressionante, artistas e cartunistas os usam há séculos.
O cilindro mágico1 também é curvado, mas de uma maneira regular e
apenas em uma direção. O que vemos é distorcido, mas seguindo apenas uma
regra simples. Por ele ser simples e regular, desenhos especiais podem ser feitos
de modo que o cilindro mágico não os distorceu e mostrará uma imagem limpa.
Quando um raio de luz incide sobre um espelho cilíndrico acontece
exatamente à mesma coisa. No ponto de reflexão, o espelho curvo reage
exatamente como um espelho plano.
Raios paralelos refletindo sobre o mesmo plano são refletidos no mesmo
ângulo e então continuam paralelos. Não há distorção.
Raios paralelos incidindo sobre um espelho curvo incidem sobre ângulos
diferentes. Cada raio reflete em ângulos iguais em relação a sua proporção do
espelho. Depois da reflexão os raios não são mais paralelos, e a imagem é
distorcida.

Figura 1: Imagem distorcida refletida no cilindro


Fonte: www.mchildcontemporary.com

O objetivo deste artigo é demonstrar às pessoas, como identificar uma


anamorfose e onde podem encontrá-la e qual a sua relação com a matemática. É

1
Cilindro espelhado
possível introduzir o conhecimento matemático através da anamorfose, pois a arte
de aprender deve também ser prazerosa.
A idéia de escolher o tema Anamorfose para este trabalho, surgiu durante
uma apresentação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em novembro de
2005 do curso de Matemática, realizado no Centro Universitário Metropolitano de
São Paulo UNIMESP. Ao observar alunos que participavam passivamente de uma
apresentação cujo assunto era sobre Aplicações Pedagógicas sobre
Anamorfose, foi possível perceber que o desinteresse por parte de alguns, se
devia a ignorância sobre o assunto. Faz-se então necessário que se apresente
ainda no ensino fundamental o que vem a ser uma anamorfose, onde encontrá-la e
qual é a sua contribuição ao aprendizado matemático, no intuito de que no futuro
não se desenhe o mesmo quadro refletido na apresentação mencionada.
A matemática como componente importante na construção da cidadania não
deve ser vista como coisas prontas e definitivas, mas sim como um processo em
construção que poderá transformar sua realidade. Por isso ela deve estar ao
alcance de todos, e sua democratização deve ser meta principal da docência.
O ensino da matemática deve destacar dois aspectos; relacionar
observações do mundo real com representações (gráficos, figuras, tabelas); e
relacionar estas representações com conceitos matemáticos.
O aprendizado esta relacionado com a compreensão, aprender o significado
de um objeto ou acontecimento e relacioná-lo com outros objetos e acontecimentos.
Então, o tratamento de conteúdos matemáticos numa sucessão linear rígida, deve
ser substituído por abordagens em que conexões sejam favorecidas entre as
demais disciplinas.
Os conteúdos matemáticos devem ser iniciados como historicamente
construído e em evolução contínua. Então se deve cada vez mais criar mecanismos
para motivar o aluno ao aprendizado. A anamorfose pode ser um destes caminhos.

Desenvolvimento da anamorfose

A arte da anamorfose teve origem a aproximadamente há 700 anos na


China. Os exemplos mais elaborados de arte anamórfica de cilindros espelhados,
são chineses e datam de aproximadamente de 1575. Em 1630, o segredo de como
fazer desenhos de anamorfose foi revelado no livro Perspective Cylinderique et
conique by Vaulezard (Leeman, Fred 1976). Dentro da arte acentuada, a
anamorfose tomou força, com muitos exemplos que invadiram as casas tradicionais
de toda Europa. Por pelos 200 anos seguintes, a arte anamórfica tornou-se popular
em murais e paredes da época.
A invenção da fotografia daguerreo-type2 mudou toda aquela idéia. Por volta
de 1860, o fascínio do público com a arte anamórfica morreu, o foco foi centralizado
na fotografia, como uma maneira melhor de refletir o mundo em torno deles.
O termo anamorfose é de origem grega, derivado de termos com duplo
sentido. Leonardo da Vinci era um experimentador adiantado com a arte
anamórfica, produziu telas em preto e branco, que foram distorcidas de uma vista
normal, mas deu forma às faces humanas quando visto da borda extrema da lona.
Nos séculos passados, os projetos anamórficos foram usados como
imagens secretas para ocultar desenhos eróticos, e às vezes imagens de natureza

2
Um dos tipos mais adiantados de fotografia para a época, em que a imagem é exposta diretamente em uma
superfície espelhada que carrega um revestimento das partículas de prata depositadas pelo vapor do iodo.
política, como este retrato do rei britânico Charles I, que expressou condolências
entre a realeza após sua execução em 1649, conforme a figura 2.

Figura 2: Rei Charles I


Fonte: de baltrusaits, “anamofhoses”, 1984, p 29

Uma anamorfose é uma figura aparentemente disforme que, por reflexão de


um determinado sistema óptico, produz uma imagem regular do objeto que
representa.
De acordo com o dicionário de Webster:

“Uma projeção ou uma representação distorcida ou monstruosa de uma imagem em um


plano ou em uma superfície curvada, que, quando vista de algum ponto, ou como reflexo
de um espelho curvado, ou através de um poliedro, pareça regular e na proporção; uma
deformação de imagem.”

Apesar de normalmente concebidas com base num cálculo gráfico da


distorção causada pelo espelho, alguns artistas, sobretudo na China, trabalhavam
empiricamente, pintando ao mesmo tempo, que viam o pincel através do espelho
apropriado. Dentre várias teorizações que levariam ao desenvolvimento da técnica
de construção de anamorfoses, conta-se a descrição de Piero della Francesa na
sua influente obra, De prospectiva pingente.
A arte da anamorfose quando é vista inicialmente esconde um secredo,
mas quando a imagem vista através de um reflexo, é desvendada conforme figura
3.

Figura 3: Imagem anamórfica cilíndrica


Fonte: www1.fis.uc.pt/museu/104ig
Esta é uma anamorfose cujo efeito normalizado se obtém com um espelho
comum convexo-cilíndrico, colocado no local apropriado.
A figura 4 mostra uma anamorfose pintada em madeira, que pode ser
observada através das faces espelhadas de uma pirâmide de base quadrangular,
colocada no centro do quadro.

Figura 4: Anamorfose pintada em madeira


Fonte: www.fis.uc.pt/museu/105ig

A anamorfose mostra quatro figuras de homem colocadas nos lados dos


quadrados. Dois homens estão fumando; o terceiro observa algo através de uma
lupa; e o quarto segura um ramo com um pássaro, e está representado de corpo
inteiro. Todas as figuras apresentam ligeira deformação, de modo a obter-se o
efeito desejado quando o conjunto é observado através das superfícies espelhadas
da pirâmide. A imagem do quinto homem, O Fumador, surge quando se observa a
obra perpendicularmente, com a visão alinhada com o vértice da pirâmide.

Figura 5 e 6: O quadro, Os Embaixadores de Hans Holbein


Fonte: www.maths.tcd.ie.
Observa-se as figuras 5 e 6, o que parece ser uma mancha sem sentido aos
pés dos dois homens, na realidade ao encostar o rosto no quadro e olhando de cima
para baixo e da direita para a esquerda, verá a figura de uma caveira. O quadro, Os
Embaixadores de Hans Holbein, é de um pintor alemão nascido no final do século XV
e que passou a maior parte de sua carreira na Inglaterra.
Hoje, vários tipos de anamorfoses são produzidas, algumas puramente
artísticas, outras para propagandas, e outras como sinalização de vários tipos.

Aplicações da anamorfose

Uma das aplicações mais comuns do uso da anamorfose está, em sinalizações


feitas no asfalto de ruas, avenidas e estradas. Os avisos têm que ser vistos por
usuários da estrada de uma posição não convencional, num ângulo onde o efeito
antecede significativamente a dimensão vertical. Como exemplo as figuras 7 e 8.

Figura 7: Vista frontal da sinalização. Figura 8: Vista lateral da sinalização.


Fonte: www.anamorphosis.com

Visto de uma determinada distancia, altura da seta é a mesma da palavra CAR


abaixo dela. Visto de lado, pode-se perceber que a seta é duas vezes maior que a
palavra. Os avisos em estradas são baseados em alongar e por conseqüência não são
necessariamente anamorfoses, rigorosamente falando. A anamorfose oblíqua não é
um alongamento linear simples.

Figuras 9 e 10: Porta entre aberta e edifício realçados


Fonte: www.anamorphosis.com
E comum pensar que a observação altera a percepção da realidade. Examinar
as situações diárias como ver uma porta aberta, ou um edifício quando se anda ao
longo da rua, atribui-se a estes objetos uma forma estável, retangular e que não
parece mudar quando há um deslocamento em relação a eles.
Nas figuras 9 e 10, existem alguns detalhes realçados, mas o cérebro está
fazendo uma escolha fundamental, que há uma forma retangular que parece
distorcida, pois algumas partes dela estão ausentes, e outras mais evidentes.
Observa-se uma forma não retangular, mas nós não esperávamos ver tais formas.

“As pessoas preferem um mundo requisitado, testes padrões regulares, formas familiares, e
quando as falhas ou as distorções ocorrem, desde que não sejam demasiadamente brutas.
O olho da mente humana arruma-os acima. Vê-se o que se quer ver e não o que se espera
ver. Nós nunca vemos inteiramente um objeto olhando apenas um de seus lados, para se
ver mesmo a superfície inteira de um simples um objeto como uma esfera, seis pontos de
vistas sucessivos são necessários, mas nós aceitamos em um único olhar que é uma
esfera: e concluímos que é uma forma consistente, possivelmente a mais simples. De fato
existirem formas incontáveis que são somente em parte esféricos. Há um corte na fonte em
Granada, onde os visitantes são iludidos pela história de Caliph Moorish a ter uma grande
visão. Os candidatos são convidados a identificarem um objeto que flutua na água rasa.
Quase todos dizem prontamente que lhes parecem ser uma laranja. Exceto um que afirmou
ser a metade de uma laranja e começou o trabalho”. (Lawrence Wright, Perpective no
Perpective, p. 27,24).

Uma aplicação de anamorfose através de arte cultural, encontra-se na estação


Metro República situada no município de São Paulo. As figuras 11, 12,13 e 14,
representam dois tipos diferentes de anamorfose, já mencionadas anteriormente.
Estas figuras anamórficas foram feitas pelo artista plástico Antonio Peticov, a imagem
refletida no cilindro é de Oswald de Andrade, as outras imagens não são reveladas.

Figuras 11 e 12: Foto tirada de uma anamorfose


Fonte: estação Metrô República

Figuras 13 e 14: Foto tirada de uma anamorfose


Fonte: estação Metrô República
Construção matemática da anamorfose

A proposta é demonstrar quais serão os cálculos necessários para as


dimensões de um aviso escrito em uma avenida, cuja velocidade local tem limite de 60
km/h, e deve ser vista a uma distância de aproximadamente 50m, e uma altura média
de 1,6m.
Na figura abaixo, pode-se visualizar medidas e ângulos que serão calculados
para descrever o tamanho ideal para dimensionar do aviso, para que este seja visto e
identificado por um motorista numa distância segura para uma reação.

Pelo teorema de Pitágoras pode-se encontrar a distância, entre o automóvel e


o início da imagem, e pela trigonometria o ângulo λ :

2 2
( a ) + (b ) = ( c )
2 1, 6
tan(λ ) =
2 2 2 50
(1, 6 ) + ( 50 ) = ( c ) tan(λ ) = 0, 032
2
( c ) = 2502, 56 arc tan(0, 032)
c ≅ 50, 03m λ ≅ 1,850

Considerando-se que a leitura será feita em movimento, é coerente utilizar


ângulos diferentes para o comprimento e largura, para calcular as dimensões da
projeção da imagem à 50m:
Usando ângulos de 2 graus para altura e 2,5 graus para a largura, temos:

h l
tan ( ρ1 ) = tan ( ρ 2 ) =
c c
ρ1 = 20 ρ 2 = 2,50
h l
tan ( 2 ) = tan ( 2,5 ) =
50, 03 50, 03
h = 0, 035 × 50, 03 l = 0, 043 × 50, 03
h ≅ 1, 75m l ≅ 2,15m

Então a projeção terá 1,75m de altura e 2,15m de largura.


Sendo a soma dos ângulos internos de um triângulo igual a 1800 e ρ1 = 20 ,
então:

1800 = 2γ + ρ 1780
γ=
2γ = 1800 − 20 2
2γ = 1780 γ = 890

e: γ = 890 :

1800 = γ + δ
δ = 1800 − 890
δ = 910

e: γ = 890 e δ = 910 :

1800 = λ + δ + σ
σ = 1800 − (890 + 1,850 )
σ = 1800 − 90,850
σ = 89,150
a b c
Sendo λ = φ , pela lei de senos, onde: = = , temos o
sin(a ) sin(b) sin(c)
comprimento ( y ) e a largura final ( x ):

1, 75 y 2,15 x
= =
0, 32 0,99 0,52 0,99
0,32 y = 1, 7325 0,52 x = 2,1285
1, 7325 2,1285
y= x=
0, 32 0,52
y ≅ 5, 4m x ≅ 4,1m

Conclui-se que as dimensões da imagem pintada no asfalto correspondem a


5,4m de comprimento e 4,1m de largura no final do aviso.

Neste caso, como a imagem é uma sinalização3 feita em um espaço entre


paralelas, por razão estética torna-se desnecessária a deformação da largura no final
do comprimento, mas para uma anamorfose de outro tipo o cálculo para esta
deformação será necessário.

Conclusão

Neste artigo, ficam evidentes os vários ramos da matemática e da física, que


se podem estudar para a construção de qualquer tipo de anamorfose, muitas delas
são feitas artisticamente, isto é, sem nenhum tipo de cálculo, os chineses construíam
anamorfoses pintando através de espelhos, o que não exclui a anamorfose como um
dos caminhos que auxilie e desperte o interesse ao aprendizado matemático.
Neste artigo, foram usando conceitos, teoremas e leis, na construção de um
tipo de anamorfose bem simples, porém necessária à realidade dos tempos atuais.
Em outras anamorfoses do tipo esféricas, cônicas, cilíndricas, etc, outros ramos
da matematica e física são trabalhados, desta forma justifica-se este caminho.

3
Aviso composto de letras
Referências Bibliográficas

AMALDI, Ugo Imagens da Física, ed. Scipione, páginas 229-243, 1995.

JOHNSON, Art; MARTIN, Joan D., The Secret of Anamorphic Art, Magazine
Mathematics Teacher, NTCM. National Council of Teachers of Mathematics, volume
91 number 1, páginas 24-32, 1991

MOSCOVICH, Ivan, The Magic Cylinder Book, Art Anamorphic, Hiden pictures to
colour and discover.33 páginas.

PARANA, Djalma Nunes da Silva, Termologia Óptica da Física, 5ª Edição, Editora


Ática, Volume 2, páginas 198-242, 2001.

BOUASSE, Henri, Anamorphosis en 3D, acesso em 09/08/2006, disponível em,


http://www.mathcurve.com/courbes3d/amnamorfphose/anamorphose3d.shtml

KENT, Philip, Anamorphosis Art, acesso em 12/08/2006, disponível em,


http://www.anamorphosis.com/,

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