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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
£L vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaiega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
CDNFRDNTD
/*■
Sumario
pAg.

"FELICIDADE, ONDE MORAS ?" 45

Entre os paradoxos do nosso século :


PSICOPOUTICA : QUE É ? 47

Fenómeno sócío-religioso:
E OS CULTOS AFRO-BRASILEIROS ? 58

Cada vez mais em foso :


RELAQÓES SEXUAIS PRÉ-MATRIMONIAIS 71

No Ano Internacional da Crianca:


OS FILHOS E A SEPARACÁO CONSENSUAL 82

ERRATA 86

LIVROS EM ESTANTE 87

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

y X

NO PRÓXIMO NÚMERO :

O homem. . . puro macaco? — E o suicidio coleHvo na Guiana?


E a virgindade de María ? — A quantas vai o ecumenismo hoje ?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Direcao e Reda$ao de Estévao Bettencourt O.S.B.

Assinatura anual Cr$ 180,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 18,00

ADMINISTRACAO
REDACAO DE PR Llvraria Misslonária Editora
■^ i. , nene Rua México, 168-B (Castelo)
Caixa Postal 2.6G6 20 031 Rlo de janeiro (RJ)
20.000 Rlo de Janeiro (RJ) Tel.: 224-0059
FEL1CIDADE, ONDE MORAS?
O mes de fevereiro é geralmente marcado pelos festejos
do Carnaval..., que muito antes dos tres días oficiáis movi-
menta a sociedade.

O Carnaval tem origem pré-cristá. Vem a ser suce


dáneo das festas saturnais que os romanos celebravam no
comeco de cada ano ou, talvez, o eco dos folguedos de entrada
de ano ou entrada da primavera, também comuns no mundo
greco-romano anterior a Cristo. A Igreja tentou dar sentido
cristáo a essas manifestagóes de alegría, como também tentou
cristianizar outros usos dos povos a quem ela levou o Evan-
gelho, desde que suscetíveis de interpretacáo crista. Os fes
tejos de entrada de ano ou de entrada da primavera acaba-
ram sendo fixados ñas imediacóes da Quaresma; esta, por
sua vez, é estipulada em fungáo da Páscoa, a qual cai todos
os anos no domingo subseqüente á primeira Lúa chela da
primavera (ou após o dia 14 de Nisá dos antigos isarelitas).
Nesta perspectiva, os folguedos de Carnaval poderiam ser
concebidos com um Adeus as festas colocado no limiar do
tempo severo da Quaresma.

A alegría é um valor exaltado pelo Cristianismo. Con


forme Sao Paulo, é um dos frutos da acáo do Espirito Santo
no cristáo; cf. Gl 5,22. Diz-se mesmo — e com razáo —
que um santo triste é um triste santo. Acontece, porém, que
as manifestacóes do Carnaval boje em dia pouco ou nada
tém de cristáo; tornam-se freqüentemente a ocasiáo de se
expandirem de maneira irracional e paga os instintos do ser
humano; as paixóes, de forma aberta ou sutil, tomam ontio
livre curso. Urna das provas disto é o sentimento de vazio e
decepgáo que nao poucos folióes experimentan! após haver
cantado e pulado exaustivamente durante o Carnaval; e isto...
para nao falar de prejuizos económicos, desgastes de saúde,
crimes e outros males, dos quais alguns deixam marcas irre-
versíveis.

O cristáo, portanto, considera o Carnaval nao com olhar


irrestritamente condenatorio, mas com reservas justificadas.

Qual seria entáo o segredo da alegría do cristáo?

O cristáo sabe que a fonte da alegría e da felicidade nao


está fora, mas dentro do ser humano. O que está fora, passa

— 45 —
e deixa o homem frustrado («passa a figura deste mundo>,
ICor 7,31); mas o que está dentro, é intocável. «Tudo o
que é meu, eu o levo comigo> (Omnia mea mecum porto),
aizia o filosofo despojado e enxotado de um lugar para outro
na antigüidade.

Mais precisamente: a fonte da alegría para o cristáo con


siste no cultivo de dois tipos de valores:

1) os valores propriamente humanos, que sao a honra


dez, a responsabilidade, a coragem para procurar e abracar
a verdade, a sinceridade, a lealaade, o horror as semiatitudes
e á covardia, mima palavra: o ser homem... É, sem dúvida,
extremamente feliz «ser homem> em vez de ser «banana» ou
«minhoca» ou covarde ou «Maria-vai-com-as-outras», embora
«ser homem» exija dureza de vida e capacidade de renuncia;

2) os valores específicamente cristáos, que vém a ser


o dom da filiacáo divina, a heranca da eternidade já pos-
suida e desfrutada no tempo, a consciéncia de que o defini
tivo e o absoluto estáo presentes mesmo no torvelinho desta
caminhada terrestre.

O cristáo está certo de que a fidelidade a tais valores


(humanos e evangélicos) e a frui£áo cada vez mais coerente
dos mesmos sao os genuínos mananciais da mais viva ale
gría, ... alegría que nao decepciona, porque é o antegozo do
definitivo em meio as coisas transitorias.

Ora, logo após o Carnaval, o calendario da Igreja assi-


nala o inicio da Quaresma... Que esta seja, para os cris
táos, o tempo da verdadeira alegría,... alegría haurida nao
em espalhafatos, mas na austerídade de urna disciplina de
vida corajosa e coerente... Alegría haurida na perseverante
seqüela do Cristo forte e, ao mesmo tempo, humilde,... hau
rida também na procura de um aprofundamento da fé ou
do conhecimento de Deus. Quem mais conhece, mais pode
amar e, mais amando, mais se alegra, consoante a oracáo
de S. Anselmo de Cantuária (t 1109): «Que eu Te conhega,
que eu Te ame, para alegrar-me em Ti!»

Assim o tempo roxo da Quaresma será o tempo da ver


dadeira alegría,... alegría pela qual todos os homens anseiam,
mas que nao raro procuram em cisternas furadas (cf. Jr 2,13)!

E.B.

— 46 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS*
Ano XX — N' 230 — Fevereiro de 1979

Entre os paradoxos do nosso século :

psicopolítica: que é?
Em sfntese: Existe em traducfio brasllelra um livro Intitulado "Psico
politica. Técnica da lavagem cerebral, ciencia da domestlcacáo dos povos"
(sem nome de autor ou editora, sem data e lugar de publicacáo,). Revela
algumas técnicas da lavagem de cránio, que recorrem a psicología e á neu-
rocirurgla. Estas estrategias foram ensinadas a Kenneth Goff, que, desde
2 de malo de 1936 até outubro de 1939, esteve filiado ao Partido Comunista
norte-americano, e hoja é adversario do mesmo.

A pretexto de tratar da saúde mental dos seus semelhantes ou de


populagSes intelras, os agentes da Psicopolitica promovem técnicas que
despersonallzam o ser humano, reduzlndo-o á condlcSo de animal domes
ticado ou cao adestrado. A flm de que tais estrategias encontrem fácil aco-
Ihlda, lancam a confusfio entre os homens, desprestigian! ou desmoralizan)
líderes, extenuar» seus pacientes pela fome e pela Insónla; sabem que um
ser humano debilitado física e moralmente nSo resiste a estímulos, mas
deixa-se condicionar sem demora.

Também pertence á metódica da Psicopolitica recrutar Inocentes ou


idiotas úteis, destruir a ReligISo, difamar a Igreja, utilizar linguagem com
plicada e obscura...

Tais tatos evidenciam que no século XX há escravatura mals requin


tada e "satánica" do que em épocas passadas... É importante que o público
o salba, para que nSo se deixe Iludir.

Comentario: Apareceu em tradugáo brasileira um livro


intitulado «Psicopolítica. Técnica da lavagem cerebral. Cien
cia da domesticacáo dos povos», sem nome de autor ou de
editora na capa, sem mencáo de data e lugar de publicacáo.
O livro revela as estrategias da chamada Psicopolitica. Esta
é a tática da lavagem de cránio; é também a «arte» de con
dicionar individuos e povos em favor de determinada ideo-
logia. O libelo tinha originariamente caráter secreto; todavía
já foi divulgado em inglés, castelhano e portugués, e tende a
se espalhar cada vez mais. As teorías que vém expostas em
tal livro, sao confirmadas pelas noticias de fatos ocorrentes

— 47 —
4 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

na U.R.S.S., onde se pratica a Psicopolítica. É o que torna


tal impresso fidedigno. Vista a importancia de que tal escrito
se reveste, apresentaremos, a seguir, urna síntese do seu con-
teúdo, acompanhada de reñexáo final.

1. O autor

O autor do livro é Kenneth Goff, cidadáo norte-ameri


cano que esteve filiado ao Partido Comunista dos Estados
Unidos desde 2/05/1936 até outubro de 1939. Atuou no Par
tido ora com seu próprio nome, ora com o pseudónimo de
John Keats. Durante os anos de sua militáncia comunista,-
assistiu aos cursos de doutrinagáo marxista na escola situada
no 113 E. de Wells Street, Milwaukee (Wisconsin), que fun-
cionava com o nome de «Eugene Debs Labor School». Esta
instituigáo adestrava os seus alunos em todos os tipos de
Iuta física e psicológica em prol da destruigáo da sociedade
capitalista e da civilizagáo crista.

Kenneth Goff foi-se dissuadindo do comunismo, de modo


que deixou o Partido em 1939, e veio a ser um dos mais
ardorosos anticomunistas dos Estados Unidos. Publicou entáo
a cartilha na qual aprenderá as táticas de expansáo comu
nista ou o «Manual Comunista de Adestramento para a
Guerra Psicológica». Este texto, traduzido para o portugués,
vai abaixo apresentado em suas grandes linhas; dele trans-
creveremos varias passagens, a fim de facilitar ao leitor urna
avaliagáo objetiva da realidade em foco.

2. Que é a Psicopolítica ?

A p. 32 lé-se a seguinte definigáo:

"A Pslcopolltlca é a arte e a ciencia de obter e manter um dominio


sobre o pensamento e as convIccOes dos homens, dos funcionarlos, dos orga
nismos e das massas e de conquistar as nacSes inimigas por meio de
'tratamento mental'".

A Psicopolítica compreende o estudo de varios temas


correlatos: a constituigáo e a anatomía do homem enquanto
organismo político e organismo económico, os reflexos con
dicionados do homem e a maneira de provocá-los; obediencia,
resistencia, convicgóes, do ponto de vista psicológico; o com-

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PSICOPOLtTICA: QUE fi?

bate á Contrapsicopolítica, principalmente na era atómica em


que vivemos.

Os agentes treinados em Psicopolítica sao instruidos no


sentido de procurar impor-se como autoridades em psicología
e psiquiatría; devem penetrar nos hospitais e ñas Universi
dades. Fora da Europa, háo de persuadir o público de que
somente um médico europeu é autoridade no terreno da psi
quiatría e, com isto, justificar a interveneáo de gente estran-
geira em países nao europeus.

Sao palavras do líder soviético Beria a estudantes norte-


-americanos da Universidade Lenine:
"A Pslcopolftlca é urna grave responsabltldade. Por seu Intermedio
podaremos varrer como insetos nossos Inlmlgos ; pederemos desmoralizar
os diligentes capazes e os membros de suas familias, levando-os á loucura
por meló do emprego de drogas. Pederemos ellminá-los atestando quá
estSo loucos. Por meio de nossas técnicas, podaremos ató provocar-lhes a
demencia, quando opuserem resistencia exeesslva.

A Pslcopolitlca pode mudar as convlccfles de qualquer individuo.


Depols de certos tratamentos ñas mSos do psicopolltlco, é posslvel alterar
para sempre a lealdade de um militar ou o patriotismo de um estadista ou,
do contrario, destruir a sua mente.

A Psicopolítica pode criar o caos, delxar urna nacSo sem dirigentes,


eliminar nossos Inlmlgos e, por meló do comunismo, criar na térra a paz
mais absoluta que o homem jamáis conheceu" (do llvro Psicopolítica.
Técnica de lavagem cerebral, p. 28).

Ve-se, pois, que a Psicopolítica é um instrumento pode


roso ... Opera nao com armas, mas com os modernos recur
sos da Psicología, que, sem provocar o derramamento de san-
gue, obtém a total submissáo dos adversarios. Alias, é norma
dos agentes psicopolíticos:
"Degradar urna populagSo ó menos desumano que bombardeá-la...
Se um povo pode ser conquistado sem lula, os fins da guerra deveráo ser
alcancados evltando-se a destrulcáo e a violencia" (ib. p. 25).

Perguntamo-nos agora: quais os grandes principios que


norteiam a Psicopolítica? E quais os meios que aplica para
atingir suas metas?

3. Conceptees e fóticas

3.1. Concepsoes

O homem é, nao raro, comparado a um cachorro que


pode ser adestrado para agir segundo reflexos condiciona-

— 49 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

dos... Ou a urna máquina, que pode ser programada para


executar tal ou tal projeto de acordó com as intengóes de
quem a manipula.

Os interesses do Estado sao os criterios segundo os quais


se deve adestrar ou programar o comportamento do individuo
na sociedade:

"Nos procedlmentos pslcopolltlcos nSo há problema de ética, já que é


evidente que o homem sempre deve ser dominado contra a sua vontade,
para malor beneficio do Estado, e toreado, por motivos económicos ou
doutrinários, a realizar a vontade e os flns do Estado.

Básicamente o homem é animal, um animal ao qual foi dado um verniz


de clvlllzacáo. O homem é animal gregario, que forma grupos para prote-
ger-se a si mesmo contra as ameacas ambientáis. Os que agrupam e con-
trolam os homens devem, portanto, possuir técnicas especializadas para
dirigir os impulsos e orientar as energías do Homem animal, para malor
eficacia no cumplimento dos flns do Estado" (Ib. p. 31s).

Para obter o adestramento dos cidadáos e a subservién-


cia dos mesmos aos fins do Estado, sao lícitos todos os
meios, pois, na verdade, se pode dizer que, conforme a Psi-
copolítica, o fim justifica os meios.

E quais os meios utilizados por essa estrategia?

3.2. Tóticos

Podem-se enumerar seis principáis recursos aplicados


pela Psicopolítica.

3.2.1. Reflexos condicionados

O recurso básico da Psicopolitica é o do treinamento do


ser humano para que responda «espontáneamente» (mas de
maneira uniforme e certeira) a determinados estímulos, sinais
ou ordens. As experiencias realizadas em caes pelo psicólogo
russo Pavlov sao transferidas para o plano dos homens:

"O homem é um animal de estímulos e reacSes. Sua capaeldade de


raciocinio e, Inclusive, sua; ética e sua moral dependem desse mecanismo
de reflexos condicionados. Isto já fol demonstrado por alguns russos, como
Pavlov, e tais principios tém sido utilizados para reduzlr os recalcitrantes,
educar crlancas e produzlr um comportamento ótlmo em determinados seto-
res humanos" (Ib. p. 61,).

— 50 —
PSICOFOL1TICA: QUE É?

"O homem pode ser adestrado do mesmo modo como se adestra um


cachorro ou um cávalo. Mediante a hipnose com drogas e dor, podem ser
inculcados o masoquismo, a lascivia e outras perversoes adequadas aos ftns
da Pslcopolltica" (ib. p. 65).

Vé-se, pois, que a maneira de encarar e tratar o ser


humano, na Psicopolitica, se assemelha á domesticagáo de
animáis.

A lavagem de cránio assim preconizada recorre a todo


um instrumental devidamente explicado e recomendado pela
respectiva técnica. Eis os seus principáis recursos:

a) «Incidente de castigo»

O espancamento é recomendado para obter a obediencia


imediata de alguém a determinada ordem. A dor dos golpes
que se siga á desobediencia, produz associagáo de idéias na
mente da vítima, de tal modo que, todas as vezes que esta
perceba urna ordem, se apressará por obedecer, a fim de
evitar o doloroso espancamento. Sao palavras do próprio
Manual citado:

"Esse estimulo denomina-se 'Incidente de castigo1... Enquanto o Indi


viduo obedecer á imagem ou cumprlr as ordens implantadas pelo estimulo,
ver-se-á llvre da dor...

A resistencia do organismo humano ao castigo pode ser multo grande.


O reflexo da obediencia total e Implícita obtem-se só com estímulos suficien
temente brutals, que ocasionen) prejulzos físicos ao organismo. O método
dos cossacos para domar cávalos selvagens é um bom exemplo. O cávalo
nSo se quer sujeltar, nem obedecer ás ordens do cavaleiro; o cavalelro monta
e, pegando urna garrafa de vodka, a quebra entre as orelhas do animal. O
cávalo, molhado até os cascos, com os olhos chelos de álcool, confunde o
líquido com sangue e, a partir deste Instante, quebra-se a sua resistencia
para sempre. Os cávalos nfio se domam quando o castigo é leve. Há aqueles
que sentem escrúpulos sentimentalistas, quando tém que 'quebrar o espi
rito', mas, quando o que se quer é dominar o animal, há de se utilizar a
brutalldade, para conseguir-se obediencia total" (p. 62).

Juntamente com a dor, sao apregoadas a fadiga ou exte-


nuagáo do organismo e a fome.

b) Cansoso e fome

Um organismo debilitado em suas torgas físicas é tam-


bém menos resistente no plano moral. Eis por que, entre

— 51 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

as táticas da lavagem de cranio, figuram a da extenuagáo e


a da fome, como se depreende do texto abaixo:

"O corpo tem menos resistencia ao estimulo quando está fatigado e


mal alimentado. Por consegulnte, tais estímulos devem ser utilizados cuando
as resistencias dos individuos tenham sido dominadas pela fome e -> can-
saco. Quando se Ihes impede de dormir por multos días ou se Ihes nega
o alimento necessárlo, consegue-se um estado de receptividade ótimo para
o estimulo. Se entáo se Ihes aplica o efetrochoque, e, durante o mesmo,
se Ihes ordena obedecer ou realizar certas coisas, nao tém outro recurso
do que o fazer, pois, do contrario, voltará a atuallzar-se a imagen mental
do eletrochoque. Esse mecanismo altamente científico e de grande eficacia
nao pode ser subestimado na técnica pslcopolitlca.

A ac§o das drogas produz, no individuo, um esgotamento artificial, e,


se I he sao administrados drogas e eletrochoque e se for castigado cada
vez que se Ihe atribuir urna serle de ordens, o individuo ficatá alterado
definitivamente; essa operacSo se denomina hlpnose por drogas e dor"
(P- 63).

Estas instrugóes dispensam comentarios, pois falam elo-


qüentemente por si mesmas.

Outro recurso a ser utilizado pelos agentes da Psicopo-


litica é o das Campanhas de Saúde Mental.

3.2.2. Campanhas de Saúde Mental

Os fautores da Psicopolitica devem ser, na sociedade, os


grandes arautos da «saúde mental». Promovam campanhas
em prol desta, fundem hospitais psiquiátricos, organizem «clu
bes ou grupos de saúde mental para o aperfeigoamento da
comunidade»... Através desses recursos, teráo ocasiáo de
influir ñas disposicóes psíquicas dos pacientes ou, melhor, das
populagóes em geral.

"Se se puder estabelecer um pavilhSo psiquiátrico em cada cidade


do país, com seguranza cedo ou tarde todo cidadáo proeminente caira cm
poder dos agentes psicopolíticos ou dos seus seguidores" (ib. p. 74).

As Campanhas de Saúde Mental da Pslcopolitlca devem "levar a socie


dade a se convencer de que paranoia é um estado no qual o Individuo
acredita ser perseguido pelos comunistas" (ib. p. 77).

Qualquer atitude discordante das idéias apregoadas pelo


agente de Psicopolitica há de ser denunciada por este como
desequilibrio mental (cf. ib. p. 84).

As conseqüéncias das Campanhas em prol da Saúde Men


tal sao assim enunciadas:

— 52 —
PSICOPOUTICA: QUE É?

"Depols de certo período de doutrinacSo, o país deve estar persuadido


de que a demencia se cura com métodos de violencia psicopolltlca. As ati-
vldades psicopollticas se converter&o em único tratamento reconhecido con
tra os Insanos. Até se pode chegar a sancionar, como ilegal, a omissáo
do eletrochoque e da neurocirurgia nos tratamentos para enfermos mentáis...

Nao é necessário que os testes psicopolíticos guardem muita coeréncia


entre si, quando dirigidos ao grande público. Os diversos tipos de demencia
serio classificados de acordó com urna terminología confusa e difícil. A
enfermidade verdadeira se dissimulará, mas o aparato verbal seivirá para
manifestar, ante um tribunal ou ante urna mente inquisitiva, que existe un»
enfoque científico demasiado complexo para a compreensáo do leigo. É de
Imaginar que um julz ou urna comlssáo Investigadora nSo aprotundarfio
multo a questáo da demencia, visto que seus próprios componentes — parte
das massas doutrinadas — já estario Intimidados, posto que o elemento
de terror das atividades psicopoliticas já terá tido ampia difusio por meló
de revistas e lomáis.

Em caso de urna audiencia ou um Julzo público, exagerar-se-á o perlgo


da demencia e sua ameaca á sociedade, até que o tribunal ou a comissio
se convenga de que a fungió do agente psicopolltico seja urna necessidade
vital, que nao deve sofrer interferencia de individuos irracionais" (p. 76).

É preciso também que os psicopolíticos monopolizem a


psiquiatría, tentando afastar deste campo psicanalistas pro-
fissionais, bons hipnotizadores, dietistas especializados, sacer
dotes, pastores..., pois estes poderiam suspeitar das ativi
dades dos agentes psicopolíticos; é preciso difamá-los e exclui-
-los como inábeis, charlatáes e impostores.

3.2.3. Linguagem obscura e complicada

Entre as táticas recomendadas aos agentes da Psicopo-


lítica, está o emprego de linguagem obscura, apta a fazer
crer que os ouvintes sao ignorantes frente aos «mestres»:

"Para melhor defesa das atividades psicopollticas, exagerar-se-áo as


complexidades das técnicas psiquiátricas, psicanalistas e psicológicas. Qual-
quer auditorio deve ficar aniquilado ante a terminologia muito complicada
de transcrever. Tem-se que aproveitar, ao máximo, o halo de misterio que
rodela vocábulos cotao paranoia, esquizofrenia e outros semelhantes..."
(Ib. p. 76).

A experiencia, alias, ensina que o linguajar difícil nem


sempre é sinal de erudigáo e profundidade, mas vem a ser,
algumas vezes, a capa sob a qual se dissimulam a ignorancia
e a incompetencia. Quem realmente compreende determinado
assunto, por mais elevado que seja, tem recursos para trans-
miti-lo aos nao iniciados. A obscuridade é, nao raro, sinal

— 53 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979 _

de que o orador nao domina a temática. É por isto que nao


se devem deixar subjugar pela aparente erudigáo aqueles a
quem é proposto um discurso difícil, eivado de neologismos
e construgóes pomposas...

Eis ainda outro instrumento dos agentes da Psicopolítica:

3.2.4. Disseminar o caos

O ambiente propicio para que o público aceite as teses


da Psicopolítica é o de insatisfacáo com a realidade vigente.
Daí o interesse dos respectivos agentes em difamar e desmo
ralizar autoridades e instituigóes; daí também o propósito de
disseminar a desordem e o caos na sociedade em que desa-
jam penetrar.

"Nosso primelro passo decisivo é produzlr o caos máximo na cultura


inlmiga. Nossos propósitos frutificam no caos, na desconfianza, na críse
económica e na confusio científica.

O pslcopolltico deve esforcar-se para produzlr o caos máximo no


terreno da 'cura mental'" (p. 27).

Entende-se este procedimento dentro da lógica da Psico


política, pois «o fim justifica os meios» (p. 93). Tudo é
válido, mesmo a mentira, a calúnia, a disseminacáo do odio
e a luta fratricida para se conseguir o objetivo, que é a impo-
sicáo do comunismo a todos os povos da térra.

"Para conquistar urna nacüo, primelro será preciso desniorallzá-la...


Sem dúvida, a degradado pode reallzar-se de forma mais eficaz e Insidiosa
mediante a dlfamacao permanente e organizada.

A dlfamacSo é a arma melhor e mals importante da Pslcopolítlca em


geral. Tem-se que levar a cabo, de maneira sistemática, urna campanha
de dlfamacSo das InstltuicSes, dos dirigentes, dos costumes e dos heróls
nacionais...

O objetivo da difamagSo e da degradacSo ó o próprlo homem. Ao


atacar a personalldade e a moral do homem e ao provocar, por meio da
contamlnacSo da juventude, um ambiente de degradacao geral, facilita-se
grandemente o dominio sobre a populacho.

Existe urna curva no processo de degradacfio que, em sentido des


cendente, chega até um ponto no qual a resistencia do individuo é quase
nula e onde qualquer acSo exercida sobre ele o submeterá a estado de
choque. Desse modo pode-se vexar, maltratar, desmoralizar e degiadar um
prisloneiro ata que o mínimo gesto de seus carcerelros o faca tremer. Asslm
a menor palavra de seus inimlgos o fará obedecer, mudar de convienes e

— 54 —
PSIC0P0L1TICA: QUE É? 11

aceitar qualquer ordem. No último extremo de sua degradacSo, chegará


até a assassinar seus companhelros de quartel. As experiencias realizadas
com prisioneiros alemáes tém demonstrado que, com apenas setenta días
de alimentos infectos, de privacSo do sonó e de alojamento em condlcQes
quase Intolerávels, pode conseguí r-se submeter o prisioneiro a um estado de
choque abaixo do limite de sua resistencia, com o qual se consegue que
ele obedeca, como hipnotizado, a qualquer ordem que se Ihe dé. Dessa
maneira, pode-se obter obediencia servil de milhares de prisioneiros, sem
ter que se ocupar pessoalmente de cada um, e se consegue modificar suas
crencas e dirigir sua conduta futura, depols de haver sido devolvidos aos
seus" (ib. p. 67s).

Estes dizeres bem manifestam a mente e as táticas da


Psicopolitica. Pelo que dispensam comentarios.

3.2.5. Reerutctmento de idiotas úteis

É notorio que os promotores de campanhas muitas vezes


utilizam pessoas que, de boa fé e inconscientemente, servem
á causa de tais dirigentes. Essas pessoas sao chamadas ino
centes úteis ou, no caso da Psicopolitica, idiotas úteis.

Eis como o livro em foco expóe tal tópico:

"Posto que quase todas as pessoas doutrlnadas tém de sofrer certo


grau de tratamento no terreno mental, nSo será difícil persuadir os que atuam
nesse terreno a que se submetam a uma cura moderada, mediante drogas ou
choques temperados. Se se conseguir isso, Imedlatamente o resultado será
um idiota útil, conseguido á base de hlpnose por dor e drogas. O recruta-
mento desses elementos revela-se mais eficaz quando se efetua entre os
estudantes dos 'tratamentos mentáis' que sofrem — ainda que em pequeño
grau — de alguma depravacSo ou que tenham sido 'tratados' por agentes
pslcopol (ticos.

O recrutamento fica facilitado fazendo-se com que o terreno da saúde


mental se torne atrativo, financeira e sexualmente.

O grau de promiscuidade provocado entre os pacientes mentáis pode


resultar altamente proveitoso para o agente psicopolitico encarregado do
recrutamento. O idiota útil podará assim satisfazer seus impulsos lúbricos
e estes, devidamente registrados, podem ser utilizados como elemento de
extorsáo para conseguir sua obediencia (em caso de falhar o tratamento
da hipnose por dor e drogas)" (ib. p. 83).

Apesar da deficiente tradugáo brasileira, entende-se que


este texto prevé o recurso á libertinagem sexual como meio
para atrair agentes e servidores as táticas da Psicopolitica.
Este trago nao surpreenderá o leitor, visto que se coaduna
com o quadro geral das estrategias psicopoliticas.

— 55 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

3.2.6. Destruisño de grupos religiosos

Visto que a Igreja Católica e, em geral, as comunidades


religiosas tém demonstrado grande interesse pelo bem espi
ritual, mental e físico da humanidade, os arautos da Psico-
politica consideram esses grupos como obstáculos a sua a'gáo.
Dai o combate aos mesmos:

"Esse terrível monstro, a Igreja Católica Romana, ainda exerce firme


dominio no campo das enfermldades mentáis do mundo Inteiro... É preciso
fazer desaparecer tudo Isso. é preciso difamar e desacreditar todas as
suas curas, denunciando-as como supersticSes. Urna quinta parte da atlvi-
dade do agente psicopolítlco deve ser dedicada a combater essas ameagas.
Assim como na Rússia tivemos que destruir a Igreja, depols de muitissimos
anos de arduo trabalho, assim também devemos destruir a fé em todas
as nacóes que o comunismo se propSe a conquistar...

Estamos lutando na América, desde principios do século, para que


desaparega a influencia crista e Já o estamos conseguindo. Aínda que pareca
que somos elementos clementes para com os cristáos, recordem-se de que
ainda temos que conquistar o mundo crlstáo para nossos dias... Aquí na
Rússia já os temos como macacos amestrados. Ignoram que Ihes damos
rédeas soltas até que os macacos dos outros países tenham caldo em
nosso lago.

É preciso trabathar até que 'religlao' seja sinónimo de 'denuncia*. 6


preciso conseguir que os magistrados municipais, estaduais e federáis nfio
tltubeiem em denunciar os grupos religiosos como inimlgos públicos"
(Ib. p. 869).

Confirma-se assim a muito conhecida tese de que nao


há conciliacáo entre Cristianismo e comunismo; este é visce-
ralmente ateu e infenso aos valores da fé.

A exposicáo, ainda que sumaria, dos principáis tópicos


da doutrina da Psicopolítica leva á necessidade de urna

4. Reflexüo final

Todo o teor do livro em foco é concebido no tom dos


trechos que transcrevemos; revelam-se assim intencdes secre
tas do comunismo e alguns dos métodos utilizados por seus
agentes.

Antes do mais, o conhecimento de tais estrategias evi


dencia que a escravatura ainda é um fato, e fato freqüente,
em pleno século XX. Até o século XIX os homens eram

— 56 —
PSICOPOLÍTICA: QUE É? 13

escravizados de maneira explícita e brutal pelo recurso á


forga física. Em nossos dias as táticas de escravizagáo vém
a ser outras, mais condizentes com os recursos da ciencia
contemporánea: é, sim, com o auxilio das técnicas da psico
logía que os homens destroem os seus irmáos, sem que o
grande público esteja sempre consciente do que vai ocorrendo.

Certos psicólogos, como o norte-americano B. F. Skinner


em seu livro «Beyond Freedom and Dignity» (Além da Li-
berdade e da Dignidade) tém estudado os meios de trans
formar as personalidades, sem levar em conta a liberdade e
a dignidade do ser humano. Essas técnicas tém-se revelado
diabólicamente eficientes, como fácilmente percebe quem
acompanha o progresso do comunismo e os noticiarios con-
cernentes a este.

Também a cirurgia tem sido utilizada para fins de domi-


nagáo e escravizagáo. As intervengóes no cerebro ou a neu-
rocirurgia tém logrado efeitos inegáveis, fazendo de pessoas
vivas auténticos autómatos, robos ou máquinas ou, ainda,
cadáveres ambulantes.

Em suma, considera-se o ser humano como «coisa», má


quina ou animal destinado a servir a interesses alheios, tanto
hoje como outrora... Apenas talvez com urna diferenga:
outrora os homens eram menos esclarecidos a respeito da
dignidade dos negros e dos indios; muitos acreditavam, de
boa fé, que os homens de cor nao eram membros da especie
humana ou nao tinham alma humana como os brancos,
segundo atestam varios documentos do Brasil colonial (nisso
havia um tanto de simploriedade, que muito mitigava o cará-
ter desumano da escravatura praticada). Hoje em dia, porém,
os estudos sobre as ragas evidenciam a igualdade essencial
de todos os homens entre si. Por conseguinte, se um grupo
escraviza massas humanas, isto se deve, a quanto parece, á
perversidade e a gana do poder, e nao á simploriedade e
á pouca instrugáo.

Se, de um lado, tais noticias suscitam a dor e a indig-


nagáo de quem as lé, de outro lado contribuem para escla
recer o público a respeito da índole monstruosa e satánica
dos extremismos politicos e, de modo especial, do comunismo.

— 57 —
Fenómeno socio-religioso:

e os cultos afro-brasileiros ?

Etn sintese: O fenómeno do sincretismo religioso no Brasil ou das


religióes afro-braslleiras tem sua orlgem na importado de escravos da
África para o Brasil. Estes conservaran) as suas crencas religiosas, mesclan-
do-as cá e lá com elementos do Catolicismo. Mais: o espiritismo intro-
duzido no Brasil em 1863 Insplrou novas configurares de tais crencas e
de seus cultos, dando origem especialmente á Umbanda na década de 1930.
Esta é a forma mais explosiva do sincretismo religioso brasileiro. Professa
um Deus supremo (pouco cultuado) e as divindades com as quals os homens
se relaclonam mediante sacrificios, despachos, trabalhos, ritos, etc.

Em resposta pastoral ao fenómeno, a Igreja Católica vem estudando me-


Ihor as suas características. Tem procurado compreender a psicología dos
adeptos do sincretismo, a flm de Ihes propor os elementos correspondentes
do Cristianismo tanto na pregacáo como na Liturgia. Muito ainda há que
fazer neste sentido, conservando-se, porém, intacta a dignidade e a reve
renda que devem caracterizar o culto litúrgico. De modo especial, é para
desejar que os fiéis católicos se aprlmorem no connecimento das verdades
da fé, a fim de que procurem nestas as respostas que, Incoerentemente, vio
pedir ao sincretismo religioso.

Comentario: Tem chamado a atengáo o fenómeno do


sincretismo religioso que se dá no povo brasileiro, em conse-
qüéncia da mésela de elementos dos cultos africanos, da reli-
giáo dos indios da América, do espiritismo e do Catolicismo.
O fato vem sendo estudado por teólogos, sociólogos, historia
dores, psicólogos..., que procuram explicá-lo. Repetidamente
a redacáo de PR tem sido solicitada a escrever sobre o
assunto. Vamos, pois, ñas páginas subseqüentes, apresentar,
em grandes linhas, as origens dos cultos afro-brasileiros, as
principáis concepgóes religiosas que inspiram a estes e, por
fim, algumas sugestóes sobre a pastoral da Igreja Católica
em relagáo ao fenómeno.

1. Origens des cultos afro-brasileiros

É no fato da esclavatura ou da importagáo de negros


para o Brasil na qualidade de escravos que se devem pro
curar as raizes do sincretismo religioso brasileiro.

— 58 —
OS CULTOS AFROBRASILEIROS 15

1. Costumam-se distribuir em dois grupos os negros


trazidos ao Brasil: os sudaneses e os bantos.

a) Os sudaneses vinham do Daomé, da Nigeria e do


Sudáo, que constituiam a chamada «Costa dos escravos»,
junto ao Océano Atlántico; essa área se estendia até os limi
tes do Egito, por baixo do deserto do Saara. Tais povos
eram chamados nagós ou yorubas, géges, fanti-ashanti (ne
gros-mina), haussás (de religiáo islamizada).

b) Os bantos vinham do Congo, de Angola, de Mogam-


bique e de Quelimane, isto é, do Centro e do Sul da África.

O tráfico negreiro comecou em 1530 e estendeu-se por mais


de tres sáculos, até a lei de Eusébio de Queiroz (4/09/1853),
que proibiu definitivamente a importacáo de escravos negros.
Nao se sabe exatamente quantos africanos foram assim tra
zidos ao Brasil: enquanto Roberto Simonsen, baseado em
dados de caráter económico, fala de 3.300.000 escravos, Ciro
T. de Pádua julga que cerca de 6.000.000 de negros foram
importados.

Os sudaneses foram encaminhados principalmente para


o Nordeste do Brasil (da Bahía ao Maranháo), como tam
bém para o Sul (Porto Alegre, Viamáo e Pelotas). Os ban
tos, ao contrario, ficaram na regiáo Leste (Espirito Santo,
Rio de Janeiro, Minas e Sao Paulo). Todavía é evidente que
houve destacamento de escravos e, em conseqüéncia, cruza-
mentos biológicos e culturáis entre eles.

2. No tocante á religiáo, podem-se assinalar as seguin-


tes características:

a) Os sudaneses admitem urna divindade suprema, cha


mada Olorum (= o Céu); todavía esta é geralmente esque-
cida e nao cultuada. Entre o deus supremo e os homens,
professam a existencia de Orixás,1 também chamados Voduns,
que comandam os atos da vida humana, devendo ser consul
tados e seguidos. Dos 400 Orixás africanos, apenas urna
dezena e poucos sao cultuados no Brasil. Os principáis Ori
xás sao: Obatalá ou Orixalá (= o Firmamento) e Oduddua
(= a Térra), dos quais se originaram Agaju (= a Térra
firme) e Iemanjá (= a agua). Destes dois terá nascido Or-
1A palavra orlxá se deriva de oilxalá, de que é abreviatura. Tenha-se
em vista que Orí significa cabeca e xá, chefe ou senhor. Donde orlxá é o
santo que está na cabeca, o santo principal de cada crente.

— 59 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

nugá (= o ar). Do amor incestuoso de Ornugá por Iemanjá,


sua máe, originaram-se numerosos orixás; na verdade, quando
Iemanjá fugia á perseguigáo de seu filho Ornugá, ela caiu e
de seu ventre sairam filhos Orixás como Xangó (personifi-
cagáo do raio), Ogum (personificagáo da guerra), Oxosse
(divindade da caga), Omolu ou Xapana (deus das doengas),
Oloxa (deus dos lagos)...

Contam-se outros Orixás, que nao sao filhos de Iemanjá...


Assim, por exemplo, Exu, mensageiro entre os demais Orixás
e os homens (identificado com o prazer sexual), Ibeji, pro-
tetor dos gémeos, Ifá, Orixá da adivinhacáo...

Cada Orixá tem suas insignias e recebe seus sacrificios


específicos.

b) A religiáo dos bantos, embora fosse semelhante á


dos sudaneses, tinha suas notas distintivas:

Assim o Deus supremo era chamado Zambi ou Zambi-


-ampungu. Nao era cultuado... Em vez de Orixás, divin-
dades cósmicas, os bantos admitiam, entre o Deus supremo
e os homens, as almas dos antepassados (Manismo) e os
espiritos superiores (animismo); a tais intermediarios é que
prestavam culto. Os bantos admitiam que as almas dos defun-
tos vagueiem pelo ar; sao chamados eguns ou zumbís.

O ministro do culto banto é chamado Kimbanda, o qual


também exerce a fungáo de curandeiro, sendo altamente
influente entre os bantos.
3. Em anexo, importa dizer algo sobre as crengas dos
indios do Brasil, que entraram no sincretismo posterior.
Os indios admitiam um principio superior chamado Tupa,
abaixo do qual julgavam haver grande número de deuses ou
genios; assim Yara ou Uayara, divindade da agua dos rios;
Jurupari, mais tarde identificado com o demonio dos cris-
táos; Saci-Pereré, que mete médo ás criangas...
Os tupis tinham grande pavor das almas dos defuntos e
acreditavam que estas apareciam sob forma de animáis (lagar-
tixa, sapo, pássaro...), vagueando principalmente durante a
noite. Tinham como conselheiros os pajes, que curavam
doengas e afastavam o Jurupari.
4. As religióes primitivas no Brasil encontraram-se com
o Catolicismo e, posteriormente, a partir de 1863, com o espi
ritismo e o ocultismo.

— 60 —
OS CULTOS AFROBRASILEIROS TT

Do encontró com o Catolicismo resultou, entre outras


coisas, a identificagáo dos Orixás com os santos, em virtude
da necessidade que os negros sentíam de dissimular suas prá-
ticas religiosas, nao toleradas pelos portugueses. Assim Je
sús Cristo foi identificado com Oxalá, o primeiro dos Orixás;
lemánjá, com a Virgem María; Oxosse, deus da caca, com
Sao Sebastiáo; Ogum, deus da guerra, com Sao Jorge; Xangó,
deus do trováo, com Sao Jerónimo; íansá, mulher de Xangó,
com S. Bárbara; Omulu ou Xafená, deus das doengas, com
S. Lázaro, Sao Roque ou Sao Bcnto; Ibeji, com Sao Cosme
e Sao Damiáo; Ifá, com o Espirito Santo; Exu, mensageiro
dos Orixás, com o demonio...

Do contato com o espiritismo, os cultos africanos assu-


miram a prática da comunicagáo com os mortos, a dos pas-
ses, a da adivinhagáo mediante um copo de agua e a crenga
na reencarnacáo (professada pela Umbanda).

O ocultismo comunicou á Umbanda (que, como se dirá


adiante, teve origem na década de 1930) o uso dos defuma
dores, dos banhos de descarga, dos pontos riscados, dos tra-
balhos para finalidades diversas, das encantacóes, etc.

Urna vez expostas sumariamente as raizes dos cultos


sincretistas do Brasil, importa projetar em sintese as princi
páis posigóes da mais difundida torma desses cultos que é
a da Umbanda.

2. Umbanda: linhas doutrinárías

Nao se poderia expor o que seja a Umbanda, sem men


cionar previamente a Macumba.

Quando os escravos no Brasil obtiveram a sua liberta-


gáo, passando a constituir urna especie de subproletariado
em urna sociedade que se industrializara, as religióes que eles
professavam, perderam o quadro natural do campo, das
aldeias ou das minas em que haviam subsistido até entáo
para sobreviver em ambientes jiovos. Ora tal transposigáo
provocou o encontró dos cultos afro-brasileiros com o espi
ritismo. Este, entrando no Brasil em 1863, conheceu logo
grande sucesso entre as carnadas mais simples e deserdadas
da populagáo, a quem abria as perspectivas de comunicagáo
com o além e do aconselhamento seguro por vias «sobrena-
turais».

— 61 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

O encontró entre as religióes afro-brasileiras e o espiri


tismo deu origem a nova forma de sincretismo que é a Ma-
cumba. Esta se carácterizava por algumas notas típicas:
1) os espíritos que «baixavam» ñas sessóes eram os dos
negros e dos indios;

2) o presidente da sessáo fazia as vezes de curandeiro


e de paje; era um personagem que dominava os espiritos e
nao simplesmente lhes servia de intermediario;
3) a comunicagáo com o além tinha como interlocuto
res nao só os espíritos, mas também as divindades cósmicas
(professadas pelas religióes sudanesas).

Ora, na década de 1930, a Macumba foi reestruturada.


Nessa nova forma sao mais salientes as características espi
ritas; só se conservaran! do lastro africano as expressóes
compatíveis com a vida civilizada. A nova estrutura tomou
o nome de Uinbanda1; a forma religiosa anterior, mais gros-
seira, ficou sendo chamada Quimbanda, a qual pratica a
magia com fins maléficos.

A Umbanda, secundo consta, foi fundada em Niterói na


década de 1930 por u: i espirita kardecista: o capitáo Joáo Pes-
soa. Difundiu-se rápidamente pelo Rio de Janeiro, o Estado
do Rio, por Minas, Sao Paulo, Rio Grande do Sul, Pernam-
buco... Em 1940 realizou o primeiro Congresso no intuito
de uniformizar a sua doutrina e o seu ritual — o que, na
verdade, até hoje nao foi conseguido, pois a Umbanda difere
nao só de cidade para cidade, mas também de tenda para
tenda; em seu gremio há tendencias mais espiritas, mais
africanas, mais cristas, mais esotéricas...

Todavía dentro da variedade de correntes, distinguem-se


pontos doutrinários comuns.

1) Divindadcs

As divindades de Umbanda sao classificadas em sete


linhas, que contém legióes e falanges. Tais linhas sao, segundo
a esquematizagáo. mais comum: a de Oxalá, a de lemánjá,
a do Oriente, a de Oxosse, a de Xangó, a de Ogum, a afri
cana.

> A palavra Umbanda vem do banto Ymbanda, chefe do culto, sacer


dote. Há, porém, suposicáo de que a palavra tenha ratees remotas, que
Ihe dariam o significado de Luz Divina.
OS CULTOS AFROBKASILEIROS 19

As entidades agrupadas em cada urna dessas linhas per-


tencem a urna das tres seguintes categorías:

— Orixás e Exus (entidades animísticas),

— Caboclos (espíritos de indios),

— Pretos Velhos (espíritos de africanos).

A Umbanda tem modificado o conceito dos Orixás: em


vez de representaren! forcas da natureza, váo sendo conce
bidos como baluartes da ordem moral. Assim Ogum deixa
de ser o Deus guerreiro para tornar-se a Divindade que admi
nistra a justiea; lemánjá, deusa das aguas, fica sendo a que
purifica das paixóes terrestres os seus devotos; Xangó, a
Divindade do raio, passa a ser aquele que decide sobre os
destinos das almas.

A Umbanda tem modificado o conceito dos Orixás: em


existencia de fluidos bons e maus, positivos e negativos, que
influem na vida dos homens.

2) Os homens e as entidades superiores

Os devotos se relacionam com as Divindades de tres


maneiras:

— mediante homenagens, preces, agáo de gragas. A


Umbanda tende a nao oferecer sacrificios de animáis, ao
passo que a Quimbanda os pratica;

— mediante incorporaeáo das entidades superiores em


seus «cávalos» (os médiuns de ambos os sexos), também
chamados «aparelhos» ou (caso um exu se incorpore) «bur
ros». A incorporagáo ocorre ao som dos cánticos, do ataba
que, do ponto cantado ou curimba (= invocagáo) e do ponto
riscado (este é o desenho tragado no chao com giz, pemba,
a fim de reforear o efeito dos cánticos);

— mediante a magia. Esta consiste em rítuais que obri-


gam as entidades superiores a servir aos homens conceden-
do-lhes efeitos precisos, como a cura de doencas, um bom
emprego, a solucáo de caso difícil, a anulagáo de feiticos...
A magia aplicada ao bem toma o nome de «magia branca»;
quando destinada ao mal, chama-se «magia negra». Aquela
é praticada pela Umbanda, ao passo que esta táo somente
pela Quimbanda.

— 63 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 230/1979

A magia recorre a diversos artificios como a defumagáo


(= a fumagáo de incensó purifica o recinto da s'essáo, afas-
tando as forc.as do mal), os despachos e sacrificios, os amu
letos (como a figa, o tridente, o triángulo...) destinados a
remover as más influencias, as bebidas, os charutos, as velas,
as fitas de seda, os uniformes (geralmente brancos, porque
emitem radiacóes etéreas puras)...

3) A hierarquia no terreiro

Todo terreiro é chefiado por um babalorixá ou babalao


(também dito «senhor de Olorum», «príncipe de Umbanda»,
«cacique», «paje»...). Se mulher, a chefe é chamada «baba»
ou «máe de Umbanda».

Assistem ao(á) chefe os ogás (masculinos) ou as jabo


nas (máes pequeñas), que entoam os pontos cantados e diri-
gem os trabalhos de incorporacáo dos espirites.

Seguem-se na hierarquia os cambónos e as sambas, a


quem compete ajudar os médiuns em estado de transe.

Por último, vém os «cávalos de santos» ou «aparelhos»,


em número de dez ou mais médiuns em cada terreiro, que
dáo consultas e receitas para curar doencas e resolver casos.

4) O ritual

O ritual umbandista é muito rico, desdobrando-se, via


de regra, numa sessáo pública segundo as seguintes etapas:
a) cinco minutos antes do inicio da sessáo, os médiuns
já se acham no recinto, devidamente uniformizados;

b) defumacáo do ambiente (queima de ervas aromá


ticas) pelos cambónos, a fim de afastar os maus espíritos e
captar as irradiagóes dos espirites de luz;

c) oragáo do chefe, seguida de catequese doutrinária


durante quinze minutos;

d) abertura dos trabalhos em nome de Deus (Zambi),


de Jesús (Oxalá), do Patrono da casa e dos guias invisíveis;
e) canto dos pontos das falanges celestes que deveráo
baixar. Entrementes o chefe do terreiro risca o ponto de

— 64 —
OS CULTOS AFROBRASILEIROS 21

seguranga (ou porteira) contra os exus e derrama o «marafo»


nos quatro cantos do terreiro;

f) incorporado dos guias nos médiuns. Os pretos ve-


lhos (Pai Joáo, Pai Guiñé, Máe Maria, Tia Rosa, Vovó
Luisa...) fazem seu médium curvar-se como se fosse um
anciáo. Pedem cachimbo para fumar e bebem parati; querem
que seu médium fique sentado num tamborete, e dáo conse-
lhos muito bondosos, numa linguagem difícil de se entender.

Os caboclos (Jurema, Sete Flechas, Sete Cachoeiras, Ubi-


rajara, Iracema...) costumam baixar fogosamente. Gostam
de penachos e colares. Fumam charutos e bebem cachaca,
vinho e cerveja. Obrigam o médium a atitudes rudes, mas
sao prestativos;

g) danga em roda (gira) diante do altar;

h) encerramento com o canto (ponto) de subida (desin-


corporacáo) dos guias;

i) prece final.

Os devotos oferecem sacrificios (ou «obrigagóes») as


entidades de Umbanda, a título de homenagem, pedido ou
agradecimento. Essas oferendas constam de flores, bebidas,
mel, charutos, rapadura, perfumes, velas, tacas de cristal...,
objetos estes que sao depositados onde «vibram» os diferen
tes orixás e espíritos: nos lugares verdes ou bosques (Oxalá),
na entrada das flores (Ogum), ñas encruzilhadas (Exu), nos
gramados (Pretos Velhos), junto a urna fonte (Oxum), ñas
aguas (Iemanjá), na areia (povo do Oriente)...

Os interessados váo ao terreiro também para pedir ao


Babalaó a adivinhagáo do futuro. Isto é feito mediante o
jogo dos búzios, que sao conchas marinhas (geralmente em
número de doze); o Pai de Santo as encerra em sua máo
direita e as langa sobre a mesa — o que resulta numa figura;
esta é interpretada pelo Babalaó como sendo a resposta ao
consulente. — Também se usa o rosario ou colar de Ifá
(Orixá das adivinhacóes), que, langado ao chao, insinúa urna
imagem, que o Pai de Santo interpreta.

A Umbanda conhece outrossim os ritos de batismo, con-


firmacáo, matrimonio, ordenagáo, fechamento do corpo, etc.

— 65 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

5) ReenoornasSo

Por contagio do espiritismo kardecista, a Umbanda, á


diferenca do Candomblé, professa a crenga na reencarnacáo,
segundo a lei do Karma. Esta exige que o individuo resgate
em encarnagóes futuras os males cometidos na vida presente;
é prec»so, pois, «limpar o Karma», evitando o egOismo e pra-
ticando a caridade.

Faz-se mister agora procurar delinear sumariamente as


causas da expansáo das religióes afro-brasileiras em meio ao
povo do Brasil.

3. Causas da expansáo

Nao se pode deixar de levar em conta o fato — sempre


crescente — das religióes populares do Brasil. Dizem algu-
mas estimativas que a Umbanda conta hoje 30 milhóes de
adeptos — o que é talvez exagerado, pois nem todos os que
freqüentaram ou freqüentam a Umbanda tencionam compro-
meter-se com seus preceitos, mas apenas buscam algum alivio
momentáneo. Como quer que seja, o presidente da Cruzada
Federativa Espirita de Umbanda do Estado de Sao Paulo
afirmou em 1974: «A Umbanda, daqui a cinqüenta anos no
máximo, será a religiáo- do Brasil; irá superar todas as
demais praticadas no país». Se a Umbanda penetra cada vez
mais dentro das diversas carnadas sociais da populagáo bra-
sileira, é mister procurar as causas do fenómeno para se lhes
propor alguma resposta.

As principáis causas desse fenómeno de expansáo pare-


cem ser as seguintes:

1) Está arraigado no povo brasileiro um profundo senso


místico, todavía associado a grande ignorancia religiosa. Esse
senso místico se deve, em grande parte, ao caldeamente de
ragas no Brasil. Mesmo dentro do Catolicismo registra-se
forte tendencia dos fiéis a aceitar fenómenos extraordinarios,
milagres, visóes, aparigóes, sem que os católicos se preocupen)
com os criterios que possam distinguir os auténticos e os
falsos portentos religiosos.

Sabe-se que o homem de hoje, em geral, é pouco inte-


Jectualista no tocante aos valores humanos e religiosos, dei-
xando-se entáo guiar mais por emogóes e afetos do que pelas
proposicóes da verdade.

— 66 —
OS CULTOS AFRO-BRASILEIROS 23

2) O povo brasileiro também é inclinado a manifesta-


góes sensíveis, dotado como é de espontaneidade e vivacidade.
É o que faz que procure nao raro os terreiros a fim de expan
dir seus sentimentos religiosos com toda a exuberancia possí-
vel, dado que a Liturgia Católica pode as vezes parecer sobria
demais.

3) As pessoas premidas por tribulacóes físicas, moráis


ou psíquicas sujeitam-se fácilmente a quaiquer indicagáo ou
receita que se lhes aprésente como solugáo de seus problemas.
É o que explica a voga do curanderismo hoje em dia nao
só no Brasil, mas também no mundo inteiro. Além disto, o
povo brasileiro carece, muitas vezes, de recursos para con
sultar um médico ou comprar um remedio; é, portante, impe
lido a procurar na «medicina» e na «farmacéutica» dos ter
reiros o alivio para seus males físicos.

Urna vez expostas as causas do sincretismo religioso no


Brasil, interessa-nos estudar quais as respostas que se lhe
poderiam dar.

4. Respostas

Enumeraremos as quatro seguintes atitudes a ser assu-


midas pela pastoral da Igreja frente ao sincretismo religioso:
1) Antes do mais, é necessário que os agentes de pas
toral conhegam o fenómeno nao somente em suas expressóes,
mas também em suas raizes e suas causas; importa conhecer
a psicología do adepto dos cultos afro-brasileiros. Alias, já
muita coisa se tem feito neste sentido: em diversas dioceses
vém sendo promovidos cursos para estudar a historia, a dou-
trina e os ritos dos cultos afro-brasileiros; também se tém
desenvolvido estudos de parapsicología que elucidam os fenó
menos do espiritismo e da Umbanda. De modo especial, levar-
-se-á em conta a índole do africano trazido parai, o Brasil;
como dizem os estudiosos, o homem negro é essencialmente
religioso, cultual, simbolista, rítmico, ritualista, social e comu
nitario. .. Ao se converter ao Catolicismo, o negro nao
renega a sua índole natural, mas deve procurar cultivá-la
sob a inspiracáo das grandes linhas da mensagem crista.

2) É de crer que nos sentimentos religiosos dos africa


nos e ñas expressóes rituais destes haja elementos compatí-
veis com a mensagem e a Liturgia católicas; o Concilio do
Vaticano II, no seu decreto «Ad Gentes» (11 b), sobre as

— 67 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

Missóes, lembra que existem sementes do Verbo de Deus ñas


religióes nao cristas; tais elementos, tanto na pregacáo como
na Liturgia, háo de servir de pontos de insergáo do Evange-
Iho ñas populagóes de origem africana. É o que se lé tam-
bém em «Ad Gentes> 3a.9a; «Gaudium et Spes» 57d; «Nos-
tra Aetate» 2b.

O mesmo documento sobre as Missóes chega a dizer:


«Como Cristo, por sua encarnacáo, se ligou as condigóes
sociais e culturáis dos homens com quem conviveu, assim
deve a Igreja inserir-se em todas as sociedades» (n» 10;
cf. 18b. 22a).

3) De modo especial, a Liturgia (que é eloqüente forma


de catequese) deveria levar em consideracáo as modalidades
das diversas culturas em meio ás quais é celebrada. É o
que o Concilio do Vaticano II preconiza na sua constituigáo
sobre a Sagrada Liturgia:
"A Igreja nSo deseja Impor na Liturgia urna forma rígida e única...
Antes cultiva e desenvolve os valores... das nacSes e dos povos. O qua
quer que nSo esteja ligado Indlssotuveimente a superstlcQes e erros, exa-
mlna-o com benevolencia e, se pode, conserva-o Intato. Até por vezes
admlte-o na próprla Liturgia, desde que esteja de acordó com as normas do
verdadelro e autentico espirito litúrgico" (Sacrosanctum Conclllum n<? 37).

"Salva a unldade substancial do rito romano, dé-se lugar a legitimas


variacOes e adaptares para os diversos grupos, reglSes e povos, principal
mente ñas mlssSes" (ib. n<? 38). ,

Após o Concilio do Vaticano II, registra-se certa preo-


cupagáo de adaptar a Liturgia aos diversos tipos de assem-
bléia que a freqUentam. A Igreja já elaborou urna Liturgia
eucarística para criangas, que conserva toda a dignidade da
celebragáo católica e, ao mesmo tempo, utiliza a lingua-
gem e o estilo compreensiveis aos pequeños. Tais iniciativas
sao válidas, contanto que se levem em conta as considera-
cóes seguintes;

— será oportuno guardar sempre a distincáo entre o


popular e o vulgar (ou mesmo ridiculo), quando se trate de
elaborar urna Liturgia para as assembléias menos cultas.
Compreende-se que se adotem expressóes típicas das popula
góes negras, todavía desde que correspondam aos parámetros
da dignidade, da estética e da reverencia a Deus que a Litur
gia cultua;

— nem sempre as assembléias litúrgicas sao homogé


neas, principalmente ñas paróquias. Estas, por ocasiáo das

— 68 —
OS CULTOS AFRO-BRASILEIROS 25
«

Missas dominicais, sao freqüentadas por diversos tipos de


paroquianos... Se se oferece a tais assembléias heterogé
neas um tipo de celebrado marcadamente popular ou «afri-
canizante», corre-se o perigo de nao atender senáo a umá
parte da assembléia... O problema é especialmente nítido
quando se trata da linguagem vernácula dos textos biblicos
e litúrgicos: expressóes demasiado corriqueiras ou mesmo sin-
taticamente erróneas (para nao dizer:... de gíria) destoam
da dignidade do culto sagrado.

Para resolver o problema, eremos que deve haver, sim,


pluralidade de formas litúrgicas, todas, porém, permitidas e
oficializadas pela Santa Sé, a fim de se evitarem as impro-
visacóes subjetivas, muitas vezes pouco felizes e edificantes.
Ao celebrante da S. Liturgia competirá ponderar cuidadosa
mente a oportunidade de aplicar esta ou aquela forma de
celebragáo, levando em conta o tipo de assembléia tá qual
se deva dirigir.

4) Além disto, apregoa-se a enfatizagáo dos sacramen


táis como respostas adequadas á procura de ritos, símbolos,
gestos e béngáos que o povo católico cultiva. Existem, sim,
béngáos para as casas, as oficinas, as escolas, as bibliotecas,
os campos, os automóveis... A Igreja reconhece também o
valor da agua benta, das velas bentas, dos tercos e rosarios,
das medalhas... Estes sao elementos de piedade que nasce-
ram da conviegáo crista de que o homem é um ser psicosso-
mático (por conseguinte, necessita de símbolos) e de que o
ambiente no qual o homem vive e trabalha é merecedor das
preces da Igreja para que seja santo. Outrora os sacramen
táis foram talvez exageradamente valorizados na piedade
católica; a renovacáo induzida pelo Concilio do Vaticano II
fez que varios pastores os deixassem um tanto de lado; veri-
fica-se, porém, que este despojamento torna a Liturgia dema
siado pobre para a populacáo de certas regióes. Trata-se,
pois, de restaurar o uso dos sacramentáis na medida em que
corresponde ás exigencias sadias de determinadas populagóes.
As béngáos e os sacramentáis nao perderam a estima da
Igreja de nossos dias, como bem demonstra o Cardeal Knox
ao se referir ao Novo Ritual Romano em 1975 (cf. La Do-
cumentation Catfoolique, 1975, p. 367). Todavia será mister
instruir adequadamente os fiéis para que compreendam que
os sacramentáis sao expressóes da prece humilde e filial da
Igreja ao Pai, nao, porém, maneiras de «coagir a Divindade».

— 69 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

Assim passamos á considerar outra norma pastoral im-


'-portante, para-, 'evitar a expansáo do sincretismo religioso:

' 5).. É riécessário cuidar sistemáticamente da formagáo


dos fiéis católicos a fim de que mais e mais saibam ler a
S. Escritura dentro da Tradigáo católica e conhegam sempre
melhor a doutrina revelada. A ignorancia religiosa, total ou
relativa, é fator que ocasiona a demanda de terreiros por
parte dos católicos. Se estes conhecessem melhor as verda
des da fé crista e o conteúdo das mensagens afro-brasilei-
ras..., mais: se conhecessem um pouco de parapsicología,
nao se voltariam táo fácilmente para os cultos de Umbanda
e congéneres, mas procurariam no próprio Catolicismo a res-
posta ás suas aspiragóes. Verdade é que o ser humano, posto
em situagóes de angustia, muitas vezes deixa de raciocinar
com nitidez e cede a atitudes irracionais ou semi-irracionais.
Como quer que seja, impóe-se com preméncia crescente a
necessidade de que os fiéis católicos aprofundem sempre mais
as grandes proposigóes da fé que professam. Isto já vem sendo
feito em diversas partes do Brasil; há de ser fomentado sem
pre mais.

Estas modestas ponderagóes nao pretendem exaurir a


temática sugerida pelo sincretismo religioso, mas podem tor-
nar-se contribuigáo para a devida abordagem da mesma.

Bibliografía:

CERIS, Catolicismo popular no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolls 1966.

CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL-LESTE UM,


Macumba. Cultos afro-brasllelros. Ed. Paulinas, SSo Paulo, 2? ed. 1976.

Familia Crista, ano 23, n? 503, novembro 1977, pp. 30-34. Ed. Paulinas,
SSo Paulo.

KLOPPENBURG B., A Umbanda no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolis 1961.

, O espiritismo no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolis 1960.

, O reencamaclonlsmo no Brasil. Ed. Vozes, Pe


trópolis 1961.

Renovacao (revista da CNBB-Sul 3), n? B3, dezembro 1974. Caderno


sobre "Rellglosldade Popular".

REB, vol. 36, marco de 1976, número dedicado á Rellglosldade Popu


lar Brasileira.

RIBEIRO DE OLIVE IRA P., ANTONIAZZI A. E OUTROS, A RelIgiSo do


Povo. Curitiba 1976.

— 70 —
Cada vez mais em loco: («^ (-> r^ C:
[ i^ r\. v3. o.

relacoes sexuais pré-matrk^mjais — r ^

Em sintese: As relacoes sexuais pré-matrlmonials se tornam cada


vez mais freqüentes e "normáis" em nossos días»

Ora é de se lembrar que a uniSo sexual vem a ser a expressfio máxima


da doacSo mutua de duas pessoas que se váo aproximando urna da outra
mediante o namoro e o noivado. A unlüo de corpos supóe o compromlsso
definitivo do amor e a estabilidade do lar, pois ela é por si fecunda, ou
seja, tende a se exprimir num fruto ou num terceiro, que é a prole; esta,
firma o amor do homem e da mulher, obrlgando-os a superar qualquer res
quicio de egoísmo.

Verdade é que em nossos días se propdem argumentos para justificar


as relagoes pré-matrimoniais:

1) "O amor leva á plena comunhño". Sim. Todavía é de notar que


o ser humano chega á maturldade biológica antes de possuir maturidade
psicológica e personalidade plena, capaz de sustentar o peso das relacdes
do amor heterossexual.

2) "é preciso testar o amor". — Quando se realizam relacdes sexuais


para "provar" o (a) companhelro(a), falta a condlgao básica do amor que
é entrega Irrevogável e absoluta.

3.) "A longa espera do casamento...!" — Nao se corrija o "mal"


da espera com outro mal, que serlam as relagfies pré-matrimonlais. De
resto, a espera tem seus aspectos positivos, pois oferece aos jovens a
ocasiio de aprimorar sua formac.8o humana e crista.

4) "O uso dos anticoncepcional facilita...". — Os antlconcepclo-


nais clndem amor e fecundidade; esterlllzam um valor que por si ó fecundo.
Em conseqüéncla, marcam nocivamente o físico e o psíquico da mulher,
que vem a ser fácilmente instrumentallzada pelo egofsmo alhelo, julgando
"nao correr riscos".

5) "O contrato é mera formalldade..." — O contrato matrimonial


significa a InsercSo do nos conjugal dentro do nos da grande socledade.
O amor é eminentemente social.

Eis por que Importa mostrar aos jovens que as relacoes pré-matrlmo
nials, em vez de levar a mais fellcidade e grandeza, multas vezes nfio
fazem senáo alimentar o egofsmo dos interessados.

Comentario: É fato notorio que as relagóes sexuais ante


riores ao casamento váo sendo cada vez mais julgadas como
algo de normal. Os jovens parecem praticá-Ias tranqüüa-

— 71 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

mente, máxime após a difusáo da pilula anticoncepcional


Pergunta-se, pois: nao se poderia dizer que realmente tal
praxe nada tem de ilícito, desde que cultivada por amor?.
ou desde que naja previsáo de casamento entre as duas par
tes interessadas?

Responderemos a estas perguntas, após haver exposto o


problema; abordaremos entáo 1) o conceito de amor; 2) a
argumentagáo favorável as relagóes pré-matrimoniais.

O assunto, alias, já toi abordado com certa amplidáo


em PR 167/1973, pp. 467-484; por isto remetemos o leitor a
tal artigo. Nao deixamos, porém, de voltar á temática no
presente número, vista a crescente atualidade da questáo.

1. O problema

Os inquéritos realizados nos Estados Unidos e na Europa


manifestam que a grande maioria dos jovens nao vé dificul-
dade em aceitar relagóes pré-matrimoniais. Apenas pequeña
porcentagem de mogas se casa em estado de virgindade; os
próprios rapazes, que antigamente muito se importavam com
a virgindade de suas futuras esposas, parecem nao mais dar
valor a tal exigencia.

As razóos explicativas desta situagáo parecem obvias:

A sociedade contemporánea é acentuadamente permissiva;


procura cada vez mais remover o que ela chama «os tabus
do sexo». Os meios de comunicagáo social (televisáo, cinema,
teatro, impressos, periódicos...) muito contribuem para isto;
direta ou indiretamente fixam a atengáo do público sobre
temas erotizantes; o «sexo» se torna quase obrigatório, para
nao se dizer:... obsessivo... Em conseqüéncia, as enancas
e os adolescentes concébem curiosidade e interesses sexuais
em idade precoce ou a grande distancia do casamento.

Eis como Hárvey Cox descreve a influencia dos meios


de comunicagáo social no caso:

"Os ¡ovens sao constantemente bombardeados pelo modo de vostlr,


pelas diversdes, pelos anuncios, etc., meios estes que talvez constltuam a
torca mais hábilmente preparada em materia de estimulantes eróticos que
Jamáis se tenha conseguido concentrar. Seus temores e fantasías sexuais

— 72 —
RELACOES PRfi-MATRIMONIAIS 29

sfio estudados por peritos em motlvagCes e Impiedosamente explorados celos


acambarcadores dos mass media" (La ciudad secular. Barcelona 1968,
*• • 6Q.t p, 277) •

Acontece também muitas vezes que o casamento é dife


rido por motivos económicos e profissionais, pois os jovens
sao obrigados a estudar mais a fím de poder conseguir certa
estabilidade profissional e económica... Ora a dilacáo do
casamento, provocando impaciencia, suscita numerosas e
constantes ocasióes á tentagáo de anteciparem as relacóes
conjugáis.

Urna vez esbogado o problema, importa-nos tragar as


respectivas pistas de solugáo.

2. Que é amor? Qub é sexo?

1. Em nossos días, nao raro se confunden! os conceitos


de amor e sexo.

Na verdade, amor, no sentido próprio da palavra, é que


rer bem ao ser amado,... querer bem que muitas vezes nao
redunda em prazer ou compensagáo para quem ama, mas
exige doagáo e entrega para que o bem do ser amado possa
ser atingido. É. claro que o amor nem sempre tem faceta
táo austera1; em muitas de suas fases, o amor acarreta tam
bém alegría e prazer sensíveis, pois encontra doagáo recí
proca da. parte da pessoa amada.

Quando o amor ocorre entre dois jovens solteiros que


se dispóem ao casamento, compreende-se que vá tomando
novas e novas expressóes de si mesmo,... expressóes que
indicam o crescimento da doagáo íntima e mutua das duas
pessoas om pauta. A uniáo sexual, por ser a mais plena
manifestagáo da recíproca entrega, nao tem sentido no inicio
do namoro nem durante o desdobramento do mesmo que
ocorre no noivado, mas supóe a máxima e definitiva doagáo
interior que só o matrimonio realiza. Com outras palavras:
a uniáo sexual supóe o compromisso estável e responsável
que é o casamento. Com efeito, tal uniáo é naturalmente
fecunda; ela leva á prole; ora a prole nao se entende se nao

^Dlzemos austera, levando em conta o plano sensível, pois Inegavel-


mente o amor Implica sempre profunda alegría espiritual. O amor é algo de
nobre, que enobrece, enriquece e, por Isto, regozlja Intimamente a quem o
cultiva.

— 73 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

existe lar ou se nao existe compromisso estável entre genitor


e genitora, dispostos a educar os filhos que eles concebam.

2. Ademáis note-se: o fáto de alguém sentir atrativo


por pessoa do sexo oposto nao quer dizer que esteja em
condigóes físicas e psíquicas de ter relagóes sexuais com a
mesma. É preciso que haja amadurecimento paulatino, sem
queima de etapas, a fim de que a uniáo sexual possa signi
ficar ponto de chegada e auténtica realizacáo humana.
"O casamento é o climax desse processo de crescimento.

Ao se casarem, os noivos já devem ter superado, totalmente, o estáglo


infantil do amor.

A entrega de seus corpos um ao outro deve ser a manifestacáo total


desse amor adulto que vai além do simples prazer (isleo, para atingir urna
dimensáo mais profunda de plena Integragáo mental e psíquica" (HAROLDO
GALVÁO, O problema é sexo. Ed. Paulinas, Sao Paulo 1974, pp. 89s).

3. Tais principios valem igualmente para o sexo mas


culino e para o feminino, embora se julgue que o rapaz
(ou o homem) tem direito ao livre uso do sexo e se con
teste o mesmo 'á mulher. Verdade é que a mulher vem a ser
mais profundamente afetada por relagóes sexuais pré-matri-
moniais do que o rapaz; tanto em seu físico como em seu
psíquico ela se ressente seriamente das conseqüéncias de
tal praxe. Isto, porém, nao quer dizer que a natureza Ihe
tenha proibido algo que facultou ao sexo oposto. Na ver
dade, qualquer criatura humana está sujeita ao mesmo pro
cesso de amadurecimento pessoal; somente a uniáo estável e
definitiva, selada pelas nupcias, constituí o ambiente natu
ralmente propicio á vida sexual, que por si é fecunda e tende
á prole.

Eis, porém, que se propóem argumentos em favor das


relagóes pré-matrimoniais. Vamos, pois, examinar de ma-
neira objetiva a sua consistencia.

3. Em prol das rela;5es pré-nupciais. . .

Estudaremos cinco das principáis razóes comumente


apresentadas.

3.1. «O amor leva á plena comunhño I»

Na verdade, muitos namorados ou noivos procuram jus


tificar a prática das relagóes pré-nupciais, apelando para a

— 74 —
RELAgOES PRS-MATRIMONIAIS 31

realidade de intenso amor recíproco; segundo eles, tal amor


exige, em termos inadiáveis, plena comunháo, ou seja, a
consumagáo da uniáo física. Dizem outrossim que é prefe-
rivel ter relagóes pré-matrimoniais com amor a té-las sem
amor, isto é, com pessoas desconhecidas.

— Respondemos que, na verdade, o amor implica comu-


nicagáo e busca de intercomunháo pessoal. Todavía nesse
«dar e receber mutuos» podem ocorrer muitas contrafagóes.
Principalmente quando se trata de intercomunháo sexual
plena, requer-se o exame da autenticidade do amor. Sim;
quando se trata de entrega total física, é necessário afastar
todo egoísmo (que nao raro é confundido com amor); é
necessário nao hipertrofiar o caráter biológico do amor.

Quando um(a) jovem pergunta á(ao) namorada(o) ou


noiva(o): «Será que vocé nao tem amor suficiente para
dormir comigo?», está usando de artimanha. A(o) moca(o)
há de Ihe responder: «Certamente amo-o(a) tanto que me
quero casar com vocé. Mas o matrimonio nao consiste preci
samente em dormirem os dois juntos: casamento significa
permanecermos unidos para o bem, viver, crescer, tomar
refeicóes conjuntamente e termos os nossos íilhos como fru
tos dessa comunháo de vida. Enquanto nao pudermos rea
lizar tudo isto, nao posso decepcioná-Io(la), contentando-o (a)
apenas com urna parte; nao pertengo a tal tipo do pessoas.
Mesmo que vocé nao consiga entender isto, será que me ama
suficientemente para esperar?»

Diz muito a propósito John Robinson:

"A porta do amor é estrella e rigorosa, e as suas exigencias muito


mals profundas e penetrantes. Ao Jovem que a propósito de suas relacoes
com urna moca, nos pergunta: 'Por que eu n§o o devo fazer ?', é relativa
mente fácil responder: 'Porque nfio flca bem' ou 'Porque é pecado'...
Multo mais exigente seria responder-lhe com a pergunta: 'Vocé a ama ?'
ou 'Até que ponto a ama ?' e ajudá-lo ent&o a decidir por si mesmo que,
se nfio a ama ou nSo a ama profundamente, seu ato é imoral, ou que, se ama,
tem de respeltá-la a tal ponto que já nSo Ihe é possivel abusar déla ou tomar
com ela a menor libertada" (Um Deua diferente. Ed. Herder, SSo Paulo 1967,
p. 152s).

Aínda a propósito de autenticidade do amor, devem-se


citar as palavras do Pe. Háring:

"é preciso insistir no problema da palavra e da slnceridade. O amor é


um encontró de todo o ser com a pessoa, para fazer urna só carne no sentido
bíblico, que é total e definitivo. Esta slnceridade pode realizarse de forma
gradual. Na prostituicSo, por exemplo, nfio existe de modo algum porque só

— 75 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

há instrumentallzacáo da mulher que, Inclusive, é anónima. No amor livre há


slncerldade malor, porque já se trata de pessoa que tem nome, mas aínda
nSo se operou realmente esta IntegracSo das pessoas de forma total e defini
tiva. Ñas relacdes entre noivos, aproxlmamo-nos mals da slncerldade, embora
esta aínda nao seja total porque, mesmo que eles dlgam que é como se estl-
vessem casados, na verdade continúan) sentlndo-se livres para voltar atrás...
Os jovens que hoje sao tSo sinceros, também tém que ser sinceros quanto
a este probema das relacdes pré-matrlmoniais" (Mesa redonda sobre amor
y sexualidad, In Moral y hombre nuevo. Madrid 1964, p. 264).

Estas reflexóes evidenciam que a necessidade de comu-


nicagáo e comunháo entre namorados e noivos nao exige
relagóes sexuais. Estas sao muitas vezes solicitadas por
motivos que nao sao amor, mas, sim, egoísmo; há nao raro
muito mais amor na capacidade de abster-se até o momento
oportuno do que no avango descomprometido ou nao plena
mente comprometido com o parceiro.

3.2. «Testar o amor»

Nao poucas pessoas tencionam justificar as relagóes se


xuais pré-matrimoniais, baseando-se na necessidade de «expe
rimentar» ou «testar o amor» a fim de se prepararem melhor
para o matrimonio. Dizem que as relagóes sexuais consti-
tuem urna arte que precisa de ser aprendida, a fim de se
evitarem os fracassos de muitos casáis. Além disto, o teste
pré-matrimonial ajuda a descobrir qualquer incompatibili-
dade que depois difícilmente seria sanada.

— A este argumento duas observagóes sejam feitas:


a) Nao há dúvida, o amor sexual é urna arte, no sen
tido de que exige delicadeza e compreensáo mutuas; possivel-
mente o esposo e a esposa durante anos se véem obrigados a
fazer progressos nessa arte. Pergunta-se, porém: pode-se sub-
meter o amor a «prova»? Nao seria esse desejo de testar ou
de submeter a prova a própria contradigáo ou deturpagáo do
amor? Quando se realizam relagóes sexuais para «provar» o
parceiro, falta a condicáo básica do amor, que é entrega
irrevogável e absoluta.

b) Segundo a observagáo de bons pensadores, o teste


pré-matrimonial pouco ou nada prova. A vida sexual, como
dito, nao se reduz a relagóes sexuais, mas é convivencia diaria
e perseverante na alegría e na dor, na saúde e na doenga,...
Em conseqüéncia, pode acontecer que urna experiencia pré-
-nupcial seja bem sucedida, mas em absoluto nao garanta,
nos interessados, a capacidade de conviverem e de comparti-

— 76 —
RELACOES PRÉ-MATRIMONIAIS 33

lharem as responsabilidades e os fardos da vida cotidiana.


Pode também um teste pré-matrimonial redundar em frus-
tragáo, mas nem por isto significar fracasso na futura vida
conjugal. Em sintese, nao se pode estabelecer correlagáo
entre aprendizagem sexual pré-matrimonial e felicidade ma
trimonial posterior. Na verdade, é preciso que se desfaga
constantemente a suposigáo (as vezes, inconsciente) de que
amor é, simplesmente, sexo ou vida conjugal ou é, sem mais
ou principalmente, vida sexual.

3.3. A longa espera do casamento

Hoje em día os jovens nao se podem casar senáo depois


de haver adquirido certa estabilidade financeira, a qual supóe
determinada profissáo, ao menos por parte do noivo. Os estu-
dos sao protraidos, de modo que o casamento é diferido. Ora
essa dilagáo do matrimonio gera certa impaciencia na juven*
tude, que, era conseqüéncia, apela para o uso do sexo ante
rior as nupcias. Esta seria urna fórmula compensatoria, bem
compreensível se se leva em conta que a sociedade na qual
vivem os jovens solteiros é erotizante e suscita continuos
atrativos á vida sexual.

— Em resposta, reconheceremos que realmente as sedu-


Cóes sao numerosas; criam um clima no qual a castidade pre
nupcial vem a ser difícil, se nao mesmo heroica. Todavía
observamos que um mal nao se cura com outro mal; o adia-
mento do matrimonio, na medida em que possa ser um mal,
nao é remediado pela permissividade pré-matrimonial, que
também é um mal. Com outras palavras: compreendemos o
problema e a tentagáo que daí decorre para a juventude,
mas lembramos que compreender nao significa «aprovar»,
«coonestar».

Ademáis notemos que a dilagáo do enlace matrimonial


também pode ter seus aspectos positivos: oferece á juven
tude a ocasiáo de aprimorar a sua formagáo humana e moral.
Se os jovens antes do casamento nao adquirem o hábito de
dizer Nao a si mesmos segundo as oportunidades que o pos-
sam exigir, difícilmente saberáo contrariar a seus instintos
depois do matrimonio.

3.4. O uso dos anticoncepcionais


Antigamente a abstinencia sexual poderia ser funda
mentada sobre os riscos que o uso do sexo acarretava: a

— 77 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 230/1979

possibilidade de engravidamento incutia recelo ou mesmo


espanto em muitas mogas, que, diante de tal perspectiva, pre-
feriam abster-se de relagóes sexuais. Atualmente, porém,
está dissipado este risco pelo fato de que as pílulas anticon
cepcionais sao aptas a evitar o engravidamento. Por que
entáo nao recorrer ao uso do sexo antes mesmo do matri
monio?

— Notaremos, antes do mais, que o amor humano nao


é somente unitivo, mas por si também é fecundo. Isto quer
dizer: o amor tende naturalmente a se abrir a um terceiro,
que é o fruto de tal amor; o filho simboliza concretamente o
amor do homem e da mulher e o consolida, fazendo que am
bos mais e mais convirjam em diregáo do terceiro, superando
os resquicios do egoísmo. Em outros termos: o diálogo entre
o homem e a mulher nunca poderá ser concebido como pura
relacáo intersubjetiva, mas ele necessita de se tornar obje
tivo, ou de criar a sua própria objetividade.

Quem tenta subtrair ao amor a abertura para um ter


ceiro, frustra a própria realidade do amor; mutila ou esteri
liza um valor que é essencialmente fecundo e que se vai
consolidando mediante a sua fecundidade.

Leyem-se em conta outrossim os graves riscos — físicos


e psíquicos — que incorre a mulher em conseqüéncia do uso
de anticoncepcionais ou de fatores esterilizantes. O amor, na
mulher, é intimamente marcado pelo senso da maternidade;
daí os serios inconvenientes que, em diversos niveis do sexo
feminino, decorrem do recurso aos anticoncepcionais.

É, nao raro, o egoísmo — e especialmente o egoísmo do


homem dissimulado sob a capa de «amor» — que sugestiona
a mulher para que aceite tornar-se provisoriamente estéril,
ou... para que aceite tornar-se instrumento inocuo do deleite
do homem. Enquanto este se julga descomprometido e livre
após as relagóes sexuais, a mulher se vé em situagáo dife
rente, pois ela é profundamente marcada — em seu físico e
e em seu psíquico — pelo relacionamento sexual. Toca-lhe
muitas vezes carregar a sos as tristes conseqüéndas de um
ato cujo parceiro se retira como se retiraría após haver
usado um instrumento mecánico qualquer.

Ao fazer tais observagóes, nao podemos deixar de regis


trar também que a própria natureza é por si estéril em certa

— 78 —
RELAQOES PRÉMATRIMONIAIS 35

fase do ciclo feminino. Tal esterilidade é necessária e sadia,


pois concorre para restaurar e repousar o organismo femi
nino e assegurar o bem-estar do mesmo. O recurso as rela-
cóes sexuais nos periodos de esterilidade natural nada tem de
condenável, pois nao contraria a natureza; esta nao é arti
ficialmente tornada estéril, mas é respeitada em seu ritmo
próprio. — Afirmamos, porém, que mesmo nos periodos este
réis da mulher as relagóes sexuais sao licitas táo somente
dentro do matrimonio; elas supóem, sim, a doagáo máxima
e total que só pode existir se existem um lar e um compro-
misso entre o homem e a mulher.

3.5. «O contrato é mera formalidade!»

Vivemos numa época fortemente caracterizada pelo per


sonalismo, que ás vezes degenera em subjetivismo1. É por
isto que nao poucos jovens entendem o amor como relacio-
namento meramente intersubjetivo, esquecendo a dimensáo
social do amor. Em conseqüéncia, nao véem dificuldade em
recorrer ao sexo fora ou antes de qualquer contrato matri
monial.

— Ora dizemos que o amor entre o homem e a mulher,


alcm da sua dimensáo pessoal, tem outrossim o seu aspecto
social. Segundo Emmanuel Mounier (1905-1950), o fundador
do personalismo, a pessoa só encontra a sua perfeicáo na
comunidade e mediante a comunidade. Por extensáo, a todo
nos corresponde um vos; aquilo que se realiza no binomio
nos, deve dirigir-se a um plural vos, que justamente corres
ponde á dimensáo social do amor. Esta dimensáo é especial
mente importante quando se trata do amor sexual pleno; sem

* "Personalismo" é a doutrina aue respelta a pessoa humana e o seu


misterio Indevassável. OpGe-se ao coletlvlsmo ou ao totalitarismo, que apaga
as pessoas com suas notas típicas, merecedoras de toda a reverencia. Em
última anállse, a pessoa humana traz em si a Imagem e semelhanca de Deus.

"Individualismo" é o exagero da finíase dada á pessoa. Significa hiper


trofia das notas tipleas de cada um ou do próprio sujeito com detrimento
do aspecto social que marca a pessoa humana.

Fol o filósofo franefis católico Emmanuel Mounier quem, em 1932/3,


lancou o termo "Personalismo". Segundo Mounier, a pessoa ó o individuo
em suas relacSes comunitarias, de modo que o personalismo implica um
certo com unitarismo. O personalismo op6e-se a Individualismo e também a
coletivismo.

— 79 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1973

insergáo corajosa e oficial dentro da sociedade, o amor sexual


corre o risco de ser mero1 egoísmo e manipulagáo do parceiro.

Com outras palavras: a sexualidade nao diz respeito


somente a um individuo nem mesmo a duas pessoas apenas.
Ela constituí um nos — o nos do casal — que se abre para
o nos da sociedade. Nao se pode viver um relacionamento
sexual plenamente humano em um ambiente puramente pri
vado e individualista. E no nos da sociedade que o casal se
realiza plenamente e que o amor se consuma. Sim; o nos da
sociedade acolhe o casal; dá-lhe o apoio com que ele pode
e deve contar para se consolidar em seus diversos aspectos.
Por isto também a sociedade está interessada na regulamen-
tagáo ética e jurídica do comportamento sexual; se este nao
se orienta segundo certas normas de respeito mutuo e de
autodominio, o bem comum da sociedade vem a sofrer gra
ves danos. Em conseqüéncia, é indispensável a «instituciona-
lizacáo» da vida conjugal, sem a qual o uso do sexo se pode
tornar um fator de desintegracáo da comunidade e de des-
truicáo dos membros desta.

Está claro que essa insergáo na sociedade nao dcve ser


entendida apenas como medida jurídica ou formal. O papel
que os nubentes assinam no foro eclesiástico ou no foro civil,
nao é o principal elemento do matrimonio; todavía é um
símbolo,... símbolo de urna realidade interior ou do amor
que os nubentes tém a coragem de professar em público,
porque estáo dispostos a tomá-lo a serio. Nao raro aqueles
que menosprezam o caráter jurídico do matrimonio, fazem-no
porque nao estáo seguros do seu amor ou nao estáo dispostos
a levá-lo até as últimas conseqüéncias; querem guardar a
liberdade de recuar quando lhes aprouver, sem que se lhes
possa langar em rosto o documento previamente assinado.

4. Conclusio

Estas considerares projetam luz sobre o que as rela-


cóes sexuais fora ou antes do matrimonio tém de abusivo e
de prejudicial tanto para os individuos quanto para a socie
dade. É de interesse comum a instituido que se chama casa
mento. Mesmo relacóes sexuais pré-matrimoniáis empren
didas de maneira esporádica, e nao habitual, nao encontram
justificativa, aínda que parecam ser manifestagáo de autén
tico amor entre dois seres humanos. Com efeito, diz a.
«Informacáo ao Conselho Británico das Igrejas»:

— 80 —
RELACOES PRS-MATRIMONIAIS 37

"Julgamos que relacoes esporádicas criariam provavelmente problemas


mals numerosos do que aqueles que elas deveriam resolver, pols as relacSes
sexuals nio s§o algo que se possa separar adequadamente do contexto de
um relacionamento permanente" (Sexo e Moralidade, p. 103).

Com outras palavras: as relagóes sexuais vinculam as


pessoas ou estabelecem entre elas liames que nao podem ser
esquecidos ou cancelados segundo o arbitrio dos interessados.

A palavra «institucionalizacáo» nao é sempre agradável


nem aceita pelo homem de hoje, que muito apregoa liber-
dade e criatividade. Nao se poderiam, porém, ignorar os
beneficios que toda justa legislacáo traz á sociedade; sem
estipulacüo de direitos e deveres entre os membros de urna
comunidade, esta se esfacela. A lei tem por f4nalidade nao
a sufocacáo da vida e dos seus valores, mas, ao contrario,
visa a preservar e garantir o auténtico desabrochar dos
mesmos. Isto se aplica também ao valor que se chama amor,
existente entre o homem e a mulher e tendente a se expri
mir em relacionamento sexual.

Compreende-se, porém, que, para nao se sentirem sufo


cados pela institucionalizacáo do matrimonio, se requer que
os interessados se certifiquen! previamente de que nutrem
auténtico amor, que seja doacáo generosa, e nao cobiga
egoísta. Esta certeza só poderá ser adquirida paulatinamente,
ou seja, se o amor que desperta nos jovens (com índole um
tanto instintiva e cega) for submetido a delicada e prolon
gada educagáo, em vez de ser prematuramente exercitado em
relajees sexuais. O amor e a arte de amar sao algo que se
aprende mediante esforgo e magnanimidade — esforco que
é, ao mesmo tempo, maravilhosa descoberta.

Enquanto o amor nao se torna suficientemente adulto e


amadurecido para ser institucionalizado, a conduta do jovem
é a da continencia pré-matrimonial. Esta nao se deriva de
mentalidade antiquada, marcada por tabus moráis e desu
níanos, mas, sim, pela própria índole do amor auténticamente
concebido.

A propósito recomendamos o llvro de MARCIANO VIDAL - Moral do


amor e da sexualidade. Ed. Paulinas, Sao Paulo 1978.

Apraz citar outrosslm o artigo Como val a revolugáo sexual nos Esta»
dos Unidos, In Selecdes, novembro de 1978, pp. 35-37.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

— 81 —
No Ano Internacional da Crianca:

os filhos e a separacao consensual

Newton Paulo Toixeira dos Santos

Em síntese: O artigo abalxo representa mals urna colaborado do


Dr. Newton Paulo Teixelra dos Santos, professor de Ética na Escola de
Comunicacfo da Unlversidade Federal do Rio de Janeiro. Está na linha da
temática já abordada pelo autor: familia, divorcio, aborto... Trata da sitúa-
5S0 dos filhos cu]os pais se separam, pondo em evidencia a necessldade
de que ambos os genitores, mesmo nfio coabltando, possam exercer a
sua funcSo peculiar na educagáo e formacSo dos filhos. é preciso tudo
fazer para que estes sejatn o menos posslvel prejudicados pela dlssoluc&o
da vida conjugal dos genitores.

A leí brasllelra delxa a guarda dos filhos ao criterio dos consortes


que se separam. Pois bem; procurem estes, apesar da dissolucSo do casa
mento civil, distribuir entre si a responsabilidad© que Ihes toca em relacSo
á prole, sem exclusSo nem do pai nem da genltora.

Gratos ao Prof. N. P. Telxeira dos Santos por esta Interessante expo-


sicSo.
A RedagSo de PR

1. No limiar do Ano Internacional da Crianca, parece


oportuno dizer alguma coisa sobre o destino dos filhos,
quando os pais se desencontram e resolvem, harmoniosamente,
separar-se.

Lé-se na nova Lei do Divorcio, lei n' 6.515, de 26 de


dezembro de 1977, em seu art. 9':

"No caso de dissolucSo da sociedade conjugal pela separacSo judicial


consensual, observar-se-á o que os conjugas acordaren! sobre a guarda
dos filhos".

É a mesma redacáo do Código Civil, art. 325, quando


cogitava do desquite amigável, norma essa que reflete tam-
bém a ligáo da doutrina tradicional. Ninguém poderá ter

— 82 —
OS FILHOS E A SEPARACAO CONSENSUAL 39

mais interesse sobre a prole que os país. E, desde que, ao


se separaran, combinem o modo de ter os filhos em sua
companhia, a leí deve respeitar-lhes a vontade. A lei lhes
confere o patrio poder em atencáo aos filhos, e é ainda em
aten;áo aos filhos que lhes permite, quando já nao é mais
possível té-Ios sob as vistas zelosas de ambos, que pactuem
sobre o modo de os guardar.

2. A expressáo guarda foi introduzida no Código por


Rui Barbosa. O direito anterior, bem como o Projeto, fala-
vam em possc, vocábulo que Ihe pareceu grosseiro e inade-
quado. Clóvis lembra ser um caso de residuo verbal, porque
o paterfamilias entre os romanos tinha um poder quase abso
luto sobre os filhos, e a expressáo era tomada por analogía;
tanto que em nosso direito se dava á agáo do pai para reti
rar o filho do poder de quem o detinha, o nome de reivindi-
caeao, como se se tratasse de coisa injustamente possuída.

Foi bom que em 1916 se desse voz mais adequada e


que se configurassem com mais brandura as relacóes exis
tentes entre os país e a prole. Sessenta anos mais tarde,
falta está fazendo Rui Barbosa para encontrar o termo que,
melhor que guarda, expresse esse relacionamento pai-filho,
táo característico de nossos dias.

3. O acordó sobre a gufarda dos filhos na separagáo


consensual nao importa na renuncia, perda ou suspensáo do
patrio poder, que somente podem ocorrer nos casos taxati
vamente determinados em lei. Ele permanece sendo exercido
prioritariamente pelo marido, atendidos os direitos da mu-
lher. A separagáo dissolve a sociedade conjugal, da qual ele
era o chefe, mas nao a parental entre país e filhos, cujos
lagos, feitos de afeto, direitos e deveres recíprocos, subsistem,
apenas modificados, tanto quanto é necessário, para aten-
der-se á separagáo dos cónjuges.

Mas é de se reconhecer que haverá sempre um desgaste


inevitável nesse exerdcio. Porque o equilibrio triangular
pai-máe-filho estará desfeito, e nao há acordó, por mais pací
fico que pretenda ser, que permita a cada genitor separado
preencher as suas atribuieóes de forma cabal. Aos genitores
cabe, aos dois, dirigir a educagáo do filho, zelar por sua
conduta, formar seu caráter. Ora, este é todo um processo
*B¡
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

<jue se há de desenvolver num contexto criadorl e paulatino.


O genitor que guardar o seu filho, estará desfalcado nessa
tarefa, e duplamente desfalcado, porque o outro genitor con
servará urna parcela idéntica do patrio poder sobre a pessoa
do filho, e a sua ausencia, nao só a ausencia física, mas (e
sobretudo) a ausencia espiritual, o deixará mais do que
constrangido, despojado. Em estado pior, muito pior que o
de viuvez, porque o viúvo acumula em si ambos os poderes,
■e nao só jurídica, mas também psíquicamente, a sua tarefa
é mais fácil. Por mais dañosas que sejam as conseqüéncias
da viuvez, elas nao se comparam as seqüelas indeléveis que
marcam os filhos de pais separados, por se verem numa
situagáo ambigua e indecisa. A eles nao se Ihes furta ape
nas um pai para servi-los, mas, principalmente, um pai para
amar.

Ao pai que nao guardar seu filho, cabem os mesmos


compromissos de zelar por sua educacáo e conduta, escolher
a sua religiáo e a sua escola, cuidar de sua alimentagáo e
vestuario, conduzi-lo a ponto de um dia dizer: «Vocé está
pronto para a vida». Nao é este o conteúdo do patrio poder
sobre sua pessoa? Mas como cumpri-lo, se a ele só resta
visitar seu filho em horas certas? E se cada dia mais as
suas relagóes váo-se esgargando? Entáo, ocorre um duplo
desfalque: o do filho que se senté roubado no seu direito
de ter, a um tempo, dois pais conservadores; e o do pai, ao
qual, por nao ter a guarda, nao é possível cumprir o seu
dever, que é ao mesmo tempo o seu direito. O filho que é
órfáo, tem a consciéncia da desgraga, mas, neste caso, o
filho tem a consciéncia da injustiga.

Por isso é hipócrita o casal que diz aos filhos: «Quem


se separou fomos nos, voces nada tém com isso». Hipócritas,
porque atrás dessa frase os pais escondem seu egoísmo. Como
os filhos nada tém com isso? Nem seriam precisos os casos
concretos e dolorosos para desmenti-los, basta o bom senso.
Isso ssria negar, em principio, os valores da familia consti
tuida, o que está fora de cogitacáo.

4. Ao acordarem sobre a guarda dos filhos, como diz


o art. 9» da lei, podem os pais:

1 Poderla dizer conservador, no sentido em que a Teología fala em


um Deus Conservador, como sendo Aquele que a cada Instante nos está
criando. A dimensSo de Deus nSo está apenas no espago, mas também no
tempo; assim a do pal.

— 84 —
OS FILHOS E A SEPARACAO CONSENSUAL 41

a) estabelecer que os filhos fiquem sob a guarda de


um dos genitores, restando ao outro um criterio de visitas;

b) estabelecer que os filhos sejam divididos, e a cada


genitor caiba a guarda de um ou mais filhos;

c) que a guarda caiba a um terceiro (párente, tutor,


intérnate, etc.).

E eu acrescento: que a guarda caiba a ambos os geni


tores. Seria a separagáo ideal, na medida em que urna sepa-
racüo possa ser ideal. Se os filhos sao adolescentes, e os
país conscientes e dedicados, no caso de exaurirem as pos-
sibilidades de um convivio conjugal, entáo que ambos guar-
dem seus filhos, de maneira adulta. Quanto mais os dois
assim guardarem os seus filhos, melhor poderáo exercer o
patrio poder que lhes cabe, — e este, em última análise, é
o desejo da lei. A legalidade dessa hipótese se justifica nao
só pelas razóes expostas no correto Acórdáo abaixo trans
crito a, como pelo argumento de que, nessa materia, nenhuma
decisáo é definitiva: a qualquer momento, em favor dos filhos,
o que se decidiu pode ser revisto pelo juiz. Por isso urna tal
solugáo nao só é válida, como é desejável. E nesse sentido
se conclui que, quanto mais perto do casamento ficarem os
cónjuges, mais protegidos estaráo os filhos. Quanto menos
se esvaírem as relacóes impostas pelo casamento, mais os
filhos estaráo defendidos e a lei satisfeita. Quanto mais os
filhos sentirem a presenga continuada dos pais, maior equi
librio eles háo de encontrar em sua formagáo. A ponto de
se poder festejar em 1979, ao mesmo tempo, o Ano Inter
nacional da Crianca e o Ano Internacional da Familia.

i Merece ser transcrita esta dedsSo de um Tribunal de Sao Paulo:

"Como o desquite nao altera as relacóes entre pais e filhos (art 381
do Código Civil), a entrega de fllho menor a um dos progenitores implica
necessai lamente no reconhecimenlo ao outro do direlto de visltá-lo, salvo
casos especlalissimos. Um dos objetivos da visita 6 o de fortalecer os lacos
de amizade entre pais e filhos, enfraquecldos pela separacáo do casal; é
o de proporcionar aos últimos a asslsténcia e os carlnhos daqueles; é o
de minorar os efeilos nocivos Impostos á prole com a separacio definitiva
dos genitores. O desquite separa os cdnjugea e elimina os deveres recípro
cos estabelecidos pelo art. 231 do Código Civil, maniendo, atenuado, apenas
o inciso II. Mas, em relacio á prole, subsisten! os deveres dos pais, aínda
que sem a guarda do menor. E, evidentemente, as visitas facilltam o cum
plimento desses deveres, irrenunciáveis, por serem da mais alta importancia.
Cumpre reconhecer, destarte, que, a bem dos filhos, compete ao genitor

— 85 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

privado da guarda fiscalizar o outro no exerciclo desta. Nem se ignora que


as visitas podem ensejar a reconciliacao do casal separado. Imp6e-se con
cluir que, em regra, as visitas se fazem Itvremente. Tanto pelo respeito aos
sentlmentos afetivos de quem faz a visita e de quem a recebe, como tanv
bóm para que o prlmelro possa fiscalizar convenientemente o tratamento
dispensado ao menor pelo detentor da guarda. Portante nSo havla motivo
algum para contrariar a vonlade dos requerentes, vontade essa que, salvo
motivo relevante, devla ser acatada, pols nlnguém terá malor Interesse sobre
a prole senSo os próptlos genitores (CLÓVIS, Direito de Familia, 287;
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, DIreito de Familia, 226). E o sim
ples recelo de atritos futuros, alias, tncertos e Infundados, nao autoriza a
regutamentacSo das visitas, máxime nos casos de desquite amlgável, em
que é Injusliíicável a presuncáo de divergencia. As visitas devem ser regu-
lamentadas quando efelivamente o exlglre.m os Interesses dos menores, ou
quando as circunstancias prenunciarem urna lula surda entre os progenitores.
O desquite envolve interesses da familia, de ordem pública, que sio, portante,
fiscalizados e resguardados pelo Estado. Por conseguirle, pode o Juiz recu-
sar-se a homologar o acordó se vulnerados esses tnteresses. Mas a prerro
gativa há de ser entendida em termos, admissivel apenas quando as cláu
sulas do acordó nao se a]ustarem á leí. Delxar de homologar o desquite,
e a tanto equivale o arqulvamenlo do processo, por nSo terem sido regula-
mentadas as visitas, data venia, é Incorreto" (Acórdáo da 2? Cámara do
Tribunal de Justlca de Sfio Paulo, de 15-8-1972, Relator Almeida Blcudo,
In Rev. de Jurlspr. do Trlb. de Just. de S. Paulo, 22/204).

ERRATA

No tocante a PR 228/1978, tornam-se necessárias as


seguintes corréeles e observares:
P. 487. Ocorre duas vezes o nome de Genova, como cidade
depositaría de manuscritos do Novo Testamento, quando na
verdade se deveria ler Genebra.
P. 497 e p. 502. O número de papiros bíblicos atual-
mente pode ser elevado a 86, em vez de 81. Verdade é que
os papiros 82-86 ainda nao foram publicados. A sua exis
tencia, porém, já foi noticiada por Kurt Alland em nota edi
tada pela revista «New Testament Studies» 20, 1973/74,
p. 357.
Observe-se ainda que o papiro 72 (p72) ou Bodmer VUI
(do séc. m), que contém l/2Pd, foi doado ao Papa Paulo VI
pelo respectivo proprietário M. Bodmer em 1969, quando da
visita do Papa a Genebra. O Sumo Pontífice o ofertou á
Biblioteca Vaticana.
Estas corregóes e observagóes se devem á cortesía do
exegeta Pe. Balduino Kipper S. J., Colegio Cristo Rei, Sao
Leopoldo (RS).

— 86 —
livros em estante

Libertado da Teología, por Juan Luis Segundo. Traducio de Benno


Brod. — Ed. Loyola, S§0 Paulo 1978, 140 x 210 mm, 259 pp.

O autor Já escreveu um Manual de Teología para o lelgo adulto, t;a-


duzldo para o portugués e vazado nos moldes da Teología da Libertacáo.
Desta felta, estuda o futuro da Teología da Libertacüo (TL), que Segundo
tem cultivado com grande empenho. Julga que esta sofre a ameaca de se
diluir ou se tornar pobre em efeltos concretos, porque 1) as autoridades
eclesiásticas tém mostrado recelo de aplicar pratlcamente as teses da TL;
2) o vocabulario tipleo da TL tem sido esvaziado por autores que Ihe dSo
sentido direitlsta ou clásslco, e nao revolucionario esquerdista; 3) a TL
tem publicado obras carentes da erudicao e da exatldáo que déla exigem
os críticos. Além do que, os teólogos tém-se tomado profissionais da Teo
logía como os médicos sao profissionais da Medicina e os advogados pro-
flsslonals do Olrelto, esquecendo que eles, teólogos, deveriam ser agentes
sociais e políticos explosivos para a paz do mundo.

Dtante destas verlflcacOes, Segundo propSe a HbertacSo da teología


ou, melhor, a revltallzagao da Teología da LibertacSo. Insiste na tese, comum
aos mala extremistas autores da TL, de que, antes do mals, é preciso qus
o cristSo faca sua opcSo política, comprometendo-se com a revolucSo social;
depols, elaborará a sua Teología a partir da realidade social em prol da
qual ele se engaja. Urna Teología desligada da política ou anterior á política
nfio tem sentido para Segundo; "toda Teología ó política; a influencia
da política na Teología... nao se pode, de maneira nenhuma, evitar"
(p. 84). "É necessário delxar-se Invadir pelo humano e, a partir dessas
opc3es fundamentáis, formular perguntas á revelado" (p. 90). As pp. 96s,
Segundo professa, ao menos indlretamente, a concepelo de que o cristSo
pode e deve colaborar com o marxismo em vista da profligacSo da miseria
e da tome no mundo.

NSo é necessário observar que o llvro de Segundo vem a ser urna


das mals avancadas expressóes de urna córrante de pensamento que, de
Teologia, traz pouco mais do que o nome. Na verdade, a Teología bem
entendida é o discurso a respeito de Deus, tomando-se como base a palavra
revelada pelo próprio Deus; está claro que o estudo da Palavra de Deus
tem significado também para o homem e a boa ordem social, mas volta-se
para estes valores em funcSo do Senhor Deus, e nao vlce-versa.

N9o se diga que toda Teología é necessariamente política no sentido


de partidaria e revolucionaria ou anti-revolucionárla. Verdade é que a Teo
logia Ilumina os principios da reta convivencia dos homens na polis, mas
ela n3o se pode identificar com alguma praxis ou acSo política definida,
como querem os arautos mals ayancados da TL.

Em slntese, para dissipar as teses de J. L. Segundo, julgamos muito


útels as páginas de Fr. Dattler, que passamos a recensear e que, por slnal
(estranho), foram publicadas pela mesma Editora Loyola.

— 87 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 230/1979

Redencao. Biblia e Teología da LlbertacSo, por Frederlco Dattier. —


Ed. Loyola, Sao Paulo, 1978, 140 x 210 mm, 110 pp.
O Pe. Dattier mals urna vez oferece ao público brasllelro o resultado
de seus criteriosos estudos bíblicos. Agora volta-se para a temática da Teo
logía da LibertacSo (TL), a flm de projetar mals radiosa luz escriturfstlca
sobre tao complexa questfio; cf. PR 229/1979, pp.

O livro dlvlde-se em duas grandes partes: na prlmelra, o autor coleta


textos bíblicos, desde o Génesis até o epistolario paulino, atinentes ao con-
ceito de libertacao. Mostra entao que a llbertacao, concebida nos primelros
Hvros bíblicos em sentido assaz nacionalista e terrestre, fol sendo mals e
mais entendida em sua dlmensao espiritual e transcendental (como llber
tacao do homem escravlzado pelo pecado); essa Ilbertacao so terá sua
consumacao ou plenitude após o término da historia presente. Pode-se dizer
tranquilamente que o Pe. Dattier, ao examinar esses textos, se revelou fiel
exegeta, pols inegavelmente a llbertacao apregoada pelos escritos bíblicos,
tende mals e mais aos valores transcendentals e Jamáis se identifica slm-
plesmente com a fruicao dos bens materiais que a reta ordem social oferece
(Isto nSo quer dizer, em absoluto, que o crlstSo nao deva militar em prol
da justiga social, mas apenas que a necessárla luta assumlda pelo crlstSo
lamáis atingirá o que a Biblia aprésente como resposta final de Deus aos
homens).

Na segunda grande parte do llvro, Dattier considera dlretamente as


teses da Teología da Ubertacao como ela ó sistematizada por Gustavo Gu
tiérrez (Teología da Libertacao. Perspectivas, Ed. Vozes 1975). As observa
res que o exegeta faz a este escritor sSo assaz severas ; todavía sao tam-
bém fundamentadas e procedentes; Dattier enfatiza os desvíos da Teología
da Ubertacáo como é concebida por certos autores sul-americanos, frisando
bem que "Teología e Igreja nao devem flcar envolvidas em debacles polí
ticos" (p. 61). O Pe. Dattier realca outrossim a universalldade da Igreja,
que nSo se volta exclusivamente para alguma classe social, mas é devedora
a todos os homens; a expressSo "Igreja dos pobres" nao designa apenas
os materialmente despojados, mas também aqueles que estfio longo de
Deus e dos valores definitivos.

Congratulamo-nos vivamente com o exegeta da SVD por este valioso


llvro, que vem a ser Importante instrumental para se debaterem os postu
lados da TL Esta obra revela a grande coragem do autor em se empenhar
em prol. da verdade objetiva do Evangelho sem recear desagradar a quem
quer qué seja.
Biblia. Interprelacao atuallzada e catequese. Vol. 1: O Anllgo Tes
tamento, por lAlfred Lapple. Traducfio de J. Rezende Costa. Colecáo "Da
exegese á catequese". — Ed. Paulinas, SSo Paulo 1978,130 x 200 mm, 251 pp.

A. Lapple, professor da Unlversldade de Salzburgo (Austria), já é


conhecfdo no Brasil por algumas de suas obras exegéticas traduzidas para o
portugués. As Ed. Paulinas oferecem agora ao público o primeiro de urna
sórle de quatro volumes, nos quals o autor tenclona apresentar de manelra
didátlca os resultados da mals atuallzada e segura exegese bfbllca. Este
primeiro volume considera apenas a pré-histórla bfbllca e os llvros históricos
até SalomSo, devendo os outros prosseguir a historia do Antlgo Testamento
(2? vol.) e abordar o Novo Testamento (3? e 4? vols.), Lapple sabe trans
mitir de modo sucinto e didático as mals recentes conclusñes dos estudio
sos, recorrendo a gráficos, quadros sinótlcos e esquemas... Guarda flde-

— 88 —
Ildade ao pensamento católico, feita a devida ressalva ao conteúdo da p. 64:
quando o autor considera a narrativa bíblica do paraíso e do pecado
(Gn 2,8-3,7), nao valoriza, como seria necessário, os dons da justica ori
ginal (poder nao morrer, integridade, ¡sencáo de sofrimento...), mas, ci
tando Herbert Haag, supde que nunca tenham existido. Ora tal posicio nao
atende ás exigencias da fé formuladas repetidamente pelo magisterio da
Igreja: frente áos desvios do pelagianismo, do luteranismo e do baianismo,
este se viu mais de urna vez obrigado a definir temas relativos á graca
divina e á ordem sobrenatural, frisando entáo a justica original ou a eleva-
gao do homem á filiacáo divina logo depois de criados os primeiros país.
O pecado original acarretou a perda de tais dons. As proposicoes assim
definidas pelo Magisterio sao de fé.

Como quer que seja, nao podemos deixar de reconhecer os títulos de


apreco deste novo escrito de Lápple, que pode ser muito útil aos catequistas,
pols, entre outras coisas, pOe em relevo os pontos essenclais de cada livro
ou de cada secgSo bíblica que o catequista há de enfatizar em suas aulas.

Biblia. Anligo Testamento. Introducás) aos escritos e aos métodos de


esludo, por H. W. Wolff. Tradugáo de Dulcemar Silva Maciel. Colegio "Bi
blioteca de estudos bíblicos" n? 3. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1978,
144 x 210 mm, 143 pp. ,

O autor é professor universitario de S. Escritura do Antigo Testamento


em Mogúncia e Heidelberg. Está persuadido da importancia e do significado
teológico do A. T. para os nossos dias. Por isto apresenta dados interes-
santes sobre a maneira como se foram formando os livros do canon judeu;
procura reconstituir o ambiente histórico que explica o surto e o conteúdo
da literatura bíblica veterotestamentária e oferece ao leitor urna introducSo
em cada livro do Antigo Testamento, pondo em relevo os tragos teológicos
e o valor da mensaqem de cada qual. É de notar, porém, que nao foram
abordados os sete livros chamados "deuterocanónicos" {Tb, Jt, Sb, Eclo,
Br, 1/2Mc). Estes fazem parte do catálogo bíblico adotado pela Igreja
Católica e gozam da mes ti a autoridade que os demais escritos canónicos.
Tais livros, depois de hesitagóes, foram finalmente aceilos de maneira defi
nitiva pela Iqreja a partir de 393 (Concilio de Hipona). (A razáo destas
hesitagócs era o fato de que os judeus tinham dois catálogos biblicos: o
restrito, palestinense, e o ampio, alexandrino ou grego. Ora os Apostólos,
ao redigirem os escritos do Novo Testamento, serviram-se do texto alexan
drino ou grego da Biblia, ou seja, da versSo alexandrina da mesma. Eis
por que prevaleceu, entre os crlstaos, o canon ampio alexandrino. Houve
unanimidade a propósito até Lulero, que preferiu adotar o canon restrito
palestinense.

As Edigoes Paulinas nao deveriam reeditar a obra de Wolff sem corri-


gir a grave falha, suprindo a lacuna, isto é, acrescentando ao conjunto o
estudo dos livros deuterocanónicos.

E.B.
SER APOSTÓLO
"NADA MAIS FRIÓ DO QUE O CRISTÁO QUE NAO SE
PREOCUPA COM A SALVACÁO DOS OUTROS.

NAO PODES, AQUÍ, DAR A DESCULPA DA POBREZA,


POIS AQUELA QUE LANCOU AS DUAS MOEDINHAS TE
ACUSARÁ. E PEDRO DIZIA: 'PRATA E OURO, NAO OS
TENHO1. TAMBÉM PAULO ERA TÁO POBRE QUE, POR MUI-
TAS VEZES, PASSOU FOME E CARECÍA DO ALIMENTO
NECESSÁRIO.

NAO PODES INVOCAR A FALTA DE NOBREZA, POIS


AQUELES DOIS APOSTÓLOS ERAM PLEBEUS, NASCIDOS
DE PLEBEUS.

NAO PODES PRETEXTAR NAO TER CULTURA, POIS


TAMBÉM ELES ERAM SEM INSTRUCAO.

NAO PODES ALEGAR DOENCA, POIS TAMBÉM TIMOTEO


SOFRÍA DE FREQÜENTES ENFERMIDADES.

CADA QUAL TEM A POSSIBILIDADE DE AJUDAR AO


PRÓXIMO, SE QUISER CUMPRIR O SEU DEVER.

NAO VÉS AS ARVORES INFRUTIFERAS COMO SAO


FIRMES, BELAS,' ELEGANTES, AGRADAVEIS E ALTAS ? NO
ENTANTO, SE TIVÉSSEMOS UM POMAR, A ELAS PREFERI
RÍAMOS ROMANZEIRAS E OLIVEIRAS FRUTÍFERAS. .. SAO
ASSIM AQUELES QUE SÓ SE INTERESSAM PELO QUE É SEU".

S. JOÁO CRISOSTOMO, HOMILÍA SOBRE OS ATOS N? 20, 4

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