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Osvaldo Luiz Marmo

CASTELO INTERIOR OU AS MORADAS


Teresa Ahumada Sanches y Cepeda
ou santa Teresa de Ávila

Deus é como um Sol no centro de um diamante,


e a alma uma pedra que precisa ser transpassada por Sua Luz.
Assim, é através da oração silenciosa que a pedra se transforma
em um diáfano cristal de diamante.

Este texto nasceu de um estudo que fiz do livro “Castillo Interior o las Moradas” escrito por
Teresa em 1577, para apresentar a saga dessa grande mística cristã aos meus alunos de meditação,
pois sendo a meditação uma técnica para acessarmos os estados superiores de consciência, na bus-
ca de nossa essência espiritual, nada melhor que Ela para nos contar como fez e o que vivenciou
nesses espaços conscienciais.

Nascida Teresa Ahumada Sanches y Cepeda aos 28 de Março de 1515 - em Gotarrendura na


província de Ávila na Espanha -, ela faleceu em 4 de Outubro de 1585, após uma vida dedicada a
busca de Deus. Sua saga é cheia de tropeços e dificuldades, alguns impostos pela sua cultura espiri-
tual e outros pela inquisição espanhola (1478-1834), que não tolerava o viés místico na busca do
sagrado. Entretanto, Teresa era uma mulher notável e incomum, uma religiosa acima do bem e do
mal, que jamais alguém ousou tocar, ainda que a censura imposta a alguns de seus textos tenha
levado-os à fogueira, obrigando-a mais tarde a reescrevê-los “de memória”.

Meu texto é um resumo da descrição que ela fez das sete moradas, que no original contém
vinte e sete capítulos. Quando julguei conveniente fazer um comentário, principalmente para explicar
o assunto à luz do Vedânta e da pequena experiência que tive viajando por algumas dessas mora-
das, coloquei o comentário em itálico e entre colchetes, para diferenciação do leitor. Finalmente devo
acrescentar que tenho muito a agradecer a Teresa, do fundo de meu c-oração, por tudo que ela me
ensinou e pelo carinho com que me guiou por entre os meus entendimentos de suas inefáveis experi-
ências.

Osvaldo Marmo, Março de 2005

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Osvaldo Luiz Marmo

Primeira Aula

Escreve Teresa:
Consideremos nossa alma como um castelo feito de um só diamante ou de um limpidíssimo
cristal. Nesse castelo existem muitos aposentos, assim como no céu há muitas moradas. Este caste-
lo tão resplandecente e formoso é uma pérola oriental, a árvore da vida que foi plantada nas águas
vitais da própria vida, Deus.
[O castelo é uma metáfora para a alma, e neste momento do relato ela mostra a dificuldade
que teve em compreender o que é alma e o que é espírito, bem como se existe alguma diferença
entre os dois. Posteriormente ela mostra que seu entendimento se ampliou, e então ela percebe que
o viajante é a consciência a que ela denomina espírito e a alma é outra coisa que ela denomina “o
castelo.”]
Então, ela continua seu relato:
Mas, por melhor que seja nossa inteligência não podemos compreender este castelo, assim
como não compreendemos a Deus, que nos fez a sua imagem e semelhança. Entretanto, eu percebo
que entre o castelo e Deus, existe a diferença que vai da criatura ao criador, mas basta sua Majesta-
de afirmar que o fez à sua imagem para termos uma longínqua idéia da grande dignidade e beleza da
alma [ou seja o castelo].
Infelizmente é uma lástima e uma grande confusão não nos entendermos a nós mesmos, e
não sabermos quem somos, talvez porque concentramos por demais a nossa atenção sobre o nosso
corpo e as coisas exteriores. Nós sabemos que a alma existe, por ouvir dizer, mas desconhecemos
as riquezas que nela existem e seu grande valor, bem como Quem nela habita. A alma é o nosso
maravilhoso castelo, e então vejamos como se há de fazer para penetrar em seu interior, embora a
mim pareça um disparate falar assim, porque se a alma é o castelo, claro está que não se entra nele,
sendo ambos uma só coisa. Com efeito, a primeira vista pode parecer um desatino dizer a alguém
que entre onde já se encontra. Mas ficai sabendo que há uma grande diferença entre os modos de se
estar num mesmo lugar.
[Como mencionei anteriormente, neste momento de seu relato ela ainda não sabe quem entra
em quem, ou no que. Mais tarde ao atingir a sétima morada ela sabe que ela é o espírito – que eu
prefiro denominar pelo termo consciência, viajando pelo castelo ou alma, que para mim são os esta-
dos não ordinários de consciência.]
Continuando seu relato, ela diz:
Entretanto, muitas almas andam em torno desse castelo, onde as sentinelas montam guarda,
e aparentemente elas não têm interesse em entrar nele. [por estarem demasiadamente presos aos
objetos dos sentidos do mundo exterior.]
Mas os livros de oração aconselham a alma a entrar em si mesma! Esse também é meu pen-
samento, pois as almas sem oração são como corpos entrevados ou paralíticos, e incapazes de se
moverem. Há almas tão enfermas e tão mergulhadas nas coisas externas, que dão a impressão de
não haver remédio nem possibilidade de fazê-las entrar em si mesmas. Mas eu vos digo que a porta
para entrar nesse castelo é a oração e a meditação, embora eu não chame de oração o mexer dos
lábios, sem pensar no que dizemos, nem no que pedimos nem quem somos nós, nem quem é Aquele

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ao qual nos dirigimos. Assim, o costume de falar à majestade de Deus como se fala a um estranho,
dizendo o que foi decorado, a isto não chamo de oração. Não permita Deus que cristão algum reze
desse modo.
[Neste parágrafo ela nos ensina seu método de oração, dizendo que orar não é repetir pala-
vras memorizadas, mas falar com o coração, a emoção, namorar Deus sem linguagem verbal.]
Dirijo-me às almas que querem entrar no castelo, embora saiba que muitas estão metidas ou
ligadas ao mundo, e embora tenham bons desejos e encomendam-se uma vez por outra ao nosso
Senhor, em geral elas refletem pouco sobre si mesmas, nunca muito detidamente e, no espaço de um
mês, dia ou outro rezam distraídas com mil negócios a lhes encherem o pensamento. Assim, estando
elas apegadas aos pensamentos, o coração se lhes vai para onde eles fluem, perdendo o verdadeiro
tesouro que é caminhar em direção a Deus.
De tempo em tempo essas pessoas procuram libertarem-se, o que já é grande coisa, quando
o próprio reconhecimento de que não caminham bem os faz procurarem se acercar da porta do Cas-
telo. Por vezes elas acabam entrando nas primeiras salas de baixo, mas juntamente com elas entram
tantas sevandijas, que estas não lhes deixam ver a beleza do castelo, nem lhes dão sossego. Entre-
tanto, já foi muito bom elas terem entrado, mesmo que por pouco tempo.
[Aqui ela relata que o Eu, como consciência pura, vivencia muitos espaços conscienciais ao
penetrar no interior de si. As sevandijas a que ela se refere são todo tipo de distração e perturbação
do estado meditativo, que deve ser controlado pelo esvaziamento da mente e seus agregados.]
Contudo filhas tenham paciência, pois quando não se tem a experiência, isto tudo é um as-
sunto difícil de entender, e eu agradeço a Deus por me ajudar em dar-vos alguma idéia do que quero
vos explicar.

Segunda Aula

[Na seqüência da descrição que Teresa faz das primeiras moradas, o que Ela nos mostra é
que existem outras possibilidades de existência, além da primeira morada ou primeiro espaço consci-
encial que é o estado de vigília. Assim, eu entendo que alguns dos „primeiros aposentos‟ que ela
menciona são os espaços conscienciais próximos ao estado de vigília, e outros são espaços consci-
enciais superiores, até a sétima morada que seria o espaço da Consciência Suprema.]
Diz Teresa:
Embora a fonte, ou melhor dizendo, o Sol que resplandece no íntimo da alma, nunca perca
seu fulgor e formosura - pois nada seria capaz de empanar-lhe o brilho -, se a alma estiver como que
coberta por um pano espesso e negro, então é evidente que dardejando o sol seus raios não res-
plandeceriam no cristal [iluminando-o]. Ao ver o que ocorre com uma alma [sentindo-se] em pecado
mortal, tira-se dois ensinamentos: o primeiro é que ela sente um temor grandíssimo de ofender a
Deus, e o segundo é a importância da humildade em reconhecer que nenhuma coisa boa que faça-
mos procede de nós.
[Nessa segunda parte Ela explica como as travas e barreiras da mente, que ela identifica co-
mo os „pecados‟ cometidos no mundo, impedem que cheguemos ao centro da alma onde Deus habi-
ta. Entretanto este é um assunto sobre o qual precisamos refletir, pois conforme o meu entendimento
pecado não existe, mas o fato de nos sentirmos pecadores nos faz pequenos perante nós mesmos e

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isto nos impede de atingirmos espaços conscienciais superiores, onde a Consciência Suprema se
manifesta.]
Agora voltemos ao castelo, e eu torno a lembrar que é muito bom sumamente bom entrar no
primeiro aposento que é o do conhecimento próprio, antes de voar aos outros. É este o caminho.
Tratemos de progredir no primeiro aposento, aprofundando o conhecimento de nós mesmos, pois se
ficarmos sempre metidos na miséria de nosso barro, nunca dele brotarão arroios limpos, sem a lama
dos temores, das fraquezas, da covardia e de pensamentos ruins, como por exemplo: “Estão me o-
lhando, não me estão olhando, por esse caminho não me sairei bem, etc.”
Valha-me Deus quantas almas terão o demônio arruinado por esses meios. Por isto ouse ca-
minhar pelo castelo sem medos, sem receios e alce vôo algumas vezes, sempre conhecendo a gran-
deza de seu Deus.
[Outra barreira importante sobre a qual devemos refletir é o temor a Deus, porque se você O
teme, seu inconsciente O estará rejeitando e você não conseguirá a Ele se unir . Mas, lembre-se que
Deus é amor e o amor não deve ser temido, tal como nos ensina santa Teresinha de Lisieux, no livro
“Viagem de uma alma”.]
Nos primeiros aposentos existem milhares de salas e as almas entram nelas de muitas ma-
neiras. Todas elas têm boas intenções, mas são tão mal intencionados os demônios que velam cada
entrada impedindo nosso progresso, que devemos ter o máximo de cuidado para não nos deixarmos
enganar. Entretanto, à medida que progredimos em direção ao centro, onde sua Majestade reside,
vemos que os demônios vão perdendo sua força. Portanto, quem se sentir desprotegido deve recorrer
a sua Majestade e a bendita Mãe de Deus, para que lutem ao nosso lado.
Nas primeiras moradas nós não percebemos a Luz do salão principal onde está o Rei, não
que a Luz não chegue até esses locais, mas porque aqueles que ali chegam ainda são cegos a ela,
porque com eles existem tantos animalejos nocivos (restrições mentais) que não permitem que eles
vejam a Luz. Infelizmente eu não sei explicar melhor!
Assim, para que possamos caminhar em direção as moradas seguintes, convém abrirmos
mão das relações de negócios que nos são desnecessários, cada um de acordo com seu próprio
estado. Isto é importantíssimo, pois do contrário acho ser impossível chegar ao salão principal onde
Ele habita e nos espera. Essas relações de negócio e outras inúmeras coisas nos causam danos,
insinuando-se pouco a pouco, sem se deixar perceber, e nos perturbando em nossa caminhada.

Terceira Aula

Vejamos agora quais são as almas que entram nas demais moradas e em que se ocupam aí.
Essas almas são aquelas que já começaram a ter oração e entendem quanto lhes importa não ficar
nas primeiras salas, embora saibam que ainda não têm a firmeza necessária para passar adiante
definitivamente. Ó Jesus, em que complicações as perturbações submetem a pobre alma! Nessas
aflições elas não sabem mais se vão adiante, ou se voltam para a primeira morada.
[Aqui vale uma reflexão: Qual é a razão da vida? O que é importante para o sucesso no ca-
minhar espiritual? Do que devo abrir mão para seguir o caminho e porque? Pois bem, ela me ensinou
que a razão da vida é a auto-realização em Deus, que o sucesso depende do método - no caso como

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orar ou como meditar -, e que somente devemos abrir mão das coisas que nos prendem na ilusão
sensorial, por que nos trazem para „fora‟, quando queremos caminhar para „dentro‟.]
Então Teresa nos diz:
Por outro lado, a razão lhes faz ver que o engano está em dar valor a tais coisas, em compa-
ração ao sumo Bem ao qual se aspira. Diz-nos a razão: „para fora deste castelo‟. Por isso, eu vos
digo para terem cautela, pois a alma não achará segurança nem paz neste estágio onde a fé está tão
amortecida, que iremos preferir as coisas visíveis do mundo mundano às realidades que a fé nos
ensina. Por isto, é muito bom para a alma que se ocupa da oração, ter contacto com os que servem a
Deus e chegar-se não só aos que estão nos mesmos aposentos que ela, mas aproximar-se dos que
já entraram nos salões visinhos ao do Rei, pois eles têm experiência e podem dar respostas as mos-
sas dúvidas.
[Por isto estudamos este texto. Teresa chegou lá, iluminou-se e pode nos auxiliar a percorrer
o mesmo caminho. Quando ela nos aconselha a nos chegarmos aos que já atingiram a maioridade
espiritual, ela o faz para que saibamos que estes mestres podem nos guiar pelo mesmo caminho que
eles já trilharam.]
Paciência e paz, minhas irmãs, está é a palavra do Senhor aos apóstolos, e é isto que eu a-
conselho aos que ainda não começaram a recolher-se em si mesmos. Assim, peço aos que já princi-
piaram que não renunciem, e enfrentem a todas as dificuldades para não voltarem atrás. Pois pior
que a recaída é a renúncia!
Confiem na misericórdia de Deus, e em nada confiem em si. Verão então como Ele sabe atra-
ir a alma de morada em morada, até introduzi-la no lugar onde as feras não a molestam nem a atin-
gem mais. Então, a alma experimentará tal abundância de bens, como jamais poderia supor ser pos-
sível, isso lhes asseguro. Por isso eu reafirmo ser de grande importância consultar pessoas experi-
mentadas, pois existem certas obrigações e deveres a serem cumpridos em cada um dos aposentos,
embora alguns possam achar desnecessários. Outro ponto importante, que o próprio Senhor o con-
firma, é que quem anda no perigo, nele perece. Por isto, declarei que a porta para entrar na alma é a
oração, entretanto, é um desatino pensar que podemos entrar no céu sem primeiro entrarmos em nós
mesmos, a fim de conhecer e considerar nossas misérias.
Quanta miséria, quanto desamor, quanto egotismo. Como poderíamos amar a Deus se temos
vergonha de amar ao nosso irmão? Como podemos pensar em amar a Deus, se temos pudor de
dizer a meu próximo: perdoa-me ou então; obrigado pelo teu amor, eu te amo, ou simplesmente; te-
nha um ótimo dia!
Essas são as nossas misérias e aos que pela misericórdia de Deus venceram os primeiros
combates e pela perseverança entraram na terceira morada, eu digo: feliz o homem que ama o Se-
nhor. Vede, minhas irmãs como é importante vencer as batalhas precedentes, pois grande miséria é
viver sempre de sobressalto, com inimigos a porta, sem poder dormir nem comer desarmado.
Entrai, entrem em vós mesmas, filhas minhas! Elevai-vos acima de vossas pequeninas obras.
[Lembremos que este texto foi escrito para suas irmãs da congregação, por isto ela sempre
se refere como que falando a elas.]

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Quarta Aula

Nesta terceira morada, o Senhor justo e também misericordioso, não deixa de nos pagar
dando-nos sempre muito mais do que merecemos. Ele nos concede contentamentos incomparavel-
mente maiores do que as distrações e os prazeres da vida, mas eu não penso que Ele nos dê muitos
gostos, a não ser uma vez ou outra, para atrair-nos. Nesses momentos, Ele nos dá a experimentar o
que se passam nos demais aposentos, para nos dispormos a entrar neles.
Às vezes fico confusa quanto aos gostos e contentamentos, que para mim não parecem ser a
mesma coisa, entretanto voltarei a falar disso na próxima morada pois embora possa parecer sem
proveito, creio ser útil para compreender cada graça, pois assim vos esforçareis mais em aspirar o
mais elevado, embora estas questões sejam motivo de confusão para muitos que então imaginam já
terem alcançado tudo.
As pessoas humildes se movem no sentido de dar graças ao Senhor. Por isto, sejam humil-
des, simples e verdadeiros, pois não está a perfeição nos gostos, mas em quem mais ama. Mas, por
que eu falo dessas coisas? Confesso não saber dizer, perguntai-o a Ele que me mandou escrever!
Eu só faço obedecer. Mas, uma coisa eu vos posso dizer, houve um tempo em que eu não tinha, nem
conhecia essas graças, nem pensava jamais conhecê-las, embora experimentasse grande felicidade
ao ler nos livros as graças que o Senhor concede aqueles que o servem com felicidade.
As almas que já chegaram a este estado perceberam como é grande a misericórdia divina,
por isto elas estão muito perto de subir mais. Entretanto, é útil que tenham um guia espiritual a quem
possam acudir, para em nada seguir a própria vontade, que geralmente é a origem de nossos males.
Procurem aqueles que estão desenganados das coisas do mundo, pois a comunicação espiritual com
quem já conseguiu o desapego é de enorme proveito para conhecermo-nos a nós mesmos. Vendo
seus altos vôos nos atrevemos a voar também. Tais pessoas por estarem determinadas em não o-
fender ao Senhor, farão tudo muito bem em não se meterem a pecar, porque ainda estando perto das
primeiras moradas facilmente poderão recair e voltar a elas, quando sua fortaleza ainda não está
apoiada em terra firme, tal como as das almas exercitadas em padecer, e que já conhecem as tem-
pestades do mundo.
[Neste ponto faço um comentário sobre meu entendimento do conceito de pecado, pois para
mim pecado como entendemos a palavra, não existe. Deus não estabeleceu leis para nos guiar, tam-
pouco nos julga pelo o que fazemos. Tudo o que fazemos fica em nosso coração, esta é a mecânica
da vida, sem moralidade, nem julgamento de bem e mal. Assim, o pecado deve ser entendido como
algo contra nós mesmos, pois quando adulteramos nossa natureza divina, deixamos em nossa alma
os resíduos das ações que vão se constituindo em impedimentos que dificultam nossa união com o
Divino. Por outro lado, a questão do temor a Deus é também uma outra armadilha muito prejudicial a
esta união, pois nós tendemos a fugir de tudo o que tememos. Por outro lado, Deus é amor e não se
teme o amor. Ele é pai e como tal deve ser amado e não temido, Amando-O somos tocado por Ele e
levados ao seu encontro.]
Olhemos para nossas próprias faltas e deixemos as alheias. É muito próprio de pessoas tão
corretas escandalizarem-se com tudo, mas não há razão para querermos que todos sigam pelo nosso
caminho, nem nos devemos por ensiná-la o caminho do espírito, que talvez nem saibamos o que é.
De fato, com esse desejo que Deus nos dá, de fazer o bem a todas as almas, podemos cometer mui-

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tos erros. Assim, o melhor é procurar seguir a regra: „Procurar viver sempre no silêncio e na esperan-
ça. O Senhor terá cuidado das almas alheias. Quanto a nós, faremos muito, com o favor de sua Ma-
jestade, se não nos descuidarmos de suplicar por elas‟.
[Teresa, quanto temos que aprender com você! Bendita sejas tu por iluminar os nossos ca-
minhos com tanta sabedoria!]

Quinta Aula

Para começar a vos falar das demais moradas, é necessário o que acabo de fazer ou seja, eu
recorri ao Espírito Santo e supliquei-lhe que, de agora em diante, fale em meu lugar, para que eu
possa dizer alguma coisa sobre as moradas restantes, de modo que vocês possam me entender.
Começam aqui os favores sobrenaturais, dificílimos de explicar, a menos que sua Majestade
se encarregue disso. Tenho agora um pouco mais de Luz acerca dessas mercês concedidas pelo
Senhor a algumas almas, mas agora as moradas se encontram mais perto do aposento do Senhor (o
centro do castelo de luz), e nelas há coisas tão delicadas que nossa mente por mais que se esforce
não tem capacidade para sugerir se quer uma idéia de como explicá-las adequadamente. É necessá-
rio ter a experiência para compreender [pois aqui existe uma inefabilidade].
Às vezes pensamos que para atingirmos essas moradas é necessário permanecer muito
tempo nas primeiras moradas, mas não é regra absoluta. O Senhor faz seus benefícios quando quer,
como quer e a quem quer.
[Pessoalmente entendo que o Senhor lê nossos corações e nos ajuda na medida em que po-
de confiar em nossas resoluções.]
Os répteis venenosos [e as perturbações da mente] raramente penetram nestas moradas e,
se conseguem intrometer-se, causam mais proveito que dano, pois assim temos a possibilidade de
enfrenta-los e derrota-los definitivamente. Por outro lado, a alma não lucrará tanto mergulhada num
embevecimento constante e alheia a tudo que pode ser ocasião de aprendizado para ela.
[Eu entendo que quanto mais rápido esvaziarmos nossa mente, mais forte ficaremos para a-
cessar a totalidade.]
Tratemos agora do que prometi dizer-vos: a diferença entre consolações e os gostos na ora-
ção. Parece-me que podemos chamar de consolação ou contentamento, o que adquirimos por meio
de nossas meditações e suplicas ao Senhor, embora as consolações procedam de nossa natureza e,
está claro, das graças de Deus. As consolações nascem das obras que realizamos e são frutos de
nossas ações. Elas começam em nossa própria natureza e terminam em Deus. Já os gostos têm seu
princípio em Deus e vêm a nós, por isto, deixemo-los fruírem com tanta satisfação quanto são às
alegrias que já lhes falei. Mas não quero examinar agora o que é melhor, se os contentamentos ou os
gostos, eu quis apenas saber exprimir a diferença entre ambos.
Estimo os contentamentos, mas não sabemos com certeza se são todos efeitos do amor. Em
geral esses sentimentos são dons para aqueles que trabalham de contínuo com o intelecto, empre-
gando-o na meditação. Entretanto, acertariam mais se ocupassem algum tempo com atos de amor e
louvores a Deus. Eu não quero me estender mais, mas mesmo assim gostaria de lembrar que para
aproveitar melhor este caminho e subir até as moradas mais altas e desejadas, o essencial não é
pensar muito, é amar muito. Por isto, escolhei o que mais vos conduz ao amor.

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Sexta Aula

Eu falo do amor mas talvez nem saibamos o que é amar, o que não me espanta. Por isto eu
vos digo que não consiste o amor em ser favorecido de consolações, mas sim numa total determina-
ção e desejo de contentar a Deus e em procurar Dele não nos afastarmos.
Tenho pensado muito nisso tudo, mas haverá pouco mais de quatro anos que vim a compre-
ender por experiência que o pensamento e a imaginação, não são a mesma coisa que o intelecto, a
faculdade que nos traz a compreensão. É que sendo o intelecto uma das faculdades da alma, causa-
va-me pesar vê-lo avoado. Por outro lado o pensamento voa tão depressa, e é tão instável, que só
Deus o pode deter, paralisando-o na oração para permitir que a alma se desligue do corpo.
Quando escrevo, vou analisando o que se passa em minha cabeça. É como se um rio cauda-
loso ou um grande ruído, estivesse impedindo-me de escrever o que me mandaram. Ouço bandos de
passarinho e também silvos. Não são sons ouvidos com o ouvido corporal, mas ouvido no alto da
cabeça, onde segundo dito reside à parte superior da alma. Sei que é difícil, mas não se preocupem,
porque vou tratar disso nas moradas seguintes. Creio que o Senhor tenha querido dar-me esta sen-
sação na cabeça para melhor me explicar algo. Mas, se a parte superior da alma está no alto da ca-
beça, porque não se perturba com toda essa agitação? Sobre isso eu ainda não sei, mas sei que se
sofre quando a oração é feita sem a suspensão da parte sensitiva da alma.
[Aqui Teresa fala de algo muito importante e ao mesmo tempo muito difícil, pois a oração que
ela praticava e nos ensina, é a oração no silêncio do coração, e não uma prece dita na linguagem da
mente seja decorada ou não. Ela nos ensina que devemos falar a Deus com o coração, em silêncio,
sem linguagem outra além do desejo de senti-Lo e estar amando-O. Uma oração silenciosa dita no
vazio da mente, mas com o coração pleno de Deus. A distinção que ela faz entre o pensamento e o
intelecto me parece clara, se compreendermos que o pensamento ou imaginação é uma atividade da
mente e o que ela denomina intelecto, uma função da alma no sentido de que seus conteúdos vêm
da ligação subliminar que temos com o Divino e que chega até nós como intuição.]
Ó Senhor, o caminho para ti é a oração, quanto a isso não há dúvidas, mas levai em conta o
quanto se padece neste caminho por falta de instrução e conhecimento. O mal está em supor que
tudo consiste em pensar somente em vós. Às vezes nos queixamos de sofrimentos interiores, torna-
mo-nos melancólicos, acabamos perdendo a saúde e até abandonamos a oração, por não sabermos
que há um mundo interior dentro de nós. As vezes, durante a oração, parece que não podemos deter
nosso pensamento, os quais quando confundidos com as faculdades da alma, nos desviam do rumo,
deixando-nos perdidos. Assim, empregamos mal nosso tempo na presença de Deus, quando muitas
vezes a alma está com Deus, mas a imaginação vagueia pelos arredores do castelo.
[O método de oração do Vedânta é sempre precedido pelo exercício da vacuidade mental, tal
como Teresa nos sugere. É necessário esvaziar a mente, fazer o silêncio interno para poder trans-
cender em direção Dele.]
Por isto, não podemos deixar a imaginação comandar. Certas pessoas, conforme ouvi dizer,
sentem o peito apertado, outras fazem movimentos exteriores que não podem conter, e chegam até a
por sangue pelo nariz e a padecer de outros acidentes penosos. Sobre o que é isso, eu não sei dizer,
porque nunca o senti. Para mim, os gostos de Deus são diferentes, eles são oriundos da oração de
quietude, entenderão aqueles que já o experimentaram.

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Assim, se Sua Majestade decide conceder alguma graça sobrenatural, Ele a faz brotar gran-
díssima paz, quietação e suavidade no mais íntimo da alma. Não se sentem esses contentamentos e
deleites, tal como os da Terra que têm princípio no coração e só depois enchem tudo. As águas do
céu começam em Deus e terminam em nós, vêm por todas as moradas até chegarem ao corpo.
Certa vez um poeta disse: “dilatasti cor meum” (dilatou meu coração), mas não me parece
que o deleite proceda do coração, mas de outro lugar ainda mais profundo, penso que deve ser o
centro da alma, como depois vim a entender e pretendo explicar mais tarde. Por isto eu confesso:
vejo tantos segredos em nós mesmos, que muitas vezes fico espantada pensando quantos outros
mais devem existir ainda!

Sétima Aula

Antes de voltar a falar da oração, digo ser condição essencial amar a Deus sem interesse al-
gum. A oração comum traz grandes efeitos, mas há uma outra forma de oração que é um recolhimen-
to que me parece quase sobrenatural. Esta oração não consiste em a pessoa estar às escuras, nem
em fechar os olhos, nem em se fixar em coisa alguma do exterior, embora sem querer ela feche os
olhos e busque solidão. Assim, durante essa oração os nossos sentidos e as coisas exteriores pare-
cem ir perdendo seus direitos, ao passo que a alma vai recuperando aqueles que ela havia perdido [o
contacto com o Deus interior], então aos poucos a alma entra em si mesma, ou talvez se eleve acima
de si.
[Relembro que Teresa usa o termo alma, ora no sentido de „núcleo de consciência‟, ora no
sentido próprio de alma ou veículo imaterial do espírito ou consciência.]
Tenho esse defeito, pois eu penso estar dizendo essas coisas e me fazendo entender. Mas
talvez seja claro só para mim. Façamos de conta que os sentidos e as faculdades sejam gente [pode-
res interiores da alma] deste castelo - na comparação que estou usando -, e eles andam metidos com
gente estranha e inimiga [os objetos exteriores]. Então, Deus resolve chamá-los com um assovio tão
suave, que eles próprios quase não percebem. Mas, esse assovio de pastor tem tanta força que mais
cedo ou mais tarde, nós abandonamos as coisas exteriores com que andávamos nos distraindo e
voltamos ao castelo. É certo que buscando Deus no íntimo da alma o encontraremos, tal como santo
Agostinho, que O achou dentro de si, depois de procurá-Lo em muitos lugares.
Por isto eu vos afirmo que Deus está dentro de nós mesmos, pois eu vivi isto!
Algumas vezes, mesmo antes de pensar em Deus, as pessoas já se reúnem no castelo. Não
sei dizer onde nem como ouviram o silvo do pastor. Sei que não foi com o ouvido, porque nada se
ouve por ali [é com a intuição que brota na alma que se ouve, quando Deus nos chama]. Mas sempre
sentimos o chamamento interior como um toque suave, que nos leva para o interior como verá quem
o experimentar.
Na oração algumas pessoas pensam em deter o pensamento. Eu não sei se isso é possível,
pois a este respeito houve uma contenda bem renhida entre várias pessoas espirituais. Da minha
parte, penso que quem menos pensa, e quer fazer, faz mais. Nossa atitude deve ser a de um pobre
mendigo diante de um grande imperador. Pedem e logo baixam os olhos, esperando com humildade.
Quando entendemos que o Senhor por secretos caminhos nos está ouvindo, é bom calar [os ruídos
da mente]. O Senhor quer que Lhe peçamos e nos consideremos em Sua presença, pois Ele sabe o

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que nos convém. Por outro lado, saiba que os exercícios da alma são muito suaves e pacíficos, por
isto inventar coisas penosas, causa mais danos que proveito. Chamo penosa qualquer coisa que não
queiramos fazer, tal como reter a respiração, ficar ajoelhado, enfim, sofrer. É melhor deixar-se nas
mãos de Deus, para que Ele faça de nós o que for de Seu agrado.
Voltando a oração de recolhimento, não se há de deixar a meditação nem o trabalho do inte-
lecto. Eu deveria ter explicado isto antes, mas o faço agora. A oração de recolhimento é um requisito
para se chegar à oração dos gostos divinos, à qual torno agora. Nessa oração sentimos o dilatar ou
alargar da alma. Com essa dilatação e suavidade interior, a alma [consciência] caminha com mais
liberdade e sem medo do inferno [estados conscienciais de sofrimento]. Assim, ela perde o temor
servil - e embora temerosa de ofender a Deus -, sente grande confiança de que irá experimentar a
suprema felicidade da Sua presença.
Entretanto eu quero deixar um alerta, pois algumas vezes quando se tem alguma satisfação
espiritual, podemos sentir no interior da alma alguma consolação, embora no exterior sintamos uma
fraqueza que às vezes nos faz desfalecer. É o chamado sono espiritual, uma espécie de graça um
pouco superior, que faz com que muitos confundam a fraqueza como algo vindo de Deus e se deixam
embevecer. Imaginam que é arroubamento, mas quanto a mim, chamo a isto de abobamento. Portan-
to se cultivarmos isto nós estaremos perdendo tempo e arruinando a saúde.
[Isto é uma grande verdade, principalmente para aqueles que pensam que o caminho espiri-
tual pede jejuns e outras abstinências, que os enfraquecem e os fragilizam]

Oitava Aula

[A oração é um caminho de aprendizado e nele Teresa chegava a ficar cerca de oito horas
em estado contemplativo, meditativo, no qual nem perdia os sentidos, mas tampouco havia noção de
Deus. Mas, ela persistia! Até que um dia começou sentir que colhia os frutos de seu trabalho espiritu-
al.]
Ó irmãs, como lhes poderei falar das riquezas, dos tesouros e deleites que há nessa quinta
morada? Às vezes creio ser mais bem nada dizer sobre esta, nem das que faltam. Não há quem sai-
ba falar dela, pois o intelecto não é capaz de conhecê-la. As comparações não podem servir para
explicá-la, pois as coisas da terra são muito pequenas para tão alto fim.
Mas prestai atenção em meu conselho: neste grau de que tratamos o Senhor não tolera a mí-
nima reserva de nossa parte. Ele exige tudo de nós para Si, e é necessária a entrega total [morrer
para o mundo da ilusão para penetrar na imortalidade do Eu verdadeiro.] Nesse nível a alma fica tal
como adormecida, nem lhe parece que dorme nem que está acordada. Ficamos como que adormeci-
das do mundo e de nós mesmos. Com efeito, durante o tempo em que dura esta união, a alma fica
verdadeiramente como que fora de si, sem sentidos. Não é possível pensar, ainda que querendo,
nem é preciso prender a imaginação com artifícios.
[O Eu que é consciência pura se desconecta da estrutura psíquica e permanece unicamente
dissolvido na Divindade. Este estado consciencial é denominado Turiya no Vedânta, e significa o
quarto estado consciencial]
Como eu disse esta oração [estado não ordinário de consciência em que o Divino é vivido in-
tegralmente] não é semelhante ao sonho, embora neste estágio a alma fique em dúvida sobre o que

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Osvaldo Luiz Marmo
foi que viu ou sentiu, se foi efeito da imaginação ou se de algum sonho, ou se foi a mercê de Deus ou
a ilusão do “mal” transfigurado em “anjo de Luz”. Surgem mil suspeitas e temores em nossa mente, o
que é bom, porque assim ficamos alerta. [Frente à inefabilidade da experiência de contacto completo
com o Divino, realmente ficamos sem fôlego e incertos quanto a tudo que foi vivenciado. Mas com o
tempo.....Deus nos conduz à certeza e a Verdade.]
Entretanto nada temam, porque não há perigo, os seres negativos não entram na alma nesse
estágio, embora sempre pode haver alguns que se esgueirem pelos cantos tentando isso ou aquilo,
sem causar muito dano se não lhes dermos muita atenção. Mas, fiquem tranqüilas minhas irmãs, pois
nesse nível o “demônio” não pode entrar, nem causar dano algum. Deus está tão unido a essência da
alma que o inimigo não se atreverá a aproximar-se.
Nesse estágio existem segredos tão profundos, que Deus não os confia nem mesmo ao nos-
so intelecto [corpo-mente espiritual], mas somente ao espírito.
Voltemos agora ao sinal da presença divina, que digo ser garantido. Essa minha pobre alma,
a quem Deus suspendeu totalmente o intelecto e os sentidos a fim de poder melhor lhe imprimir a
verdadeira sabedoria, nada vê durante o tempo que permanece em oração. Eu não vejo, não ouço e
nada entendo. Somente sinto a presença divina sendo infundida em mim. Por isto, algumas pessoas
me perguntam: “Como podes ter certeza que era Deus, se nada viu ou entendeu?”. Então me deixe
explicar, pois quando digo que não vejo é porque não tenho a percepção do modo da visão, mas vi
pela certeza que fica na alma, certeza que somente Deus nos pode infundir. Foi assim que eu soube
que Ele está em todos os seres por presença, potencia e essência. Por outro lado lhes posso assegu-
rar que para nos mostrar todas essas maravilhas, Ele não quer nossa cooperação, Ele somente nos
pede que nossa vontade fique inteiramente rendida a sua [estado sem mente], pois com todos os
sentidos e faculdades adormecidos Ele entra no interior de nossa alma [ou dela emerge?]. Nas últi-
mas moradas que relato em seguida, Deus quer que a alma experimente a suprema felicidade de Sua
presença, de maneira ainda mais intensa no centro de si mesma. Mas isso eu lhes contarei depois.

Nona Aula

Pode parecer que já disse tudo que poderia ser dito sobre essa morada, que denomino a
quinta, mas falta muita coisa a ser dita.
[Como já nos disse Teresa, nada é necessário fazer para encontrar Deus, além de aquietar-
mos nossa mente para senti-Lo. Deixemos por conta Dele, que Ele nos achará, pois Ele sempre acha
a quem silencia a mente e Lhe entrega o coração.]
Assim sendo estamos construindo nosso entorno espiritual e fazendo de nossa alma um tem-
plo para a manifestação do Deus que é aquilo que somos, tal qual o bicho da seda tece seu casulo
com o fio que sai de si.
[Nosso fio de seda é a verdade, a lucidez, a razão que são os alicerces para o desabrochar
do amor divino em cada um de nós.]
Eis aqui minhas filhas o que podemos fazer com auxílio de Deus. Que a nossa morada seja
sempre Sua Majestade, como o é durante da oração de união, uma morada tecida por nós! Assim, ao
afirmarmos que Deus é a nossa morada e que podemos fabricá-la sempre que quisermos para nela
estar, eu digo em verdade que podemos construir em nós a casa de Deus.

11
Osvaldo Luiz Marmo
[Teresa enfatiza nessa locução o abandono do mundo e a sublimação da vida material. Mas,
com todo respeito à sabedoria dessa querida santa, penso que como não existem dois mundos; pois
o mundo espiritual e o mundo material são um só mundo, não há sentido pensar que Deus exige a-
bandono de um para termos o outro, mas sim que devemos abandonar o apego à ilusão para termos
a luz da verdade. É necessário que abandonemos tanto a ilusão do mundo da matéria, quanto a do
mundo do espírito. Mas a percepção da ilusão cognitiva não era parte do mundo de Teresa naquela
época, portanto ela não tinha como discernir essa difícil questão. Assim é de fato o apego o que Te-
resa nos diz que deve ser abandonado. Todo o apego, qualquer tipo de apego.]
Agora estou de tal forma libertada que tenho pena de ser obrigada a manter certas relações
sociais, sem faltar à caridade. Mas me entendam, eu não quero dizer que não tem paz, quem chega a
essa morada, embora eu sempre esteja preocupada com a possibilidade de ofendermos a Deus.
[Mais uma vez, com muito respeito pela santa Teresa, que amo de paixão, lembro que é im-
possível ofendermos a Deus, pois tudo que fazemos fica em nós. Portanto, se fizermos mal a alguém,
é a nós que fazemos, pois o mal que possamos fazer somente irá nos afastar de Deus, criando trevas
e travas em nossos corações.]
Teresa diz:
O Senhor ama a alma que vê entregue a Si, e totalmente rendida em Suas mãos.

Décima aula

Com o favor do espírito-santo eu começo a vos falar da sexta morada, onde há uma espécie
de arroubamento que vez ou outra atinge as almas, mesmo quando não estejam em oração. Basta
lembrar ou ouvir uma palavra sobre Deus, e então do íntimo da alma Ele faz surgir uma fagulha que
dá vida a Fênix, e a alma ressurge com vida nova, purificada, pois o Senhor a une Consigo, sem que
ninguém entenda o que se passa, só eles dois. Nesse momento a alma está atenta para as coisas de
Deus, vivenciando a Luz e o conhecimento de Sua majestade, como nunca o fez até então.
Nessa suspensão, quando o Senhor julga oportuno, Ele revela a alma alguns segredos, como
certas coisas do céu, que na forma de visões ficam de tal modo impressas em nossa memória, que
jamais esqueceremos. Mas, em se tratando dessas visões internas, eu vos digo que somos incapa-
zes de as dizer ou contar aos outros, que ainda vivem na Terra, pois não as entendemos a ponto de
as poder repeti-las. Talvez haja entre vós quem não saiba o que é visão, sobretudo visão intelectual
[creio ser melhor usar o termo espiritual, pois esta visão provém da alma-consciência e não do inte-
lecto, nem da mente]. Mais tarde vos explicarei esse assunto.
Algumas vezes Deus leva a alma a seus aposentos para que veja de passagem o que existe
ali. Assim, ao tornar a si, a alma conserva uma tênue lembrança das grandezas que viu. Contudo,
quase sempre não sabe referir coisa alguma, pois pouco retém do que Deus lhe mostrou.
Tornemos agora o improvisado arrebatamento do espírito de que fiz menção. É a experiência
mais veemente, na qual parece que o espírito [consciência] sai do corpo. Por outro lado, está claro
que a pessoa não morre durante essa experiência, mesmo que por um instante ela não possa dizer
se está ou não unida ao corpo. Então Deus lhe mostra uma Luz, diferente da luz da terra, juntamente
com muitas outras coisas das quais jamais poderíamos fazer uma idéia, ainda que ocupássemos toda
a vida em imaginá-las. Tudo acontece num instante. Deus nos mostra tantas coisas juntas, como

12
Osvaldo Luiz Marmo
jamais poderíamos conceber, ainda que trabalhássemos em ordená-las com a imaginação e o pen-
samento durante muitos anos, pois não são visões comuns. São visões diferentes, na qual se vê com
os olhos da alma muito melhor do que enxergamos com os do corpo.
Sem palavras compreendemos muitas coisas. Vemos por exemplo, alguns santos que reco-
nhecemos como se houvéssemos os conhecido há muito tempo. Mas, se a alma está ou não unida
ao corpo, enquanto isso acontece, não sei dizer. Por isso eu não posso jurar que esteja, nem que não
esteja.
Quanto à alma e o espírito, agora me parecem ser uma só coisa, tal como o sol e os seus rai-
os. Então, não poderia, pois a alma elevar-se acima de si mesma, saindo por cima de si mesma?
Tanto quanto posso entender, a alma está toda fora de si mesma. [de fato é a consciência que sai de
seu veículo de manifestação, que denominamos alma. Por isso é necessário distinguir estes dois
conceitos.] Então, lhe são mostradas grandes coisas e quando ela volta a si, tudo na terra lhe parece
cisco em comparação com o que viu.
Assim, são três os frutos que ficam na alma: primeiro o conhecimento da grandeza de Deus,
segundo o conhecimento próprio e a humildade em ver como somos pequenos no reino de Deus, e
terceiro a percepção da pequenez das coisas terrenas frente às do reino de Deus!

Décima Primeira Aula

Quanto mais a alma progride, mais inseparável se torna deste bom Jesus. Ele está sempre
conosco, embora não O vemos com os olhos do corpo, nem com os olhos da alma, e somente senti-
mos a Sua presença numa espécie de visão que denomino visão intelectual [mais uma vez, eu prefiro
usar o temo espiritual ou consciencial]. Certa vez, certa pessoa [que descobri ser ela mesma], sabia
que era Ele que ali estava, embora não O visse como uma imagem. Ela nada enxergava, mas tinha
certeza de que era Ele, e o efeito dessa visão foi duradouro! Às vezes dura por alguns dias, semanas
e mesmo anos! É uma visão onde não vemos o rosto da pessoa, mas sabemos ser ela que ali está.
Nesse caso sempre ouvia o Senhor dizer; “Não tenha medo, sou eu”.
[Esta é uma sensação inarrável, mas muito real. Sente-se a presença, como se víssemos o
Ser Divino, mas não O vemos como uma imagem com formas, porque neste nível de realidade nada
tem forma, como no mundo da ilusão.]
Podeis perguntar: se nada vê como sabe se é Jesus, um santo ou mesmo a Mãe Santíssima?
A alma não sabe dizer ou explicar como sabe, mas tem certeza absoluta de que sabe quem é que ali
está. Daí se entende quão inapta é nossa natureza para penetrar as infinitas grandezas de Deus!
Assim, quem segue por esse caminho sabe com certeza que não é vítima de engano ou de ilusão.
Meu tema é que Sua Majestade fará a alma sair ganhando se ela conservar presentes os e-
feitos decorrentes dessa mercê divina. Portanto, digo que ao seguir por esse caminho siga sem temor
ou assombramento, pois vocês estarão sempre protegidas.
Vou agora falar das visões imaginárias, que são aquelas em que o demônio acha entrada.
Essas visões são perigosas porque nos enganam. Todavia, não devemos confundi-las com aquelas
da última morada, onde Ele apraz a nos favorecer mostrando Sua ternura e majestade na aparência
que julga melhor, como no tempo em que Ele andava no mundo ou mesmo depois de ressuscitado.
As visões imaginárias são frutos da imaginação, cheias de detalhes e servem para engrandecer a

13
Osvaldo Luiz Marmo
vaidade e o ego – são como pinturas. Por isso, um grande teólogo dizia que o demônio é um notável
pintor. Essas visões são diferentes daquelas da sétima morada que lhes falarei no momento oportu-
no. Pois nesse caso embora eu diga “uma imagem”, não é como uma pintura, pois para quem a vê
ela é verdadeiramente viva. Às vezes a visão fala com nossa alma e nos revela verdades sublimes.
As sensações visuais são rapidíssimas e não podemos fixar os olhos nelas mais que um breve tem-
po, tal como quando olhamos para o sol, embora seu esplendor não magoe os olhos da alma como o
faz a luz do sol com os do corpo.
[Se olharmos com insistência, mesmo que por fração de segundo as visões se desfazem,
porque o olhar induz flutuações na mente e esta “puxa” de volta a consciência para o estado de vigí-
lia.]
É uma visão diáfana como que encoberta por um levíssimo tecido transparente. Quase todas
as vezes que Deus faz essa graça, a alma fica em arroubamento, pois sua fraqueza não suporta es-
petáculo tão grandioso e espantoso. Digo espantoso, porque o que vemos é de tão grande majesta-
de, que ao mesmo tempo nos infunde grande temor e espanto, excedendo tudo que uma pessoa
poderia imaginar de tão belo e deleitável, ainda que vivesse mil anos ocupados em imaginá-lo. Mais
uma vez eu digo que não é necessário perguntar quem é, pois o Senhor do céu e da terra se dá mui-
to bem a conhecer. Mas sabeis que tendo tido a oportunidade de receber essa graça tens obrigação
de servir melhor a sua Majestade. Quanto à graça de adquirir merecimento, o Senhor não nos impe-
de, pois isto está em nossas mãos. Há muitas pessoas santas que nunca receberam esses favores e
outras as receberam sem serem santas. A verdade é que essas graças nos ajudam a praticar as vir-
tudes com maior perfeição, pois a meu ver esse desejo de perfeição é próprio das almas enamoradas
e desejosas de mostrar que não servem ao Senhor por salário.
[O fato deste não ser um privilégio dos “santos”, nos mostra que a expansão consciencial em
direção ao divino é fruto de um treinamento, embora quando ela ocorra de forma sistemática, nos
traga sempre uma certa santidade na maneira de ser.]

Décima Segunda Aula

Com essas aparições o Senhor se comunica com a alma sempre que ela necessita, quando
aflita ou em sofrimento, ou quando sua majestade quer se deliciar com ela e por sua vez enchê-la de
delícias. Assim quando apraz ao Senhor, Ele faz a alma sentir-se suspensa de tal forma que ela tem
a impressão de se ver Nele. Não se trata de uma visão comum, pois nesta visão é revelado como se
vêem todas as coisas em Deus e como Ele as contém em si.
Estando com Deus que é onipresente, Nele vivemos e nos movimentamos e assim não po-
demos Dele sair para cometermos nossos erros, pois se todas as nossas malvadezas, faltas e deso-
nestidades forem cometidas em Deus, isso seria uma grande falta de nossa parte. Portanto, devemos
agradecer a Sua misericórdia e ao Seu amor pelo fato Dele nos querer ainda assim.
Certa vez estava eu considerando por que razão Nosso Senhor é tão amigo da virtude e da
humildade e veio-me logo a resposta: é porque Deus é a Suma Verdade, e ser humilde é andar na
verdade [humildade, simplicidade e verdade].

14
Osvaldo Luiz Marmo
Entretanto, a grande verdade é que nada de bom procede de nós, a não ser a miséria de ser
nada. Tudo de bom procede de Deus. Assim, quem melhor entender isto, mais agradará à Verdade
Suprema, porque anda em Sua presença.
[Ao dizer que: “nada de bom procede de nós”, Tereza se refere ao indivíduo que externa sua
personalidade através dos conteúdos de sua mente, e não da essência que constitui o verdadeiro Eu
de cada indivíduo, porque desta essência tudo que procede é divino, tal qual o Divino que a espelhou
a sua imagem e semelhança.]
Teresa diz:
A meu ver há nesse caminho espiritual duas ocasiões nos colocam em perigo de morte. Uma
é devido à angústia e a outra é devido a felicidade e o deleite excessivo, situações que as vezes sur-
ge de maneira tão forte que a alma parece desfalecer. Então é necessário ter cuidado, porque lhe
falta só um pouquinho para sair do corpo e estar imersa Nele.

Décima Terceira Aula

Parecerá a vós que depois de eu tanto falar sobre este caminho espiritual nada mais resta a
ser dito, mas seria um desatino pensar assim! Possa Deus inspirar-me para lhes relatar o inefável que
Ele revela a quem se introduz nessas últimas moradas.
Quando sua Majestade nos concede a graça do divino matrimônio [percepção da unicidade],
primeiro introduz a alma na morada onde Ele habita. Ai Sua Majestade quer que percebamos algo
diferente do que nos ocorre outros arroubamentos e nas orações de união, quando então o Senhor
uniu a alma consigo, mas ela ainda não havia atingido o centro ou a percepção da unicidade. Na últi-
ma morada é diferente, pois Deus quer que sintamos e vejamos tudo o que ali ocorre. Introduzida
nesta morada por visão espiritual, a alma descobre a Santíssima Trindade – Deus em três Pessoas,
mediante certa maneira de representação da verdade. Primeiro lhe vem uma inflamação do espírito
como uma nuvem de grandíssima claridade. Vê então, nitidamente a distinção das três divinas Pes-
soas, e entende que os três são uma única substância, um único poder, um único saber, um só Deus.
Dessa maneira podemos dizer que a alma estando ali agora entende por ter visto, o que nós cremos
pela fé, embora ainda não tivéssemos contemplado nem pelos olhos do corpo nem com os da alma,
porque não é visão imaginária. Aqui as três pessoas se lhe comunicam e falam [com a alma]. Elas
nos fazem compreender as palavras do Senhor, quando Ele disse que viria com o Pai e o Espírito
Santo, para morar na alma que O ama e guarda os Seus mandamentos.
Por isso, se essa alma não faltar a Deus, Ele jamais lhe faltará.
Entenda-se que essa presença divina não permanece de forma tão clara, como na primeira
vez, pois se fosse assim não poderíamos dar continuidade à vida [a visão e a experiência da sua
percepção é por demais grandiosa para uma alma comum]. Deste modo embora Sua presença não
seja tão clara, a alma não deixa de perceber que está na companhia do Senhor.
Podemos perguntar se a alma poderá voltar a ver as divinas Pessoas na Luz. Mas isso não
depende dela, depende de sua Majestade deixar-se ver e sentir. Algumas vezes me senti confusa,
como que dividida. Pode parecer desatino, mas é assim que acontece. Nós sabemos que a alma é
uma e única, mas forma um todo - o que afirmo não é fantasia -, mas em vistas de certas coisas ex-
perimentadas em nosso interior, se percebe claramente haver uma diferença - e bem sensível -, entre

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Osvaldo Luiz Marmo
a alma e o espírito, pois por mais que ambos sejam uma só realidade, nota-se algumas vezes uma
distinção muito sutil entre eles. Parece que a alma e o espírito atuam de modos diversos, conforme o
sabor que o Senhor lhes confere.
[Aqui Teresa começa a perceber a Verdade, compreendendo a diferença entre o espírito ou
essência divina e a alma ou veiculo de manifestação do espírito fora da materialidade, onde os esta-
dos de consciência se manifestam. Então entendemos quando ela fala que a alma entra dentro de si
mesma, pois o que de fato ocorre é que é o espírito ou a consciência quem entra e viaja pela carto-
grafia da alma.]
Também me parece que a alma difere das faculdades mentais, pois ou são coisas diferentes
ou não se tratam de uma só coisa. Assim vemos que são tantos os mistérios que existem em nosso
íntimo, e tão delicados, que seria muito atrevimento meu ousar explicá-los. No céu os veremos, se o
Senhor nos conceder a graça de nos levar ao Seu reino, onde tudo nos será revelado.
[Teresa, quem sou eu tentar explicar o que você não ousou explicar? Mas dentro do conhe-
cimento do Vedânta eu diria que você compreendeu a diferença entre o Eu, a alma e a mente, onde
se manifestam as faculdades mentais. O Eu é a imagem divina, aquilo que somos. A alma e a mente
são o que nós denominamos pelo termo não-Eu, ou seja, somente um veículo que teima em se mani-
festar como se fosse um Eu, quando somente deveria servir de instrumento para a manifestação do
Eu.]

Capitulo 14

Vamos tratar agora do divino e espiritual matrimônio, embora eu creia que essa grande graça
não ocorre de maneira plena nesta vida, pois na primeira vez que Deus nos concede essa mercê,
apraz sua Majestade em Se nos mostrar com sua humanidade sacratíssima, por meio de uma visão
imaginária. Faz isso afim de que a alma entenda bem e não ignore que recebe dom tão soberano.
Para outras pessoas pode ser diferente. A uma „pessoa‟ que conheço, Ele se apresentou com grande
esplendor, beleza e majestade, tal como O fez depois de sua ressurreição. Disse-lhe então que já era
tempo dela tomar como seus os interesses Dele, pois Ele tomaria conta dos dela.
[Esta “pessoa” que Teresa se refere é de fato ela própria, como depois ficou claro em outros
escritos dela mesma.]
Nessa visão Ele apareceu no centro de minha alma, não como uma visão imaginária, mas
como uma visão que eu denomino intelectual, pois é muito delicada, tal como Ele apareceu aos após-
tolos após Sua ressurreição. Para mim é um grande mistério e uma imensa graça saber que Ele num
instante se comunica mostrando-se a nossa alma! Neste momento é intensa a felicidade de quem se
sente inundada por Ele. A mim parece que o Senhor deseja manifestar a graça do céu de um modo
muito mais elevado, que jamais foi possível em nenhuma outra visão ou gozo espiritual.
Tanto quanto se entende só se pode dizer que a alma, isto é o espírito que reside nela, torna-
se um com Deus. E, sendo também um espírito, sua Majestade deseja mostrar o seu amor para co-
nosco e dar a conhecer para algumas pessoas até onde chega esse amor para que nós louvemos
Sua grandeza. Comparemos essa união a duas velas perfeitamente unidas, produzindo uma só cha-
ma, ou como disse são Paulo: „O que se eleva e se une a Deus, faz-se um só espírito com Ele‟.

16
Osvaldo Luiz Marmo
Mas essas coisas somente se entendem com o andar do tempo pelos efeitos. Por uma secre-
ta aspiração sabemos ser Deus quem dá vida à nossa alma. Com efeito, se nos esvaziamos das cria-
turas que povoam nosso castelo [os conteúdos mentais], por seu amor Ele nos encherá de Si. Não
sei que maior amor pode haver. Nessa súplica estamos todos incluídos. Sua Majestade disse: „Não
rogo só por eles, mas por todos aqueles que hão de crer em Mim‟ e acrescentou; „Eu estou neles!‟
Valha-me Deus como essas palavras são verdadeiras. E, como as compreendem bem as almas que
estando em oração sente-a realizada em si mesma.
Em resumo: o Senhor introduz a alma nessa morada, que é o centro mais profundo dela pró-
pria, e ao entrar o espírito nesse céu íntimo cessam os movimentos ordinários das faculdades e da
imaginação, não mais as prejudicando nem lhe tirando a paz.
Por outro lado, no centro de nossa alma, o espírito é coisa muito mais difícil de descrever e
até mesmo de crer. Assim minhas irmãs, eu não sei como melhor me expressar, e receio vos causar
alguma tentação de não crerem em minhas palavras, pois afirmar que há sofrimento e preocupação,
e ao mesmo tempo dizer que a alma está em paz, é uma realidade que não se impõe facilmente.
Quem chegou nesse ponto da câmara real, não mais está sujeito aos conflitos das moradas anterio-
res.

Capitulo 15

Como lhes disse a nossa borboletinha já morreu. Agora Cristo vive nela. Vejamos que vida
ela tem e como essa vida é diferente de quando era ela quem vivia. Assim pelos efeitos veremos se
era verdadeiro o que afirmei.
Primeiro ocorre um esquecimento de si a ponto de parecer que não mais temos existência
própria. O ser não pretende coisa alguma, e quer ser tido como nada, exceto quando pode de algum
modo aumentar a glória de Deus que reside em seu coração. Entretanto, não pense que deixei de me
alimentar e dormir e de levar uma vida normal, embora também não tenha deixado de cumprir todas
as minhas obrigações, pelo menos as interiores.
O segundo efeito se constitui num grande prazer em realizar em si a vontade de Deus. A paz
é tão grande que não se pode sentir nenhum ressentimento, mesmo para com aqueles que nos fa-
zem ou desejam nos fazer algum mal. Pelo contrário passamos a ter um amor todo particular para
com eles. A essas pessoas somente enviamos nossas preces e o desejo de que Deus as ilumine.
Eu não sinto nenhum temor da morte. Tenho menos medo dela do que teria de um suave ar-
roubamento. Por isto, nesse estado nós não sentimos nem alegria nem gostos espirituais, pois Deus
vive em nós e Sua presença nos basta. Tenho sentido que todos os sofrimentos possíveis valem a
intensa felicidade desses toques de Seu amor que são tão suaves e penetrantes.
Deus mora em nossa alma e fala conosco de uma forma que somente a nós é dado a conhe-
cer e entender. Portanto, de nossa parte nunca deixemos de responder a Sua Majestade, ainda que
estejamos ocupados, ou em conversação com várias pessoas. Muitas vezes pode acontecer que o
Senhor no faça este favor em público, e então neste momento devemos atendê-Lo perguntando: “Se-
nhor o que quereis que eu faça?”
A diferença entre essa morada e as anteriores é que nela não sentimos as securas ou pertur-
bações tão comuns nas anteriores. A alma está em quietude quase contínua e os sentidos e faculda-

17
Osvaldo Luiz Marmo
des [da mente] não têm entrada aqui. Sua Majestade descobriu-se à alma e a fez entrar com Ele on-
de os demônios não ousariam penetrar. Aqui existe o silêncio absoluto. O intelecto nada indaga ou
procura e o Senhor que o criou, deseja que ele sossegue. Admite somente que ele espreite por uma
frestinha alguma coisa que se passa. Também estou atônita ao ver que, chegando a esse ponto a
alma não está mais sujeita a arroubamentos como antes, tais como a perda dos sentidos, a não ser
vez ou outra, mas sem aqueles vôos do espírito, que agora são raros.
Agora nada mais espanta alma, seja porque ela está em repouso ou porque viu tão grandes
maravilhas que tudo o mais perde sentido, ou mesmo porque já não sente mais aquela solidão, uma
vez que anda em tão divina companhia.
Sente a alma estar muito fortalecida, sem aquela fraqueza de outrora. O Senhor deve tê-la
fortalecido comunicando-lhe maior habilidade e capacidade. Esses efeitos e outros mais são concedi-
dos por Deus a alma que Dele se aproximou.
Essa paz interna tão mencionada nas escrituras é impossível de ser concebida para aqueles
que ainda não a sente. Assim, peço a Deus para iluminai-os, e que eles a busquem com ardor.

Décima Sexta Lição

Fica-se a sós com Ele, então o que se há de fazer senão amá-lo?


[Teresa finaliza seu diário espiritual nos legando sua experiência ao ter penetrado no Reino
de Deus e sentido Sua presença viva em si mesma. Mas ela foi além do relato e nos ensinou como
ter as mesmas experiências espirituais que teve ao penetrar no Reino de Deus. Assim ela nos diz que
a chave que abre as portas do Reino é a oração, mas não uma oração comum, decorada e pronunci-
ada pela mente ou entoada em voz baixa. Ela nos ensinou a „oração silenciosa‟, uma forma simples
de namorar Deus e deixar-se embeber pela Sua presença. Uma forma de oração em que não se pen-
sa nada se fica em silêncio para sermos tocadas pela Sua divina presença. „Toda oração por si é um
exercício de amor a Deus‟, e ela nos diz: “Chamo de oração silenciosa o tempo em que a pessoa,
livre de todas as demais ocupações, está recolhida com Deus a sós. Ela está atenta, olhando-se e
atenta a Deus em silêncio”].
“Deus manda orar e orar é amar”. A necessidade nos obriga a pedir, orar é também pedir!
Pedimos, no silêncio interior para que Deus nos ajude porque somos fracos e ignorantes. [Mas Deus
disse a ela que não fizesse nada além do silêncio, pois “Não é necessário procurar a Deus, deixe que
Ele te encontre”, basta se colocar receptivo e ter a intenção de quere-Lo em ti.]
Teresa nos ensina que Deus nada nos pede além de que tenhamos um coração puro. “A pu-
reza de coração não é outra coisa senão o amor e a graça de Deus fluindo em nossa alma”.
Certa vez ela nos ensinou outra forma de oração. “A segunda maneira de orar é quando den-
tro do coração, sem pronunciar pela boca as palavras vocalmente, deixamos nosso coração falar ao
Senhor. E, assim pedimos tudo que temos necessidade para Tê-lo em nossa vida”.
“O mestre da oração sempre é Deus e Deus está presente em nós”. Ela nos diz: “Estamos
apenas eu, que sou impotência, fraqueza e nada, e Deus que é onipotência, santidade e sumo bem.
Assim, tudo o que tenho vem de Deus. Procure que a consciência esteja limpa com o adorno da hu-
mildade, da caridade e da mansidão, para achar graça em Sua presença, porque é necessário limpar

18
Osvaldo Luiz Marmo
a consciência com contrição amorosa, limpá-la com o maior primor que seja possível, o primor que
ensina o amor”.
O caminho ensinado por Teresa é simples, mas não é fácil. Ficar atenta e a sós com Deus é
a grande dificuldade da oração, porque a mente [que ela denomina „a louca da casa‟] deve ser conti-
da para que possamos nos tornar pessoa de oração.
“Meu Deus, que eu me deixe amar. Que eu me perca toda em Ti. Que eu, como o açúcar na
água, me dissolva toda em Seu amor de maneira que não mais exista eu, mas somente Vós. Meu
Deus que eu não me canse de acudir a longos momentos Contigo a sós e ver que Tu me miras”.
Sobre nossa alma, ela nos conta que nada mais é que um quintal no castelo do reino divino.
Nossa alma é parte do Reino e não algo individual e separado. Ao entrarmos em nossa alma estamos
no quintal do Reino, um quintal onde existem „muitas coisas‟ que lá „habitam‟, a nossa mente é o quin-
tal. Ao conviver com estas coisas não iremos nunca além do quintal. [Por isso, ela aquietou sua men-
te e deixou-se levar. O que ela viu?]
Teresa viu que além do quintal, a alma ou o Reino de Deus, têm muitas salas ou estados de
consciência onde podemos penetrar. E, à medida que entramos vamos nos deparando com um au-
mento da Luz de cada sala, o que nada mais é que a presença de Deus cada vez mais intensa. En-
tão, descobrimos que não somos a alma, mas sim o seu habitante principal que vive no castelo em
meio a Luz do castelo, que é Deus. Descobrimos que Deus, cuja Luz é sua face onipresente, pode
estar em todas as salas ao mesmo tempo e que à medida que penetramos em Sua intimidade vamos
cada vez mais sendo permeado por Sua Luz, até que em dado momento somos parte da Luz. Nós
somos a Luz, e com a Luz somos um.
Teresa viu muito mais que seja possível relatar, porque as visões foram e são inefáveis, em-
bora acessíveis para qualquer um que queira seguir seus passos, por amor e não por simples curiosi-
dade.

Fim

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