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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorísun)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
W_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaiega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO

"Até quando, Senhor...?"

Por que a Igreja? Por que a fé?

O Caso Marcinkus

Um homem-macaco em proveta

"O horóscopo da sua vida"

Por causa da fé perseguidos

ANO XXVIII - SETEMBRO - 1987 304


PERGUNTE E RESPONDEREMOS SETEMBRO -1987
Pub(icacáo mensal N9 304

liretor-Responsável: SUMARIO
Estéváo Bertencourt OSB
Autor e Redator de loda a materia
"Até quando Senhor? 385
publicada neste periódico

liretor-Administrador Freqüentemente se pergunta:


Por que a Igreja? Por que a Fé? .... 386
D. Hildebrando P. Mariins OSB
Muitas vezes na imprensa:
dministrafáo e distribuicáo: O caso Marcinkus 399
Edicóes Lumen Chrisii
Os avancos da Engenharia Genética:
Oom Gerardo, 40 - 5" andar, S/501
Um homem-macaco em proveta .... 408
Tel.:(021) 291-7122
Caixa postal 2666 No fim do sáculo XX:
20001 - Rio de Janeiro - R J "O horóscopo da sua vida", pelo Pe. Mauro
Ferrero 415
Compeulso e Impressáo
ra-ft "MAttaUES-SARAIVA" "Sofrer com os que sofrem" (Rm 12,15):
Por causa da fé perseguidos 427
Rui SutM AoOteu**. í» -
Úfelo d«S4-»2SO
T.Hj 273-MM - J7Í-Í447
- 279-9449 -Rl

SSINATURA EM 1988: Cz$ 400,00


NO PRÓXIMO NÚMERO:

305 - Outubro - 1987


Número avulso: Cz$ 50,00
os NOVOS Assinantes:
ja assinatura (desde 1987) será válida Pió XII, os nazistas e os judeus. - "Doutrina
ó o mesmo mes de 1988. Social Crista" (Card. Joseph Hóffner). -
ueira depositar a importancia no Banco Quando comeca um ser humano? — A Cam-
3 Brasil para crédito na Conta Córtente panha Anti-Aids. - Logosofia: que é? - A
í 0031 304-1 em nome do Mosteiro de Maconaria e a Comunhao Anglicana.
io Bento do Rio de Janeiro, pagável na
génda da Praca Mauá fn* 0435) ou en-
ar VALE POSTAL pagável na Agencia
entral dos Correios do Rio de Janeiro. COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

COMUNIQUE-NOS QUALQUER
RENOVÉ OUANTO ANTES
MUDANCA DE ENDERECO
A SUA ASSINATURA
Até quando,Senhor...?"

O livro do Apocalipse refere que os mártires, na corte celeste, pedem


a Deus a restauracao da ordem burlada no mundo por freqüentes injusticas,
que redundam em aparente vitória do mal sobre o bem. — Este anseio no
Apocalipse faz eco a urna serie de outros semelhantes, esparsos na Escritura
(cf. Jr 12,1-3; Hab 1,2-4; MI 2,17); os justos sempre se impressionaram a
propósito da prepotencia da iniqüidade sobre a retidlo, fato diante do qual
Oeus parece calar-se ¡nsensível.

Eis, porém, que tanto no Apocalipse como nos livros anteriores, a res-
posta do Senhor é lacónica: nao indica o "quando", mas pede aos fiéis que
aguardem "um pouco, muito pouco tempo" (Hab 2,1-4) "até que se com
plete o número dos seus companheiros de servipo" (Ap 6,10); a historia deve
prosseguir para que se preencha a cota dos habitantes da Jerusalém celeste,
de acordó com o sabio designio da Providencia.

Mas, embora nao queira indicar prazos e términos, o Senhor nao aban
dona os seus fiéis ao desatino. O Apocalipse diz que aos justos foi entregue
urna veste alva (Ap 6,11), símbolo da vitória já obtida pelo Cristo sobre o
pecado e compartilhada por todos os fiéis discípulos de Cristo; sim, já na
terrá quem freqüenta a Eucaristía recebe o penhor da imortalidade gloriosa,
que vai atuando no cristao aínda peregrino. Entrementes, enquanto espera a
consumadlo, toca ao cristao viver da fé (Hb 10,38), isto é, no claro-escuro
da Palavra de Deus, que nos revela discretamente o plano do Pai; vá cami-
nhando á luz dessa penumbra, dando um passo, mais um passo, ainda um
passo. . . numa heroica corrida de f6lego, até chegar á plena luz. A fé, da
qual vive o justo hoje, assim se vai transformando em vi sao.
Mais: no Evangelho o próprio Jesús predisse que os tempos seriam tao
ingratos que os cristaos desejariam ver logo a consumacao da historia, mas
nao a veriam (cf. Le 17,22). Todavía o Senhor nao quis deixar os discípulos
na perplexidade; indicou-lhes um meio de "antecipar" a restauracao da or
dem: a oracao. . ., á oracao diurna e noturna, que pede a Deus justica ou a
ordem decorrente do reino do Messias. Á oracao o Senhor responde,.. . e
responde sem demora: "É Deus nao faria justica aos seus eleitos, que a Ele
clamam dia e noite. . . Éu vo-lo declaro: Ele Ihes.fará justica muito em bre
ve" (Le 18,1-8).

Por conseguinte, em vez de satisfazer á curiosidade dos homens, o Se


nhor Ihes aponta um recurso mais importante do que qualquer outro: a ora-
cao. . ., que, acdmpanhada pela conversao do coracao, pode obter de Deus a
resposta aos anseios da humanidade conturbada e abatida.
E.B.

385
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano.XXVIll - NP304 - Setembro de 1987

Freqüentemente se pergunta:

Por que a Igreja?


Por que a Fé?

Em sfntese: A Igreja, que nos é entregue por Cristo com seu Credo,
suscita incómodo e mal-estar em muitos crístaos, que preferirían) configuré'
la a urna democracia, na qual tudo se resolvesse a partir dos individuos por
voto majoritário. - Este mal-estar, porám, é precisamente fonte de consolo
e alegría para quem nele reflete: sim, é a garantía de que o fiel católico nSo
está seguindo apenas o seu bom sensq ou a sua religiosidade inata e limitada,
mas está trilhando o caminho de Deus. No Cristianismo é Deus quem primei-
ro procura o homem, nao é o homem que procura a Deus simpiesmente com
seu senso religioso e místico. A Igreja á conseqüéncia do misterio da Encar
nado, primeira expressSo dessa demanda do homem por parte de Deus.

Quanto á exigencia da fé, decorre do fato de que Deus deseja a livre


adesao do homem; ora isto só é possfvel se Ele se revela é criatura sem apa
gar tudo o que de misterioso e incompreensfvel existe em sua vida e em seus
designios. Se Deus se revelasse plenamente ao homem, este nSo poderla dei-
xar de Lhe aderir instantáneamente, pois Deus visto face-é-face é a resposta
cabal a todas as aspiracoes do homem.

* * *

Muitas pessoas hoje em día — até entre as que se dizem católicas — es-
timam profundamente Jesús Cristo e estáo dispostas a seguir seus ensina-
mentos, mas fazern restricoes a Igreja ou recusam pertencer-lhe coerente-
mente. Diriam sim a Jesús Cristo, e nao á Igreja. - Este fato merece atencao,
pois afeta gravemente o próprio Cristianismo e sua identidade. Eis por que
lhe dedicaremos as páginas seguintes, procurando analisar a atitude de recusa
e delinear a resposta que se lhe pode dar.

386
POR QUE A IGREJA?

1.0 problema

Tentemos reproduzir algumas das formulacoes do problema tais como


tém sido propostas por intelectual racionalistas.

Como pode urna instituicao particular, marcada pela contingencia e a


fragilidade de homens e mulheres, ser o lugar obrigatório para que se possa
encontrar a salvacio prometida por Cristo a todos os homens (cf. Jo 10,10)?

Por que, para entrar em comunhao com a Verdade de Deus, destinada


a todos os homens, devo passar por determinada instituicao e até incorporar
me a esta?

Por que sao necessários os dogmas, as normas e os ritos da Igreja para


irmos a Deus? Nao bastaría orar ao Ser Supremo, de um modo ou de outro,
e oferecer-Lhe o único incensó que Ihe agrada: um bom comportamento éti
co?

Ou aínda: por que tantas particularidades para nos encontrarmos com


o Universal e tantas realidades contingentes para chegarmos ao Único Neces-
sário?

Tais eram as questoes levantadas pelos filósofos do lluminismo


(Aufklarung) do século XVIII; esses espirites da "época das luzes" tinham
na Alemanha seu representante mais típico em Gotthold Ephraim Lessing
(1729-1781).

Refletindo bem, vemos que tais objecoes se poderiam estender ao pró-


prio Jesús de Nazaré. Por que admitir a mediacao de Cristo, que se apresen-
tava como a via de acesso a Deus (cf. Jo 10,9: "Eu sou a porta. . ."),. . .
como "o Caminho, a Verdade e a Vida" (cf. Jo 14,6)? Alias, o escándalo
dos filósofos racionalistas já era o dos contemporáneos de Jesús, que pergun-
tavam: "Nao 6 este o carpinteiro, o filho de María, o irmao de Tiago, José,
Judas e Simio? E suas irmls nao estío aquí entre nos?" (Me 6,3).

Em última análise, tocamos o escándalo provocado pelo misterio da


Encarnacao de Deus ou pelo amago da mensagem central do Cristianismo:
"O Verbo era Deus. . . Ele se fez carne e habitou entre nos" (Jo 1,1.14).
Muitas pessoas hoje aceitam ser religiosas (até mesmo cristas), mas gostariam
de definir elas mesmas o seu caminho para Deus, sem interferencia de algu-
ma instituicao (religiao seria assunto de consciéncia apenas ou de foro mera
mente privado). Refutamos sobre tal posicao.

387
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

2. O sentido da Encamacao

Se o Cristianismo nao é apenas um caminho, entre outros, que o no-


mem abre para chegar ao Absoluto, se o Cristianismo é realmente aquílo que
ele diz - o caminho de tieus que vem aós homens, como homem, na historia
dos homens —, entao compreende-se que o Universal (Deus) se entregue a
nos no singular (Jesús) e que o Eterno venha a nos no tempo e através de fa-
tos históricos.

Se o Cristianismo constas» apenas de expressoes naturais de religiosi-


dade humana (oracao, silencio, interioridade, ascese...), ele seria talvez mais
aceitável para mu ¡tas pessoas, mas nao seria mais do que a expressao do na
tural anseio do homem para Deus (o que, sem dúvida, já é algum valor).

O fato de que o Cristianismo está intrínsecamente ligado ás particula


ridades de Cristo e da Igreja, pode, em primeira instancia, incomodar as ten
dencias da razio humana; mas, numa ulterior reflexao, verifica-se que esse
incómodo é altamente precioso, pois significa que, no Cristianismo, o ho
mem nao é entregue apenas ao seu inato désejo de procurar o Absoluto
(Deus); ao contrario, ele se encontra com o Absoluto, que é o primeiro a
procurar o homem; defrontando-se com normas e ritos, em última análise
ele entra em contato com o Outro ou com a Transcendencia de Deus, que
vem ter com o homem por sua própria iniciativa (ou antes mismo que o
homem procure a Deus).

Em conseqüencia, verifica-se ainda o seguinte: a Igreja-instituicSo, que


se impoe ao homem por vontade de Cristo e nao resulta da espontaneidade
religiosa do homem, essa Igreja, com suas normas e seus ritos, é precisamen
te a expressSo da iniciativa salvífica de Deus; ó o prolongamento lógico da
Encarnacao e o lugar privilegiado do encontró com Cristo e com o Pai.

Se a Igreja fosse apenas um vasto clube religioso, urna livre associacSo


mística, em que tudo se decidisse por votacoes majoritárias, talvez fosse
mais "assimilável", porque se parecería mais com as democracias contempo
ráneas; todavía a conseqüencia disto é que o homem, na Igreja, seria dirigido
únicamente por seu senso religioso inato. Justamente o fata de que a vida da
Igreja é norteada por urna Tradicao que nos chega a partir de Cristo e dos
Apostólos, confere aos homens a garantía de que é o Filho de Deus, que eles
encontram.na ¡nstituicao, e nao apenas a sua religiosidade natural (por mais
generosa que seja).

Em linguagem rigorosamente teológica, dir-se-á: o Cristianismo está


centrado no regime do Sacramento. — Sacramento é urna realidade sensível
que encobre, revela e transmite os dons de Deus aos homens. Assim quis

388
PORQUE A IGREJA?

Deus tomar a iniciativa de se comunicar ás suas criaturas. O Sacramento pri


mordial é a santfssima humanidade de Cristo, por cujos gestos e palavras pas-
sava a graca de Deus; a continuacao deste primeiro Sacramento é a Igreja,
chamada por Sao Paulo simplesmente "o Corpo de Cristo" (cf. Cl 1,24). As
últimas expressoes do sacramento Cristo-lgreja sao os sete ritos chamados
"sacramentos" (que acompanham o homem desde o nascer até o morrer,
transmitindo-lhe a comunhao de vida com o próprio Deus). Donde se vé que
a existencia da Igreja visfvel é tao essencial ao Cristianismo quanto o próprio
misterio da Encarnacao. Um Cristianismo sem a Igreja instituida por Cristo
estaría mutilado.

Poe-se agora a pergunta: visto que, dentro do Cristianismo, existem


muitas sociedades com o nome de "Igreja", serao todas equiparadas entre
si? Ou haverá alguma diferenca essencial entre elas?

É esta questio que passamos a considerar.

3. A Igreja confiada a Pedro

Desenvolveremos o título ácima por etapas:

1. Jesús quis fundar urna Igreja como lugar permanente do encontró


da humanidade com a salvacSo trazida por Ele. A Igreja nao resulta de um
designio dos Apostólos posteriores á Ascensao do Senhor.

Com efeito. Diz Jesús em Mt 16,17-19, referindo-se ao Apostólo Pedro:

"Bem-aventurado és tu, Simio, filho de Joñas, porque nao foram a


carne e o sangue que te revelaran) isso, e sim o meu Pai que está nos céus.
Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificare! a minha
Igreja, e as portas do Inferno nao prevalecerSo contra e/a; Eu te darei as cha
ves do Reino dos Céus, e o que ligares na térra será ligado nos céus, e o que
desligares na térra será desligado nos céus".

Mais ainda: após a Ressurreicao, Jesús cumpriu a sua promessa, entre


gando a Pedro o primado de Pastor da Igreja:

"Simio, filho de Joao, tu me amas mais do que estes?" Ele Ihe respon-
deu: "Sim, Senhor, tu sabes que te amo". Jesús Ihe disse: "Apascenta os
meus cordeiros". Urna segunda vez Ihe disse: "Simio, filho de Joao, tu me
amas?" - "Sim, Senhor", disse ele, "tu sabes que te amo". Disse-lhe Jesús:
"Apascenta as minhas ove/has". Pela terceira vez disse-lhe: "Simio, filho de
Joao, tu me amas?" Entristeceu-se Pedro porque peía terceira vez Ihe per-

389
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

guntara: "Tu me amas?" e ¡be disse: "Senhor, tu sabes todo; tu sabes que te
amo".

Vém ao caso txitrossim as palavras do Senhor por ocasiao da última


ceia:

"Simio, Simio, eis que Satanás pediu insistentemente para vos penet
rar como trigo; eu, porém, roguei por ti, a fim de que tua fé nao desi'alega.
Quando, porém, te converteres, confirma teus irmSos" (Le 22,31s).

Estes textos manifestam suficientemente a ¡ntenpao, de Jesús, de fun


dar a sua Igreja como instituicao salvftica sob o pastoreio do Apostólo Pedro
e de seus sucessores (se Pedro é o fundamento visfvel da Igreja, o Apostólo e
suas funcoes nao de se perpetuar em seus sucessores, pois um edificio que
perca seu fundamento, dasaba fragorosamente).

De resto, o desejo de fundar a Igreja é coerente com a escolha dos do-


ze Apostólos por parte de Jesús (Mt 10,3), com a instrupao e o envió dos
mesmos em missao (Mt 28,18-20), como também com a instituicao da Euca
ristía, ceia da nova AI ¡anca a ser renovada perpetuamente pelos discípulos
(cf. Le 22,20).

2. A Igreja de Cristo é chamada católica, porque universal-ou destina


da a todos os homens (sem distincao de rapas ou classes); apostólica, porque
fundada sobre os Apostólos escolhidos por Cristo (cf. Ap 21,14)'; romana,
porque o Apostólo Pedro, chefe visível designado por Cristo, morreu em Ro
ma como bispb desta cidade; em conseqüéncia, os seus sucessores, bispos de
Roma, continuam a desempenhar as funcoes do primado.

O título romana nao nacionaliza a Igreja; é apenas o título que designa


a sede do Pastor Supremo visível. Este tem que ter um referencial geográfico
ou urna residencia, como Jesús, o Salvador de todos, tinha um enderepo ter
restre, a saber: a cidade de Nazaré; donde o aposto "Jesús Nazareno". "Igre
ja Romana" e "Jesús Nazareno" sao dois títulos paralelos entre si, que nao
restringem o ámbito do Cristianismo, mas vém a ser genuínos ecos do mis
terio da Encamacio, qué está no ámago da mensagem crista.

3. Há quem objete que "Jesús anunciou o Reino, mas o que veio foi
a Igreja", ísto é, Jesús ter-se-á engañado, imaginando que o fim do mundo
estaría iminente (com a instaurapao do Reino perfeito de Deus); em conse-

1 Urna igreja que nio esteja em contato ou que tenha perdido o contato
com o Apostólo, jé nio éade Cristo.

390
POR QUE A IGREJA?

qüéncia. os Apostólos teriam fundado a Igreja como substitutivo temporal


do Reino. - Examinemos os textos aduzidosem favor desta objecao:

1) Eis as palavras que falam da aparente ¡m¡n§nc¡a do Reino:

Me 9,1: "Em verdade vos digo que aquí estao presentes alguns que nSo
provarSo a morte até que véjam o Reino de Deus chegando com poder".
Mt 10,23: "Em verdade vos digo que nSo acabareis de percorrer as tí-
dades de Israel até que venha o Fifho do Homem".

Mt 16,28: "Em verdade vos digo que alguns dos que aquí estao nao
provarao a morte até que ve/am o Filho do Homem vindo em seu Reino".

Para entender estes textos, lembremos que Jesús sempre recusou def i*
nir a data do fim do mundo; chegou mesmo a dizer que Ele a ignorava (nao
era sua tarefa revelá-la aos homens); cf. Me 13,32; At 1,7. — Notemos ainda
que, nestas passagens do Evangelho, é pouco verossímil a mencao de um re
torno físico de Jesús. — Com efeito, na S. Escritura os termos "vir", "visi
tar", "aparecer", aplicados a Deus, tém geralmente valor simbólico; anun-
ciam, sim, urna intervengao marcante de Deus na historia dos homens (cf.
SI 96,1-6; 97,1-9; 100,1s. . .). E' precisamente isto que Jesús quer predizer:
em Mt 10' o Senhor prevé as perseguicóes que seus discípulos deverSo so-
frer por parte do povo de Israel incrédulo; ora as cidades de Israel obcecado
serlo visitadas e julgadas por Cristo, diz o Senhor, — o que de fato aconte-
ceu guando os romanos em 66-70 d.C. ¡nvadiram a Palestina, sitiaram e des
truí ram Jerusalém; a ruina desta cidade significa o juízo sobre o povo endu
recido, o fim da antiga Alianca e a plena afirmacao do Reino de Deus inau
gurado na Igreja.

2) Vém agora duas passagens que parecem insinuar o-particularismo (e


nao o universalismo) da missao de Jesús:

a) Mt 10,5s: "NSo toméis o caminho dos gentíos, nem entréis em cida


de de Samaritanos. Dirigí-vos, antes, ás ove/has perdidas da Casa de Israel".

A nocao de urna Igreja universal (católica) seria compatível com tais


dizeres?

— Respondendo, notamos que as palavras de Jesús se referem ao pri-


meiro envió dos Apostólos em missao evangelizados; está é limitada á Pales-

1 É é luz de Mt 10¿3 que devem ser /idos os paralelos de Mt 16,28 e Me


9,1 (estes dois últimos textos parecem estar fora de contexto em Mt 16 e
Me 91

391
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

tina, e somonte as cidades judaicas da Palestina (ai também havia cidades sa


maritanas). Ora a lógica da pregacao fazia dos judeus os primeiros destinata
rios da Boa-Nova; os pagaos nlo seriam excluidos, mas seriam abordados em
segunda instancia (sabemos que a própria pregacao dos Profetas do Antigo
Testamento se dirigía primeiramente aos filhos de Israel, mas tinham em
vista também a vocacao dos pagaos numa atitude universalista; ver Is 2,25;
Mq 4,1-3; Is 66,18-21; Jn 1-4). - Jesús encontrava os judeus como ovelhas
desgarradas*; haviam sido mattradas e abandonadas por pastores indignos
(cf. Ez 34,1-31; Zc 10,2); no tempo de Jesús mesmo o povo de Israel era
mal orientado pelos fariseus (cf. Mt 23,1-39). Por isto o Senhor se dirige aos
Apostólos e os manda ter com essas ovelhas abandonadas; farao as vezes de
pastores de um novo rebanho ou do rebanho messiánico (ao qual se agrega-
ráo, após Páscoa-Pentecostes, também os gentíos, cuja vez ou cuja hora terá
chegado). Vé-se, pois, que, bem entendido, o texto de Mt 10,5s nao significa
restricao definitiva da pregacao messiánica, mas apenas respeita o escalona-
mentó ou a ordem segundo a qual os povos deviam ser chamados ao Evange-
Iho.

b) Mt 15,24: "Nao fui enviado senSo as ovelhas perdidas da Casa de


Israel".

Estas palavras com que Jesús responde a urna mulher cánanéia, que Ihe
pede a cura de sua filha, correspondem a mais pura ortodoxia judaica, se
gundo a qual a salvacao é para os judeus (ao menos. . . para os judeus em
primeiro lugar); o mesmo principio é professado por Sao Paulo em Rm
1,17-2,9. Apesar desta tese, Jesús olha para a mulher estrangeira com bene-
violéncia; poe á prova a sua fá e o seu amor; e, vendo quao heroica era tal
mulher, nao somente Ihe concedeu o que pedia, mas ainda Ihe teceu um elo
gio: "Ó mulher, grande é a tua fé! Seja-te feito como queres!" Alias, Jesús,
diante de um centuriSo romano que Ihe pedia a cura de seu servidor, excla-
mou: "Em verdade vos digo que em Israel nao achei ninguém que tivesse tal
fé. Mas eu vos digo que virao muitos do Oriente e do Ocidente e se assenta-
rao á mesa no Reino dos Céus, com Abraao, Isaac e Jaco" (Mt 8,1 Os). Tam
bém os Profetas Elias e Eliseu já tinham obtido milagres em favor dos pagaos
da Siria (cf. IRs 17,7-24; 2Rs 8,7). Jesús, portanto, nada fazia de inédito,
mas conf irmava os tragos de universalismo da mensagem dos Profetas.

De resto. Ele disse que todos sao filhos do mesmo Pai e tém direito ao
mesmo tratamento (cf. Mt 5,43-48); o Salvador de Israel seria também o
Messias dos pagaos.

1 "Perdidas" em Mt 10,6 nSo tem o sentido de "condenadas", mas, sim, o


de "dispersas" fora do aprisco, em perigo de desgarrarse e perecer.

392
POR QUE A IGREJA?

4. Igreja visivel e jurídica

1. Jesús nao conf¡ou a Pedro e aos Apostólos apenas a missao de pre


gar e ministrar os sacramentos. Ele quis outrossim urna Igreja estruturada e
jurídica sob o supremo pastoreio de Pedro (e nao urna comunidade espiri
tual reunida tao somente pela fé e o amor).

Isto decorre dos textos já citados, com referencia a funcao de Pedro e


seus sucessores. Outros textos do Novo Testamento evidenciam esse aspecto
orgánico e visivel da Igreja. Assim, por exemplo,

Mt 18,1-22, o sermao comunitario do Evangelho, que propoe normas


para a boa ordem eclesial e que tem seu ponto alto na seguinte passagem:
"Se teu irmao pecar, corrige-o a sos; se ele te ouvir, ganhaste teu irmao. Se
nao te ouvir, toma contigo mais urna ou duas testemunhas, para que toda
questao seja decidida pela palavra de duas ou tres testemunhas. Caso nao
Ihes dé ouvido, dize-o á Igreja. Se nem mesmo a Igreja der ouvido, trata-o
como gentío ou publicano. Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na
térra, será ligado no céu e tudo quanto desl¡garóes na térra, será desligado no
céu"(Mt 18,15-18).
Jo 20,21 -23: na noite de Páscoa, disse Jesús aos Apostólos: "A paz es-
teja convoscol Como o Pai me enviou, também eu vos envió. . . Recebei o
Espirito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados, serio perdoados;
aqueles aos quais os retiverdes, serio retidos".

Mt 28,18-20: "Toda autorídade no céu e na térra me foi entregue. Ide,


portanto, e fazei que todas as nacdes se tornem discípulos, batizando-os em
nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, e ensinando-os a observar tudo
quanto vos ordene/'".

Todos estes dizeres do Senhor Jesús foram entendidos pelos Apostólos


de tal modo que eles comecaram a exercer sua autoridade logo após Pente
costés com o pleno reconhecimento dos fiéis. É o que se depreende do livro
dos Atos dos Apostólos e das epístolas paulinas (especialmente 1 e 2Cor):

At 4,34s: "Nao ha via entre eles necessitado algum. De fato, os que


possuiam terrenos ou casas, vendendo-os, traziam o valor da venda, e o de-
punham aos pés dos Apostólos. Distribuíase en tao a cada um conforme a
sua necessidade".
At 6,1-6: "Naque/es días, aumentando o número dos discípulos, surgi-
ram murmuracdes dos helenistas contra os hebreus. Isto porque, diziam
aqueles, suas viúvas estavam sendo esquecldas na distribuicao diaria. Os Do-
ze convocaram entio a multidao dos discípulos e disseram: 'Nao é conve
niente que abandonemos a Palavra de Deus para servir ás mesas. Procurai,

393
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

antes, entre vos, irmaos, sete homens de boa reputacao, repletos do Espfrito
e de sabedoría, e nos os encarregaremos desta tarefa. Quanto anos, permanece
remos assfduos é orafio e ao ministerio da Paiavra'. A proposta a'gradou a
toda a multidao. E esco/heram EstSvSo, homem chato de fé e do Espirito
Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timón, Pármenas e Nicolau, prosélito de
Antioquia. Apresentaram-nos aos Apostólos e, tendo orado, impuseram-lhes
asmaos."

Veja-se também todo o capítulo 15 dos Atos dos Apostólos, que trata
do primeiro Concilio da historia, reunido para dirimir urna dúvida que se
originara entre os cristaos sobre a obrigatoriedade ou nao da Lei de Moisés.

Em 1Cor 5,3-5; 2Cor 2,5-11 há referencia á excomunhao infligida pe


lo Apostólo a cristaos delituosos.

Em 1Cor 11,23-34 Paulo censura os fiáis por causa de abusos na Ceia


Eucarística e baixa normas para evitá-los.

Em 1Cor 14,26-40 o mesmo Apostólo regulamenta o uso dos carismas


e corrige mal-entendidos a respeito.

Em 2Cor 13,10 lé-se: "Eu vos escrevo estas coisas estando ausente, pa
ra que, quando ai chegar, nao ten ha que recorrer ó severidade, conforme o
poder que o Senhor me deu para construir, e nao para destruir". _

Os poderes de pregar, santificar e governar, concedidos por Jesús aos


Apostólos, haviam de ser duradouros ou transmitir-se-iam aos sucessores dos
Apostólos ató a consumadlo dos sáculos; se assim nao fora, esfacelar-se-ia a
obra de Cristo. Ora este prometeu: "As portas do inferno (ou o poder da
morte) nao prevalecerao contra a Igreja" (Mt 16,18) e: "Estarei convosco
até a consumacao dos sáculos" (Mt 28,20).

2. A transmissao das facuidades dos Apostólos nos é realmente ates


tada por documentos diversos:

As epístolas pastorais (1/2Tm, Tt) mostram o Apostólo Sao Paulo a


instituir Timoteo e Tito a frente de comunidades. Ver também Atos
14,23; Tt 1,5, textos que atestam a instituicSo de presbíteros para pastorear
comunidades recém-fundadas. O Apocalipse, no fim do sáculo I, fala dos an-
jos (Bispos) de sete comunidades da Asia Menor (1,20; 2,1-3,14).

Mais: os primeiros escritores cristaos após os Apostólos nos sáculos


l/ll dáo a ver a consolidacao da hierarquia da Igreja, com seus bispos, pres
bíteros e diáconos; os principáis nomes a citar s3o os de S. Clemente de
Roma (t 96 aproximadamente), S. Inácio de Antioquia (t 107 aproximada
mente), Sao Poücarpo de Esmirna (t 156), S. Ireneu de Liao (ti85)...

394
POR QUE A IGREJA? 11

3. As considerares até aqui propostas tendem a evidenciar por que


um cristao pode e deve aceitar o sacramento da Igreja, decorrente do Sacra
mento da EncarnacSo ou de Jesús Cristo. Esta proposicao é, dé resto, muito
claramente desenvolvida pela Constituicao Lumen Gentium do Concilio do
Vaticano II:

"O único Mediador Cristo constituía e incesantemente sustenta aqui


na térra a sua santa Igreja, comunidade de fé, esperance e caridade, como or
ganismo vislvel, pela qual difunde a verdade e a graca a todos. Mas a sodeda-
de provida de órgaos hierárquicos e o corpo Místico de Cristo, a assembléia
visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida
de bens celestes, nao devem ser consideradas duas coisas, mas formam umasó
realidade complexa, em que se fundem o elemento humano e o divino, E~
por isto, mediante urna nao mediocre analogía, comparada ao misterio do
Verbo Encarnado. Pois, como a natureza assumida ¡ndissoluvelmente e uni
da a Ele serve ao Verbo Divino como órgao vivo de salvacao, semelhante-
mente o organismo social da Igreja serve ao Espirito de Cristo, que o vivifica
para o aumento do Corpo" (n?8a.).

Passemos agora a urna questao de ámbito mais ampio.

5. E por que a fé?

0 regime da fé é o do claro-escuro e da penumbra - o que vem a ser


incómodo para o homem. No plano físico todos desejam caminhar na luz,
e nao ñas sombras; sempre que estas ocorrem, o homem procura acender a
luz, que Ihe oferece seguranca e garantía , em vez das incertezas da penum
bra. No plano espiritual, porém, é norma solene do Novo Testamento: "O
justo vive da fé" (Rm 1,17; Gl 3,11; Hb 10,38; cf. Hb 2,4).

Por que a Providencia Divina quis dispor que assim nos enderepásse-
mos a Deus?

— A resposta será deduzida da ¡magem da amizade existente entre os


homens. Esta é tomada como figura do relacionamento entre Deus e as cria
turas pelo próprio Jesús em Jo 15,14$' e pelo Concflio do Vaticano II em
sua Constituicao Dei Verbum (sobre a Palavra de Deus):

1 "Ser amigo de Deus" é urna das facetas do relacionamento do homem


com Deus, atestado pela S. Escritura desde o Amigo Testamento (cf. Gn
15,6; Gl 3,6; Rm 4,3; Tg 2,23). Há, sem dúvida, outras manejras de ilustrar
esse relacionamento; o homem é dito "filho de Deus" (e, de fato, o é), con-,
forme Uo 3,1s. Em suma, tudo o que se refere a Deus, transcendí qualquer
categoría da linguagem e da mente humanas.

395
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

. "Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelarse a si mesmo e


tornar condecido o misterio de sua vontade (cf. Ef 1,9), pelo qual os no-
mens, por intermedio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espirito Santo, tém
acesso ao Pai e se \ornam participantes da natureza divina (cf. Ef2,18;2Pd
1,4). Mediante esta reveiacao, portanto, o Deus invisfvel (cf. Cl 1,15; 1Tm
1,17), levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos (cf. Ex
33,11; Jo 1S,14s), e com eles se entreten) para os convidar é comunhao
consigo e nela os receber".

Voltemo-nos, pois, para a realidade da amizade entre os homens. — Es


ta costuma nascer entre duas pessoas que reconhecem urna na outra pontos
comuns ou predicados semelhantes; tal afinidade é exigida para que possa
brotar urna simpatía mutua; é ela que leva um a procurar o outro. Mas obser
vemos que nenhum amigo se abre plenamente ao amigo no primeiro encon
tró; é preciso que haja amadurecimento e progresso do "querer bem" para
que aos poucos um se revele ao outro; sonriente numa fase evoluída da ami
zade se dá a plena e íntima manifestaclo entre amigos.

Ora Deus quis entrar em relacionamento de amizade com o homem.


Isto quer dizer duas coisas:

1) Ele se revelou á criatura, manifestando-lhe seu plano de amor me


diante palavras e gestos. A pessoa e a obra de Jesús Cristo sao altamente sig
nificativas; despertam a atracao e o interesse do homem, provocando assim
um comeco de aproximacao do homem em relacao a Cristo e ao Pai;

2} mas a própria figura de Jesús Cristo, se é convincente ou persuasiva,


nao é constrangedora; nao se impSe ao homem pela plena evidencia da sua
identidade; resta sempre em Jesús algo de misterioso para quem comeca a
abordá-lo.

Deus quis que as coisas fossem tais para que a adesao do homem a Je
sús e ao Evangelho seja livre e nao forcada. Com efeito; toda verdadé eviden
te me obriga a dizer sim, ainda que eu nao o queira1. Tal, porém, nao é o ca
so da mensagem da fé; Deus quer ser aceito e amado livremente por criaturas
livres; a fé é um ato de livre oferta a Deus. Somente com o tempo ou com o
progresso da vida espiritual, com o amadurecimento e a consol¡dacio da fé
é que a penumbra se vai clareando, as sombras se váo dissipando até que ce-
derao um día i plenitude da luz ou & visto beatífica. No dia em que virmos
Deus face-a-face, nao procuraremos outro bem; nossas aspiracoes serao de

1 Assim, por exemplo, dois mais dois sSo quatro, a soma dos ángulos de
um triángulo equivale a dois retos, o todo é maior do que qualquer das suas
partes. . . sao proposicoes tSo evidentes que sou obrigado a aceitá-las, ainda
que contrariado (quem tem dividas pesadas, preferirira que 2+2 equivales-
se a 3,9 ou menos ... \).

396
POR QUE A IGREJA? 13

tal modo preenchidas que nSo nos restará desejo de nao aderir a Deus (dése-
jo que sempre nos ameaca na térra, quando vemos Deus mediatamente ou
na penumbra originada pelas coisas criadas). Nossa vontade se atirará em
Deus, sem querer deixar de Ihe dizer Sim. Entrementes, porém, só conhece-
mos Deus "porespelhoe em enigma" (ICor 13,12); conhecemos o Absoluto
como um bem ao qual fazem concorréncia outros bens, em aparéncia "mais
sedutores"; estamos no tempo da peregrinarlo, da demanda, da provacao e
comprovacio!
Alias, o fato de que as verdades da fé ultrapassam o alcance de nossa
inteligencia, se, de um lado, nos deixa sófregos e insatisfeitos, de outro lado
é fonte de alegría e paz. Com efeito, como diz Pascal, o homem foi feito pa
ra se ultrapassar constantemente ou para se realizar em algo maiordo que ele
mesmo; o homem é resposta exigua demais para o próprio homem; só o Ab
soluto ou Deus o sacia. Por conseguinte, sempre que nos defrontamos com
proposites da fé, que transcendem nossa medida, podemos estar certos de
que sao elasque correspondem as nossas auténticas medidas.
Os pensadores gregos perceberam esteparadoxo,quando def iniram o ho
mem como um"entédefronteira"postoem equilibrio ¡nstável entre os animáis
e os deuses; sim, para os gregos, os deuses eram consumados em sua existen
cia ¡mortal e bem-aventurada; os animáis também bastam a si mesmos, desde
que encontrem alimento e o necessário para sobreviver. O homem nao é as-
sim: nem goza da satisfacao dos deuses nem se dá por realizado apenas com
a sua existencia animal; ele é repuxado, de um lado, pelo peso da sua anima-
lidade e, de outro lado, pela insaciável sede do Absoluto; nao Ihe basta viver
simplesmente as dimensoes do homem terrestre para ser auténticamente hu
mano; os bens que correspondem á medida humana, sao incapazes de saciar
o homem. Se há consumacao para este, há de ser num valor que ultrapasse
os limites da sua natureza. Em conseqüéncia, nao há por que nos assustar-
mos quando verificamos que a mensagem da fé é trans-racional; é precisa
mente esta nota que permite á fé levar o homem á sua genufna realizacao;
urna mensagem meramente filosófica pouco significado teria no caso.

Estas ponderacoes explicam o porqué do incómodo resultante do'


claro-escuro da fé: é condicao para que nossa entrega a Deus ten ha o valor e
a natureza de um gesto livre; é também o indCcio da autenticidade mesma
da fé. A mensagem de Deus é suficientemente clara para que a adesao do
homem seja razoável e inteligente (nao cega, nem meramente sentimental ou
emotiva), mas é também suficientemente obscura para que nosso Sim seja
livre ou exija a participapao da nossa vontade.

Comenta sabiamente André Léonard:

"A figura de Jesús Cristo se aprésente com bastante clareza e coerén-


cia para que a fé se/a possivel e razoável da parte do homem. mas ela com-

397
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

porta também a obscuridada e o misterio neeessários para que a opcao da


criatura se/a livre; quem nio aceita, pode dizer-lhe NSo. Essa especie de pu
dor metafísica de Deus, eo se revelar, decorre do respeito de Deus ao seu
próprío misterio e da discricSo do mes/no frente i liberdade do homem. Po
der/amos imaginar um auténtico minorado que, logo de inicio, impusesse á
pessoa amada a nudez, sem véus, da sua alma, do seu coracSo e do seu cor-
po?" (obra citada abaixo, p. 120).
Feliz o cristáo que compreende esse plano de Deus que o interpela e
vai atraindo paulatinamente!
Este artigo muito deve ao livro de André Léonard: Les raisons de croi-
re. Ed. Communio-Fayard, 28, rué d'Auteuil, 75016 París, 1987.

* * *

Os Sacramentos da Igreja na sua Dimensfo Canónico-Pastoral, pelo


Pe. Jesús Hortaf S.J. ColecSo "Igre/a e Dimito"n?3. - Ed. Loyola, SSo Pau
lo 1987,137x 210 mm, 212 pp.

0 autor é Diretor do Departamento de Teología da PUC-RJ e Profes-


sor no Instituto Superior de Direito Canónico do Rio de Janeiro. Apoiado
na experiencia de vinte e cinco anos de experiencia pastoral, entrega ao pú
blico mais um livro, que em sete capítulos aborda os Sacramentos em geral
e cada um dos Sacramentos em particular, com excecao do Matrimonio (jé
estudado em outra obra; cf. PR 303/1987, pp. 338-357). 0 enfoque é teoló
gico, jurídico e pastoral, de modo que o livro se torna valioso manual para
o conherímento e a administracSo dos sacramentos; especialmente os cléri
gos e os catequistas farSo bom uso do mesmo. O capítulo V, que trata do sa
cramento da Penitencia, tem um Excurso anexo sobre as Indulgencias; estas
sao apresentadas em aspecto teológico com muita clareza — o que corres
ponde a freqüentes indagacoes dos sacerdotes e dos fiéis; á explanacSo dou-
trinário-jurfdica segue-se o catálogo das Indulgencias decorrente da reforma
promovida pelo Papa Paulo VI em 1968. Merece especial atenfSo este capí
tulo V, pois transmite fielmente a doutrina da Igreja, que deseja valorizar a
confissao sacramental como meio de santif¡cacao a ser freqüentado com re-
gularldade por clérigos e leigos, mesmo que nio tenham pecados graves a
acusar: 'Todos aqueles que, em razio de encargo tém cura de alma, sSo
obrigados a providenciar que sejam ouvidas as confissSes dos fiéis que Ihes
estio confiados e que o pecam razoavelmente, como também que se Ihes dé
oportunidade de se confessarem individualmente em días e horas marcados
para sua conveniencia" (candn 986,§1).
Em suma, o Pe. Mortal faz-se credor, a novo título, da gratidio de to
do o povo de Deus, ao qual oferece precioso instrumento de estudo e traba-
Iho pastoral.

398
Muitas vezas na imprensa:

O caso Marcinkus

Em sfntese: Mons. Paulo Marcinkus, presidente do IOR (instituto para


as Obras de ReligiSo) do Vaticano, viu-se envolvido em um complexo de ne
gocios espurios realizados pelo Banco Ambrosiano de Milao em 1981-82,
sem que o próprío prelado soubesse que o seu nome eodo seu Instituto es-
tavam sendo explorados para praticar especulares que redundaram na fa
lencia do Banco.

Um inquérito levado a afeito por peritos apurou o dolo de que foi vfti-
ma Marcinkus, embora nem tudo esteja esclarecido na historia da quebra do
Ambrosiano. Como quer que se/a, a Santa Sé houve por bem pagar aos ere-
dores do Banco a quantia de 240.800.000 dólares, nio porque estivesse jurí
dicamente obrigada a isto, mas porque quis minorar os danos de pessoas te
sadas pelos acontecimen tos.

No fim deste artigo, a palavra é dada a Mons. Marcinkus, que declara


estar sendo preconceituosamente acusado - o que se /he torna urna pesada
cruz.

Os jomáis periódicamente dSo noticias de Mons. Paúl Marcinkus, arce


bispo residente na Cidade do Vaticano. A Justica italiana pediu que este pre
lado Ihe fosse entregue,' mas o Estado do Vaticano recusou extraditá-lo. As ra-
zoes desta procura judiciária se prendem á falencia do Banco Ambrosiano de
Milao ocorrida em 1982. Eis a noticia do jornal 0 GLOBO de 20/06/87, p.15:

SANTA SÉ NAO VAI EXTRADITAR PAÚL MARCINKUS

TURIM, Italia - O jornal "La Stampa" informou ontem que um tri


bunal da Santa Sé rechacará o pedido do Governo italiano para extradicao
do Arcebispo americano Paúl Marcinkus, Presidente do Instituto para Obras
Religiosas (IOR), o Banco do Vaticano, acusado de envolvimento com a
quebra do Banco Ambrosiano. O jornal nio indica a fonte de sua versfo, pu-

390
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

blicada poucos dias antes da decisSo da Suprema Corte italiana sobre a vali
dado das ordens de prisao emitidas por jufzes em Milao.

Marcinkus e os funcionarios do IOR Pellegrino de Strobet e Luigi Men-


nini, sSo acusados de responsabilidade na falSncia fraudulenta do que foi o
maior banco privado italiano'. As ordens de prisao nlo puderam ser cumpri-
das pela Policía italiana porque Marcinkus e os dois funcionarios residem na
Cidade do Vaticano, que tem um caráter de Estado estrangeiro".

Aos 18/07/87 a imprensá noticíou: "Justica anula ordem de prisao de


Marcinkus" (O GLOBO, 18/07/87). Esta nova decisao deve-se ao fato de
que o IOR, sendo urna instituicSo do Vaticano, está isento da Justica italia
na, pois goza de extraterritorialidadeque o Tratado do Latrao (1929) san-
cionou.

Examinemos o caso de mais perto.

1. Que é o IOR?

O Instituto para as Obras de Religiao (Instituto per le Opere di Reli-


gione IOR) é urna ¡nstituicao bancária existente no Vaticano. Sucede a urna
fundacio congénere devida ao Papa Leao XIII em 1887. Recebeu sua atual
forma em 27/06/1942 por obra do Papa Pío XII. O IOR tem personalidade
jurídica própria, conforme o desejo de Pió XI I, para significar quedas respon
sabilidades deste Instituto sao explícitamente separadas e distintas das da
Santa Sé. A sua f inalidade é administrar depósitos de dioceses, paróquias.
Organismos da Santa Sé, Ordens Religiosas, Universidades Católicas e pes-
soas particulares que tenham acesso ao Instituto, tudo no intuito de favore
cer obras de religiao e piedade em todas as partes do mundo. Nao se trata de
um Banco no sentido próprio desta palavra. Compreende-se, porém, que o
IOR utilize os servicos bancários necessárips ás suas finalidades; todavia os
beneficios nao se destinam (como nos Bancos) aos acionistas (que nao exis-
tem no caso do IOR), mas servem a "obras de religiao"; estas podem mesmo
receber empréstimos, e os recebem de fato, em condicóes mais vantajosas do
que as habituáis (regidas pelo mercado monetario).

Este tipo de atividades técnicas financeiras é necessário a urna socieda-


de como a Igreja Católica, que mantém no mundo inteiro numerosas obras
de grande valor humano, religioso e cultural, confiadas a pessoas compro
metidas de modo total e desinteressado com o servico de seus irmaos. O Ins
tituto para as Obras de ReligiSo possibilitou, mesmo ñas situacoes ¡nterna-
cionais mais dificéis e mais conflituosas (tenham-se em vista as da segunda
guerra mundial), a circulaclo dos recursos financeiros necessários ás ativida
des da Igreja universal, tendo em vista especialmente as regioes que se acha-
vam na mais aguda penuria económica.

400
OCASOMARCINKUS 17

2. O IOR e o Banco Ambrosiano

O IOR, no decorrer das suas atividades, manteve (como se compreen-


de) contatos e relacionamentos com instituicdes bancárias de diversas partes
do mundo, principalmente da Italia. Em particular, o Instituto teve inter
cambio, durante muitos anos, com o Grupo do Banco Ambrosiano de Millo,
tradicionalmente considerado como Banco católico na Italia e serio em suas
transacoes. O IOR depositou plena confianca ñas pessoas que dirigiam o
Ambrosiano, assim como na indiscutida solidez desta ínstituicao e na nones-
tidade dos objetivos colimados por tal Banco.

Acontece, porém, que aos 18/06/1982 o Diretordo Banco Ambrosia-


no, Roberto Calvi, foi encontrado morto em Londres, com urna corda no
pescoco, debaixo da Ponte dos Frades Negros (Blackfriar-Bridge) em cir
cunstancias obscuras, que nlo permitem dizer se houve suicidio ou assassf-
nio (a Maconaria parece estar ligada ao caso).

Foi entao decretada a falencia do Banco, que entrou em liquidacao; o


desastre nao foi totalmente imprevisto, pois ao menos as autoridades civis
italianas sabiam que o Ambrosiano passava por dif¡cuidadas. Por ocasifo do
inquérito instaurado para apurar as responsabilidades do baque, foram cita
dos Mons. Paulo Marcinkus, Oiretor, e os Srs. Luigi Mennini e Pellegrino de
Stroebel, respectivamente Administrador delegado e Chefe da Contabi I ida-
de do IOR. O Instituto declarou, em resposta, que, conforme o artigo 11 do
Tratado do Latrao1, os Organismos centráis da Igreja Católica estáo isentos
de qualquer intervencao do Estado italiano, ficando exclusivamente a Santa
Sé com a competencia de julgar as atividades dos dirigentes de seus Organis
mos no exercício das suas funcóes.

Nao obstante isto ou apesar de tal isenpao, Mons. Marcinkus colocou-


se logo a disposicao dos juízes de Milao para fornecer-lhes as ¡nformacoes
necessárias; isto foi realmente feito, de modo que os magistrados italianos
foram recebando farta documentacao acompanhada de memorandos e no
tas, numa atitude de colaboracao sincera e leal do IOR com a Justica italia
na.

Nao somente o Estado italiano se pos a investigar os fatos complexos e


obscuros relacionados com a falencia do Ambrosiano. O próprio IÓR, cons
ciente do emaranhado da situaclo, empreendeu semelhante inquérito, for-
necendo aos seus juristas toda a documentacao disponível. A Comisslo de
peritos do IOR, após atento estudo dos diversos papéis e fatos, pdde formu
lar a seguinte reconstituicao dos acontecimentos:

1 Tratado que, assinado em 11/02/1929. rege as relaqdes entre o Estado do


Vaticano e o Governo italiano.

401
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

Mediante operacoes f¡nanceiras realizadas por diversas pessoas durante


longo lapso de tempo e aparentemente independentes urnas das outras, tais
pessoas abusaram da confianca a olas outorgadas pelo IOR. A capa de nones-
tidade acobertava transacfies espurias, pois, apesar de tudo, o Ambrosiano
parecía cumprir puntualmente seus compromissos. Na verdade, o nome do
Instituto esteva sendo utilizado para a realizacáo de um projeto clandestino
e obscuro; com efelto, tal projeto, sem o conhecimento do IOR, fazia con
vergir para um objetivo único e pouco legal operacoes que, tomadas ¡solada-
mente, pareciam ser regulares e normáis.

Particularmente, o IOR, em conseqüáncia de transacoes bancárias le


gáis (se consideradas em si mesmas), viu-se na posse das acoes e no controle
jurídico de duas sociedades. Mais: sem que tivesse conhecimento previo do
assunto, o IOR se vlu detentor do controle indireto de olto outras socieda
des ligadas ás duas primeiras. Dado que o Instituto nunca admlnistrou alguma
dessas sociedades, ele nao teve ciencia das operacoes efetuadas por cada urna
délas.1
Somonte em julho de 1981 o IOR tomou conhecimento de que, por
um I ¡ame direto ou indireto, Ihe fora atribuido o controle jurídico de todas
essas sociedades. Ao saber disto, o IOR julgou oportuno, ao menos, que as
dividas contraídas por tais sociedades ficassem bloqueadas até o momento
em que o presumido controle jurídico fosse extinto. Feito isto, o IOR en-
viou aos dois Bancos do Grupo Ambrosiano que eram os mais fortes credo-
res das referidas sociedades (o Banco Andino e o Banco Ambrosiano de Ma
nagua), duas comunicacoes datadas de 19/09/1981, que expunham a sitúa-
cao patrimonial de tais sociedades como se achava aos 10/06/1981. Essas
comunicacoes significavam apenas que o IOR tomara consciéncia da situa-
cao de controle jurídico que Ihe fora atribuido, mas nao implicavam que o
Instituto reconhecesse como legal taj atribuicao nem equivaliam a um com-
prometimento ou a urna legalizacáo dos fatos por parte do IOR. Por conse-
guinte, tais comunicacoes, nem por seu valor jurídico, nem por seu conteú-
do concreto, nüo criaram, nem podiam criar, conforme a doutrina comum
e as práticas bancárias usuais, qbrigacSes legáis para o Instituto.

Na verdade, as sociedades indicadas ñas duas comunicacoes nao con-


trairam novas dividas após 19/09/1981 ;viram apenas acrescido o montante
dos juros devidos.

É de notar aínda que todos os empréstimos feitos ás mencionadas so


ciedades foram efetuados antes de 19/09/1981; por conseguinte, foram rea
lizados sem influencia das comunicacoes do IOR ou sem a participacao ou o

1 Os documentos que consultamos, nBo identifican) mais precisamente es-


. sas sociedades.

402
OCASOMARCINKUS 19

conhecimento do IOR; este nao se podia responsabilizar, nem se responsabi-


lizou, pelas dfvidas contraídas por tais sociedades.

Vejamos agora como procederam os juristas na tramitacao do processo


referente ao Ambrosiano e ao IOR.

3. O procedí mentó jurídico

3.1. O ¡nquárito do IOR

1. Tendo terminado seu inquérito, os peritos do IOR atrás menciona


dos emitiram suas conclusóes em cinco pontos, que foram publicados pelo
jornal L'Osservatore Romano em suaedipao de 17/10/1982:

"1. O Instituto para as Obras de ReligiSo nao recebeu, nem do Banco


Ambrosiano nem de Roberto Calvi, alguma quantia; por conseguinte, nada
deve restituir.

2. As sociedades éstrangeiras que contrairam dividas em relacfo ao


Grupo Ambrosiano, nunca foram administradas pelo IOR, que nlo teve co
nhecimento alguma das operacoes efetuadas por tais sociedades.

3. Todos os emprástimos efetuados pelo Grupo Ambrosiano ás refe


ridas sociedades foram efetuados em época anterior ás cartas ditas de garan
tía.1
4. Estas, em virtude mesma da sua data de emissao, nSo exerceram in
fluencia alguma sobre tais empréstimos.

5. Se se faz necessária urna varif ¡cacao, tudo o que acaba de ser dito,
será apoiado por provas".

O ponto n? 5 tinha em vista urna posicao tomada por magistrados ita


lianos: numa avaliaclo precipitada dos fatos, queriam responsabilizar o IOR
pelo pagamento de 1.278.000.000 de dólares, dos quais o IOR se teria bene
ficiado'direta ou indiretamente. Aos 8/11/82, o Ministradas F¡ naneas da
Italia, On. Beniamino Andreatta, fez na Cámara dos Deputados declara-
coas em tal sentido. Todavía f¡cava por examinar o exato alcance e valor das
"cartas de garantía" expedidas pelo IOR a Roberto Calvi; o próprio Ministro
Andreatta o reconheceu.

3.2. O inquérito do Vaticano e a pericia vaticano-italiana

Além das ComissSes de inquérito do Estado italiano e do lOfl, a pro-


pria Santa Sé, alias a pedido de Mons. Marcinkus, constituiu um grupo de

1 Tratase das Comunicares de 19/09/81.

403
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

trés peritos do mundo financeiró internacional para examinarem a situacao


e levarem sugestoes e pareceres á Secretaria de Estado do Vaticano. Os trés
peritos, que gentilmente aceitaram o convite, eram os Srs. Joseph Brennan,
ex-presidente do Emigrant Saving Bank de Nova lorque, Philippe de Weck,
ex-presidente da Uniáo dos Bancos Subcos e Cario Cerutti (Roma). Ver pu
blicado da noticia em L'Osservatore Romano de 14/07/1982. A estes
experta juntou-se ainda o Sr. Hermann J. Abs.

No comeco de setembro de 1982, os quatro peritos apresentaram o re


sultado de suas pesquisas, que ainda n3o era totalmente conclusivo: o ponto
difícil era identificar o significado ou o valor jurfdico-legal das "cartas de ga
rantía" emitidas pelo IOR. A fim de nao realizarem ulteriores estudos que
poderiam ser contestados pelos magistrados italianos, sugeriram a nomeacao
de urna Comissao ítalo-vaticana, que trabalharia, em clima de colaboracáo,
sobre os documentos existentes de um lado e de outro, em vista de "estabe-
lecer a verdade" decorrente dos testemunhos aduzidos. Essa Comissao foi,
de fato, constituida mediante acordó assinado aos 24/12/1982 pelo Cardeal
Agostino Casaroli, Secretario de Estado do Vaticano, e o Embaixador Clau
dio Chelli, da Italia junto á Santa Sé; eram nomeados.

- da parte da Santa Sé: o advogado Prof. Agostinho Giambino,


co-presidente; o advogado Prof. Pellegrino Capaldo, e o Dr. Renato Dardoz-
zi;

- da parte do Estado italiano: o advogado Pasquale Chiomenti, co-


presidente; o prof. Mario Cattaneo e o advogado Prof. Alberto Santa Maria.

Os trés representantes da Santa Sé, no caso, seriam acompanhados pe


los Srs. Brennan, De Weck, Cerruti e Abs, que Ihes levariam sugestoes e acón-
selhamento.

A investigacao desta nova Comissao terminou em 1984com um acor-


do, que o jornal L'Osservatore Romano noticiava aos 27/05/84 nos seguín-
tes termos:

"O caso 'Instituto para as Obras de Religiao-Banco Ambrosiano' en-


controu sua solucao num acordó recém-obtido.

A propósito o Instituto confirma que nao Ihe toca responsabilidade al-


guma na falencia do Banco Ambrosiano, na qual ele se viu involuntariamen
te envolvido.

Com efeito, resulta evidentemente das perquisicoes efetuadas que as


sociedades estrangeiras para as quais o IOR em setembro de 1981 deu cartas
ditas 'de garantía', nao foram administradas peló Instituto nem antes nem
depois daquela data; ficou claro que estas cartas nao tiveram influencia algu-

404
OCASOMARCINKUS 21

ma nos emprértimoi feitot ás mencionadas sociedades, pois tais empróstimos


foram efetuados antes do envió das referidas cartas; ulteriormente, ficou
apurado que essas mesmas cartas nao determinaran! abertura de créditos
nem acarretaram prejufzosfinanceiros.

Todavía o Instituto, tendo considerado a situacffo objetivamente cria


da no relacionamento com o. Grupo Ambrosiano, decidiu oferecer urna con-
tribuicáo voluntaria para facilitar urna solucao global e a consolidacáo das
relacoes de ordem internacional num espirito de conciliacao e de colabora-
cao recíprocas.

O Instituto faz votos para que o que foi feito á custa de sacrificios, sir
va também para aliviar as conseqüéncias desse problema, em favor de todos os
que foram lasados pela falencia".

A quantia assim entregue aos credores do Banco Ambrosiano foi de


240.800.000 de dólares, embora o IOR nao estivesse jurídicamente obrigado
a ¡sto. Tal soma saiu das reservas ou do patrimonio que o Instituto, em qua-
se cem anos de existencia, conseguirá formar, sem afetar em coisa alguma os
depósitos dos clientes do IOR.

3.3. Pedido de extradicfo

Apesar do desfecho dos estudos dos peritos, a imprensa italiana e a


internacional noticiaram, aos 25/02/87, que os magistrados de Milao encar-
regados do processo em 1982 sobre a falencia do Ambrosiano se dispunham
a proferir ordem de prisáo contra Mons. Marcinkus e seus colaboradores
Mennini e Stroebel. A noticia, porém, nao foi confirmada nem pelo Tri
bunal de Milao nem pelo Govemo italiano; todavía a Santa Sé houve por bem
emitir o comunicado seguinte:

"Nos ambientas do Vaticano (e nao somonte nestes) a noticia de me


didas supostamente adotadas pelos magistrados de Milao contra o Presidente
e dois altos funcionarios do Instituto para as Obras de Religiao nao podia
deixar de suscitar surpresa profunda, por causa do longo intervalo de tempo
acorrido desde a época da falencia do Banco Ambrosiano, intervalo durante
o qual (a quanto se sabe) nenhum dado novo se verificou no quadro dosfa-
tos.

É preciso lembrar que as primeiras comunicacoes levadas ao conheci-


mento das tres mencionadas pessoas se referiam a fatos que teriam sido pra-
ticados por alas na qualidade de responsáveis do Instituto para as Obras de
Religiao. — Disto decorra — como logo fez ver o Instituto — que se devia
aplicar no caso o artigp 11 do Tratado do Latrfo, que isenta os Organismos

405
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

centráis da Igreja Católica de qualquer intervencffo da parte do Estado italia


no" (L'Osservatore Romano. 28/02/87).

É portante com baja no tratado do Latrlo firmado pelo próprio Esta


do italiano que a Santa Sé se recusou, a bom título, a extraditar as tras pes-
soas indicadas. A magistratura italiana nio tem o direito de exigir tal gesto
da Santa Sé.

4.0 "Novo Ambrosiano"

Atualmente o velho Ambrosiano passou para a gestao do Professor e


banqueiro Giovanni Bazoli, e funciona em condicoes prósperas com o nome
de "Nuovo Banco Ambrosiano", na mesma sede de outrora ocupada por
Calvi e sua equipe em Milao. Foi o próprio Ministro do Tesouro da Italia, o
Dr. Beniamino Andreatta, democrata-cristüb, que muito insistiu com Bazoli
para que assumisse a presidencia' do Novo Banco Ambrosiano, sustentado
por um consorcio de Bancos. Ao lado de Giovanni Bazoli, trabalha o Dr.
Piero Schlesinger, Presidente do Banco Popular de Millo e professor da Uní-
versidade Católica do "Sacro Cuore". Trata-se de dois profissionais íntegros
e animados pelas melhores intencSes; evitar o pánico da clientela decorrente
da eventual extincio do Banco.

O Novo Banco Ambrosiano conseguiu mesmo salvar da falencia o jor


nal Corriera della Sera de MilSo, contra o qual se atirava a Loja Macdnica P2
de Licio Gelli e Calvi.

A revista Famiglia Cristiana de 03/06/87, pp. 48-53, publica interes


ante artigo intitulado Le Confetsioni di un Banchiero Bianco, da autoría de
Giancarlo Galli, que mostra como atguns profissionais católicos se encarre-
garam de reabilitar o nome do Banco tradícíonalmenté católico da Italia.

5. A situacfo pessoal de Mons. Marcinkus

Mons. Marcinkus e os seus colaboradores Pellegrino e De Stroebel


recolheram-se no Vaticano para evitar a demandada Justica italiana. A San
ta Sá assim procedeu nío só porque o direito internacional Iho permite,
mas também porque sabe que nao tém culpa formal no desastre do Grupo
Ambrosiano; antes, foram vftimas de sua boa fé explorada pela astucia de
especuladores dissimulados. Além do qué, é notoria urna atitude de anticle
ricalismo em certos membros da magistratura italiana, que desejam aprovei-
tar-se do caso para reafirmar seus preconceitos.

É o que o próprio Mons. Marcinkus declara numa entrevista dada ao


jornal Awenire de 08/04/1987 e comentada pela revista Jesús de junho de
1987, p. 97:

406
O CASO MARCINKUS 23

"A cruz mais pesada

Mons. Marcinkus julga que o anticlericalismo europeu ó substancial-


mente diverso do americano. Nos Estados Unidos nfo se procura ferir a
Igreja a todo preco, com ou sem razio; apenas dasejam sujeitá-la ás regras
normáis do jogo e dedicam-lhe o mesmo respeito que ás outras instituicSes.
Aqui na Europa, ná"o: procurara acabar com Marcinkus de qualquer modo,
para ferir assim o prestigio do Papa. Em conseqfiéncia, Mons. Marcinkus eré
que 6 inútil qualquer resposta: sabe que o perseguem equedeantemffoocon-
denam. 'O escándalo ás cusías da Igreja diverte o público. Por isto acumula-
ram sobre a pessoa do prelado nomes, venda de armas, clandestina entrega
de dinheiro eos poloneses, negocios desonestos, mafia, maconaria e crimes
nao explicados (como o obscuro suicidio de Calvi, a morte de Sindona), to
do um arsenal de acusaedes diretas e indiretas.. .' Diz ainda Marcinkus: 'O
Sr. sabe que a Igreja prega o amor, porque nele eré realmente. Mas fizeram
de mim a imagem de um homem que desparta odio e rancor. Esta é a minha
cruz, a cruz mais pesada' " (Jesús, lugar citado).

Diz um bom principio de jurisprudencia: "Audiatur et altera pars. -


Ouca-se também a outra parte". Por conseguinte, no caso em foco, além de
ouvir as vozes hostis ao prelado, a justica pede que se ouca também o pro-
prio Mons. Marcinkus. As suas palavras, atrás transcritas, mostram a pessoa
de um homem que sofre porque se senté mal-entendido ou mesmo precon-
ceituosamente caluniado.

Os dados deste artigo foram colhidos em

La Documentaron Catholique,
n? 1836, 5-9/09/1982, p. 849;
n? 1841, 05/12/1982, p. 1131;
n? 1843, 02/01/1983, pp. 9s;
n° 1845,06/02/1983, p. 181;
n? 1877,01/07/1984, p. 699;
n? 1919,01/06/1986, pp. 574-576;
n? 1937,05/04/1987, p. 381.

Herder-Korrespondenz 36/9, September 1982, p. 465;


37/1, Januar 1983, p. 5.

Famiglia Cristiana, 03/06/1987 (n?22), pp. 48-53.


Jesús 6/198?fi.97.

PR 292/1986, pp. 401-409.

407
Ot avancos da Engenharía Genética:

Um homem-macaco
em Proveta

Em ífntese: Em maio pp. fot proposta em público por um professor de


Florenca a produjo de um ser híbrido, resultante da inseminacao de urna
fémea de chimpanzé por espermatozoides humanos: sería um "homem-maca-
co". A ¡déla provocou a repulsare varios dentistas e teólogos, pois fere o
ser humano nSo somante pela prática da inseminacao artificial, mas também
pela copulacSo com animal irracional; a ciencia estaría "brincando" com coi
sas serias ou tentanto desarrazoavelmente satisfazer aos seus anseios promé
teteos de novas e novas conquistas. A InstrucSo Donum Vitae da Congrega-
cao para a Doutrina da Fé explana com suficiente clareza o que há de abusi
vo e condenávef em modernas experiencias realizadas com semen vital huma
no (cf. PR 302/1987, pp. 299-311). - A propósito da identidadé~desse indi
viduo híbrido (caso realmente viesse a ser concebido); deve-se notar que, fi
losóficamente talando, nio há Intermediario entre o macaco e o homem: o
individuo ou seria 100% macaco ou 100%homem (aínda que homem de os-
sada e traeos rudimentares ou simiescos). É de erer, porém, que tal híbrido
teña simplesmente o principio vital de um macaco e nSo a alma espiritual de
um homem, pois esta só pode ter origem por um ato criador de Deus, que a
infunde num processo de fecundagSo genuinamente humano segundo os
seus sabios designios.

Em maio 1987 a imprensa divulgou a notfcia de que, entre os dentis


tas, há quem pense em produzir artificialmente um ser híbrido, resultante da
fecundacao de urna fémea de chimpanzé por semen vital masculino do ho
mem. Porta-voz desta hipótese foi o Dr. Brunetto Chiarelli, Professor de An
tropología na Universidade de Florenca e estudioso dos Primatas. Menciona-
va a propósito noticias provenientes dos Estados Unidos, mas nio confirma
das pelos dentistas norte-americanos, segundo as quaistal experiencia já es
taría sendo praticada naquele país, e acrescentava:

"Pederemos produzir seres sub-humanos destinados a funedes de tra-


balho repetitivo e penoso... Sel que a presenca de antropóides com cromos-

408
"HOMEM-MACACO" EM PROVETA 25

somos humanos ofendería a Moni comum. Mas seria éticamente irrepreensf-


vel o uso desses mentes como resérvatenos de órgaos para transplante" (ver
L'Espresso, 17/05/1987, p. 7).

Estas declarares suscitaran) calorosas reacoes. O Senado Académico


da Universidade de Florenca, usando de linguagem severa, julgou "inaceitá-
veis as declaracoes do Prof. Brunetto Chiarelli". Os membros do Instituto de
Antropología da mesma instituicao se declararam "desconcertados e indigna
dos" com as afirmacdes do seu colega. Chiarelli, em resposta, tentou abran-
dar suas proposites, mas nao chegou a um desmentido formal. Tanto den
tistas como teólogos se insurgiram contra a perspectiva aventada, observan
do que ela nao representaría conquista alguma para a ciencia, mas, antes, um
retrocesso da cultura e da civilizacao; á ciencia compete tentar curar os defi
cientes e nao produzir novos individuos esdrúxulos ou monstruosos.

0 tumulto de opinioes assim gerado suscita algumas questoes e ponde


rales.

1. Seria hómem pela metade?

Eis a questao básica: o filho de urna fémea de chimpanzé e de verda-


deiro homem concebido em proveta ou por ¡nseminacao artificial seria meio-
homem e meio-macaco? Haveria um tipo intermediario entre o auténtico
macaco e o genuino ser humano?

— A resposta é negativa. Nao pode haver vívente intermediario no


caso, pelo motivo seguinte:

O que dá a nota específica a um vívente, nao é a sua ossada ou o seu


físico, masé o seu principio vital (a forma, segundo a linguagem aristotélico-
escolástica). Ora o principio vital ou a forma específica é indivisível: ou é
100% de macaco irracional (qualquer que seja o tipo de macaco) ou é 100%
de vívente humano e racional (ainda que corporalmente muito primitivo ou
muito semelhante ao macaco). Com outras palavras: pode haver corpos cujas
características sejam de transicao entre o macaco e o homem, mas dentro
desses corpos existe um principio animador ou vital, que Ihes dá a sua defi-
niclo ou a sua especificidade: tal é totalmente de macaco (entao tém-se ver-
dadeiros simios) ou é totalmente de homem (entao tém-se auténticos seres
humanos).

P5e-se agora a pergunta: e como tem origem o principio vital dos vi


ven tes?

409
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

Distingamos:

- O principio vital dos ¡rracionais (desde a planta até o macaco mais


aperfeicoado) é material (nao espiritual); por conseguinte, ó eduzido da pró-
pria materia: desde que o semen masculino fecunde o feminino, forma-se um
terceiro vivente, que tem seu principio vital próprio e específico, produzido
pela própria materia viva. E, quando a materia do irracional está tao deterio
rada que nao pode mais ser sede da vida, o principio respectivo é reabsorvi-
do pela materia, que se torna morta ou exánime.

Ao contrario, o principio vital do ser humano é espiritual. Por conse


guinte, nao é eduzido da materia seminal, mas so pode ser criado diretamen-
te por Deus para ser infundido no feto por ocasiao da fecundacao1. O Cria
dor, que fez a natureza humana como ela é. Infunde a alma humana espiri
tual em todo processo de fecundacao genuinamente humano (mesmo que se
trate de fecundacao artificial entre seres humanos).

Passemos agora ao caso da fecundacao híbrida "chimpanzé-homem".


Nao haverá as condicóes naturais para que a materia produza um principio
vital de chimpanzé nem aquelas que existem quando Deus cria a alma huma
na. A julgar pelo modo sabio e ordenado como o Criador procede, nao é de
crer que Ele infunda um principio vital típicamente humano nesse ser corpo-
ralmente híbrido. Conseqüentemente, este teria um principio vital de chim
panzé dentro de um corpo assemelhado ao corpo humano; seria um verda-
deiro chimpanzé com traeos próximos aos dos humanos.

Como quer que seja, a producto desse híbrido implicaría urna ofensa á
dignidade humana, degradando o semen masculino á condicao de mera subs
tancia de laboratorio.

É o que passamos a expor mais amplamente.

2. A manipulacfo genética

Varias tém sido as experiencias de inseminacao artificial humana. A é-


tica crista as rejeita globalmente, mesmo as que se praticam em termos ho
mólogos, ou sejá, entre marido e mulher; todas subordinam a fecundacao
humana á técnica, a mecanismos impessoais ou á vontade do cientista, des
vinculando-a do ato de amor em que marido e mulher se encontram conju-
galmente. Só é lícito ao médico ou ao cientista ajudar ou completar a acao

'. Vista a importancia da afirmacSo de que a alma humana nSo é materia),


mas espiritual, o assunto será brevemente explanado em apéndice a este arti
go.

410
"HOMEM-MACACO" EM PROVETA 27

da natureza, quando num coito verdadeiramente humano as sementes vitáis


sofrem dificuldade para se copular; em tal caso, nao há fecundacao indepen-
dente da cópula nem fora do organismo feminino. Tenha-se em vista a Ins-
trupao Donum Vitae da Congregacao para a Doutrina da Fé datada de
22/02/87 e apresentada em PR 302/1987, pp. 299-311.

Muito mais grave, porém, dó que qualquer tentativa de fecundacao ar


tificial entre seres humanos é a hibridacao "homem-chimpanzé". - Quais as
razóes que podem mover os cientistas a se projetar nesse campo de trabalho?

Eis as duas principáis:

1} O desojo de progresso da ciencia. Esta parece insaciável em seus an-


seios de avancar e conquistar novos espacos. Em parte, o orgulho humano, a
volúpia de ser Prometeu (um rival de Deus) está subjacente a muitas tenta
tivas da ciencia desvinculada da consciéncia moral. — Observemos, porém,
que a ciencia e a técnica nao sao fins; sao meios,... meios para engrandecer
o homem, levando-o a viver urna existencia mais condizente com a sua digni-
dade; a ciencia deve contribuir para minorar a miseria material, asdoencas, a
ignorancia ou a falta de educacao no mundo, a fim de que as faculdades típi
camente humanas possam funcionar melhor; nunca, porém, a ciencia e a téc
nica hao de servir ao mero orgulho ou ao deleite do pesquisador com detri
mento para a nobreza específica do homem. Em suma: a ciencia deve tra-
balhar para o homem, e nao contra o homem.

2) O utilitarismo ou pragmatismo... O prof. Chiarelli julga que os no


vos seres híbridos servirían! aos trabalhos mais modestos e penosos ou ao
transplante de órgaos. Seriam, pois, máquinas (se os quiséssemos considerar
irracionais) ou escravos (se alguém os quisesse considerar como homens).
Observam os comentadores que nesta atitude do Prof. Chiarelli se exprime,
consciente ou inconscientemente, um certo racismo; criar-se-ia um exército
de escravos a sen/ico da humanidade mais evoluída.

3. Outras experiencias de hibridismo

O caso Chiarelli fez que viesse á tona a existencia de planos semelhan-


tes ou mesmo de tentativas paralelas que vao sendo executadas secretamente
em varios laboratorios e centros de pesquisa. A descoberta da estrutura do
ADN deu a muitos cientistas a impressao de estar de posse da chave de leitu-
ra do "livro da vida"; desde entlo tém-se multiplicado as pesquisas e expe
riencias tendentes a penetrar sempre mais fundo no íntimo da Genética e da
vida. Algumas destas tentativas poderlo ser benéficas para o ser humano, le
vando a progressos no combate a molestias e na cura de muitas doencas. Ou
tras, porém, suscitam perplexidade, pois há quem manipule células germi-

411
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

nais, embrices e fetos humanos como o faria com sementé vital e fetos de
outros víventes.

Quanto á hibrídacao, sabe-se que a própria natureza oferece alguns ca


sos, como o do mulo, resultante do cruzamento de jumento com égua ou de
cávalo com jumenta. Este precedente tem dado ensejo a que em laboratorio
se produzam outras hibridacoes. Assim na Inglaterra teve origem um filhote
de carneiro e de cabra; nos Estados Unidos, um misto de asno e zebra; na
Franca, um produto de galinha e codorniz. Entre os vegetáis também se tém
obtido novos e novos híbridos. Os avancos provocaran) nos Estados Unidos
a iniciativa de patentear os tipos de viventes assim oriundos, é o que se lé
na imprensa:

EUA vio patentear novos tipos de animáis

"Urna nova regulamentacSo permitirá que os engenheiros genéticos


americanos registrem patentes de animáis criados em laboratorio, através de
sofisticadas técnicas de reproducSo. A norma adotada pelo setor de marcas e
patentes do Departamento de Comercio toma os Estados Unidos o primeiro
país a patentear os novos seres. A noticia acaba de ser divulgada pelo jornal
"The New York Times", que destacou os problemas éticos da questao.

Essas patentes poderSo valer blindes de dólares aos inventores das no


vas criaturas e ás Companhias que comercianzarem a tecnología empregada
na sua reproducSo. Embora a regulamentacSo proiba o registro de patentes
de mudancas genéticas em seres humanos, um funcionario governamental
admitiu que, no futuro, certamente este tipo de protecSo comercial também
será autorizado.

A norma define como organismos patenteáveis 'todos aqueles que ad-


quirem urna forma característica, ptopriedade ou combinacSo de fatores,
que nSo estao presentes no artigo original existente na natureza.'

— Trata-se de urna iniciativa assustadora. A dedsSo sobre patentes


acaba com mais urna barreira de protecSo á vida humana. Meu Deus do céu\
Urna vez que se comeca a patentear formas de vida, onde isso vai parar?' -
desabafou o Dr. J. Roben Nelsoñ, do Centro Médico de Huston, Texas.

Numa reacio é divulgacSo da medida, organizacdes de protecSo á vida


humana e animal se uniram para tentar bloqueé-la. Alguns dentistas afir-
mam que a decisSo criará nos EUA 'um admirável mundo novo', como o
descrito na ficcSo assim intitulada de Afdous Huxley. Na obra, o escritor
descreve um mundo no qual se usa a manipulacao genética para criar seres
perfeitamente adaptados ás exigencias da sociedade.

412
"HOMEM-MACACO" EM PROVETA 29

— 'Agora, todo o processo de crispió de formas de vida superiores, in-


cluindo a humana, seré controlado para satisfazer objetivos puramente hu
manos. Nio estamos brincando de Deus, estamos simplesmente assumindo o
papel de Deus' — disse o Dr. Michael Fox, veterinario e Diretor da organiza-
cao Human Society, de protecSo aos animáis.

Para o dentista Jeremy Rifkin, ferrenho opositor da nova regulamen-


tacao o que as autoridades fízeram foi legitimar a privatizacao, com lucros
comerciáis, de todo o reino animal.

- 'Agora nSo haverá mais nenhuma diferenca entre um ser vivo e um


produto químico, um automóvel ou urna bola de tenis' - acrescentou.

Atualmente, a Engenharia Genética produz vacas que dio maisleitee


porcos de carne menos gorda. Os especialistas da área sonham em fazer urna
mistura de animal, planta, microbio e genes humanos, num embriSo e gerar
animáis previamente encomendados".
(O GLOBO, maio 1987)

Como se vé, mesmo entre os dentistas há quem recue diante dos pro
jetos de colegas que tentam devassar o específicamente humano; bem per-
cebem que há a( urna especie de sacrilegio, totalmente ilícito ao pesquisa-
dar.

4. Conclusáo

A Moral católica nao se opoe ao progresso da ciencia. Ao contrario,


pode-se dizer que a mensagem bíblica, incitando o homem a crescer, multi
plicarse e dominar a térra (Gn 1,28), sempre estimulou os estudiosos a pro
curar conhecer e utilizar melhor os segredos da natureza. Todavía o Cristia
nismo propoe urna escala de valores, na qual o homem é imagem e semelhan-
ca de Deus e ocupa lugar singular, nao podendo ser equiparado, em dignida-
de, a nenhum outro vivente corpóreo. Por isto os resultados- da ciencia de-
vem servir ao homem e jamáis sacrificar a dignidade deste. Consciente disto,
a Igreja repete que a vida humana é um dom de Deus, sobre o quai o dentis
ta nao tem dominio absoluto; ela deve nascer e desenvolver-se nao em labo
ratorio nem como efeito de recursos técnicos, mas como fruto direto do reía-
cionamento pessoal entre esposo e esposa. A espiritualidade, com as faculda-
.des da inteligencia e da vontade e com osdotes da liberdade, do amor e da capa-
cidade de progresso — eis o que diferencia essencialmente o ser humano do
animal irracional; eis o que deve ser absolutamente reafirmado para que o
homem nao seja vftima do instrumental que ele mesmo produz.

Este artigo muito deve ao de Giovanni Marches/' S.J.: A proposito del I'
ipotesi di uomo-scimmia, em La Civiltá Cattolica n93287, 06/06/1987, pp.
468-471.

413
.30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1887

APÉNDICE

A quostao da espfritualidade da alma humana já foi tongamente abor


dada em PR 226/1978, pp. 423-434; 227/1978, pp. 475-481. Recordando
quanto af foi dito, vio abaixo propostas algumas consideracóes:

Por "espirito" entende-se um ser que nao tenha quantidade, extensao,


tamanho, cor, sabor, odor..., mas seja dotado de inteligencia e vontade. Di-
zemos que a alma humana nSo é material, mas á um espirito feito para vivi
ficar o corpo humano e se aperfeicoar em uniao com este. Vé-se, pois, que
corpo e alma sao realmente distintos, pois o corpo humano é materia.

E como se prova que no ser humano a alma ou o principio vital na*o é


material, mas espiritual?

A espiritualidade da alma humana se deduz do seu modo de agir: o


agir há de ser da mesma natureza que o ser. Na verdade, a alma humana,
pela inteligencia, supera o concreto, material, singular, e concebe nocoes
universais ou apreende o essencial, formulando definieses. Isto quer dizer
que o ser da alma humana tambám é ¡material ou, positivamente falando, é
espiritual.

A dependencia da alma humana em relacao ao corpo no tocante ao


agir nao quer dizer que a alma seja material, mas, sim, que foi criada para
ser principio vital do corpo humano; se este é lesado ou doente, a alma hu
mana, embora seja distinta do corpo, nao se pode manifestar plenamente,
porque carece do instrumental material de que necessita.

Da espiritualidade da alma decorre que ela é ¡mortal por sua própria


natureza. Com efeito; sendo espirito, ela é simples ou nao composta; por
conseguinte, nSo se decompoe ou ná*o se dissolve. Deus, que a criou, poderia
aniquilá-la, mas nSo o faz, pois isto contradiría á sabedoria e a justica do
Criador.
* * *

fMiRfins poR CORRESPONDENCIAS

CURSOS POR CORRESPONDENCIA: SAGRADA ESCRITURA, INICIA-


CAO TEOLÓGICA, TEOLOGÍA MORAL E HISTORIA DA IGREJA. OCA-
SIÁO PROPfCIA PARA QUE O CRISTÁO POSSA APROFUNDAR E CON
SOLIDAR A SUA FÉ DENTRO DO MUNDO PLURALISTA DE NOSSOS
DÍAS. - PEDIDOS DE INFORMACÓES E INSCRICÓESSEJAM DIRIGI
DOS A ESCOLA "MATER ECCLESIAE", RÚA BENJAMÍN CONSTANT,
23,3?ANDAR, CAIXA POSTAL 1362,20001 RIO (RJ).

414
No f ¡m do sáculo XX!

"O horóscopo da sua vida5


pelo fe. Mauro Forrero

Em sfntese: O livro em foco aproveita-se dos signos do zodíaco para


oferecer ao leitor longos conselhos de ética, prudencia, piedade, como se
fossem derivados da mensagem dos astros. Nao admite Destino ou Fato que
tire a liberdade do homem, pois julga que este é que governa os astros. —
é preciso dizer que a simbiose de Cristianismo e astrologia é esdrúxula, arti
ficial e falsa; a Moral cristSé válida independentemente de oráculos astrais.
Além disto, aos olhos da ciencia e da razio contemporáneas, a astrologia e
seus horórscopos sio algo de ultrapassados; supdem urna cosmología ou urna
configurado dos planetas e das estrelas que hoje nio se pode sustentar.

* * *

0 autor do livro em foco, Pe. Mauro Ferrero, nao é apresentado ao


leitor em parte alguma do livro. Escreveu um original inglés intitulado Your
life't Horóscopo (Better Yourself Books, Allahabad, India, 1977), que as
Edicoes Paulinas do Brasil houveram por bem traduzir com o tftulo "0 Ho
róscopo da sua Vida"'. A obra comeca afirmando que "a astrologia atrai
cada vez mais a atencSo do homem moderno" (p.7), fato que o autor aceita
positivamente. Em seu livro, após observacoes gerais, apresenta cada um dos
doze signos do horóscopo (Aries, de 21/03 a 20/04, Touro, de 21/04 a
20/05...)e desenvolve a simbologia de cada signo (quem é de Aries, é um herói
ativo; quem ó de Touro, é um atirador paciente; quem é de Gómeos, tem
um dinamismo de diversidades; quem á de Cáncer, ó comprador do céu...);
dá exemplos de grandes homens sujeitos a cada um desses sinais do zodíaco
no passado e finalmente transmite um conselho para cada dia do ano, deri
vado do respectivo signo.

Examinemos de mais perto a fndole do livro.

1 TraducSo de Ivo Stomiolo e Marcelo Moreira. — Ed. Paulinas, Sio Paulo


1983, 180 x 120 mm; 139 pp.

415
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

1. A linha-mestra da obra

Mauro Ferrero distingue tres nfveis de astrologia:

— astrologia natural, que faz a previsao do clima, "embora as previ-


soes climáticas dependam mais do estudo das condlcoes atmosféricas exis
tentes do que do estudo da posicao da Lúa e dos outros corpos celestes"
(pp.16s);

— astrologia judicial: procura prever o futuro de urna pessoa conforme


a posicao relativa dos planetas e de certas constelacoes no instante do seu
nascimento. Trata-se de algo que a astrologia dificilmente pode fazer, segun
do Mauro Forrero. Por ¡sto, diz o autor, "as previsoes do horóscopo diario
e as colunas dos jomáis trazem mais entretenimentó do que esclarecimento"
(P.17);

— astrologia profetice: "fornece urna filosofía de vida positiva e ali


menta a seguranca interior. Este é o nivel dos horóscopos bascados ñas po
tencialidades humanas, ¡sto é, quando eles estao desprovidos de prognósti
cos mirabolantes" (p. 17).

Estes dizeres do autor exprimem a intencio de aproveitar-se do horós


copo em sentido nao de prognósticos (predicóos do futuro),.mas*ño de acon-
selhamento; as suas páginas tem teor fortemente moralizante: "O horóscopo
da sua vida mostra que através do seu próprio esforco vocé pode elaborar a
maioria das qualidades inerentes ao intelecto e á vontade, e dos seus pro-
prios talentos naturais" (p. 17).

Mauro Ferrero faz questao de dizer que os astros nao determinam o


homem, mas, ao contrario, o homem governa os astros: "o homem á inda-
pendente e pode controlar o seu trabalho, a sua educaclo e o seu desenvolví-
mentó social" (p.11). Diz enfáticamente que "os astros ¡nspiram pensamen-
tos sublimes; os poetas, os santos, os amantes, os místicos, os navegantes e
até mesmo os homens comuns neles se inspiraran) através dos séculos. Quan-
to mais alguém contempla e fita os astros, mais claro se torna o fato de que
eles brilham no céu como um hiño vivo de paz, beleza, gloria, ordem, gran
deza e poder" (pp. 14s). Estas afirmacoes estao longe do que se entende ge-
ralmente por horóscopo e favorecem o programa moralizante do autor, que
termina a parte introdutória do livro (pp. 7-20) com as seguintes palavras:

"Em sua vida diaria escreva seu próprio horóscopo. Lembre-se de que
os astros agem em seu favor, energizando o momento presente. Este é o día
para vocé usar, desfrutar e empregar, para o sucesso e a felitídade, de si mes
mo e dos outros...
■»■

416
"O HORÓSCOPO DA SUA VIDA" 33

Do modo como um homem age e anda no caminho da vida, assim ele


se torna.

Quem faz o bem, toma-se bom.


Quem faz o mal, tornase man.
Pelas apoes puras o homem tornase puro.
Pelas agdes más o homem tornase mau" (p. 20).

0 restante do livro (pp. 23-139) contém conselhos sabios e piedosos,


que geralmente valem como tais ou ¡ndependentemente de qualquer suporte
astral, mas que infelizmente o autor pretende deduzir de cada signo do zo
díaco. Este recurso ao horóscopo redunda em recomendar a atencao e a fi-
delidade á astrologia e suscita a grande perplexidade de todo leitor habitua
do a raciocinar (mesmo que nao seja cristao); a crenpa no horóscopo é insus-
tentável a todo cidadao que pense um pouco, neste final do século XX.

Verdade é que o autor nao invoca figuras ou divindades mitológicas


nem admite Fato ou Destino a reger a vida do homem. Como quer que seja,
a sua obra alimenta a supersticao, a ignorancia, a emotividade irracional no
público desprevenido, já tao prejudicado por falta de lúcidos conhecimentos
religiosos. Na verdade, este final do século XX é a fase ou do racionalismo
exagerado, avesso á Transcendencia, ou dos sentimentos "místicos" cegos
dados a crendices. A verdadeira fé, porém, adere firmemente ao Transcen
dental, ao Misterio de Deus, mas ela se firma ñas credenciais que a razio,
após estudo crítico, Ihe apresenta para que creia auténticamente ou para que
nao ceda á crendice.

Procuremos, pois, averiguar exatamente o valor que possam ter a as


trologia e o horóscopo aos olhos de um estudioso sereno.

2. Refletindo sobre a astrologia...

2.1. Que é a astrologia?

A palavra astrologia compoe-se dos vocábuios gregos astér (astro) e ló-


gos (discurso). Astronomía vem de astér e nomos (lei). Os dois termos eram
originariamente quase sinónimos entre si; o primeiro significava mais a teoría
referente aos astros, ao passo que o segundo exprimia de preferencia o resul
tado de observacoesempíricas. - Nosséculos IV/lll a.C, astrologiaassumiu
preponderantemente o sentido divinatórío que hoje a caracteriza, ao passo
que astronomía fica sendo o estudo científico dos astros, baseado na obser-
vacao e no raciocinio.

417
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

A astrologia se exprime pelo horóscopo, palavra que vem do grego: ho


ra (hora) e skopéo (observar). Horoskópion era o aparelho para ver a hora, o
relógio. Deste vocábulo se deriva o termo horóscopo da língua portuguesa,
> que tem o sentido de sentenca derivada da poslclo dos astros no momento
em que o individuo nasce.

A astrologia, como arte divinatória, supóe que os astros tenham in


fluencia sobre o tipo da pessoa como tambám sobre o curso de vida dos hu
manos. Por conseguinte, o astrólogo examina a exata configuracio do firma
mento na hora do nascimento da crianca para formular os seus oráculos. O
primeiro ditame de horóscopo que se conheca, data de 419 a.C, mas há do
cumentos astrológicos muito anteriores, como o Ñamar Beli (lluminacao de
Bel), atribuido ao rei Sargao e encontrado na biblioteca de Assurbanipal
(668-626 a.C). Outros indicios permitem dizer que a astrologia se originou
na Mesopot&mia por volta do terceiro milenio antes de Cristo. Ela tem raizes
em concepcSes místico-religiosas; com efeito, na Babilonia, os planetas eram
identificados com deuses; donde se concluía que tais planetas, tendo presidi
do ao nascimento, nao poderiam deixar de influir sobre o curso de vida dos
nascidos.

Mais precisamente, eis como se desenvolve o sistema da astrologia, ma


triz dos horóscopos:

Sup5e-se a Térra no centro do sistema planetario (sistema geocéntrico,


pré-coperniciano). Em torno da Térra, haveria urna cintura chamada zodiaco,
dividida em doze compartimentos de 30° ditos "casas do zodíaco" (12 x
30° = 360°). Sobre a faixa.do zodíaco girariam o Sol, a Lúa e os planetas
conhecidos na antiguidade: Mercurio, Venus, Marte, Júpiter e Saturno. Cada
casa teria um signo correspondente h configuracio dos astros ou das estrelas
como elas se achavam há dois mil anos: Carneiro (Aries), Touro (Taurus),
Gémeos (Gemini), Caranguejo (Cáncer), LeSo (Leo), Virgem (Virgo), Balan-
ca (Libra), Escorpiao (Scorpio), Arquairo (Sagittarius), Bode (Capricórnius),
Aquadeiro (Aquarius), Peixes (Piscas); ver a imagem da p.419. Cada signo exer-
ceria influSncia sobre o temperamento da pessoa, as suas paixoes e as suas
virtudes, podendo mesmo orientar o curso de vida do individuo, segundo a
astrologia. Em conseqüéncia, os cultores desta dio grande atencfo a posicao
dos astros (planetas, estrelas) no momento em que nasce alguém a fim de
poder formular os dltames do seu horóscopo. Os antigos astrólogos julgavam
poder prever as doencas do individuo (na base de pretensa influencia dos as
tros sobre cada parte do corpo); a acto das constelaccws sobre as diversas
regtóes do globo Ihes "permitía predizer" as guerras e revolucóes.

Oriunda da Mesopotámia, a astrologia se propagou pelo Egito, a Gra


cia, a Pérsla e a India. . .Em Roma os "magos caldeus" foram perseguidos

418
"O HORÓSCOPO DA SUA VIDA" 35

desde que lá apareceram no século II a.C. Todavia o Imperador Augusto (63


a.C. - 14 d.C.) os protegeu; o astrólogo Teágenes terá predito a este a sua
gloria futura; assim os "magos caldeus" acabaram sendo aceitos na socieda-
de romana e prosperaran) até o século II. Perderam sua voga com o declmio
da religiosidade paga e a implantacao do Cristianismo. Os Papase os Conci
lios de Laodicóia (366), Toledo (400) e Braga (561) rejeitaram a astrologia,
nao so porque ligada a divindades pagas, mas também porque dava a crer
que o Fato ou o Destino anulava a liberdade de arbitrio do homem.

Na Idade Media, por causa da condenacao das autoridades da Igreja, a


astrologia foi cultivada pelos árabes e pelos judeus. S. Tomás de.Aquino
(t 1274) admitia certa influencia dos astros sobre o caráter do homem (to
davia sem aceitar divindades estranhas nem o deterninismo de um destino
cegó). O teólogo e Cardeal Pedro d'Ailly (1350-1420) escreveu obras de as
tronomía, que envolviam teses de astrologia, como ocorria fácilmente na-
quela época; no seu tratado I mago Mundi colocou a questao da esfericidade
da Térra, contribuindo para a descoberta do Novo Mundo por CristóvSo
Colombo.

A astrologia teve grande voga no f im da Idade Media e no século XVI,


por ocasiao do Renascimento, que restaurou documentos, crancas e tríeos

419
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

da cultura paga. Havia astrólogos como conselheiros dos governantes ñas ci-
dades e nos ducados da Italia, mesmo depois de derrubado o sistema geocén
trico pela tese de Gallleu: o Imperador germánico Rodolfo II de Habsburgo
(t 1612) apreciava Tucho Brahe nao como astrónomo, mas como transmis-
sor de oráculos do horóscopo. Mesma os astrónomos dedicados á pesquisa
científica, como Cardan, Johannes Kepler, Tycho Brahe, nao dispensavam o
recurso á astrologia (Kepler nao podía viver sem vender horóscopos).

Famoso no sáculo XVI foi o astrólogo Nostradamus, que usava o as-


trolábio. Esta palavra se compóe de aitér e lambano (captar, compreender, em
grego), significando o instrumento que compréende ou capta as mensagens dos
astros; trata-se de urna esfera de metal ou de madeira, que indica a altitude de
um astro mediante leitura de urna escala de mercurio em círculos graduados
dispostos para este fim. Inventado por Apolónio de Pergá ou por Hiparco de
Nicéia (190-125 a.C), é o mais antigo dos instrumentos de cosmología que
se conhecam.

Atualmente, afirma a Enciclopedia Mirador Internacional, vol. 3?,


verbete Astrologia, p. 921:

"As descobertas de Galileu e de seus sucessores lanqaram os cálculos


astrológicos em grande confusSo. Já havia mais que sete planetas, ao passo
que o Sol e a Lúa deviam ser riscados do rol planetario. A astrologia clási
ca, velha de vinte sáculos, estava mortá. Com a aceitado do sistema helio
céntrico de Copémico, a doutrina da influencia dos astros sobre os destinos
terrestres sofreu golpe mortal. Hoje a astrologia á considerada crenpa em
que sobreviven} residuos do paganismo antigo".

2.2. Que crédito merece o horóscopo hoje?

Os astrólogos de nossos días, ao estudarem os signos do Zodíaco, su-


póem que as constelacoes estejam na mesma posicao em que se achavam há
mais de dois mil anos, quando foram estabelecidas pela primeira vez. Naque-
la época a passagem do Sol pelo ponto vernal (inicio da primavera no hemis
ferio Norte) coincidia com a entrada do mesmo no signo da constelacSo do
Carneiro(Aries). Mas, em vírtudedofenómenodeprecessiodosequinócios,1

1 Equinódo á a apoca do ano (ocorrente de seis em seis meses) em que o


Sol, no seu aparenta movimento sobre a eclíptica, corta o quadro celeste;
hessa ocasiio (21 de marco e 23 de setembro) o dia e a noite tém a mesma
durafao. — Acontece, porém, que o momento do equinódo vai sofrendo
um lento recuo de 50"¿6 por ano; isto se chama "a precessSo dos equino-
dos", em conseqüénda da qual o momento do equinódo vai sendo lenta
mente antedpado.

420
"O HORÓSCOPO DA SUA VIDA" 37

o ponto vernal vai recuando sobre a eclfptica á razio de 50",26 por ano, ou
seja, 30° em 2150 anos (exatamente uma casa do zodíaco). Em nossos días,
no inicio da primavera nórdica, o Sol já se acha na constelaclo dos Peixes,
mas continuam os astrólogos a dizer que nesse momento ele entra na casa do
Carneiro (Aries); quando os astrólogos dizem que o Sol está no signo do Car-
neiro, ele está no de Peixes; quando consideram que está no de Touro, ele
está no do Carneiro. Somente dentro de 25.790 anos estará restabelecida a
coincidencia das constelacóes e dos signos.

Basta esta verif ¡cacao para se concluir que é totalmente destituido de


fundamento qualquer oráculo (quer sobre o caráter, quer sobre os aconteci-
mentos da vida de uma pessoa) proveniente da astrologia ou do sistema de
horóscopo. Nao há por que Ihe dar crédito. Além do mais, a ciencia hoje re-
conhece que o Sol e a Lúa nao podem ser enumerados entre os planetas,...
que há outros planetas (como Uranio e Netuno),. .. que a Térra nao ocupa o
centro do sistema planetario, etc. Qualquer sentenca do horóscopo sempre
supoe uma cosmologia e uma cosmovisao pré-modernas, já superadas, que
nem sequer merecem a atencao de um estudioso sincero e objetivamente de
dicado á procura da verdade.

O interesse de certo público contemporáneo pelo horóscopo deve-se


á natural curiosidade do ser humarlo em relacao ao que Ihe é oculto ou invi-
sível. Existe uma propensao espontánea, no homem, a prever, profetizar e
até. . .a se deixar guiar por forcas neutras, tidas como superiores, aptas a dis
pensar a pessoa do esforco de raciocinar, arriscar ou assumir a sua responsa-
bilidade. Diz sabiamente um adagio latino: "Vulgus vult decipi. — O povo
quer ser engañado". Isto é especialmente verídico numa época como a nos-
sa, em que a razao e a ciencia sao incapazes de prognosticar dias mais felizes
e tranquilos para a humanidade; na falta de respostas lógicas e fundamenta
das, o homem é inclinado a forjar suas respostas ou a procurar quem Ihas
forje com aparéncia de racionalidade e baliza científica.

A índole vazia ou nula do horóscopo é posta em foco no artigo de Se-


lecoes que, a seguir, será transcrito; em estilo jornalístico cita fatos e propoe
observacoes ponderáveis.

Nao se pode negar, porém, que os planetas tenham algurna influencia


ñas disposicóes físicas e psíquicas do ser humano. Pela projecao de seus
raios, pela sua forca de atracao e por outros fatores, influem na atmosfera
ou no clima em que o homem vive, produzindo ora cansaco, melancolía,
mal-estar..., ora estímulo para o trabalho, maior vivacidade e dinamismo...
Isto, poróm, nao tem que ver com a posicao dos astros e das constelacóes no
momento em que o individuo nasce.

Veja-se, pois, o artigo de SELECOES DO READER'S DIGEST, tomo


XXIX, n?174 (novembro de 1985), pp. 106-110.

421
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

ASTRO LOGIA?

MORRO DE RIR...

Vocé tem todo o direito de curtir o seu horóscopo, mas, pelo amor de
Deus, nio leve Isso a serio!
Aimé Lemoyne

Em 1552, um dos maís famosos astrólogos de todos os tempos. Giróla-


no Cardan, foi chamado a fazer o horóscopo do reí Eduardo VI da Inglater
ra, que contava 15 anos e se encontrava seriamente enfermo. Cardan disse
que as estrelas previam uma vida longa e feliz para o garoto. Um único senao
no transcurso dessa excelente profecía: "Após atingirá idade de 53 anos, 3
meses e 17 días, ele irá, sem dúvida, sofrer diversas doencas." Em julho de
1553, nove meses após esta declaracao, o jovem rei faleceu.

Apesar de tais erros de predicffo calamitosos, apesar de denunciada pe


los sabios há séculos, a astrologia nao apenas sobreviveu como floresceu. Ho-
je, a maioria das pessoas sabe a que signo pertence, e muitas léem regular
mente seus horóscopos. Um número menor consulta astrólogos e paga para
que Ihes facam estudos "pessoais".

Será a astrologia uma frauda? Leía este artigo e decida vocé mesmo.
Mas, de preferencia, mantenha seu senso de humor. Quando se trata de as
trologia, é mais prudente manter sempre um sorriso nos labios.

1. Seu signo já nio é mals o mesmo. O zodíaco é o circuito estreito


percorrido pelo Sol, pela Luá e demais planetas entre as estrelas flxas. O Sol
leva um ano para completar esse circuito, que os astrólogos da Antiguidade
dividiram em 12 fases, de um mes cada uma. Durante a primeira, comecando
com o advento da primavera no hemisferio Norte, a 21 de marco, o Sol per-
corría um conjunto de estrelas que formavam um desenho parecido com um
cameiro; daf que os antigos tenham batizado esse signo de Aries. Imagens
desse género inspiram os nomes dos outros signos astrológicos: Taurus (tou-
ro), Gemini (gémeos), Cáncer (caranguejo), Leo (leao). Virgo (virgem), Libra
(balanca), Scorpio (escorpiao), Sagittarius (arqueiro), Capricornio (bode),
Aquarius (aguadeiro), Pisces (peixe).

O abecedario da astrologia é simplista: as pessoas herdam a saúde e o


caráter inerente ao desenho no qual o Sol se encontrava quando elas nasce-
ram. Daf que uma pessoa que veio ao mundo sob o signo de Libra é equili
brada, mas indecisa; o sagitario estaría sujeito a sonhos ambiciosos, como pa
rece sugerir a seta do arqueiro apontada para os cáus.

422
"O HORÓSCOPO DA SUA VIDA" 39

Mas nada disso é verdade hoje em dia. A máquina celestial modificou-


se. Com o passar dos sáculos, o Sol atrasou-se ligeramente - cerca de um
mSs - para completar o circuito. Paúl Couderc, ex-astrónomo do Observato
rio de París, autor do livro Astrologie, chama a atencao para o fato de que
"uma enanca nascida sob o signo do Leao, onde a consteladlo Leo se encon-
trava há 2.000 anos, deve ser corajosa - um verdadeiro leao. Hoje, ela é
Cancar!"
2. Novos planetas. Os astrólogos também afirmam que nossos desti
nos estío ligados aos movimentos da Lúa e dos planetas. O Sol, a Lúa, Jú
piter, Mercurio e Venus sao considerados de influencia benigna. Marte e
Saturno sao conhecidos por sua malevolencia.

Desde que se promulgaran) estas "leis", porém, os astrónomos acres-


centaram mais planetas aos cinco tradicional. Urano foi descoberto em
1781. Netuno em 1846 e Plutao em 1930 - para nao mencionar outros adi
cionáis, como as 16 lúas de Júpiter. Portanto, vocé pode perfeitamente es-
colher o seu próprio planeta e fazer o seu próprio horóscopo, uma vez que a
grande maioria dos astrólogos nao liga a menor importancia aos planetas de-
pois descobertos.

3. Prova dos nove. Em 1978, um astrólogo británico ofereceu um pre


mio de 500 libras esterlinas para quem conseguisse comprovar a influencia
do zodíaco. Ninguém o ganhou aínda; mas, se existisse um premio para ne
gar essa influencia, muita gente iría habilitar-se a ele.

Em agosto de 1968, por exemplo, a revista francesa Stíence et Vie rea-


lizou um teste sobre o valor da astrologia na previsto das "naturezas bási
cas" e das "tendencias dominantes" das pessoas. Sem revelar nomes, a re
vista mandou as datas, horas e lugares de nascimento de 10 grandes crimino
sos a uma firma que faz estudos de caráter e previsóes. Um desses criminosos
era o médico Marcel Petiot, executado em maio de 1946 pelo assassmio de
27 pessoas que Ihe haviam pago para serem ajudadas a fugir para a América
do Sul durante a ocupacao da Franca pelos alemaes na Segunda Guerra Mun
dial. Eles foram parar num quarto secreto na casa de Petiot, onde ele mata-
va suas vítimas e dissolvia seus corpos em cal viva.

Eis o comentario do computador sobre o horóscopo de Petiot: "Bem


ajustado socialmente, decente e de bom senso moral. . . destaca-se por seu
delicado e sénsfvel amor á humanidade... altruisticamente dedicado..." Pa
ra a época em que Petiot foi guilhotinado, seu horóscopo previa que "o
amor pelo seu lar e pela sua intimidada sao prioritarios para ele".

Os horóscopos dos outros criminosos ainda eram mais disparatados •


se é que isso é possfvel.-

423
40 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 3Q4/1987

4. Erros crassos. Os absurdos que surgem nas personalidades computa-


dorizadas parecem ¡nocentes bríncadeiras se comparados com o que aconte-
ceu com esta pseudociincia durante a Idade Media. Em 1499, por exemplo,
Johannes StOffler prev¡u.que um novo diluvio irla inundar o continente euro-
peu em fevereiro de 1524, quando varios planetas entrariam "emconjuncfo
sob o signo de agua". Á medida que a data se aproximava, o pánico domi-
nou o Sacro Imperio Romano, governado por Carlos V: multidoes abando-
naram suas casas e se refugiaram em navios. Algumas pessoas enlouqueceram
de medo. O mes de fevereiro foi porém realmente excepcional — por ter sido
excepcionalmente seco.

5. ConfusSes homéricas, t claro que os astrólogos preferem ignorar os


erros e enfatizar as previsoes que, segundo eles, deram certo. Urna destas foi
feita em 1923 pelo alemSo Elsberth Ebertin, que escreveu: "Um homem de
apio, nascido a 20 de abril de 1889, com o Sol no 29° grau de Aries, pode
expor-se a perigos devido aos seus atos abertamente violentos. . . Ele está
destinado a desempenhar o papel de Führer em futuras batalhas." Urna vez
que o dia 20 de abril de 1889 era a data do nascimentó de Adolf Hitler, á
primeira vista a previsao parece estar certísima. Mas seria mesmo assim? A
política de Hitler era sem dúvida "violenta"; porém, quando consideramos
a opiniao de Ebertin sobre o espirito de "auto-sacrif fcio...atrevimento e co-
ragem" de. Hitler, podemos duvidar de que se trate da mesma pessoa que a
historia conhece. .

De qualquer forma, Hitler já era urna personalidade famosa em.1923.


Havia fundado o Partido Nacional-Socialista em 1920, e seu lema "um povo,
um Reich, um líder" já havia conseguido muitos seguidores. Em 1922,os se-
gurancas do partido, chefiados por Ernest Rohm e Hermann Goring, já esta-
vam usando táticas violentas para aterrorizar seus opositores. Ao prever em
1923 que Hitler se tornaría o ditador da Alemanha, Ebertin demonstrou
apenas seu faro político e sua disponibilidade para se meter em apuros.

6. A clarividencia de Couderc "Sou do signo de Escorpiao, e o que I i


no jornal hoje sobre o meu horóscopo bate certísimo." Por que tantas vezes
ouvimos (e dizemos) estas palavras? Porque nao há nada tao vago quanto um
horóscopo. Sao como meias de tamanho único; esticam-se fácilmente, para
caber em qualquer pessoa. Além disso, nossa memoria é seletiva; recordamos
aquilo que nos agrada e esquecemos o resto. Quem nao acha que possui "a
alma de um músico", "gosto pelas viagens e pela aventura", "um tempera
mento sociável que facilita os contatos humanos", para citar apenas algumas
das frases feitas que constituem a materia-prima dos horóscopos? Temos to
dos tendencia para acreditar naquilo que nos dizem, se for algo de bom.

424
"O HORÓSCOPO DA SUA VIDA" 41

Em 1949, o psicólogo William Forrest levou a cabo urna experiencia


bem reveladora, no Trinity College de Dublin: ele deu o mesmo estudo de
personalidade a 39 estudantes, contendo 13 frases típicas de horóscopos,
como, por exemplo, "vocé senté necessidade de amor e admiracao", "vocé
tem alguns problemas sexuais", "vocé é urna pessoa de índole ¡ndependente
e nao aceita opiniao dos outros sem ter provas suficientes". Apenas cinco
estudantes disseram que as descricSes nSo se adaptavam a eles.

O psicólogo francés L.H. Couderc realizou urna experiencia semelhan-


te em 1964. Publicou um anuncio oferecendo-se como astrólogo e, aqueles
que responderam, enviou um horóscopo. Passado algum tempo, recebeu 200
cartas de pessoas que Ihe davam os parabéns por sua clarividencia; todas afir-
mavam que os horóscopos assentavam como luvas. Couderc havia enviado o
mesmo horóscopo a todos.

7. A astrologia sitiada. Desde o seu aparecimento na antiga Babilonia,


a astrologia tem sido denunciada por alguns dos maiores pensadores da hu-
manidade. "Nao nos oferece nada", dizia Plotino, "antes nos coloca na posi-
cao de pedras á mercé do movimento e nao como homens que agem por si
próprios e segundo a sua natureza". Durante a Renascenca, o sabio alemao
Cornélio Agripa estudou profundamente a astrologia e concluiu que "nao
tem nenhuma base sólida, apenas meras bagatelas e imposturas da imagina-
pao"... Johannes Kepler, o alemao que no sáculo XVI revolucionóla astro
nomía — e que ganhava a vida como astrólogo -, reconheceu que a maior
virtude da astrologia era fazer com que as pessoas perscrutassem os céus: "Se
nao tivéssemos a crédula esperanpa de ler nosso futuro al¡, te riamos alguma
vez estudado astronomía?" No século XIX, o cosmólogo francés Pierre Si
món Laplace declarou: "Levado pelas ¡lusoes sensoriais a considerarse como
o centro do universo, o homem fácilmente se persuadiu de que as estrelas ¡n-
fluenciam o seu destino. .. O geral conhecimento do real sistema do mundo
destruiu para sempre esta nocao."

Um dos maiores desafios já enfrentados pela astrologia aconteceu em


1975, quando 186 dentistas - entre os quais 18 laureados com o Premio
Nobel - declararam: "é tempo de contestar, direta e vigorosamente, as as-
sercoes dos charlataes da astrologia."

"A astrologia é mais urna arte que urna ciencia", comenta o astrólogo
parisiense Jean Richard. "Nada pode ser totalmente comprovado. A astrolo
gia pertence ao mundo dos sonhos."

Pois é mesmo isso ai! O lugar da astrologia é do lado de lá do arco-iris,


onde se encontram os contos de fadas da nossa infancia. Somos livres para

425
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

sonhar, mas nao devemos enfsitar nossos sonhos com as roupagens da cien
cia. Eles ficariam ridículos.

* * *

EM TEMPO

No "Jornal do Brasil" de 19/07/1987, caderno Cidade p. 1, le-se a se-


guinte noticia referente ao horrível "quebra-quebra" ocorrido no Rio de
Janeiro'a 30/06 pp. e ao juiz Ivaldo, que autorizou o aumento das passagens
de onibus:

Surpresa — Leitor de horóscopo, o juíi Ivaldo, 57, esperava para on-


tem um dia de "boa disposicáo astrológica, especialmente quanto aos inte-
resses profissionais", como Ihe prometía a previsSo para o signo de Gémeos.
— Mas foi um dia complicado — admitiu á noite, atendendo, aliviado,
aos telefonemas de congratulacSes e solidariedade de parentes e amigos.

* * *

Obediencia e Salvacao, vol. II: Vicios e Virtudes. Publicado do Insti


tuto Diocesano Missionárío dos Servos da Igre/a, Diocese de Rio Preto (SP),
Rúa Osvaldo Aranha 585, Caixa Postal 55, 15001 SSo José do Rio Preto
(SP), 1967. 150 x210 mm, 259 pp.

Este volunte dá continuidade á mataría do prímeiro tomo da mesma


obra, já apresentada em PR 303/1987, pp. 381s. Trata do "Dever da Santi-
dade" (IntroducSo), dos "Obstáculos i Santidade" (Parte I: os sete vicios ca-
pitáis), dos "Caminhos da Santidade" (Parte II: as tres virtudes teo/ogais e as
quatro virtudes canteáis) e de "Outras Virtudes" (Parte III: Religiao, Pureza,
Humildade, Penitencia, Pobreza, Virtudes Humanas Sinceridade, da Veraci-
dade, da Honra, do Brío.. .). O volunte traz a Apresentacao de D. José de
Aquino Pereira, bispo de SSo José do Rio Pnto, e tenciona ser um subsidio
para os Cursos de Teoiogia Moral ministrados tanto em Seminarios como em
paróquias; alóm do qué, será muito útil i formacao dos leitores Individuáis
O estilo é claro e de fácil assimilacSo; cada capitulo vem ilustrado por um
denso texto tirado da Escritura ou de autores de espiritualidade, de modo
que a obra propicia a associacüo de estudo e oracSo, interpelando a inteli
gencia e o coracSo. O Iivro em pauta muito se ncomenda por abrir pistas pa
ra o comportamento do crlstSo num mundo percorrido por tantas propostas
de Ilusoria auto-realizacSo; vem a ser auténtica escola de santificado, — Os
pedidos podem ser dirigidos ao endereco ácima.

426
"Sofrer com os que sofrom" (Rm 12,15):

Por causa da f é
perseguidos

Cremos serem do ¡nteresse do nossos leitores informacoes a respeito


do que ocorre em países governados por regime materialista-marxista. Na
revista "Chrétiens de l'Est. Faits et Témoignages", n?52, 4?tr. 1986, pp.
13-21, colhemos alguns dados referentes a dois países asiáticos: a Coréia do
Norte e o Cambodja. Trata-se de fonte auténtica, pois se deve á instituicfo
"Aide ¿ l'Eglise en dátressa" (Ajuda á Igreja que sofre), que se dedica ao
alivio material e espiritual das populacdes vitimadas pela perseguido religio
sa.

I. CORÉIA DO NORTE
"O céu está aqui, na Coréia do Norte!.. ."

No decorrer dos últimos meses, alguns viajantes receberam a autoriza-


cao para ir á Coréia do Norte. Entre eles, dois representantes do Conselho
Ecuménico das Igrejas, o Sr. Minan Koshi e o Sr. Erick Weingartner, foram
recebidos por personalidades oficiáis e membros de comunidades protestan
tes.

No tocante aos grupos cristaos que eles puderam encontrar, é preciso


reconhecer que os contatos foram muito limitados e que praticamente nao
foi possível abordar "simples cidadaos". Quanto á Igreja Católica, que sem-
pre foi minoritaria, mas que antes da guerra contava cerca de dez mil mem
bros e de cinqüenta templos, foi literalmente dizimada. Nao há mais sacer
dotes nem relacoes com o Vaticano.

Todas as igrejas foram destruidas, e muitos católicos, desejosos de


se anexar a urna comunidade, procuraram a Federacao das Igrejas da Coréia.
Esta é protestante; fundada em novembro de 1946, tem em vista promover a
liberdade religiosa e sustentar o compromisso dos cristSos com o servico ao
desenvolvimento do país, trabalhar para a unif¡cacao da patria, para a paz e
a justica. A Federacao reúne cerca de dez mil cristaos, de diversas denomina-
coes, repartidos em pequeñas comunidades de urna dezena de membros cada
urna, celebrando o culto em apartamentos privados. Em Pyongyang mesmo,
existem perto de trinta a quarenta desses grupos.

427
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

A vida eclesial é animada por cerca de trinta pastores e duzentos evan-


gelizadores. Mas o Batismo das criancas nao é praticado e o casamento reli
gioso se torna cada vez mais raro.

Dois outros viajantes, o pastor protestante Hwang Chun-Gun, e um


bispo católico, Mons. Tji Hak-Soun, ambos oriundos da Coréia do Norte, vi-
veram cada qual urna dolorosa experiencia, que ilustra as circunstancias de
terror e mentira em que sao obrígados a viver os seus familiares cristaos.

O pastor Chun-Gun, num salao de hotel, pode organizar, para os seus


companheiros de viagem, um Oficio religioso dominical, usando de toda a
discricao necessária num país que parece ter perdido toda noció de religiao.
Na véspera, ele comunicara este projeto a sua mae, que ele tivera a alegria de
encontrar de novo em Pyongyang. Qual, porém, nao foi a sua surpresa quan-
do ouviu a resposta déla, outrora tío devota: "Nao facas isso, meu filho, nao
existe Deus..."!

Era inútil tentar prolongar urna tal conversa na presenca de acompa-


nhantes norte-coreanos, que espreitavam. O culto realizou-se, como previsto,
ás 6 horas da manha, reunindo cerca de cinqüenta viajantes na mesma ora-
cao.

Á semelhanca do pastor, Mons. Tji Hak-Soun, bispó católico de Won-


ju na Coréia do Sul, ficou espantado ao ouvir sua irma (que ele reencontrava
pela primeira vez após mais de trinta e cinco anos) sustentar afirmacoes se-
melhantes: "Eu já nao a conheco, disse ele; cortamente deve ter passado por
urna lavagem de cranio".

Com efeito; depois das primeiras efusoes de ánimo, ela o doutrinou,


assegurando-lhe que era ridículo pensar no céu após a morte, pois, como no-
tava ela, "o céu está aqui na Coréia do Norte, onde todos gozam de vida
agradável e sem preocupares". O bispo entao pediu-lhe que a levasse á sua
"celeste mansSo", mas isto nao fazia parte do "programa"...

II. CAMBODJA1

Estas noticias se devem ao Pe. Francote Ponchaud, das Missdes Es-


trangeiras, que, tendo investigado a situacao no próprio Cambodja, oferece
ao público algumas impressSes significativas.

1 Este país é também chamado Kampuchea. Está situado no Sudeste da


Asia, entre a Tailandia, o Laos, o Vietnam e o Mar da China Meridional
(Golfo da Tailandia). Tem por capital a cidade de Phnom Penh.

428
POR CAUSA DA FÉ PERSEGUIDOS 45

1. Nenhum destacamento sem autorizado escrita

Desde 19/09/1985, novas leis regem as viagensda populacao khmer1.


Foram afixados cartazos em toda parte, de maneira insólita, para anunciar
essa nova regulamentacao: cada cidadao devia doravante ter nova carteira de
identidade. Precisa de autorizacao da Polfcia provincial para passar de um
distrito a outro e de autorizacaó da Polfcia Nacional para se transferir de
urna provincia a outra. A licenca é nominal, indica o motivo, a duracfo, o
itinerario da viagem, a pessoa que viajará e as que serao contactadas. Nao se
concede autorizacáo para as provincias de Koh Kong, Kompong Speu, Ba-
tambang. A ninguém é lícito emprestar a sua licenca a quem quer que seja,
e prevéem-se castigos para aqueles que naodenunciaremosinfratores. Também
é proibido aos cidadaos hospedar viajantes em sua própria casa. Em outubro
de 1985, por ocasiao do Congresso do Partido, foram realizadas buscas para
prender os infratores. A partir daquela data, véem-se filas de pessoas junto
aos Postos da Polfcia. As pessoas recuam diante das dificuldades e acabam
por nao visitar os familiares, mesmo a pouca distancia. Esta restricao das vía-
gens teve por conseqüéncia económica ¡mediata a duplicacao do preco do
arroz vendido no mercado livre.

2. Formacao ideológica sistemática e permanente

Grande parte das capacidades do povo carrtbodjano é consagrada á sua


formacao ideológica. O povo é obrigado a participar de urna ou duas reu-
nioes políticas por semana em quarteiroes ou grupos de cem, cinqüenta ou
dez casas. Os dirigentes recitam-lhe a ideología oficial e falam-lhe da solida-
riedade que deve existir entre o Cambodja, o Laos, o Vietnam; incutem o
odio aos adversarios da ideología, a defesa da patria, etc. O povo tem a obri-
gacao de reproduzir oralmente a mensagem e, as vezes, tem que se entregar
á autocrítica. Todas as emissoras oficiáis de radio fazem a propaganda do re-
gime mediante alto-falantes; os cartazes, grandes e coloridos, ñas rúas lem-
bram visualmente os principios fundamentáis do Governo.

A formacao dos quadros técnicos e pol íticos é mais sistemática nos Mi


nisterios e nos hospitais. A jornada comeca por urna reuniao de urna hora
durante a qual se dao as diretrizes para o dia: nesse momento sao sorteados

2 Khmer é o nome do povo que, sobrevindo ao territorio do Cambodja, lá


fundou o poderoso Imperio Khmer no fim do sáculo VI d. C. Ora em 1970
os comunistas do Cambodja tomaram o nome de Khmer Vermelho; chega-
ram a dominar o país em 1975, mas em 1979 tiveram que cederá outra or-
ganizacao comunista apoiada pelos vietnamitas: a FRENTE UNIDA NACIO
NAL PARA A SAL VACÁO DO CAMPUCHEA (Funsk).

429
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

aqueles que deverao desbravar o terreno ñas fronteiras, como tambám sao
abordados assuntos de atualidade. Urna tarde por semana é inteiramente de
dicada a urna sessao de crítica e autocrítica: cada qual tem que confesar
suas falhas e as fainas dos outros (os atrasos no servico, o uso de blusas blue
jean...), sob pena de ser considerado revolucionario infiel. Os sábados sao
consagrados ou ao trabaiho manual ou á formacao política. Dois dias por
mfls sao Inteiramente reservados para a doutrinacao política. Os médicos e
seus assessores, os membros do Partido ou da célula comunista tém suas
reunióos complementares.

Além da formacao teórica, os cídadaos inscritos no Partido tém a obri-


gaclo de descer periódicamente até abase (cho moulathan), isto é, sair para
o campo e lavrar o solo. É-lhes vivamente acoñselhado nao levar livros, nSo
usar vestes próprias da cidade, náb fumar cigarros estrangeiros, etc. A noite,
sao obrigados a dirigir as reunióos políticas dos camponeses. Em 1983 esses
"retornos a base" duravam tres semanas; a partir de 1985, recobremde tres
a seis meses do ano. Sao ocasiao para que as autoridades verifiquem se os
membros do Partido sao capazes de cumprir as suas funcSes.

Como no tempo dos Khmers Vermelhos, repetem interminavelmente


que nao sao os intelectuais que fazem a revolucSo, mas o povo;... que nao
é vantagem ter estudado no Liceu Descartes e ter morado na cidade;... ter a
pele clara, etc. Os bons militantes sa"o os que sairam dos arrozais. Mesmo
que sejam ignorantes, gozam de poderes exorbitantes, como, por exemplo,
aquele funcionario de hospital que exigia que todas as prescricoes médicas
fossem submetidas á sua aprovacao.

Os oficiáis técnicos e políticos, médicos, professores, agentes adminis


trativos vao para ó Vietnam, onde recebem formacao política num centro si
tuado nos arredores da cidade de Ho Chi Min. Duas vezes por ano há promo-
coes, que beneficiam cerca de duzentas pessoas. Durante seis meses os esta-
giários tém nove horas diarias de cursos; aprendem cantos revolucionarios
durante urna hora e se entregam ao trabaiho manual por duas horas. Ensi-
nam-lhes a língua vietnamita durante seis a oito horas por semana. Os esta-
giários tém seus dormitorios, nos quais estío instalados alto-falantes que di-
fundem a doutrina oficial. Um estagiário contou que, em seis meses, ele so
saíra dois domingos de tarde para visitar usinas-modelo.

A doutrinacao política se faz mediante aulas, as quais se segué urna


discussao, durante a qual cada estagiário deve repetir o que o professor ensi-
nou.. . Regularmente o aluno ó obrigado a fazer sua autocrítica e reescrever
suá auto-biografía, corrigída aos poucos á luz do marxismo-leninismo. De
vez em quando o estagiário tem um encontró individual com um conselheiro
vietnamita, que avalia suas mudancas de atitude e as registra.

430
POR CAUSA DA FÉ PERSEGUIDOS 47

Poucos sao os que gostam desses estágios, mas ninguém os pode recusar
se foi designado. Quem os realizou, goza de confianca da parte das autorida
des do Partido e pode ter acesso a um escalao na sua especialidade. Tal pro-
mocSb, porém, nao significa repouso, mas, ao contrarío, exige que a pessoa
se interesse sempre mais pela política e esteja atenta para evitar passos em
falso.

3. Restauracao das castas

Os membros do Partido Comunista do Cambodja sao pouco numero


sos. Para remediar a essa carencia e favorecer melhor recrutamento, cada
grupo profesional é dirigido por um núcleo (snol), cujos membros sao como
que a ante-cámara do Partido. Cada cidadao deve aspirar a entrar nesse nú
cleo, mas ó o Partido que escolhe. A ninguém 6 lícito recusar se é designado.
Os membros do Núcleo tém tres reunioes a mais por semana e praticam a
auto-crftica mais do que os outros cidadaos. A vida pessoal de cada um, em
seus mínimos traeos, deve ser conhecida pelos outros membros do Núcleo.
Um membro do Núcleo nao se pode casar sem a autorizacao dos outros
membros. É entre os membros do Núcleo que sao recrutados os membros
do Partido.

Cada grupo profissional deve, todos os meses, indicar um homem ou


urna mulher-modelo segundo cinco criterios bem definidos, entre os quais o
de ser bom para o povo. Os membros de cada grupo profissional devem-se ob
servar mutuamente para descobrir as qualidades e os defeitos dos outros.

Ser membro do Núcleo, membro do Partido, homem-modelo dá direi-


to a certas regalías: acesso ás Lojas comerciáis do Estado, escola especial pa
ra os filhos, quartos de pediatría reservados, tratamento no Hospital 7 de Ja
neiro, etc. No interior do país, onde os hospitais estío caindo em ruinas, fo-
ram construidos edificios especiáis para uso dos funcionarios do Partido.

Apesar de certo reerguimento da vida material dos cambodjanos, a


atmosfera em Phnom Penh e em outras cidades do Cambodja é pesada: as
pessoas ai vivem em tensao permanente devida á constante pressao ideológi
ca, ao temor frente ao futuro, ao medo de ter que ir para o desbravamento
dos campos. Tem-se a impressao de estar numa sociedade sem esperanca. É
perceptível um sentímento de revolta contra a ocüpacao vietnamita, como
também se constata a sensacao de estar preso num sistema ideológico e car-
cerário...

4. Novo "Muro da Vergonha" de 700 km

Desde julho de 1984, o Governo de Phnom Penh vem construindo um


muro de 700 km de comprimento ao longo da fronteira khmero-tailandesa.

431
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 304/1987

Este muro destina-so a impedir a passagem dos resistentes para o Cambodja


e a dos refugiados para a Tailandia... A duracao dos trabalhos, a principio,
devia estender-se por cinco anos...

Cada provincia tem a seu cargo a contrucüo de um segmento de tal


muro. . . Por conseguinte, cada provincia tem que recrutar trabalhadores;
geralmente isto á feito por sorteio ou é infligido como castigo a cidadaos
pouco interessados no caminho socialista... Mesmo os intelectuais e os pro-
fissionais da saúde, apesar de raros, estao obrigados a participar dessa cons-
trucao...

Os trabalhadores de tal muro tém que levar consigo a sua alimenta-


cao, alguns medicamentos e um pouco de dinheiro. Muitos pedem dinheiro
emprestado para sustentar a familia durante a sua ausencia.

Do ponto de vista militar, pode-se duvidar da eficacia desta constru-


cao: apesar dos obstáculos, os dissidentes continuam a atravessar a fronteira
pagando aos guardas e os refugiados continuam a deixar o Cambodja.

O custo humano de tal empreendimento é muito elevado. Muitos tra


balhadores sao vitimas do impaludismo que campeia ñas florestas (o plasmo-
dium falciparum); muitos morrem ou voltam doentes para casa. Também
muitos trabalhadores morrem ou sfo gravemente feridos ao passarem sobre
as minas colocadas pelos diferentes grupos armados que sucessivamente con-
trolaram aquela regiao: Khmers Vermelhos, resistentes tailandeses*, vietnami
tas. Em Phnom Penh diariamente chegam dois ou tres operarios mutilados:
sao tratados e depois formam bandos que recorrem á violencia para sobrevi-
Vef.

Julga-se que cerca de 5%dos trabalhadores enviados para á construca"o


do Muro morreram em conseqüáncia dbs trabalhos.
Paralelamente ao muro da fronteira, a populacSo do Cambodja tem
que cercar todas as aldeias com urna ou duas cercas de bambus ou de fios de
árame farpado, segundo o estilo vietnamita, para impedir a infiltracao de
"inimigos"...

* * *

Eis o que geralmente se ignora nos países do Ocidente. Um cristao que


tome conhecimento da tais falos, na*o podará daixar de ouvir em seu íntimo
a exortacáo do Apostólo: "Sofreí com os que sofrem" (Rm 12,15). é pela
oracfo a pela radobrada fidelidade á vocacSó crista que o discípulo de Cristo
procura ser útil aos iranios qua sofrem. Na comunha*o dos santos, "urna alma
que se eleva, eleva o mundo inteiro". Que o estímulo a urna vida mais perfeí-
ta e santa saja o fruto da transmissab de tais noticias!
EstevSo Bettancourt O.S.B.

432
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