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CRÍTICAS E PROPOSIÇÕES
ORGANIZACIONISTAS
José Oiticica
O artigo abaixo foi composto por três partes. A primeira delas é uma breve biografia do
organizacionista José Oititicica, escrita por Milton Lopes. A segunda e a terceira são
uma compilação composta por artigos de José Oiticica, publicados na “Secção
Trabalhista” do jornal A Pátria, do Rio de Janeiro, a partir de junho de 1923, “secção”
esta que também tinha como redator o anarquista Marques da Costa. Com esta
compilação, pretendemos tornar públicas as críticas e proposições de Oiticica em
relação a diversos temas ainda muito atuais: organização anarquista, organização do
movimento popular, compromisso militante, minoria ativa, separação dos níveis político
e social, individualismo, unidade de ação, autonomia, ação direta, entre outros. Apesar
de breves, os trechos selecionados são extremamente relevantes por dois motivos.
Primeiro, por retratar parte das posições do “organizacionismo” brasileiro, que
poderíamos considerar “embrionárias” do especifismo que hoje defendemos, posições
estas que nos permitem avaliar a própria história do anarquismo no Brasil, seu apogeu e
subseqüente queda, constatada pela perda do vetor social representado na época pelo
sindicalismo. Segundo, por trazer a tona contribuições importantes para o anarquismo
social de hoje.
Fato importante na biografia de Oiticica ainda nesta fase foi sua participação na revista
anarquista A Vida, editada no período de 1914-1915 no Rio. Nomeado professor de
português do colégio Pedro II depois de árduo concurso em que expôs os erros dos
componentes da banca que o examinava, Oiticica não deixou decrescer seu espírito
rebelde em função do cargo. Em 1918 Rui Barbosa pronuncia conferência em teatro do
Rio com fins eleitorais, prometendo pequenas vantagens aos operários, entre os quais
descanso de 8 dias para a mulher depois do parto. Oiticica escreve artigo “que causou
emoção em todos os setores políticos e sociais, pois demonstrava de forma, eloqüente
que o famoso tribuno baiano desconhecia em absoluto a vida trágica dos trabalhadores e
a verdadeira solução para os seus graves problemas.”[5] Ainda a 19 de abril daquele
mesmo ano a audácia de Oiticica iria ainda mais longe ao publicar no jornal A Rua uma
carta aberta ao todo poderoso chefe de polícia do Distrito Federal que havia fechado a
Federação Operária. Oiticica argumentava que os militantes anarquistas presos ou
perseguidos eram pessoas de elevada condição ética, ao contrário do rebotalho de que
era constituído o quadro de agentes policiais, especialmente os “secretas” e informantes
encarregados da repressão política.
Em 1922, uma grave cisão é provocada no movimento operário pela fundação do PCB.
Na década de 1920 os próprios militares e as classes médias passam ao
descontentamento para com o domínio das oligarquias da velha república. É em 1922 a
revolta do Forte de Copacabana e a 5 de julho de 1924 explode em São Paulo a revolta
das tropas comandadas pelo General Isidoro Dias Lopes. O governo de Artur Bernardes
decreta o estado de sítio e Oiticica é preso na sala de aula do Pedro II, passando durante
sete meses a peregrinar por diversas prisões, ou seja, pela central de polícia, ilha Rasa e
ilha das Flores. Ao sair da prisão, Oiticica edita com Antonio Bernardo Canellas o jornal
clandestino 5 de Julho.[7]
Da vida intensa do sábio e rebelde Oiticica, nos fica o ensinamento que ele formulou ao
declarar que “só a ação direta abala tronos, ameaça tiranias, convulsiona mundos. Só ela
principalmente, educa e fortifica o povo espoliado na sua luta milenar contra as forças
escravizadoras.”
Notas:
1. Ação Direta no 119, Ano 11, 1ª página, julho de 1957. O jornal circulou no RJ de
1946 a 1959.
2. Ver o prefácio de Roberto das Neves para a coletânea de artigos de Oiticica Ação
Direta, Editora Germinal, RJ, 1970.
3. Artigo de José Oiticica m A Rua, citado por Francisco de Assis Barbosa A Vida de
Lima Barreto, José Olímpio, RJ, 1952.
8. Ver relato sobre os acontecimentos no Sindicato dos Gráficos em 1928 por Renato
Ramos no informativo Libera número 81, de fevereiro de 1998.
Falar também das federações com grupos inteiramente autônomos é absurdo. Federar-se
é comprometer-se a um “pacto” escrito ou não, submeter-se voluntariamente a uma
vontade coletiva, a princípios pré-assentados, discutidos e aceitos. Portanto, os grupos
federados são “autônomos dentro do acordo”, segundo a fórmula de Malatesta.
Assim, quando no grupo o indivíduo quebra o acordo, ele por si mesmo se “desliga”
moralmente e pode (melhor, “deve”) ser excluído intransigentemente do grupo. Do
mesmo modo, se o grupo quebra o acordo, se desliga da federação e como tal pode e
deve ser declarado dissolvido ou estranho à federação. Exemplo: um grupo que vai
votar ou “apóia” uma candidatura. É o único meio de cortar as “águas turvas” e
solidificar a “frente” anárquica.[4]
Por isso querer os “grupos fechados”, só de militantes, com ingresso por seleção e
compromissos rigorosos; as “secções operárias anárquicas”, isto é, centros operários
fundados pelos “grupos” para propaganda fora dos sindicatos.[5]
Não basta, pois, ter vontade de ser anarquista e propagandista. Importa estudar muito,
enfronhar-se na teoria, embeber-se no ideal. Se esse tirocínio é insubstituível para
alcançar a “teoria”, muito mais reclama a luta real. É indispensável experiência longa,
estudo dos sindicatos, contato constante com o trabalhador, conhecimento dos truques
políticos e policiais, toda uma ciência prática difícil.
Desde que o anarquismo é anarquismo, não tem pregado outra coisa senão a ação direta
das massas contra os burgueses, pela associação, pela colaboração dos sindicatos, pelas
greves, pela sabotagem, por todos os processos imagináveis. Espero que os bolchevistas
não nos virão negar isso e considerar a ação direta invenção bolchevista, ou idéia do
“mestre” Marx ou do “mestre” Engels.[7]
Aqueles, entretanto, que aceitarem a idéia dos grupos selecionados, à maneira exposta,
não devem perder tempo. Cada agrupamento, para ser mais eficaz, deve ser muito
reduzido em número, de doze companheiros no máximo. É melhor formar muitos
grupos pequenos federados numa localidade, com princípios por todos assentados e
observados, mas livres na execução das medidas tomadas, que num só grupo numeroso
com assembléias infindáveis, discussões ociosas e as respectivas comissões
nomeadas.[8]
1. 19 de junho de 1923.
2. 22 de junho de 1923.
3. 19 de junho de 1923.
4. 22 de junho de 1923.
5. 26 de junho de 1923.
6. 26 de junho de 1923.
7. 26 de outubro de 1923.
8. 26 de junho de 1923.