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Como mentir com mapas (sem o saber...) titulo do artigo ¢ uma mencao deliberada aolivro "Howto Lie with Maps", de Mark Monmonier, excelente apresentacao sobre diferentes técnicas de construir mapas ‘com 0 intuito de confundir, enganar ou desinformar. 0 livro rele um conjunto de exemplos extremamente didaticos de mentiras com mapas, algumas sutis e outras deslavadas. Como mostra Monmonier, os componentes essenciais de um mapa (escala, projecao e apresentacao visual) envolvem sempre um ‘rau de arbitrariedade em sua escolha, Assim, sempre estamos mentindo ao gerar mapas; a questao € sabermos quanto, © informarmos ao leitor. Se 0 livro de Monmonier aborda e apresenta varios exemplos de mapas projetados deliberadamente para enganar, gostariamos aqui de discutir uma situac3o menos ébvia: 0 auto-engano, ou Seja,asituagéo em que produzimos mapas queinduzem a leituras. ertdneas, sem nos dar conta das imprecisdes que estamos cametendo. Um caso particularmente prablematico diz respeito 20 tipo de mapa mais freqlientemente praduzido pelos usuarios de um GIS: 0 mapa com areas preenchidas com valores. Num mapa como esse, dito coropletica, um valor numérico medio sobre algum aspecto de uma area (por exemplo, densidade ppopulacional por municipio) € indicado numa escala de cores ou depadroesaraficos. Consideremos a Figura 1, que apresenta um mapa coropletico coma mortalidade infantil dos balrros do Rio de Janeiro, em 1994, Neste mapa, 0 Rio esté dividido em 148 bairros, e dispomos da taxa de mortalidade infantil anual para cada baitro, expressa em rndmero de criancas mortas até 1 ano do nascimento, por grupo de mil nascidos. No mapa, divicimos a variacao em 5 partes, © associamos cada parte a uma cor. Numa primeira leitura, este mapa choca pelas altas taxas de mortalidade de varios bairros, com 15 bairros apresentando uma ‘taxa maior que 40 dbitos por mil nascidos, e 2 casos com taxas acima de 100 por mil nascidos. Um observador desavisado ppoderia concluir que todos esses bairros apresentam um grave problema social. Na realidade, muitos desses valores extremos ‘cortem nos bairros com pequenas populagdes, pois a divsao da cidade utizada esconde enormes diferencas na populacao em. Fisco, variando de 15 até 7500 criancas por bairro, Por exemplo, considere uma regio com 15 criancas nascidas enenhumamorte, © que aparentemente indicaria uma situacéo ideal. Se apenas ‘macrianga morre neste ano, a taxa passa de 0 por mil para 66 por mil! No dizer do prof, Renato Assumpeao (UFMG): “Oque mais chama ‘aatensao num mapa coroplético (os valores extremos), 6 0 menos ‘onfiavel. Asmaiores oscilagdes ndo estardo, em geral, associadas com variagdes no isco subjacente; sero apenas flutuacso eleatoria casual.” (© que fazer 2 Resignar-se a apresentar um mapa que sabemos lenganoso ? No, o correto é munir-se de suporte cientfico para Figura 1- Mapa da taxa de mortalidade infantil dos. bairros do Ro de Janeiro, 1984, agrupades em 5 intervalos. Note-se 0 eto visual producido pelos valores extremos (bars com taras maiores que 40 ‘bites pormilnasidos.ou menores que 10por milnascides). 16 ined sme Figura 2- Grafico da taxa de mortalidade infant por populagao de cada batrode Riodelanero. pprocurar estimar, para as regibes com pequenas populacées, uma taxa mais proxima do risco real 8 qual a populacao esta exposta. Para isso, a primeira providéncia ¢ fazer um grafico que expressa a taxaiem funcao da populacao em risco (Figura?) Nocasodo Rio, taxa média de mortalidade infantil dacidade, em 1994, foi de 21 dbitos por mil nascidos, Neste grafico, observamos ue os bairros com maior populacio apresentam taxas proximas dda média da cidade, Conforme diminui a populagao em risco, aumenta muito a flutuacao da taxa medida, formando o que ja foi denominado de “efeito funil” (Renato Assumppcé0). Nos bairros ide menor populacao, essa variacéo oscilou de 0 a quase 130 por mil. Para resolver esse problema de instabilidade das taxas em regides com populacao reduzida, precisamos estimar uma taxa ‘mais "realista”, que retlita melhor o fenémeno do que o valor ‘medio, que pode ser simplesmente "ruido aleatoro”. ‘Uma abordagem possivel ¢ supor que as taxas das diferentes regides estdo relacionadas, e levar em conta o comportamento ddosvizinhos para estimar uma taxa mais realista para as regides de menor populagao. As regides terdo suas taxas re-estimadas aplicando-se uma média ponderada entre o valor medida ea taxa media global. em que o peso da média sera inversamente pproporcional 4 populagio da regio. Regides com populacdes ‘muito baixas terao uma correcao maior, eregides populosas tera0 poucaalteracaoem suas axas Ao utilzarmos essa corregio &s taxas de mortalidade infantil do Rio de Janeiro, observamos que ha uma reducao significativa nos valores extremos. Por exemplo, a Cidade Universitaria (ilha do Fundao), onde nasceram 13 criancas em 1994, apresentou uma taxa aparente de 76 por mil e uma taxa corrigida de 36 por mil Bairros com pouca populacao no grupo de risco apresentaram redugoes semelhantes, enquanto que bairros mais populosos mantiveram as taxas originalmente medidas. A comparacio entre a taxa primaria e o valor estimado esta apresentada na Figura 3. Finalmente, na Figura 4, apresentamos 0 mapa coroplético das taxas estimadas, com a mesma legenda do mapa anterior. Também se verifica uma reducao.nos valores extremos € uma apresentacio mais onfiavel da realidade. Em resume, @ preciso extremo cuidado ao produzir mapas Coropléticos, especialmente em casos onde apresentamos taxas medidas sobre populag6es muito diferentes, como no exemplo mostrado. Apesar do mapa resultante aparentemente ser fiel aos dados, estaremos promovendo uma apreciacao indevida da realidade. As ferramentas simples de operar disponiveis nos principais “desktop GIS" tem um prego: nem sempre paramos para pensar sobre o que realmente estamos praduzindo. E, como diz Edward Tufte, autor de trabalho excepcional sobre © tema ("The Visual Display of Quantitative information”), “os graficos e ‘mapas devem mostrar a variacdo dos dads, ndo as capacidades do programa de computador. Agradecimentos 0 autor agredece profa, Mafia Si Carvalho, da FIOCRUZ, pela cess80 dos dados, melhor dscutidos no trabalho “Perfil de nascimentos no Municipio do Rio de Janeiro: uma analse espacial", de E. d'Orsi e M.S, Carvalho, Cadernos de Sadde Publica, 1998 (disponivel no website httptwon proce florua.br/~marilia). contribuigaoe 2s ties 460 prof Renato Assumpcao (UFMG), e da dra, Suzana Cavenagh {(NEPOIUNICAMP) foram fundamentat para melhor concetuar 35 ideias aqui apresentadas. Para maores detalhes tecnicos sobre as técnicasapresentadas neste artigo, veja o material disponivel no sitehttpwaw.épiinpe.brigilbertoivtom Figura 3 Comparacio entre taxas de mortalidade aparentes (exo Y)e estimadas (exo X) Note-sea educso das taxasparacs valores exremn0s Figura 4 Taxas de mortalidade infantil estinadas para 0 Ro de Janeiro, 1994 Note 0 efeito de reduso dos valores extemos (menares que 10 © ‘maiores que 40 por mil) secomparado com a Figura Gilberto Camara é coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento em Geoprocessamento do INPE, sendo um dos responsdveis pelos sistemas SGI e SPRING (www.dpi.inpe brigilberto. . ie

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