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BENJAMIN, Walter. História cultural do brinquedo. In: ______________.

Magia
e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura.
Tradução de Sergio Paulo Rouanet. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. P.
244-248. [Texto escrito por Benjamin em 1928]
Benjamin faz referência a Karl Gröber, autor do livro “Brinquedos Infantis
dos velhos tempos. Uma história do brinquedo.” (Kinderpielzeug aus alter
Zeit. Eine Geshichte des Speilzeugs), publicado em 1928, em Berlim.

p. 245

Citando exemplos dos mais antigos e belos brinquedos alemães. “(...) esses
brinquedos não foram no início invenções de fabricantes especializados, e
surgiram em primeira instância nas oficinas de entalhadores de madeira, de
fundidores de estanho, etc. Somente no século XIX a produção de
brinquedos será objeto de uma indústria específica. (...) no início a venda ou
pelo menos a distribuição a varejo dos brinquedos não estivesse afeta a
comerciantes específicos. Os animais de madeira entalhada podiam ser
encontrados no carpinteiro, os soldadinhos de chumbo no caldeireiro, as
figuras de doce nos confeiteiros, as bonecas de cera no fabricante de
velas.” Cada oficina só podia produzir o que era relativo ao seu ramo
(atividades eram controladas por corporações). Por exemplo, o carpinteiro
que fazia a boneca não podia pintá-la. Para unir diversos ofícios na
fabricação de um brinquedo, as diversas indústrias dividiam o trabalho
entre si (uma pinta, outra molda, outra faz a roupa etc), o que encarecia o
produto – uma fábrica começou a fazer isso no século XVIII.

“Na mesma época, o avanço da Reforma obrigou muitos artistas que


costumavam trabalhar para a Igreja ‘a reorientarem sua produção em
função da demanda por produtos artesanais’, fabricando ‘pequenos objetos
de arte para decoração caseira, em vez de obras de grande formato’. Foi
assim que se deu a excepcional difusão daquele mundo de coisas
microscópicas, que alegrava as crianças nos armários de brinquedos e os
adultos nas ‘salas de arte e maravilhas’ (...).”

p. 246

“(...) quando na segunda metade do século XIX esses objetos começam a


declinar, observa-se que os brinquedos se tornam maiores, perdendo aos
poucos seu aspecto discreto, minúsculo, sonhador. Não seria nessa época
que a criança ganha um quarto de brinquedos especial, um armário
especial, em que pode guardar seus livros separadamente dos que
pertencem a seus pais? Não resta dúvida de que os velhos livros em seu
pequeno formato exigiam de modo muito mais íntimo a presença da mãe,
ao passo que os modernos livros in quarto, com sua ternura vaga e insípida,
parecem ter como função manifestar seu desprezo pela ausência materna.
O brinquedo começa a emancipar-se: quanto mais avança a
industrialização, mais ele se esquiva ao controle da família, tornando-se
cada vez mais estranho não só às crianças, como também aos pais.”

Continuação do trecho anterior. “Na base dessa falsa simplicidade do novo


brinquedo havia uma nostalgia genuína: o desejo de recuperar o contato
com um mundo primitivo, com o estilo de uma indústria artesanal que, no
entanto, justamente nessa época travava na Turíngia, no Erzgebirge [nome
de cidades alemãs fabricantes de brinquedos], uma luta cada vez mais
descarada pela sobrevivência.”

p. 246 / 247

Pensando “a criança que brinca”. “Por um lado, verifica-se que nada é mais
próprio da criança que combinar imparcialmente em suas construções as
substâncias mais heterogêneas – pedras, plastilina, madeira, papel. Por
outro lado, ninguém é mais sóbrio com relação aos materiais que a criança:
um simples fragmento de madeira, uma pinha ou uma pedra reúnem na
solidez e na simplicidade de sua matéria toda uma plenitude de figuras mais
diversas. E ao imaginar para crianças bonecas de bétula ou de palha, berços
de vidro, navios de zinco, / os adultos estão interpretando à sua moda a
sensibilidade infantil.”

p. 247

“Hoje podemos ter a esperança de superar o erro básico segundo o qual o


conteúdo ideacional do brinquedo que determina a brincadeira da criança,
quando na realidade é o contrário que se verifica. A criança quer puxar
alguma coisa e se transforma em cavalo, quer brincar com areia e se
transforma em pedreiro, quer se esconder e se transforma em bandido ou
policial. Conhecemos bem alguns instrumentos de brincar, extremamente
arcaicos e alheios a qualquer máscara ideacional (apesar de terem sido na
origem, presumivelmente, de caráter ritual): bola, arco, roda de penas,
papagaio – verdadeiros brinquedos, ‘tanto mais verdadeiros quanto menos
dizem aos adultos’. Pois quanto mais atraentes são os brinquedos, no
sentido usual, mais se afastam dos instrumentos de brincar; quanto mais
eles imitam, mais longe estão da brincadeira viva.”

p. 247/248

“(...) não entenderíamos o brinquedo, nem em sua realidade nem em seu


conceito, se quiséssemos explicá-lo unicamente a partir do espírito infantil.
A criança não é nenhum Robinson, as crianças não constituem nenhuma
comunidade / separada, mas são partes de povo e da classe a que
pertencem. Por isso, o brinquedo infantil não atesta a existência de uma
vida autônoma e segregada, mas é um diálogo mudo, baseado em signos,
entre a criança e o povo.”

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