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HISTORIA DA MISSAO PADRES CAPUCHINHOS NA ILHA 00 MARAMHAO E SUAS EIRCUMVISIAHANCAS PELO PADRE CLAUDIO D’ABBEVILLE : TRADUSIDA & ANNOTADA PELO OR. CEZAR AUGUSTO MARQUES Gavalleiro da Real e Militar Ordem Portuguesa de Nosso Senhor Jesus Christo, Cavalleiro e Official da Imperial Ordem da Rosa, Membro do Instituto Historico, Geographico, e Ethnographico do _. Brazil, da Sociedade geographica de Pariz,e socio correspon- dente, effectivo, honorario e benemerito de muitas outras sociedades litterarias e scienti- ficas, nacionaes 6 estrangeiras. t } MARANHAO~ 1874. A SAUDDSA MEMORIA DE MINHA QUERIDA MAB B®. Becca Baa Manaves. Chinda uma vex, 6 minha Opie, au verte respreitosa- mente tar oolte wooo tyumuele edte oocule de amor, gun | lament com minkas saudades semfie vivad, ¢ minkas tecot- dacies serafire doloroias. Ofccettae este freguena lembranga de muito gue vod ames bn vider, 2 do muito gue v0d chose’ na mote, e ldo Ceo, onde vos collecatam a miseucotdia Divina e voddas obras te caidade neste mundo, abengoas 0 vosdo fimeito Filho. AO LEITOR Ainda uma vez 0 amor, que sempre dediquei ao estudo da historia patria, especialmente da Provincia onde vi pela primeira vez a luz do dia, aconselhou-me a empregar as horas do meo descango na traduceao da presente obra. Publicada em Pariz no anno de 1614 esta obra, fructo bri- Ibante do innegavel talento do venerando Padre Claudio d’Ab- beville, hoje éra rissima, ¢ julgando-a uma preciosidade, ainda Por isso mesmo, nao hesitei um sé momento em traduzil-a e en- tregal-a 4 publicidade. Escripta por um des mais ardentes e virtuosos Apostolos da Religiao do Martyr do Golgotha, que jamais pisou terras do Ma- * ranhdo, merece ser lida e apreciada por todos aquelles que, como eu, amo o berco natal ou a terra, que Ihes offerece pacifica e amiga hospitalidade. Com taes pensamentos vou informar aos meos leitores .o.qué sei relativamente 4 vida primitiva de tao virtuoso Sacerdote. Nasceo em Abbeville na segunda metade dd seculo XVI, e seos Paes deram-lhe o nome de. Fomino Foillon (9 o eon nan escrevco, Toullon. nae Archives : AES, voya: : ges. Ir Sua familia era muito religiosa, e nos seos exemplos sem du- vida, elle, seo irmao Marcal e sua irma Claudia receberam a inspiragdo, que os fez esquecer as illusdes do mundo e dedica- rem-se ao servigo de Deos. O Padre Claudio deixou o seculo e até o nome patronimico, e em 14 de Julho de 1601 inscreveo-se no catalogo dos primeiros Capuchinhos d’Abbeville, adoptando por sobrenome o da terra de seo nascimento, e ficando com elle conhecido desde os claustros de sua Religido, até hoje e para sempre. O seo ardente.zelo e piedosos esforgos o aconselharam a edi- ficar um Convento mais vasto para a sua Ordem monastica, e es- cudado com a fé, que transforma a aridez em abundancia e a pobresa em opulencia, collocou a pedra fundamental para essa construcgdo em 17 de agosto de 1606. Deos abenguou tao santa dedicagdo, cabiram por terra todos os obstaculos, e n’esse mesmo anno a obra foi terminada e elle eleito, em recompensa justa de suas fadigas, primeiro Guardiao desse Convento. Sua irma, imitando exemplo tao notavel, fundou o Hospital dos Orphdosinhos pobres. Ambas estas instiluigdes foram estabelecidas na terra em que nasceram. Este piedoso estabelecimento altingio 0 seo maior grau de per- feicdo, e de prosperidade em 1641. (*) (+) Mr Prarond, auctor de uma obra mui estimavel, intitulada— Les hommes utiles de Varrondissement d Abbeville e publicada em 1858 narra largamente os caridosos actos desta Religiosa. Iofelizmente quando comeca a escrever sobre os feitos do Padre Claudio elle convida o leitor a consulta: a obra, ainda inedicta, que « compoz sob o titulo Histoire litteraire des illustrations d’ Abber'lle. Tr Nao me occuparei dos feitos gloriosos do Padre Claudio d'Ab- beville nesta Provincia, porque nao quero antecipar ao teitor 0 prazer, que sem duvida sentira ao lér as paginas d’esse vene- trando Sacetdote, que procurei trasladar para a lingua portugueza com toda a fidelidade, vigor de phrase, e sublimidade de pensa- mento, com que elle fs escreveo, fazendo os maiores esforcos para tornar minha traducedo tao fiel quanto o permittia a nossa lingua. Vinte e tres annos foi a sua vida de Religioso, e felizmente sc escoaram todos os dias de tao preciosa existencia no servico de Deos. Deitado no regaco da Fé, e jd em vida cercado de brilhante aureola de gloria, que Deos sé concede aos seos escolhidos, en- tregou sua alma ao Creador na cidade de Rudo em 1616. Alguns escriptores, ¢ entre elles o erudito Mr. Prarond, mar- cam 0 anno de 1632 como 0 termo de sua existencia, porem o meo estimavel amigo o sabio Mr. Ferdinand Diniz, nome tao querido de todos os brazileiros como escriptor consciencioso, e que nado péde ser citado sendo com muita vene“acdo, na carta, com que me honrou em 14 de novembro de 1873, enviando ou- tra de Mr. Prarond em resposta a varias perguntas, que lhe fiz sobre a vida do Padre Claudio, asseverou-me que, para me dar informacées exactas, examinou pessoalmente na Bibliotheca na- cional os poucos papeis, ali existentes, dos Archivos dos Capuchi- nhos, e colheo a certesa de haver elle fallecido em 1616 como vio no Catdlogo dos obitos dos Religiosos Capuchinhos no se- culo XVII. Deo cauza a este engano 0 lér-se no mesmo Catdlogo sob n.* 29:045, 2.° vol. em 4.°, haver morrido de peste em Amiens 0 Padre Faubert d’Abbeville. Iv O pouco cuidado originou a confusdo, d’ahi a duvida e a incer- tesa hoje terminada gragas aos estudiosos esforgos jé citados. Alem da presente obra, «de maior importancia para este bello paiz> na phrase conscienciosa de Mr. Ferdinand Diniz, informou- me este mesmo litterato que na 2.* parte dos Archives des Voya- ges, publicada por Ternaux Compans, existem importantes docu- mentos a respeito da Missdo primitiva do Maranhao. Entre estes encontra-se um intitulado—Lettre d’un Pere Capu- cin s’etant acheminé en la flotte dressée soubs l'auctorité du Roy par le Sieur de Razilly au fleuve de Maragnon et terres adjacen- tes en I’ Inde Occidentale, en Vaquelle est descripte Varrivée des Frangais au dit pays et Vaccueil qu’on leur y a fait. Au nom de Notre Seigneur Jesus Christ. Ecrite par le Reverend Pére Clau- de d’Abbeville, Predicateur Capucin, estant de present en U'Inde nouvelle appellée Maragnon, envoyée a son frére pareillement Capucin nomme frére Martial d’ Abbeville et a un sien autre fréve nommé Monsieur Toullon. A Pariz, ches Gilles Blaisot, impri- meur prés la porte Saint Marcel MDNII, avec permission. Au nom de Notre Seigneur Jesus Christ. Senti ndo encontrar aqui, nem em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro esta obra, porque sem duvida eu a traduziria, e uni- Tia,ao presente volume. Antes de depér a penna 0 coracdo ‘ome ainda a fazer algu- mas revelagdes para em publico dar os meos agradecimentos 4 quem muito me auxiliou na realisagao deste trabalho. Ao illm. sr. dr. Antonio Henriques Leal agradeco o exemplar da presente obra, que me emprestou para traduzil-a. E muito rara, como ja‘disse, ndo encontrei-a nos vastos € curio- sos mercados da Europa, nem mesmo nao fazendo questdo de prego. v Sem esse favor, eu por certo nao poderia realisar 0 meo de- sejo, qual o de espalhar pelo povo menos instruido o conheci- mento da historia primitiva do Maranhao. : Foi esse pensamento, que me forgou a nao satisfazer as louva- veis intengdes do meo erudito amigo o sabio Historiador do Brazil, o incancavel e nunca assaz louvado snr. Conselheiro Francisco Adolpho de Warphagen, hoje Visconde de Porto Seguro, quando em 14 de Janeiro do corrente anno, de Vienna d’Austria, me aconselhou que a reimprimisse para fazel-a mais lida por maior numero de pessoas. Ao sabio francez, 0 illustrado Bibliothecario da Bibliotheca de Santa Genoveva de Pariz, verdadeiro e sincero amigo dos bra- zileiros, e Historiador consciencioso, o venerando Mr. Ferdinand Diniz, auctor de tantas obras de notavel merito, tributo respei- tosamente meos mui cordiaes agradecimentos pelo muito que me ha animado com sua constante, instructiva e nunca interrompida correspondencia desde que conheceo 0 meo Diccionario Histo- rico e-Geographico da Provincia do Maranhdo, e ainda mais pela expontaneidade com que me mimoseou com apontamentos para a biographia do Padre Claudio, entregando-se 4 pesquisas sempre fatigantes em archivos, e até a escrever a Mr. Prarond. Sao finezas estas, que a alma sente, e 0 coracdo guarda com todo o cuidado, mas nem sempre a penna pode traduzir bem, porque o que ha de mais sublime no coragdo do homem nao péde ser escripto, como muito bem disse Mr. de Lamartine. O illm. sr. dr. Aristides Augusto Coelho de Souza tendo noti- cia destes trabalhos, e conhecendo o quanto sdo onerosas as des- pesas typographicas, nunca produzindo’lucro algum especial- mente 4 quem escreve obras litterarias, mormente historicas, Propoz na ultima sessdo da Assembléa Legislativa Provincial de

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