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O Mágico

Havia em certa terra um homem entendido em artes mágicas, que


nunca queria tomar criado que soubesse ler para não lhe apanhar o s
segredo dos seus cartapácios. Foi um moço oferecer-se, dizendo que não
sabia ler e assim ficou a servi-lo; leu todos os livros da livraria do mágico,
e quando já podia competir com ele, fugiu com todos os livros. Um dia o
discípulo achou-se mestre e quis viver das suas artimanhas; disse a um
criado que fosse à feira vender um lindo cavalo que devia estar na
estrebaria, marcou-lhe o preço, e ordenou que assim que o vendesse lhe
tirasse logo o freio. À hora da feira o criado foi à estrebaria e lá achou o
lindo cavalo e partiu com ele para o mercado. Estava na feira o Mágico
que tinha sido roubado, e conheceu logo debaixo da forma de cavalo o seu
antigo discípulo; foi ajustar o preço, pagou a quantia tão depressa, que o
criado se esqueceu de tirar o freio ao cavalo.
Quando o quis fazer já não foi possível, porque o Mágico disse que o
contrato estava fechado desde que lhe entregara o dinheiro. O mágico
levou o cavalo para casa, muito contente por se poder vingar à vontade do
seu inimigo que lhe havia roubado toda a sua sabedoria. De uma vez disse
ao criado que fosse à ribeira levar o cavalo a beber, mas que não lhe
tirasse o freio. O cavalo andava muito triste, cheirava a água mas não
bebia; o criado lembrou-se de lhe tirar o freio, pensando que ele assim
beberia. De repente o cavalo transforma-se numa rã, e some-se pela água.
O Mágico que estava à janela de sua casa viu aquilo, e transformou-se
num sapo, para ir apanhar a rã. O discípulo, que sabia a sorte que o
esperava se tornasse a cair em poder do mestre, transformou-se numa
pomba, e voou, voou por esses ares; o mágico transformou-se num
milhafre, e correu atrás da pomba para trazê-la. Já ia muito cansada a
pomba, e quase a ser agarrada, quando viu uma princesa que estava num
terraço, e foi-lhe cair ao colo, transformando-se num anel de grande preço.
A princesa pasmada com o que viu, e com a lindeza da jóia meteu-a no
dedo; o Mágico viu que nada podia fazer, e como ainda estava na forma de
milhafre entra pelo quarto do rei adentro e põe-lhe um cabelo 35 no copo
do leite que ele ia beber. O rei, já se sabe, teve uma grave doença, foram
chamados todos os médicos, mas nenhum era capaz de o curar; o Mágico
apareceu sob a figura de um médico e prometeu dar saúde ao rei, mas só
se lhe desse o anel que a princesa trazia no dedo. O rei disse que sim;
então o anel transformando-se num lindo rapaz pediu à princesa que
quando o rei lhe mandasse entregar o anel ao Mágico, que não lho desse
na mão, mas que o atirasse ao chão para ele o apanhar. O rei passados
dias ficou bom, e assim que o Médico veio à corte, pediu o anel. A princesa
mostrou-se triste mas obedeceu; tirou o anel e deitou-o ao chão, como se
estivesse zangada. O anel transformou-se numa romã que toda se
esbagoou pela sala; mas o mágico transformou-se em galinha, e num
instante foi engolindo todos os grãos. Ficou um único grãozinho por trás de
uma porta, e esse transformou-se numa raposa, que se atirou à galinha e
a comeu num instante. A princesa ficou muito pasmada com aquilo, e
pediu à raposa que se transformasse em príncipe que casaria com ele. E
ele assim fez e foram muito felizes.

(Algarve)
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português,
Texto Editores

O conto popular, também chamado conto tradicional, é uma narrativa


breve, com uma única acção. O elenco de personagens é muito reduzido e
recorre pouco à descrição. No entanto, possui uma grande riqueza
simbólica. A acção é muito simples, estruturada da seguinte forma:

Estrutura do conto tradicional


1. Ordem existente Situação inicial
2. Ordem perturbada a) Acontecimento
perturbador
b) Força rectificadora
3. Ordem Situação final
restabelecida

1.1. De acordo com o esquema apresentado sobre a estrutura do conto


tradicional, divide «O Mágico» nos seus momentos constitutivos.

1.2. Indica se as seguintes afirmações, relativas às características


essenciais do conto tradicional, são Verdadeiras (V) ou Falsas (F).

Afirmações V F
a) Multiplicidade de personagens, bem caracterizadas física e
psicologicamente.
b) Presença de um herói.
c) Ausência da simbologia.
d) Variedade de temas.
e) Localização espácio-temporal bem definida.
f) Acção complexa.
g) Existência de forças adjuvantes e de forças oponentes.
h) Actualidade e intemporalidade das histórias, conferidas pelo
início «era uma vez...», que remete para um tempo indefinido.
i) Supremacia do Mal sobre o Bem.
j) Estrutura: situação inicial, acontecimento perturbador,
peripécias, fim da perturbação, desenlace.
Proposta de soluções Leitura

1.1.
Ordem existente -Situação inicial: «Havia em certa terra...» até «leu todos
os livros da livraria do mágico»
Ordem perturbada –
a) acontecimento perturbador: «e quando já podia competir com ele, fugiu
com todos os livros»
b) Força rectificadora: «quando viu uma princesa que estava num terra-
ço...»
Ordem restabelecida - Situação final: «A princesa ficou muito pasmada...»

1.2.
a) F b) V c) F d) V e) F f) F g) V h) V i) F j) V

Informação
Existe uma versão dos Contos Tradicionais Portugueses, uma recolha de
José Gomes Ferreira, com registo sonoro lido por Helena Campos (4
cassettes), na Biblioteca Nacional.

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