You are on page 1of 42
6 SOV IOOVO GOOG SVW DIY VOWS POP SVU EDV VV VV U VV YS 1 sociedade local. Entre 1652 ¢ 1752, foram nomeados para a Relagio da Babi dea juizes nascidos no Brasil, € quando foi criado um nov tribunal superior no Rio de Janeiro em 1752, seu primeiro ocupante foi um baiano de nascimento. Vinte e cinco jutzes do tribunal superior casaram-se com mulheres brasileira, em geral fhas de senhores de engenho, outros s ligaram a elite colonial por compadtio, relagdes de negécio ou participacdo em irmandades leigas. Em coloniais procuraram e encontraram meios de tornar 0 governo sensivel aos seus interesses ¢ objetivos. O governo era com fre~ qiéncia ineficaz, as vezes opressivo € de modo geral corrupto, mas reramente foi encarado como uma forca externa e estrangeira, ainda que Portugal tenha tentado sobrepor seus préprios interesses aos dos colonos. E bastante evidente que na col6nia a familia desempenhava um papel pol tico e social importante. A influéncia das familias dos donatarios no Rio de Ja- neiro ¢ em Pernambuco era comparivel aos poderes mais restritos, mas ainda assim amplos, exercidos por grupos de parentesco interligados, mas as vezes bastante hosts, dos senhores de engenho, dos fazendeiros de gado e de outros, as rurais, As lutas entre os Pires ¢ os Camargo em Sio Paulo na década 350 ou entre os Vieira Ravasco ¢ 0s Teles Meneses na Bahia na década de suma, as elit VUTTTTTV TTT VV VU UT UVF UVG UU VIV GUE TV UV IV VV INS sucesso no cultiv da cana dependia da combinaclo correta de solo e da «40 pluvial, Os agricultores brasieros privlegiavam os espessos solos pretos e vermelho-escuros do massapé, cuj fertiidade afastava a necessidade de fertilizantes. Por 60 anos ou mais os autor ot Fi pein Pa 2 = lonizis falaram de terras 3a Fatores climéticos, geogréicos, politicos ¢ econémicos transformaram as capitanias de Pernambuco ¢ Bahia nos centros da economia agucarera colo- | | , plantadas com cana-de-acticar. Diziam que um teste comum do lavrador era cravar a bota no cho: se 0 pé afundasse até 0 tornozelo no massapé, a terra era boa para a cana, No decorrer do tempo, muita cana foi plantada também em Sendo a indéstria do agicar do Nordeste mormente uma atividade para a } exportagio, a localizacio das lavouras perto dos portos era fator fundamental ppara seu sucesso. O transporte por terra dependia de grandes carros de boi, ccuja utilzagdo era obstruida pela au radas e pontes. O transporte tormava-se ainda mais dificil, por causa dos atoleiros em que as chi- ransformavam 0 massapé. Assim, 0 transporte aquético era fun- ‘damental. Os engenhos (movidos comumente por energia hidrdulica) situados ar ou 8s margens dos rios eram sempre os mals importantes. Em Per- 4 indistria desenvolveu-se particularmente no massape da virzea dos rios Capiberibe, Ipojuca e Jaboatfo. Aqui os solos eram bons € o transporte rio abaixo até as instalacbes portusrias de Recife era relativamentefécil e bara- to. Na Bahia, a baia de Todos of Santos era um excelente mar continental, e até do litoral, onde bons solos, condigdes ‘mesmo 0s contempordneos observaram a dependéncia em que se encontrava a -obra e transporte barato para os por t Bahia dos barcos para o transporte de mercadorias para os engenhos'e de ag- periodo de crescente demanda nos car para as docas de Salvador. Os engenhos maiores e mais produtivos do Re- ‘cOncavo Baiano situavam-se & beira q’égua. Algumas regides tinham solo ¢ pluviosidade adequados, mas apesar disso nfo conseguiram evoluir para cen tros importantes de producto. Hhéus fornece um bom exemplo desse fato. dos indios americanos ¢ -40 do dizimo por dez ‘TABELA 1/ ESCIMENTO DA INDOSTRIA ACUCARBIRA BRASILEIRA, 1570-1629, (NOMERO DE ENGENHOS) piania na core Maran TGandavo Zari eecimenio 3 Campos crecimenio¢ cadena mn) pen) 345, ponibilidade de grandes contingentes de indios que forneciam mo-de-obra “barat. Data também desse periodo o estabelecimento de um tréfico regu- lar de escravos de Angola ¢ Guiné para o Brasil. O periodo seguinte, entre meados da década de 1580 e 1612 (Tabel colunas 2 € 3), foi uma época de crescimento mu cipais capitanias produtoras de agicar, embora a 4rea : senvolvida do Rio de Janeiro tenha experimentado considerivel expansio. A taxa anual de construgdo de novos engenhos em toda a col6nia eaiu de 5,1 por cento para apenas 1,8 por cento. Um relato de Diogo de Campos More- shoraanesco, clots 666 engenhos relatados para Pernambuco em 1583, 0 indice de creseimento foi consideravelmente menor que o do periodo anterior. O ritmo de aumen- 7 to na Bahia foi ainda mais lento, indo de 36 engenhos em 1583 para 50 em 1612, um indice de crescimento anual de apenas um por cento. O Brasil ti- nha agora quase 200 engenhos que produziam cerca de 5 a 9 mil toneladas étricas de agécar por ano. No periodo que se seguiu ao relato de Campos Moreno, a construsio de ‘engenhos comegou novamente a acelerar-se. A expansio no perfodo poste- rior a 1612 parece ter sido estimulada mais por uma inovacio técnica do que Por precos favoriveis. Na verdade, os precos europeus na década de 1620 € 0s senhores de engenho nao podiam contar com uma curva scendente como haviam feito anteriormente. Em algum mo- juamente mento entre 1608 e 1612 foi introduzido ou desenvolvido no Brasil um novo método de construcio de engenhos baseado num sistema de trés rolos verti cais, Embora ainda nio est claro o efeito desse novo sistema sobre a pro- rucio € operacio dos novos engenhos era bem menos dispendiosa. © “engenho de trés paus”, como era chamado, eliminow alguns dos processos anteriormente necessérios e reduziu a complexidade da ‘ produglo do agticar. Essa inovacio parece explicar a expansio um tanto sur- em face das condigbes instaveis do mercado’. Os enge- m convertidos para o novo sistema e foram «i 3 ANTONIO BARROS DE CASTRO, “Bra a8 ¢ Confltos Socials 0 Madangas Te ezembro de 1960, 1 Eco 2 MUVVVIVTTTTT TTT TTT ITTV TT Tee TTT Tee v eae na regido 60 engenhos em operaco, em- rmaioria delesfosse aparentemente de pequeno porte. Na época da invasio genho, pois, embora o nimero viessem ocasionalmente a recu- asileiros estariam livres da com- ileiro voltaia a ter @ mesma hegemonia a economia agucarera brasileira se liber- imeiro historiador do Brasil, fet de que o engenho de trés paus ¢ ¥ ‘como, por exemplo, a interupgio do comércio martimo. Assim, as estimativasfei- tas pelos observadores coloniais variam muito de um média de 160 toneladas por ‘engenho na Bahia @ 15 toneadas em Pernambuco, Segundo parece a producio ‘média brasileira por engenho diminuiu no final do século XVII devido & prolifera- so de unidades menores no Rio de Janeiro ¢ em Pernambuco. Além disso, a pro- dlutividade individual do engenho também parece ter declinado no século XVII, ‘embora no estejam muito claras as razbes dessedeclnio, A Tabea 2, abaio, apre- senta virias estimativas de produtividade, entre as quas as de Israel da Costa em 1623, da Junta do Tabaco em 1702 ¢ de Caldas em 1754 sto dignas de nota por se basearem, néo em estimativas, mas em contagens reais. A produfo total brasileira cresceu de seis mil toneladas em 1580 para dez mil em 1610. Na década de 1620, fora alcancada uma capacidade produtiva de um a um milbfo e meio de arrobas, ‘embora essa nem sempre tenha sido realizada. Esses indices nfo parecem ter sido alterados até depois de 1750. Mesmo assim, algumas mudangas na estrutura da in- MUVWUPVGIVIVGV VI GIR VIVIV VIG IVS EIU TV T Ty sas, 6 uma grande forca de trabalho agricola pars plantio ¢ a col ios especializados téenicos que entendestem as complesdades e os mistrios do processo de f- au Reto ' eer aee ‘compreender a organizaglo social da coldnia brasilei- | ee x era transformado da cana a seu estado refinado, regionais nas estagdes ena intensidade do ciclo tecnologia eram os mesmos em | “TADILA 2 ESTIMATIVAS DA PRODUGKO DE AGUCAR, 159-1758 wo de producto do apa | eae todo o Brasil, Usaremos como exemplo o ciclo da Bahia. A cana-de-agicar é rene e produz colheitas durante virios anos, embora a producio de garapa vi diminuindo gradativamente, Apés o plantio, a cana, antes de ser cortada pela primeira vee, precisa de quinze a dezoito meses para amadui ‘da novamente. Na Bahia, havia duas épocas de plantio. As lavouras novas plantadas em julho e agosto podiam ser | | | | 165 cortadas entre outubro e novembro do ano seguinte. O segundo ciclo de plan- ee tio, no final de feverero e em margo, deveria fornecr cana para a colheta de bro proximos. A cultura da cana necesstava de tréscapinas du- ‘uma taefa onerosarealizada usualmente por grupos de 30 a 40 empo do planto dos campos para asegurar ma ofer- ante a safra requeria muita habildade e previsto. do agicar no Brasl era determinado pela sft, Na Babi, comegava jutho e continuava até final de maio. Era uma época de intensa at- vidade, pos, para obter as produgdes mais elevadas de garap, a cana tia de ser cortada no momento certo, ¢, depois de cortada,tinha de ser processada rapidamente, do contrério secariae agarapaazedaria, Durante a saa, o enge- nho fervia de atividade. Grupos de duas ou tésdizias de escravos erem colo- tuidos em geral de um homem ¢ ‘0s movidos por rodas d'égua (engenho te, por cavalos. O método original (Os engenh real) € 0s tocados por boi fe moa a grandes més ou prensas, movidas por um sistema de ros- ae rags ecologies bp dram rit Ua do século XVil, de uma prensa de moagem composta de trés rolos vert cobertos de metal ¢ ensamblados de maneira tal que podiam ser movi dos por uma grande roda movida a égua ou por animais. © novo sistema de moagem era aparentemente de construgdo e ope ‘mente no caso dos engenhos movidos a forea animal. Essa inovacio gerou uma proliferacio de unidades e, nao sendo mais tio essencial a energia hidréulica, (0s engenhos de agicar se expandiram para zonas distantes dos cursos d’égua. ‘Tirando esta inovagio, pouco mudou na tecnologia dos engenhos de agicar até o final do século XVII. “Durante a safra, o ritmo de trabalho era exaustivo. Os engenhos comesa- ‘vam a operar as quatro horas da tarde e continuavam até as dez horas da ma- nha seguinte, momento em que o equipamento era limpo ¢ consertado. Apos uum descanso de quatro horas, 0 processo recomegava. As mulheres escravas passavam as canas através dos rolos da prensa, que desse modo extrafam a sgarapa, Essa era depois transferida para uma strie de caldeiras de cobre, onde cra progressivamente fervida, escumada e purgada. Era uma das etapas mais delicadas do processo e dependia da habilidade e da experiencia do mestre do asticar e dos homens que cuidavam de cada caldeirdo. A tarefa de alimentar as, fornalhas sob os seis caldeirdes era particularmente trabalhosa ¢ as vezes atri- bbuids, como castigo, aos escravos mais recaeitrantese rebeldes. Depois de esfriar,o xarope de cana era despejado em formas cnicas de ce- rimica, as quais eram colocadas em prateleiras na casa de purga. L4, sob a dire- 20 do purgador, as mulheres escravas preparavam 0s potes de agticar para drenar os melacos, que poderiam ser reprocessados para produzir agticar de qualidade inferior ou destlados para a fabricagio da cachaga. O agticar re- rmanescente na frma cristalizava e, depois de dois meses, era desenformado ¢ colocado para se taforma elevada. Sob a supervisio de separados os pies de agtcar. © agicar escuro, 0 muscavado, de geral produziam duas a bradas com marcas que indica- de serem transportadas por bar lade e a procedés 0 ou carro de boi para o porto maritimo mais préximo®, A safra de oito a dez meses de duragio era uma caracterstica distintiva da industria brasileira do agticar € constituia sua grande vantagem. Registros do Engenho Sergipe do Conde na Bahia, de propriedade dos jesustas, revelam que durava cerca de 300 dias, Esse dado compara-se favoravel- 20 dias dos engenhos de acicar da Jamaica no século XVI. » Porém, constantes paradas por causa de domingos, dias santos, tempo ‘rim, avariase falta de cana ou de lenha. Na safra de 1651 do Engenho Sergipe, de 310 dias, ndo foi mofda cana em 86 dias: 56 por motivos religiosos, 12 para consertos ¢ 18 por falta de cana’, A Figura 1 representa um ano de producio do Engenho Sergipe na Bahia, em 1650-1651, exemplificando os motivos das paradas sofidas, Cabe notar que, apesar das dentincias eadverttncias de virios teligiosos, os donos de engenho leigos revelavam muito menos cuidado em tuardar os domingos e dias santos. Assim, o ciclo do Engenho Sergipe repre- senta. um nimero minimo de dias trabalhados. Finalmente, € oportuno lem- brar que, apesar das onerosas interrupcbes, o engenho brasileiro destrutava de ‘um ambiente favordvel para o cultivo da cana de agicar e uma vantagem com- parativa na duraglo de sua safra. Essas condigBes eram especialmente propicias 40 uso da escravidio como forma de trabalho. O ciclo anual do agticar brasilei- +0 nio tinha praticamente “perfodo morto’, uma época em que se deixavam os escravos improficuamente sem alguma ocupacio siti. Era possivel usar os es- cravos quase 0 ano inteiro, ¢o eram. Gracas & extensio da safra, & natureza da mio-de-obra ao ritmo do dia de trabalho, nfo ¢ de admirar que a alta morta- lidade escravafosse uma caracteristicaconstante da indvstria brasileira do agicar. Mesmo esse breve esbogo do processo de fabricacdo do agicartorna claras «sua intensidade e complexidade. Levando em conta a tecnologia da época, as peculiaridades da producSo de agicarimpunham um certo ritmo as operacbes que tornavam a safra um periodo ao mesmo tempo de trabalho exaustivo e de deticada preci tegracdo da seqléncia de plantio, colheita, moagem, fervura e purgn exigia um manejo especializado para evitarfaltas ou excessos ¢ ar um nivel constante de produglo. Eram necessirios técnicos para ‘manter a maquinaria do engenho, e cada etapa do processo de fa- lo acticar exigia pessoal habilitado e experiente. Tendo em vista as > WOVEGOVOOSGSSVPOOIDVIPGBVVP BUGGED VIVIVVIVVIVVIVYY thes chamavam a atensfo. Um engenho necessitava em média de 60 a 100 es- cravos, mas uma grande propriedade que produzisse mais de 100 toneladas 1608, No entanto, embor 2, essa egislacdo, em con} a resisténcia geral dos povws ‘nas complexidades de sua fa- specalizados em que havia menor perder por doencas o investimen- consideravam o valor do trabalho 10 que acabou por refleir-se nos 353 > WIVWUVTT TTT TLE CTE PVCU CeCe TT eee eee TT TT Te 354 agricultura, antes da terceira décade do século XVI. Em Pernambuco, onde em 1585 Havia 6 engenhos, 0 padre Cardim registrou dois mil escravos africanos. ‘Admitindo-se uma média de cem escravos por engenho, pode parecer que dois tergos dos escravos ainda eram indios. Cardim também reatou que a Bahia tinha ‘em seus engenhos cerca de trés mil afticanos eoito mil indios escravose livres. No Engenho Sergipe, a transigio pode ser vista com clareza. Em 1574, sua forga de trabalho escrava era de apenas sete por cento de afticanos, mas em 1591 chegou a 37 por cento de africanos ¢ em 1638 era totalmente africana ou afro-brasleira [Nao existem estatisticas sobre o trdfico de escravos e dados sobre a populacio ‘em geral para o periodo em discussto, de modo que fica dificil determinar o ta- ‘manho da populacio escrava, Atualmente as melhores estimativas calculam que, entre 1570 e 1630, foram importados cerca de quatro mil escravos por ano e que, por volta de 1600, havia na coldnia um total de 13 a 15 mil eativos africanos. O {indice das importagdes elevou-se para sete a oito mil por ano até 1680, quando 0 total da populacio escrava alcangou cerca de 150 mil. & provével que nas duas ido, até que a necessidade de es- fe ouro voltou a criar enorme deman Luanda, 156 638 cativos. No século XVII, 08 escravos constitufam cerca de meta- de da populacio das capitanias do Nordeste, mas nas regides de produgio de y ceram altas e criar uma crianga escrava por doze ow catorze anos até a maturi- yento arriscado, Menos de 20 por cento da forga de traba~ yenos de 14 anos. O baixo indice de fertiidade e a alta taxa ‘em 5.a 10 por cento 20 1700, o valor de reposico podia ser ganho em 30 meses (ver Tabela 3)". As- “Tantia 3 / PRODUTIVIDADE DOS ESCRAVOS EM RELAGAO AO PRECO ORIGINAL DE AQUISICAO (REIS) Daw 1 Proper 2 Prevope “lor mend Pa deri ese Os valores representa miss de “Dados baeados em Tow, Culture Opin. ian 61 (teri submetid & Mesa ds Inspegto). Todos o outros dadoe so bases Engen Serpe, Bahia. 355, sim, havia pouco incentivo para melhorar as condigbes de trabalho ou para mudar a maneira corrente de lidar com os escravos. Os engenhos consumiam escravos € 0 tréfico negreiro os repunha. do em discussio, um ciclo autoperpetuante disso, a chegada constante de negros escravz reforgar a cultura africana no Brasil. Houve variag6es regionais. O Rio de Janei- imamenteligado a Angola ¢ Bengucla, enquanto a ‘08 escravos que ocupavam funcoes administrativas constituiam apenas um por ‘ento dos relacionados com ocupacbes. Os negros nascidos brasileiro (crioulos) 08 mulatos eram preferidos como escravos domésticos, ¢ os mulatos eram frequentemente escolhidos para o treinamento ertesanal. A distribuito ocupacional da forga de trabalho ctiva reflect as hierarquias rmulatos, ¢ suas primazias eram acompanhadas por preconceitos contra por serem inconstantes,dissimulados e “presuncosos’.Essas hierarquias de cor de cultura foram, evidentemente, criadas pelos senhores, ¢ € dificil saber até que ponto eram aceitas pelos préprios escravos; mas a rivalidade entre os africanos ¢ os crioulos nas unidades de mili isttncia de irmandades bbaseadas na cor ou na “nacionalidade” africana indicam que essas distingbes foram mantidas pela populaco negra. Nas duas sltimas décadas, 0s estudiosos enterraram até certo ponto © mito ‘outrora popular da natureza benigna da escravidio brasileira. A maioria dos ob- servadores contemporineos comentaram que a comida, a roupa e 0 castigo fo- ram os elementos essenciais no tratamento dos cativos. Ao que parece, houve pporedes generosas do itimo, mas as provsbes oferecidas aosescravos nas zonas, agricolas eram minimas. Apesar dos esforgos considerdveis para converter os es- cravos ao catolicismo e para fazé-los partcipar dos sacramentos da Igrej, a rea- lidade parece ter sido totalmente diferente. Altas taxas de ilegitimidade entre a ppopuulacio escrava ¢ baixos indices de natalidade indicam que o casamento legal era raro. Em vez de considerarem 0s escravos como membros de uma familia ex- tensa, parece que o que predominava era uma hostilidade natural nascida da re- lagio st v0 O administrador do Engenho Santana, de lhéus,quets- HVGGUVPTVV UT PTGS PUG TCV TET quanto prémios para estimular 0 esforgo. Aos escravos que trabalhavam no enge- nnho deiagica, para serem convencidos a cooperar, eram dadas garapa ou cacha- 's, ‘presentes” ou mesmo a promessa de eventual alforria. A de- ita por um administrador de engenho na década de 1720, descreve vividamente a estrutura da escravidao na agricultura brasileira e a capa- ‘idade de manobra dos escravos em sua posigdo subordinada: fora ..} agules que esto apenas s ingindo doenes. Deus tbe 0 que stgos por evitar os fagiios. E quando me queixo, les sponta para seu estdmago e dizem:"E 0 extimago que move 0 bo dome a entender que nto o a ‘castigo eu ter sido enviado para um engeno dese. 1gbes & condigio de escravidio era limitado e variavam da lecdos capities-do-mato nas oito paréquias de Per- rnambuco para controlar os escravos, e em 1625 0 conselho da cidade de Salvador fixou pregos para a captura -avos fugitivos. Quando podiam, os préprios fugitivos formavam no exilio smunidades (mocambos ou quilombos), em Jnacessiveis. Em geral, de tamanho reduzido ram formados em toro de 1605 ¢ o mfimero de seus habitantes aumentou du- rante a invasio holandesa de Pernambuco. Periodicamente, as autoridades por- tuguesas e holandesas enviaram expedigées para destruir Palmares, mas todas clas fracassaram. Na década de 1670, calculava-se que o niimero de escas ‘em Palmares excedia 20 mil, nimero provavelmente exagerado, Importantes expedicBes punitivas portugueses foram relizadas em 1676-1677, sob 0 comando de Fernio Carilho, seguidas em 1678 por negociag6es infrut- feras. Ap6s uma defesa heréica em 1695, 0 quilombo de Palmares foi finalmen- te destruido e seus lideres, executados. Mas os quilombos eram duros de mor- rer eem 1746 ainda havia escravos e ndios congregados em Palmares! (0 outro canal de saida importante da escravidto era a alforia. As tradicoes para receber o prémio da alforria os escravos que si angas criadas na casa do se- aquisigfo da alforria, em aque 0s escravos levant cestudo das cartas de dade para os homens nimero na populacio, os escravos muito mais freqiéncia do que os africanos. No século XVI, a proporglo dos que compravam sua liberdade em comparacio com os alforriados voluntirios aumentou tanto que na década de 1740 os niimeros das duas formas de alfor- > WUPVIVUGTTTV TIVITY 360 culturagio que caracterizam outros aspectos da escravidio brasileira, Como grupo, bs mulatos eram o menor setor da populagéo escrava, mas na alforria larmente favorecidos. Seguiam-se os negros nascidos no Brasil ¢ nese periodo, 0s africanos vinham por dltimo, recebendo o menor niimero de cartas de alforria, embora compusessem 0 maior segmento da populacio es- sso de alforia era em si mesmo uma mistura complexa de impe- € consideragdes econémicas ibéricas, mas € claro que, quanto mais aculturado 0 escravo ¢ mais clara a sua cor, maiores cram suas chances de obter a liberdade. No curso do século XVII, as alforrias come- garam lentamente a produzir uma classe de homens livres, ex-escravos, que de- sempenhavam uma série de paptis inferiores ¢ intermedifrios na vida econ6- mica brasileira. O padrio de libertacao de mulheres e criangas tambésh tendia ‘s aumentar a capacidade reprodutiva da populagio livre de raga negra, embora cesgotasse essa capacidade entre a populagdo escrava, aduzindo desse modo ou- tra razao para a taxa de crescimento natural negativo da populacio escrava ‘Como os engenhos consttuiam o amago da economia da colonia, ndo surpre- ende que os senhores de engenho exercessem considerivel poder social, econdmi- co ¢ politico, Embora alguns nobres de Portugal, como © Duque de Monsanto, possuissem engenhos no Brasil, ndo os administravam pessoalmente e se conten- tavam em confi-los a agentes e supervisores na colénia. A maioria das primeiras sesmarias foram concedidas a cidados plebeus que haviam partcipado da con- uista da colonizagdo da costa. Por isso, via de regra, a classe dos senhores de en genho nao era de origem nobre, mas composta de cidadios que viam no agar um meio de enriquecer e aumentar sua mobilidade, Ditia-se que, no Brasil, otitu- lo de senhor de engenho correspondia ao de conde em Portugal, os senhores de engenho brasleros tentaram desempenhar esse papel. Sua riquera e luxo atraiam 8 atengéo dos vistantes. E embora também fizessem uma grande ostentagio de Depois do ager, o produto agricola mais importante que fo cultivado no ral et meados do flo XVII) o famo, como o chamavam tf pottiae precisamente portugueses: Parte desse fumo era cultivada no Pard, no ‘Mara- nnhio e na capitania de Pernambuco, mas de Jonge o centro mais importante dessa lvoura era 0 Sul da Bahia e oeste de fem tomo do porto de Cachoeira, na for d vo do fumo comegot ness regito.A desi tio da produgio na Bahia, mas podia ser encontrado em zonas mé smbupe na pelo Brasil nesse periodo, > VUVTTVVV ITTV TTT VTS VIG T TV UVTI we 375 relatado em Pernambuco que os proptios escravos estavam produzindo fumo de qualidade inferior em seu tempo livre”. ‘Tal como acontecia na lavoura do agticar, estavam associados 20 funo virios de sitio médio de fur e gad era apenas cerca de da média de cana e menos de um por cento do de um engenho. Dessa maneira, (0s antigos farendeiros de mandioca e imigrantes pobres de Portugal eram atrai- dos para essa cultura, No entanto, muitos produtores ricos também combinavam ‘0 cultivo do famo com outrasatividades. Na regiio de Cachoeira, familias como (0s Adorno € os Dias Lago receberam enormes sesmi aberta pela primeira vez o povoemento europeu. A elite p silo era consttuida por cerca de uma diiza de familias que produziam acticar ‘em Iguape (uma zona de transigfo),criavam gado no sertio ¢ também planta- ‘vam famo, Grandes lavradores como esses podiam produzir quatro mil arrobas ‘por ano, enquanto outros cultivavam menos de 100 arrobas. Os tipos de proprie- dade da terra variavam e era comum o arrendamento de terra de fumno, Durante 0 século XVII, cresceu o néimero de pequenos agricultores. Além disso, como ‘grupo, sua compleicio fsica escureceu. Enquanto tmma amostra de 450 lavrado- res de tabaco entre 1684 ¢ 1725 revelava que apenas trés por cento eram pardos, ‘um estudo andlogo feito no final do século XVitt elevou esse dado para 27 por cento™. O fumo era, portanto, um ramo da agricultura de exportacio menos joso, menos caro € menos exclusivamente branco que o agtcar. Contudo, a Tayoura do fumo se baseava firmemente na mao-de-obra escrava,€ 08 reat6ri- ‘0 do censo das pardquias em que se plantava fumo, realizado em vétios mo- mentos do tempo, sempre mostram que pelo menos metade da populacio era ‘escrava ~ uma proporgio inferior a das zonas agucareias,¢ claro, mas suficiente- ‘mente grande para dissipar quaisquerilusdes de que o cultivo de fumo se baseas- se numa agricultura de pequenos proprietrios rurais, "The Portuguese tobaco trade and , NUVIVUVVTVUVGVUV VUE VUE UIVUE TTT 0s destinos do fumo como produto de exportagio estavam intimamente vyincilalos aos do comércio atlintico ¢ a0 ritmo do préprio desenvolvimento ‘econdmico do Brasil. A tomada do porto portugués de escravos em Sto Jorge dda Mina pelos holandeses, em 1637, rompeu com os padrées normais do so- primento de escravos ao Brasil. Isso, junto com a perda de Angola em 1641, conduziu a legislacio real de 1644, que permitiu 0 comércio direto entre 0 Brasil ea Africa sem qualquer beneficio para a metrépole. Os holandeseslimi- taram o comércio portugués a quatro portos na Costa da Mina e protbiram a introdugio de qualquer outro produto seno o fumo brasileiro, sso estimulou ‘a expansio do cultivo dessa cultura no Brasil. A criagdo de uma administragao ‘de monopélio real, a Junta da Administracao do Tabaco, em 1674, foi uma tentativa de controlar esse produto, mas seus principais esforgos visavam a re- dugdo da produgio e do contrabando dentro de Portugal”. Os agricultores brasieiros queixaram-se do monopélio, mas continuaram a extra lucro regu lar da venda do fumo tanto a Aftica quanto & Buropa. Sua posiglo foi conside- ravelmente fortalecida pela descoberta de ouro em Minas Gerais, em 1695, € pela resultante demanda elevada de mAo-de-obra escrava na colonia. No século XVII, © fumo € o ouro brasileios tomnaram-se os produtos essenciis no co- mércio de escravos. ois curiosos paradoxos marcaram o comércio brasileiro de fumo, Primei- ro, para se certificar de que tinha uma oferta de fumo de melhor qualidade, I proibira a exportagio para a Africa de uma ou outra das duas primei- A terceira clasificagdo, refugado,tinha de ser tratado libe- ‘om xarope de melado, um subproduto do agacar, de forma a poder ser enrolado em cordas, mas era justamente esse tratamento que Ihe proporcio- aroma doces que o tornavam tio popular na costa africana tevou os lavradores a se concentrar nas plantacbes de cas vender na Aftica ou para entrar no préspero comércio de contrabando do ta- baco. Na década de 1730, a coros Twbacao Wade) Lass Brion Fig.2. Exponacbes de agicare furmo balanos, 1698-1765, (baseadas nume média do movimento de cinco anos) Fonte snr. Junta do Tabaeo, aos 964-106 passim. mércio com Mina foi reorganizado em favor dos comerciantes brasileirs, Ape- nas 30 navios por ano ~ 24 da Bahia e seis de Pernambuco tinham permissio para comerciar com a costa da Mina, assgurando assim limites para a oferta € cestimado que um escra- ‘vo da Mina podia ser comprado em Whydah por oito rotos de furno ou 288800 sis, transportado por 268420 réis e vendido na Bahia por 1008000, proporcio- nando um lucro de quase 45 por cent. belecer 0s niveis da producio e da exportacio de fumo e quase ara o periodo anterior &criagfo da baco, em 1674. Nao somente fal smpre predominave, sobre lo depois da criagio, na década de bre as vendas de tabaco em Portugal. 377 » WUVVTVVVVVVPVV VP VVV VIVE V EEE VEU EEUU jomior CORA C09 LOW OLS - rande escala, Ocasionalmente . Anton estimou as exporta- 1ou 0s niveis de exportagbes apenas de Cach Je mais 20 mil para Mina no trfico de escravos. ppara o periodo sob exame podem set obtidos das lstas reste anos entre 1680 ¢ 1686, 0 total anual de importagbesvariou em torno de uma médin de 20 500 roles. Depois de 1700 € possivel compilar um registro um. mos. A Figura 2 mostra que na década de 1740 foram alcangados os niveis mais altos da producio baiana, cerca de 400 mil arrobas por ano ¢ que a porcentagem da produgdo destinada a Costa da Mina ‘como parte da trifico de escravos elevou-se fortemente durante a primeira me- tade do século, eons eee No séctlo.XVIj foram introduzidos no Brasil virios tipos de animais do- am na Bahia de tal modo que, na dé- de cavalos em expansio da contra 08 {ndios patrocinadas pelo governo. Os fazendeiros de deles também agricultores ou relacionados com familias de agr- sus vaqueiros empurraram seu gado para além de ambas as mar- Francisco, de modo que, em torno de 1640, havia na regito ‘A propriedade da terra no sertio era realmente extensiva. Embora a legisla- ‘glo tivesselimitado o tamanho das sesmarias a trés léguas quadradas, essa restri- 60 erasimplesmente desconsderada, As ssmarias em que as fazendas de gndo ‘excediam &s vezes centenas de milhares de acres. No final do século propriedades rurais do sertio baiano eram maiores do que provin- cias inteiras de Portugal.(Domingos Afonso Sertio, ym dos grandes senhores de ra do interior, possuia 30 fazendas de gadoe outrs 30 propriedadesagecoas, ‘num total de-mais de 1206000 hectares. Uma grande familia de fazendeirs, ‘da Baia, ou um comerciante que se transformou em fa- zendeiro, como foto Peixoto Viegas, cujos rebanhos pastavam no alto Paraguacu, ‘A grande época da expansio do gado para o sertio, em conjuncio com a ta do periodo entre o desbravamento de eae: le 1590, }a colonizagao do Piaut na primeira década do s€culo pperiodo, desenvolveu-se uma organizacio social ¢ um esti- vetes as ordens missionérias, especialmente os je- suftas, desempenharam papel fundamental no desbravamento de novas éreas ¢ na pacificagdo dos indios. No fim, acabaram por irromper virios conflitos en- tre 0s fazendeiros de gado e os jesultas, porque esses titimos controlavam a miio-de-obra indigena e possuiam extensos rebanhos. O contato entre vaquei- ‘fo do sertio era formada sobretudo de pessoas de cor, indios, caboclos ¢ ne- gros. Apesar das reclamagbes feitas algumas vezes de que a fronteira do gado era livre e descontrolada demais para fazer muito uso de escravos, estudos mais recentes tém revelado que a escravidio foi também uma forma caracteristica de trabalho no sertdo. © modelo comum era usar como vaqueiros a0 mesmo tempo escravos ¢ trabalhadores livres, situando-os junto com suas familias numa fazenda de gado distante e ali os deixando para guardar o rebanho de forma bastante independente. Eram feitas contagens periédicas, Aos trabalha- ores era permitido as vezes aplicar parte do incremento anual em bezerros ‘como um incentivo a0 bom servigo. Nao havia nenhuma incompatibilidade centre a criagdo de gado e a escravidio. Frouxamente estruturada e livre de grande parte da interferéncia direta da coroa, a sociedade do sertdo desenvolveu suas préprias caracteristicas peculia- res. Os fazendeiros exerciam amplo poder social e politico sobre seus escravos e agregados. O controle das margens dos rios e das nascentes de Sgua era essen- cial para o sucesso, Para garantir que eles préprios tivessem pasto adequado para negar aos camponeses © aos agregados oportunidades alternativas, os grandes fazendeiros de gado aparentemente deixavam inexploradas grandes extensoes de seu territério e se recusavam a vender ou alugar qualquer parte ‘ica pes Do sero, as boiadas,visjando as vezes mais de 60 quilémetros por dia, eram levadas ts feiras armadas as margens dos distrtos de apicar e dos centros popu- lacionais do litoral Do ponto de vista dos senhores de engenho, o sistema parecia funcionar bem. Na década de 1690, apeser de uma tendénciainflaciondria geral na coldnia, uma parelha de bois custava cerca da metade do seu preco de um século antes. Somente depois de 1700, quando os rebanhos foram deslocados para Minas Gerais, a populagdo costeira queixou-se de escassez. Dois outros movimentos podem ser também observados no séeulo XVIII: a expansto da fronteira do gado na ditesdo norte para o Maranhto e na diregdo oeste para Goiss,e 0 desenvolvi- mento dos produtos pecuérios para exportagfo. Em 1749, somente Pernam- ‘buco tinha 27 curtumes que empregavam mais de 300 escravos,e tanto Per- ‘nambuco quanto a Bahia exportavam grandes quantidades de couro crue curtido, AMandioca ‘Quando os portugueses descobriram que o trigo com que estavam familia- rizados ¢ outros grios nao floresciam nos tedpicos, adotaram rapidamente a ‘mandioca, o principal produto dos indi. © cultivo da mandioca era relativa- mente fécil¢ seu consumo podia ser feito de virias maneiras, Transformada em farina, era ficil de transportar e armazenar e se convertia no po de cada dia, Nas regides de cultivo da cana-de-agicar, 0 cutivo da mandioca e a agr- tara de subsistencia eram realizados de modo geral nas terras marginas. [Nas rogas que facam nas terra reservadas para a plantagdo de cana, os campo- neses agricultores plantavam géneros alimenticis. Ao longo das estradas ou nas regides montanhosas das zonas de canavial, of lavradores de roga viviam suas vides humildes, cltivando alimentos para sua prépria subsisténcia e ven- dendo unxéxcedente muito pequeno nos mercados locais) Mas, de maneira sera, os plantadores de cana ndo gostavam da presenga da agricultura de sub- sistencia na mesma regido, ou por seu desejo de usat toda a terra boa para a cana-de-agicar ou porque a roca de mandioca tendia a destnir floresta que fomecia a lenha tio essencial para a produgio de agdcar, O resultado dessa hostilidade foi o desenvolvimento de uma especializacio regional, em que al- ‘gumas éreas eram devotadas cana e outr Na verdade, houve no Brasil colonial dois tipos de agricultura de produtos alimenticio, Um deles foi a agriculture de gabaitEncia dos camponeses, que produziam sobretudo para si mesmo e para suas familias, vendendo um exce- dente muito pequeno nas feiras loais 0 outro foi a producio de grandes quan- 381 , UUVYUBVYVOVVVVVVVVVVVVUE VE UTED UTED U TUE E UD TT mMonesco, X¥ VOnNe tidades de farinha de mandioca que eram vendidas aos engenhos e as cidades do litoral, Em Pernambuco, as paréquias de Una, Porto Calvo ¢ Alagoas eram_ “importantes locais de abastecimento da ci Jaguaripe, no sul do Recéncavo, Fa pouco se saiba sobre a para o mercado, esté claro 1 organizagio interna da agi ‘que a producio de alimentos nao era necessariamente um cultivo familiar do camponés. Cairu ¢ Camamu, por exemplo, eram regises muito afamadas de produgio de mendioca, mas um censo eclesiéstico de 1724 revelou que cerca da imetade da populagdo dessas par6quias era escrava. Essa situagdo parece indicar luma economia de produgio de base escrava para 0 abastecimento dos merca- dos internos. Um relato um pouco posterior, de 1786, relacionou 188 fazendei- 10 de mandioca em Cairu, 169 dos quais possut ‘A hostilidade do senhor de engenho com relagdo & agri téncia e a especializagdo regional em generos alim« pulacoes das cidades e os habitantes dos enge seu sustento didrio de fontes de suprimento que estavam muitas vezes fora de seu controle, Escaser, presos altos e a quase pentria eram endémicos nas re sides das grandes lavouras. Um dos problemas era a atraglo que a ari de exportaio exerci sobre os lvradores de mandioca. J em 1639 foram rea- lindas virias tentatvas de obrigar os colonos de Cairu e Camamu a plantar smandiocano lugar do fumo,eem 1706 os residentes de Maragoipee Cachocira tentaram livrar-se das proibigbes contra o cultvo do fumo ou da cana-de-agi- cat, Stuacdo semelhante desenvolveu-se um pouco mais tarde em Pernambu- Co, quando as fzendezos,em ver de clivar mando, tentaram plantar cana, umd “ocupagao nobre")Mais uma vez, com a expansto do trfico de es- vos, 0s produtores Brasileiros de mandioca decobriram que mesmo a sua ira podia ser exportada. Na década de 1720, mais de seis mil alqueires por ano estavam sendo exportados apenas no comércio com Costa da Mina, sem falar do que era embarcado para Angola Entfo os produtores de alimentos ém segurar suas produgbes para manter alts os nives de prego, a pela faclidade com que a farinba de mandioca podia ica dos fazenderos de mandiocae o seu constantemente nas cidades costeiras Zonal do Rio de fneiro fa, 131, 3081 seni ‘© governo colonial tomou vérias medidas para assegurar ofertas adequadas de alimento, mas com um sucesso muito limitado. A primeira medida, j4 dis- cutida acima, foi a exigtncia de que algumas regides fossem proibidas de pra- ticar qualquer tipo de agricultura, exceto o cultivo de géneros alimenticios, ssa tentativa nio teve sucesso, primeiro porque os agricultores relutaram em fquiescer a ela e, segundo, porque tinham condigdes de controlar a oferta € ‘assim elevar os precos. Uma segunda tentativa foi exigit ue os senhores de en- genho € os lavradores de cana plantassem mandioca suficente para abastecer Nassau bavia promulgado essa lei em 1640, Em 1688, por solicitagio da clara de Salvador fo editada uma lei andloga na Bahia, onde era exigido que ‘cada senhor de engenho e lavrador de cana plantasse 500 covas de mandioc por escravo, Em 1701, outras medidas foram tomadas. O gado (exceto aqueles de que os criadores necesitasem) foi proibido de pastar dentro de uma érea de 80 quildmetros da costa, e qualquer agricultor que possuisse menos de seis tscravos era proibido de plantar cana, uma deciso que provocou queixas in- flamadss dos pequenos plantadores de cana do Rio de Janeiro. A idéia que estava por trés dessas medidas era que um terso da mandioca produzida ai- rmentasse 0 agricultor e seus escravos, enquanto o resto seguiria para o met- ado, Finalmente, foi exigido também que os comerciantes da Costa da Mine imantivessem plantagbes de mandiocs para suprir suas necessidades. Essa Gl- tima recomendacSo gerou considersvel tensto entre a chmara cansada da es- cassez constante e dos presos altos ¢ 0s comerciantes de Salvador, que argu- mentavam ser incompativeis as fungdes de comerciante ¢ plantador de mandioca. Merece mengio aqui uma resposta final ao problema do abastecimento de alimentos. Os plantadores de cana das Antilhas falavam do “sistema brasileiro’, ppelo qual os donos de engenhos pert dacos de terra, onde cultivavam lizavam o excedente nas feiras loc réprio alimento e as vezes comercia Embora este sistema fosse encontrado em vrios lugares e usualmente evocasse comentirios dos viajantes que visitavam clara a abrangéncia com que foi praticado. Foi {que “muitos engenhos ndo tém suas préprias terras plantar mandioca ¢ [..] 08 seus proprietérios em geral as alugam outro: Foi sugerido que o sistema de concessio de parcelas de terra aos escravos foi © Brasil, nfo Tain cea 15 (9 de appa de 1687). 383 ‘uma “ruptura camponesa” na escravidio brasileira, HA provas de que os esra- vos apreciavam 0 privilégio de ter sua propria roga. Do ponto de vista dos trandeslavradores,o sistema deslocou o Onus do sustento para 0s préprioses- Cravos, Além disso, poderia reverter em beneficis diretos para a administra dda propriedade, Os feitores da Fazenda Saubara foram instruidos @ perm! Ge os{ eras © as pessoas pobres de regido plantas suas rogas em terras ‘de pin: qualidade, mas nunca no mesmo lugar por mais de um ano, para que fossem continuamente desmatadas novas terras para pasto”. No Engenho Santana, em IIhéus, a mandioca era comprada dos escravos por um preco 20 por cento mais baixo do que o pago 20s homens livres, Entretanto, as que de escasser e fome indicam sobretudo que os pedagos de terra dos exer fram inadequados como fonte principal de alimentos. Como observou ‘Antoni, para escravos dos muitos engenhos préximos do mar ¢ de ris, “os ‘mariscos eram sua salvacio” AS PERIFERIAS DO NORTE E DO SUL Nos extremos norte ¢ sul da colonizagdo portuguesa ao longo do litoral jas assumiam uma forma bastante diferente das onas de la- ida do Nordeste. Sao Vicente, no sul, ¢ Maranhao-Paré, no norte, foram regides periféricas durante todo o século XVII, sem uma popula dde qualquer tamanho e integradas & economia de exportagio do apenas de maneira marginal. A geografia, o lima, a dificulda natureza e distribuico das populagoes indigenas locas 5 a adotar trajet6rias econémicas e sociais distintas, ‘Apesar das grandes divergéncias entre o Norte e o Sul longinquo: iras pobres com poucos homens brancos, menor quantidade ainda de es brancas, pouca riqueza e dificilmente algum escravo negro. As inst le Portugal foram reproduzidas nessas regides, mas assumiram uma ‘ma atenuada, Cultural e etnicamente, ambas as regides eram acentuad: mente indigenas ‘na sua natureza. Desenvolveu-se' no local uma populagio rmestga relativamente grande e, tanto em Sto Vicente quanto no Maranhio~ ‘ard, a exploragio dos recursos do sertio ¢ da populagto indigena tornou-se tum meio de vida Os Extremos Meridionais [As origens de Sio Vicente e suas regies vizinhas a0 sul eram muito pareci- das com as das outras capitanias. As viagens dos portugueses ¢ dos espanhéis hhaviam se estendido ao longo da costa sul no infcio do século XVI; alguns de- gredados tinham se instalado na regito entre a populacio indigena ¢ haviam Sido criados alguns pequenos pontos de desembarque. Gracas a Martim Afon- So de Sousa, em 1533 a capitania de Séo Vicente concentrou-se inicialmente fem torno do porto que tomou seu nome, mas durante as duas décadas seguin- tes outros estabelecimentos foram fundados. Sao Vicente revelou-se inadequa- ddo como porto e foi substituido em importincia por Santos, vila fundada em 1545 por Brés Cubas, um rico e dinimico funcionério da coroa. Ao longo da costa timida, atris desses pequenos povoaos costeros, foram instalados enge- hos de acicar; o mais famoso deles foi construido originalmente por Martim ‘Afonso de Sousa, mas acabou caindo nas maos da familia Schetz da Antuérpia. Produziam agticar para exportaclo, mas a maior distancia da Europa ¢ falta de terra adequada colocaram Sto Vicente em desvantagem na competieao com Pernambuco ¢ Behia, Néo obstante, eses povoados costeiros assemelhavam-se muito a reprodugdes mais pobres daqueles encontrados mais 20 norte. (0 futuro das capitanias do Sul nfo se assentou, porém, nos portos. Atrés da {aixa costeira, a serra do Mar eleva-se a alturas de até 800 metros. Além dela situa-se um planalto formado pelo rio Tietée por outros rios, cujas colin dduladas e pontuadas de drvores,clima temperado ¢ populacto indigene relati- ‘vamente densa atrairam os europeus. Um pequeno povoado desenvolveu-se ‘em Santo André da Borda do Campo, mas foi logo superado em importincia ‘por Sto Paulo de Piratinings originalmente uma aldeia de jesuftas fundada em meio a0s indios do planalto. Os dois povoados fundiram-se em 1560 e, no ano seguinte, So Paulo foi elevado & condicto de vila, Nas duas décadas seguintes, ‘continuaram a desempenhar papel importante na pacificagio dos digenaslocais, de modo que na década de 1570 a exsténcia de Sto Pave assegurada, Separado da costa pela serra do Mar como era Sio Paulo, Ls ce TBS eS ae i Salyer Wem naste volume cp. 10. 385 0s 80 quilémetros entre ela e Santos s6 podiam ser transpostos a pé, de modo aque as mercadoras inham de ser transportadas nas cosas de carregadores hu- ‘manos, Sao Paulo tornou-se 0 ponto de controle ede contato com a populacio indigena do interior, servindo tanto de base avangada contra os hostis tamoios a0 sul quanto de fornecedor de cativosindios para os en- ao norte e os cari genhos da costa, No final do século XVI, 0s povoados costeiros de Sao Vicente estavam em declinio, mas no planalto jé estavam muito bem fixadas as caracteristicas s0- ciais e econdmicas bisicas de Sao Paulo para o século seguinte ¢ 0s préximos. Apesar dos comentirios dos observadores jesuitas, que achavam a cidade e suas regi6es muito parecidas com Portugal, Sio Paulo nio se tornou uma co- ‘munidade camponesa ibérica. Desde 0 inicio, os portugueses viveram num ‘mar de indios, enquanto os missiondrios jeultas eas expedigdes militares sub- jugavam as tribos da vizinhanga imedi ‘A comunidade era pobre e modesta. Em 1600, avila tinha menos de dois mil habitantes. Poucas mulheres portuguesas eram atraidas para a regio ¢ as c fazendas portuguesas estavam cheias de indios cativos e semicativos. entre homens portugueses e mulheres indigenas eram co- wdo num grande mimero de mamelucos. Bem adiante no século rentos dos paulistas relacionavam escravos indigenas e, apesar da, 370, sempre foram encontradas “bre- gueses de Sio Paulo mediam sua riqueza pelo mimero de escravos ¢ pai 4 que podiam recorrer, “Rico em flecheiros" era uma deserigao comum dos ci- necessidade de cooperacao mil ar as diferencas de nivel social entre os europeus, que compreen: diam um niimero relativamente grande de espanhéis, italianos e alemes. Nos primeiros tempos da hist6ria de Sio Vicente, fazia-se pouca distingio entre ‘mamelucos e portugueses, na medida em que os primeiros estavam propensos aviver de acordo com o que era tido na regio por normas européias. Na verdade, a extensio da fusto cultural foi notével A cultura material in- MUVTTTVVGTVGV VV PUT VVVVG UEP VET VI VU VV IVI 402 porcentagem de indios ~ em ambas as regibes lacionadas com a maneira como essas periferias estavam integradas na economia de exportaglo da coldnia, Primeiro, Sé0 Paulo comegou a crescer como fornece- dor de mio-de-obra de géneros alimenticio para as outrascapitanias. Depois, lepois de 1755, com a interven¢ao do 4 periferia do Norte se viu também fam poucas as vilas se fagio dos engenhos. ‘exportadora que o restante da co- fe, Salvador e Rio de Janeiro foram fundadas no Brasil seis cidades e 31 vlas. As pri- ‘meiras concentraram-se ao longo da faixa co te Olinda ¢ Santos, mas depois de 1580, com a expansio da coldnia no rumo norte, houve uma nova ‘onda de fundagées, como Natal (1599), Sao Lufs (1615) e Belém (1616). Mais ‘uma vez todas estas cidades eram portos. Somente no segundo quarto do sécu- Jo XVII € com o desbravamento de Minas Gerais, é que a rede urbana come- ‘cot a espalhar-se para o interior. De fato, pode-se afirmar que no Brasil nfo havia uma rede de cidades, mas apenas um arquipélago de portos, cada um de- les cercado por seu préprio interior agricola e em contato mais estreito com Lisboa do que entre si. Esse fato foi o resultado da orientagio exportadora da ‘economia ¢ da estrutura imperial portuguesa, que procurou manter cada capi- tania dependente diretamente da metrépole. A localizacto costeira das cidades tornou a fortificacio e a defesa questdes de constante preocupacto € despesa, Entrelopos holandeses ¢ ingleses atacavam regularmente os portos bbrasileiros no periodo entre 1580-1620 e apés essa data todas essas cidades tor- naram-se vulnerdveis a0 ataque como parte de conflitos mais amplos, como na tomada de Salvador pelos holandeses em 1624 ou no ataque francts ao Rio de ro em 1710. Pelos padroes europeus contemporineos, as cidades brasileias eram pe- Wador, a maior delas, aumentou 1724, chegando a quase 40 mil em linda, capital de Per- 403 » MUEGTEV VETTE GT VV Gay PUTT V TVET TE ITU VETTE cada capitania residia 0 governador e o principal magistrado, bem como os fancionarios fiscais mais graduados. Cidades de exportagHo, cidades de navios, docas ¢ armazéns, cidades de estivadores, marinheros, e mercados de escravos, 0s portos brasileiros adquirizam uma certa similaridade de planta nascida da necessidade e da fungi. Os negécios concentravam-se perto dos embarcadou- ros e dos armazéns onde o agticar, o fur e os couros eram guardados, pesados © tributados. Os moradores, fazendeiros ou comerciantes rics muitas vezes pro- curavam af ‘mundo dos embarcadouros ~ dai a separagio das docas das zonas re Em Salvador, havia uma cidade alta, onde se localiza- ‘vam of edificios do governo e as residéncias, € uma cidade baixa do comércio. Em Pernambuco, as instalagSes portuérias desenvolveram-se em Recife a pou- ida, Os terrenos altos eram preferidos pelos ediflcios ‘comumente as melhores construgoes de uma cidade, cos quilomet pilblicos e pelas nentesconsragbes chia religioas, Muitas deas foram deple sobs, reconstruidas ou reformadas em meados do século XVIL. Entre as construgées mais importantes figuravam, ao lado das igrejas e mosteiros franciscanos, os colégios dos jesuttas, construidos nas principals cidades no final do século XVI As igrejas definiam os bairros das cidades, pois a pardqua era também a co- ‘munidade e 0 ponto de referéncia para propésitos civse religiosos. Uma caracterstca distntiva da cidade brasileira desse periodo foi a ausén- cia de seus cidadios mais ricos e mais importantes durante a maior parte do ano. Os senhores de engenho e os fazendeiros de gado mantinham residéncias uurbanas, mas passavam a maior parte do seu tempo nas suas propriedades. Muito se tem especulado sobre a “predominancia rural” da vida social e econd- ‘mica brasileira. Embora isso seja verdade, 6 enganoso. A cidade e a fazenda, ou © porto ¢ 0 interior no eram pélos opostos, mas partes de um continuo inte- grado. A interagio entre a cidade eo campo era permanente e bastante facilitada pelo fato de a vasta maioria da populagdo rural resdira alguns dias de viagem as cidades costeiras [As cidades vieram & luz sob diversas condigdes politicas. Onde os dona- 4 ler privado nko conseguiu sujetar muito a ‘Albuquerque Coelho nquanto no Rio de cultou o exerccio local da autoridade politica pela municipalidade, Vilas me- notes ¢ mais afastadas eram menos inibidas e tendiam a defender sem restricio| (0s interesses dos grupos econdmicos dominantes do local, expressos por inter- édio das insttuig6es municipais. ‘A vida politica centrava-se no senado da cimara, o conselho municipal, constituido em geral de trés ou quatro conselheiros, um ou dois jufzes munici- pais e um procurador da cidade. Os membros votantes do senado eram esco- Ihidos por um sistema complicado de eleigSes indiretas, a partir de listas de hhomens detentores das qualficacées sociais adequadss. Esperava-se que exses “homens bons” fossem donos de propriedades, residentes na cidade, inconta- sminados por origens artesis ou por impureza religiosa ou ética. Embora hou- ‘esse excegbes a esses requisitos, especialmente nas comunidades de fronteira, cles eram em geral acatados. © mesmo niio acontecia, porém, com as proibigdes contra mandatos consecutivos e a nomeacio de parentes, que eramn geralmente ignoradas, com a desculpa de que nao havia homens qualificados suficientes para ocupar os cargos piblicos. ‘Todos os aspectos da vida municipal e muitas vezes 0s do campo circunja- ‘ente estavam sob o controle das cimaras. As minutas das atividades de um més tipico na metade do século XVII poderiam incur regulamentacio da sai- de publica, fixagio do preco do agticar, impostos municipais, concessio dos contratos dos matadouros ¢ organizacio de uma expedigio para cagar escravos fugitivos. Com o tempo, e para desagrado dos governadores reais, dos magis- trados e dos prelados, as chmaras tentaram ampliar sua autoridade. Escreviamn ‘uitas vezes diretamente a Lisboa e algumas mantinham representantes em Portugal para cuidar de seus interesses. Quando a legslagdo ou a politica real pareciam ameagar os interesses da elite local, a oposicdo unia-se em torno da cAmara. As proibigdes contra a escravizagio dos indios causou um problema sério no século XVII. Em Salvador (1610), Rio de Janeiro (1640), S40 Paulo (1640) e Belém (1662), as cmaras comandaram a resisténcia a politica real ¢ lideraram movimentos que resultaram na prisio ou expulsio de governadores ‘ou de jesutas considerados responséveis pela legislacio antiescravista. E dlaro que, embora a cimara buscasse prom palidade em gera, esses corpos representavam regido. De 260 homens eleitos para as funcbes eletivas da cimara de Salvador o MUEVUTTVVVTTG GEV UES EU UV YD 406 le um Gnico grupo, mas o setor agucareiro dominava claramente jo sobrnomes spree no spd ane, So oor mum grande (© pequeno niimero de artesios urbanos e sua posigdo politic relativamen- te fraca foram conseqQéncia de uma série de varios fendmenos relacionados. Primeizo, a demanda de muitos artesios nas lavouras de cana levou para o campo 0s homens dotados dessas habilidades, com a consequente redugio de seu ntimero e poder nas cidades. O “oficio mecanico’, segundo os conceitos Ja sociedade, era uma profissto “igndbil” ¢ os artesfos softiam discriminagio nesse setor de atividade. © posto de funcionério real, a filiagdo as fordens de cavaleiros e outras honras parecidas estavam além do seu alcance. Na Misericérdia de Salvador, os artesios eram relegados a uma posi secundaria, ‘como irmios de condicio inferior, € os artesios dos regimentos da milicia ra~ ramente recebiam postos de comando, Algo que contribui. para sua posiglo social inferior foi a influéncia da escravidio. Muitos escravos aprenderam 0s “oficios mectnicos” eos executavam com habilidade. Além disso, os libertos de de uma porcentagem pequena mas crescente de artesios pardos depreciow 0 seu prestigio enquanto grupo. Em isdo do artesio, que nunca foi elevada em Portugal, foi rebaixada 0 Brasil dentro do contexto de uma sociedade escrava. Mas isso sem desttuidos de importincia nas cidades 3, 80b 0 jugo das cAmaras ou dos governadores. dos comerciantes, pode-se dizer que os portugueses mantiveram uma atitude ciceroniana para com 0s ne- , for em pequena escala, deve ser conside- WOUPVIVIVPVPVVIIS YD o MUUTTUGUVVTV GV VT VEE VUVGUV UVP VU V CTU UU U EVEN 408, ‘existiam distingoes reais entre os “homens de negécio’, os comerciantes de ‘exportigdo e os de importacio, eos “mercadores de loa’, 0s comerciantes vare- jistas ou lojistas. Em teoria, qualquer comércio no pr6prio nome de uma pessoa era considerado uma ocupagio no-nobre, ¢ as origens mercantis cram, a exemplo dos antecedentes artesio: para exclusto de honras ¢ acrescentava-se 0 fato de se considerar fem sua maioria de cristios-novos (isto 6, judeus) e assim sofriam discriminacio também nesse terreno. Essa conexo com os crist8os-novos foi as vezes superdimensionada, mas um es- tudo de Salvador revela que no século XVII cerca de metade dos comerciantes residentes eram realmente crstios-novos®. Mas no contexto de uma economia orientada para a exportaglo, em que o comércio era um elemento essencial da vida, essas limitagSes no deixam de ser desafiadas ou, pelo menos, si0 passiveis de mudanga. Os lojistas encontravam sua mobilidade de ascensio continuamente bloqueada, mas os comerciantes de exportacio, que estavam ‘envolvidos no comércio com a Africa ¢ com a Europa e, durante a Unido Ibé- rica, num ativo contrabando com a América espanhola, nio podiam ser ex- luidos do progresso sociale politico. Embora nunca tenham sido um grupo grande em nimeros absolutos, os comerciantes tinham alguns atributos que facilitavam 0 progresso social. Sua esmagadora maioria eram europeus, muitos dos quais vieram para o Brasil como agentes dos comerciantes da pétria-mie ou por solcitacéo de algum tio ‘ou primo que jf fazia negécios no Brasil. Ndo surpreende que muitos tenham se casado com mulheres brasileras, amide filhas da elite fundiéria, que, em alguns casos, estavam propensas a deixar passar a “mancha” de cristio-novo. O sucesso também abrin seu proprio caminho, na medida em que comerciantes ricos podiam comprar engenhos ou fazendas de gado e ingressar na presi dia ou Ordens Terceiras dos franciscanos. De muitas cra absorvida pela lo XVI, apagou a ing nio evitével antagonismo undo de suas telagbes econdmicas. As queixas dos agri cultores contra a “extorsio” dos comerciantes perdurou por todo o perfodo em todas as capitanias. O habito dos lavradores de comprar 0 equipamento neces- sério a crédito por prego 20 a 30 por cento acima do de Lisboa, mediante a hi- poteca da préxima colheita a um preco estabelecido abaixo do seu valor de mercado, era a caust de acriménia e protestos interminéveis contra a coroa. Em 1663, e periodicamente apés essa data, os senhores de engenho tentaram evitar que os engenhos ¢ os canaviais fossem vendidos em parcelas para paga- mento de dividas, mas o interesse dos comerciantes sempre foi suficientemente forte para evitar a realizaco do sonho dos donos de engenhos ~ uma moraté- ia total das dividas. O dito dos comerciantes, como foi expresso por Francisco Pinheiro ~ “Fagam tudo 0 que for posstvel para obter 0 maior prego” ~ nada fer para mitigar o antagonismo econdmico entre eles ¢ os grupos agrérios na colbnia ‘A ascensio social e politica dos comerciantes, sinaizada por sua crescente participagio nas chmaras das cidades, nos postos de comando dos regimentos de milicia, em irmandades leigns de prestigio e por sua absorcio pela aristocra- cia dos senhores de engenho, parece ter comegado em meados do século XVII e se intensificado nas primeiras décadas do século XVII. Essa foi uma época de severa tensio no império atlantico portugués, a que a coroa respondeu com uma série de medidas mercantilistas destinadas a estear a economia debilitada. ‘A criagio da Companhia do Brasil em 1649 (transformada em érgio governa- ‘mental em 1663), com direitos monopolistas sobre o comércio de alguns pro- dutos e a responsabilidade de fornecer uma frota bem protegida, era uma me- dida de tempo de guerra. Foi seguida, em 1678, pela criagio de uma andloga Companhia do Maranhao, destinada a oferecer escravos ao Norte e um contro- le garantido do comércio nessa regifo. Tais medidas, embora se tenham choca- rasileiros, eram vistas com um los fazendeiros ¢ pelos outros colonos ¢ tendiam a in- onal entre senor de engenho e comerciante. Por isso, durante um perfodo em que os comerciantes se estavam tomnando cada ver mais importantes ¢ proeminentes como classe, intensificou-se a oposicio a cles e as medidas mercantiistas da coroa. Em dois lugares esse conflito transformou-se em violento confronto. Em 1684, os colonos de Sio Luls, chefiados por um plantador de aciicar chamado o MUVUVG VV VUVVVVVU VEU PIVUGVUUVUUU VU UU UU t 410 + AS ESTRUTURAS ECONOMICAS# SOCTAS: © HRASIL COLONEL decla- ‘Manuel Beckman (ou Bequimao), insurgiram-se contra a companhia, revolta rarnm set monopdlio cancelado ¢ assumiram o controle da cidade, tmalogrou e Beckman foi capturado ¢ executado. Um conflito civil mais sério {ai o que irrompeu em Pernambuco, onde os aristocratas senhores de en- genho de Olinda opuseram-se & ascensio da vizinha Recife com ependente © dominaram os comerciantes portugueses que al ‘com que estavam freqiientemente em débito. Os comerciantes, por sua ver, bjetaram 2 sua falta de representacio na cimara de Olinda, que arrecadava ts taxas sobre Recife. As quest6es chegaram a seu épice em 1710-1711, numa ‘guerra civil amarga, mas nfo particularmente sangrenta, entre as duas fac- {oes dos fazendeiros de Olinda e dos “mascates", ou comerciantes, baseados fm Recife. Essa Guerra dos Mascates revelou as tensBes naturais entre 0s co rmerciantes e os fazendeiros e também o fato de que, dentro da orientagio 1 da col6nia, a classe dos comerciantes poderia de- cada vez mais mercar sempenhar um papel importante. ‘A virada do século trouxe nao $6 uma participagio mais ativa dos comer- ciantes na vida social e politica do Brasil, mas também uma intensificagio do papel da coroa no governo municipal, como parte de novo ativismo do Esta- do. Uma alterago importante no governo local ocorreu entre 1696 € 1700, incipais cidades brasileiras. Essa rea- para presidir as cimaras ¢ exercia tas eleitorais, A justificativa da coroa mo e do nepotismo nas sua autoridade na preparagio das para seu uso no Brasil era a eliminagio do favor ‘camaras, mas seu efeito final era reduzir a autonomia local das cdmaras, Além disso, a expanséo do povoamento para o interior ¢ 0 erescimento de vilas \darias perto da costa levaram, nas primeiras décadas do século XVIN, & {gio de novos senados municipais, um desenvolvimento que diminui a ros. Por exemplo, os fazendeiros eleitos mais declinavam de servit, preferindo ‘par do senado das novas cimaras rurais, iga autoridade dos centros <¢ para a cimara de Salvad cuidar de seus engenhos meados do século |, porém, foram em i 4 i «| ‘AESTRUTURA SOCIAL. Desde seu perfodo inicial de colonizaglo, o Brasil era uma érea grande de- ‘mais, com uma economia demasi complexa e diversificeda pera que suas splesmente tum engenho de agticar ‘em grande escala, mas, como jf vimos, as demandas da agricultura do agticar € dades de sua organizacio contributram de maneira significativa formacio da sociedade. Os portugueses trouxeram consigo um con- idealizado de hierarquia social esteado pela teologia e por uma percepsdo pritica das posigbes e relagbes sociais da forma como funcionavam em Portu- sal. Esses conceitos ¢ experiéncias definiram a terminologia da organizacio so- cial eestabeleceram os pardmetros dentro dos quais a sociedade evoluiu. Mas a agricultura de exportacio e lavoura em grande escala criaram suas préoprias hiierarquiase realidades. 6 em 1549, Duarte Coelho, donatirio de Pernambuco, descreveu seus fa- zendeiros de uma maneira que inconscientemente delineava a hierarquia social de sua capitania: slguns constroem engenhos porge sto poderosos o bastante para fatto, outros planta cana, outros algo e outros cal tera: outros pescam, 0 que & também muito neces; outros ttm baros para buscar provises [+] outros sto mestes de engenho; outros meses de agcares,carpateros, errlos, pedters, alimentcs, que slo as coisas principals € mais importantes na lero, abriantes de formate snoe par o gears e outros so comerciants® Havia aqui uma ordem social natural numa economia bascada na agricul- tura comercial. Em primeiro lugar vinham os senhores de engenho, acompa- nhados dos lavradores de cana. Em seguida, eram mencionados aqueles cenvolvidos em outras atividades de exportacto. Os homens que praticavam agricultura de subsiséncia ou outras atividades semelhantes recebiam mencio especial, a mesma forma que se costumava destacar os camponeses na Europa ¢ saudé-los como a base de todo o resto, mas eram mencionades por tiltimo entre 0s agricultores. Com uma répida mencio a0 comércio e aos comercian- Duarte Coelho voltou-se em seguida para os artestos, relacionando-os smente na ordem de sua importincia no processo de fabricacéo do i 15 de abril de 1509, Caras de Duarte Cot a B Rel (Recife, 1967), pT As ESTRUTURAS ECONOMICAS FSOCIAIS: 0 BRASIL COLONIAL aciiear ou, em outras palavras, de acordo com o salério anual que cada um es- perava ganhar num engenho. 10 de Duarte Coelho é reveladora tanto pelo que inclui quanto ‘A hierarquia descrita é uma ordem funcional-ocupacional, sada diretamente & agricultura de exportagio, mormente o agtcar. Embora dade essencial, € incompleta no sentido de que descreve ape ‘populaglo livre, Nao figura aqui a vasta maioria da populacto colonial - os dios e, mais tarde, os escravos afticanos. Na realidade, além dessa hierarquia ‘ocupacional agréria, a sociedade brasileira era ordenada por dois outros prin- cipios: uma divisto juridica baseada sobretudo nas distingdes entre escravos livres, uma gradagio racial do branco para o preto. No século XV1, fizeram-se algumas tentativas de manter as, sais tradicionais entre nobre ¢ plebeu ¢ as divisbes de uma so péia de estados ou ordens. Mas a classe do senhor de engenho nio conse- {guiu evoluir para uma nobreza hereditéria e todos os brancos tendiam a Pirar uma alta posigfo social. Os fidalgos e os homens da Igr vam a desfrutar de alguns direitos e iseng6es juridicos. Em ocasides solenes ‘ow importantes, eram convocados os representantes dos estados tradicio- nais, Foi o que ocorreu, por exemplo, quando, em reagdo a um imposto so- bre a propriedade em 1660, a cimara do Rio de Janeiro foi apoiada por re- presentantes da nobreza, do clero e do povo, ou quando, na fundagao da porém, outras ses pri Juridicamente, a sociedade br: re escravos ¢ livres. Em vit res, indios ¢ africanos, a distingdo entre escravo No entanto, mesmo dentro da di ivre havia categorias capturados e colocados sob @ e sram legalmente incao legal clara entre es- stermedifrias. Os indios que haviam sido dos colonos, os chamados “forros” ou comprar sua liberdade ot que tinham sido alforriados sob a condigio de fazer faturos servicos ou pagamentos, desfrutavam aparentemente, na qua- lidade de “coartados’, de uma posigdo legal que os distinguia dos escravos. sda que no Brasil existissem as divisdes juridicas de uma socieda- tinham importincia menor numa colénia em sociedade escrava exerciam grande influéncia so- ais importantes ~ europeus, fa- dios americanos e escravos africanos ~ numa col8nia criada por europeus re- sultow numa hierarquia baseada na eos, tendo os brancos no alto ¢ 08 negros ‘embaixo, © lugar das pessoas mistas ~ os mulatos, 0s mamelucos e outras mis- turas semelhantes — dependia da sua cor clara ou escura e da extensio de sua s- culturagdo as normas européias. As pessoas livres de cor cabiam as ocupagDes menos prestigiosas do pequeno comércio, do trabalho artesanal, do servico ‘racal e da agricultura de subsisténcia. Apesar de sua condigdo de legalmente livres, experimentavam alguns desabonos. Eram excluldas dos cargos munici- pais ou das irmandades ligas mais prestigiosas, como a Ordem Terceira de $20 Francisco. Vez por outra, 0s conselhos municipais promulgavam uma legisls- do stintuéria, Em 1696 os escravos foram proibidos de usar seda ¢ ouro em Salvador, € por volta de 1709 as restrigdes foram ampliadas para incluir os negros livres e 08 mulatos, como era de praxe, argumentava-se, no Rio de Ja~ neiro, Outras restricdes foram aplicadas, também, Por uma lei de 1621, nenhum negro fndio ou mulato podia ser ourives na Bahia, eem 1743 0s negros foram proibidos de vender mercadorias nas ruas de Recife". O fato de terem esas leis discriminatérias sido burladas com freqUéncia ndo nega as limitagbes que envol- viam a vida da populagio livre de cor. Que eles perceberam sua desvantagem ¢ tentaram frzer algo a respeit fica claro a parti de incidentes como o acontecido em 1689, quando os mulatos tentaram set admitides no Colégio Jesuita da Bahia, onde desejavam “melhorar 0 destino da sua cor” pela educagio e tiveram negada sua admissio*. "A antipatia para com as pessoas de cor era profunda ¢ permeava todos os aspectos da vida. No Cearé, em 1724, € no Rio Grande do Norte, em 1732, foi > WUVIVTIVITT TVET TES VVEV ETT UU eevee stugerido que, embora na eventualidade de escassez de brancos os mulatos ¢ os rmamelucos pudessem ocupar cargos pibicos, agora dever-seia impor restr- demonstrou que sio menos capazes por ietacio e o distirbio & mais natural a cles"®, Eram, como disse a cAmara de Salvador, ‘pessoas inferiores que nfo tinham honra nem razdes para a conservagdo € o cresclmento do reino e bus- ‘avam apenas sua prOpria conveniéncia”®, O comentério decisivo sobre sua in- das da sociedade branca, que Ihes proporcionavam um senso de comunidade ¢ orgulho. Os regimentos negros de milicia, chamados de Henriques em home- nagem a Henrique Dias, um lider na luta contra os holandeses, exstiam por ‘muitos lugares do Brasil. Eram mantidas as distingdes entre regimentos de ne- lato aos crioulos nascidos no Brasil. Além disso, as unidades ia ofereciam um ponto de coesio ¢ eventualmente uma plataforma de ‘onde podiam expressar as queixas. Talvez até de importincia maior fossem as cengenhos. B possfvel que tenham existido algumas jé no inf mas nao comegaram a proliferar antes do século XVIit. A Bahia, por exemplo, tinha, no inicio deste dltimo século, seis irmandades negras e cinco mulatas dedicadas & Virgem. E verdade que algumas dessas irmandades estavam franqueadas a homens e mulheres de todas as ragas, mas outras eram limitadas pela cor ou pela nagio africana de origem. Essas instituigbes ofereciam veredas ipagio na cultura dominante, mas a separaglo por cor e por na¢io haviam sido abrigados na de que foram alvo da parte das irmanda- 4 A713 3 de igeja". Para as pessoas de cor a eleio para o conselho de uma irmandade ou 1 obtencio de tm posto na milicia era sem divida uma questo de realizacio de sucesso social, mas dentro de um espectro limitado e sempre restrito de coportunidades oferecidas pela sociedade colonial.

You might also like