You are on page 1of 23
Manual de lingiiistica DCiCe Cae a] laborado cuidadosamente para { letras, ling s afins — fornece meios eficazes r icil tarefa de introduzir informagées sobre uma ciéncia i | \ desconhecida para a maioria dos estudantes brasileiros \ que m em uma universidade. rada em um tinico volume, a obra apresenta princfpios { tica moderna, concilia . éter tradicional, dialoga com outros manuais } : Mario Eduardo Martelotta Mariangela Rios de Oliveira Rr i Mercury ares CCRT Cee OR (aad Dee Conic) Sen Ay Cu Marcio Martins Leitio Porc inta tendéncias. Além disso, estimula o leitor a na nos rumos do funcionamento da ling: | 1 FR nonce OE Estruturalismo Este capitulo trata da escola estruturalista, dando énfase as propostas de Ferdinand de Saussure ¢ de Leonard Bloomfield. O legado de Saussure ‘A rigor, ndo podemos falar de um conceito sinico para o termo estruturalismo. “Meesmo sem levarmos em consideragio que aantropologa, a ciologia,apsicologia entre ‘outras dreas das ciéncias humanas, podem se apresentar sob a orientago de uma teoria ‘struturdista € nos restringindo aos dominios exclusives das diversas escola lingiisticas, tomma-se evidente a impropriedade do uso indistinto do tcrmo para todas elas. Entrant, «sas escolas, de um modo ou de outro, apresentam concepgées e métodos que implicam 0 reconhecimento de quea lingua é uma estrutura, ou sistema,’ e que é tarefa do lingiista analisar a organizagio ¢ o funcionamento dos seus elementos constitutes, Sisterna, estrutura, estruturalismo. Sabemos que um sistema resulta da aproximagio € da organizagio de determinadas unidades. Por possuirem caracteristicas semelhantes e obedecerem a certos principios de funcionamento, essas unidades constituem um todo coerente, coeso, E essa idéia que nos permite falar, por exemplo, da existéncia de um sistema solar, de um sistema circulatério, respiratério, digestivo, ete. Descrever cada um desses sistemas significa revelar a organizagdo de suas unidades constituintes € os principios ‘que orientam tal organizagi ‘Manual de tnguistico Saussure, o precursor do estruturalismo, enfatizou a idéia de que a Kingua é um sma, ou seja, um conjunto de unidades que obedecem a certos principios de -ionamento, constituindo um todo coerente. A geragao seguinte coube observar 5 detalhadamente como o sistema se estrutura: dai 0 termo “estruturalismo” para nar a nova tendéncia de se analisar as linguas. © estruturalismo, portanto, comprcende que a lingua, uma vez formada por nentos coesos, inter-relacionados, que funcionam a partir de um conjunto deregras, stitui uma organizacio, um sistema, uma estrutura. Essa organizagao dos elementos strutura seguindo leis internas, ou seja, estabelecidas dentro do préprio sistema. (O desenvolvimento da lingiistica estrutural representa um dos acontecimentos ssignificativos do pensamento cientifico do século xx, Nio poderiamos compreender ncontestiveis progress verficados no quadtro das ciéncias humanas sem compreen- mos a laboracio do conceito de estrutura desenvolvido a partir das investigages do Smeno da linguagem. Toda uma geracio de pensadores, entre os quais Jacques Lacan, tude Lévi-Strauss Louis Althusser, Roland Barthes, evidencia em suas brasa contribui- pioneira de Ferdinand de Saussure relacionada organizagio estrutural da linguagem. Curiosamente, as idéias de Saussure, que se tornaram ponto de partida do ssamento que caracterizaalingiifstica moderna, tomaram-se piblicas com o famoso no de lingidstica gerd, livro que, na verdade, & a reconstrusio, a partir de notas por alunos, de trés cursos lecionados por Saussure entre 1907 € 1911 na iversidade de Genebra, cidade onde o lingiiista nasceu. O trabalho foi organizado - dois discipulos, Charles Bally e Albert Sechehaye. E no Curso — publicado em 1916, trés anos apés a morte de Saussure — que “ontramos os conceitos fundamentais do modelo teérico estrututalista Esse modelo, mo j4 mencionamos anteriormente, apresenta a linguagem como um sistema iculado, uma estrutura em que, tal como no jogo de xadrez (analogia abundan- nente utilizada por Saussure), o valor de cada pera nao ¢ determinado por sua terialidade, ele nao existe em si mesmo, mas ¢ instituido no interior do jogo. EE ficil entendermos que pouco importa se, no xadrez, as pegas sio de madeira, ro, marfim ou de outro matcrial qualquer. A possbilidade de darmos andamento jogo depende exclusivamente de nossa compreensio de como as pera se relacionam tre si, das regras que as governam, da fungio estabelecida para cada uma delas e em acio as demais. Se substituirmos o material das pegas, isso em nada afetaré o sistema, jé que © lor de cada peca depende unicamente das relagbes, das oposigdes, entre as unidades. demos, por exemplo, utilizar uma simples tampinha de garrafa como se ela valese somente que o valor atribudo a essa orre de nosso jogo. Para isso, é necessirio mpinha nao seja correspondente ao valor do peo, do bispo da rainha ou de qualquer «ra unidade do sistema de jogo do xadrez. Em relagio c em oposicao a todas as tras unidades, nossa tampinha precisaré valer uma torre. Estruturaiismo 115 Podemos, como quer Saussure, pensar a estrutura lingistica a partir desse ‘mesmo entendimento: estabelecemos comunicagio porque conhecemos as regras da gramética de uma determinada lingua. Ou seja, conhecemos as pepas disponiveis do jogo © suas possibilidades de movimento, como elas se organizam e se distribuem. ‘Nao se trata,.obviamente, do conhecimento acerca das regras normativas que encontramos nos livros de gramitica. Nao estamos falando de regras estabelecidas por um grupo de estudiosos em um determinado momento da histéi fosse, aqueles que desconhecessem taisregras ndo se comunicariam. (O que regula o funcionamento das unidades que compdem o sistema lingistico ‘io normas que internalizamos muito cedo e que comecam a se manifestar na fase de aquisicio da linguagem. Tiata-se de um conhecimento adquitido no social, na relagio gue mantemos com o grupo de falantes do qual fazemos parte. Esse conhecimemto, tal como no jogo de xadrez, independe da materialidade, da substincia da qual as pegassio formadas. Podemos lembrar que o sistema fonoldgico de uma lingua pode scr expresso ‘nfo a partt de uma substincia sonora, mas, por exemplo, a partir de sensasées visuais (movimento dos labios). E desse modo que, em geral, as pessoas surdas de nascenga aprendem o sistema de uma determinada lingua sem nunca ter ouvido seus sons. O que Se assim se pretende demonstrat a partir dessa realidade é que a substancia nao determina de modo algum as regras do jogo lingtistico, que sto independentes do suporte fsi movimento labial, gestos, etc. — em que se realizam. Em resumo, a abordagem estruturalista entende que lingua ¢ forma (estrutura), nfo substincia (a matéria a partir da qual cla se manifesta). Reconhece, entretanto, a necessidade da andlise da substincia para que possamos formular hipéreses acerca do sistema a cla relacionado, Um sistema que nao apresenta qualquer manifestasio material, que nao scja expresso por algum tipo de substincia, nao desperta qualquer interesse cientifico, uma vez que nao pode ser investigado. Essa concepgao de linguagem tem como conseqiéncia um outro principio do ‘estruturalismo: 0 de que a lingua deve ser estudada em si mesma e por si mesma. Eo que chamamos estudo imanente da lingua, 0 que significa dizer que toda preocupasio extralingifstca precisa ser abandonada, uma vez que a estrutura da Kngua deve ser descrta apenas a partir de suas relagBes internas. Nessa perspectiva, ficam excluldas as relagoes entre lingua e sociedade, lingua e cultura, lingua e distribuigio geogréfica, lingua e literatura ou qualquer outra relacio que no seja absolutamente relacionada ‘com a organizacio interna dos elementos que constituem o sistema lingtistico. Lingua e fala Quando estudamos Saussure, é fieqiiente encontrarmos um grupo de dicosomias telacionado ao pensamento do famoso lingiista. O termo dicoromia designa a divisio $ Manual de ingistica ica de um conceito em dois, de modo que se obtenha um par opositivo. Podemos, im, observar dualidades como: lingua e fala, sincronia © diacronia, paradigma ¢ cagma, forma e substincia, significado e significante, motivado ¢ arbitrério. Essas algumas das chamadas dicotomias saussureanas, A partir de agora vamos observar umas delas, comegando pela dicotomia entre lingua c fala ‘Até agora usamos sem maior rigor o termo linguagem. Pata Saussure, entretanto, inguagem deve ser tomada como um objeto duplo, uma vez. que “o fendmeno sistico apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem ¢ das quais uma vale sendo pela outra’ (Saussure, 1975: 15). Assim sendo, a linguagem tem um o social, a lingua (ow langue, nos termos saussureanos), ¢ um lado individual, a 1 (ou parole, nos termos saussureanos), sendo impossivel conceber um sem 0 outro. Para Saussure a ingua & um sistema supra-individual utilizado como meio de municacio entre os membros de uma comunidade. O entendimento saussureano éo de ea lingua correspondc’ parte essencial da linguagem econstitui um fesouro —um sistema matical ~ depositado virtualmente nos cérebros de um conjunto de individuos rencentesa uma mesma comunidade lingistica. Sua existéncia decorre de uma espécie contrato implicito que é estabelecido entre os membros dessa comunidade. Daf seu tr social. Para Saussure, o individuo, sozinho, nao pode criar nem modificar a lingua. Diferentemente, a fala constitui o uso individual do sistema que caracteriza a gua. Nas palavras de Saussure, é “um ato individual de vontade e de inteligéncia’ 975: 22), que corresponde a dois momentos: as combinagies realizadas pelo falante tre as unidades que compéem o sistema da lingua, objetivando exprimir seu asamento, € 0 mecanismo psicofisico que Ihe permite exteriorizar essas combinagdes. ata-se, portanto, da utilizasio pritica ¢ concreta de um eddigo de lingua por um cerminado falante num momento preciso de comunicacio. Em outras palavras, é ancira pessoal de atualizar esse c6digo. Dal seu caréter individual. De acordo com ussure, a Iingua & a condigio da fala, uma vez que, quando falamos, estamos bmetidos a0 sistema estabelecido de regras que corresponde & lingua. Portanto, o objeto de estudo especifico da lingiistica estrutural & a ingua, € (0 a fala, sendo esta tltima tomada como objeto secunditio. Isso se dé porque é na rgua, conhecimento comum a todos, que se encontra a esséncia da atividade municativa, € nao naquilo que é especifico de cada um, Como jé mencionamos xeriormente, toda preocupagio extralingiifstica ¢ abandonada, ea estructura da lingua descrita apenas a partir de suas relagdes internas. Isso nao significa que se possa estudar a lingua independentemente da fala, ma ver que, entre 0s dois objetos, existe uma estreita ligasior a lingua & necesséria 1ra que a fala seja compreensivel e para que o falante, conseqentemente, possa vit atingir os seus propésitos comunicativos; por outro lado, a lingua s6 se estabelece a arir das manifestagGes concretas de cada ato lingiistico efetivo. Assim, a lingua é > mesmo tempo, o instrumento ¢ 0 produto da fala. Estruturatsno 117 Sincronia e diacronia Nesta seco, conheceremos mais uma dicotomia sausureana, relacionada ao mé- todo de investigagio a ser adotado pelo lingiiista em suas pesquisas:sincronia e diacronia No inicio do século xtx, as semelhangas encontradagentre determinadas linguas levaram os pesquisadores a acreditar na existéncia de parentescos entre clas. As investigagies passaram a ter como um de seus principais objetivos o agrupamento dessaslinguas em fimiias, 0 que acontecia através de um método de estudo chamado bistbrico-comparativo. Entre essas familias, temos a indo-2uropéia, que retin, entre ‘outras, a maior parte das linguas européias, assim como as linguas do chamado grupo indo-irinico, como 0 persa ¢ 0 sAnscrito, lingua sagrada utilizada pelos hindus nos cerimonias religiosos ha cerca de 1.220/800 a.C. ‘Aos 21 anos, Saussure havia escrito Mémoire sur le systéme primitif des voyelles indo-europeene (apud Malmberg, 1974), obra que faz parte da bibliografia relativa a0 pensamento do século xx. Durante todo esse século, a investigagao acerca dalinguagem foi marcadamente de cariter histérico. Pouco interesse havia em se estudar a lingua de tum determinado grupo de falantes fora de um quadro de consideragdes histéricas. ‘A partir dos anos de 1870, a geragio dos neogramdticos procurou mostrar que a ‘mudanga das linguas possui uma regularidade, segue uma recessidade propria, nao de- pendendodavontadedoshomens. Comesse objetivo, desenvolveram uma teoria das trans- formagées lingtisticas bascada em método estritamente cientiico, afastando-se das espe- cculagécs vagas c subjetivas que marcaram os estudos da linguagem no inicio do século xt. De acordo com a escola dos neogramaticos, alingistica necessariamente deveria ter um cariter histérico, ja que sua tarefa seria estudar as transformagées das linguas em busca de explicagdes e formulagdes de regras de um “vir-a-ser” dessas linguas. Para Hermann Paul, ogrande teérico da escola, a simples descrigaode uma lingua representaria, ‘unjcamente, a constatagio de um fato, mas de forma algume uma ciéncia, ‘A distingio feita por Saussure entre a investigagao diacrénica ea investigagio sincrénica representa duas rotas que separam a lingisticaestétca da lingibtica evolutiva. “E sincrénico tudo quanto se relacione com 0 aspecto estitico da nossa ciéncia, diacrénico tudo que diz respeito as evolugées. Do mesmo modo, sincronia ¢ diacronia designario respectivamente um estado de lingua ¢ uma fase de evolugia.” Saussure, 1975: 96). ‘Assim, enquanto o estudo sincrénico de uma lingua tem como finalidade a descrigio de um determinado estado dessa lingua em um determinado momento no tempo, 0 estudo diacrdnico (através do tempo) busca estabelecer uma comparasio entre dois momentos da evolusio histérica de uma determinada lingua. Podemos citar aanlise ddavariagioentreo.usode ter” “haves” no portuguéscontemporineo no Brasil como exem- plo de estudo de caritersincrénico, que o termo “variagio” implica a coexisténcia de duas (ou mais formas em uma mesma época. Por outro lado, a andlise da trajet6ria de mudanga Pane> pide> “pio”, do latim ao portugués, caracteriza-se comouma abordagem diacrénica. 18 Manual de lingtistica (© estruturalismo proposto por Saussure nao apenas aponta as diferengas entre sas duas formas de investigagio, mas, sobretudo, registra a prioridade do estudo ncrénico sobre o diacrénico. Ou seja, para Saussure, o lingtista deve estudar ncipalmenteo sistema da lingua, observando como se configuram as rlagGes internas ire seus elementos em um determinado momento do tempo. Esse tipo de estudo é assivel porque os falantes nao tém informagdes acerca da histéria de sua lingua ¢ jo precisam ter informagdes etimolégicas a respeito dos termos que utilizam no dia- dia: para os falantes, a realidade da lingua é o seu estado sincr6nico. 'Na defesa de tais idéias, o lingiista utiliza, mais uma ver, a analogia entre 0 stema lingiistico ¢ 0 jogo de xadrez. Conforme a andlise de Saussure, tanto no jogo 1 lingua como durante uma partida de xadrer estamos diante de um sistema de lores ¢ assistimos as suas modificagbes: assim como ocorre com os sistemas ngiisticos, a disposigio das pegas no tabuleito sofre continuas mudangas. A qualquer stante, porém, essa disposigio pode ser descrita conforme a posigao das pegas naquele jomento especifico do jogo, © mesmo acontecendo quando se trata da descrigio de m estado particular de lingua. Nao importa o caminho percorrido: “o que ompanhou toda a partida no tem a menor vantagem sobre 0 cutioso que vem piar 0 estado do jogo no momento criticos para descrever a posigao, é perfeitamente titil recordar © que ocorreu dez segundo antes” (Saussure, 1975: 105). Além disso, gumenta-se que, embora nao sejam muitos os falantes conhecedores profundos da olugio histérica da lingua que utilizam, todos nés demonstramos dominar, ainda 1 infincia, os principios sistemsticos, as regras da lingua que ouvimos & nossa volta descrigéo linglstica sinerénica tem por tarefa formular essas regras sistemsticas ynforme clas operam num momento (estado) especifico, independentemente da ymbinagio particular de movimentos (das mudangas) j ocortidos, Cabe observar ainda que © movimento de uma pedra no tabulei ynstituigdo de uma nova sincronia, uma ver que tal movimento repercute em todo 0 stema. O conjunto das regras do jogo, porém, é mantido. Essas regras, como ji vimos steriormente, situam-se fora do tempo do jogo esio préviasa sua existenciae realizaga0. o proprio Saussure, contudo, que nos alerta quanto a0 ponto em queaanalogia entre jogo de xadrez € o sistema lingiistico se mostra falha: a acZo do jogador ao deslocar ma pedra e, conseqiientemente, exercer uma alteragao no sistema ¢ intencional. Na ngua, diferentemente, nada é premeditado, “é espontinea ¢ fortuitamente que suas sgas se deslocam — ou melhor, se modificam” (Saussure, 1975: 105). implica a ) signo linguistico Uma vez compreendido que a lingua representa um conjunto de elementos lidérios, uma estrucura, cabe-nos conhecer a natureza desses elementos. Saussure irma que a lingua é um sistema de signos. O signo é, portanto, a unidade constituinte Estrsturalimo 119 do sistema lingifstico. Ele é formado, por sua vez, de duas partes absolutamente insepardveis, sendo impossivel conceber uma sem a outra, como acontece com as duas faces de uma folha de papel: um significante © um significado, Poderiamos dizer que o significante consiste numa seqiéncia de fonemas, como acontece, por cxemplo, com a seqiéncia “linguagem’. Precisamos, porém, de um pouco mais deccautela para entender o verdadeiro sentido atribuido por Saussure 20 conccito de significance. Comecemos por compreender que, de acordo com a proposta ‘struturalistasaussurcana, a lingua ¢ uma realidade psiquica, Como jé dito, um tesouro— tum sistema gramatical ~ depositado virtualmente no cérebro de um conjunto de individuos pertencentes a uma mesma comunidade lingiistica. Assim sendo, as faces que compem o signo lingiistico sio ambas psiquicas e est2o ligadas, em nosso cérebro, por um vinculo de associagio. Sendo assim, 0 significante, também chamado de imagem actistica, nao pode ser confundido com o som material, algo puramente fisico, mas deve seridentificado com a impressio psfquica desse som, a representagio da palavra enquanto fato de lingua virtual, estando a fala absolutamente excluida dessa realidade. A outta face do signo, o significado, também chamada de conceito, representa co sentido que ¢ atribuido ao significante — 0 sentido, por exemplo, que atribuimos 20 significance “linguagem” anteriormente mencionado como “capacidade humana de ‘comunicagio verbal”. Dai 0 entendimento de que o signo, unidade constituinte do sistema lingiistico, resulta da associacao de um conceito com uma imagem aciistica. A arbitrariedade do signo linguistico A filosofia desenvolvida na Grécia antiga € um marco inicial, no Ocidente, do debate sobre as relagdes entre a linguagem e 0 mundo. A discussio era se os recursos lingiisticos através dos quais as pessoas descrevem © mundo & sta volta sio arbitrérios ‘ou se esses recursos sofrem algum tipo de motivacéo natural. Essas duas teses representam desdobramentos das especulacoes filos6ficas que dividiram os gregos na antigtidade clissica em convencionalistas € naturalistar. Enquanto os primeiros defendiam que tudo na lingua era convencional, mero resultado do costume ¢ da tradigio, os naturalistas afirmavam que todas as palavras eram, de faro, relacionadas por natureza as coisas que elas significavam. Que relagio podemos observar entre a seqiiéncia “linguagem” co sentido a ela atribuido? Quando nos referimos a “livro” como “conjunto de folhas de papel capaz de guardar uma obra literéria, cientfica, artistica, etc.”, haveria alguma motivaggo ‘especial para a escolha desse termo (“livro”), € nao a de um outro qualquer? ‘Afirmar que o signo lin reconhecer que nao existe uma relagao necesséria, natural, entre a sua imagem aciistica icado). Isso significa dizer {stico & arbitrério, como fez Saussure, significa (seu significante) e 0 sentido a que ela nos remete (seu si 20 Manual de lingtistica 1e 0 signo lingiistico nao € motivado, ¢ sim cultural, convencional, jé que resulta s acordo implicito realizado entre os membros de uma determinada comunidade. ata-se, portanto, de uma convensio. ‘A atbitrariedade do signo lingistico pode ser mais bem compreendida quando sservamos a diversidade das linguas. Cada lingua apresenta um modo particular de pressar 0s conceitos: ninguém discute, por exemplo, se“livro” ou book se aproximam ais, ou menos, do conceito apresentado anteriormente. Por outro lado, poderiamos gumentar que certas unidades linglsticas apresentam-se como contra-exemplos da bitrariedade. As onomacopéias (do tipo “au-au’,“tic-tac’)® parecem set motivadas, io-arbitrarias. No entanto, argumenta Saussure, clas “no apenas sio pouco umerosas, mas sua escolha ¢ jé, em certa medida, arbitriia, pois néo passam da nitagdo aproximativa e jd meio convencional de certos ruidos” (1975: 83). Contudo, jussure reconhece que a arbitrariedade ¢ limitada por associagbes € motivagées vas: assim, “vinte” é imotivado, mas “dezenove" nao 0 é no mesmo grau, porque foca os termos dos quais se compée, “dez” ¢ “nove”. Saussure observa ainda que o principio da arbitrariedade do signo lingtistico io implica a compreensio de que o significado dependa da livre escolha do falante. lingua, como jé apresentado anteriormente, € social, no estando ao alcance do dividuo nela promover mudangas. elacées sintagmaticas e relagdes paradigmaticas Sendo a lingua um sistema, cabe-nos compreender a forma como as unidades snstitutivas desse sistema encontram-se relacionadas umas as oucras. Quando escrevemos essas relagées, estamos explicitando a organizagao dos elementos onstituintes da estrutura lingtifstica e, em iiltima instincia, reconhecendo 0 incionamento do sistema. Comecemos por entender que o signo lingiistico exibe uma caracteristica astante particular, a qual, embora considerada demasiadamente simples, torna-se indamental para a compreensio da lingua como um sistema: 0 signo lingiifstico resenta uma extensio, Isso significa que, ao ser transmitido, ele constitui uma iéncia cuja dimensio s6 pode ser mensurivel linearmente. Decorre dai o chamado ardver linear da linguagem articulada. Uma frase, por exemplo, constituida por um eto ntimero de signos lingiisticos que sio apresentados em linha, no tempo, um ps 0 outro, Sabemos, contudo, que, por se tratar de um instrumento de comunicagio, frase deve ser construida de acordo com determinadas regras. Por isso mesmo, a istibuicéo das palavras (dos signos) nao ocorre de maneira aleatéria, ¢ sim pela cclusio de outros possiveis arranjos distribucionais. Quando combinamos duas ou mais unidades (por exemplo: “te-ter’; “virias essoas"; “a lingiiistica estrutural”; “eu tenho alguns projetos para a minha vida", Estruturalismo = 121 ctc.), estamos compondo sintagmas. As relagées sintagmaticas decorrentes do carder linear da linguagem dizem respeito as articulagées entre os sintagmas ¢ relacionam-se as diversas possibilidades de combinagio entre essas unidades. Devemos, portanto, entender como sintagméticas a relagbes in praesentia, ou seja, entre dois ou mais termos que estio presentes (antecedentes ou subseqiientes) ‘em um mesmo gontexto sintético. Por englobar diferentes niveis de andlise, a nogio de sintagma deve ser compreendida de uma maneira ampla. a) No nivel fonoligico, as unidades se combinam para formar as silabas. Quanto 3s restriges impostas pelas regras do sistema lingiistico, sabemos, por exemplo, que a lingua portuguesa nao admite silaba formada sem som vecilico. Ex: Casa, bar ey “vy Cy Ke b) No nivel morfoldgico, os morfemas se unem para formar a palavra, ou sintagma vocabular, como caracterizam alguns autores. Desse modo, prefixos ¢ sufixos respectivamente antecedem e sucedem o radical (com Rad (= radical), VI (= vogal temitica), Pref (= prefixo) ¢ Suf (= sufixo)). Ex: Menin - 0, in - feliz - mente ne a Rad VT Pref Rad Suf 6) No nivel sintitico, as palavras se combinam para formar frases. E inadmissivel como frase construgdes tais como “De gosta bolo menino 0”, (SN (=sintagma nominal), SV (csintagma verbal)) Ex: O menino ~ gosta de bolo. v v SN sv ‘Além das relagées sintagméticas que dizem respeito & distribuigio linear das unidades na estrutura sintética, as Iinguas apresentam relagées paradigméticas ou associativas que dizem respeito& associagio mental que sedi entre a unidade lingiistica que ocupa um determinado contexto (uma determinada posigio na frase) ¢ todas as outras unidades ausentes que, por pertencerem & mesma classe daquela que esti presente, poderiam substitu-la nesse mesmo contexto. [As relagées paradigmaticas manifestam-se como relages in absentia, pois caracterizam a associagio entre um termo que esté presente em um determinado contexto sintitico com outros que estio ausentes desse contexto, mas que sio importantes para a sua caracterizagio em termos opositivos ‘Ocorte que os elementos da lingua nunca esti isolados em nossa meméra. Eles so armazenados em rermos de determinados tragos que os caracterizam, como estrutura, 22 Manual de lingustica asse gramatical, tipo semantico, entre outros. Assim, a palavra“livciro”, por exemplo, <éassociada a elementos como ‘livro”e“livraria”a partir do radical que esti na base desses ementos. Por outro lado, podemos estabelecer uma outrasériede relagbes paradigmaticas smando como base o sufixo:“liteito”,“sapareieo”, “garimpeira”, entre outros. ‘De algum modo essa organizacio dos elementos lingifsticos na nossa meméria, ara Saussure, é importante na caracterizagio de uma frase. Por excmplo, podemos ibstituir uma desinéncia verbal de pessoa e ntimero por outra do mesmo tipo (estudas! scudamos), um adjetivo por outro adjetivo ou locugao adjetiva (Ele é bondoso/Ele é sridoso/Ele é do bem), um substantivo por outro substantivo (Gostaria de comprar m livro/Gostaria de comprar uma fazenda), etc, Para Saussure, além da possibilidade e ocorréncia em um mesmo contexto, as relagdes paradigméticas sio também ecorrentes da semelhanca de significagio (educagao/aprendizagem), da semelhanga snora (livro/ctivo) ou de qualquer outa situagdo em que a presenga de um elemento ngiistico suscita no falante ou no ouvinte a associagio com outros elementos ausentes. Desse modo, podemos concluir que as relagies sintagmaticas ¢ as relagoes aradigmiticas ocorrem concomitantemente. Na seqiiéncia “Gostaria de comprar mma fazenda’, a unidade “comprar”, por exemplo, a0 mesmo tempo cm que se encontra m relagao paradigmatica com “vender”, “entregar”, “olhat”¢ tantas outras unidades, ambém mantém relagées sintagmaticas com “gostaria’, “de”, “uma” e “fazenda’. Da nesma maneira, no nivel fonolbgico, em se tratando da seqiiéncia /bolal,o fonema /b/ c encontra em relagao paradigmtica com /s/, ml, /g/ etc. ¢em telagio sintagmtica om /bl, [I ¢ lal. Esses fatos nos permirem compreendet melhor o porqué da lingua cr um sistema, uma estrutura, € no uma mera reunizo de elementos. Adotando ima perspectiva estruturalista, podemos afirmar, entio, que 0 que permite 0 uncionamento da lingua ¢ o sistema de valores constituido pelas associagies, ombinasées e exclusdes verficadas entre as unidades lingtisticas. Essas sio,em linhas gers, as principaisidiasformuladas por Saussure. Elasrepresen- am oalicerce da lingiisticaestrucural e, 20 mesmo tempo, fundam alingiistica moderna. Durante a primeira metade do século xx, prvilegiando diferentes aspectos das dias de Saussure, surgem, na Europa, pelo menos trés importantes grupos de estudos ingifsticos: a Escola de Genebra, a Escola de Praga e a Escola de Copenhague. As imeiras nao se limitaram a0 estudo meramente formal da linguagem, adotando visio de que a Iingua deve ser vista como um sistema funcional, no sentido de que -utilizada para um determinado fim: a comunicagio. Por outro lado, a Escola de Copenhague focalizou o aspecto formal das linguas, feixando sua funcio num plano secundério. Ou seja, essa escola adotou concepgi0 aussureana de kingua como um sistema autnomo e, através de Helmsley, desenvolveu ima teoria chamada de glossemitica, aprofundando principalmente os conceitos de jorma e substancia (expresso € contetido). luas Esmuturaismo 123 Sob o rétulo de estruturalismo, a lingiistica moderna conhece duas vertentes princip: : a européiat © a norte-americana. A corrente norte-americana estruturalismo norte-americano € representado pelas idéias de Leonard Bloomfield, desenvolvidas e sistematizadas sob o réculo de distribucionalismo ou lingitstca distribucional. A weoria da linguagem proposta por Bloomfield, dominante nos Estados Unidosatéaproximadamente 1950, éapresentada de manciraindependente no momento em que o pensamento de Saussure comeca a ser conhecido na Europa. Ocorre que, 20 lado de algumas diferencas, muitos sio os pontos em comum — ou, pelo ‘menos, convergentes ~entreaspropostas formuladas pelos doisautores, o que nos permite conceber a teoria distribucionalista como uma vertente do estruturalismo. © objetivo da teoria formulada por Bloomfield é < elaboragio de um sistema de conceitos apliciveis & descrigio sincrénica de qualquer lingua. Para tanto, parte dos seguintes pressupostos: + cada lingua apresenta uma estrutura especifica; * essa estruturagio é evidenciada a partir de trés niveis ~ 0 fonolégico, 0 morfolbgico €o sintético — que constituem uma hierarquia, com 0 fonol6gico na base e 0 sintitico no topo; + cada nivel € constituido por unidades do nivel imediatamente inferior: as construgies sio seqiiéncias de palavras; as palavrss, seqiéncias de morfemas; (05 morfemas, seqiiéncias de fonemas; ‘+ a descrigfo de uma lingua deve comegar pel:s unidades mais simples, prosseguindo, entio, & descrigio das unidades cada vez. mais complexas;, + cada unidade € definida em fungio de sua posigio estrutural ~ de acordo com os elementos que a precedem e que a seguem na construcio: + na descrigio, & nevessiria absoluta objetividade, 0 que exclui o estudo da semintica do escopo da lingtistica. autor pressupie ainda que o processo de combinagio de unidades para formar construgdes de nivel superior (combinagio de fonemas que resulta em ‘morfemas, combinagio de morfemas que resulta em palavras e combinagao de palavras que resulta em frases) é guiado por leis préprias do sistema lingtistico. Ou seja, {enquanto determinadas construgies si0 petmitidas, outras sio totalmente bloqueadas na lingua. No portugués, por exemplo, uma construcio do tipo “Lin, de gosta estudar 0” seria indiscutivelmente inaceitivel. De acordo com a concepgao da lingistica distribucional, para que possamos estudar uma lingua, faz-se nevessério: 24 — Manual de lingtistica + a constituigéo de um corpus, isto é, a reunido de um conjunto, © mais variado possivel, de enunciados efetivamente emitidos por usuarios de uma determinada lingua em uma determinada época; + a claboragio de um inventirio, a partir desse corpus, que permita determinar ‘as unidades elementares em cada nivel de analise, assim como as classes que agrupam tais unidades; + a verificacao das leis de combinacio de elementos de diferentes classes: + a exclusio de qualquer indagacio sobre o significado dos enunciados que ‘compéem 0 corpus. Essa postura mecanicista da lingistica de Bloomfield apéia-se na psicologia chaviorista fortemente difundida nos Estados Unidos a partir de 1920, que tem kinner como um de seus maiores teéricos. Ao tomar 0 préprio comportamento omo objeto de estudo da psicologia, ¢ nao como indicador de alguma outra coisa ue se expresse por cle ot através dele, o behaviorismo rompe com a compreensio de ue as impresses, criadas na mente do homem pelos objetos ¢ eventos, geram seit omportamento. Segundo essa corrente, © comportamento humano é totalmente xplicivel ¢, portanto, previsivel a partir das situagdes em que se manifesta ndependentemente de qualquer fator interno. Logo, cle pode ser compreendido como -conjunto de uma excitagéo ou estimulo e de uma resposta ou aco. No que diz respeito ao comportamento lingiistico, a psicologia behaviorista omece a seguinte explicagdo: uma comunidade ensina o individuo a emitir uma lada resposta verbal (a expressar um ferme), provendo estimulos reforgadores quando ssa resposta ocorre na presenga da coiia para a qual o termo proferide é tomado omo referente, O individuo, por exemplo, aprende a dizer “cadeira” na presenga de uma cadeira ou objeto similar néo por uma questio de apreensdo do significado de cadcira”, mas porque essa resposta, na presenga do objeto, tem uma histéria de eforgo provido pela comunidade verbal. Na perspectiva de Skinner, termos como conteiido”, “significado” ou “reference” devem ser desprezads, pelo menos enquanto sropricdades de respostas verbais. ‘Ométodo deandlise quecaracterizaavertenteamericana da lingiticaestrutural : conhecido como andlise distribucional, apresentado nos Estados Unidos por Bloomfield, com a publicacio de Language, em 1933. Objetivando chegar & descrigio otal de um estado sincrdnico de lingua, esse método parte da observasio de um corpus vara descrever seus elementos constituintes de acordo com a possbilidade de eles se wssociarem entre si de mancira linear. PressupOe-se, assim, que as partes de um lingua ndo se organizam arbitrariamente, mas, ao contritio, apresentam-se em certas posigGes particulares relacionadas umas a outras. Trata-s, portanto, de um método puramente Jescritivo ¢indutivo que corrobora o entendimento de que todas as frases de uma lingua So formadas pela combinacio de construgées — 0s seus constituintes-, € nao de uma simples seqiiéncia de elementos discretos. Esses constituintes, por sua vez sio formados EE ES por unidades de ordem inferior. Assim, para decompor os enunciados do corpus, os distribucionalistasutilizam um método chamado de andlis em constituintes mediates. Nessa perspectiva, uma frase é 0 resultado de diversas camadas de constituintes. Por ‘exemplo, aestrutura da frase “Oaluno comprou um livro” édescrita como acombinagio dedoisconstituintes: um sintagma nominal (“oaluno”) eumsintagma verbal ("comprou tum livro”).Porsuavez, cada um desses dois constituintes imediatos éformado por outros constituintes: 0 Sintagma nominal “o aluno” ¢ formado por um determinante (“o") € por um substantivo ("aluno”); 0 sintagma verbal “comprou um livro” é formado por tum verbo (“comprou”) e por um sintagma nominal (“um livro"). Podemos observar abaixo como nossa frase pode ainda ser segmentada em outros constituintes: > Frase © aluno comprou um Livro > Sincagmas. © aluno / comprou um livzo > Palavas ~ 0 / aluno / compre / umn / io > Morfemas. © /alunlo /compriou um !livelo > Fonema © | alllulo | Wolpllolu Ja 1 Vilvlo Conforme podemos observar, a anilise distribucional (co modelo estruturalista ‘como um todo) apresenta uma perspectiva demasiadamente formal acerca do fendmeno lingiistico, restringindo a tarefa do pesquisador, a0 descrever uma lingua, &classificagao dos segmentos que aparecem nos enunciados do corpus €& identificagao das leis de combinagio de tais segmentos. As formulagdes propostas por Bloomfield sob a inspiragao do behaviorismo representaram, nos estudos lingifsticos desenvolvides nos Estados Unidos durante as primeiras décadas do século XX, uma oposigio as idgias mentalistas que defendiam ‘que a fala deveria ser explicada como um efeito dos pensamentos (intengoes, crengas, sentimentos) do sujeito falante. Ao lado de Bloomfield, Edward Sapir € apontado como um autor clissico da lingiistica norte-americana do inicio do século xx. Entretanto, os estudos de Sapir rompem os limites do estruturalismo saussureano, uma ver que adotam o postulado de que os resultados da andlise estrutural de uma lingua devem ser confrontados com 6 resultados da andlise estrucural de toda a cultura material eespiritual do povo que fala ral lingua. As seguintes idéias estao relacionadas & hipotese Sapir-Whorf * cada lingua segmenta a realidade & sua maneira e impée tal modo de segmentagio do mundo a todos os que a falam. Nesse sentido, a lingua configura 0 pensamento: as pessoas que falam diferentes linguas véem 0 mundo diferentemente; +s modelos lingtifsticos elacionam-seaosmodelossocioculturais. Asdistingbes sgramaticais ¢ lexicais, obrigatérias numa dada lingua, correspondem as distingées de comportamento, obrigatérias numa dada cultura.

You might also like