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Centro de Cultura e Educação Espiritualista

HOMOSPIRITUALIS

Meio ambiente e espiritualidade

Palestra com Adilson Marques

Transcrição realizada em dezembro de 2009

São Carlos – fevereiro de 2010


Esta palestra vai desapontar muita gente. Muitos espiritualistas e
muitos ecologistas vão sair daqui revoltados comigo, mas é o risco que
assumo correr.

Hoje vou falar sobre o tema Meio ambiente e espiritualidade


baseando‐me nos ensinamentos de três correntes espiritualistas: o
taoísmo, o budismo e o cristianismo.

Vamos começar por uma visão taoista. Vou apresentar para vocês
um aforismo que gosto muito e que é de difícil compreensão para a nossa
mente cartesiana:

“você pode fazer o que quiser, pode até salvar sua pele; mas nada
do que você fizer pode mudar a realidade.”

Que coisa mais maluca, não é mesmo? Quer dizer que se eu pegar
essa cadeira e tirá‐la daqui para colocá‐la aqui eu não mudei a realidade?
Se eu resolver cortar uma árvore e fazer uma mesa eu não mudei a
realidade?

Esse aforismo só pode ser compreendido se, em primeiro lugar,


entendermos o que os verdadeiros taoistas chamam de realidade. Para
eles, real é o espírito. A realidade é espiritual e não material. É por isso
que nenhum ato material será capaz de transformar a realidade. A
matéria para o taoista é ilusória, não possui substancialidade. Logo, a
mesma energia que estava na forma árvore agora está na forma mesa.
Mudou a forma e não a essência.

E o que pode mudar a realidade? Se real é o espírito, este não se


transforma com atos materiais, mas com sentimentos. Somente quando o
espírito coloca amor em seus atos ele se transforma. Por isso, para um
taoista, mais importante do que preservar ou transformar a natureza
(matéria), é amar.

Obviamente que o taoista vai preferir se deitar sob a copa de uma


árvore para se proteger do sol, mas não vai se desesperar se uma árvore
precisar ser derrubada para fazer uma mesa. Porém, vai procurar fazer
este ato com amor.

Vamos agora ver como seria a posição budista sobre o tema meio
ambiente. E vou analisar a partir de uma entrevista que o Dalai Lama deu
alguns anos atrás quando esteve no Brasil. Um repórter perguntou para
ele o que ele sentia em relação aos chineses que invadiram e destruíram o
Tibet. Eu não tenho aqui comigo a matéria, mas me lembro que ele disse
mais ou menos o seguinte:

“O amor que eu manifesto pelo meu povo, eu manifesto também pelos


chineses. Mesmo por aqueles que invadiram e destruíram o Tibet.”

Ou seja, apesar de abraçar a causa da libertação do Tibet, em


nenhum momento o Dalai Lama manifestou ódio, rancor ou qualquer
outro sentimento negativo em relação aos chineses. Existem várias
histórias budistas que vão nesta mesma direção. Conta‐se que um monge
estava triste porque a família não aceitava sua condição e o ironizava. Ele
foi procurar Sidarta e este lhe disse que ninguém ofendia ninguém. Nós é
que permitíamos nos sentir ofendidos. E narrou para o jovem monge que,
em uma de suas 500 encarnações das quais se lembrava, em uma delas
um paxá resolveu assassiná‐lo. Sabendo que ele não era o corpo físico,
não ofereceu resistência. O paxá o picou todo até que ele desencarnou em
paz, sem ódio ou rancor do paxá e seguiu o seu caminho. Obviamente que
ele sabia que quem estava adquirando carma era o paxá e não ele.

Enfim, mesmo diante da destruição da natureza, o budista não deixa


de amar e de ser feliz. Buda já dizia que uma das raízes do sofrimento é o
apego (e também a aversão) às coisas materiais. E a natureza ou o meio
ambiente também é matéria. Ou seja, também não tem substancialidade
e está em continuo processo de transformação. Logo, ter aversão ou
apego pela natureza é causa de sofrimento.

Não sei se vocês já viram os monges budistas fazendo belíssimas


mandalas com areia ou com manteiga. Elas são verdadeiras obras de arte.
E o que eles fazem, em seguida? Deixam o vento desmanchar as de areia e
o calor derreter as de manteiga para sempre se lembrarem da
transitoriedade da vida humana e não se esquecerem que o importante é
ser feliz incondicionalmente e amar, inclusive os “inimigos”.

Acho que já podemos começar a falar da visão cristã, já que um dos


ensinamentos do Cristo é justamente o amar o inimigo. E quem é o
inimigo do ecologista? Nada mais, nada menos do que aquele que destrói
a natureza. Ou seja, todo ecologista que se diz cristão deveria, acima de
tudo, amar o que destrói a natureza e não ficar brigando com ele.

Você pode fazer a sua parte, separando o lixo, não matando


animais, cultivando um jardim, mas deve amar também aquele que não
separa o lixo, mata e come animais e cimenta toda a casa porque acha que
dá trabalho limpar as folhas que caem das árvores. Se você é ecologista e
cristão, se não amar aquele que é ambientalmente incorreto, você não
está sendo cristão.

Continuando na esfera do cristianismo, alguém sabe como começa a


epistola de Tiago? Começa mais ou menos assim:

“todo cristão deve ser feliz não importa a circunstância”

Vocês já viram como tem gente que se diz cristã e é triste. Reclama
de tudo e de todos! Pois é, o cristão deve ser feliz não importa a
circunstância. Como isso pode ser pensado na relação com o meio
ambiente?

Eu interpreto que o cristão deve ser feliz morando em um palácio


ou em uma favela; em um bairro arborizado ou em um bairro no meio do
esgoto. Não estou dizendo que ele não pode buscar melhorar de vida.
Claro que pode. O que não pode é sofrer e deixar de ser feliz se a
circunstancia não é tão favorável do ponto de vista ecológico, tão
ambientalmente equilibrada.
Mas antes de abrirmos para perguntas, vamos fazer também do
espiritismo. O Chico Xavier tem um texto ótimo sobre os bons
samaritanos. Ele escreve o seguinte:

“O bom samaritano é aquele que ajuda o agredido, não critica o que


não ajuda e estende a mão ao agressor”

Como seria, então, essa frase pensada a partir da perspectiva de um


bom samaritano ecologista. Penso que ela seria mais ou menos assim:

“O bom samaritano é aquele que cuida dos animais e das plantas,


separa o lixo reciclável do não reciclável, mas não critica o que não cuida
dos animais e das plantas e não separa o lixo e ainda estende a mão para
o que agride os animais e destrói as plantas e joga lixo nos rios e nos
parques.”

Vamos encerrar essa apresentação falando também da ecologia do


ponto de vista da doutrina da não‐violência, conforme a vivenciou e
ensinou Mahtama Gandhi. Antes vou fazer uma fofoca. Certa vez, em um
trabalho mediúnico, um espírito estava conversando conosco e disse que
São Francisco de Assis e Gandhi eram personalidades vivenciadas pelo
mesmo espírito. E que ele reencarnaria em breve, e desta vez no Brasil,
onde já reencarnou na Amazônia, por volta do século X ou XI. Ou seja,
antes da encarnação como o pobre de Assis. Segundo esse espírito foi
nessa encarnação como índio brasileiro que ele aprendeu a amar a
natureza. Se essa informação é verdadeira, não temos como saber. Mas a
história é interessante.

Mas vamos voltar à doutrina da não‐violência segundo Gandhi.


Acho que todos vocês já sabem que ele ensinava os hindus a nunca reagir
com violência à violência dos ingleses. Porém, ele ia além. Ele pedia aos
seus companheiros que não falassem mal dos ingleses e que nem
pensassem mal dos ingleses. Ou seja, não bastava não agir de forma
violenta. Se você falasse ou pensasse mal de quem quer que fosse, você
estaria sendo violento.

E como isso poderia ser pensado na questão ambiental? Em


resumo, cuide da natureza, mas não agrida e nem fale mal ou pense
negativamente das pessoas que não cuidam da natureza como você
gostaria que ela fosse cuidada. Respeite o direito daquele que não quer
parar de fumar, não quer jogar o lixo no lixo ... Sim, ser tolerante com o
intolerante (respondendo a um questionamento de um participante).

Agindo assim não vamos deixar a Terra a merce das pessoas cruéis,
malvadas etc. e sabem porquê? Por que a Terra ainda é um mundo de
provas e expiações, mas está se transformando em um mundo de
regeneração. Ou seja, as pessoas que vocês chamam de cruéis, malvadas
etc. é que vão ser excluídas da Terra, é que vão começar a encarnar em
outros mundos. Mas é importante abrir o olho, porque entre os cruéis e
malvados também estão os que julgam e condenam.

Em suma, não importa se o ponto de vista é taoista, budista, cristão,


espírita ou hinduista. Em qualquer um deles, o importante é o amor,
sobretudo com aqueles que não pensam como nós e que não fazem
aquilo que consideramos certo. Eu também já fui, quando adolescente,
daqueles que falavam mal de quem jogava papel pela janela do carro.
Hoje, se eu posso pegar o papel e jogar no lixo, eu o faço.

Uma professora da faculdade contava que nos anos 50 os filhos


tinham vergonha dela porque ela ia para a praia e levava um saquinho
para recolher o lixo e levar para a casa. Os filhos adolescentes ficavam
horrorizados com a atitude da mãe. Ela estava pagando um mico, na visão
deles. E ela deixou de recolher o lixo por causa disso? Não. Ela deixou de
amar os filhos? Também não.

Enfim, era isso que eu gostaria de passar: ame o mico‐leão dourado,


mas ame também aquele que mata o mico‐leão dourado. Posso te dizer
que mesmo que esta espécie de animal entre em extinção, sua alma não
entrará, pois ela também é eterna. O espírito é real; já a forma material,
impermanente.
E se você conseguir nutrir amor tanto pela “vítima” como pelo
“algoz”, estará acima do bem e do mal, acima do ego virtuoso e do ego
vicioso... estará, enfim, em comunhão direta com Deus e poderá também
dizer: “eu e o pai somos um.”

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