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8 EGON SCHADEN nas discernir alguns tracos essenciais; @stes, ao que parece, se repetiam na matoria dos casos. Os profetas do Icana, afirma-se, pregavam uma nova doutrina crista com elementos do “culto do jurupari", administravam os sacramentos ¢ usa- vam simbolos eristios, A conexio com o Cristianismo se exprime, alias, também nos nomes adotados pelos pregadores, como Santo Padre e Segundo Cristo, Embora alguns procurassem ao mesmo tempo restabelecer festas re- Ugiosas e outras instituicdes combatidas pelos missionérios, seu propésito principal sempre era a luta contra os brancos, que exploravam os silvicolas. Informa Koch-Griinberg que 0 mais conhecidlo désses profetas, 0 Se- undo Cristo, era veneradio como 0 “Salvador dos indios do Icana”, Tratava- se de uma salvacio de ordem social, ou antes politica, e religiésa apenas secundariamente, A idéia de uma revolucio social para libertar os abori- gines de suas intolerdveis condicdes de vida como seringueiros sem direito Dredominou de forma inequivoca sobretudo no iiltimo dos levantes, que se deu entre os Baniwa (por volta de 1950). © chefe, um Baniwa convertido uma seita protestante, se esmerava na interpretacdo dos textos biblicos no sentido da redenc&o dos oprimidos. Era adversirio dos catélicos, mas nfio parece de modo algum haver-se empenhado na restauracko da religiao tribal, A seus asseclas fazia beber o “Sangue de Cristo”. Coisa semelhante ocorreu no Uaupés, onde, entre outros, © messias Cristo Alexandre incitou os seus fiéls, que eram mais de mil, a luta contra 98 brancos, a fim de fundar o seu reino divino, em que éstes seriam escravos os Indios, Diga-se de passagem que os informes sébre 0 messianismo no Uaupés nada contém sobre hostilidade aberta contra 03 missiondrios. Ten- déncias revivalistas, na medida em que existiam af, como no Icana, podiam ter importincia apenas secundaria. Tampouco se ha de interpretar neces- siriamente o inevitvel sincretismo de elementos nativos e cristios como ‘esforgo intencional de revigorar os primeiros. Entre 0s Tuktina do alto Solimdes registraram-se desde o inicio déste séeulo sete ot. mais surtos messifinicos. Pouco sabemos dos quatro primei- ‘705, mas dos iiltimos trés (1940-41, 1946 e 1956-60) possuimos descricdes menos sumérias, Os acontecimentos dos anos 1940-41 foram relatados por Nimuendajii m sua monografia sobre os Tukina. Um jovem, Norane, tinha vis6es do her6i mitico tribal Tandti (“Nosso Pai’) e dizia haver sido levado a um paraiso em que habitavam séres imortais e onde havia tOdas as coisas boas a civilizacko, Tanti o incumbira de induzir os indios a retirar-se para um lugar elevado, a fim de estarem a salvo de um dilivio iminente, que ‘TMataria todos os brancos. Sob a direcdo de um velho pajé, Julio, os Tukkina, ‘aps mudarem a sua aldeia, se dedicaram a festas religiosas na expectativa, do acontecimento, © dono do seringal, a cujo servico estavam, os ameacou ACULTURACAO E MESSIANISMO ENTRE INDIOS BRASILEIROS 9 de tédas as ‘maielras, inclusive com bombardelos de aviio. Aos poucos, entuslasmo arrefeceu e, em breve tempo, voltaram a trabalhar nos seringnis: Mas Norane continuava a ter visdes; nelas participava de festas feitas, 20 que parece, & maneira dos civilizados e'nas quais havia churrasco 4 vontade: As vézes, aparecia-lhe também 0° etndlogo Nimuendaji, Em vida, éste pro- vavelmente foi, por algum tempo, tomado pelo divino her6i Dyoi e, apés a sia morte, como logo veremos, por um ajudante do emissério’ de Dyot, Também o movimento de 1946, que foi deserito por Vinhas de Queiroz, comecou com as visdes de um jovem, Aprigio. Dessa vez esperava-se um. grande navio mandado pelo “govérno”. Traria aos Tukima muitos manti- mentos, utensilios ¢ plantes de cultivo, Logo apés, um grande dilivio de gua fervente destruiria todos os séres vivos que nfo se houvessem refu- giado no pésto indigena, lugar do futuro paraiso. Segundo uma versio dos fatos, fora Manelfio, 0 encarregado do pésto do S.P.I., quem instigara os indios rebelido contra os seringalistas, que procuravam exploré-los. Ma- nelfo zelava conscienciosamente por seus protegides, aos quais nada faltava @ que/o veneravam muito. Segundo Vinhas de Quelroz, os Tuktna viam_ néle provavelmente um emissério de Dyoi, enquanto Nimuendajd, que pouco antes falecera numa aldeia da tribo e cujo espfrito se manifestara numa série de vis6es, era tido como auxiliar daquele, Vinhas de Queiroz cré tam- bém que 0 “govérno” de que the falaram seus informantes outra coisa néo era senio 0 proprio heréi cultural Dyof. No pésto nfo havia maritimentos Para os numerosos indios que ai se haviam concentrado, de modo que éstes ‘do tardaram a passar fome ¢ a sofrer de enfermidades. Tiveram, por isso, de voltar a suas antigas habitagées. Dai a dez anos, em 1956, um curador de grande prestigio, Ciriaco, se proclamou profeta, Também dessa vez se esperava por um navio carregado de mereadorias do mundo da civilizacdo. Segundo o profeta, uma cidade encantada no meio da floresta apareceria sUbitamente & vista de todos. No lugar em que se imaginava 0 centro dessa aldeia, os Tuktina derruba- yam a5 Grvores ¢ erigiram postes, no alto dos quals, segundo Ciriaco, bri- Tharia tuz elétrica. Por fim 0 messias foi proclamado “deus”, isto é, prova- velmente identificado com 0 herdi Dyof. Mas quando, dai @ quatro anos, velo um novo administrador para o seringal, éste decidiu acabar com 0 movimento. Primeiro tentou dissuadir os indios, que nfo Ihe deram ouvido, Mandou entio espancar alguns e prender outros, Depois surgiram dissen- ‘Ges no seio da comunidade e esta se dissolveu, Em seul artigo sobre o messianismo entre os Tuktina, Vinhas de Queiroz -acentua a semelhanca com o culto da carga, que de fato é surpreendente € digna de nota. Insiste ademais, e com razio, no aspecto social, realmente decisive. Aliés, os térmos com que Roberto Cardoso de Oliveira descreve as) condicdes desumanas em que os Tukina levam a vida como seringuciros: tornam bem compreensivel a atitude hostil dos indios contra os patroes ‘brancos. Nao admira que concebessem a idéia de um paraiso perdido, Em. tides como vélidas. E nfo ha de que os primeiros levantes dos Tukiina tinham cardter franca revivalistico, mas a idéia do paraiso nfio se reduzia ao restabeleci- a cultura tribal, — isto porque — & semelhanca de notérios exem- los em outras regi6es do mundo — nfo era possivel conceberem a Tdade de Ouro sem a riqueza ¢ sem os beneficios de que gozam os senhores bran- 30, mostra a seqlléncia dos movimentos tukiima que, no de- tempo, a imagem ideal do homem civilizado se impde cada vez J niio se cogita de fazer grandes rocas como as dos antepassados, ¢ de, como éstes, viver em aldeias, mas, ao contrério, desejam os Tuktina morar numa grande cidade, ou seja, ser civilizados, A tendéncia acultura- tiva, portanto, vai ganhando terreno, e afinal se dissipa de todo o sonho revivalistico, Todavia, isto em nada prejudica a atitude nativista. Pois, se ‘© “govérno” que envia aos fiéis um navio chelo de mercadorias é o préprio i Sionfirios tm nfo raro 0s tracos fisicos do branco, Poder-se-ia pensar no mitologema do mundo transmudado; no entanto, a mitologia tuktina nao fala em deuses, herdis ou antepassados brancos, Como quer que seja, é muito proviivel que a atitude ambivalente reflita um esforco baldado de ‘auto-identificacdo com 0 branco, ou seja, um inconsciente desejo de assi- milagio, Por sua vez, a frustracdo pode muito bem ter favorecido um na- tivismo agressive preexistente. Pelo menos os dltimos movimentos messii- nicos entre os Tukina se explicariam, pols, em parte por um duplo res- sentimento, ainda mais porque o aspecto politico veio predominar sdbre 0 cardter religioso depois de obliterar a primitiva orientacdo revivalistica. Até ha poucos anos mio havia noticia de surtos messianicos em qual- ‘quer grupo da familia J, Varias destas tribos vivem de longa data em contacto com os brancos e algumas esto integradas na economia regional. ‘Todas elas se tém distiguido, nfo obstante, pela resisténcia a mudancas Profundas em suas cultures. O conservantismo de uma tribo timbira orien tal, a dos Ramkokamekra ou Canelas, fo}, alids, objeto de interessante artigo de William H. Crocker, apresentado em 1962 ao Congreso Inter- ACULTURACAO E MESSIANISMO ENTRE INDIOS BRASILEIROS 11 nacional de Americanistas na cidade do México. Tanto mais surpreendente se-afigura o fato de, pouco apés, se haver registrado um levante messid- ‘nico-entre ésses mesmos indios. © fendmeno fol deserito igualmente por Crocke. Os Ramkokamekra, como também outros Timbira, veneram o herdi cultural Aukhé. Déle refere o mito, naturalmente j4 transformado, ter entregue aos Ramkokamekra o arco e as flechas, e aos brancos as armas de fogo, sob a condicéo de éles se comprometerem a cuidar dos indios. ‘Mas 05 brancos nfo cumpriram o contrato e por isso, afirmava-se agora, Aulthé, a titulo de castigo, os mandaria para o mato, onde deveriam cacar’ ‘com arco flechas, ao passo que os Ramkokamekra passariam a morar nas cidades e viajariam de aviio e de nibus. Em 1963 uma mulher gravida, Keekhwél, anunciou que daria & luz uma menina, a irm& de Aukhé. A data do nascimento seria a da grande revolugio, A profecia foi recebida com entusiasmo geral e em pouco tempo 0s habitantes de varias aldelas estavam submiscos a Keelchwéi, que insti- tuiu uma disciplina rigorosa. Exigia, entre outras coisas, que nos fins de semana se dancasse 4 maneira dos brancos e nos outros dias segundo os costumes dos Ramkokamekra. Dessa forma se alegraria a Aukhé ¢ sua ima. Havia castigos severos para os tibios e para os que nao observassem @ risca as prescrigées. Os fiéis contribuiam com dinheiro e com outros va- ores, na certeza de receberem depois 0 miiltiplo do que haviam oferecido. Por fim venderam o que tinham, em especial os cavalos e as armas de fogo, e em troca adquiriam sapatos, chapéus, roupas e téda sorte de quin- quilharias. Tinham, assim, o antegizo da vida civilizada. Alguns usavam braceletes trancados de palha, que se transformariam em relogios de pulso. Eram significativas sobretudo as prescrigdes de Keekhwéi relativas & ‘ordem social, ostensivamente contrarias aos tabus sexuais e ao sistema de parentesco. E notério, alias, que as instituigdes déste sctor representa para os Jé um obstéculo intransponivel & aculturacéo ao mundo dos bran- Em lugar de uma menina, Keelhwéi deu & luz um menino, que, ade- mais, nasceu morto e nao no dia aprazado. Apesar dessa e de outras desi- lusdes, 0 movimento prosseguiu. Foi sufocado depois por estranhos. A pro- fetiza mandava os Ramkokamekra matarem o gado nos campos dos deiros. Dizia pertencer a Aukh8 e asseverava nfo haver perigo para os indios, uma vez que, por obra do herGl, éstes eram imunes as talas dos brancos. Os ataques dos fazendeiros nao se fizeram esperar, Ao mortos os primeiros Ramkokamekra, a tribo comecou a perder a f6 no mi- Jenio, Keekhwet continuou a pregar por algum tempo, mas dessa vez no ‘conseguiu manter o seu prest{gio. j i 12 EGON SCHADEN ‘Neste exemplo, muito bem deserito por Crocker, merece destaque 6 fato de que o grupo, cuja cultura resistira durante varias geragées. a in+ fluéncia dos brancos, procura sibitamente —e néo em fase de pentria econdmica, como Crocker assinala de modo expresso — romper com 0 pas- sado, Nao havia situacio de “cultural deprivation”, nem um estado de anomia social que expliquem 0 fenémeno. © que os Ramkokamekra pro- uravam também no era apenas riqueza; movia-os em primero lugar a ‘Amagem Ideal do homem civilizado, Mas queriam realizé-la — e éste 6 também aqui o traco nativista — sem o sacrificio da identidade tribal. Do Ponto de vista etnopsicolégico, era a luta renhida por uma acuituracao até entfio frustrada e que naturalmente encontraria a sua verdadeira ex- Pressio numa nova personalidade cultural, Vejamos agora o segundo caso de messionismo numa tribo Jé. ‘Trata-se de outro grupo dos Timbira orientais, os Krahé, Os dados disponiveis s6- bre 0 surto, infellzmente pareos, devémo-los a Julio Cezar Melati. Conta @ste autor que os Krahé, cada vez mais desejosos de aculturar-se aos bran- 05, Se convenceram de que as suas institulgdes socials e religiosas os im: ediam de aleancar @se objetivo. Muitos Krahé falayvam até em abando- har a aldeia ¢ estabelecer-se na regio como sitiantes isolados, & maneira dos brancos, para livrar-se das antigas ligacées, compromissos ¢ obstacuilos. Algumas familias, como também a metade da aldeia de Pitir, que se’di- vidira por dissencées internas, fizeram tentativas conscientes de adotar a forma de vida dos “eristios", nome que dio aos brancos; nfo o consegui- ram, em grande parte porque, querendo-o ou no, continuam presos a tradicio, © também porque a relutancia dos sertanejos em reconhecer os ‘rah como: genuinos seres humanos torna impossivel aos que renegam a tultura tribal a auto-identifieaco com os brancos, que no fundo talvez desejariam, embora sem o reconhecerem. O|surto Krah6, que foi de curta duracdo, teve por chefe um indio dé nome Ropkur, Segundo os informes, um tanto confusos e contraditorios, uum ente sobrenatural, ‘Tati (Chuva), tide como o pai dos irmios miticos Plt © Pldlere (Sol ¢ Lua), aparecera a Ropkur e o mandara tomar posse de suas “coisas”, isto é de seus podéres migicos, a fim de transformar 5 Krahé em civilizados e “misturd-los” com os brancos. Significava isto, evidentemente, que os indios jé nfo deveriam viver em comunidade tribal, ‘mas dispersos entre a populacto rural da area, Por outro lado, Tati queria @ destruicAo dos moradores brancos das cidades préximas; poupar-se-iam sdmente algumas metrépoles, de onde os indios as vézes tinham recebido ‘ajuda © assisténcia. Apés a transformacto, todos os Krahé levarlam uma vida de fartura, mas os pobres dentre os “cristios” continuariam pobres ‘também no futuro. Assim desencadeou-se em 1951 um movimento messia- nico, durante © qual! se esperava a chegada de um barco a motor cheio de ‘bjetos do mundo dos brancos. Por milagre a aldeia se transformaria em cidade da noite para o dia, © os habitantes ficariam civilizados e donos ACULTURACAO E MESSIANISMO ENTRE INDIOS BRASILEIROS 13 de grandes rebanhos. Os velhos seriam mortos por ordem do profeta e logo ‘apés ressuscitariam como joyens; todos os fiéis receberiam um “coragdo de oure”, para que no mais precisassem temer a morte. Ropkur proibiu nfo $6 as corridas de toras, téo importantes na cultura de muitos Jé, mas também as expedigdes de caca. Todo sdbado promovia um baile & maneira dos “‘cristaos". Consta que todos os moradores da aldeia ficaram ansiosos € entusiasmados A espera do grande dia, & excecdo dos velhos, que nfo se conformavam com a idéia de abandonar os costumes tradicionais, Como, no entanto, na prevista nfo chegouo milagroso barco, Ropkur perdeu. © prestigio e dentro em breve se desvaneceu a esperanca do. milénio. Dos dados fragmentérios depreende-se pelo menos que os Krahé, dis- postos embora a rejeitar a sua cultura tribal, queriam afirmar-se como indios frente aos brancos. Sem davida o sonho de sua “transformacéo” deve ser interpretado neste sentido. Como nos demais casos aqui vistos, salvo 0s do Rio Negro, o milagre nfo lhcs fora prometido pelo Deus dos cristéos, mas por um ente da religifo tribal. Ademais, € significativo 0 fato, expressamente consignado por Melati, de que, dos sels indios que the falaram sdbre as ocorréncias, trés se viram motivados a contar-lhe preliminarmente 0 mito de Aukhé, o grande heréi cultural. A referéncia expressa & tradicional explicacto mitiea do mundo, que, entre outras col- ‘sas, fundamenta a oposicdo entre os Krahé e os brancos, parece comprovar que, no obstante o empenho em aculturar-se, os Krahé néo conseguem ou nfio querem superar essa oposicio e romper as barreiras, ainda que, repetimos, éste soja talvez o objetivo ultimo, inconsciente, de suas aspira- ies. B a autoimagem do indio que nos faz compreender as catisas, dos ‘surtos messianicos aqui sumiriamente descritos. Enquanto nfo é pertur- ‘bada pela influéncia de gente © cultura estranhas, a atitude etnocéntrica esponténea serve de baliza para 0 comportamento ¢ garante a legitimidade dos antigos valores. E enquanto se mantém 0 equilibrio da tradicional forma de vida, os seus portadores a consideram a manefra mais perfeita de se conduzir a existéncia humana, A medida, porém, que se torna mais ifiell viver segundo os padres dos antepassados e realizar o antigo ideal ‘Ge personalidade, mais receptivos se tornam os aborigines para Idélas € valéres diferentes, ¢ aos poueos se inserem em sua imagem do mundo novas mormas para avaliar a cultura e a maneira de ser tribals. Jé dissemos ue, para salvaguardar a atitude de auto-afirmefo ante 0s brancos, 0 indio erige, de ordindrio, mas nem sempre, determinados elementos culturais, “de preferéncia da esfera religiosa, como simbolos de sua condicao étnica se da superioridade sdbre 0 civilizado. No mundo dos brancos discerne, por ‘outro! lado, caracteres) “positives” e “negativos”, com a crescente tendéncia -de, yolutéria ou involuntariamente, imitar 0 braneo, até que, afinal, o ‘Gomina um sentimento de-inferioridade. Este se traduz no raro, como Darcy Ribeiro mostrou por primeiro, na aceitacéo do estereétino cunhado uw GON SCHADEN ‘pelo branco, segundo o qual o indio € por natureza muito estipido e multo vadio para adotar a cultura do branco. Aos poucos, o nativo desiste entio de afirmar-se perante o civilizado, ainda mais porque as. relacdes\ interét= nnicas se orientam por ésse estereétipo, valido agora também para éle, Sem ‘ajuda alheia the ¢ dificil a safda dessa situacio, pois J nio pode deixar do sempre encararse a si mesmo com referencia ao mundo dos brancos. ‘Mantido em posic&o econdmica e socialmente desfavordvel e marcado, pouco ‘importa 0 seu nivel de aculturacéo, com o estigma de homem inferior, 0 nativo € incapaz de, por sua vez, identificar-se com 0 branco, sendo impe= {do a sempre, mesmo a contragésto, sentir-se como membro de sua tribo. Est6, assim, barrado o caminho para a assimilacto, que ¢, essencialmente, mudanca de identidade étnica, Salvo se compreendermos 0 térmo, como ‘alguns preferem, como simples fase final do proceso aculturativo. Mas ento ficaria de Iado 0 aspecto decisive, que aqui nos’ interessa. Anselos de assimilagho frustrados podem, 6 claro, converter-se muito facilmente, por compensacio catatimica, em nativismo agressive, Sobretudo ‘no caso do indio, sempre vitima de desprézo e de ldgro, Apesar do desejo de gozar os beneficios da civilizagho e da vontade de assumir a personall- dade cultural do homem civilizado, predomina por fim a atitude nativista. ‘Também 0 apélo ao milagre, inerente ao messianismo, decorre dela. J nfo ‘se trata de anular a oposiclo entre {ndios e brancos, mas de apenas inverter’ ‘a relagio, ¢ nfio se precisa sacrificar a antiga identificacto éinica, A éste respelto, alls, nfio hé nada de novo nos exemplos aqui disoutidos, O que ‘93 caracteriza @ a auséncia, ou quase, de um retOrno ao paraiso perdido da vida tribal e em parte até — e isto vale principalmente para os Ram- ‘kokamekra — uma posiclo radical contra as instituicdes de origem, basea- da na certeza de serem incompativeis com 0 n6vo ideal de cultura e de Personalidade, Hao de ser destruidas para que possa vir o milénio, e isto em nome de um herdi indigena, nfio aeaso de um salvador cristo, © messianismo dos Guarani, que delxarmos de Indo, entra em outra ‘categoria, Os surtos periédicos entre ésses indios so devidos em parte ao convivio com os clvilizados, mas, como {4 viu muito bem Nimuendajé, re- ‘presentam antes uma fuga para o -Além nascida duma apatia elegiaca do que uma reagio primarlamente nativista. Exeetuamse os Guarani quanto A mencionada tendéncla dos nativos de afinal aceltarem os preconceltos que os brancos tém a seu respelto. ‘Sentem-se ainda hoje, no tocante & doutrina e ao comportamento religioso, como gente superior. Olham 0 Cristianismo com orgulho, se nko com des- prézo, Para o Guarani imbuldo do espfrito de sua religifo todos os dias sio dias ‘de domingo, dedieados a0 culto das divindades, enquanto o cristio tem apenas lum dia da semana para o culto, reservando os demais para culdar das coisas ‘Pereciveis. Uma vez que, salvo excecSes, a tradicional imagem do mundo © da vida continua valida como sempre foi, e como a idéia do Paraiso ACULTURACKO E MESSLANISMO ENTRE INDIOS BRASILETROS 15 preexiste na cultura tradicional, nfio cabe de onilindrio, no messianismo guarani, importancia priméria a fatdres aculturativos ou anti-aculturativos. $6 entre 0s Mbilé-Guarani se nota rejelcio consciente da cultura dos bran- 0s. © influxo, aliés pouco expressive, da civilizagéo na técnica, na econo- mia e em outras esferas nfo interfere senfo periférieamente na profunda religiosidade do Guarani, de sorte que uma resisténcia contra essas_mu- dancas se manifesta apenas no momento em que se necesita explicagtio para o malégro do sonho de salvacio, E com menos razio ainda se hé de falar de esforcos intencionals de aculturaco nos surtos messifnicos. De mais a mais, 0 milénio nfo terreno; assim, falta aos Guarani o motivo alhures tio preponderante da subversio da ordem social. E mal se precisa ‘mencionar que 0 messianismo guarani nfio 6 compativel com qualquer ten- dencia para a assimilacio, Impe-se com evidéncia 0 aleance geral dos fatos aqui esbocados para a antropologia aplicada. Quer se tenha a conviceo de que, em tal ou qual ‘caso conereto, convém fomentar a mudanca cultural, quer se julgue dever frend-la, 0 que se necesita, para resolver os problemas peiquicos e socials quase sempre ligados a imprescindivel integracio econdmica, & invariavel- ‘mente promover uma auto-imagem positiva, em vez de forcar a assimilaco, de qualquer modo utépica. O nativo continua préso a sua identidade étnica enquanto esta nfio se desfaz por cruzamento biolégico. Por isso, a idéla deprimente de ser inevitavel a sua condicéo inferior pelo simples fato de @le ser membro de uma tribo, o reduz a um ser infeliz ¢, com freqlléncia, neurético. Na medida, entretanto, em que lograr orgulhar-se de ser {ndio, mais ffcil the seré dominar a situacéo criada pela presenca do branco © de sua cultura, [BIBLIOGRAFIA (CARDOSO DE OLIVEIRA, ROBERTO 2054. 0 indo eo Mundo dos, Brancos, A sltuacke ntual doa Takin do Alte Soltmées. Ditusto Buropéla do Livro, Sho Paul ‘CROCKER, WILLIAM H. 1964, Memorian ‘det SRV, Congreso. tatoranclonal do) Avresieanisas Gite, 2960). . gMte Canela Messant, Movement: An Intsotitlon. tas do Simpéulo de aa San 1 Seas 86-28" Gonselho Nacional de" Pesqulsas, Ro ‘do danelre. 7 GALVAO, EDUARDO 1959. ‘

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