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Jodo Pacheco de Oliveira CIDADANIA, RACISMO E PLURALISMO: A PRESENCA DAS SOCIEDADES INDIGENAS NA ORGANIZACAO pos Estapos-Nacionais Face ao modelo vigente de organizagio do Es- tado, é possivel pensar em uma cidadania diferen- ciada, que petmita aos membros das sociedades indigenas serem igualmente participantes plenos da construsio da nagio brasileira? Esta é a questo que o presente artigo procura discutir, focalizan- do inicialmente as dificuldades existentes no pr6~ prio plano do modelo de organizagio politica que norteou a formacao dos estados ocidentais moder- ros, para em seguida abordar as peculiaridades de sua aplicagéo ao contexto brasileito. Para isso é esbogado um breve painel histérico, que discute tanto as representagées coridianas que descrevem a contribuigio do indio 4 culeura e & identidade nacionais, quanto tecapitula as diferentes politicas governamentais que sobre ele incidiram no correr de nossa histéria. Ao final sio apontadas algumas perspectivas para a superacdo dessas dificuldades. ‘Quando falamos em cidadania estamos pensando ‘em determinados papéis sociais, com um conjunto apenso de direitos e deveres, exercidos pelos indivi- duos na qualidade de membros de uma comunidade politica, isto é, de uma coletividade que possui uma ‘expressio territorial exclusiva e detém mecanismos _ptiprios de resolugio de conflitas e de controle soci ‘Na experiéncia hist6rica do Ocidente ¢ no pen- samento moderno a unidade politica com tal en- vergadura € o Estado-Nagio, que, como 2 coleti« vidade de maior relevo ¢ abrangencia, instaura um Circuito especifico de relacionamenco encze os in- dividuos, o qual atravessa e se sobrep3e aos m tiplos dominios de interacio e as esferas setoriza- das de sociabilidade. Para que uma tal rede de re- ages possa operar adequadamente surgem proces- 308 de homogeneizagao cultural e reelaboracio sim- bélica, em que valores basicos passam a ser vistos como compartithados e remeridos a prépria origem (Weber, 1983) daquela coletividade. Por sua vez, a atuagio do Estado é a expressio cde uma vontade coletiva, aferida em sua forma mais perfeita através de uma democracia representativa, ‘cujos procedimentos estdo baseados na livre expres- sio das idéias e nas escolhas racionais (e acumula- tivas) dos cidadlaos. Uma nagio é um sujeito cole- tivo, que no s6 reconstr6i seu proprio passado € administra o seu pattiménio cultural, mas ainda se manifesta como um projeto politico ou utopia (Worsley, 1984), fundada em uma proposta de destino comum. Para 0 pensamento iluminista a permanéncia dos vinculos particularisticas entre os individuos ~ sejam estes vinculos de parentesco, localidide, ‘comunhao religiosa, interesses de classe ou corpo- tagio, ov ainda de pertencimento éenico ou racial ~ no contribui para 0 progresso ¢ fortalecimento das instituigdes estatais. As organizacdes incerme- lidrias entre o Estado eo individuo sio vistas como arcaicas e irtacionais, toda ¢ qualquer associacio nica que néo corresponda & nacionalidade domi- ante devendo ser desencorajada ou mesmo supri- mida (Maybury-Lewis, 1984). AA solidariedade dos individuos para com as tradigBes étnicas ¢ locais constituiia assim uma distorgéo que prejudicatia sensivelmente o funci- ‘onamento do modelo, implicando uma insercio parcializada na totalidade, com a instituigio de ‘uma espécie de “cidadania frarurada”, que apenas admiciria os lagos étnicos como lealdades primor- diais, e nao os de pertencimento nacional. Nessa via, as mages, enquanto “comunidades imagina- das” (Andetson, 1983), teriam a sua imporcincia cultural e politica diminuida, As unidades opera- tivas de uma possivel ordem mundial nfo seriam mais as cerca de 150 nagdes que hoje integeam a comunidade internacional representada pela ONU, ‘mas os grupos énicos dentro dos Estados-Nac nais, cujo nimero - dependendo da definicao ado- tada - oscilaria entre trés mil e seis mil! Ao contrétio, o modelo iluminista de organi- zagio do Estado difundiu-se em escala planetécia, sobrepondo-se a quadros histéricos e culeurais ra- dicalmente distintos daquele da Europa Ociden- JWNOIOWN ODNL8:LNW a ODINOLEIH OMQNIMAVG 08 visiAay Revista 00 ParmiMOnio HistOMico & ARtIstico NACIONAL 2 Jodo Pacheco de Olineira Cidadani tal apés a Revolugio Industrial. Os “Estados Cri- ollos” surgidos na América resultam da aplicagao deste modelo a processos de construc nacional que decorrem de outras realidades econdmicas ¢ que englobam uma populagéo muito diferenciada cer cermos culturais. Os paises da América Latina iniciam a construgio de sua unidade nacional em virtude de guerras coloniais, herdando inclusive sum aparato administrativo jé ali implantado pelas metrépoles colonizadoras. Em gtande parte, nas antigas col6nias tornadas independentes, 0 Estado antecede a homogeneizagio lingiifstica e cultural, bem como a “invengio"(Hobsbawn & Ranger, 1983) de cradicées compartilhadas e a crenga em ‘uma origem e destino comum. Uma tal situagao histérica era caracterizada pela confluéncia de trés fatores. Em primeiro Iu- ar, © novo Estado institufdo era em termos his- 6ricos e simbélicos o sucessor € o beneficidrio di- reco de um processo de conquista e destruigao de populagdes auséctones. Segundo, a sua populaglo possuia, ademais de uma grande heterogeneidade cultural e lingiistica, uma acentuada heterogenei- dade racial, 4 qual estava conectada um siscerna hierarquizado de status s6cio-econdmico. Terceiro, ‘os novos Estados dispunham de extensos espagos interiores, que poderiam vir a constituir-se em regides de fronteira, para virtual expansio de seu sistema produtivo. O acesso a tais recursos econd- micos era controlado e gerenciado pelo Estado atra- vés de mecanismos de imobilizagao da forga de tra~ balho (como 0s aldeamentos missionitios, os dire- t6rios de indios e, mais tarde, as éreas reservadas), os quais se baseavam, justamente no reconheci- ‘mento € na reproducio da desigualdade de status entre os componentes daquela populacio. As priticas de subjugacio e exterminio da popu- lagio nativa, a continuidade ou proximidade do sis- ‘tema escravista ¢ a manueengio de um colonialismo interno associado a um sistema assimétrico de satus ram marcas muito profundas, que nio poderiam ajustar-se aucomaticamente ao modelo liberal. Se no aspecto juriclico-formal somente as similaridades eram sublinhadas, as priticas cotidianas eas ideologias jus- tificadoras demonstravam-se como absolutamence distintas dos ideais de liberdade, igualdade e frater- nidade. Enquanto a postulacio de liberdade circuns- crevia-se & elite intelectual e de proprietétios de cer- fas, 2s crengas e os costumes erum norteadas por um sistema de fortes assimetrias sociais, que implicavam a intolerdncia na condugéo de processos de exclusio, social que, por metonimia, operavam como mera substituigio de posturas racistas. E possivel identificar com relagdo as sociedades indfgenas dois canais de discurso bem distintos, que em alguns momentos se entrecruzam e se ali- ‘mentam mutuamente, mas que em outros momen- os caminham em direcdes divergentes ou até mes- mo antagénicas. Um deles & materializado nas te- orias € representagdes (sejam estas formulagGes in- celectuais ou de senso comum, estas diltimas poden- do permanecer algumas vezes muito depois de se- rem invalidadas do ponto de vista cieneifico) sobre a contribuigdo do indio na formacio do povo bra- sileiro. O outro canal é ocupado pelas diferentes elaboragies e priticas que resultam de tomar 0 in- dio como objeto de politicas do Estado brasileiro. A solugao brasileira para a construgio de uma unidade nacional em meio a uma populagio forte- mente heterogénea ea altamente estratificada pode ser analisada através de dois movimentos, seja no plano das fabulagdes ideol6gicas ¢ justificadoras, seja no plano das estracégias de agio social No primeiro nivel a imaginagio politica colo- ca como ponto de partida o dado da diversidade, que éabsolutizado, micificado e distorcido. As trés ragas, situadas em um plano de horizontalidade, so igualmente indicadas como fundadoras da na- cionalidade. Na subseqilente dialética do pensa- mento mitico, porém, a apologia da diversidade é logo substituida pela sua negacio, a apologia da mistura, que € cantada em prosa e verso como a solugio justa e pacifica para os conflitos raciais € as concradigées sociais. O fim do processo, contra- riamente as teorias genécicas ou & observacio de experiéncias histéricas especificas, é 0 progressive branqueamento da populaglo brasileira, que em geracdes sucessivas de casamentos interétnicos iré “limpando a raga” dos componentes indigena ¢ negro, retornando ao “protétipo do homem bran- co” (56 que apurado com caracterfsticas valorizadas ddas oucras “racas”). Essa € a fibula das erés racas, ironicamente chamada por Matta (1981), de “ra- cismo 4 beasileica”. Para este modo de pensar faz sentido ~ mesmo sem outras justificativas econémi- ‘cas ou politicas - a aboligio do trafico de escravos 0 incentivo 4 migragio de colonos europeus. No plano das escratégias o primeiro registro que se deve fazer é que a representagio mais comum, sobre o indio sempre o situa como algo referido a0 passado, seja aos primérdios da humanidade, seja a08 primeiras capiculos da histéria do Brasil. Como jd havia observado em outros crabathos (Oliveira, 1993 € 1994), as imagens e esceredtipos associados a0 indio sempre destacam a sua condigio de pri- mitividade ¢ 0 consideram como muito proximo da nacureza. Isso se expressa nos tetmos utilizados, ‘que o relacionam ao primitivo (“aborigine”), a ume conduta com parcos elementos de civilizagio ("sel- vagem” ¢ “brabo”), & floresca (“silvicola”) e a0 mundo animal ("bugre"). Tais associagBes encon- ‘tram-se igualmente explicitadas na literacura, na pincura, nas artes plisticas, nos desenhos infantis, nas fotografias tidas como artisticas, em cartes postais, calendérios, selos, em ilustracdes de véri- (0 tipos e até nas charges humoristicas. O que cha- ma a atencio em todas essas representagdes € que, ‘embora seja um homem € possua lingua e cultu- ta, 0 seu enquadramenco é sempre muito préximo a0 mundo natural; ¢ quando se focalizam os seus elementos de humanidade ¢ os iens de sua culeu- 1a, é sempre para demonstrar a sua extrema simpli- cidade (e daf incorporé-lo enquanto expresso pou- co mediatizada das emogies e da nacureza huma- ‘na), ou, inversamente, aponcar 0 seu exatismo (em uma critica implicita quanto aos seus costumes idos como extravagances). A impressio corriqueita das pessoas (hoje, ‘como também no passado) é que 0 indio - como se fala dele, ¢ 0 concebe o discurso erudico ou 0 sen- so comum - jé acabou de hé muito. O ensino re- gular da histéria do Brasil nas cartilhas escolares também reforga esta imagem. O indio s6 € perso- nagem dos capiculos iniciais da nossa histéria, como a descoberta, a primeira missa, as invasdes estrangeiras, as entradas e bandeiras. Na histéria econdmica o fndio é sempre apontado como um obstéculo ao desenvolvimento, nio figurando a sua participacio em qualquer dos ciclos econémicos. A Ainica excegio € 0 periodo das “drogas do sertio”, certamente pelas caracteristicas de nomadismo ¢ rusticidade de que estava investida tal atividade exttativa. No préprio ciclo da borracha, mais de um século depois, as mengdes a0 indio sempre o situ- am nfo como um seringueiro, mas-como um ini- migo feroz e grave ameaca aos extratores. Alias, 0 seu carter ambiguo e traicoeiro é freqiientemente anotado mesmo nessas refeténcias a0 passado, fican- do claro que existem indios com sentimencos no- bres (sio os aliados da Coroa portuguesa) e indios mercendrios e traigoeiros. Assim, nas lucas contra franceses ¢ holandeses no Rio de Janeiro e no Nor- desce (Bahia, Pernambuco e Maranhao), algumas tribos se aliam aos portugueses ¢ sio importantes para a sua vie6ria, enquanto outtas fazem comércio € apbiam os invasores. Alguns estudiosos argumentam que nas descri- ‘Bes sobre a formacao histérica do pais e na cons- trugio da identidade nacional a contribuicio indi- .gena foi inteiremence apagada e suprimida (Orlan- di, 1985). Um levantamento recente (Ribeiro, 1987) sobre os elementos da cultura indigena in- corporados & cultura nacional e lingua portuguesa falada no Brasil indicam uma presenga extensa (in- cluindo animais, plantas, culinéria, tecnologias, ‘costumes, seres sobrenatutais), bem mais do que as avaliagies genéricas habituais coscumam anotar. Na toponimia, por exemplo, é muito grande a uti« lizagio de termos indigenas (especialmente da Iin= gua Tupi), para designar rios, praias, montanhas, regides, cidades e logradouros piiblicos. Ainda que sejam extensos tais inventarios, s6 reforgam a ima- gem - acima adiantada - de que 0 indio € exclus vamente personagem do passado e que a sua pre- senga no Brasil contempordineo se xz somente através de vestigios, influéncias e descendéncias longinquas. Para 2 populagio brasileira (em especial para a do interior, por conflito de inceresses, mas também para os moradores das cidades, em funcao da repre~ sentagio genérica ja comentada) os membros das sociedades ind{genas sio muito mais adequada- mente classificados como “remanescences” ou “des cendentes” do que como “indios”. Quando esta designacio é adorada, isto decorre de uma explici- ta auto-attibuicio pelo desighado ou por se refe- rit a um status jutidico, com o sistema de simbo- los af conexos (eutela da Funai, reivindicagio de terras, agéncias missionrias, antropélogos etc). Nas regides onde existem (ou existiram em passa- do préximo) graves conflitas fundisrios entre bran- cos ¢ indios, a sociedade local discrimina forcemen- te estes iileimos (Sendo muito alto o custo de as- sumnir-se enquanco cais), forcando-os muitas vezes a adotarem identidades negativas (como a de “ca- boclo”, analisada por Cardoso de Oliveira, 1981). ‘Afora tais situagoes circunscritas ¢ cransitérias - ‘onde ademais qualquer identidade seria semantizada. negativamente pelo grupo que lhe € antagénico -em sgeral a utilizagdo do designativo “indio” néo tem 0 ‘mesmo teor ‘evoca sempre a instituigéo da escravidio). Nas estra~ ‘tégias de inceragao social a idencidade de sempre entendida como remanescente ou descendence - pode ser acionada inclusive por brancos, seja para -marcar um processo individual de ascensio social (a exemplo do pobre que enriquece no mito do lf made man), seja para indicar a condiglo de “filho da terra” (ou “nativo"), em oposigio 0s recém-chegados (es chamados “paulistas” na Amar6nia p. Ex.). A alcunha de “Indio” foi (e aplicada a diversos politicos e per- sonalidades da Amazénia, como uma forma de investi- Jos de valor e autenticidade segundo o discurso nativista. tiuepepa eu12Ht0 2p eeqpeg evel oustjeanyd 2 owsioe TWNOIOYN ODSHH¥Y B ODIHOISIH oINon! Revista oo ParaiMoNIo Hisromico © AaTisTico Nacional Joie Pacheco de Otiveiea Cidadania, racirmo © pluralisme [Nas elites do Norte ¢ Nordesce é muito comum encontrar-se pessoas que se reivindiquem descen- dentes de indios (e no o diriam de negros), des- crevendo que suas avés (ou bisavés) foram “apanha dos no mato e a dente de cachorro”. Que a cone- xo com os indios se estabelega sempre por linha materna € algo que se pode explicar pelo modelo de familia patriarcal, onde os papéis femininos sio em grande parte desempenhados no interior do lar e evocam 0 dominio dos sentimencos, em oposicio ‘a0 universo masculino, marcado pelo exercicio da azo e do conhecimento, pelas atividades pabli cas e pelas distingbes socisis. A ideologia indigenista ndo rompeu com a re- presentagdo do indio como um ser pretérito, mas circunscreveu-se aos contetidos seméncicos ja exis~ centes e adaprou-os as suas préprias conveniénci~ as, A répida aceitagio da legitimidade do discurso indigenista, a sua carga persuasiva, 0 simbolismo que 0 envolveu tiveram como condigio de sucesso justamente a sua sobreposicio aquela representa- Gio genérice sobre o indio. Para Rondon, um fiel cultor dos postulados positivistas, as sociedades indigenas estavam ine- quivocamente classificadas no interior do perfodo fetichista da humanidade, a sua ascensio a fase do conhecimento cientifico no podendo ocorrer ré- pida e direcamente, Em fungio disso € que Ron- don qualifica como altamente traumsticos € nega- tivos os processos de aculturagio dirigida e acele- rada, como os empregados pelas missdes religiosas com 6 batismo e a catequese dos indios. A seu ver para que os indios pudessem dar o enorme passo de sair do estado rudimentar em que se encontra~ vam e adentrar com sucesso no mundo moderno era necessario que o Estado lhes gerantisse prote- Gao e assisténcia, possibilitando que as novas ge- rages de indios viessem a desempenhar fungies produtivas na vida moderna. Oexemnplo mais com- pleco de seu programa pedagégico e disciplinar foi ‘0 seu relacionamento com subgrupos Pareci, cujos jovens foram reeducados em internatos especiais € destinados ao trabalho bragal ou as fangoes de vi- sgias, celegrafistas e maquinistas nas linhas telegrd- ficas de Mato Grosso (Roberto, 1994). ‘Como um discipulo de Comte, com um pen- samento ainda calcado nos ideais do Tluminismo, Rondon se contrapunha radicalmente as préticas de exterminio, desenvolvidas pelas elites regionais € fundamencadas em pressupostos racistas. Ao invés disso passa a preconizar uma postura fraternal € pacifica frente aos indios, incorporando as argu- -mentacbes oficiais 0 raciocinio de que sto os bran- cos 08 natucais invasores das terras imemorialmen- te ocupadas pelos primeiros. Apesar da rfgida for- macio filoséfica (sua ¢ de seus colaboradores, em geral engenheiros, militares ¢ positivistas), havia também uma dimensio ética e humanitéria em sua postura, que no plano das motivagdes pessoais mio deixava de ser uma espécie de “consciéneia culpa- da” do processo de conquista. ‘A comissao de linhas Telegraficas de Mato Grosso, dirigida por Rondon, foi o paradigma para ‘a atuacio indigenisa do Estado brasileiro, inclu- sive na criagio ¢ funcionamento de um érgao in- digenista especifico (0 SPI/Servigo de Protecio ao Indio, que durou de 1911 a 1967, sendo entao, em vircude de indimeras dentincias de corrupgio e des- mandos administrativos, substituido pela Funai! Fundago Nacional do [ndio). Operando nos limi~ tes da civilizagio, enfrentando indios bravos para propiciar aquela regio e ao pats condigdes para um. futuro desenyolvimenco, a Comissio Rondon tinha como lema “morrer se preciso for, matar nunca” Gragas A imensa dedicago de seus membros mais descacados, conseguiu estabelecer contato pacifico com os Bororo, Pareci, Nambikwara e diversas ‘outras tribos, permitindo a implanracio ea manu- tengao do sistema de telegrafia por fio em regides até entido tidas como isoladas no interior do pais. (Os grandes momentos da vida do 6rgio indi _genista foram justamente os processos de atragi ¢ pacificagzo (Kaingang e Xokleng, no sul, e Pa- rintintim, no Paré, no primeiro quartel do século; Xavante ¢ diversos subgrupos Kayapé, no Mato Grosso € Pard, nos anos 50), descritos ¢ glotifica- dos como uma alkernativa humanitéria ao exterm{- nio. Este foi sem diivida o principal mérito do SPL ter conseguido salvar da ago destrutiva das fren- tes de expansio algumas sociedades indigenas, que, se assim nio fora, dificilmence teriam sobrevivido até o momento atual. Tal postura teve continuida- de nos trabalhos mais recentes dos sercanistas da Funai com muitas ourras sociedades indigenas, como os Waimiri-Atroari, os Guajé, os Zor6, os Uru-eu-uand, os Awé-Canoeiros € muitos outros, cuja.existéncia estava (ou ainda esté) ameacada pela abertura de estradas e/ou por grandes empreendi- mentos econdmicos. ‘A ideologia dos sertanistas no descoa da repre- sentaggo mais geral sobre os indios, expressando ‘com nitides. os paradoxos da postura rondoniana e da politica indigenista oficial. A bist6ria das soci- ‘edades indigenas € concebida e narrada como uma tragédia tinica e repeticiva, onde se consumaria 0 processo inexoravel de destruicio das culturas in- digenas pelo homem branco. Em uma entrevista recente, um sertanista qualifica o destino dos po- vos indigenas em cermos absolutamente pessimistas sem esperangas, equiparando-os a "fésseis vivos"” No entendimento dos sertanistas os indios sto apenas um repositério de vircudes prestes a serem perdidas mediante o contato incerétnico. Atuali- zam assim a imagem do “bom selvagem” e dedi- cam portanto todos os seus esforcos justamente Aquelas sicuacées em que os indios ainda nio estdo corrompidos pelas instituigdes dos brancos. O que consideram ideal - mas sabem ser impossivel - se- tia estabelecer uma redoma protecora em corno das sociedades indigenas, algo que no permitisse le- var-Ihes influéncias exdgenas, com as nefastas n0- vas necessidades ¢ dependéncias que estas lhes acar- retam. As dltimas orientagdes das frentes de atra- 0 da Funai pretendem até mesmo resolver 0 pa- radoxo bisico do sertanista, com 0 descompasso entre a sua ideologia © a sua prética: ja ni se re- comenda mais 0 estabelecimento do contato com as tribos isoladas, exceto em situacdes onde o ris- co de desttuigio pela agio de outros grupos seja iminente, Assim a intervengio dos sertanistas seria de atuar como um colchio de amortecimento entre 0s indios eas frentcs de expansio econémicas, asseguran- do ao nativos 0 controle pleno do seu habitac. Se 0 sertanismo levou ao extremo o sentimen- to de culpa dos indigenistas em relagdo aos indi 0s, a sua andlise ¢ imporcante porque petmite des- vendar, por sua forma exercebada, algo muito im- portante ¢ geral no pensamenco indigenista brasi- leiro, que se materializa na estruturacgo da Eunai na prépria legislagio. A politica indigenista bra- sileira é pensada fundamencalmente como um mecanismo compensatério face A conquista € & dominagio das sociedades indigenas. Este € um dado cultural, écico, psicolégico (afetivo) e politi- co especificamente brasileiro, que faz com que administradores, legisladores e juizes brasileiros possam ter - independente de suas posicdes pesso- ais - uma postura face A questio indfgena muito diferente daquela do indigenismo mexicano, da politica colonial bricanica na Africa ou na india, da politica para as populagdes aborigines na Austré- lia ow no Canadé, ou da antiga politica soviécica das nacionalidades. A esttatégia politica delincada pelo indigenis- ‘mo oficial apenas propunha objetivos compativeis com iniciativas governamentais setorizadas, reu- indo para isto dados muito limitados e ditigidos, que propiciavam uma visio muito distorcida das sociedades indigenas. Em uma andlise realizada muito posteriormente, Darcy Ribeiro (1970) ex- plicitava os pressupostos politicos daquele mode- lo de agio indigenisca. Nao eram os interesses he- gemBnicos da economia que conflitavam com os dos indios, mas apenas inceresses meramente locais de algumas elites tradicionais, cujas actividades jé escavam marcadas pela decadéncia e sem maior expresso econémica € politica nacional. Era con- ta tais interesses que 0 Estado deveria e poderia agit, para isto sendo essencial a colaboragao dos milicates, que compunham 0 setor mais dindmico ¢ ilustrado dessa burocracia. Ao praticar a prote- ‘slo ¢ assistncia populagbes indigenas isoladas na Amazénia, inclusive nas nossas fronceiras politicas, © Grgio indigenista acuava em sintonia com as Forgas Armadas, promovendo a integracéo nacio- nal. Os préprios indios ¢ os funcionsrios do SPI miuitas vezes eram desctitos como guardifes ¢ fis- calizadores das fronteiras, Tal estratégia estava apoiada em dados ¢ em uma visio sobre o problenta indfgena no Brasil. Os indios representariam apenas 0,2% da populagio € estavam localizados ptimordialmente em pontos recdndicos do pais. As tribos brasileiras -& diferen- ‘5a da forte presenca indigena no mundo andino - eram de pequena dimensio, com um nivel tecno- logico bastante rudimencar, fragmentadas em muitas Linguas ¢ culturas, sem possuir qualquer unidade politica maior. A questao indigena seria entio basicamente uma questio de consciéncia, de sensibilizagio da opiniao publica para com 0 tré- gico destino dos fadios, convencendo o Estado a agir na defesa de uma populagio reduzida, frag mentada e desvalida, que nao poderia obviamente colocar obstéculos de monta ao desenvolvimento nacional. O étgao indigenista, muito limitado em termos de verbas e pessoal, mas muito prestigi do pela opiniao piblica e por setores politicos des- racados, eta marcado por uma postura paternalis- ta¢ até mesmo romantica, tendo como sua finali- dade bisica deter 0 exterminio e permitir a sobre- vivencia das sociedades indigenas mais forceme: te ameagacas. Em fungio disso agia pontual e epi sodicamente, evitando o pior, podendo ganhar no varejo mas perdendo no atacado, nfo colocando em pritica qualquer proposta consistente quanto 20 fucuro dos indios, nem estabelecendo formas no- vvas € vidveis de sua participacio na nacio brasileira Tal modelo de indigenismo esta hoje inceira- mente superado, sendo incapaz de produzir uma andlise adequada e gerar diretrizes eficazes de aio.em ‘uma configuragao histGrica muite distinta e com no- 0s eixos cognoscitivos ¢ ideolégicos. Embora conci~ epi a8 nid > ons TWNOIOWN O5uUSi4NY 3 CONIOISIH ONoNIeLYg o@ visIMay Avista 00 PATRIMOMIO Histonico © AaTisTico NACIONAL Jodo Pacheco de Olivelse Cidadania, raciemo © pli fnue a embasar algumas tomadas de posigdo nas de- bates acuais, isto de deve a inceresses corporativos de setores da burocracia de Estado e, a0 contrario, 3 atra- ‘glo que um discurso apocalipcico tem para alguns setores ¢ entidades exclufdas das iniciativas oficiais. Algumas andlises mais recentes sobre a dimen- sfo territorial e a composicio demogréfica da po- pulacio indigena brasileira tem demonstrado a inoperancia das interpretagies do indigenismo ofi- cial. Estudos realizados na década de 80 deixaram claro que as andlises anteriores, baseadas exclusi- vamente nas cifras de populagio, subestimaram a importincia econémica e geopolitica do problema indigena, Se as sociedades indigenas representam apenas 0,2% da populacao brasileira, as terras que ‘ocupam e/ou reivindicam chegam a mais de 105% do territério nacional (Oliveira, 1983), envolven- do extensas jazidas minerais, importantes recutsos hidricos, localizando-se muitas vezes nas proximi~ dades das fronteiras ou de eixos virais de transporce € incercomunicagoes. Pretender discutir a politica indigenista como uma questdo menor, supor que 0 Estado nao tem interesses diretos envolvidos nas pendéncias existentes ¢ circunscrever a argumen- tagio apresencada exclusivamente a razdes de cons- ciéncia seria de um equivoco sociolégico e de uma miopia politica inexcediveis. Os dados mais acuais indicam também que 4 ruagio de contato ¢ o perfil demogratico dos in- dios brasileiros jd nao mais correspondem as anti- ‘gas interprecagies sobre tribos isoladas ¢ frageis microssociedades perdidas na floresta amazénica Segundo dados da Funai, os grupos indigenas iso- lados ou que sto objeto de atuagio das frentes de atragdo no passam de 27. As terras indigenas jé demarcadas na Amazénia Legal passam de 60 mi Indes de hectares e com as demarcagées e identifi cages programadas com recursos externos (G-7, CEE e BM), a projegio é de que abrangeriam cer- ca de 18% da regi. Estima-se hoje que as 206 sociedades indigenas existentes no pais somam um contingente de 270 mil, dos quais menos de 60% discribuidos em 162 sociedades indigenas, estio situados na Amazénia, Dentre estas Gltimas, as sociedades indigenas de porte médio (isto é, entre 200 ¢ 2 mil integrantes) representa a maioria, cor- respondendo a 28% da popullacio indigena total da Amazénia. As maiores sociedades, embora em nii- mero menor, respondem por quase 70% da popula- ‘lo total. Jé as microssociedades, representadas por luma tinica aldeia ou pequenos bandos, com popula- ‘do inferior a 200 habitantes, sio menos de 1/3 do total de sociedades ¢ respondem por pouco mais de 2% da populagio indgena total (Oliveira, 1995). Hi também mudangas significativas no con- texto juridico-legal. A Consticuigdo de 1988 de- dica todo um capitulo aos indios, reconhecendo seus direitos as terras de ocupacio tradicional, bem ‘como & preservasio de sua cultura e de canais pré- prios dle expressio ¢ representacio (antes monopo- lizados pela Funai em decorréncia de um entendi- mento restritivo da tutela). A lei complementar que ver a substituir o Estacuto do Indio (Lei 6.01/73), ora ainda em cramitacZo no Congresso, tem como inovagao doutrinéria fundamental o re- conhecimento das “sociedades indigenas”, como coletividades situadas entre os indios (enquanto individuos e cidadaos brasileicos) e 0 Estado. Tra- ta-se de um passo importantissimo no sentido de ever 05 pressupostos homogeneizadores que nor- tearam a implantacio dos estadas modernos, trans- plantados para as instituigdes politicas brasileiras que embasaram politicas integradoras ¢ assimi- lacionistas inclusive no passado recente ‘Neste quadro a representacdo genérica e atem- poral sobre 0 indio comeca a declinar enquanto chave interpretativa para a situagio indigena no Brasil contempordneo, esvaziando-se enquanco fa~ tor legicimador de discursos politicos e inscigador de novas précicas adminiscrativas ou assistenciais. ‘Os antropdlogos tém chamado a atengio para o fato de que “o indio” nao é uma unidade cultural, mas uma identidade legal acionada pata obter 0 reco- nhecimento de direitos especificos. As liderangas indfgenas deram contramarcha em processos locais de identificagéo puramence negativa eno escamo- reamentos de sua identidade étnica, e - sem se con- siderarem indiferenciados entre si, mas como pri- mariamente membros de tais e tais sociedades in- digenas - reivindicam solidariamence direitos co- muns que decorrem do status jurtdico de “tndio”, As organizagées no governamentais (inclusive missionérias) acumularam um importante capital cde experiéncias e conhecimentos no que toca as alter~ nativas assistenciais ¢ de desenvolvimento oferecidas as sociedads indigenas. O exercicio paternalista da tutela tomnou-se uma antiguidade disfuncional, a ago indigenisea passando a exigir crescencemente parce- ris eficazes e vidveis com as organizagbes indigenas, universidaces ¢ entidades diversas (inclusive interna- cionais), Imensamente distantes da representacio acemporal e genérica, 0s indios transformaram-se em assunto discutido por miltiplas especialidades, pas- saram a circular intensamente pelo raundo globaliza- do e a ser reconhecidos enquanto personagens habi- cauais de nosso universo pés-moderno. Mais recentemente até mesmo os discursos € argumentos contratios se inspiram essencialmen- te nessa nova imagem do {ndio como objeto de direito, Diz-se que a autonomia de suas reservas consticui uma ameaga a seguranga nacional, retor- nando as teorias sobre o perigo de “enclaves étni- cos” e “quistos culeurais”, para a construclo da unidade nacional. Sugere-se que o reconhecimen- ‘0 dos direitos indigenas é apenas um subterfiigio usado pelas grandes poténcias para promover a internacionalizagao da Amaz6nia. Diz-se que os indios constituem uma parcela privilegiada da populacdo rural brasileira, pois retém extensas parcelas de terras (e portanto seriam “indios lati- fundisrios") e exploram com grandes luctos 0s re- cursos nacurais que possuiem (seriam entio “in os ricos” e também virtualmente “anti-ecolégicos", pois seriam “predadores do meio ambiente”). Em todos esses eixos ideolégicos, os inimigos dos dios, apoiando-se em um forte controle da midia, procuram apresenté-los como obsticulos a soberania ‘nacional, & justica social ¢ até & protegio ambiencal, procurando envolver setotes progressistas da sociedade em seus raciocfnios. Os indios reais so considerados “falsos indios” ou ainda “fadios corrompidos pelos brancos", enquanto a imagem atemporal ¢ genérica, jf quase nao mais encontrivel na realidade brasileira, E verbalizada como o “indio bom e verdadeiro”. Se nio chega por ora a configurar uma retomada (nova ¢ populista) da poscura racista, raca-se nitidamente da tentativa de construglo de um “bode expiat6rio” em teorias conspiratérias e maniquefstas sobre o distor- ido panonima agririo brasileiro. Retomando as perspectivas quanto a uma nova modalidade de insercio do indio na nagio brasilei- ra, poderiamos dizer, para concluir, que as possi- bilidades de reconhecimento legal do caréter plu- ralistas do pafs ainda sfo bastante remoras. Embora os rextos legais consagrem a perspectiva de uma atuagio assistencial diferenciada do Estado (no plano ‘educacional, da sate e n0 apoio a0 desenvolvimen- to), resguardando, portanto, a especificidade dos tusos € costumes das sociedades indigenas, muito pouco disso jé foi materializado na administeagao pablica. Certamente avangos significativos depen- derdo de uma profunda reformulacéo no 6rgéo in- digenista ¢ no seu quadro dirigente, bem como na modificagio de seu relacionamento com outros organismos governamentais ¢ de suas parcerias com as entidades no governamentais e organiza- es indigenas. Ainda que os progressos anotados ‘nos parecam muito mais avancados no caso dos indios do que no caso dos negro, jamais chegou a ser cogitada sequer a viabilidade operacional de cer no Congresso Nacional representantes da popula- ‘do indfgena, cujo mandato decorreria de uma in- dicagio ¢ eleigio feicas exclusivamente pelos pro- prios indios. = ANDERSON, Benedict. Imagined communities, Londres/Nova, ‘York Verbo, 1963, ‘CARDOSO DE QLIVEIRA, Roberts, © fndlo ne mundo dos bran- 600, Brasilia: Ed. Universidade de Brasilia, 1981. HOBSBAWN, E. & RANGER, T. (Ed), The Invention of tradition, CCamixidge: Uevrsty Pres, 1983. MUYBURY-LEWIS, David “Lvingin Leviathan: Etnic Groupsandthe ‘State’, MAYBURY LEWES, D. (Ed), Prospects of plural so- ety, Washington: American Ehnological Solty, 1984. LMATTA, Rober 62, Relaivizand: uma Inirodugso & antropolo- ia socal, Petropos: Vazes, 1381, ‘OUVEIRA, Jodo Pachooo do. “Teas indigonas no Bras ura abor- ‘dager socohigia’, in Amérieaindigena, XLII (9), pp. 656-682, México, 1983. “A viagom de volta: relaboragdo cura! ehorizonte pall: ‘ico dos povasindigenas no Norge", Atlas da tors in- ‘igonasiNordeste, Flo de Janciro: PETUMuseu Nacional, 1983. “Osinsrumentos de bord: expectatvas ¢possibiidados do tabatho do antropSlogo em laudos pera", in SILVA, O. S.,LUZ, L & HELM, C. 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E basica, nesta andlise, a distingio en- tre diversidade cultural e diferenca culcural, € 20 lado de sua énfase na diferenga encontram-se as 00- Bes de traducio e hibridaglo. Vocé pode dizer algu- ma coisa sobre esses termos? Homi Bhabha: A cencativa de pensar a diferenca cultural como algo oposto & diversidade provém da compreensio de que, através da prépria tradico ral - particularmence no relativismo filoséfico e algu- ‘mas formas de antropologia -a idéia de que as cult ras slo diversas, ¢ de que em certo sentido a diversi dade de culturas é uma coisa boa e posiciva que deve ser incentivada, jé € conhecida ha muito tempo. E um lugar-comum das sociedades pluralistas e democréti- cas dizer que elas poclem incentivar e ecomodac a di- versidade cultural. De fato, a marca distintiva da atitude “culeu- rada” ou “civilizada” € a aptidio para apreciar cul- turas numa espécie de musée imaginaire, como se alguém as pudesse colecionar e apreciar. A pecicia de conhecedor do Ocidente a capacidade de com- pteender ¢ localizar culturas numa moldura de cempo universal, que reconhece seus varios contex- 0s hist6ricos e sociais apenas para afinal transcen- dé-los ¢ 0s cornar transparentes. ‘A parcit daf voc8 comeca a ver a maneira pela qual oendosso da diversidade culeural se torna um alicer- ce da politica de educacio multicultural neste pais. Hé dis problemas com isso: um, por demais Sbvio, éque, ‘embora sempre haja acolhida e estimulo a diversida- de cultural, hd sempre também uma correspondente contengio dela. Uma norma transparente é constitu- ‘da, uma norma dada pela sociedade hospedeira ou cultura dominance, a qual diz que “essas outras cul- ‘turas so boas, mas devemos-ser capazes de localiza las dentro de nossos préprios circuitos”. E isso o que pretendo dizer quando me refiro a oriaggo da diversi- dade cultural e & conteneao da diferenca culeural. O segundo problema, como bem sabemos, éque ‘nas sociedades onde o multiculturalismo €incencivado © racismo ainda se alastra sob vérias formas. E isso porque 0 universalismo que paradoxalmente permi- tea diversidade mascara normas, valores ¢ interesses etnocéntricos, ‘A natuteza mutante do que entendemos por “po- pulagio nacional” é sempre mais visivelmente cons- trufda a partir de um espectro de diferences tipos de inceresses, diferentes espécies de hist6ria culeural, di- ferentes linhagens pés-coloniais, diferentes oriencagdes sexuais. Como toda a natureza da esfera piblica esta mudando, nds realmente temos necessidade de uma nog de politica que se baseie em identidades polt- ticas desiguais, nao uniformes, mileiplas e potencal- ‘mente antaginicas. Isso nfio deve ser confundido com al- ‘guma forma de pluralismo auténomo, individualisea (€ 2 nog correspondente de diversidade cultural); 0 que se acha em questo & um momento histérico no qual essas identidades milciplas realmente se articu- lam para desafiar caminhos, seja positiva ou negati- vamente, seja progressiva ou regressivamente, e em _getal de um modo conflitance ¢ as vezes até mesmo intoniensurével — nao alguma florescéncia de talentos eaptidées individuais. O multiculturalismo represen tou uma tentativa de responder € ao mesmo tempo controlar 0 processo dinimico da arciculacio da dife- renga cultural, administrando um conserso baseado ‘uma norma que propaga a diversidade cultural. “Minha intencio ao falar de diferenga cutcural, mais ‘que de diversidade cultural, reconhecer que esse tipo de perspectiva liberal relativista é inadequado em si mesmo e de modo geral ndo admite a postura norma- civa e universalista a partir da qual ele constréi seus julgamentos culturais e politicos. Com o conceito de diferenga, cuja histéria tedrica repousa no pensamen- ‘to pés-escruturalista, na psicandlise (onde ele € mui to ressonance), no marxismo pés-althusseriano € na 1. In New Formations a. § Cldentiies", verdo de 1988, Routledge, Londres. TWHOIOYN OD1LSHIVY F OdWWOLEIN OINgMIBIYE Oo visINAH

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