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DESENVOLVIMENTO E SOCIOLOGIA HISTORICA: ACERCA DA TEORIA DO SISTEMA MUNDL CAPITALISTA E DA SEMIPERIFERIA* CARLOS FORTUNA ** «<1 was inspired by the analogy with astro- nomy which purports to explain the laws go- verning the universe, although (as far as we know) only one universe has ever existed.» (1. Wallerstein, 19747) I. INTRODUCAO, O trabatho de Immanuel Wallerstein é uma das contribuigdes mais re- centes da chamada Sociologia Histérica do Desenvolvimento. Trata-se de uma tentativa de compreensdo da natureza e dos efeitos duradouros de lar- ga escala (sejam eles 0 mercado, a burocracia, os conflitos sociais, ou a na- tureza do estado) sobre os processos fundamentais da transformacao so- cial. Tal trabalho constitui, para além disso, uma das varias tentativas de explicagao do desenvolvimento do capitalismo surgidas no periodo do pés- -guerra. Estas ultimas sio responsaveis pela verdadeira «revolucao» softi- da pela historiografia social moderna dada a forma renovada como voltam a ser formuladas inéimeras preocupagdes tedricas que a Sociologia se tinha posto no seu longo periodo de gestacao através das interrogacées, por exemplo, de Tocqueville, Marx, Durkheim e Weber. N&o posso concentrar-me aqui na especificagado das formas concretas como esta nova geragao de interrogacdes reformula as tentativas «classi- cas» de explicagao da dinamica social da civilizag&o ocidental. Os meus ob- jectivos so muito limitados e dedicar-me-ei apenas & apresentagao e ques- tionamento da teoria de Wallerstein. Aquela seria uma tarefa monumental a exigir uma andlise comparativa detalhada de contribuigdes geniais como, entre outras, as de Karl Polanyi, Barrington Moore, Charles Tilly ou Perry Anderson. Diga-se apenas que todos estes autores, Wallerstein incluido, so 0s responsaveis modernos pela inspiracdo histérica da sociologia, * Assistente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Membro do Cen- tro de Estudos Sociais, * Versio eserita da comunicagdo apresentada ao encontro sobre «Teorias do Desenvolvimento/Subdesenvolvimento», Lisboa, CIES/ISCTE, Junho de 1986. 164 SOCIOLOGIA como que a concretizarem os incansaveis apelos de C. Wright Mills, na pri- meira metade deste século. Hoje, em que ainda ou cada vez mais, ¢ legitima divida sobre se re- gressamos ao futuro ou avancamos para o passado, pode compreender-se 0 deslumbramento pela Sociologia Historica, dada a sua promessa de disse- car a consisténcia dos nossos modelos do passado, das suas eventuais alter- nativas e, assim, da validade das nossas escolha actuais. A par disto, o que parece ser o denominador comum a todos estes renovadores do pensamen- to sociolégico e historico & o destaque atribuido a andlises de grandes esca- las espaciais ¢, como no caso particular de Wallerstein, também de longa duracao temporal. Penso que isto se fica a dever ao facto de, com a possi- vel excepco de P. Anderson (0 ‘nico alias que nao enveredou nunca por uma carreira académica regular), aqueles pensadores se terem confronta- do, ao tempo que desenvolveram as suas investigardes, com 0 estruturo- -funcionalismo parsoniano, a economia liberal ¢ 0 determinismo economi- co marxista. Aplicadas a agendas concretas de investigacao universitaria sobre as questdes do desenvolvimento, estas perspectivas plasmavam-se nos paradigmas dominantes da modernizagao e, por certo em menor grau, do evolucionismo marxista mecdnico. O didlogo com estas correntes tornou-se inevitavel. O recurso as grandes anilises ¢ teorias s6cio-historicas surge, deste modo, como um corolario da necessidade de testar as interpre- tagdes oferecidas sobre a realidade da vida social de regides, estados e mes- mo do mundo como um todo, dos seus conflitos, rupturas ¢ continuidades fundamentais. O caso Wallerstein é exemplar neste aspecto. O seu grande paradigma é uma critica tanto as teorias da modernizagao como ao marxismo evolu- cionista. O seu ponto de partida é a contestagdo das metodologias adopta- das por aquelas correntes que procuram estabelecer regras gerais a partir de casos particulares, isto é, a partir de «sociedades nacionais». A sua al- ternativa consiste, em primeiro lugar, em identificar os tragos gerais da gestagio e funcionamento do sistema social capitalista, para poder depois adescer ao nivel dos casos particulares, e de novo regressar a globalidade capitalista, constituida a partir do «longo» século XVI. Esta economia mundial capitalista', a0 contrario dos «impérios mun- diais», constitui, para Wallerstein, um todo integrado economicamente mas nao politicamente. O fundamento desta integragao econdmica mun- dial reside na existéncia de uma divisdo de trabalho singular cujo modus operandi, liberto dos controlos politicos exagerados que Wallerstein consi- dera terem estado na origem da degenerescéncia dos impérios mundiais classicos, se fortalece e flexibiliza em resultado da larga margem de mano- bra as suas entidades constitutivas — os estados nacionais. Sao varias as implicagdes metodologicas da estratégia wallersteiniana. A primeira destas implicagdes diz respeito @ superacio da antinomia interno/externo que tanto sobressai no campo fluido do conhecimento que €a Sociologia do desenvolvimento e que tem vindo a ser alargada a areas N.° 3-1987 165 que, a primeira vista, pareceriam «imunizadas» contra a sua voracidade> ‘Uma das mais vivas expressdes deste confronto sobre o cardcter endégeno ou exégeno dos factores de transformagao social encontra-se no célebre de- bate dos anos 50 entre M. Dobb e P. Sweezy acerca da transieao do feuda- lismo. Vale a pena recordar o que diz Sweezy: as forgas historicas que so externas a respeito de um dado con- junto de relagdes sociais sdo internas em relacio a um conjunto de relagdes mais compreensivas. E foi assim no caso do feudalis- mo da Europa Ocidental. A expansao do comércio com 0 conco- mitante desenvolvimento das cidades e dos mercados foi externo ao modo de produgao feudal mas foi interno no que diz respeito a toda a economia curopeia mediterrnica» (Sweezy; s.d.: 134), Se refiro este passo da argumentagio de Sweezy é porque ai se formula expressamente a primeira implicagdo metodolégica da teoria do sistema mundial que referi. Para esta teoria nao existem externalidades e as compa- rages possiveis (e desejaveis) so apenas entre especificidades evolutivas ¢ regularidades sistémicas. Nao julgo que isto seja uma questio seméntica para 0s tedricos do sistema mundial, mas é antes um corolario da sua inter- pretago holistica do capitalismo, que concebe os casos particulares como variagdes em redor de tendéncias centrais. ‘A segunda implicag&o metodol6gica desta grande teoria é a impossibi- lidade de submeter este sistema social a qualquer teste comparativo signifi- cativo, pois nenhum outro sistema existiu com tais, ou mesmo aproxima- das, dimens&o espacial ¢ duracaio temporal. A analogia astronémica wal- lersteiniana enuncia o privilégio concedido @ analise historica das leis do funcionamento do capitalismo mundial, 0 tinico terreno onde podem fruti- ficar as comparagdes € as tentativas de conhecimento de um sistema social que, qual universo, é ele proprio um sistema social Unico*. Em terceiro lugar, na passagem a investigagio empirica, ¢ a acrescen- tar as dificuldades facilmente imaginaveis decorrentes da investigagtio de longo alcance histérico e de larga escala espacial, a teoria tem-se defron- tado com diversos obstaculos de indole metodologica. Um deles 0 da me- di¢ao dos fendmenos, geralmente feita sob critérios nacionais e, por isso, muitas vezes inadequadas as exigéncias da andlise transnacional. Esta é, principalmente, uma dificuldade de natureza técnica, resultante de sistemas estatisticos uniformizados e globalmente encadeados. Isto nao significa, em quarto lugar, que sejam despossuidos de interes- se 0s estudos sobre dreas especificas do globo, estados nacionais ou re- gides. A flexibilidade funcional do proprio sistema reconhece as perspecti- vas mais particularizantes uma autonomia de acg&o, mesmo que limitada, cujos contornos sao de extrema importéncia para o entendimento da dind- mica sistémica de transformagao. ‘A antropomorfizagao dos estados e da regides ¢ 0 que podemos consi- 166 SOCIOLOGIA derar a quinta grande implicagao metodol6gica do modelo tedrico de Wal- lerstein. Este fenémeno diz especialmente respeito a estados € reeides que, pelo seu nivel de desenvolvimento e em fungdo da sua margem de manobra politica, surgem dotados de uma accao, dir-se-ia, consciente e volitiva, um atributo, como veremos, praticamente inexistente na periferia do sistema. A discussao da teoria do sistema mundial que me proponho fazer obriga-me a uma breve esquematizagao, correndo o risco de poder ser algo arido. Logo de seguida tentarei enunciar e comentar algumas criticas mais recorrentes dirigidas a esta teoria (os «estados socialistas» ¢ a teoria «alter- nativa» dos modos de produgao, como contra-evidéncias da unidade capi- talista mundial, a concep¢ao «circulacionistay do capitalismo, ¢ 0 jogo de forcas entre todos os «fortes» e estados «fracos»). Na segunda parte do texto concentrar-me-ei sobre 0 conceito de semiperiferia, tentando con- fronté-lo teoricamente com as concepgdes de modernizagtio, de dependén- cia ¢ de semi-industrializagao. Depois de enunciar 0 caracter vago das for- mulagdes originais de semiperiferia, proporei, de seguida, uma definicao que me parece mais operacional para o prosseguimento de uma agenda de investi- gacdo sobre este conjunto intermédio de estados nacionais, tentando usar 0 caso portugués como ilustragtio de algumas das hipoteses de trabalho. Il. ESQUEMATIZACAO CONCEPTUAL DO SISTEMA MUNDIAL Para os fundadores da perspectiva do sistema mundial capitalista, sA0 as seguintes as suas caracteristicas estruturais/institucionais: 1. A forca geradora e reprodutora do sistema mundial @ 0 modo de producdo capitalista, entendido como 0 conjunto de relacdes estru- turadoras da producio de mercadorias com vista & obtengaio de lu- cro no mercado. O caracter abrangente deste modo de produgao denota a incorporaco no seu seio da totalidade dos diferentes esta- dos nacionais; 2. O funcionamento basico daquele todo de produgio processa-se por intermédio da divisdo de trabaiho centrada no eixo centro-peri- feria. A troca desigual, como foi definida por Emmanuel (1969), continua a ser o principal critério responsavel pelos niveis desiguais de apropriagao de capital em cada um daqueles pélos da divisto de trabalho. A estes dltimos correspondem, para além disto, formas ideal-tipicas diferentes de controlo da forca de trabalho, enuncian- do maiores niveis de coercéo 4 medida que se caminha do centro para a periferi 3. Osistema interestados é, pode dizer-se, a superestrutura politica da economia mundial capitalista e nele actuam os diferentes estados nacionais em busca continua da consolidacao ou melhoria das suas condigdes estruturais. Desigualmente equipados, (situacao geo- -estratégica, poderio militar, aliangas privilegiadas, recursos dispo- N.° 3-1987 167 niveis, ete.), os diferentes estados nacionais tém reproduzido ¢ aprofundado uma relag’o historica de dominagao / subordinagao quase espraia, por exemplo, do colonialismo ao exercicio da hege- ‘monia mundial por parte do estado central que em simultaneo, ¢ Por oposiczio aos seus pares, exibe vantagens comparativas superio- res nos dominios econdmico, comercial, militar ¢ financeiro. Uma questo geralmente incluida na discusstio do sistema inter-estados & ada formagdo / constituicao dos estados nacionais em que se des- tacam processos complexos de descontinuidade politica, referentes tanto aos casos paradigmaticos de desintegracao de unidades po ‘cas mais ou menos vastas (impérios), como aos casos de aglutinagao de espagos politico-econémicos outrora relativamente autonomos; 4, A concorréncia entre estados centrais & uma das caracteristicas ba- sicas sobre que assenta o funcionamento da economia mundial ¢ pela qual se podem identificar periodos, mais ou menos duradou- 10s, de unicentralidade ou de pluricentralidade de poderes. Os pri- meiros, dizem geralmente respeito a periodos de relativa acalmia internacional, consequéncia do exercicio indisputado de hegemonia por um desses estados (Bousquet, 1980) ¢ esto directamente rela- cionados com 0 caracter ciclico do funcionamento da economia mundial. Os segundos, por seu turno, tendem a ocorrer em tempos de vincada disputa internacional; 5. Sobre os ritmos ciclicos do funcionamento da economia mundial capitalista, de amplitude varidvel, a perspectiva do sistema mundial assume como principal referéncia os ciclos longos de Kondratieff (40 a 60 anos). As suas diferentes fases (expansdo, ou fases A, € re- tracedo, ou fases B) correspondem outras tantas modificagdes cicli cas das praticas dos diferentes sujeitos actuantes na economia mun- dial, no intuito de maximizar os beneficios ou minimizar os prejui- zos envolvidos em cada uma daquelas fases (Fortuna, 1985). ‘Admite-se que a fases A correspondam ideologias e praticas libe- rais, em contraste com ideologias nacionalistas e praticas neo-mer- cantilistas, cujo limite se pode encontrar nas tentativas de desvincu- lacdo das regras do mercado mundial, tAo tipicas dos periodos de retraccdio; 6. A par destas caracteristicas, o sistema mundial apresenta um con- junto de tendéncias seculares que apontam justamente para a gra- dual submissdo & sua légica de funcionamento de espagos geogré- ficos, processos produtivos e recursos humanos e naturais, ante- riormente exteriores a essa logica. Essas tendéncias sao, nomeada- mente: 2) incorporacao de territorios (¢ respectivos recursos) que, geral- mente por intermédio da expans&o imperialista-colonial foram tornados zonas periféricas da economia mundial; 168 SOCIOLOGIA b) mercantilizagao continua dos factores terra, trabalho e recursos naturais; ©) mecanizagdo da generalidade dos processos produticos, in- cluindo os processos de produgao agricola. As reflexdes que adiante faremos acerca da teoria do sistema mundial capitalista e das criticas mais pertinentes que Ihe s4o apontadas, bem como as consideragdes acerca do conceito de semiperiferia, tem subjacente este quadro conceptual. Comegarei por apresentar ¢ comentar aquelas reas de critica tedrica. I. TRES DIMENSOES CRITICAS DE ANALISE 1 — O primeiro aspecto a realgar € o facto de a generalidade dos con- ceitos utilizados da teoria do sistema serem igualmente utilizados por ou- tros quadros tedricos de referéncia, nomeadamente pelas diversas analises do desenvolvimento de raiz marxista. Como reconhecem os autores que se- guimos nesta sintese, «em si mesmas, poucas destas ideias sao novas, mas de certo modo eles sao usadas como novos sentidos ¢ estabelecem novas in- terrelagdes» (Hopkins, Wallerstein, e7 a, 1982:44). Uma tal recriagdo con- ceptual, como julgo ser por exemplo o caso da «redefinicao» do modo de produgio, do entendimento do sistema interestados € da (re)incorporagao dos ritmos cicticos na analise e politica, arrasta consigo implicagdes meto- dolégicas importantes de que o misto de avangos e bloqueios registados na investigagdo empirica levada a cabo no quadro tedrico do sistema mundial capitalista € apenas um sintoma do conjunto das dificuldades a que ja aludi € que resultam da atribuicdio de «novos sentidos € novas interrelagdes» a «velhos» conceitos. Mas que interrelagdes so estas, pode perguntar-se. Esta questo leva- mea tentar problematizar a teoria do sistema mundial de um outro angulo. Trata-se agora de saber o que é que, de acordo com aquela (eoria, € real- mente novo no mundo capitalista moderno e/ou que novos pontos de par- tida, se alguns, ela nos oferece. Esta 6 obviamente uma interrogagao com fundamento na ideia de estabilidade e permanéncia evidenciada pelo capi- talismo que esta teoria advoga estar ja em funcionamento na Europa do st- culo XVI. Julgo que a primeira nota a fazer-se deverd ser a de que, para Wailers- tein, como se depreende do que ficou dito, os processos essenciais do capi- talismo terdo sofrido muito poucas transformagdes no decurso do seu fun- cionamento secular. Longe de supor a estagnacao ¢ 0 imobilismo sistémi- co, a teoria do sistema mundial chama a atengdo para a regularidade pro- cessual do sistema que denota muito maior continuidade histérica que aquilo a que nas ciéncias sociais estamos geralmente habituados a admitir (Fortuna, 1982). N° 3-1987 169 A integracao dos ritmos ciclicos ¢ das tendéncias seculares do funcio- namento do capitalismo confere a esta construgao tedrica a visdo, por cer- to subsidiaria da de Braudel, da longa duragao dos processos sistémicos de transformacao, distanciando-a do deslumbramento pela ruptura, pela «cri- se» € pela revolugao, processos geralmente privilegiados por aquilo a que Braudel chamaria a «histoire evénementielle», o ritmo das oscilagées bre- ves, répidas e nervosas dos individuoss, Um dos argumentos mais repetidos contra a perspectiva longa e globa- lizante de Wallerstein sobre 0 capitalismo é © de que este tera sido frag- mentado pelos processos socialistas revolucionarios ¢ a sua posterior con- solidacdo nas chamadas «sociedades pés-revolucionarias» do Leste Euro- peu. Para Wallerstein, contudo, 0 «bloco socialista» nao constitui uma au- téntica «superagao» da economia capitalista ainda que possa representar, a0 nivel do sistema interestados, uma parte importante do conjunto dos movimentos anti-sistémicos. Como diria, «estes estados ‘socialistas’ estdo sujeitos as pressdes das exigén- cias estruturais da economia mundial no sentido de reduzirem as suas transformagdes sociais internas. Nao constituem de facto economias socialistas, embora as possamos reconhecer como enti- dades politicas socialistas. Estao também elas enredadas nos dile- mas nao s6 da antinomia oferta/procura, mas também do capital/trabalho» (Wallerstein; 1979:280). Na verdade, a natureza e o significado de longo prazo das relacdes de propriedade, da «desmercantilizacdo» da forga de trabalho e da centrali- dade do estado (Chase-Dunn, 1980), nao parecem ser no sentido da emer- géncia de alguma forca econémica alternativa ao capitalismo. E alias nesse sentido que interpreto os argumentos ja classicos de Frank (1977) sobre as relacdes comerciais dos estados «socialistas» ou da natureza tipicamente capitalistica do seu cAlculo econdmico e politico (Beitelheim, 1972), alids «confirmadas» pelas andlises mais recentes ¢ pormenorizadas acerca das solugdes admitidas para superar os embaragos dos estrangulamentos dos seus mercados internos e dos termos da sua abertura internacional (Kornai, 1983; Nove, 1984). Todos estes argumentos parecem culminar na ideia da integragao, por certo cautelosa mas imparavel, do conjunto do «bloco so- cialista», na economia mundial capitalista, onde Wallerstein sempre os in- tegrou. Continua no entanto em aberto a questao do seu lugar estrutural no conjunto do sistema mundial, sabendo-se que Wallerstein thes atribui uma posigao semiperiférica, ainda que combinada, como no caso da Uniaio Soviética, com a condigao de grande poténcia (politica) mundial. Isto pode parecer paradoxal apenas se nao se considerar o razoavel espago de autonomia politica que a teoria do sistema mundial confere aos estados individualmente considerados e em particular, como veremos, aos estados semiperiféricos. E assim que 0 potencial ou, se se preferir, a «po- 170 SOCIOLOGIA tencia socialista de que fala E. P. Thompson (1978:305-397), nao pode fundamentar teoricamente uma condi¢do socialista ¢ menos ainda uma al- teracdo estrutural da economia mundial capitalista. Esta aspiracao sociali ta, traduzida na autonomia politica de acc&o daqueles estados, tera atingi- do 0 seu auge no periodo de maior isolacionismo internacional e de desvin- culagao progressiva da légica do mercado mundial que, dados os elevados custos sociais, politicos e econémicos envolvidos, tende sempre a ser um periodo relativamente curto e hoje aparentemente chegado ao seu termo, a julgar pelos dltimos desenvolvimentos verificados naqueles paises, incluin- do a Repiiblica da China. Nestes termos, nfo me parece que se possa aceitar como valido 0 argu- mento do «bloco socialist» enquanto tendéncia anti-sistémica manifesta ou novo ponto de partida para se repensar o funcionamento do sistema mundial capitalista. Por maioria de razdo se diré que nao existe um modo de producao ou, mais energicamente, que nao existe qualquer outro modo de produgao, a no ser enquanto mera pré-figuragao de valor mais especulativo (em poten- fia) que te6rico, com que o capitalismo mundial se confronte hoje numa luta de sobrevivéncia. Podemos estar, e estamos certamente, num periodo de transico, mas de uma transig&o dentro do proprio capitalismo € nao deste para qualquer outro sistema, seja ele mundial ou nao. O seu termo poder mesmo ser pensado como poder vir a dever-se mais & luta consigo proprio, pela agudizagao das suas contradigdes imanentes, que ao confron- to com qualquer outra forga exterior a sua logica dominante, Neste parti- cular, nao resisto a citar a mensagem desse analista conservador sofisticado que foi Schumpeter, «aqueles que verdadeiramente impdem o ritmo do socialismo n&o sdo 0s intelectuais nem os agitadores que o proclamam, mas os Vanderbilts, Carnegies ¢ Rockefellers» (Schumpeter, 1976:134). Quanto ao sucessor do capitalismo, ¢ a incerteza, «os capitalistas, ou qualquer outra ordem social, podem evidente- mente colapsar..., contudo, a fénix socialista pode nao surgir das suas cinzas. Pode gerar-se 0 caos...» (ibid. 56-7). No ordenamento evolutivo da ortodoxia marxista, esta questao, como se sabe, parece estar resolvida. Wallerstein (1979:73), contudo, cede & con- vicgdo de que provavelmente teremos «um governo socialista mundial», a suceder-se ao capitalismo de hoje o que nao deixa de ser surpreendente face & sua recusa tebrica em adoptar o determinismo que perpassa varias das conclusdes a que chegam muitas das «teorias dos modos de produgao». 2 — Mais importante, sem divida, é a critica dirigida ao sistema mun- N.° 3-1987 m1 dial por este sobrevalorizar as relagdes mercantis em detrimento das rela- g6es de producao (Brenner, 1977) e, concomitantemente, proceder a revi- sao do conceito de modo de produgao, prejudicando deste modo o enten: mento perfeito das relagdes sociais capitalistas, nomeadamente as formas de controlo da forga de trabalho (Laclau, 1977). Sem desejar alimentar os termos formalisticos ¢ abstractos em que a discussdio sobre a esséncia do capitalismo tem decorrido nos iltimos, quase, trinta anos, desejo porém fazer notar que no me parece que se aplique a acusagao de circulacionis- mo (Adam) smithiano atribuido ao sistema mundial. Parece-me dificil de demonstrar que para Wallerstein sejam as relagdes comerciais e mercantis que caracterizam a accdo dos estados capitalistas, embora aquelas sejam componentes da polarizacao axial entre centro e periferia ¢ estejam, com efeito, claramente identificadas enquanto tais, em A. Smith (1976, 1), mas também em Marx (1967, I, IV). A semelhanga deste altimo, que considera a emergéncia do capitalismo a partir da circulagao de mercadorias ¢ da criagao do comércio e do mercado mundiais, Wallerstein sustenta que aquelas relagSes histéricas nao deixaram nunca de existir e terdo mesmo si- do intensificadas dado a mobilidade natural do capital (diferente da sua circulagio) depender da criacio e intensificagao da divisto do trabalho no eixo centro/periferia. No desenrolar deste processo, quer se trate por exemplo da transi¢&o do feudalismo ao capitalismo ou da expansao colo- nial de finais do século passado, o capital mercantil exerceu sempre um pa- pel determinante na consolidagdo das relagdes capitalistas de produgao. Kay (1975), tal como Brenner ¢ outros autores, mostra-se igualmente dis- posto a subvalorizar esta acgdo do capital mercantil com base no argumen- to de que os seus lucros se restringem a esfera da troca de mercadorias € nao a esfera da producdo: «Os comerciantes/mercadores nao obtém os seus lucros através da revolugao na produgao, mas pelo controlo dos mercados ¢ quanto maior for esse controlo mais alta é a sua taxa de lucro» (Kay; 1975:96). Nao ereio que ao longo do desenvolvimento histérico do capitalismo o capital mercantil se tenha remetido alguma vez a uma mera posigéio expec- tante na busca de acumular os seus Iucros pela via exclusiva da troca de mercadorias®. Julgo antes que 0 controlo dos mercados que se encontra na base do lucro obtido por comerciantes e mercadores implica nao s6 a intro- dugo de produtos, formas e processos produtivos novos, mas também a regularizago do fluxo de mercadorias de que depende o seu modo de vida econdmica. Ambas as atitudes representam uma revolu¢do na produgao em tudo semelhante aquilo que se supe serem atributos particulares do ca- pital industrial. Neste particular, a perspectiva do sistema mundial parece- -me teérica e historicamente mais adequada pois permite distinguir no seio da unidade econémica mundial que € 0 capitalismo diferentes processos 172 SOCIOLOGIA produtivos, desiguais niveis de exploragao e formas variadas de controlo da forca de trabalho, sem forgosamente os atribuir 4 ac¢ao de uma ou ou- tra forma de capital. Intimamente associados entre si, estes diferentes pro- cessos distribuem-se desigualmente ao longo do eixo centro/periferia ¢ re- velam a existéncia de assimetrias acentuadas, traduziveis quer no «tipo de produtos que se exporta quer nos niveis de saldrios ¢ nas margens de lucro que se obtém» (Wallerstein; 1979: 71). Pode dizer-se que © capital, incluindo 0 chamado capital mercantil, produz e combina estas diferengas constituindo-se, a escala mundial, no modo de producao dominante de organizagao social da vida econdmica, ou mesmo, «no tinico modo, no sentido em que uma vez estabelecido este, os outros «modos de produgao» sobrevivem em funcao da forma como se combinam com 0 quadro social ¢ politico originado pelo capitalismo» (Wallerstein; 1974: 77). Como nao se combinam apenas, mas sao também recriadas, estas for- mas sociais de organizacao so hoje variadas, como ao tempo da constitui- cdo da «nova divisdo europeia de trabalho» (Wallerstein; 1974. cao, ID. Todas as formas precarias de contrato capital/trabalho de hoje, incluindo a situacdo limite de trabalho forcado, tao frequente em zonas periféricas de hoje como de ontem, podem ofuscar o entendimento da natureza do ca- pitalismo se entendidas como formas pré-capitalistas de controlo da forca de trabalho. A periferia nao ¢ pré-capitalista mas uma das componentes es- senciais do sistema capitalista. De igual modo, sendo dominante, trabalho assalariado n&io é um traco definidor exclusivo das relagdes capitalistas de produgao. A combinacao destas formas de controlo da forca de trabalho nao se faz somente através da troca de mercardorias no mercado mundial mas também através da coercao politica de estados «fortes» sobre estados «fracos» Estamos aqui perante uma revistio de Marx porquanto este nao atribui ao Estado qualquer envolvimento directo na produgio, mas tao-s6 0 papel de garante das relacdes politicas indispensaveis acumulacdo. A dar crédi- to a Burawoy (1985: 246-249), Wallerstein constitui mesmo «a excep¢ao» a conjunto da literatura do desenvolvimento por ser 0 ttnico a estabelecer a relag&o devida entre modos de controlo da forca de trabalho e formas de Estado. Com efeito, no The Modern World-System, interroga-se sobre «porque a existéncia em simulténeo de diferentes modos de orga- nizagio da forga de trabalho — escravatura, «feudalismon, sala- riato, trabalho auténomo— no seio da economia mundial? Por- que cada modo de controlo da forga de trabalho se adapta melhor a diferentes tipos de produco. E por quese concentram estes mo- dos de controlo em diferentes zonas da economia mundial — es- N.° 3-1987 173 cravatura ¢ «feudalismo» na periferia, salariato ¢ trabalho auté- nomo no centro, da mesma maneira que podemos encontrar as parcerias na semiperiferia? Porque os modos de controlo da forga de trabalho afectam claramente o sistema politico (em particular © Vigor do aparelho de estado) ¢ as possibilidades de florescimen- to de uma burguesia local» (Wallerstein; 1974: 87). Admito que esta perspectiva — a de um tnico modo de produgdo a es- cala mundial, capaz de criar, recriar, endo somente de se articular com ou- tras formas, modos ¢ ldgicas de producdo «pré-capitalistas» — seja a que melhor pode fazer frutificar uma analise do capitalismo mundial moderno. Sem cair no simplismo de McLennan’, julgo que a teoria do sistema mun- dial tem contribuido para reduzir aquilo que chamaria o «principio fisico da incerteza» da teoria dos modos de produc8o que me parece ampliar nivel da abstracco tedrica na sua afanosa tentativa de «aproximacao & realidade concreta das sociedades concretas». E evidente que tanto o centro como a periferia e a semiperiferia tém assistido a reorganizagdes historicamente significativas dos seus modos de controlo da forga de trabalho. Assim, por exemplo, o salariato tornou-se a forma juridica mais divulgada em todo o sistema mundial. Voltarei a este aspecto a propésito da semiperiferia, bastando dizer agora que enquanto a0 centro corresponde a tendéncia para a generalizagao da proletarizacao, no sentido em que mais vastos sectores do trabalho se encontram sujeitos ao salariato directo ou indirecto (subvencdes estatais), na periferia do siste- ma, a forga de trabalho encontra-se ainda tanto em termos absolutes (nt- mero de trabalhadores) como em termos relativos (tempo dedicado ao tra- balho), numa situacao de salariato parcial, sem os niveis sequer compara veis de «assisténcia» estatal, dado o reduzido «vigor» do seu aparelho de Estado. A semiperiferia, por outro lado, e a julgar por exemplo pela situa- do portuguesa, corresponderdo idealizadamente formas complexas ¢ com- binadas de «income pulling» da forga de trabalho (Santos, 1985), que nao deixardo de reflectir a natureza 0 vigor do estado semiperiférico. 3 — As relagdes estabelecidas entre estados «fortes» e «fracos» ¢ entre estes € 05 niveis desiguais de apropriagao do excedente mundial foi posta em causa, entre outros, por Skocpol (1977). Segundo a autora, estamos pe- rante um argumento reducionista porquanto, para Wallerstein, «as diferencas de poder e de politicas dos estados em diferentes zonas do sistema mundial explicam-se pelas diferengas dos niveis regionais de apropriacao de excedente e, principalmente, pelas formas de que se revestem os interesses das diferentes classes do- minantes no sistema mundial (...), sem que se preste atencéo a outras variaveis potencialmente importantes, como sejam os pa- drdes institucionais historicamente existentes, as ameacas de re- 174 SOCIOLOGIA voltas populares ¢ as pressées ou as condicionantes geopoliticas (Skocpol; 1977: 1080). Certamente a pensar nos casos da China, da Riissia e da Franca, por- menorizadamente trabalhados pela autora noutro lugar (Skocpol, 1979), pretende autonomizar-se o estudo das condi¢des de acumulagdo e das con- dicionantes geopoliticas de modo a demonstrar que os casos de maior su- cesso so 0s estados que combinam uma descentralizagao relativa a uma burguesia mercantil activa. Este é sem divida um bom argumento, ainda que se possa perguntar se sera o sucesso, verificado em situagdes particula- res, o melhor critério para determinar a natureza do capitalismo enquanto sistema social tinico. De facto, so diferentes as capacidades ¢ formas a disposigao dos di- versos estados, no 6 para controlar a sua forca de trabalho, mas também para restringir a acgdo das suas classes dominantes, para obstar, condi nar ou promover a transnacionalizacao do capital, para descentralizar os seus aparelhos, para promover formas ideologicas e simbolicas de controlo social. Numa palavra, sao diferentes as capacidades dos estados para obter sucesso na sua estratégia de desenvolvimento. Por isso se poder admitir a hipotese de existirem estados que so fortes (no centro) relativamente a ou- tros (na periferia). Para ser mais preciso, dever-se-4 ter em conta que uns serdio mais fortes que outros na relac%o que mantém com as varias fraccdes da sua classe capitalista. Por esta razo, devem ser destacadas as alteracdes ea dindmica do sistema mundial como um todo, nao nos ficando somente ao nivel das sociedades nacionais. IV, SOBRE A SEMIPERIFERIA «what is @ metaphor? Much more than a simple grammatical construction or figure of, speech, Metaphor is a way of knowing.» AR. Nisbet; 1969:4) Como procurei mostrar atras, a proposta tedrica de Wallerstein tem como ponto de partida a elaborarao de um quadro analitico geral que per- mita acautelar o estudo da realidade social dos vicios tanto da historicidade desenvolvimentista como da especificidade histérica exagerada. Tal pro- posta representa, como ficou explicito, uma recriagao dos processos meto- dol6gicos correntes na generalidade dos estudos sobre o desenvolvimento. A perspectiva do sistema mundial identifica, primeiramente, as regularida- des historicas ¢ s6 depois as especificidades de menor escala, nomeadamen- te os estados nacionais, integrantes daquele sistema, procurando assim tes- tar a sua coeréncia mais que validar especificidades de casos particulares. A tentativa de questionamento da semiperiferia, a que aqui se proce- N.°3-1987 175 dera, aceita esta proposta metodologica. Com efeito, o discurso que aqui se produz privilegia o nivel mais geral daquilo que possa ser uma agenda de investigagdo sobre aquele aglomerado intermediario de estados nacionais. A. 0 confronto tedrico Para uma compreensao plena do alcance desta conceptualizagao de se- miperiferia, € indispensavel confrontar brevemente a teoria do sistema mundial com outros modos de compreensdo das relagdes politicas ¢ econd- micas internacionais, em particular com as teorias da modernizagao e da dependéncia. Perante 0 facto reconhecido da existéncia, hoje como ha 100, 150 ou mais anos, de um nimero significativo de estados situados algures entre a «maturidade» e 0 «atraso», tanto a teoria da modernizagao como a teoria da dependéncia acabam por considerar nas suas versdes mais ortodoxas apenas as posi¢des extremas da distribuicao polar dos estados. ‘A teoria da modernizacdo considera basicamente que todo € qualquer pais se situa, num momento dado do seu desenvolvimento, ou naquilo que se consideram as «economias tradicionais», «agricolas», do Terceiro Mun- do ou entre os «estados modernos», «industriais» da civilizagao ocidental. Esta teoria advoga para as zonas menos desenvolvidas do globo a adopcaio de politicas que as conduzirao, por um proceso mais ou menos linear de passagem de diferentes etapas ou estddios de desenvolvimento, 4 condi¢ao industrial/moderna, O subdesenvolvimento e a pobreza desaparecerao & medida que aqueles paises methor conseguirem duplicar a estratégia de de- senvolvimento anteriormente ensaiada pelos paises desenvolvidos de hoje (efeito de demonstracao). A maior contra-evidéncia empirica desta inter- pretagao € constituida pelo generalizado «insucesso» das tentativas de de- senvolvimento € crescimento da quase totalidade dos paises do Terceiro Mundo. Por outro lado, a feoria da dependéncia desenvolveu a ideia de uma crescente polarizacao mundial entre o centro e a periferia, um resultado di- recto do funcionamento do sistema capitalista. A medida que tal sistema se desenvolve, defendem os dependentistas, mais as relagdes entre aqueles po- los tendem a reforgar-se, intensificando-se ¢ alargando-se; em consequén- cia, aquela polarizagao (desenvolvimento do subdesenvolvimento). A solu- do encontrar-se-ia numa estratégia autocentrada de desenvolvimento, acompanhada de uma desvinculagdo radical do capitalismo e sustentada por uma estratégia socialista de acumulagdo. Em meu entender, foi a ocor- réncia de uma variedade de casos bem «sucedidos» de desenvolvimento, re- gistada em paises periféricos, do Brasil ao Taiwan, e baseada no aprofun- damento (nao na desvinculagio) das relagdes capitalistas que conduziu a «dependéncia» a um estado de bloqueamento tedrico. Em oposigao a estas concepedes, a teoria do sistema mundial sustenta, 176 SOCIOLOGIA como o mostra o conceito de semiperiferia, a existéncia de um modelo fri- ‘modal, ¢ nao bimodal, da distribuigdo dos niveis de desenvolvimento mun- dial. A sua base histérica de andlise permite-the conceber a semiperiferia ndo como uma condigdo transitéria e residual, mas estdvel, permanente e relacional. A semiperiferia seria uma condigao transitoria se, como na teoria da modernizacao, correspondesse a um estidio temporario do desenvolvimen- to dos estados e das economias nacionais, no seu percurso entre 0 «atraso» a «modernizagaon. Seria, por outro lado uma categoria residual se, como no caso da teoria da dependéncia, a tendéncia para a polarizagao crescente do mundo capitalista fosse vista numa concepcao deterministica, no sujei ta a contra-tendéncias que, precisamente, invalidam a ideia de fixagdo dos estados, enquanto estados capitalistas, a um dos dois polos da divisio do trabalho. Para a teoria do sistema mundial, os paises da semiperiferia tm uma dinamica propria que os capacita de reproduzirem a sua propria semiperi- ferialidade e, portanto, de estabilizarem a sua condicao estrutural. Esta namica fundamentalmente politica e tanto mais acentuada quanto mais intensos forem os periodos de estagnacdo econémica mundial. Estas fases B dos ciclos econémicos representam um desafio particular para os equili- brios mundiais geralmente vigentes durante as fases A. E ent&o admissivel pensar-se que a semiperiferia possa reagir a esta estagnacao de modo algo diferente dos estados «fortes» que a suportam e dos «fracos» que sucum- bem, para usar a linguagem figurada de Braudel (1985:91). Para além desta mobilidade, estes estados encontram-se sujeitos a pressdes diversas, ndo s6 oriundas de forgas sociais internas organizadas, mas vindas também tanto dos paises centrais como dos periféricos (0 ca- racter relacional da semiperiferia). Combinadas, estas pressdes ¢ a dina- mica propria da semiperiferia, permitem aos tedricos do sistema mundial considerar a hipotese de os diferentes estados nacionais, individualmente considerados, poderem alterar a sua condigdo estrutural simiperiférica, tanto no sentido da sua «despromogao» (periferializacao), como no senti- do inverso (centrag&o). Para além disto, considera-se que, em fungao de ‘uma légica elementar do funcionamento do capitalismo, nem todos os es tados, tal como sucede com os proprios individuos, podem ser dominantes ‘ou capitalistas, em simultneo, reduzindo-se assim substancialmente 0 le- que de oportunidades de acesso A condicdo capitalista central. Acresce ain- da o facto de a concorréncia interestatal poder reforgar 0 conjunto da se- miperiferia pela «desqualificagdo» de estados centrais, uma tendéncia his- toricamente tao plausivel como a «promocaon de estados periféricos. E es- ta mobilidade sistémica, por limitada que possa ser, que confere a semipe- riferia 0 seu caracter de permanéncia histérica, naturalmente ausente nas formulagdes das teorias da modernizagao ¢ da dependéncia. E corrente a identificacao de situagdes intermédias, como no caso da teoria das classes sociais, as quais estas consideragdes também seriam apli- N° 3-1987 177 caveis. Pode até mesmo dizer-se que & por analogia que Wallerstein recupe- ra, para a semiperiferia, os atributos fundamentais das classes sociais (natureza relacional, estabilidade, permanéncia, combinagao de comporta- mentos, etc.) Para além disso, so conhecidas outras tentativas conceptuais para de- signar a mesma realidade. Entre estas ultimas estdo as designagdes «nagdes: intermédias» (Galtung), «paises em vias de desenvolvimento» (Kuznets), «sub-imperialismo» (Marini) e «desenvolvimento dependenter (Cardoso Falleto). O contributo tedrico mais consistente sobre estas formas intermé- dias de desenvolvimento parece ser a do grupo de investigadores do IREP com o seu conceito de «semi-industrializagao»*, Esta diz respeito «a rapida emergéncia na cena internacional de economias em vias de desenvolvimento; ao crescimento acelerado das exportagdes de produtos manufacturados; a integracdo no mercado mundial ca- pitalista e ao aprofundamento da Divisao Internacional de Traba- Iho» (Judet; 1981:5). Parece-me, portanto, que 0 conceito est apto a dar conta sobretudo dos casos anématos de rapida industrializacdo e promocio econémica in. ternacional. S6 assim se compreende que o seu referencial empirico mais Utilizado seja 0 chamado «grupo asiético dos quatro». Assim sendo, por eleger a industrializagao como critério nico de defini¢ao, sem que o pro- blematize, € a0 nao considerar 0 cardcter histérico do desenvolvimento econdmico desses paises, esta concepedo nao permite visualizar situagdes cobertas pelo conceito de semiperiferia, como sejam as relativas 4 consoli- dacao secular de situagdes intermédias ou da sua assuncao do estatuto por «despromosaion (desindustrializagao?). A par disto, o papel do estado na- cional surge circunscrito a sua fungao directa de promotor ou agente dessa industrializagdo, esvaziando-se a sua intervengao na superestrutura politica mundial (sistema interestados), uma das componentes fundamentais da se- miperiferia wallersteiniana. Por estas razdes, € apesar das suas virtudes, o conceito de semi- industrializagdo continua, também ele, como diz o proprio Judet, «carre- gado de ambiguidade» e incapaz de abranger o vasto leque de paises semi- periféricos, de niveis econdmicos de desenvolvimento similar, mas de tra- jectos histéricos e politicos tao dispares como os observaveis no mundo ca- pitalista de hoje. B. A definigao originaria de semiperiferia As primeiras formulagdes do conceito de semiperiferia feitas por Wal- lerstein (1974) surgem no seu The Modern World-System. Ai, 0 conceito surge sem grande elaborac4o teérica propria mas t4o-s6 enquadrado hist- 178 SOCIOLOGIA rica e descritivamente no mapa do capitalismo mundial que se vai dese- nhando a partir do século XVI. A formulagao mais generalizante que se en- contra neste trabalho surge no balango tedrico que Wallerstein ensaia no capitulo de conclusao: «As economias mundiais so pois divididas em estados cen- trais e areas periféricas (...) Existem também areas semiperiféricas que se encontram entre o centro e a periferia sob uma série de cri- térios como seja a complexidade das actividades econdmicas, 0 vigor do seu aparelho estatal, a integridade cultural, etc. Algumas destas areas tinham antes sido centrais de uma dada economia medieval. Outras tinham sido Areas periféricas posteriormente promovidas, por assim dizer, em consequéncia de alteracdes geo- -politicas verificadas numa economia capitalista em expansao. A semiperiferia, porém, nao é um artificio de demarcacao es- tatistica, nem uma categoria residual. A semiperiferia ¢ um ele- mento estrutural indispensavel da economia mundial» (Wallers- tein; 1974: 349). Esta formulacao wallersteiniana constitui uma «inducao amplifican- te» pela sua tentativa de generalizagao conceptual a partir de casos para- digmaticos da gestacao da semiperiferialidade, como nos casos estudados de Portugal, Espanha, Franga, Italia ou Réssia. Em The Rise and Future Demise...°, sem davida um dos seus textos mais interessantes, Wallerstein justifica aquela indispensabilidade estrutu- ral da semiperiferia no conjunto do sistema mundial. Sao as razdes politi- cas, situadas ao nivel do sistema interestados, mais que as raz6es economi- cas que exigem a conservacdo deste estrato intermédio de paises. De outro modo, argumenta, a instabilidade politica derivada da tensao per- manente entre o centro ¢ a periferia, conduziria o sistema rapida ¢ inevi tavelmente ao seu bloqueio e eventualmente ao seu colapso (Wallerstein, 1979: 69). Isto nao quer dizer que Wallerstein nao atribuia contetido econémico & semiperiferia. Com efeito, os estados semiperiféricos podem ser defini- dos como estados que tendem & «produgdo de produtos manufacturados para o mercado interno... mas [so] também exportadores de produtos primarios, desempenhando o papel de parceiros periféricos face aos paises centrais e de parceiros centrais face a alguns paises periféricos» (Wallerstein; 1979:247)®, Definida deste modo a semiperiferia, parece nao restarem dividas sobre a sua aplicabilidade ao caso portugués, no decurso de um longo pe- riodo de tempo. Trata-se do periodo em que o pais denotava uma subordi- N° 3-1987 179 nagdo ao nivel econémico da divisao de trabalho, entendida a partir da sua fixagdo a condigao de produtor de manufacturas para o mercado interno, aliada a situagéo de pais exportador de bens primarios. Tratava-se entdo de Portugal, enquanto «parceiro periférico dos paises centrais». Por outro la- do, ao nivel politico das relagdes coloniais, Portugal exercia uma posi¢ao dominante ao fazer das colonias africanas «a sua periferian. Creio que o termo da relacao colonial nao invalida necessariamente a semiperiferialidade portuguesa. Penso que o tempo que se vive hoje ¢ antes um tempo em que se reavaliam os parametros da articulagao da economia € do estado portugueses no conjunto do sistema mundial. Tudo quanto se pode dizer por agora é que se trata de uma redefinigdo no interior da semi- periferia (Fortuna, 1985; Santos, 1985). Existirdo por certo outras interpre- tages. Entre elas as que se predipdem a aceitar mais rapidamente a carac- terizacdo de semiperiferia para o Portugal colonial que a conferir-Iha hoje, terminado o seu vinculo africano. Estas concepgdes estarao mais inclinadas a atribuir a Portugal um qualquer outro estatuto mais préximo das bipola- idades tipicas da ‘modernizacao’ e da ‘dependéncia’ que referi. Esta é uma razdo pratica pela qual se deve ensair uma definigao mais substantiva do conceito de semiperiferia. As outras sao de natureza teérica € decorrem da forma como o conceito é apresentado nos textos originais de Wallerstein. Nessa primeira apresentacao 0 conceito enferma de alguma precaridade ¢ € fundamentalmente intuitivo na sua construgdo, pese embo- 1a 0 seu inegavel valor heuristico. Esta qualidade exploratéria do conceito deve, no entanto, ser testada mesmo (ou principalmente?) se nos concen- tramos nas especificidades de casos nacionais"". C. A Redefinigao da Semiperiferia Em meu entender ¢ precisamente a partir da divisdo do trabalho t{pica istema mundial capitalista que se pode ensaiar uma caracterizagao da semiperiferia que dé conta, em simultdneo, da sua continuidade historica ¢ da sua materialidade estrutural especifica. A primeira questo resultante da bipolaridade dominante naquele sis- tema (centro versus periferia) é a existéncia, num dado momento, de pro- dutos, processos e métodos de produedo, ou seja, de actividades produti- vas de natureza e resultados econdmicos diferenciados 2, Esta natureza di- ferencial confere-thes o estatuto de actividades produtivas centrais se, em termos relativos, se apresentam altamente mecanizadas, capital-intensivas, lucrativas € envolvendo altos niveis salariais e acentuada especializa- ¢0/qualificagao do trabalho. Em contrapartida, serao periféricas as acti vidades produtivas limitadamente mecanizadas, trabalho-intensivas, menos remuneradoras € com graus inferiores de especializacao/qualificacao do trabalho. Articuladas entre si e repartidas pelas diferentes areas do mundo estas mo soz 0014 actividades produtivas constituem como que uma «linha planetaria de montagem» que atravessa, hoje como ontem, as fronteiras politicamente definidas dos estados nacionais. E neste sentido que se pode falar apropria- damente de uma produgao ¢ de uma procura mundiais. No entanto, no sentido estrito em que retém no interior do seu espaco nacional, conjuntos ou manchas proporcionalmente diferenciadas daquelas actividades produ- tivas (0 proceso que designarei nacionalizagdo da producao) os diferentes estados podem ser considerados centrais ou periféricos consoante neles predomine um ou outro tipo de actividades. E nestes termos que se pode definir tentativamente a semiperiferia como 0 aglomerado de estados nacionais que agregam no interior do seu espaco numa rede de actividades relativamente equilibrada, donde resulta a sua acentuada margem de manobra politica e institucional no sistema interestados". Trata-se obviamente de uma definigéo axiomatica, obtida na confluéncia de uma interpretacao simultaneamente dedutiva ¢ indutiva ¢ feita por referéncias as particularidades das situagdes polares e a totalida- de da economia mundial capitalista. Julgo que esta definigdio pode condu- zir a uma interpretagdo mais operacional desse conjunto de estados inter- médios da economia mundial. Podera objectar-se de imediato sobre 0 critério de medigao daquela «rede equilibrada de actividades produtivas». Neste sentido, pode ser ope- racional 0 critério do Produto Nacional Bruto per capita, um dos poucos facilmente mensuraveis para grande parte dos paises. A operacionalidade deste critério, sem davida discutivel, deriva do facto de, tal como a produ- Ao capitalista, também o lucro excedente obtido da sua mise en valeur ser um lucto mundial. Por reterem no seu espaco nacional, em paralelo ¢ equi- libradamente conjunto de actividades produtivas centrais € periféricas, por pressuposto mais € menos lucrativas respectivamente, os estados semiperi- fericos apropriam uma parcela intermédia do lucro mundial, traduzida de algum modo no PNB (Arrighi, 1986). Na sua primeira aplicagao do critério pode dizer-se que Arrighi confir- ma a distribuicao trimodal de Wallerstein. Excluidos os paises com menos de I milhao de habitantes, e apesar do caracter problematico das classes do PNB estabelecidas, o autor detecta $ grandes zonas de distribuigao estrutu- ral, duas das quais respondem por situagdes de fronteira, tanto em termos do PNB como, e principalmente, em termos da percentagem mundial que representam !4, ‘Apesar destes resultados poderem confirmar a distribuig#o trimodal da economia mundial, parece evidente que neste dominio os teéricos do sistema mundial tém ainda um longo proceso de investigagao a percorrer (em parte resultante das dificuldades metodologicas que referi na primeira parte deste texto), de modo a operacionalizar os critérios mais eficazes de medigao da semiperiferia ¢ dar consisténcia empirica a generalidade das propostas tedricas originais de Wallerstein. Entre estas propostas incluo a base em que defino agora a semiperife- N° 3-1987 181 ria e que se distingue das definigdes originais e mais vagas oferecidas. Que- ro fazer realgar que a forma como me refiro as actividades produtivas no permite supor a existéncia, ao longo do tempo, de produgdes ou activida- des produtivas tipicamente centrais ou tipicamente periféricas, pois, elas so-no apenas de um ponto de vista relativo e no existem, enquanto tal, se nao temporariamente. Uma actividade que ¢ central num dado momento pode tornar-se periférica no momento seguinte, pelo que é de acautelar, para efeitos comparativos, a adopeao de periodos longos e espacos alarga- dos de analise. Com efeito, se fizermos livre uso do conceito de «ciclo de produto», utilizado nas teorias do comércio internacional's, pode sustentar-se a ideia de que as actividades produtivas centrais, ao atingirem a sua fase de maturidade, ficam sujeitas, em regra, a um processo de peri- ferializagtio (ou de despromosio) técnica ¢ estrutural que envolve geral- mente a relocalizagao espacial da produgo e a recomposi¢ao das formas de organizacdo social que a suportam , Nao estou a defender a hipdtese de que este pracesso de periferializa- ‘cdo técnica e estrutural de actividades produtivas possa atribuir-se apenas a uma qualquer degenerescéncia das potencialidades intrinsecas dessas activi- dades. Antes de mais, uma tal despromosao tem a ver com os ritmos ci- clicos da economia capitalista e as correspondentes intensidades desiguais de concorréncia empresarial, como por exemplo nos casos de inovagao tec- nol6gica ou de produtos (Schumpeter, 1939). Por outro lado, nao se pode deixar de admitir a possibilidade de uma intervenco decisiva dos capitalis- tas individuais ou do proprio Estado na «despromocao» estrutural de acti- vidades produtivas. Este seria um caso intimamente relacionado a logica elementar de acumulagao capitalista produtivas. Este seria um caso intima- mente relacionado a ldgica elementar de acumulagao capitalista em que se procuram minimizar os efeitos da recessao econémica & medida que esta toca sectores de vanguarda, Para uns e para outro (capitalistas e Estado) 0 que esta em causa é conservar um nivel elevado de selectividade das suas actividades produtivas de modo a resguardarem-se da concorréncia dos seus pares. Por tiltimo, nao é despiciendo pensar-se que na origem deste processo se possa detectar a interferéncia de sectores dinamicos (0 Estado incluido, se for esse 0 caso) de paises semiperiféricos ou mesmo periféricos induzidos pelo afa de promoverem a natureza da grelha de actividades pro- dutivas sob seu controlo. Neste itltimo sentido talvez se possa argumentar como 0 caso do im- pulso verificado no sector t@xtil portugués, em meados do século passado, na sequéncia da politica econémica aguerrida de S4 da Bandeira, ¢ coinci- dente com a ideologia e pratica liberal da Europa de entéo, en: particular, da Inglaterra. Este é um periodo em que a indastria metalirgica conduzida pela mao dos dois grandes concorrentes da Inglaterra, a Alemanha e a Franca, caminha a passos largos para uma posic&o destacada no conjunto das actividades produtivas (Landes, 1969). Na sua atitude defensiva e na tentativa de nao perder a sua posicdo hegeménica, a Inglaterra, A medida 182 SOCIOLOGIA que a Grande Depresso de 1873-1896 se ia instalando, descongestionou 0 seu «monopélio» téxtil e concentrou os esforgos na produgao de aco. Este facto propicia a oportunidade a Portugal, como de resto a outras semiperi- ferias, para se libertar das restrigdes institucionais a que estava vinculado havia ja mais de um século. No prolongamento histérico deste processo de periferializacdo dos téxteis encontra-se parte do sucesso da «semi-indus- trializada» Coreia do Sul do pos-guerra (Fortunato, 1985), conseguido alias numa fase de generalizado uso de fibras sintéticas que s6 gradual e tardiamente viriam a integrar 0 conjunto das matérias-primas da indistria portuguesa" D. O Estado Semiperiférico ¢ 0 Sistema Interestados Em resultado do seu equilibrio relativo de actividades produtivas, os estados semiperiféricos séo em geral estados com uma acentuada margem de manobra politica e institucional, subsidaria do equilibrio de forgas so- ciais adstritas aquelas actividades. Esta centralidade do Estado ¢ um trago essencial da relaciio da semiperiferia como o mercado, o capital e o traba- Iho, como também do desempenho dos diferentes estados nacionais ao nivel do sistema interestados. Por esta razto a formago/constituigao histérica dos estados nacio- nais semiperiféricos constitui um processo politico determinante, por exemplo, da dimenséo do mercado nacional ou da variedade e volume das actividades produtivas, recursos naturais ou humanos, congregados entre as suas fronteiras. Este , por regra, um processo marcado por desconti- nuidades politicas mais ou menos acentuadas de que s&io exemplo os (re)ar- ranjos geograficos dos limites da soberania nacional por efeito quer da aglutinacdo de regides antes auténomas (como no caso da actual Hungria) quer da desintegracao imperial (como no caso da Turquia). A descolonizacao portuguesa de 1975 é evidentemente um caso tipico destes (re)arranjos estratégicos que, no Ambito desta discusséio, representa um dos elementos da redefinigo da condicao semiperiférica de Portugal actualmente em curso". Este proceso de descolonizagao teve um impacte decisivo na redefinic&o dos pesos dos diferentes sectores do capital nacio- nal pela perda de controlo e facilidade de acesso e uma diversidade de acti- vidades produtivas coloniais. Este jogo de interesses que comegara jf a to- mar forma na década de 60, quando se inicia a «medigao de forgas» entre © sector «africano» e o sector «europeu» do capital nacional recorda, nos seus tragos essentciais, a iiflexdo do-capital verificada nos meados do sécu» lo passado e provocada pela independéncia do entao «Brasil periférico». Num ¢ noutro caso, a perda de controlo sobre importantes recursos e mer- cados coloniais foi feita sem orientagdes alternativas perfeitamente consoli- dadas, pelo que também num € noutro caso alguns sectores sociais no te- N.° 31987 183 ro deixado de manifestar uma atitude derrotista com laivos ideolégicos decadentistas. Estas consideragdes integram-se na hipétese de trabalho sobre a mobi lidade histérica dos estados nacionais (despromo¢ao, consolidago ou pro- mogao). Aplicada esta hipétese ao caso portugués, leva-me a considerar que os tltimos cem anos da historia de Portugal tém sido a historia da sua consolidago como pais semiperiférico. Inicia-se como o estabelecimento do controlo colonial «efectivo» em Africa, na viragem do século, e prosse- gue depois no periodo inter-guerras, até finais dos anos 60 quando come- am a germinar os efeitos bloqueadores ¢ se agudizam as contradigdes que conduziriam ao 25 de Abril (Santos, 1984). As fases de arranque para este esforco de consolidacao coincide com as fases de retrac¢do econémica ge- neralizada (fases B dos ciclos Kondratieff) correspondentes aos periodos de 1870/75-1890/96 e 1914/20-1945/48. Evidentemente que a hipotese da consolidagdo ndo exclui, antes exige, a consideracdo do reforgo ou do esta- belecimento de aliangas internacionais privilegiadas ja existentes ou novas. A «velha alianga», num caso, ea NATO, no outro, podem considerar-se no dominio das relagdes internacionais as aliangas privilegiadas em que Portugal apostou para vencer o desafio da retrac¢ao economica ¢ concre zar a oportunidade da sua consolidagao enquanto poder mundial intermé- dio. Num e noutro caso foi cortejado, € certo, pelos paises centrais, sobre- tudo pela sua posigdo geo-estratégica tanto em Africa como no extremo ocidental da Europa, o que Ihe terd valido um «trunfo» com que os outros estados em condicao semelhante nao puderam contar ou nao conseguiram utilizar to eficazmente. Nao estou a dizer que perante a centralidade do Estado implicita nes- tes arranjos, os capitalistas se remetam, na semiperiferia, a uma posi¢ao tutelada de meros agentes sociais passivos. Numa economia mundial em transmutacdo historica permanente, em que a produgio sendo mundial é também parcelizada e em que o furn-over das actividades produtivas (de centrais e periféricas) ¢ constante e crescentemente acelerado, uma das hi- poteses mais validas a ter em conta parece-me ser a de que os sectores mais dindmicos do capital nacional se encontram sujeitos a uma presstio concor- rencial dos seus pares cujos efeitos s6 poderao ser minimizados medida que conseguirem captar maiores parcelas de actividades produtivas centrais. A escala nacional, esta graduacdo selectiva de actividades pode ter efeitos centrifugadores de dispersdo da malha produtiva ¢ estar na origem do redescoberto processo de industrializacao regional *. Uma das hipéteses que aqui se poderdo levantar ¢ a de saber que actividades produtivas com- poem esta tegionalizacdo: industrial, se actividades em processo national ou global de despromogao (as'chamadas actividades «tratlicionais») ou, sé ao contrario, ela engloba e em que escala a: captagao de actividades centrais™, A escala da economia mundial, por outro lado, este dinamismo de sec- 184 SOCIOLOGIA tores empresariais nacionais nao pode deixar de ser equacionado em rela- g@o com a transnacionalizacao do capital. Em si, este proceso nao é novo pois que «o capital ndo permitiu nunca que as suas aspiragdes fossem de- terminadas por fronteiras nacionais» (Wallerstein; 1979:19). O que real- mente novo e inguietante € a intensidade que o fendmeno assumiu a seguir Segunda Guerra Mundial ¢ que legitima a interrogacéo sobre quanto de nacional existe nas economias nacionais de hoje, como tem sido perdido ou preservado e com que efeitos*!. Para a generalidade da periferia mundial, a «alianga triplice» (multinacionais, estado e capital local) (Evans, 1979) tem provocado a «desarticulacao» das suas economias e a «exclusio» dos seus supostos beneficios de consumo de sectores sociais importantes (Amim, 1976). A experiéncia historica de muitas situagées de semiperiferia faz-me pensar como esta pode iludir ambas as situagdes, dada a combinagao que pode conseguir entre a franca oposicao ea abertura incondicional ao capi- tal transnacional. Esta especificidade da semiperiferia ¢ um corolario da sua margem de manobra politica resultante da sua indispensabilidade es- tratégica para o sistema: «os paises mais pobres da periferia podem estagnar sem que a sua situagdo de apuro provoque qualquer perturbagdo séria no cen- tro, mas a crise da semiperiferia despojaria as multinacionais de uma importante zona alternativa para a acumulagdo em diversos sectores industriais» (Evans; 1979:34). Esta situagao aponta para a articulagao de interesses ou «alianga» ba- seada, em primeiro lugar, no facto de que 0 capital transnacional, dado 0 seu interesse em aumentar os lucros, tende primeiramente a fazer baixar os custos de produgdo e 6 depois em conseguir ganhos de produtividade, sem excluir as possibilidades de estratégias combinadas. Dispde-se assim ao descentramento (deslocalizagtio) do todo ou de partes das suas actividades produtivas para regides de baixos salarios mas de eficazes garantias de se- guranca para os seus investimentos. Em segundo lugar, como ja disse, este descentramento nao pode deixar de ser visto também como estratégia deli- berada de alguns sectores capitalistas nacionais, supostamente interessados em aumentar 0 controlo sobre actividades produtivas mais centrais. Outros sectores menos dindmicos poderdo ver-se remetidos para a necessidade de promoverem verdadeiros enclaves da economia nacional, menos atraentes para o capital mundial e escudar-se neles, correndo assim 0 risco da sua pe- riferializagao a prazo mais ou menos longo. O terceiro elemento desta arti- culagdo reside entao no sucesso do estado semiperiférico em promover cap- tar aquela deslocalizacao de actividades para o seu espaco nacional. Perante as exigéncias de harmonia social e estabilidade das transnacio- nais, 0 estado semiperiférico pode confrontar-se a médio prazo com um défice de legitimidade politica. Esse foi o figurino da generalidade dos ca- sos da América Latina do pés-guerra no periodo posterior «substituicao N° 3-1987 185 das importagdes». A ruptura do equilibrio social precrio conseguido na base do alargamento dos consumos, tanto materiais como simbélicos, fez- -se acompanhar da imposig&o de formas coercitivas de controlo da fora de trabalho e do surgimento de regimes politicos autoritarios, «Nas areas mais desenvolvidas da periferia, 0 aparelho coercivo deve ser ‘conduzido de modo a excluir 0 sector popular urbano entretanto jA activado’. O objectivo é fazer regressar a classe ope- raria & posi¢ao politica de antes da sua urbanizagdo e organiza- go. (...) A repressao € 0 unico meio de dar este passo atrés» (Evans; 1979:48). O reforco das fragmentagdes do mercado de trabalho por via repressi- va que aquelas mudancas enunciam é tipico das formagées periféricas de hoje (mesmo as mais avangadas) onde o dilema entre capitalismo ¢ demo- cracia parece continuar a ser resolvido em beneficio do primeiro. As restr Ges & capacidade negocial da forga de trabalho no local da produgao (Ed- wards, 1979) podem, no entanto, ser compensadas pelo reforgo das suas capacidades negociais no proprio mercado de trabalho, para o que se mos- tra decisivo tanto o nivel ¢ os objectivos estratégicos da organizagao sindi- cal como o grau de elasticidade das economias familiares. A situacdo nos paises do centro capitalista contrata com este figurino por serem menores as pressdes internas para a captagaio de mais actividades centrais. Por este facto, estes estados surgem geralmente mais envolvidos em tarefas de redistribuicao e de provisdo de infraestruturas (Korpi, 1978). Em contraste com estas situacdes polares, a semiperiferia apresenta uma variedade de formas reguladoras da economia e das tensdes sociais que podem ir desde a tutela de sectores econdmicos ¢ empresas a sua estati- zaco, da administragdo/regulacaio das trocas comerciais no interior e para alem das suas fronteiras até mesmo a supressao/redugao de liberdades po- liticas e sindicais. Como é que 0 caso portugués se compagina com estes tragos gerais das estratégias de regulacdo da semiperiferia? Seguindo de perto um estudo re- cente (Santos, Reis e Marques, 1986), pode dizer-se que a primeira grande caracteristica da transi¢ao que hoje se opera em Portugal reside no facto de apresentar indicios aparentes de periferializacao, pela dominante e inces- sante busca de zonas de baixos salarios, em oposigdo a procura de ganhos de produtividade, tanto do capital nacional como do capital mundial. Estes indicios poderdo, contudo, ser contrabalancados pelo facto de Portugal apresentar um conjunto de caracteristicas estruturais que se podem consi- derar tipicas de uma situagao intermédia de desenvolvimento. Com efeito, Portugal dispoe de «recursos humanos aprecidveis, de um sector de mao-de-obra qualificada ou facilmente qualificavel (...) de um mercado de 186 SOCIOLOGIA classe média relativamente significativo que nao pode ser drasti- camente ressurgido (...) fe de uma] heterogeneidade interna do operariado portugués que vai desde o taylorismo sangrento, (...) passando por sectores do operariado integrados numa relagao sa- arial fordista ¢ (...) operarios alta e sofisticadamente qualifica- dos» (Santos, Reis e Marques; 1966: 39-40). No entanto, os autores fazem notar que Portugal constitui uma «So- ciedade Providéncia» em que as deficiéncias da providéncia estatal formal, de tipo central, so aqui superadas por mecanismos informais, similares aos praticados em estados «fracos» da periferia mundial (Roberts, 1978) ¢ com base no suporte, por exemplo, da pequena agricultura e da economia subterrdnea, ambos desenvolvidos ao longo de uma densa matriz linha- geira/familiar. Ao lado destes mecanismos informais, e para além dos ren- dimentos salariais correntes, também os juros de depésitos e as remessas de emigrantes constituem em Portugal parcelas importantes do rendimento das familias (Mateus, 1985), todos eles tendendo, como conclui Boaventu- ra S. Santos (Santos, 1985), para a «descoincidéncia» entre os volumes da produgo social capitalista ¢ da reprodugao social. Trazer esta descoinci- déncia a um mais alto grau de nivelamento pode ser visto como a estratégia mais apropriada na presente a consolidag&o da condicdo semiperiférica de Portugal. £ nesta manobra de pacificac&o que reside a centralidade do es- ado portugu@s, tanto mais importante quando maior parece ser 0 «défice corporativoy existente entre os diferentes corpos sociais actuantes na socie- dade portuguesa. ‘A contrariar esta expectativa, no entanto, a pratica politica do Estado portugués tem vindo a ser balizada pelo reforco da sua componente coerci- va, em prejuizo do consenso nas relagdes de trabalho. Os contratos a prazo ea «inefectividade pratica do direito do trabalho» t&m sido as componen- tes mais activas na redugao da capacidade negociadora da forga de traba- Iho (Santos, Reis e Marques, 1986). A desintegragao juridica do operariado (trabalho tempordrio contratos a prazo) ¢ da propria empresa (sub- contratagdio € trabalho domicilidrio) correntes hoje em Portugal (ibid.), tém efeitos sociais e politicos determinantes na redugao da capacidade ne- gocial operdria. Situado algures entre o «taylorismo sangrento» (da perife- tia) € a «submissdo silenciosa» (do centro), este processo de erosdo ¢ de submissio da forga de trabalho, de que o Estado portugues é um agente ac- tivo (Por tolerncia, ineficécia ou iniciativa propria), confere hoje ao capi- tal condigdes atractivas de investimento em Portugal”. A «Sociedade Pro- vidéncia» tem actuado como defesa contra os efeitos perniciosos da atomi- zaco operaria e da sua elasticidade parece depender a contengao do élan conflitual e revolucionério que actualmente se detecta na periferia do siste- ma (ibid.). Nestes termos, 0 despacho da actual redefini¢ao da condi¢ao se- miperiférica de Portugal, permanece em aberto mas parece implicar que N.° 3-1987 187 «o Estado portugues ter mesmo de reforgar o seu contetido pro- videncial em vez de o atenuar. Como a tanto podera obstar a crise financeira do Estado, a tinica saida democratica consistira em fo- mentar novos mecanismos providenciais no seio da sociedade civil & medida que forem enfraquecendo os mecanismos tradicionais tipicos de uma sociedade de forte componente rural. Esses novos mecanismos pressupdem uma sociedade auto-organizada. (...) [Essa] auto-organizacao tera de inicio de ser apoiada por um Es- tado atento a miltipios particularismos sociais» (Santos, Reis ¢ Marques; 1986: 41). V. CONCLUSAO: Agenda de Investigacio Sobre a Semiperiferi A partir das consideragées feitas acerca da teoria do sistema mundial ¢ da semiperiferia poder-se-do delinear algumas linhas de investigagao ¢ hi- poteses de trabalho para aprofundar a pertinéncia do conceito, nomeada- mente no estudo de casos nacion: 1, O cardcter estavel, permanente e relacional na semiperiferia, em ge- ral, implica que o seu significado varie no tempo, no espaco e de acordo com as tendéncias seculares e 0s ciclos longos da economia capitalista. A andlise de casos particulares/nacionais deve assim ser fundada historicamente de modo a permitir identificar os legados de partida. Nao é indiferente, por exemplo, que um Estado tenha sido incorporado na economia mundial numa condigao semiperifé- rica ou noutra, Neste ponto, a hipdtese de trabalho que se perfila parece ser a de que poucos serao os estados periféricos que terdo conseguido alcancar posigdes mais solidas no conjunto do sistema. A hipétese contra indutiva & a de que todos os estados (semiperifé- ricos ou no) poderdo alterar a sua condigdo estrutural, esvaziando deste modo a condi¢ao estrutural de partida. 2. Quanto & variagZo «espacial» do significado de semiperiferia, parece-me evidente que nao teré a mesma relevancia pratica um pais ser semiperiférico no continente africano, na Europa Ociden- tal ou Oriente, por exemplo. Existe, no entanto, uma cautela a ob- servar que diz respeito a uma continua estratificagao de posigdes em func&io do enquadramento geo-estratégico dos estacos nacio- nais (por exemplo, se centrarmos a atenc&o sobre a «periferia euro- pei ndo podemos perder de vista a sua condicao semiperiférica mundial). Para além disso, a regionalizac&o da semiperiferia impli- ca regionalizacao, em paralelo, do centro eda periferia j& que pa- rece poder estabelecer-se em cada caso, um eixo principal de rela ees que faz corresponder a cada centro as suas periferias privile- giadas. 188 SOCIOLOGIA Capitulo 5 Crescimento, regulago e crise na economia mundial 5.1. Para uma reinterpretacfo do processo de desenvolvimento capi- talista: uma referéncia a(s) escola(s) da regulagao — Acumulagao, crescimento e factores de crise na economia capi- talista mundial (de meados dos anos 60 a meados dos anos 70) —O conceito de regulacdo na Ciéncia Econémica e sua contribui- ¢d0 para uma reinterpretacdo dos processos de expanséo e crise da economia capitalista; —A crise actual e os seus mitos. 5.2. Os processos de ajustamento face a crise — O papel do Estado e da politica econémica em revisiio; — Novos modos de gestdo da mao-de-obra; —A deslocacao das indiistrias e os novos paises industrializados (NP); —Novas tecnologias e processos produtivos e organizacionais; —O recurso a divida externa, uma arma de dois gumes. Capitulo 6 Processos de crise, transformagio e reajustamento na economia portuguesa no periodo pés-1974 6.1. Rupturas ¢ mudangas em 1974-1975 — Da desagregacao do anterior regime @ tentativa de construgao da sociedade socialista; — Os processos de descolonizagao e seu impacte na economia e na sociedade portuguesa; —A Reforma Agraria, as nacionalizagdes e 0 controlo operrio: a busca de um novo modelo de funcionamento da economia; —Mercado de trabatho: a emergéncia tardia de uma relagdo sala- rial de tipo monopolista. © pés-1975: & procura de um novo modelo de acumulagao e de funcionamento da economia portuguesa — Crescimento, desemprego, inflagdo, défice externo e défice or- gamental: os estigmas de um circulo vicioso sé aparentemente conjuntural; N.° 4-1988 189 — O agravamento da divida externa e do constrangimento exter- no da economia portuguesa; —Estado ¢ iniciativa privada; nacionalizagées ¢ privatizagoes; formas alternativas de propriedade e de gestdo do capital — as configuracées do sistema econdmico em discussao; —Inflagdo, consumo e austeridade — uma presenga profunda na economia portuguesa; — Formas de acumulagao e distribuicéo do rendimento — uma andlise sugestiva dos processos de ajustamento/desajusta- mento ocorridos na economia portuguesa. 6.3. O processo de integragdo (formal) de Portugal na CEE — As etapas de um processo demorado e as suas motivagées poli- ticas e econdmicas; — Estratégias e comportamentos dos agentes econémicos em face da adesio. PARTE Ill ESTRUTURAS, COMPORTAMENTOS: E ARTICULAGOES EXTERNAS NA ECONOMIA PORTUGUESA Capitulo 7 Uma perspectiva mesoecondmica 7.1. Breve panoramica sectorial — Referéncia és metodologias de decomposigao do sistema pro- dutivo; — Os dinamismos diferenciados: uma estrutura produtiva em transformacao; — Sectores em crise e sectores em expansio; — Articulagdes e desarticulacdes no sistema produtivo: as rela- $0es inter-industriais; — Pélos de especializacdo, auto-suficiéneia e dependénci mercados externos ¢ 0 mercado interno; — Penetracées sectoriais do investimento e da tecnologia estran- geiros. : os 190 SOCIOLOGIA 10. como se articulam com a politica do Estado os interesses dos sec- tores capitalistas tradicionais e 0s modernos? Como sao reguladas as regionalizacoes das actividades produtivas? Resultarao estas da iniciativa estatal ou da iniciativa empresarial local (captagao) ou nacional (centrifugagao) ¢ com que efeitos? Até que ponto a re- gionalizagaio de actividades produtivas corresponde a um grau su- perior de controlo sobre actividades mais centrais? Este questionamento nao pode ser feito a margem das relacdes, Estado/trabalho. O nivel de organizagao da forga de trabalho pa- rece andar a par dos seus niveis de qualificagao nos paises do cen- tro. Admitindo-se que estes niveis nao sejam coincidentes nos pai- ses periféricos, ndo parece que aqui a tendéncia para a pulveriza- 0/flexibilizagao da forga de trabalho tenha iguais resultados. Se © nivel de organizagao do trabalho for inferior ao da sua qualifi- cacao é natural que seja relativamente facil a reconversao da forca, de trabalho (por exemplo, pela incorporacaio de novas tecnolo- gias) e que isto possa indiciar uma tendéncia para a graduacao das actividades produtivas na semiperiferia. Esta seria uma modali dade de aumento da procura em ganhos de produtividade. A veri- ficar-se a situagdo inversa (niveis de organizacao de trabalho supe- riores ao da sua qualificaedo), a tendéncia pode ser para a estag- nago (periferializagao) dessas economias por via da rigidez da sua forga de trabalho. Neste caso, a verificar-se aquela pulveri- za¢ao/flexibilizagao, 0 modelo da procura de baixos saldrios ten- dera a impor-se. Uma hipétese associada a esta diz respeito a elas- ticidade dos suportes informais, supostamente existentes na gene- ralidade da semiperiferia. O estudo dos casos particulares n&o pode, por exigéncia da teoria, ser isolado do contexto mundial. Ou seja, dada a permanéncia histérica e a indispensabilidade estratégica da semiperiferia, a verificar-se a promogao ou despromogao de um determinado esta- do semiperiférico, ¢ de admitir que algures no sistema mundial se faga sentir o efeito inverso. Esta premissa pode validar a estraté- gia wallersteiniana de que, & primazia da identificacdo das leis ge- rais do funcionamento do sistema mundial, se devem seguir estu- dos particularizados, no para detectar as suas especificidades, sempre reconhecidas, mas para testar as hipéteses acerca das ten- déncias evolutivas sistémicas. ° 3-1987 191 NOTAS ' Para Wallerstein a economia mundial capitalista nao & uma justaposig#o de econo- mias nacionais. De modo a expressar ortograficamente esta diferenga 0 autor socorre-se do hifen em «world-economy» (e em «World-system») de modo @ sugerir a sua tradugo por ‘economia-mundo (¢ sistema-mundo). Usarei aqui a formula economia mundial (e sistema mundial) ainda que conserve o seu contetido wallersteiniano. 2A ateoria do colonialismo periféricon (Robinson, 1972), pela qual a expansio ccolonial-imperialista de finais do século passado se deve ndo a instintos jingoisticos dos paises ‘centrais, mas a crises locais (internas) nas proprias regides colonizadas, € um exemplo recente do alargamento deste debate. 3 Directamente relacionada com este aspecto esta a impossibilidade real para qualquer investigador individual de lidar com a hist6ria do capitalismo mundial a partir de fontes rmatias. Reside aqui, como se sabe, a proximidade confessada de Wallerstein & Escola dos An- nales ¢, em particular, aos trabalhos de Fernand Braudel. A testemunhi-lo esta a atribuigao ‘do nome do investigador francés ao Centro criado em 1976 na Universidade de Nova torque (Binhamton) e dirigido por Wallerstein. Aquele uso de fontes historicas secundarias tem leva do diversos comentadores a conceberem a teoria do sistema mundial como uma re-scrita € ‘mais que uma versio original da historia do capitalismo (Regin ¢ Chirot, 1984). # Sao recorrentes no trabalho de Wallerstein as referéncias 4 continuidade/recriagio historica de processos sociais. Para referir apenas alguns casos, veja-se, por exemplo, 0 trata ‘mento conferido 4 dualidade de mercados de trabalho (com paralelismos no puiting-out system medieval), & transnacionalizagao do capital (uma caracteristica de sempre do capitalis- ‘mo), ou a industrializago da periferia de hoje (compardvel a industrializagao dos campos da Europa dos séculos XVII e XVIII). O estabelecimento a transnacionalizagdo do capital (uma caracteristica de sempre do capitalismo), ou a industrializasao da periferia de hoje (comparé- vel & industrializago dos campos da Europa dos séculos XVII e XVIII). O estabelecimento estes paralelismos nao se pode plasmar na negacao de diferengas nas formas, intensidades e motivagées destes processos sociais, tal como ocorrem nos nossos dias. Permitem, ao contra- rio, ancorar o seu estudo numa base sociologica, mais solida, de inspiragao_his- torica. 5 Nao podemos deixar de estar atentos 20s riscos envolvidos numa ¢ noutra destas es- tratégias. A longa duragao pode ser desmobilizadora e fazer precludir a identificasao do que existe de realmente novo no funcionamento do capitalismo de hoje. Da mesma maneira, tam- bbém o imediatismo analitico pode fazer perder de vista a identificagao de causas determinan- tes de processos contemporaneos essenciais. © A ideia algo divulgada que daqui decorre pela qual «o capitalismo gerou subdesenvol- vimento no apenas porque explorou os paises subdesenvolvidos mas porque no 0s explorou suficientemente> (Kay, 1975:55) toma por certo aquilo que esta justamente por demonstrar. risco tedrico ¢ historico que isto envolve ¢ 0 de se atribuir a origem do subdesenvolvimento, da estagnaglo e do atraso econdmico de vastas zonas da economia mundial & pretensa falta de dinamismo daquele capital. E apenas nesta base, que alias me parece Falaciosa, que se po- de argumentar pela indiferenca do capital mercantil perante os modos ¢ condigdes de produ- lo de mercadorias de cuja troca retira 0 seu lucro, 7 Para McLennan «a perspectiva do sistema nundial de Wallerstein tem sido duramente atacada precisamente por ser historicamente (isto &, metodologicamente) itil» (McLennan; 1981:145). 8 Veja-se, por exemplo, a interpretago do conceito, condensada em Cahier IREP- Développement, 1, 1981, com destaque para as formulagdes de Pierre Judet ¢ de Claude Courbet. 9 Embora tenha surgido inicialmente em Comparative Studies in Society and History, 16, 4, 1974, pp. 387-415, referir-me-ei aqui sempre & sua re-edigio em Wallerstein (1974:1-36), 10 Esta definigio nao tem deixado de ser objecto de comentario. Aymard, por exemplo, considera que 0 conceito de semiperiferia tem estado prisioneiro da ambiguidade dos seus 192 SOCIOLOGIA 1usos e definigdes. O conceito é umas vezes aplicado num sentido econdmico, isto &, comt 0 deficit das regides semiperiféricas perante o centro capitalista com o seu superavit face & pe- riferia, resultando num jogo de soma zero. Outras vezes 0 conceito ¢ usado num sentido poli- tico ¢ refere-se & ac¢do desenvolvida pelo estado para melhorar a sua posigao relativa (Ay- mard, 1985), 11 Santos (1985) elaborou recentemente um estudo em que escrutina apertadamente a validade heuristica do concelho. Partindo embora da ideia de que o cenceito se encontra ain- da a um nivel descrito (pelo seu caracter analogico), vago (pela multiplicidade de critérios de- finidores) ¢ negativo (pela auséncia de uma materialidade propria ou uam logica evolutiva es- pecifica), aquele estudo constituiu uma contribuigao analitica precisa ¢ positiva a incorporar fem futuros trabalhos nao somente sobre a semiperifetia em geral, mas particularmente sobre condigdo semiperiférica do Portugal contemporaneo. 12 Ao falar de actividades produtivas, fago-o com o intuito de superar a industria, ¢ 08, Fenbmenos a esta relacionados como o critério por exceléneia da determinagao do grau de de- senvolvimento das redes produtivas nacionais. Hoje, mais que nunca, quando se desindustr liza 0 centro ¢ se industraliza a periferia, temos razdes fundadas para julgar que acima de tu- do é preciso questionar a natureza, mais que o grau de industrializacdo que se verifica. Sem- pre que me refiro & industria, como critério de desenvolvimento, € como a consciéacia histori- ca do seu carscter altamente diversificado e relativamente recente, a cuja aceitayao, nem sem= pre questionada, fomos conduzidos pela quase totalidade das literaturas ¢ outras formas de produgao de conhecimento dos iltimos duzentos anos. O caricter abrangente desse critério, justifica assim que tenhamos «industrializado», primeiramente a agricultura e, mais recente- mente, 0 turismo, a moda, a cultura e a informasio. Assim sendo, a sociedade «pés-indus- trial», que tem levado alguns comentadores a falar hoje da sociedade high ¢ouch/high tech (Naisbitt, 1982) indica uma certa forma de «industrializarao», mas convida também a inter- rogasdo sobre se alguma vez existiu uma outra «pos-agricola».. 19 Reconheso nesta definigao o meu débito para com a investigacao colectiva em que participei sobre a semiperiferia levada a cabo no F, Braudel Center, sob a coordenayao de Giovanni Arrighi. Entre os trabalhos ai produzidos destaca-se Arrighi ¢ Drangel (1986). 1 Qs limites das classes (em dolares 1981, per capita) sto: menos de 800 (periferia), de 1500 a 4500 (semiperiferia) e mais de 9000 (centro). Entre 800 ¢ 1500 e entre 4500 e 9000 déla- res situam-se duas zonas de transigao. Deste modo, a semiperiferia corresponderiam 50 esta- dos nacionais, com $8% da populacdo mundial; a periferia 10 estados e 31% da populagto; ‘0 centro 19 ¢ 14% respectivamente. Na primeira situagdo de fronteira (entre a periferia e a semiperiferia) situar-se-iam 19 estados (5% da populagdo), enquanto a segunda situagao (en- tre a semiperiferia ¢ © centro) corresponderiam 10 estudos (3% da populagto) (Arrighi, 1985). 45 Formulado originalmente por Joel Dean (1950), 0 conceito de «ciclo do produto» procura originariamente distinguir trés fases do ciclo de vida de um produto (introdugdo ex: pansdo e maturidade). Posteriormente, com Levitt (1965) foi-he acrescentada uma quarta fa- s¢ (declinio). Deve-se a Raymond Vernon (1966) a ¢ usu escola» a aplicagao e divulgagao do ‘conceito no dominio de teoria do comércio internacional. '6 Pode ilustrar-se esta situagao com o exemplo de periferializacao da produco de ce- reais, & medida que os téxteis se tornavam uma actividade produtiva central. Gradualmente, «tes tornar-se-iam periféricos ¢ seriam substituldos pela producao siderirgica, que hoje cede lugar aos computadores ¢ aos servigos de assisténcia técnica. Isto nao quer dizer que o saber téenico correspondente a estas actividades despromovidas seja ele também periferializado. Muito a0 contririo, 0 dominio técnico permanece, por regra, nas mos dos inovadores que assim garantem para si uma componente essencial do controlo sobre as normas da produgto mundial. 17 Bste caso ilustra bem como, no dominio do jogo mundial de mercado, a concorrén- cia pela captago de maiores margens de influéncia, opde-se frequentemente economias inte- igrantes de contextos regionais bem diversos. Esta poder ser uma limitarao imposia a regiona- lizagao de situagdes de semiperiferia, proposta por Boaventura de Sousa Santos (1985), para contextos regionais mais restritos (por exemplo, europeu, americano, Pacifico oriental). A N.? 3-1987 193 proposta de contextualizacao regional da semiperiferia parece-me poder frutificar melhor no ‘que respeita ao exercicio de «fungdes de intermediagdo» politica inter-estados (ibid.), que ten- dem a desenrolar-se em contextos geo-estratégicos mais uniformes '8 A redefinicao da condigao estrutural de um pais no seio do sistema mundial nao é si- nénimo da sua alterardo. Assim, ndo se pode aceitar a conclusdo de Chirot que confunde so- berania nacional do diferencial existente en trés estados centrais e periféricos, permitindo-se considerar semiperiféricas a generalidade das nagdes da Asia, Africa e América Latina, outro- ra colonizadas (Chirot, 1977). '9 Este processo diz respeito tanto a casos de industrializagdo difusa como a de surgi- mento de novas pequenas firmas locais, muitas das quais de dificil classificagdo nos termos ‘convencionais em que se definem industrializacao e terciarizagAo. Para o primeiro caso, com aplicagao ao caso portugues, veja-se 0 trabalho exploratorio de Reis (1985), onde se avalia a dindmica regional do Centro Litoral, a luz da relagao entre localizagao industrial, mercados de trabalho e complementaridade agricola. Para uma visto de conjunto e anilise de casos do fendmeno de industrializagao regional em Portugal, vejam-se ainda os varios trabalhos publi cados na Revista Critica de Ciéncias Sociais (1987). Para o segundo caso, veja-se a coleceto de textos em Keeble e Wever (eds.) (1986). Para um recuo historico sobre as origens profun- das deste fendmeno, vejam-se os ensaios inseridos em Kriedte, Medick e Schlumoohm (eds.) a8. 20 A esta escala (como de resto a escalas mais alargadas) nao é indiferente o resultado de cada um destes processos. A recomposicto e periferizacdop do centro, seja ela motivada por razdes de natureza intrinseca, como no caso da cidade de Nova Torque (Sessen-Koob, 1982; Ross e Trachte, 1983), ou provocada pela «invasion da periferia como, entre outros, caso da cidade do México (Roberts, 1978), conduz geralmente a uma informalizagao da eco- nomia ¢ dos modos de vida. Por outro lado, em situagdes de centracto de éreas periféricas, por exemplo Sines ou o eixo Aveiro/Braga, seria interessante testar a hipdtese do surgimento de um «novo despotismo» nas relagdes de trabalho que Burawoy (1985; cap. 3) sugere para contextos mais vastos. 21 Vernon (1971) é particularmente pessimista acerca das capacidades negociais dos es- tados periféricos perante os impulsos internacionais do capital. Mais cauteloso ¢ 0 balango de ‘Caporaso (1981), enquanto Lane (1979) tem uma posigdo optimista quanto aos beneficios que (5 estados nacionais podem fazer rever para si, como forma de compensar as garanti guranga oferecidas ao investimento (renda de protecsa0). 2 Este & um sintoma periferializante da forma e relacionamento entre capital ¢ traba- Iho em Portugal, em que o segundo surge impotente para suster aos ditames do primeiro. Co- ‘mo acentua Burawoy (1985: 26-4), «particularmente entre mulheres, © aumento do trabalho temporirio e ao domicilio, orquestrado por agéncias especializadas, amplia a separarao entre as relagdes de produgdo ¢ as relagpes na producao, sujetando eficazmente os operirios as se- aundas». REFERENCIAS AMIN, S. (1976), Unequal Development: An essay on on the formation of peripheral capita- lism, Nova lorque, Monthly Review Press. ARRIGHI, G, (1985), «The Southern European Semiperiphery: Logic and limits of a transi tion», in item (ed.), Semiperipheral Development — The Politics of Southern Europe in the Twentieth Century, Beverly Hills, Sage ARRIGHI, G. ¢ J. DRANGEL (1986), «The Stratification of the World-Economy. An explora- tion ‘of the semiperipheral zone», Review, X, 1, 9-74. AYMARD, M. (1985), «Nation-States and Interregional Disparities of Development», in ARRIGHI (ed.) (1985), B 194 SOCIOLOGIA BETTELHEIM, Ch. (1972), Céleulo Econémico e Formas de Propriedade, Lisboa, D. Qui- xote. 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