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ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO. QUINTA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTICA Apelacao Civel n° 2005.001.54774 19" Vara Civel da Comarca da Capital Apelante: TV Globo Ltda. Apelado: Raul Fernando do Amaral Street Apelados: Os mesmos Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA IMPRENSA. INFORMAGAO JORNALISTICA. HONRA E IMAGEM. PONDERACAO DOS INTERESSES. 1- © ordenamento constitucional, consideradas a importancia e as conseqiiéncias dessa atividade na Preservacao da democracia e no desenvolvimento da Sociedade, garante o direito a plena liberdade de informagéo jornalistica e a subordina ao também direito coletivo de ser corretamente informado. 2- Nesse ambito, o ordenamento constitucional vincula @ liberdade de informagao jornalistica a0 dever de respeito ao direito individual 4 honra e imagem, 3- As normas constitucionais, com a finalidade de afastar as contradicées © harmonizar 0 sistema, interpretam-se consoante os principios da unidade ¢ do efeito integrador. 4 A unidade do sistema constitucional exige a Ponderagéo dos interesses relatives ao direito a liberdade de informagao jornalistica e ao direito individual 4 honra e imagem, de modo a impedir que os comandos de ambas as normas retirem a finalidade e eficdcia de quaisquer delas, 5- Nesse aspecto, a informagéo Jornalistica que apresenta fatos ou idéias, independente da contemporaneidade, e resguarda os seus sentidos Criginais, sem truncé-los e deturp4-tos, cumpre funco inerente a sua natureza, corresponde ao direito coletivo de ‘ser corretamente informado e expressa o puro exercicio de atividade constitucionalmente assegurada, &- Nessas circunstancias e ponderados ambos os interesses protegidos pela ordem constitucional, o|-¢ 7895.651.0291 ESTADO 00 RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO. Puro exercicio dessa atividade revela-se essencial a0 Seu proprio funcionamento e afigura-se incapaz de afrontar a honra e imagem individuais. 7. Nesses termos, admitir que 0 puro exercicio dessa atividade afronte o direito individual & honra e imagem, ainda na medida da sua importancia para a democracia € desenvolvimento da sociedade, retira a finalidade ¢ eficacia da norma que assegura a liberdade de informagao. 8: Nesse contexto, 0 relato de acontecimento relacionado a crime doloso contra a vida, fato veridico © publico, nao constitui abuso ou Ihe retira o carter Puramente informativo, e descaracteriza a afronta ao Gireito & honra e imagem de pessoa que se obriga a conviver com o seu pasado, Vistos, relatados @ discutidos estes autos de Apelacdo Civel i 2005.001.54774, origingrios da 19° Vara Civel da Comarca da Capital, em ue @ apelante TV Globo Ltda. e € apelado Raul Fernando do Amaral Street, Acordam os Desembargadores que compéem a Quinta Camara Civel do Tribunal de Justiga, por maioria de votos, em dar Provimento 20 recurso para julgar improcedente o Pedido, vencido o Desembargador Revisor que da parcial provimento para reduzir a verba 1 O ordenamento Constitucional, considerada a importancia dessa atividade na Preservagao da democracia e no desenvolvimento da Sociedade, Garame © direito & plena liberdade de informacao jornalistica (CF. art 220, § 19). 7898.651.0291 ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO. E, observadas a importancia e conseqliéncia dessa atividade Bara a sociedade, o ordenamento constitucional ainda subordina a liberdade de informagao ao também direito coletivo de ser corretamente informado. pai Portanto, 0 exercicio desse direito Consiste na plena liberdade de informar fatos e idéias sem Ihes alterar 0 sentido original, AS normas constitucionais, com a finalidade de afastar as contradicdes @ harmonizar o sistema, interpretam-se consoants os Principios da unidade e do efeito integrador. E a unidade do sistema constitucional exige a ponderagéo dos interesses relativos ao direito a liberdade de informagao jornalistica e a0 direito individual a honra e imagem. A harmonia do sistema constitucional realiza-se de modo a linpedir que os comandos de ambas as normas retirem a finalidade e efcacic de quaisquer delas. Nesse aspecto, ressaltada a sua importancia na preservagao da democracia e no desenvolvimento da sociedade a informago jornalistica Nesse contexto, essa informacao jomalistica corresponde 20 Gireito coletivo de ser corretamente informado, © cumprimento dessa fungéo inerente a natureza da informagao jomalistica e do dever de informar corretamente independem ao contemporaneidade dos fatos. E ao cumprir a fungdo inerente 4 sua natureza, correspondente 20 direito coletivo de ser corretamente informado, a informago jornalistica expressa 0 puro exer 'stitucionalmente assegurada. Nessas circunstancias e€ ponderados ambos os interesses Protegidos pela ordem constitucional, © puro exercicio dessa atividade revela- se essencial 80 seu préprio fugcionamento e afigura-se incapaz de afrontar a honra e imagem individuais. 75356510291 ESTADO D0 RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO. Admitir que © puro exercicio dessa atividade afronte o direito individual & honra e imagem, na medida da sua essencialidade ao seu préprio funcionamento e da sua importancia Para a democracia e desenvolvimento da Sociedade, retira a finalidade e eficdcia da norma que assegirra a liberdade de informagao. A afronta 20 direito individual & honra e imagem caraéteriza- Se, por dolo, culpa ou abuso de direito, com o descumprimento da fungaéo inerente & natureza da informagao joralistica e do dever de bem informar. Os elementos trazidos aos autos demonstram que o apelante, ©M programa televisivo, limitou-se a relatar a histéria do apelado. O apelado foi julgado e condenado pela pratica de crime doloso contra a vida, acontecimento que fora objeto de ampla informago jornalistica @ ainda integra os anais académicos, Esse acontecimento exprime a realidade da vida do apelado, ainda lembrada por meio de debates, entrevistas ¢ obras literarias. Nessa situagéio, © apelado obriga-se a conviver com seu passado. Dessa forma, a informagao jomalistica exibida pelo apelante por melo do programa “Linha Direta Justica” reproduziu fatos veridicos, sem hee alterar 0 sentido original. E, a0 narrar fielmente os fatos, sem truncé-los ou deturpé-los, 0 apelante produziu informago jomalistica que cumpriu a sua fungao inerente © seu dever de informar corretamente. Essa conduta nao se revela causa do advento de dano moral para 0 apelado. Portanto, o simples relato de fato veridico e PUblico nao. constitui abuso nem Ihe retira o carater Puramente informativo, revelando-se insuficiente para ser caracterizado como causa adequada ao advento de dano moral experimentado pelo apelado. Por estes motivos, por maioria de votos, dé-se provimento a0 Fecurso para julgar improcedente o pedido, vencido 0 Desembargador Revisor que dé parcial provimento para reduzir a verba indenizatoria e fixar a correga0 monetaria a partir da data da sentenga. Condena-se o apelado a pagar as 7538-651.0291 ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO custas processuais e honordrios advocaticios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Rio de Janeiro, 07 de maxep de 2006 DES Besson SIVsTo Mtb Fammcte rhe Sree DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DE SOUZA Relator 7525-651.0201 2 {Sore QUINTA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIGA 8 KY ee on” PELAGAO CIVEL N° 2005.001.54774 : fot VARA CIVEL DA COMARCA DA CAPITAL cn &, ELANTE: TV GLOBO LTDA APELADO : RAUL FERNANDO DO AMARAL STREET RELATOR : DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA REVISOR : DES. ANTONIO CESAR SIQUEIRA VOGAL : DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO DECLARAGAO DE VOTO Votei em linha com |. Relator no sentido de dar proviménto ao recurso pelas razées abaixo: Mostra-se inquestiondvel a ampliagéo e maior abrangéncia do conceito global de responsabilidade civil, particularmente na esfera dos direitos da personalidade, em correspondéncia ao desenvolvimento social dos povos, como instrumento de incentivo a convivéncia harménica, respeitosa e submetida aos limites de direitos e deveres de cada um para com seu proximo Esta a orientaco da Constituiggo de 88 no abrangente rol dos direitos e garantias fundamentals, incorporando direitos a integridade fisica e moral, com a classica diviséo dos direitos subjetivos publicos e privados. ‘A ponderacao a ser cotejada reflete precisamente a aparente colidéncia entre os direitos descritos nos incisos V e X e 0 resguardo previsto nos incisos IV, IX e XIV, todos do artigo 5° e ainda artigo 220 da C.R., tendo de um lado, empresa de comunicagéo que exibe Teportagem sob a égide de alegado jomalismo histérico e, dé outro, 0 personagem central do episédio, que alega ter sido frontalmente atingido em sua honra e ressocializa¢éo com o reavivamento de fatos ja esquecidos pela sociedade. Trata-se do caso nominado de “DOCA STREET", autor do crime de homicidio contra a sua entéo companheira Angela Diniz, freqiientadora da alta sociedade de Minas Gerais, que foi perpetrado no festejado balneario de Armagao dos Buzios na década de 70. O fato, a época, teve repercussao nacional, figurando como matéria de primeira pagina dos grandes jomais do pais enquanto durou a apuragao e julgamento do crime, com famosos advogados vane na defesa e acusacdo, culminando com a condenagao do acusado a per de 15 anos de reclusao. A sintese argumentativa do pedido de reparagao aponta que 0 autor jé cumpriu @ integralidade de sua condenacéo, fefazendo sua vida em pacata cidade interiorana, tendo 0 reavivamento do faso através da televiséo provocado forte abalo em suas relagées familiares © sociais, 0 que para ele é inexigivel, afigurando-se como acréscimo da penalidade ja adimplida. ‘A empresa jomalistica, escudando-se basicamente na liberdade de imprensa, postula seu direito de exibicao pelo interesse piblico do caso. Esta a controvérsia que havemos de enfrentar, destacando de logo a pertinéncia e relevancia dos fundamentos adotados pelas duas partes. De inicio, havemos de confrontar os direitos fundamentais elencados em diferentes incisos do mesmo capitulo constitucional, contido integralmente em seu artigo 5°, que aparentemente estariam em colidéncia, transferindo ao intérprete a missao de aplicd-los com justiga. De um lado, temos a livre manifestagao do pensamento e liberdade de expresso através da atividade intelectual, Sntistica, cientifica e de comunicagao, independentemente de censura’ ou licenga, e de outro, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, com garantia de indenizagéo pelo dano material ou moral decorrente de sua violagao. Em tal circunstancia, havemos de afirmar inicialmente a premissa de equivaléncia dos direitos fundamentais com os préprios principios constitucionais, em face de sua incontestavel relevancia na estrutura da Carta Politica. Em ocorrendo a suposta contradigéo de direitos fundamentais, 0 caminho de solugdo aponta inexoravelmente para o chamado proceso de ponderagao de bens com sacrificio minimo dos direitos questionados, j4 que devemos prestigiar, também como premissa, a chamada unidade da constituigao, pela qual a interpretacao do texto constitucional deve ter em conta a existéncia de um texto uniforme ¢ sistematico para a protegdo eqUiidistante de todos os direitos ali tutelados. Assim, os direitos e garantias fundamentais encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Constitucional, através do chamado principio da relatividade ou Convivencia das liberdades piblicas. 4 A responsabilidade dos érgéos de augers per CS conteiido das noticias que veiculam é inescusdvel, em face da magrityge A do impacto que pode provocar na esfera individual e coletiva > Por outro lado, consignamos que a limitagéo do direito de informar, em prestigio A honra e imagem dos individuos, sofre uma mitigagéo quando se trata de pessoa ou fatos publicos, ja que esta condigdo tras para a coletividade o legitimo interesse de conhecimentos. Na hipétese concreta, entendemos que o caso externa interesse social pela propria repercuss4o que tomou na época do acontecido, ensejando acalorados debates nos planos juridico, sociolégico, psicolégico, histérico e antropolégico em diversos seguimentos da sociedade, posto que trazia a baila a velha controvérsia da tolerancia da punigéo extrema contra a mulher por qualquer ato de infidelidade, ao argumento da chamada “legitima defesa da honra’. A retumbancia que tornou 0 episédio famoso e com indiscutiveis contornos de interesse histdrico e social decorreu das proprias circunstancias que rodearam a perpetracao, levando a conclusao de que, se por um lado nao se pode imputar a ninguém a responsabilidade por tal eclosdo, de outro, ndo se pode cogitar de que perdeu o interesse do conhecimento coletivo porque seu principal personagem jé cumpriu a penalidade que the foi imposta. Impossivel delimitar com preciséo exaustiva as Causas que acarretam repercussao a fatos ou pessoas, mas a conclusao inafastavel 6 de que, se por qualquer razdo externou interesse social e académico, a sociedade passa a deter o direito de discutir e avaliar suas causas e conseqiiéncias independente do tempo decorrido, ja que inserido ‘Nos anais hist6ricos daquela coletividade. N&o cogitamos, sequer remotamente, de mitigar a relevante e progressista vertente de relevo dos direitos da personalidade feferente a privacidade e intimidade, que devem ser protegidas a qualquer Custo, como indelével garantia do cidadao de no se ver devassado em sua Prerrogativa de manter o anonimato, mas tal salvaguarda dirige-se sxatamente para os que se mantém anénimos, néo podendo infelizmente alcangar aqueles que, embora nao 0 desejem, sao algados a condigao de Protagonistas de fatos notérios e conseqientemente de interesse publico. Esta circunstancia faz emergir, na ponderagaéo de interesses, 0 direito ao conhecimento, que se traduz em verdadeiro Patriménio da democracia. fe @ oot Uma das principais trincheiras da tuta da liberdas contra © autoritarismo é exatamente a luta da informagao contra esquecimento. Nao obstante o significative alerta do |. Revisor de que deveriamos concentrar nossa anilise no caso concreto, na busca exclusiva da justia para a questéo posta em exame, ndo se pode afastar 2 relevancia da deliberagao judicial em casos tais como precedente, a nortear a orientagao dos érgéos de comunicagao e da propria conduta social, na preservacao da to aviltada seguranga juridica, que, como conseqiiéncia da previsibilidade das decisées judiciais, desponta como norteador do comportamento social, afastando a perplexidade das pessoas do povo pelas decisées contraditérias e reforgando o crédito na justica. Neste sentido, reflito assustado quanto ao regozijo de Criminosos, ai incluidos os tiranos de qualquer matiz, ante a lade de assegurar que seus atos serdo varridos do julgamento da historia uma vez superado 0 técnico e acanhado julgamento judicial. Nao podemos esquecer todos os romances, pegas, filmes € seriados que retratam episédios historicos, porque assim caracterizados pelo interesse e relevancia social, apontando facetas de nenhuma nobreza de seus personagens, que devem necessariamente ser identificados e nominados exatamente para a precisdo do registro histérico social e académico, que marcam a identidade de um povo. Destaco, em passado recente, seriado que narrou Parte da vida de nosso querido e festejado diplomata e escritor Euclides da Cunha, que termina seus dias como vitima de homicidio cometido pelo amante de sua mulher, amigo de escola militar de seu filho, 0 qual foi absolvido por decisao do entao Tribunal do Juri da Capital da Republica ao fundamento de legitima defesa. Os descendentes proximos da mulher tentaram por todos os meios inibir a exibicdo, sem Sucesso, pois néo ha como suprimir da sociedade 0 direito ao conhecimento de tao Significativo e dramatico ®pisédio, independente do tempo decorrido. Como referéncia ainda de maior destaque temos o €pisédio do “Governo Color’, marcado pela prepoténcia, desmando e Sortup¢ao, que culminou com a decretago de impeachment do presidente, afastado da chefia da nagdo através de julgamento politico do legislativo, fas absolvido pelo Supremo Tribunal Federal pelas razées de natureza técnico-juridica que os magistrados nao podem se furtar de observar. Inconcebivel cogitar-se subtrair da sociedade brasiteira a possibiidade de rediscutir e esmiugar este nefasto capitulo de Nossa vida politica para preservacao da intimidade e privacidade do ex. presidente, o qual, frise-se, nao foi sequer condenado com o adimplenjento integral da sangéo, mas sim absolvido pela mais elevada corte do pals}, : que, com muito mais raz4o, a prevalecer o argumento da sentenga, Ihe - 3° acarretaria 0 direito de no softer o reavivamento de momentos’ tao tormentosos & sua familia. E indiscutivel que a tese nao prevalece, eis que o aprendizado que dali se extrai como marca da atuagao popular sobreleva o direito a intimidade e privacidade de quem quer que seja. Infindaveis os exemplos outros que se poderia colacionar. © cumprimento integral da sansao penal restaura evidentemente a plenitude dos direitos do apenado, mas nao tem, desafortunadamente, 0 condéo de apagar os fatos da meméria popular, porque esta pertence apenas ao préprio povo, com todas as vicissitudes que tal circunstancia possa acarretar ao respectivo protagonista. Destaque-se que 0 episddio objeto do questionamento esta narrado com detalhes em varias obras literdrias, algumas referidas na peca de defesa e outras que I nao esto mas séio do conhecimento deste julgador, todas ivremente disponibilizadas nas livrarias € bibliotecas, sem considerarmos ainda que 0 caso serve de referencia académica em diversos cursos juridicos de todo o pais. Se 0 respeito ao direito a privacidade, que feverenciamos como um dos fundamentais bastides da democracia, servir de camuflagem para ocultar da meméria do povo a identidade dos ctiminosos e prestar-se a enterrar o lixo da histéria, deve ser Ponderadamente mitigado em beneficio do sentido pedagogico e critico que acarretam a evolucao social. Outro argumento que a nés nao sensibiliza refere o 'ongo prazo decorrido - 30 anos, periodo absolutamente inexpressivo no contexto histérico, destacando-se que fatos ocorridos ha trinta anos sdo tecnicamente tratados como histéria contempordnea, nao se prestando a justificar 0 suposto esquecimento. De outro lado, no podemos deixar de consignar que, @ narrativa de siuagdes de ressondncia social que contemplam situagdes desabonadoras a seus personagens, deve observar trés fatores de limitagao entransponiveis, sob pena de, em qualquer circunstancia, afetar a honra Subjetiva dos envolvidos e assim ensejar reparacao imaterial: primeiro, que @ descricao seja verdadeira, limitando-se a fatos comprovados, ‘com Tetratagao fidedigna dos registros oficiais; segundo, que nao exerga juizo de Valor, isentando-se de adjetivagées e subjetivismos para, assim, preservar 0 Quanto possivel sua natureza histérica- jornalistica, legiimando o direito de , manifestacdo; e, terceiro, que nao decline sequer indicios da atual sitiagasl&4] dos envolvidos, de forma a minimizar a possibilidade de investidas preconceituosas e aventureiras. Ne No caso em exame, entendemos que estes herméticos postulados foram rigorosamente observados, afastando qualquer carater de ilicitude da exibigao, isentando, consequentemente, o dever de reparar. Desta forma, ressalvando as ilustradas e técnicas ponderagées do |. Revisor, ouso dele divergir, acompanhando 0 nobre Relator para julgar improcedente o pedido. Rio de Janeiro, 07 BE 2006. 7595-681-0259 ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO QUINTA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Apelagio Civel n° 2005.001.54774 Apelante: TV GLOBO LTDA. ‘Apelado: RAUL FERNANDO DO AMARAL STREET Relator: Des. MILTON FERNANDES DE SOUZA VOTO VENCIDO Em que pese 0 brilhantismo dos autores dos votos vencedores, a quem tendo minhas homenagens, ousei divergir pelos motivos que se seguem. Em primeico lugns, € necessfirio que se faga uma descrigio minuciosa dos fatos, que, aids, sio incontroversos, Nos idos de 1976, 0 autor da a¢ko cometen um crime que teve grave cepercussio social, gerando, na época, um vasto jeompanhamento jornalistico, principalmente porque o apelado veio ser absolvido no primeiro julgamento. Posteriormente, levado a novo jiri, veio a ser condenado a pesada pena privativa de liberdade que eumpsiu integralmente, sendo extinta a sua punibilidade em 1997 Durante esses quase tcinta anos decoztidos do fato, o autor, uma vez recobrada a liberdade, restabelecen sua vide, pando constituido familia, sem que qualquer outro fato desabonados conduta tenha sido registrado desde entio. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO Também € verdade que 20 saber da produgdo do programa pela empresa té, 0 autor demonsteou seu inconformismo, tanto que chegou obter liminar vedando a exibigio do programa, que Posteriormente, velo a ser seformada por decisio da imaioria do colegiado. Sendo esses os fatos, a pergunta crucial a solucio da demanda parece ser a seguinte: E justo, e, portanto, legal, a ¢ ibigio de um Programa televisivo, em horirio nobre, celatando os acontecimentos de quase trinta anos atris, em evidente prejuizo da imagem, da intimidade, da vida privada e da honra do autors A resposta como nao podia deixar de ser, nio € de facil aleance, nem permite a formulagio de um juizo que possa se fismae Como referéncia pata outros casos anilogos, eis que coloca frente frente a prevaléacia de dizeitos e garantias individuais Protegidos pela Constituigao da Repiiblica Federativa do Brasil, Assim, entendo a orientagio dos votos condutores no sentido de que a protegio da liberdade de informagio, em wma eciedade democritica, deve ser incentivada, porém, no caso em Exame, parcce-me que essa liberdade deve respeitar a preservagio da intimidade ¢ dignidade da pessoa humana, De inicio, para embasar esas conclusdes, convém lembrar que com o cumprimento da pena surge para o apenado, apés Cinco anos, o direito a reabilitagio, conforme previsto nos artigos 93 do Cédigo Penal ¢ 202 da Lei de Execusdes Penais, sendo que apés a digo desta Gltima egra, nto mais necessirio se torna aguasda este prazo. Como efeito da reabilitacio, esta o sigilo dos registeos ctiminais do seabilitado, nio sendo cles ‘mais objeto de folha de antecedente ou certiddes dos eastorios, ¢, como ensina Mirabete, no GSdigo Penal Incespretado, Editora Atlas, Sio Paulo, 1999, paging-#99, “em parte este sigilo é automitico, a partic do cumpumed on vel 2008001 $4774 oro Veasilo us Apel Pig 7595-651.0259 7835-681-0259, ESTADO DO RIO OE JANEIRO PODER JUDICIARIO REnme da pena, salvo para instruir proceso pela pritica de nova infrasfo penal ou outros casos expressos em lei”, Jie quer dizer que a préptia administcacio ‘piblica, com © cumprimento da pena, esté proibida de fasts qualquer referéncia 20s fatos ou mesmo aos procedimentos que levaram ‘a Se assim o é pergunta-se: Estatia o particular excetuado dessa regra no puro interesse privado consistente na Produglo de um Programa que telata fatos pretéritos? Carlos Alberto Diseito em brilhante actigo publicado nas folhas 29/37 da Revista Forense, volume 363, faz importante divisio, que parece-me Pertinente para o exame do caso concreto, lomnalistico em face do inegivel interesse piblico que revela, deve cebeiiae um 86 feeio, qual seja, a veracidade da divulgacio, Eon Contenpartida, a exposigio de fato pretérito, pressupoe, ¢lén deste, outro batizamento que é 0 de nao causar prejuizo a tereeizos hipétese deve ser privilegiado em relagio A manutengio da liberdade de manifestagio, em face do enfraquecimento do interesce piblico. A correta ligéo do professor cai como uma luva no Presente caso, em que quase trinta anos depois, 0 caso estore completamente esquecido, io havendo {ato novo que pudesse justificar toda a produsio feita para levar a0 ar o programa ‘Yolo Vencido au Apclagio Chet 200500154774 igen ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO levou as redes de noticias, aproveitando 0 fato novo, a tracar um Paralelo do que tinha acontecido hé anos ateas. Este processo, nio tem unia linha que possa justificar a xetomada do interesse jomnalistico em sua divulgacio. Ao contricio, exala um inegivel odor de opostunidade comercial, de interesse exclusivo da empresa de televisio. Entre a protecio da liberdade intelectual e aos demais diccitos © garantias individuais, deve-se optar por estes, sempre que o interesse em obtengéo de lucco passe a alinhar risco a esfera de protecio juridica do cidadio. E inegivel que os impressionantes fatos relatados na inicial, corroborados pela prova testemunhal trazida aos autos, tinham enorme potencial ofensivo ao resguardo da intimidade, vida peivada, honra ¢ imagem do autor, jf que pessoas que passaram a conviver com ele hé menos de trinta anos, tais como seus filhos e nctos, nio sabiam do caso. Constitui evidente quebra da preservagio do discito a Privacidade, a divulgagio, por terceizos, com nitidos interesses comerciais, de fatos pretéritos, que por mzdes pessoas, que s6 a0 autor diz cespeito, preferiu nao relatar a seus entes queridos A prépsia Constituigio Federal, impée limite 4 propria atividade intelectual ¢ de imprensa, ao balizar seu exercicio 20 “tespeito aos valores éticos ¢ sociais da pessoa e da familia( art. 221, Iv). A vida privada abrange nao s6 a intimidade, mas também o direito ao segredo, pelo qual fatos de intetesse pessoal nio podem ser divulgados, mesmo sem interesse comercial, sem a autorizagiio do personagem. Por todos os fingulos que se pretenda analisar, conchui- se que a ninguém, desrespeitando protecao de um direito elevado a categoria de garantia individual pela Constituigiio Federal, é lado 0 direito de causar injusto prejuizo a outcem, Voto Venedo na Apelagio Ciel 200500154774 Pig a4 735-651-0253 ° ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO Nos casos em que a divulgagao de fato pretérito possa causar prejuizo a outrem, a sua publicidade dependerd de autorizagio do possivel lesado, jé que, como se disse linhas acima, nem mesmo a Administragio Pablica é dado revelar. O principio de nao se causar prejuizos a terceiros ainda é mais forte do que o dircito de se exercer uma atividade comercial, por mais nobre que esta seja Assim, entendi que a recorrente tinha razio apenas em Parte, no que xespeita a0 quantum fixado na sentenca, que adaptando aos principios da razoabilidade, entendi dever ser minorado a0 patamar de 100.000,00 (cem mil zeais), mantida no mais a condenagio acesséria. Por esses motivos, ousando discordar da maioria, dava parcial provimento ao recurso. Rio de Janeiro, Odi many’, de 2006. ‘Yoto Vencido ne Apeago Civel "200500154774, igs 7595-651.0253 ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO QUINTA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTICA Apelagao Civel n° 2005.001.54774 19° Vara Civel da Comarca da Capital Apelante : TV Globo Ltda. Apelado : Raul Fernando do Amaral Street Apelados: Os mesmos Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA RELATORIO Recurso de apelagdo tempestivamente interposto contra sentenga que julgou procedente 0 pedido de indenizagdo por dano moral, experimentado em razao de matéria jornalistica. A sentenga adota os seguintes fundamentos: (a) no se trata de exercicio do direito de informagéo, mas sim, de um programa de televisio Com intuito de lucro; (b) a condenagao imposta a0 apelado foi cumprida e veio este a se reintegrar na sociedade; (c) 0 programa néo 6 o que se Poderia chamar de informagéo jornalistica; (d) fato passados podem ser classificados de muitas coisas, mas nunca de informagao nova propriamente dita; (e) a conduta do apelante foi abusiva; (f) 0 depoimento das testemunhas demonstram a repercusso negativa; (g) ha dano moral O apelante alega, em resumo, que: (a) 0 programa se limita & abordagem de fatos ja publicos e histéricos; (b) nao divulgou fatos relacionados a vida privada do apelado; (c) € um direito de nossos filhos terem acesso ao passado da sociedade; (d) todo 0 programa foi focado em fatos j4 divulgados pela imprensa; (e) o valor do dano moral deve ser reduzido; (f) a corregao monetéria deve incidir a partir da decisdo que fixer 0 valo da indenizagao. © apelado, em contra-razées, prestigia a sentenca Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 2006. Milban fbautavelg Ab DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DE SOUZA Relator 7835-651-0291 ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PODER JUDICIARIO QUINTA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTICA Apelacao Civel n° 2005.001.54774 19° Vara Civel da Comarca da Capital Embargos de Declaracao Embargante: TV Globo Ltda. Embargado : Raul Fernando do Amaral Street Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA FMBARGOS DE DECLARAGAO. _EFEITO. NODIFICATIVO. REEXAME DA MATERIA INADMISSIBILIDADE, 1- Admite-se efeito modificativo dos embargos de declaragéo apenas quando da obscuridade, contradicéo ou omissao do julgado resultar em sua alteracgao. 2- Os embargos de declaragéo sao sede imprépria para |2 manifestagao de inconformismo como julgado, eis que carece de carter infringente ¢ salvo as hipoteses especificas, nele nao se devolve o exame da matéria a Camara. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaracao de acérdao proferido na Apelagao Civel n° 2005.001.54774, em que € embargante TV Globo Ltda. e € embargado Raul Fernando do Amaral 1 O embargante interpde embargos de declaragaio de acérdao ue deu provimento ao seu recurso de Apelacao 78954651.0291 ESTADO 00 RIO DE JANEIRO PODER JUDICIARIO Os embargos de declaragéo tém a finalidade de esclarecer cobscuridade ou contradig&o do julgado ou supri-lo de omissao nele observada. 7 E, apenas quando do ato de esclarecer a obscuridade ou a contradi¢ao, ou de suprir a omiss&o, resultar a mudanga do julgado, atribui-se efeito modificativo aos embargos de declaracdo. Os embargos de declaragao, portanto, séo admissiveis apenas nas hipdteses previstas em lei, 0 que pode gerar efeitos diversos, inclusive 0 modificativo. Mas, apesar das alegagdes do embargante, todas as questdes processuais e materiais impugnadas pelas partes foram conhecidas e decididas, inexistindo omissao ou contradigdes Ressalte-se que ao pretender a fixagdo de honorérios em patamar superior, 0 embargante, na verdade, no apresenta omisséo ou contradigéio @ ser sanada. Ao contrario, pretende a reforma do julgado, o que se afigura inadmissivel em sede de Embargos de Declaragao. Desta forma, os embargos nao sao a sede propria para a parte simplesmente manifestar o seu inconformismo com o julgado e, em carter infringente, pretender obter a sua reforma. Contudo, ausentes os requisitos que autorizam a interposigao deste recurso, seu provimento deve ser negado. Por estes motivos, nega-se provimento a estes embargos de declaragao. Rio de Janeiro, 28 de margo de 2006. Pri ‘s[voro Atlan fiouude oe : DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES BE SOUZA Relator 755.651.0201

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