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Características de uma sociedade

moderna-1
22 de dezembro de 2009

Comentário de Marco Bertalot-Bay

Quem acompanha o histórico da Antroposofia, como ciência espiritual, e do Movimento


Antroposófico, desde seu surgimento no início do século passado, poderá constatar que
suas várias contribuições em campos como os da pedagogia, da medicina ou da agricultura,
vem crescentemente monstrando-se capazes de inspirar ações práticas e frutíferas,
principalmente no que diz respeito à forma de responder aos mais variados desafios da
atualidade. De certa maneira observa-se o desenvolvimento gradativo de um novo impulso
civilizatório (no sentido universal).

Existe ainda uma herança mais específica, deixada pelo seu fundador, Rudolf Steiner, num
campo em que essa contribuição é menos evidente ou ainda ficou sub-aproveitada. Refiro-
me ao modelo da Sociedade Antroposófica Geral fundada em 1923/24 como promotora da
Escola Superior Livre de Ciências Espirituais com sede em Dornach, Suiça. Seus Estatutos
(posteriormente chamados Princípios) propostos por Steiner e aprovados por mais de 800
participantantes vindos de vários países são, ao mesmo tempo, simples e profundos e
mostram-se surpreendentemente condizentes com o espírito da modernidade.

Comentaremos dois aspectos dessa ampla temática apenas com o intuito de dar um
primeiro início à sua merecida divulgação e futuro aprofundamento também aqui no Brasil.

1- A Antroposofia precisa de uma Sociedade?

Essa pergunta já mereceria um tratado por si, pois existe uma tendência (compreensível,
aliás) de atribuir às organizações, a origem de muitas formas de opressão, exploração e
sofrimento. Na biografia que escreveu sobre Steiner, Hemleben (1989)* relata que em 1913
havia sido fundada a primeira Sociedade Antroposófica da qual Steiner não participara
pessoalmente. Na noite de São Silvestre de 1922, caía o primeiro Goetheanum (sede da
Sociedade) pelo efeito devastador de um incêndio criminoso. Steiner não atribuiu o
incêndio apenas aos oponentes externos da Antroposofia, mas também à falta de firmeza
interna da própria Sociedade Antroposófica. Em resposta ao anseio de reconstrução do
Goetheanum entre os membros, Steiner, declara o seguinte: “A reconstrução só faz sentido
se, atrás dela, estiver uma Sociedade Antroposófica consciente de si mesma, tendo
presentes seus deveres.”

Para essa reconstrução (que viria a acontecer em 1923/4), segundo Hemleben, Steiner
contava com o (1)senso de realidade em todas as esferas da vida, a (2)coragem para
enfrentar todas as deturpações da Antroposofia e a (3)supressão de todo espírito sectário.
“Não há como negar”, escreve Steiner, “que é difícil eliminar justamente essa atitude
sectária dentro da Sociedade Antroposófica. Porém ela deve ser eliminada! Nem a mínima

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fibrazinha disto deve permanecer no futuro dentro da nova Sociedade Antroposófica a ser
fundada.” Steiner acrescenta que a reconstrução da sociedade poderia ocontecer “se os
antropósofos se manifestassem por um senso de verdade e realidade tão sutilmente
desenvolvido de tal maneira que logo se percebesse: esse é um antropósofo; nota-se que
ele possui um senso tão sutil que não o deixa prosseguir em suas afirmações além do que
corresponde à realidade.”

Essas poucas frases já nos dão uma idéia da importância que Steiner atribuia ao papel da
Sociedade Antroposófica para a sobrevivência do impulso da Antroposofia. Ao mesmo
tempo cabe confessar o quanto ainda nos encontramos no primeiro início desse caminho…!

2- Liberdade e publicidade

O parágrafo quarto (4) desses Estatutos diz o seguinte: “A Sociedade Antroposófica não é
uma sociedade secreta mas, sim, perfeitamente pública. Pode tornar-se membro toda
pessoa, sem distinção de nação, posição, religião, convicção científica ou artística, que
considere justificada a existência de uma instituição tal como o Goetheanum em Dornach
como Escola Superior Livre de Ciências Espirituais.”

Nestas poucas linhas já está contida, inclusive, a única exigência feita para que alguém
possa ser aceito como membro da Sociedade Antroposófica. Não há nem mesmo uma única
prescrição de comportamento ou exigência de profissão de fé ou lista de regras a seguir
como é comum hoje em dia. Mas repare-se ainda no detalhe da formulação do autor da
Filosofia da Liberdade (uma das principais obras de Steiner). Observe-se que não se espera
do interessado nem mesmo que ele concorde com o que é feito nessa sociedade. Ao tornar-
se membro ele apenas declara que “…considera justificada a existência de uma instituição
tal como o Goetheanum”. Ou seja, ele não precisa nem concordar, por exemplo, com as
ações dos seus dirigentes ou demais membros.

Essa forma de detalhar um pequeno trecho de um dos parágrafos dos Estatutos de uma
sociedade fundada há quase cem anos, pode parecer preciosismo inócuo. Por todas as
declarações de Steiner durante e após a fundação da sociedade, no entanto, percebe-se que
ele próprio deu grande importância a esses (aparentes) detalhes.

(O tema será continuado em breve)

* Bibliografia: HEMLEBEN, J. Rudolf Steiner – monografia ilustrada, São Paulo:


Antroposófica, 1984

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