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Sociedade de Educação e Cultura de Goiás

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PRODUÇÃO DE JORNAL IMPRESSO I


3ºJO
Profª.Patrícia Drummond

A garra da reportagem
Carlos Alberto Di Franco

"Os disparos se aproximaram do checkpoint. Rodamos menos de um


quilômetro. Depois de uma curva, os ossétios nos esperavam. Um
miliciano ajoelhou-se no banco e mirou o fuzil no meu peito, gritando.
Abri a porta e pulei na estrada.”
O relato em primeira pessoa do repórter Lourival Sant’Anna, enviado
especial do jornal O Estado de S.Paulo a Ossétia do Sul, na capa do
domingo, dia 17, mostra a garra da reportagem de qualidade. A
adrenalina da guerra bate forte no leitor, sem sensacionalismo, sem
nada de apelativo, numa narrativa informativa e legitimamente
dramática. A presença do correspondente no campo de combate
possibilita uma cobertura diferenciada e altamente qualificada.
Tradicionalmente fortes no tratamento da informação, inúmeros jornais
têm sucumbido às regras ditadas pela televisão. Ao atribuírem à tela
mágica (e também à internet) a responsabilidade pelo emagrecimento
de suas carteiras de leitores, partiram, num erro de avaliação, para
uma rigorosa imitação de outros meios.
Cobertura de celebridades, superficialidade e frivolidade têm sido,
equivocadamente, a receita para conquistar novos leitores. Matérias de
comportamento, carregadas de carga freudiana, festejam suposta
empatia com as tribos dos descolados.
Títulos e fotos com forte apelo emocional ensaiam evoluções num
terreno em que a TV é muito mais competente. O jornalismo virou show
business. Espartilhados pelo mundo do entretenimento, jornalistas
estão sendo empurrados para o incômodo papel de uma peça
descartável na linha de montagem da ditadura do marketing.
Estamos imobilizados por uma falácia. A força da imagem, evidente e
indiscutível, gerou um perverso complexo de inferioridade nas redações
dos jornais. Perdemos a capacidade de sonhar e a ousadia de reinventar
o jornal. O marketing, instrumento válido e necessário, tem provocado
uma verdadeira deserção editorial. O show business é uma realidade.
Mas há espaço, e muito, para o jornalismo de qualidade.
O nosso problema, ao menos no Brasil, não é de falta de mercado, mas
de incapacidade de conquistar uma multidão de novos leitores.
Ninguém resiste à matéria inteligente e criativa. Em minhas
experiências de consultoria, aqui e lá fora, tenho visto uma florada de
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novos leitores em terreno aparentemente árido e pedregoso.


O problema não está na concorrência dos outros meios, embora ela
exista e não pode ser subestimada, mas na nossa incapacidade de
surpreender e emocionar o leitor. Os jornais, prisioneiros das regras
ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e,
conseqüentemente, chatos.
A juventude foge dos jornais. Falso. Evitam, sim, os produtos que pouco
falam ao seu mundo real. Milhões de jovens, em todo o mundo, vibram
com as aventuras de O Senhor dos Anéis e com a saga de Harry Potter.
São milhares de páginas impressas. Mas têm pegada. Escancaram
janelas para a imaginação, para o sonho, para a fantasia. Transmitem,
ademais, valores. Ao contrário do que se pensa, os jovens reais, não os
de proveta, manifestam profunda carência de âncoras morais. Os
jornais que souberem captar a demanda conseguirão, sem dúvida,
renovar sua clientela.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo
analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso
seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do
jornalismo declaratório. Menos Brasília e mais vida.
Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência.
Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa
brasileira. O leitor que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que
se irrita com o catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.
Inúmeros foram os recados da bela reportagem de Lourival Sant’Ana.
Para nós, profissionais e analistas da mídia, sobressai uma constatação
prática: a repercussão da matéria indica que o consumidor quer menos
frivolidade e mais profundidade. Quer menos burocracia e mais
criatividade. Quer menos jornalismo de registro e mais reportagem de
qualidade.

Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade


de Navarra, professor de Ética, diretor do Master em Jornalismo
(www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco-Consultoria em
Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com)
E-mail: difranco@iics.org.br

Fonte: Jornal O Popular, 25 de agosto de 2008.

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