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Vincenzo Cambria
Pesquisador do Laboratório de Etnomusicologia
da Escola de Música da UFRJ
cambria@momentus.com.br
1
Para alguns exemplos de objetivos e métodos da Etnomusicologia Aplicada ver: TITON, 1992;
DAVIS, 1992 e SHEEHY 1992.
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html 2
ETNOMUSICOLOGIA APLICADA E “PESQUISA AÇÃO PARTICIPATIVA”.
REFLEXÕES TEÓRICAS INICIAIS PARA UMA EXPERIÊNCIA
DE PESQUISA COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO
Uma outra característica dessa área, justamente por ela ter privilegiado
a “ação prática”, é que os projetos que nela são desenvolvidos raramente
resultam em trabalhos acadêmicos, sendo seus “produtos” mais comuns
gravações, concertos, festivais e mostras.
Na Antropologia, os profundos questionamentos da chamada “crítica
pós-moderna” (entre outros: Clifford 1998, Clifford e Marcus 1986 e Marcus e
Fischer 1986) em relação ao trabalho etnográfico, seus sentidos e resultados,
levaram diversos autores a adotar uma postura reflexiva, dialógica e
colaborativa. No âmbito da pesquisa etnomusicológica temos vários exemplos
dessa postura (entre outros: Feld 1990; Barz e Cooley 1997 e Lassiter 1998 e
2004). Na maioria desses trabalhos, porém, a colaboração e o diálogo são
entendidos como a realização de textos onde a “voz do nativo” aparece dentro
da almejada “polifonia” (cujo “compositor” e “solista”, porém, continua sendo o
pesquisador) ou como a concessão de alguma forma de controle, às
comunidades pesquisadas, sobre a representação produzidapelo pesquisador,
sobre a etnografia. O texto, nesses casos, é submetido a uma verificação (ou
sucessivas verificações), por parte dos “nativos”, para ter seu aval e adquirir,
assim, plena “autoridade”. As questões tratadas na pesquisa, seus objetivos e
interesses permanecem, porém, sob o controle exclusivo do pesquisador.
Outra importante critica a esta estratégia de trabalho vem de autores
dos chamados estudos Pós-coloniais. Como bem apontado por José Jorge de
Carvalho,
O olhar dos antropólogos ditos reflexivos discute a autoridade do
lugar hegemônico, porém sua teoria do poder é limitada ao
campo etnográfico - e é precisamente essa limitação que é
denunciada com veemência por Edward Said. Dito de outro
modo, a voz do nativo ainda não é vista como voz subalterna.
(CARVALHO, 1999: 15)
2
Para ulteriores discussões sobre esta concepção de pesquisa ver, entre outros: (FALS
BORDA, 1990) e (FREIRE 1990)
3 Anais do V Congresso Latinoamericano da
Associação Internacional para o Estudo da Música Popular
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REFLEXÕES TEÓRICAS INICIAIS PARA UMA EXPERIÊNCIA
DE PESQUISA COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO
Essa forma de pesquisa orientada para a ação prevê o trabalho em
conjunto dos pesquisadores e das pessoas das comunidades “pesquisadas”.
Juntos pesquisadores e membros da comunidade colhem informações e
buscam soluções para os problemas que originaram a pesquisa.
Alguns dos pontos essenciais de uma pesquisa deste tipo, apontados pelo
educador americano Budd Hall (1982), podem ser assim resumidos:
“PONTO 1 – A pesquisa tem um benefício direto e um uso
imediato para uma comunidade. [...].
PONTO 2 - O processo de pesquisa envolve a comunidade em
toda a investigação; os participantes da pesquisa a dirigem o
tanto quanto possível na coleta dos dados, análise e
interpretação.
PONTO 3 - A pesquisa é parte de uma experiência educacional
como um todo; os participantes alcançam um nível mais alto de
comprometimento, motivação e consciência devido a seu
envolvimento na pesquisa.
PONTO 4 - A pesquisa é um processo dialético com interação
entre a comunidade e o pesquisador facilitador e entre o
conhecimento popular e o acadêmico” (Gormley, 2003).
3
Existem, porém, algumas interessantes exceções, em âmbito etnomusicológico (ver, por
exemplo, ELIIS 1994 e IMPEY 2002).
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html 4
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REFLEXÕES TEÓRICAS INICIAIS PARA UMA EXPERIÊNCIA
DE PESQUISA COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO
da competência científica, compreendida enquanto capacidade de
falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com
autoridade), que é socialmente outorgada a um agente
determinado" (BOURDIEU apud SILVA, s.d.)
4
O Complexo da Maré é considerado o maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro.
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html 6
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DE PESQUISA COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO
3) Organização e análise da documentação. Nesta última etapa, a
documentação realizada será classificada e analisada para a organização do
banco de dados.
Atualmente estamos desenvolvendo ainda a primeira fase do projeto.
Nosso diálogo com os jovens está sendo muito rico e, a partir dele, inúmeras
questões já estão surgindo. Entre elas, uma que nos chamou a atenção desde
o início do projeto é o impacto da violência, tanto física quanto simbólica, na
vida desses jovens.5 A consciência dessa última (a violência simbólica) está
crescendo, cada vez mais claramente, através do processo de diálogo e
reflexão em grupo que estamos desenvolvendo.
Num país cheio de profundas contradições e desigualdades como o
Brasil, a academia poderia ter um papel mais significativo se entendesse que a
pesquisa não deve ser pensada simplesmente como uma “tecnologia”, ou seja,
como um conjunto de métodos e competências específicos a ser aplicado a um
determinado problema mas, também, como uma forma de interação humana
que pode contribuir a transformar a sociedade.
5
Samuel Araújo, em uma recente conferência na Columbia University (Araújo, 2004), propôs
algumas interessantes questões e perspectivas de analise sobre a relação som/violência a
partir dessa experiência de pesquisa.
7 Anais do V Congresso Latinoamericano da
Associação Internacional para o Estudo da Música Popular
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DE PESQUISA COMUNITÁRIA NO RIO DE JANEIRO
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