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Direito da Família – 4º Sem | Paulo Pichel

Família e direito da família


1.Família e direito
1.1 A ordenação jurídica de Família; a família como realidade natural e jurídica (pré-existência relativamente ao Direito
positivo, ordenação jurídica própria).
1.2 A família como realidade social. Perspectiva histórico-sociológica da evolução das relações familiares e da sua
ordenação jurídica; influência das transformações políticas, económicas, sociais e religiosas sobre a regulamentação
da Família; a situação actual da Família e a “desregulamentação” da Família, formas de convivência afectiva e
contextos familiares.
1.3 Pluridisciplinariedade do estudo da Família e sua repercussão no Direito da Família.
1.4 Evolução recente do Direito da Família. Tendências do Direito da Família na actualidade. Os desafios do Direito
da família: entre a privatização e a regulação; entre o individualismo e a comunhão; entre o pluralismo e assunção de
um modelo; entre a afirmação de valores e a ligação à realidade. O direito da família “pós-moderno”: alternativo,
irracional, “débil” e narrativo. Limites ao pluralismo, relativismo e multiculturalismo; limites ao individualismo, à
autonomia e à auto-regulamentação.
2. Conceito jurídico de Família
2.1 O Direito Constitucional da Família: conceito jurídico-constitucional de Família e princípios constitucionais do
Direito da Família. Abertura do conceito constitucional de Famíla, referência a uma realidade pré-constitucional,
geração como elemento determinante da Família constitucionalmente protegida, centralidade do modelo de família
matrimonial e biparental, equivalência da maternidade ou da paternidade dentro e fora do casamento, atenção
exclusiva à solidariedade intergeracional descendente, garantia institucional da Família, do Casamento e da
Adopção, possibilidade de divórcio para todos os casamentos, intervenção subsidiária do Estado, imposição
constitucional de cooperação do Estado com a Família, designadamente com os Pais.
A – Conceitos jurídico-constitucional de família
• Art. 1576º CCiv – “são fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a
adopção.
• Se o casamento e a adopção, como actos jurídicos, são, verdadeiramente fontes das correspondentes
relações jurídicas familiares, já o mesmo se não pode dizer do parentesco e da afinidade, que são, eles
próprios, relações familiares, derivadas e respectivamente, da geração (ou de uma série de gerações) e da
geração e do casamento.
• Relação matrimonial – relação que em consequência do casamento liga os cônjuges entre si. Uma relação
que afecta a condição dos cônjuges de maneira profunda e duradoura, influenciando no seu regime, a
generalidade das relações jurídicas obrigacionais ou reais de que sejam titulares.
• Relação de parentesco – relações que se estabelecem entre pessoas que têm o mesmo sangue, porque
descendam uma das outras ou porque provenham de um progenitor comum (relações entre filhos e pais,
irmãos, primos...)
o Há relações em si mesmas não familiares, mas obrigacionais ou reais, que nascem e se desenvolvem
na dependência de uma relação de parentesco, e cujo regime é influenciado por tal circunstância,
por isso mesmo sendo abrangidas e estudadas no direito da família. Exemplos: obrigação de
alimentos a filhos menores (arts. 1878º e 2009º CCiv, arts. 186º e ss OTM), e a filhos maiores (art.

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1880º CCiv), direito de propriedade dos pais sobre certos bens dos filhos menores (art. 1895º CCiv),
direito conferido aos pais de utilizar os rendimentos dos bens dos filhos dos bens dos filhos (art.
1896º CCiv).
• Relações de afinidade – são um efeito da relação matrimonial. São as relações, que em consequência do
casamento, ficam a ligar um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge.
• Relações de adopção – à semelhança da filiação mas independente dos laços de sangue, se estabelecem
entre adoptante e adoptado ou entre um deles e os parentes do outro.
• Notas:
o A família, em sentido jurídico, constitui um grupo de pessoas mas não é ela própria uma pessoa jurídica.
o As relações familiares têm a mais diversa relevância jurídica.
o A noção proposta é uma pura noção jurídica, a que não corresponde qualquer realidade social.

B – Princípios constitucionais do Direito da Família


• Os arts. 36º, 67º, 68º e 69º da CRP consagram certo número de princípios que delimitam o âmbito em que o
legislador ordinário pode mover-se. Os princípios 1º a 9º são matéria de DLG’s e, portanto, directamente
aplicáveis. Já os princípios 10º a 12º, não têm a mesma força jurídica dos outros, sendo normas de carácter
programático.
Direito à celebração do casamento
• Art. 36º,1 (2ª parte) CRP.
• Este princípio não impede que o legislador ordinário estabeleça determinados impedimentos mas estes têm
que ser fundados em interesses públicos fundamentais.
• Para além de um direito fundamental, este artigo estabelece também uma garantia institucional (normas e
institutos que visam directamente garantir posições jurídicas subjectivas ou tem como finalidade principal a
protecção ou a promoção da dignidade humana).
Direito de constituir família
• Art. 36º,1 (1ª parte) CRP.
• PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA entendem que “constituir família” compreende o direito de procriar e
o direito a estabelecer as correspondentes relações de paternidade e maternidade.
• Apesar da formulação maximalista deste artigo, o direito de constituir família admite restrições na lei
ordinária, as quais poderão até ser impostas por outros princípios constitucionais do direito da família.
o Exemplo: não é inconstitucional o art. 6º,1 da lei 32/2006, segundo a qual só pessoas casadas e não
separadas de pessoas e bens ou de facto, e as que tendo sexo diferente, vivam em união de facto há
pelo menos dois anos, podem recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida (ver art. 69º
CRP).
Competência da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução,
independentemente da forma de celebração
• Art. 36º,2 – visa fundamentalmente subtrair ao direito canónico a regulamentação das matérias aí previstas.
• Art. 1625 CCiv – “o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à nulidade do
casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes.
Admissibilidade do divórcio para quaisquer casamentos
• Art. 36º,2 in fine.
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Igualdade dos cônjuges


• Art. 36º,3 CRP.
• Ver arts. 1677º-D, 1678º,1 e 2 al.c); 1901º,1;1839º,1.
Atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos
• Art. 36º,5 CRP.
• Poder em relação aos filhos:
o Educação dirigida pelos pais (art. 1878º,1 CCiv).
o Respeito pela personalidade dos filhos (art. 1874º, 1 e 1878º,2). Ver, no entanto, as questões relativas
à liberdade religiosa (1886º).
• Poder em relação ao Estado – este tem de cooperar com os pais na educação dos filhos (Art. 67º,2 al.c). Mas
não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas,
ideológicas ou religiosas (art. 43º,2 CRP).
Inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores
• Art. 36º,5.
• Os filhos não podem ser separados dos pais salvo quando estes não cumpram os seus deveres
fundamentais para com eles e sempre mediante decisão do tribunal (Art. 1915º,1 CCiv).
• Se o menor estiver em perigo mas não for caso de inibição do exercício do poder paternal, pode o tribunal
nos termos do art. 1918º, confiar o menor a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou
assistência.
Não discriminação entre filhos nascidos do casamento e fora do casamento
• Art. 36º, 4 CRP.
• 1ª parte – não discriminação em sentido material – não permite que os filhos nascidos fora do casamento
sejam, por esse motivo, objecto de qualquer discriminação. A CRP não permite que os filhos nascidos fora
do casamento sejam objecto de qualquer discriminação que lhes seja desfavorável e que, além disso, não
seja justificada pela diversidade das condições de nascimento.
o Não fere de inconstitucionalidade o art. 1911, 1 e 2 do CCiv. que atribui à mãe, em princípio, o
exercício do poder paternal relativamente ao filho nascido fora do casamento.
o Presunção pater is est (art. 1826º,1) que só vale em relação aos filhos do casamento, não
beneficiando os outros mesmo em União de facto ou concubinato duradouro (ver art. 1871º, 1 al.c)).
o Ver art. 1883º CCiv.
• 2ª parte – não discriminação em sentido formal – não permite o uso de designações discriminatórias como as
de filho ilegítimo, bastardo, natural ou outras que não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento
fora do casamento dos progenitores.
Protecção da adopção
• Art. 36º,7 CRP.
• A adopção como instituição é garantida pela constituição, que assegura a sua existência e a sua estrutura
fundamental, não podendo o legislador ordinário suprimi-la, desfigurá-la ou descaracterizá-la.
Protecção da família
• Art. 67º CRP.
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• Está em causa uma família conjugal, natural ou adoptiva.
• Concede à própria família um direito à protecção da sociedade e do Estado, tornando-a objecto de uma
garantia institucional.
• Art. 67º,2 – enumera nas suas várias alíneas algumas das acções que o Estado deverá promover em ordem à
protecção da família.
Protecção da paternidade e da maternidade
• Art. 68º CRP.
• Concede aos pais e às mães um direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua acção
em relação aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes, para que a paternidade e a maternidade
não os impeçam de se realizarem profissionalmente e de participarem na vida cívica do país.
Protecção da infância
• Direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral.
• Ver arts. 1915º e 1918º.
C – Tipos de relações familiares
1. Parentesco
1.1 Noção e limite
• Relação de consanguinidade: são parentes as pessoas que descendem uma das outras ou procedem de um
progenitor comum (art. 1578º)
o 1º caso – parentesco na linha recta ou directa.
o 2º caso – parentesco na linha transversal ou colateral.
o [Definição alternativa (código italiano) – vínculo que liga as pessoas que provêm de ascendente comum].
• Art. 1582º - salvo disposição da lei em contrario, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na
linha recta, mas só até ao 6º grau na colateral.
o Excepção do art. 2042º - a lei não exclui a sucessão de sobrinhos que sejam parentes do autor da
sucessão em 7ºgrau ou grau ulterior, embora a hipótese seja quase impossível de se verificar.
o Casos em que a lei restringe ainda mais – arts. 2133º,1, al. d); 1639º,1 e 1677º,2 al. c); 2009º,1.
1.2 Contagem
• Ver arts. 1579 a 1580º.
1.3 Efeitos
• Variam consoante a relação de parentesco que se considere.
• Efeitos sucessórios – (Art. 2133º CCiv) – os descendentes, os ascendentes, os irmãos e seus descendentes e
outros colaterais até ao 4º grau integram, respectivamente, a 1ª, a 2ª, a 3ª e a 4ª classes de sucessíveis na
ordem da sucessão legítima estabelecida no artigo.
o A configuração da sucessão é orientada pelos princípios da proximidade de classe e da proximidade
de grau de parentesco dentro de cada classe sucessória.
o Os parentes na linha recta descendente ou ascendente que ocupam, ao lado do cônjuge, as duas
primeiras classes sucessórias do nº1 do art. 2133º, são herdeiros legitimários ou forçados (art.
2157º).
• Obrigação de prestação de alimentos - ver arts. 2009º e 2010º.
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• Morte do arrendatário – na falta de cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário
vivesse no locado em união de facto e há mais de um ano, o direito ao arrendamento para habitação se
transmite aos seus parentes que com ele residiam há mais de um ano em economia comum (art. 1106º
CCiv), e o direito ao arrendamento rural aos seus parentes na linha recta que viviam com ele habitualmente
em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de uma ano consecutivo.
• Obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de família (arts. 1931º,1 e 1952º,1).
• Legitimidade para intentar acção de anulação do casamento fundada em impedimento dirimente, ou para
prosseguir nela se o autor falecer na pendência da causa (art. 1639º).
• Acção de anulação do casamento fundada em falta ou em vício da vontade (arts. 1640º,2 e 1641º).
• Poder paternal (relação de filiação em especial) – arts. 1877º e ss – complexo de poderes e deveres que a lei
atribui ou impõe aos pais para regerem as pessoas e os bens dos filhos menores.
• Limitações à capacidade jurídica:
o Art. 1602º - não podem contrair casamento entre si os parentes na linha recta nem os parentes em 2º
grau na linha colateral – impedimento dirimente relativo.
o Art. 1604º, al. c) – não podem contrair casamento entre si o parentes em 3º grau na linha colateral –
impedimento meramente impediente (admitindo dispensa – art. 1609º, 1, al.a).
o Art. 1809º, al. a) – em caso de perfilhação, a pretensa mãe e o perfilhante forem parentes, não é
admitida a averiguação oficiosa da maternidade.
o Art. 1866º, al. a) – não é admitida a averiguação oficiosa de paternidade se a mãe e o pretenso pai
estiverem ligados por iguais relações de parentesco.
2. Afinidade
2.1 Noção, fonte e duração
• Vínculo que liga um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge (art. 1584º CCiv). Tem como fonte o
casamento.
• Art. 1585º,2 CCiv – a afinidade não cessa pela dissolução do casamento (nos casos de morte tal resulta
claramente, nos casos de divórcio haverá dúvidas). [Nota: caso o casamento seja considerado nulo, o vínculo de afinidade
só se mantém caso os cônjuges estivessem de boa fé ao contrair casamento].

2.2 Efeitos
• Obrigação de alimentos – a lei só impõe ao padrasto ou à madrasta, relativamente a enteados menores que
estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste. (Art. 2009º,1 al. f).
• Direito de suceder no arrendamento para habitação (1106º) ou arrendamento rural (23º LAR) – o padrasto ou a
madrasta poderão suceder no arrendamento em caso de morte do arrendatário.
• Obrigação de exercer tutela ou fazer parte do conselho de família – 1931º,1 e 1952º,2.
• Restrições à incapacidade e incompatibilidade de vária natureza:
o Art. 1602º al. c) CCiv – considera a afinidade em linha recta impedimento dirimente relativo à
celebração do casamento.
o Arts. 1809º, al. a) e 1866º, al. a) – proíbem a averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade,
quando a pretensa mãe e o perfilhante, no 1º caso, ou a mãe e o pretenso pai, no 2º caso, estiverem
ligados por relações de afinidade em linha recta.
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3. Adopção
3.1 Noção e espírito do instituto
• Art. 1586º CCiv – “é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de
sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos arts. 1973º e ss.”
• A adopção funda-se na verdade afectiva e sociológica, distinta da verdade biológica em que se funda o
parentesco.
• Visa, sobretudo, servir o interesse dos menores desprovidos de meio familiar normal.
3.2 Modalidades de adopção
• Adopção plena / adopção restrita (art. 1977º CCiv).
• Adopção conjunta (pessoas casadas ou que vivam em união de facto) ou por uma só pessoa (casada ou não
casada).
3. Direito civil da família
3.1 Especificidades do direito da família.
A. Predomínio de normas imperativas
• Acentuado predomínio de normas imperativas e, portanto, inderrogáveis pela vontade das partes.
• Pode dizer-se, grosso modo, que apenas as relações familiares patrimoniais são regidas por normas de
carácter dispositivo, sendo de salientar, todavia, que ainda aqui deparamos, não raramente, com normas
imperativas, como as dos arts. 1699º; 1714º,1; 1720º; etc.
• Acentua o carácter de interesse público das relações familiares.
B. Institucionalismo
• Mais velha que o Estado, a família é um organismo natural, que preexiste ao direito escrito, e dentro do qual
vive uma ordenação íntima, complexa e difícil de realizar.
• É um direito institucional porque o legislador se limita, em alguma medida, quando regula as relações de
família, a reconhecer esse “direito” que vive e constantemente se realiza na instituição familiar.
C. Coexistência, na ordem jurídica portuguesa, do direito estadual e do direito canónico na disciplina da relação
matrimonial.
• Não é uma característica do direito da família mas apenas uma característica do direito matrimonial
português.
• Ver art. 1625º CCiv – leva a que os artigos 1627º a 1646º não se apliquem aos casamentos católicos.
D. Permeabilidade do direito da família às transformações sociais.
• Está dependente de transformações sócio-económicas e das opções do Estado em matéria política ou
religiosa.
E. Ligação a outras ciências humanas.
• Direito de filiação largamente tributário da biologia e a sua evolução é marcada por progressos científicos.
• A regulação de determinadas relações familiares (ex. Adopção) requere conhecimentos de psicologia e
pedagogia.
• Ligação com a psicologia.
F. Afectação de certas questões de direito da família a tribunais de competência especializada: os tribunais de família
e menores.
• Lei 3/99, 13 de Janeiro; ver arts. 81º e ss.

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3.2 Características dos direitos familiares
• As características infra enunciadas têm em vista os direitos familiares de gozo.
• Os direitos familiares patrimoniais, resultam de relações que são originária e estruturalmente obrigacionais ou
reais, e que portanto, não podem distinguir-se das relações destes tipos. Se as estudamos no direito da
família, é só porque, sendo os sujeitos dessas relações, simultaneamente, sujeitos de uma relação familiar,
tais relações obrigacionais ou reais são influenciadas no seu regime por essa circunstância, de tal maneira
que perdem a sua autonomia, constituindo-se e desenvolvendo-se na dependência daquela relação de
família.
A – Direitos familiares pessoais como direitos de gozo
• Os direitos familiares pessoais não são direitos subjectivos propriamente ditos mas poderes funcionais,
poderes-deveres, e como tais irrenunciáveis, indisponíveis, etc.
• Os direitos familiares pessoais são direitos a que não se ajusta a noção tradicional de direito subjectivo. Não
são direitos que o seu titular possa exercer como queira. Pelo contrario, o seu titular é obrigado a exercê-los;
e é obrigado a exercê-los de certo modo, do modo que for exigido pela função do direito, pelo interesse que
ele serve.
• Os direitos familiares pessoais são irrenunciáveis, intransmissíveis e são direitos cujo exercício é controlado
objectivamente.
o Quanto à intransmissibilidade dos direitos familiares pessoais, esta afirmação não é inteiramente
rigorosa, tendo em conta as normas que permitem a adopção plena e, portanto, uma espécie de
“transferência” do poder paternal dos pais naturais para o adoptante ou adoptantes.
• A sua função é a de favorecer e garantir o cumprimento dos particulares deveres morais que incumbem ao
seu titular para com a pessoa contra quem se dirigem.
B – Fragilidade da garantia
• Segundo a doutrina tradicional, outra característica dos direitos familiares pessoais seria a de que estes
teriam uma garantia mais frágil que a dos direitos de crédito, pois não existiria uma sanção organizada para o
não cumprimento dos deveres respectivos.
• Esta ideia tendo vindo a ser afastada:
o Direito penal da família.
o Aceita-se hoje, em caso de divórcio, um pedido de indemnização nos termos do art. 483º CCiv.
• Será na impossibilidade ou dificuldade prática que radicará, de alguma maneira, a fragilidade da garantia que
assiste aos direitos familiares pessoais.
C – Carácter duradouro: os “estados de família”
• As relações familiares são sempre duradouras de tal modo que geram verdadeiramente estados da pessoa:
estado de casado, estado de filho, estado de parente ou afim, estado de adoptado, etc.
• Existe nas relações familiares uma grande necessidade de certeza e segurança, ainda maior do que no
domínio das relações obrigacionais, o que explica que, como veremos, o casamento, o estabelecimento da
maternidade e da paternidade, etc. Sejam objecto de registo civil obrigatório.
• Não é permitido apor ao casamento ou à perfilhação condição ou termo, pois seria intolerável que houvesse
dúvidas acerca de estados da pessoa tão importantes como esses.

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D – Carácter relativo. Casos em que, excepcionalmente, os direitos familiares gozam de protecção absoluta.
• Embora os direitos familiares pessoais sejam relativos, por vezes os respectivos gozam de protecção
absoluta (ver arts. 495º,3; 496º,2; 2009º, 402º).
E – Tipicidade dos direitos familiares
• Existe um numerus clausus de direitos e negócios familiares.
3.3 As chamadas relações “parafamiliares”. A União de Facto: a união more uxorio e as uniões homossexuais. A
união de facto more uxorio como realidade social. Noção de União de facto more uxorio e justificação para a sua não
equiparação total com o casamento. Fundamento da relevância jurídica da União de Facto more uxorio: a sua
semelhança aparente com o casamento. A relevância jurídica da União de Facto more uxorio até à Lei 135/99, de 28
de Agosto (que adoptou medidas de protecção da União de Facto; sua apreciação critica). O debate acerca do
reconhecimento jurídico de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A Lei 7/2001, de 11 de Maio, e as excepções à
equiparação das uniões homossexuais e heterossexuais. Efeitos e extinção da União de Facto por ruptura e morte.
• Relações parafamiliares – são as relações conexas com as relações familiares, estando equiparadas a
relações de família para determinados efeitos, ou são condição de que dependem, em certos casos, os
efeitos que a lei atribui à relação conjugal ou às relações de parentesco, afinidade e adopção.
A – União de facto
1. Noção
• Vida em comum em condições análogas às dos cônjuges.
• As pessoas vivem em comunhão de leito, habitação e mesa.
• Distingue-se do concubinato duradouro pois neste não existe comunhão de habitação e mesa (ver art.
1871º,1 al. c) CCiv).
2. A União de Facto e a Constituição da República
• Art. 36º,1 – embora não seja a opinião do A., há quem considere [VITAL MOREIRA E GOMES C ANOTILHO], que o
direito de constituir família enunciado naquele preceito decorreria de uma abertura constitucional para
conferir o devido relevo às uniões familiares de facto.
• Art. 36º,1 2ª parte – direito de não casar (dimensão negativa do direito).
• Art. 26º - princípio de protecção da união de facto decorrente do direito de livre desenvolvimento da
personalidade.
• Casamento e União de facto são materialmente diferentes: os casados assumem o compromisso de vida em
comum; os membros da união de facto não assumem, não querem ou não podem assumir esse
compromisso. O desfavor ou desprotecção da união de facto relativamente ao casamento é assim
objectivamente fundado, justificando-se até onde seja um meio proporcionado de favorecer o
estabelecimento de uniões estáveis ou potencialmente estáveis, no interesse geral. Um tratamento diferente
das duas situações, em que as pessoas que vivam em união de facto, não tendo os mesmos deveres, não
tenham em contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se assim conforme ao princípio
da igualdade, que só quer tratar como igual o que é igual e não o que é diferente, não havendo base legal
para estender à união de facto as disposições que ao casamento se referem.
• O A. Considera que a CRP não permite penalizar a união de facto nem equipará-la ao casamento: entre estas
duas balizas vale o princípio democrático, que permite que o legislador ordinário possa conformar livremente

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o regime da união de facto, de acordo com a opção mais progressista ou conservadora da política familiar
adoptada.
3. A União de facto, relação de família?
• A questão da qualificação da união de facto como relação de família assume relevância para saber se a lei
que atribua um direito, imponha uma obrigação ou confira legitimidade para certa acção aos familiares de
determinada pessoa compreende não só o cônjuge e os parentes, afins, adoptantes e adoptados, mas
também que vivia em união de facto com ela.
• Em princípio, a resposta será negativa, mas há que saber se não estaremos num daqueles domínios em que,
excepcionalmente, ela merece essa qualificação.
4. A institucionalização da União de facto
4.1 – Constituição da relação
• Constitui-se quando os sujeitos da relação se juntam, ou seja, quando passam a viver em comunhão de leito,
habitação e mesa (o A. Faz aqui uma distinção entre união de facto heterossexual e homossexual, afirmando
que só na primeira o casal vive “como marido e mulher”).
• A questão de saber como se prova a união de facto e a data em que ela começou reveste-se assim de
grande interesse, quer a união de facto seja invocada pelos sujeitos da relação, quer seja invocada contra
eles.
• A prova é normalmente testemunhal, não havendo em regra uma prova pré-constituída, não devendo, no
entanto, excluir-se a prova documental.
4.2 – Conteúdo da relação: efeitos pessoais e patrimoniais.
A) Princípios gerais
• A união de facto só tem os efeitos que a lei lhe atribuir – lei 7/2001 arts. 1º,2 e 3º.
B) Condições de eficácia
• Com a lei 7/2001 a heterossexualidade deixou de ser requisito, sendo-o apenas no que respeita à adopção
nos termos do art. 7º.
o Há, no entanto, efeitos da união de facto que pressupõem a diversidade de sexos:
 Art. 1911º,3.
 Art. 1871º,1 al. c) – o autor considera que a expressão “vida análoga à dos cônjuges”
pressupõe diversidade de sexos. Esta posição não é unânime.
 Art. 2020º, 1 - direito de exigir alimentos da herança do falecido não casado ou separado de
pessoas e bens
• A lei 7/2001 pretendeu estender os efeitos da união de facto heterossexual às uniões de facto homossexuais
(à excepção da adopção) – ver arts. 3º e 5º. Tudo o que não esteja previsto neste artigo, considera o A. que
só se aplica as relações heterossexuais pois estas é que são “análogas às dos cônjuges”.
• Só produz efeitos se dura há mais de dois anos (art. 1º da Lei 7/2001).
• Impedimentos previstos no art.2º (impedimentos dirimentes ao casamento).
C) Efeitos pessoais
• Os membros da união de facto não estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o art. 1672º
impõe aos cônjuges e nenhum deles pode acrescentar aos seus apelidos do outro (Ver art. 1677º).
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• O estrangeiro que viva em união de facto com nacional português há mais de três anos pode adquirir a
nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade, desde que tenha obtido o reconhecimento
judicial da situação (art. 3º,3 da Lei da Nacionalidade).
• Constituem uma família para efeitos de “acolhimento familiar”, duas pessoas que, sendo de sexo diferente,
vivam em união de facto há pelo menos dois anos, podendo recorrer a técnicas de procriação medicamente
assistidas, sendo equiparadas a pessoas casadas não separadas de pessoas e bens nem separadas de
facto (Lei 147/99, art. 35º,1 al. e) e Lei 32/2006 art. 6º,1).
• Quanto aos filhos:
o Presume-se a paternidade quando tenha havido comunhão duradoura de vida entre a mãe e o
pretenso pai no período legal de concepção (art. 1871º, 1 al. c) CCiv).
o O exercício do poder paternal pertence a ambos se viverem maritalmente, se declararem perante o
conservador do registo civil essa vontade (art. 1911º, 3) – (cfr. Arts. 1901º- 1907º e 1912º).
o Os filhos nascidos de união de facto como quaisquer outros nascidos fora do casamento, estão
equiparados aos nascidos dentro dele, por força do nº4 do art. 36º CRP.
D) Efeitos patrimoniais
• Não há um regime de bens da união de facto (ao contrario do que acontece no casamento) não tendo
aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens
(arts. 1678º a 1697º CCiv).
• O A. aceita a possibilidade de contratos de coabitação 1 que regulem os efeitos patrimoniais da união de
facto desde que estes não excedam os limites da autonomia privada, violando disposições imperativas da
lei.
• Relativamente às doações, aplica-se, devidamente adaptado o art. 2196º.
• Os membros da união de facto vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fossem casados, o
que cria uma aparência de vida matrimonial, que pode suscitar a confiança de terceiros que contratem com
os membros da relação ou com um deles. Assim, parece razoável estender-se à união de facto o disposto no
art. 1691º, al. b).
• A pessoa que vive em união de facto pode exigir pensão de alimentos ao ex-cônjuge – a atribuição desta
pensão de alimentos está essencialmente ligada à ideia de “necessidade”, logo, não é a questão da
existência de uma união de facto que é relevante mas antes a existência ou não da necessidade.
• A pessoa que estava a receber uma pensão de sobrevivência por morte do ex-cônjuge ou uma pensão de
alimentos da herança do falecido não perde esta pensão se passar a viver em união de facto pois nos termos
do art. 2019º CCiv, o direito de alimentos cessa se o alimentado se tornar indigno do benefício pelo seu
comportamento moral. Ora, a união de facto não é uma indignidade.
o Note-se que existe aqui um desfavorecimento em relação ao casamento, o qual faz cessar o direito
do credor de alimentos ou do pensionista nos termos das referidas disposições (2034º, 2166º,
2020º).

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União de contratos em que os membros da união de facto reúnem várias espécies contratuais em vista da organização convencional das suas
relações patrimoniais, durante a vida da relação e após a extinção desta.
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• O art. 3º al. d) da Lei 7/2001 manda aplicar aos membros da união de facto o regime imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados
de pessoas e bens.
E) Extinção da relação
E.1 Princípios gerais
• A união de facto pode extinguir-se pela ruptura da relação, ruptura por mútuo consentimento ou por iniciativa
de um dos seus membros ou pela morte de um dos seus membros, dissolução por qualquer dos membros
da união de facto.
• Extinta a relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do casal, que pode suscitar
dificuldades, sobretudo, quando a vida em comum durou muito tempo: haverá, frequentemente, bens
adquiridos pelos membros da união de facto, dívidas contraídas por um ou por ambos, contas bancárias em
nome dos dois, confusão dos bens móveis de um e do outro.
• As regras a aplicar são (por esta ordem):
o As constantes no contrato de coabitação.
o Direito comum das relações reais e obrigacionais.
o Não é excluída a hipótese de a liquidação do património do casal se fazer segundo os princípios das
sociedades de facto quando os respectivos pressupostos se verifiquem.
o Os princípios do enriquecimento sem causa são frequentemente invocados na jurisprudência, que
entende que a liquidação e partilha do património adquirido pelo esforço comum se pode fazer na
sequencia de acção judicial de dissolução da união de facto, por dependência desta acção, ou em
acção declarativa de condenação, em que o membro da união de facto que se considere
empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou peça a condenação do outro a
reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento sem causa provando que há património comum
resultante da união de facto vivida entre um e outro.
E.2 Ruptura. Destino da casa de morada comum
• Nenhuma das partes tem direito de exigir do outro que mantenha a relação e o seu interesse na manutenção
da união de facto não está protegido por qualquer disposição legal destinada a proteger esse interesse (art.
483º CCiv).
• Abuso do direito (art. 334º) – não pode impedir a separação mas pode levar a que, por motivos de boa fé e
bons costumes, sejam reparados os prejuízos causados.
• Destino da casa de morada de família:
o Casa própria (art. 4º,4 da Lei 7/2001 que faz remissão para o art. 1793º CCiv):
• Casa comum pertencer em compropriedade a ambos os membros da união de facto –
qualquer deles pode pedir ao tribunal que lhe dê de arrendamento a casa, verificadas as
condições e nos termos do art.
• Casa propriedade de um dos membros – um dos membros pode fazer pedido idêntico.
o Casa tomada de arrendamento (art. 4º,3 da Lei 7/2001 + 1105º,1 CCiv) – podem os dois acordar em
que o arrendamento se transmita ao não arrendatário ou, se o arrendamento tinha sido feito pelo dois

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se concentre a favor de um deles. Na falta de acordo cabe ao tribunal decidir tendo em consideração
as circunstâncias previstas nos artigos supra referidos.
o A referência do art. 4º,4 a “membro sobrevivo” é um lapso, não se aplicando em caso de morte do
membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, mas ao caso da separação dos
membros da união de facto. O que o legislador quis dizer foi que neste caso, pode o tribunal
constituir um direito de arrendamento sobre a casa de morada comum ou própria de um dos
membros da relação, nos termos do art. 1793º CCiv, ou transferir o direito de arrendamento para o
membro da união de facto não arrendatário, nos termos do art. 84º,2 RAU (tendo em conta,
designadamente, as necessidades de um e outro membro da relação).
o O pedido de constituição de um direito de arrendamento (art. 1793º CCiv) ou de transmissão do
direito de arrendamento para o não arrendatário (art. 1105º,1 CCiv) deve cumular-se com o de
declaração judicial de dissolução da união de facto, sendo aquele pedido dependência deste.
E.3 Morte
• Se o falecido não era casado ou estava separado de pessoas e bens, o sobrevivo que vivia com ele em união
de facto há mais de dois anos tem direito de exigir alimentos da herança caso não possa obtê-los do cônjuge
ou ex-cônjuge, dos descendentes, dos ascendentes ou dos irmãos. (art. 2020º CCiv). Note-se que o valor da
prestação é fixada nos termos dos arts. 2003º e 2004º, não existindo aqui o necessário para manter o
mesmo padrão de vida do casal (art. 1675 – não existe dever de assistência).
• Direito real de habitação da casa de morada em comum pelo prazo de cinco anos (arts. 3º al. a) e 4º,1 e 2).
Não se aplicam caso existam descendentes com menos de um ano ou que ele vivessem há mais de um ano
e pretendam continuar a viver na casa, ou ainda, se houver disposição testamentária em contrário. A lei
apenas concedeu ao sobrevivo o direito real de habitação da casa e não o direito de uso do recheio.
• Direito de preferência na venda da casa pelo prazo de cinco anos (art. 4º,1). Tal não se aplica quando
sobrevivam descendentes com menos de um ano ou que com ele vivessem há mais de um ano e pretendam
continuar a viver na casa, ou quando haja disposição testamentária em contrário.
• Transmissão do direito ao arrendamento para habitação por morte do arrendatário à pessoa que vivia com
ele em união de facto (art. 1106º CCiv) – o arrendamento transmite-se à pessoa que tenha vivido com ele no
locado há mais de dois anos e, além disso, tenha vivido com ele no locado há mais de um ano.
• Indemnização sobre danos de que proveio a morte:
o Danos patrimoniais – art. 495º,3 CCiv – se o falecido prestava alimentos ao sobrevivo, e a prestação,
embora não judicialmente exigível, correspondia nas circunstâncias do caso a um dever de justiça e,
portanto, ao cumprimento de uma obrigação natural (art.402º).
o Danos não patrimoniais – art. 496º,2 CCiv – limita taxativamente o círculo das pessoas que podem
pedir indemnização por morte da vítima, e não parece legítimo equipara ao cônjuge a pessoa que
com ele vivia em união de facto (o TC considerou inconstitucional esta interpretação, tendo-a como
excessiva e desproporcional, e violadora do princípio da igualdade – violação do 36º,1 + pp.
Igualdade).
• Direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência (art. 6º,2 da Lei 7/2001). Requisitos:
o União de facto.
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o Art. 2020º,1 CCiv (de acordo com o A. não se aplica directamente este artigo no caso de união de
facto entre pessoas do mesmo sexo, mas poderá ter aplicação indirecta a esse caso, no sentido de
que o sobrevivo poderá reclamar das instituições competentes as prestações por morte a que se
refere o art. 3º, al. e) da Lei 7/2001.
o Art. 2004º CCiv.
o Inexistência de bens (suficientes) na herança do falecido para satisfazer a obrigação de alimentos.
• Direito às prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional e às pensões de
preço de sangue e por serviços relevantes prestados ao País.
• Direito do trabalhador faltar justificadamente cinco doas consecutivos por falecimento da pessoa com quem
viva em união de facto, desde que esta durasse há mais de dois anos.

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