1) Simone de Beauvoir discute a condição humana como fundamentalmente ambígua, sendo ao mesmo tempo sujeito e objeto, livre e limitado, significante e insignificante.
2) Muitos filósofos tentaram mascarar esta ambiguidade, negando a morte, a finitude ou a individualidade.
3) O existencialismo, segundo de Beauvoir, é a filosofia da ambiguidade humana e assume o fracasso inerente à condição humana sem condenar o homem.
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PUCMINAS Beauvoir. Por Uma Moral Da Ambiguidade.[1]
1) Simone de Beauvoir discute a condição humana como fundamentalmente ambígua, sendo ao mesmo tempo sujeito e objeto, livre e limitado, significante e insignificante.
2) Muitos filósofos tentaram mascarar esta ambiguidade, negando a morte, a finitude ou a individualidade.
3) O existencialismo, segundo de Beauvoir, é a filosofia da ambiguidade humana e assume o fracasso inerente à condição humana sem condenar o homem.
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1) Simone de Beauvoir discute a condição humana como fundamentalmente ambígua, sendo ao mesmo tempo sujeito e objeto, livre e limitado, significante e insignificante.
2) Muitos filósofos tentaram mascarar esta ambiguidade, negando a morte, a finitude ou a individualidade.
3) O existencialismo, segundo de Beauvoir, é a filosofia da ambiguidade humana e assume o fracasso inerente à condição humana sem condenar o homem.
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Simone de Beauvoir Extrato do texto A Moral da Ambigüidade
“ ‘O trabalho permanente da nossa vida é edificar a morte’, disse
Montaigne... Esta trágica ambivalência, que os animais e as plantas apenas experimenta, o homem a conhece, pensa sobre ela. Através disso um novo paradoxo se introduz em nosso destino. ‘Animal racional’, o homem se evade de sua condição natural sem, entretanto, libertar-se dela: deste mundo, do qual é consciência, o homem também faz parte; ele se afirma como pura interioridade, da qual nenhum poder exterior conseguiria se apoderar, ao mesmo tempo em que se experimenta como coisa, esmagada pelo peso obscuro de outras coisas. A cada instante, ele pode apreender a verdade intemporal de sua existência, mas, entre o passado que não é mais, o futuro que não é ainda, esse instante em que ele existe não é nada. Esse privilégio que só ele detém- de ser um sujeito soberano e único em meio a um universo de objetos- ele o reparte com todos os seus semelhantes; por sua vez, objeto dos outros, ele não é, ma coletividade da qual depende, nada além de um indivíduo. Desde que existem homens e que eles vivem, todos experimentaram esta trágica ambigüidade de sua condição; mas desde que existem filósofos e que eles pensam, a maior parte tentou mascará-la, esforçando –se por reduzir o espírito à matéria, ou por integrar a matéria no espírito, ou por confundi-los no seio de uma substância única. Aqueles que aceitaram o dualismo estabeleceram entre o corpo e a alma uma hierarquia que permitia considerar como desprezível a parte de si mesmo que não se podia salvar. Negaram a morte, seja integrando-a à vida, seja prometendo ao homem a imortalidade; ou ainda, negaram a vida, considerando-a como um véu de ilusão sob o qual se oculta a verdade do Nirvana. E a moral que propunham a seus discípulos visava sempre ao mesmo fim: tratava-se de suprimir a ambigüidade tornando-a pura interioridade ou pura exterioridade, evadindo-se do mundo sensível ou mergulhando nele, elevando-se à eternidade ou fechando-se no instante puro. Mais engenhosamente, Hegel pretendeu não recusar qualquer dos aspectos da condição do homem, conciliando-os todos. Segundo seu sistema, o instante se conserva no desenvolvimento do tempo, a Natureza se afirma em face do Espírito que a nega ao instaurá-la, o indivíduo se reencontra na coletividade em cujo seio ele se perde e a morte de cada homem se realiza anulando-se na vida da Humanidade. Assim, é possível repousar num maravilhoso otimismo, onde mesmo as guerras sangrentas só fazem exprimir a fecunda inquietude do Espírito. Existem ainda, no momento, muitas doutrinas que preferem deixar na sombra certos aspectos constrangedores de uma situação por demais complexa. Mas é em vão que nos tentam mentir: a covardia não vale a pena. Essas metafísicas razoáveis, essas éticas consoladoras, com as quais nos pretendem envolver, não fazem mais do que acentuar a desorientação de que sofremos. Os homens de hoje parecem sentir mais vivamente que nunca o paradoxo de sua condição. Reconhecem-se como o fim supremo ao qual deve se subordinar toda a ação; mas as exigências da ação os abrigam a tratar-se uns aos outros como instrumentos ou como obstáculos: como meios. Mais cresce seu poder sobre o mundo, mais se acham esmagados por forças incontroláveis; senhores da bomba atômica, ela não foi criada senão para destrui-los; cada um dentre eles tem nos lábios o gosto incomparável de sua própria vida,, e no entanto sente-se mais insignificante que um inseto no seio da imensa coletividade, cujos limites se confundem com os da terra. Em época nenhuma, talvez, ostentou o homem com maior alarde sua grandeza, em época nenhuma essa grandeza foi tão atrozmente escarnecida. Apesar de tantas mentiras obstinadas, a cada instante, em toda ocasião, a verdade se manifesta: a verdade da vida e da morte, da minha solidão e da minha ligação com o mundo, da minha liberdade e da minha servidão, da insignificância e da soberana importância de cada homem e de todos os homens. Houve Stalingrado e Buchenwald e nenhum dos dois apaga o outro. Já que não é possível fugir à verdade, tentemos então olhá-la de frente. Tentemos assumir nossa fundamental ambigüidade. É preciso extrair a força de viver e as razões de agir do conhecimento das condições autênticas da nossa vida. O Existencialismo definiu-se desde o início como uma filosofia da ambigüidade. Foi afirmando o caráter irredutível da ambigüidade que Kierkegaard opôs-se a Hegel. Em nossos dias, é pela ambigüidade que, em o Ser e o Nada, Sartre define fundamentalmente o homem, este ser cujo ser é não ser, esta subjetividade que não se realiza senão como presença no mundo, esta liberdade engajada, este surgimento para-si que é imediatamente dado para outro. Mas também se pretende que o existencialismo seja uma filosofia do absurdo e do desespero, que ela aprisione o homem numa angústia estéril, numa subjetividade vazia, que ela seja incapaz de lhe oferecer algum princípio de escolha: que ele aja como agir de qualquer maneira a partida está perdida. Sartre não declara que o homem é ‘uma paixão inútil’, que ele tenta em vão realizar a síntese do para-si e do em-si, a fazer-se Deus? É verdade. Mas é também verdade que as morais mais otimistas começaram todas por sublinhar a parte de fracasso que comporta a condição humana: sem fracasso não há moral. Para um ser que fosse de imediato esta coincidência consigo mesmo, a perfeita plenitude, a noção de dever-ser não teria sentido. Não se propõe moral a um Deus. Assim, é impossível propor-se moral ao homem, se ele é definido como natureza, como dado: as morais ditas psicológicas ou empíricas só se conseguem estabelecer introduzindo sub-repticiamente alguma falha no seio do homem-coisa, que inicialmente haviam definido: a consciência moral não pode subsistir, diz-nos Hegel na última parte da Fenomenologia do Espírito, senão na medida em que há desacordo entre a natureza e a moralidade: ela desaparece se a lei da moral torna-se a lei da natureza. De modo que, por um ‘deslocamento’ paradoxal, se a ação moral é o fim absoluto, este supõe também que a ação moral não esteja presente. Isto significa que o dever-ser não poderia existir senão para um ser que, segundo a definição existencialista, coloca-se em questão no seu próprio ser, um ser que está à distância de si mesmo e que tem de ser seu ser. Seja, dirão. Mas é ainda necessário que o fracasso possa ser superado; e a ontologia existencialista não permite esta esperança. A paixão do homem é inútil, não há meio algum que lhe permita tornar-se esse ser que ele não é. Isto também é verdade. E é verdade ainda que, em o Ser e o Nada, Sartre insistiu principalmente sobre o aspecto fracassado da aventura humana; nas últimas páginas, somente, ele abre as perspectivas de uma moral. Entretanto, se meditarmos sobre suas descrições da existência, perceberemos que elas estão longe de condenar o homem sem apelação. O fracasso descrito em o Ser e o Nada é definitivo, mas é também ambíguo. O homem, diz-nos Sartre, é ‘um ser que se faz carência de ser a fim de que haja ser’. Vale dizer, de início, que a sua paixão não lhe foi imposta de fora; ele a escolhe, ela é seu próprio ser e, como tal, não implica a idéia de infelicidade. Se essa escolha é qualificada de inútil, é devido ao fato de que não existe antes da paixão do homem, fora dele, nenhum valor absoluto em relação ao qual se pudesse definir o inútil e o útil. No nível de descrição em que se situa o Ser e o Nada, a palavra útil não recebeu ainda um sentido: ela não se pode definir senão no mundo humano, constituído pelos projetos do homem e pelos fins que ele coloca. No relaxamento original em que o homem surgiu, nada é útil, nada é inútil. É necessário, pois, compreender que a paixão consentida pelo homem não encontra uma justificação exterior: nenhum apelo vindo de fora, nenhuma necessidade objetiva permite qualificá-la de útil; não há razão alguma para que ela seja desejada. Mas isto não quer dizer que ela própria não se possa justificar, dar-se as razões de ser que não possui. Sartre afirma, de fato, que o homem se faz carência de ser a fim de que haja ser. O termo ‘a fim de que’ indica claramente uma intencionalidade; não é em vão que o homem nadifica o ser: graças a ele o ser se desvenda e ele deseja esse desvendamento. Há um tipo original de ligação com o ser que não é a relação ‘querer ser’, mas antes ‘querer desvendar o ser’. Ora, aqui não há derrota, mas, ao contrário, sucesso: esse fim que o homem se propõe, fazendo-se carência de ser, realiza-se efetivamente por ele. Por sua separação do mundo, o homem se torna presente ao mundo e torna o mundo presente.”... “Na sua vã tentativa para ser Deus, o homem se faz existir como homem, e, satisfazendo-se com essa existência, ele coincide exatamente consigo. Não lhe é permitido existir sem tender para esse ser que ele não será jamais; mas é possível ao homem desejar essa tensão, mesmo com o fracasso que ela comporta. Seu ser é carência de ser, mas há uma maneira de ser dessa carência que é precisamente a existência. Seu ser é carência de ser, mas há uma maneira de ser dessa carência que é precisamente a existência. Em termos hegelianos, poder-se-ia dizer que o há aqui uma negação da negação pela o positivo é restabelecido: o homem se faz carência, mas pode negar esta carência como carência e afirmar-se como existência positiva. Então, ele assume o fracasso. E a ação, condenada como esforço para ser, reencontra a sua validade como manifestação da existência. Entretanto, mais que uma superação hegeliana, trata-se aqui de uma conversão; porque, em Hegel, os termos não são superados senão como momentos abstratos, enquanto que nós consideramos que a existência permanece ainda como negatividade na sua própria afirmação positiva, não aparecendo por sua vez como o termo de uma síntese anterior: o fracasso não foi superado, mas assumido. A existência se afirma como um absoluto que deve buscar em si sua justificação, e não se suprimida, ainda que se conservando. Para atingir a sua verdade, o homem não deve tentar desfazer a ambigüidade de seu ser, mas, ao contrário, concordar em realizá-la: ele não se alcança senão na medida em que aceita permanecer à distância de si mesmo... Existir autenticamente não é negar o movimento espontâneo de minha transcendência, mas somente recusar perder-me nele. A conversão existencialista deve ser aproximada, antes, da redução husserliana: que o homem ‘ponha entre parênteses’ a sua vontade de ser e ei-lo reconduzido à consciência de sua verdadeira condição. Assim como a redução fenomenológica previne os erros do dogmatismo, sustando qualquer afirmação concernente ao modo de realidade do mundo exterior, do qual entretanto não contesta a presença em carne e osso, assim a conversão existencial não suprime meus instintos, meus desejos, meus projetos minhas paixões: ela previne somente qualquer possibilidade de fracasso, recusando-se a colocar como absolutos os fins para os quais se lança minha transcendência e considerando-os na sua ligação com a liberdade que os projeta.”(Beauvoir, 2005,p.3-9). (BEAUVOIR, Simone de. Por uma moral da ambigüidade. Tradução M.J. de Moraes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005).