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IAOG WlIslabad © ULllil » e Criminalidade Mis Jade Migragao e Crin ) e Criminalidade Mi, lade Migracao e Crir Critérios como modo de vida, liga¢do com 0 mundo do trabalho e com as instituigdes socializadoras, modo de se portar e de se trajar, de falar e de se expressar, freqiéncia a certos espacos da cidade e, inclusive, procedéncia regional ‘compoém o “olho clinico” da a¢ao policial. Eliana Blumer Trindade Bordini * Sérgio Franca Adomo de Abreu Nos anos recentes, na sociedade brasileira, vem sendo freqiiente associar-se a percepgéo de inseguranca des po- pulagdes urbanas com o crescimento, que se supse vertigi- oso, da criminalidade, Suspeita-se que o agravamento das préticas delituosas, expresso nao apenas pela massa de cri- mes praticados como também por mudancas experimenta- das nas modalidades de aco criminal, guarde estreitas vin- ‘culagées para com o modelo de desenvolvimento social plementado nesta sociedade, cujos efeitos sobre as condi ‘g6es de vida de amplos contingentes populacionais ~ aqui les reconhecides como “marginais" ~ estimularia seus int grentes & violéncia criminal. Esta suspeita, n&o-raro, sus- tenta-se em uma certa concopeao linear de desenvolvimento econémico-social, embasada em conceitos abstratos de in- dustrializago, de urbanizagao, de instabilidade cultural, na ‘qual o crime é enfocado sob a perspectiva demografica. Esta concepeao acaba colocando énfase no exame de processos migratérios, da piramide etéria da populacio, da associagso entre criminalidade e pobreza, como sublinhou com pro- priedade Linebaugh (1). ‘Como corolério dessa concepeso, acredita-se que as grandes cidades brasileiras, modernas @ modernizades, constituiriamn 0 locus privilegiado quer de intensidade das préticas delituosas e de suas modalidades cada vez mais, violentas e organizadas, quer da concentragao de autores de illeitos penis. As caracterlsticas dessas cidades ~ concentra ‘g80 populacional, impessoalidade das rela¢des sociais, perda 17 Emacs anata do Dapartznonto de nceadors Stco-Eoonncos de Dio. ‘Sig Ares esas Uo Onan de Pncats Stone Eto oo 71 Soudoge« Secoie nteatse, Ooparamente de Ctrl Soca da Univer Ste Paulo USP, Pooulader do EDEC. 0 Cre @ laguna: A Gr-etsana no slo XVI: Pk Tear. 8 ein, cing pode, is Pa, soe, 18, 36 da privacidade, anonimato, tendéncias desenfreadas & os- tentagdo © 20 luxo por contraste 9 espetdculos deprimentes de mistrie, @ par das inclinagBes ao consumismo @ 2 expo: co, quase sem resisténcia, 20s moios de comunicagao de massa aos quais se julga atribuir a dirego das formas con- Yencionais de comportamento coletivo = feriam com que 2 concentragéo da riqueza material carminhasse pari passu & ‘oncentragéo dos meios de conteneao e de represséo & crl- minalidade, Esta linha de raciocinio, aparentemente isenta de pro- blemas, esté presentemente produzindo uma espécie. de concérdia entre o senso comum e as tentativas de explica- fo, que se apresentam como cientificas, dos méveis sociais, {a dalingliéncia, Trata-se de um consenso que, em verdede, ‘conduz a posicées ambiguas, De um lado, h& quem admita que o desenvolvimento econémico-socialresultou no afrou- xamento dos controles sociais tradicionsis, disto ocesionan- do 2 quebra de solideriedade, Este ergumento esté, 20 que tudo indice, na origem dos reclamos atuais em torno do en filecimento’ das sangGes e cominagdes penais contra os au~ tores de delitos, bem como do endurecimento ao trate mento dispensado aos tutelados pela Justica criminal nas Cadeias Publicas e nas Penitenciérias, Por outro lado, hé quem admita 0 conirério: um processo de modernizagio so- tial, conduzido segundo padrdes adequados de justica, nos- biltariam uma contengao “democrética” da criminalidade, Evidentemente, qualquer uma dessas posigbes faz vistes {grosses 20 funcionamento e & complexa articulagao entre os aparelhos encarregados de manuteneéo da ordem publica, perticularmente no que concerne & divisdo de trabalho entre 2 polfca, ajustiga ea priséo. justamente por suspeltar desse rol de argumentos que alguns estudiosos brasileiros vem procurando avaliar roposicées correntes tanto no senso comum quanto em Geterminadas correntes de pensamento que se auto-reco- nhecam como cientlficas. O modo pelo qual vém sendo preferenciaimente abordadas e questionedas as relagées entre industrslizegio, urbanizegéo © criminalidade, por exemplo, reside em averiguar o perfil social dos autores de illcito penal, ‘Quem ¢ afinal 0 delinqiente? Ao responder a esta inda- {gaco, os poucos estudos dispontveis t8m apontado resulta~ dos surpreendentes,indicativos de que inexiste correspon- déncia entre 2 identidade virtual (2) dos delingUentes e sua identidade real. Vale dizer, aquilo que parece caracterizar 0 delingiente no comporta comprovacao empfrics. O que tem sido ressaltado, nos estudos, & a acentuada similitude ‘entre 0 perfil da populegéo crimindsa @ o porfil da populagso fem geral, sobretudo a urbana, Os autores de ilfeitos penais fo, em sus grande maioria, recrutados entre a populagdo pobre, nos grupos jovens, de beixa escolaridade, carentes de habilitago profissional ¢, por isso mesmo, inseridos nos estratos mais inferiores da estrutura ocupacional (3). Entre os diferentes aspectos relacionados ou atribuldos 20 perfil de populacdo criminosa, o local de procedéncia, sobretudo 0 regional, éfreqdentemente invocado para justi- ficar uma natureza humana diferente daquela considereda normal. Nisto parece apoier-se o estigma do migrante inte- restadual, procedente de regi6es “atrasadas” onde o modo de vida dominante se definiria por padrdes de conduta e de relacionamento social incompativeis com equeles padrées vigertes nes grandes metrépoles. Sob esta ética, o migrante ‘nordestino” ~ reduzido com freqdéncie a “baiano" - & con- sideredo portedor de “cultura inferior”, rez8o por que é in- ‘capaz de compreender, assinalar e se ajustar aos valores da cultura urbana hiperdesenvolvida, estarie mais propenso a construir uma carreira delinqiencial, Cré-se mesmo que parcela do contingente de migrantes que envered pela de- lingiéneia seja passivel de recuperacSo mediante acesso a determinados bens da “civilizagio", como escolarizec3o aprendizado do trabalho especilizado. Enfim, sujeitos pas- siveis de convivio ordeiro com as pessoas consideradas normais. Outros, contudo, manifestariam um comport mento muito mais arredio. Considerados portadores de qualidades de caréter inadequadas as normas de urbenida- de, dominantes nos grandes centros urbanos, teis como Violéneia incontida e incontrolével, vinganga pessoal etc, esteriam menos propensos @ se sujeiterem aos programas reabilitadores implementados, por exemplo, nas prisGes. Estes seriam os delingdentes contumazes, profissionais in- veterados do crime, Em pesquisa que vimos realizando a propésito da rein- cid&ncia penitenciéria (4), pudemos contestar o inventério de razBes que procuram explicar tanto a criminalidade quanto © fenémeno enfocado, Ao estudar 0 perfil social dos reinci entes.penitenciérios, comparativamente 20s néo reinci= dentes, fomos conduzidos a interpreté-lo sob a perspectiva da complexa teia de relacdes que se estabelecem entre 0 funcionamento dos aparelhos encarregados de contengo & criminelidade ¢ da reparagdo social e segmentos da popula- 2) Tat econ de alates wun ng 2 ons on o- a Een, Nas ores acids Sa eva cera, Nota soa a anipulapse 6) COELHO, EC Acrininclizerdo ca margnaldads oa margnabarto da ening ‘iacs. Revista do Aiminiotngdo Pele, Ro co Janora, 2 Ur 19ST, hie 7 PAIRED Cine» cigineoe on Belg Hazon, 902-172, fe PIERO, ore, Grime, wolinels epogar So Paula, Srastionsy 1963, 1340. "Tr ABRED, §. Ado Estas’ ce Yenc nial ve ‘ntogoriascminas, Tema INES partons, tule cbt ‘ao Paulos Temas BHESG. Soe. pee, 3g Sto Paulo. So Paulo, ined s0b conve a Funcurdo Amero so Trae: For Pro}, 1966, nao), B 288, Rev. Sdo Paulo em Perspectiva, 1{2:36-38, jul./set, 1987 ¢fo urbane que constréem estratégias particulares de vida no intarior da delingdéncia, Entro as varidveis biogréficas examinadas, avoliomos comportamento de procedéncia regional dos sujeitos obser- vados. Observamos que @ maioria dos sujeitos que compu- seram o universo emplrico de investigago é natural do Es- tado de S8o Paulo (60% ern média), 11% em média natural de Mines Gersis, 8% em médie natural de Bahie, enquanto (08 demais estados apresentaram percentagens inferiores a 6%, Verifica-se que as percentagens esto equilibradas tanto para os reincidentes quanto para 0s ndo-reincidentes, como pode ser notado na Tabela 1. Tabela 1 DistribuigSo dos Reincidentes e Ndo-Reincidentes da Penitenciéria do Estado, Segundo Neturalidade Municipio de Sao Paulo 1985 ‘Nio-Reineldentes Freqiiéncis | % Reincidentes Frequtncia | _% Estado Natal TOTAL 7 Bore SILI Alagoas Batia.. Geard 2: Gods 22022102 Maranfigo’ 32.2 Minas Gerais’ |. Mato Grosso do Sui + 116 10,1 136100, 4 Sergive « ; Sao Paulo 1.11. Outro Pats 1210: erdenacria dos catabelecerice Peialéies Ses Secretaria cs Sogusnos Pesca SOP FORTE: Secreted ust Bape des Quando se comperam esses dados com aqueles releti- vos 8 naturalidade da populace masculina do Estado de S40 Paulo (Tebela 2) obtém-se um resultado que, em linhas ‘gerais, confirma o comportamento anteriormente observa- do, O'maior contingente desse populacko ¢ procedente do préprio Estado de S50 Paulo, seguido da populacSo mascu- lina natural dos Estados de Minas Gerais e da Bahia, perfil que, am verdade, traduz as bases demogréficas dessss uni- dades da Federecéo. ‘A leitura ¢ interpretagio comparative desses dados su- gerem, por conseguinte, que a condi¢io de migrante n8o indica uma inclinacao provavel para a delingdéncie, pois, no que concerne & nsturalidade, em termos de estruture, no 18 distinedo entre o perfil da'populago masculine do Esta- do de Séo Paulo e 0 perfil da populagéo de egressos peni- ‘enciérios no periodo enfocado na pesquisa. Ao que tudo parecem indicar os dados aqui transcritos, os autores de il Gitos penais em sua msioria néo s8o recrutados no interior de grupos migrantes. Resultado semelhante alcangaram Brant, V. C. etal (5) em estudo sobre 0 trabalhador preso no Estado de Sao Paulo, Esto estudo igualmente apontou para um equilfbrio entre proporgao de nordestinos na populacso deste estado que se encontra fora © dentro das cadeias. Seus resultados avangam no sentido de deslindar 2 hipStese felaz 8 medida 37

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