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INTRODUÇÃO
O rebaixamento do nível de consciência é o principal máticos atravessem facilmente essa barreira para dentro do
fator de risco para a broncoaspiração e posterior admissão tecido neural (edema vasogênico). A hipóxia (injúria secun-
na unidade de tratamento intensivo (UTI), que tem como dária) afeta a ATPase sódio/potássio da membrana celular,
objetivos detectar e tratar as complicações da lesão pri- promovendo acúmulo intracelular de sódio, e o subseqüente
mária e fornecer uma melhor condição para o retorno da fluxo de água para dentro da célula por gradiente osmótico.
função cerebral.(8) Portanto, pacientes com problemas re- Logo, o edema citotóxico também ocorre, porém em fase su-
lacionados ao sistema nervoso central (SNC) muitas vezes baguda e/ou crônica. Portanto, o edema vasogênico, acresci-
necessitam de assistência ventilatória por insuficiência res- do de possíveis áreas localizadas de hemorragias com efeito
piratória aguda (IRpA), nem sempre pela condição neuro- de massa, são os principais responsáveis pelo surgimento da
lógica em si, como a diminuição do drive respiratório, mas hipertensão intracraniana. Tais mecanismos atingem o pico
por afecções pulmonares.(9) em torno de três a cinco dias.(11,12)
A ventilação mecânica constitui um dispositivo terapêu- Mudanças no fluxo cerebral, inflamação e edema são
tico imprescindível em pacientes com TCE grave, uma vez componentes da patogênese das alterações nos tecidos cere-
que visa a proteção da via aérea, pela intubação endotraqueal, brais. O cérebro fica contido por uma estrutura rígida, não
e permite a sedação, inclusive curarização, evitando assim os complacente, onde um grau relativamente pequeno de tecido
danos causados pela hipoxemia e hipercapnia.(10) edemaciado pode aumentar a PIC. Este também possui um
Baseada nas terapêuticas ventilatórias adotadas nos úl- sistema especial de auto-regulação do fluxo sanguíneo cere-
timos anos em pacientes com TCE, principalmente os que bral (FSC), que é mantido, em condições normais, mesmo
apresentam hipertensão intracraniana (HIC), esta revisão com PAM variando entre 50 e 140 mmHg. A auto-regulação
teve o intuito de comparar as diferentes técnicas ventilatórias do FSC é conseguida pela rápida constricção e relaxamen-
empregadas no manuseio dos pacientes com TCE e as reper- to das arteríolas cerebrais e vênulas, em resposta aos fatores
cussões nos parâmetros de monitorização neurológica. químicos e endoteliais e a liberação de neurotransmissores de
neurônios adjacentes.(8)
MÉTODOS O FSC depende da diferença da pressão arterial e a pres-
são venosa cerebral, sendo inversamente proporcional a re-
Foi realizada uma revisão da literatura sobre o TCE, tendo sistência vascular cerebral. A PPC é calculada pela diferença
como referências publicações em inglês, espanhol e português, entre a PAM e a PIC. A PPC de 60 mmHg é comumente
cujos descritores foram trauma cranioencefálico, hipertensão aceita como o valor mínimo necessário para uma adequada
intracraniana, pressão intracraniana, pressão positiva expirató- perfusão cerebral.(11-13) A PIC é determinada pela pressão do
ria final (PEEP) e hiperventilação, contidas nas bases de da- parênquima cerebral, volume sanguíneo cerebral e volume de
dos: MedLine, SciELO e LILACS, publicados entre 2000 e líquor(3). O aumento da PIC é comum após o TCE, quando
2007. Foram selecionados estudos que abordavam diferentes a complacência intracraniana não consegue acomodar o au-
níveis de PEEP e a utilização de manobras de hiperventilação mento do volume. O valor normal da PIC em adultos é de
pulmonar no paciente adulto com TCE, agudo ou crônico, 10 mmHg, valores acima de 20 mmHg são indicativos de in-
assim como suas repercussões nos parâmetros neurológicos tervenção terapêutica. Valores entre 10 e 20 são considerados
Para avaliação dos estudos foram estabelecidos critérios, levemente aumentados e entre 20 e 40 mmHg, moderada-
de forma que se pudesse assegurar a qualidade dos trabalhos, mente elevados. Acima de 40 mmHg encontram-se os casos
como: (a) identificação do estudo quanto ao tipo de trata- graves de hipertensão intracraniana, quando herniações do
mento e como se procede a técnica; (b) característica meto- tecido nervoso podem ocorrer.(8,14)
dológica dos ensaios clínicos ou dos artigos de revisão. Na A hiperventilação pode reduzir a PIC pela hipocapnia que
avaliação dos atributos qualitativos, foram levadas em conta induz a vasoconstricção cerebral com conseqüente redução
a redução ou elevação da pressão intracraniana (PIC), assim do FSC. A indução rotineira de vasoconstricção pela hipo-
como normalização da pressão de perfusão cerebral (PPC) e capnia pode provocar uma redução adicional do FSC, o que
da pressão arterial média (PAM). agravaria o déficit perfusional, levando, posteriormente, a
uma isquemia cerebral.(9,15-17)
FISIOPATOLOGIA DO TRAUMATISMO CRÂ- A PEEP aumenta a capacidade residual funcional (CRF),
NIO ENCEFÁLICO previne o uso de alta fração inspirada de oxigênio (FiO2) e
pode reduzir a incidência de lesão induzida pela ventilação
Os mecanismos do TCE provocam disrupturas na barrei- mecânica. Porém, pode causar efeitos deletérios no compar-
ra hemato-encefálica permitindo que os componentes plas- timento cerebral pelo aumento da pressão intratorácica, que
Quadro 1 – Continuação
Referência Estudo Método Resultados Conclusão
Falcão ALE, E Hiperventilação otimizada PaCO2 ideal é aquela que O valor da PaCO2 é dinâmico e dependente da fase
et al. 2000(20) em PIC > 20 mmHg, con- mantém PIC < 20 mmHg, do TCE, devendo-se dar prioridade à manutenção
trolando a ECO2 e a PPC. ECO2 entre 24% e 42% e de uma adequada ECO2 para evitar isquemia cere-
PPC > 60 mmHg. bral.
Marik PE, R Manuseio atual do TCE. A hiperventilação profilá- Hiperventilação profilática e prolongada não são
Varon J, tica foi associada a piores recomendadas. PaCO2 inicial entre 35 e 40mmHg.
Trask T. prognósticos em relação a Curtas hiperventilações, como medida inicial, para
2004(21) normocapnia. redução da PIC em pacientes com deterioração ce-
rebral.
Valadka AB, R Abordagem do uso das Pior prognóstico no TCE O uso profilático da hiperventilação não é recomen-
Robertson técnicas “positivas” atuais grave tratado rotineira- dado, tornando-se a última escolha na HIC ou em
CS. 2007(22) no TCE. mente com hiperventila- nível normal ou elevado do FSC no início da HIC,
ção. assim como na lesão de massa craniana.
Vender J. R Hiperventilação agressiva, A vasoconstricção cere- A hiperventilação prolongada (PaCO2 < 25 mmHg)
2000(23) profilática ou prolongada bral, redução do FSC e do deve ser evitada na ausência de elevada PIC, assim
no controle da PIC. volume sanguíneo cerebral como a hiperventilação profilática nas primeiras 24
podem rapidamente dimi- h. Porém, a hiperventilação se mantém como terapia
nuir a PIC. de escolha no tratamento da PIC elevada.
Brain Trau- R Manuseio e prognóstico A hiperventilação pode Na ausência de elevada PIC, a iperventilação prolon-
ma Founda- no TCE grave. comprometer a perfusão gada (PaCO2 ≤ 25 mmHg) e a profilática (PaCO2 ≤
tion. 2000(24) cerebral em áreas de redu- 35 mmHg) nas primeiras 24 horas do TCE grave
ção do FSC. devem ser evitadas. A hiperventilação pode ser ne-
cessária na deterioração cerebral aguda ou em lon-
gos períodos de HIC refratária a sedação, paralisia,
drenagem do fluido cérebro-espinhal e diuréticos
osmóticos.
Helmy A, R Discussão do manuseio Redução da PaCO2 causa Não é recomendada a hiperventilação profilática du-
Vyzcaychipi intensivo do TCE grave. vasoconstricção cerebral e rante as primeiras 24 horas, se necessária, deve ser
M, Gupta diminuição do FSC, que realizada na unidade de tratamento intensivo.
AK. 2007(25) reduz a PIC.
R- revisão; E - ensaio clínico; PPC – pressão de perfusão cerebral; PaCO2 – pressão parcial de gás carbônico; PIC – pressão intracranina; HIC – hipertensão
intracraniana; FSC – fluxo sanguineo cerebral; TCE – traumatismo cranioencefálico; SjO2 – saturação venosa jugular de oxigênio; ECO2 – extração cerebral
de oxigênio.
Nas primeiras horas após o TCE, os valores absolutos do prolongada, deverão ser monitorizadas a saturação venosa
FSC equiparam-se aos de um evento isquêmico, sendo assim jugular de oxigênio (SjO2) e a pressão parcial de oxigênio no
a manobra de hiperventilação nem sempre diminui a PIC tecido cerebral (PbrO2).(14)
para melhorar a PPC, O valor ideal da PaCO2 é aquele que Dados clínicos demonstraram pior prognóstico no TCE
mantém a PIC < 20 mmHg e a extração cerebral de oxigênio grave tratados rotineiramente com hiperventilação. Existindo
(ECO2) entre 24 % e 42 % para evitar isquemia cerebral.(20) duas situações na qual a hiperventilação se torna apropriada:
A PaCO2 deverá ser mantida entre 35mmHg e 40mmHg, (1) tratamento da HIC de difícil controle; (2) FSC em nível
enquanto que a hiperventilação fica reservada para casos em normal ou elevado ao início da HIC. Também, na ocorrên-
que haja herniação cerebral.(15,21) cia de deterioração cerebral com suspeita de lesão de massa
Não são recomendadas as manobras de hiperventila- craniana.(22)
ção profilática e prolongada durante as primeiras 24 ho- A hiperventilação pode ser necessária em períodos onde
ras,(10,13,14,16,17,19,22-24) ou fora da unidade de tratamento inten- haja deterioração cerebral aguda ou em longos períodos de
sivo.(25) A hiperventilação está recomendada em casos que HIC refratária a sedação, paralisia, drenagem do fluido cére-
haja monitorização da PIC,(16) sendo indicada por curto perí- bro-espinhal e diuréticos osmóticos.(24)
odo nos episódios de elevação da mesma. Na hiperventilação De forma agressiva, a hiperventilação produz sítios de
isquemia cerebral. Se após a drenagem do líquor a PIC per- riando de 0 a 15 cmH2O e sugerem que a PEEP pode ser uti-
manecer entre 20 a 25 mmHg, deve-se aplicar a hiperventi- lizada, haja visto não ter havido incrementos estatisticamente
lação na tentativa de manter PaCO2 entre 30 a 35 mmHg. significantes da PIC.(4,14,27,29,30) Videtta et al. observaram au-
Quando presente HIC refratária a fármacos e a procedimen- mento significativo da PIC em PEEP de 10 a 15 cmH2O,
tos cirúrgicos, deve-se manter a PaCO2 < 30 mmHg, com não havendo mudanças significativas na PPC. (28) Gamberoni
monitorização da SjO2 e do FSC.(17) et al. evidenciaram mudanças na mecânica respiratória de-
vido ao TCE(26) e três artigos mostraram que, em pacientes
Utilização de pressão positiva expiratória final com baixa complacência pulmonar, a utilização da PEEP não
Entre os artigos sobre a PEEP, cinco incluem níveis va- produz variações significativas na PIC (Quadro 2).(14,18,25)
Quadro 2 – Continuação
Referência Estudo Método Resultados Conclusão
Georgiadis D, E Aumento da PEEP (4, 8, 12 e 4 A PPC variou significativamente. Em Incremento da PEEP até 12
et al. 2001(27) cmH2O) em 20 pacientes por 5 15 pacientes, os parâmetros perma- mmHg não tem influência sig-
min, em cada valor, e mensurada neceram estáveis. Em 7, um pequeno nificativa nos valores da PIC.
PAM, PIC, frequência respiratória aumento na PIC foi relatado na PAM. A aplicação da PEEP é segura,
e VmMCA. Em 3, o aumento da PEEP gerou de- permitindo que a PAM seja
créscimo da PAM e VmMCA, com mantida.
PIC estável ou leve declínio.
Videtta W, et E Investigar a PIC e a PPC em dife- A PEEP de 10 a 15 cmH2O produziu A elevação da PIC é um efei-
al. 2002(28) rentes níveis de PEEP. 20 pacien- um significante aumento da PIC (mé- to normal ao incremento da
tes em VM com monitorização da dia de +11,6 mmHg e +14,6 mmHg PEEP, devendo-se atentar para
PIC. 10 com TCE grave, 5 com respectivamente), porém mudanças mudanças na PPC.
hemorragia intracerebral espontâ- insignificantes na PPC.
nea e 5 com hemorragia subarac-
nóidea. A PEEP foi elevada de 5
até 15 cmH2O, de 5 em 5 cmH2O.
Após, no mínimo, 10 minutos de
permanência, foram mensuradas a
PIC e PPC.
Huynh T, et E Incremento gradual da PEEP em Houve decréscimo na PIC de: A estratégia de incremento da
al. 2002(29) 3 grupos aleatórios de pacientes (1) 5,9 ± 0,1 mmHg PEEP não está associada com
com TCE grave e disfunção pul- (2) 8,3 ± 0,2 mmHg o comprometimento do trans-
monar: (3) 12,0 ± 0,3 mmHg porte de O2 nem na exacerba-
(1) 0 a 5 cmH2O ção da HIC.
(2) 6 a 10 cmH2O
(3) 11 a 15 cmH2O
Mascia L, R Manuseio ventilatório no TCE Os efeitos no FSC dependerão da A PIC não irá se alterar, quan-
Majorano M. agudo e os efeitos da PEEP. complacência intracraniana e do valor do o incremento da PVC pela
2000 (30) absoluto da PIC, além dos efeitos he- PEEP estiver abaixo do valor
modinâmicos com a melhora da injú- da PIC.
ria pulmonar.
R – revisão; E - ensaio clínico; PPC – pressão de perfusão cerebral; PEEP – pressão expiratória final positiva; Vt – volume corrente; VM – ventitação mecâ-
nica; PaCO2 – pressão parcial de gás carbônico; PVC – pressão venosa central; PAM – pressão arterial média; PIC – pressão intracranina; HIC – hipertensão
intracraniana; FSC – fluxo sanguíneo cerebral; TCE – traumatismo cranioencefálico; SjO2 – saturação venosa jugular de oxigênio.
Graus moderados da PEEP, iguais a 15 cmH2O, ou mes- O controle cuidadoso da pressão de platô, até 30 cmH2O,
mo níveis mais altos podem com segurança serem usados na deve ser uma prática razoável com devida fiscalização da PIC
conduta de pacientes com lesão cerebral, particularmente e da PPC quando houver elevação da PaCO2.(14) Não usar
quando em baixa complacência pulmonar.(26) Foi observado ou usar baixos níveis de PEEP para evitar uma elevação da
e sugerido que o uso da PEEP até 12 cmH2O resultavam em PIC é inadequado, pois deixa de corrigir a hipoxemia, que
um aumento insignificante da PIC.(27) pode diminuir a PIC por uma melhor oxigenação cere-
A aplicação da PEEP em níveis de 10 e 15 cmH2O au- bral.(4,25) O efeito da PEEP na circulação cerebral depende
mentou significativamente a PIC sem alteração importante da complacência intracraniana e do valor absoluto da PIC.
na PPC, em pacientes com lesão pulmonar aguda (LPA).(28) A PIC não será afetada enquanto estiver acima da PVC
O aumento dos níveis da PEEP de 0 a 12 cmH2O gera gerada pela PEEP.(30)
uma redução da PAM nos pacientes com complacência nor- Devido a problemas metodológicos, os estudos epidemio-
mal e esses mesmos valores em pacientes com baixa com- lógicos sobre TCE são escassos, sendo essa dificuldade encon-
placência não acarretam variações significativas. Portanto, a trada inclusive nos países mais desenvolvidos.(31) O manuseio
complacência respiratória normal é um dos fatores que auxi- ventilatório embasado em conhecimentos científicos nesses
liam na transmissão dos efeitos deletérios da PEEP ao sistema pacientes torna-se necessário, podendo interferir no prognós-
intracraniano.(18) tico dos mesmos.
The study intended to make a critical review on use of pul- Keywords: Brain trauma; Intracranial hypertension; Intra-
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