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Apophthegma é uma palavra grega que significa "dito breve", por conseguinte se
aplica a sentenças ou máximas. "Apoftegmas dos Padres" refere-se ao conjunto de
sentenças breves proferidas pelos antigos padres cristãos que viviam em sua maioria
no deserto, praticando oração e asceses; eram sentenças que propunham uma
doutrina, uma norma de vida espiritual, ou narravam um episódio instrutivo,
edificante, da vida desses ascetas; referiam assim ditos ou feitos de famosos homens
de virtude. (D. Estêvão Bettencourt)
1. O santo Abade Antão, certa vez sentado no deserto, foi acometido de acedia e
grande turbilhão de pensamentos; disse então a Deus: «Senhor, quero ser salvo, e
não me deixam os pensamentos; que farei na minha tribulação ? Como serei salvo ?»
Pouco depois, levantando-se para sair, Antão viu alguém, semelhante a ele mesmo,
sentado e trabalhando, a seguir levantando-se do trabalho e rezando, para de novo
sentar-se e tecer a corda, e mais uma vez levantar-se para a oração; era um anjo do
Senhor mandado para reerguer e robustecer Antão. Ora, este ouviu o anjo dizer:
«Faze assim, e serás salvo». Ao ouvir isto, Antão muito se alegrou e animou, e, assim
fazendo, era salvo.
«Senhor, por que é que alguns homens morrem após breve vida, enquanto outros se
tornam extremamente velhos? E por que é que alguns são pobres e outros ricos? E por
que é que os injustos se enriquecem, enquanto os justos sofrem necessidade?» Veio-
lhe, então, uma voz, dizendo: «Antão, cuida de ti mesmo, pois isto são juízos de
Deus, e não te convém penetrá-los».
3. Alguém interrogou o Abade Antão: «Que devo observar para agradar a Deus?» O
ancião respondeu: «Observa o que te mando- em qualquer lugar para onde vás, tem
sempre Deus ante os olhos; qualquer coisa que faças, procura ter o testemunho das
Sagradas Escrituras: e, de qualquer lugar em que residas, não te movas facilmente.
Observa estas três coisas, e serás salvo».
5. O mesmo disse: «Ninguém sem tentação poderá entrar no reino dos céus».
«Suprime», disse, «as tentações, e ninguém será salvo».
6. O Abade Pambo interrogou o Abade Antão: «Que farei?» Disse-lhe o ancião: «Não
confies em tua justiça, nem te arrependas do que já passou (isto é, de faltas já
lamentadas e perdoadas), e sê continente de língua e de ventre».
7. Disse o Abade Antão: «Vi todas as armadilhas do inimigo estendidas sobre a terra,
e, gemendo, perguntei: 'Quem escapará a elas?'. Ouvi então uma voz que me dizia: 'A
humildade'».
8. Disse de novo: «Há alguns que consomem o corpo em ascese, e, por não terem
discrição, se afastam de Deus».
9. Disse de novo: «Do próximo dependem a vida e a morte; pois, se lucramos o nosso
irmão, lucramos a Deus. Se, porém, escandalizamos o irmão, pecamos contra Cristo».
10. Disse ainda: «Como os peixes que se demoram na terra seca, morrem, assim
também os monges, permanecendo fora da cela, ou vivendo com seculares, se
relaxam da tensão da vida recolhida, é preciso, pois, que, como o peixe para o mar,
assim também nos apressemos para a cela, para que não aconteça que, demorando-
nos fora, esqueçamos a guarda interior».
12. Alguns irmãos foram ter com o Abade Antão para contar-lhe visões que tinham
tido, e dele saber se eram genuínas ou demoníacas. Ora eles tinham um asno, que
morreu pelo caminho. Quando, pois, chegaram à cela do ancião, este, antecipando-
os, perguntou-lhes: «Como morreu o vosso burrinho pela estrada ?» Interrogaram-no:
«Donde o sabes, Abade?» Este lhes respondeu: «Os demônios mostraram-mo».
Disseram-lhe então: «Por isto viemos perguntar-te, a fim de que não nos enganemos:
temos visões, as quais muitas vezes correspondem à realidade». Ora o ancião
convenceu-os, pelo exemplo do asno, de que eram visões diabólicas.
13. Estava alguém no deserto a caçar animais selvagens, quando viu o Abade Antão
em conversa alegre com os irmãos. O ancião, querendo então persuadi-lo de que é
preciso de vez em quando condescender com os irmãos, disse-lhe: «Põe uma seta no
teu arco, e deixa-o teso». Aquele assim fez. Disse-lhe de novo: «Entesa-o mais». Ele
o fez. E novamente: «Distende-o mais». Replicou-lhe o caçador: «Se o estender além
da medida, romper-se-á o arco». Ao que o ancião respondeu: «Assim também é para
a obra de Deus: se além da medida entesarmos os irmãos, em breve romper-se-ão. É
necessário, pois, de quando em quando condescender com eles». Ouvido isto, o
caçador foi tocado de compunção, e, levando muito proveito, que lhe comunicara o
ancião, retirou-se, enquanto os irmãos, confirmados, voltavam para sua morada.
14. O Abade Antão ouviu que certo jovem monge fizera um milagre pela estrada:
tendo ele visto alguns anciãos em viagem fatigados pelo caminho, mandou a asnos
selvagens que se aproximassem e carregassem os anciãos até chegarem à cela de
Antão. Ora os velhos referiram isto a Antão. Este disse-lhes: «Para mim este monge
se parece com uma nave cheia de mercadorias; não sei se chegará ao porto». E, após
certo tempo, o Abade Antão de repente pôs-se a chorar e puxar-se os cabelos e
lamentar-se. Perguntaram-lhe então os discípulos: «Por que choras, Abade ?»
Respondeu: «Grande coluna da Igreja acaba de cair» (falava do jovem monge) «mas
ide até ele», disse, «e vede o que aconteceu». Foram-se, pois, os discípulos e
encontraram o monge sentado sobre o seu colchão e chorando o pecado que
cometera. Ao ver os discípulos do Abade, disse: «Pedi ao ancião que rogue a Deus a
fim de que me conceda dez dias apenas, no fim dos quais espero ter satisfeito».
Dentro de cinco dias, porém, o jovem morreu.
15. Certo monge foi louvado pelos irmãos junto ao Abade Antão. Ora este,
recebendo-o em visita, quis experimentar se sabia suportar uma injúria ; e, tendo
verificado que não, disse-lhe: «Assemelhas-te a uma aldeia bem ornada na sua parte
anterior, mas por trás despojada pelos ladrões».
16. Um irmão pediu ao Abade Antão: «Reza por mim». Disse-lhe o ancião: «Nem eu
terei compaixão de ti, nem Deus, se tu mesmo não te encheres de zelo e rogares a
Deus».
17. Alguns anciãos aproximaram-se certa vez do Abade Antão, estando o Abade José
com eles.
18. Alguns irmãos iam da Cétia (NT: Famosa região do Egito habitada pelos monges)
em visita ao Abade Antão. Ao subirem no barco para viajar, encontraram um velho
que lá também queria chegar. Os irmãos não o conheciam. Ora, tendo-se sentado no
barco, estes proferiam ditos dos Padres, da Escritura e falavam também do seu
trabalho manual, enquanto o ancião, do seu lado, permanecia calado. Quando
chegaram ao ancoradouro, evidenciou-se que igualmente o velho ia ter com o Abade
Antão. Ao se aproximarem deste, disse Antão aos irmãos: «Encontrastes boa
companhia de viagem, que é este velho»; e ao velho: «Encontraste bons irmãos
contigo, Abade». Disse o velho: «São bons, sim, mas o quintal deles não tem porta;
quem quer, entra no estábulo e solta o burro». Disse isto, porque proferiam tudo que
lhes vinha à boca.
19. Alguns irmãos chegaram-se ao Abade Antão e pediram-lhe: «Dize-nos uma palavra
pela qual sejamos salvos». Respondeu-lhes o ancião: «Escutastes a Escritura? Está
bem para vós». Eles, porém, replicaram: «Também de ti queremos escutar alguma
coisa, Pai». Retrucou-lhes: «O Evangelho diz: 'Se alguém te esbofeteia na face
direita, oferece-lhe também a outra'» (Lc 5, 39). Disseram-lhe: «Não podemos fazer
isto». Respondeu-lhes o ancião: «Se não podeis oferecer também a outra, suportai ao
menos numa face. Replicaram-lhe: «Nem isto o podemos». O ancião então disse: «Se
nem isto podeis, não retribuais o golpe que recebestes». E responderam: «Também
isto, não o podemos». Então o ancião mandou ao seu discípulo: «Prepara-lhes um
pouco de mingau, pois estão doentes. Se não podeis isto, e não quereis aquilo, que
vos farei? Precisais de orações».
20. Um irmão que renunciara ao mundo e distribuíra os seus bens aos pobres,
retendo, porém, alguma pouca coisa para si, apresentou-se ao Abade Antão. Este, ao
saber disto, disse-lhe: «Se te queres tornar monge, vai àquela aldeia, compra carnes,
aplica-as ao teu corpo nu, e, em tais condições, volta para cá». O irmão tendo feito
assim, os cães e pássaros dilaceravam-lhe o corpo. Ora, ao encontrar-se com o
ancião, este perguntou-lhe se fizera como havia aconselhado. O irmão mostrou-lhe
então o corpo todo dilacerado; ao que disse santo Antão: «Aqueles que renunciaram
ao mundo e ainda querem ter bens, são dessa forma despedaçados pelos demônios na
luta».
21. A certo irmão sobreveio uma vez uma tentação no cenóbio do Abade Elias. De lá
expulso, foi ter com o Abade Antão no monte. Quando o irmão já estava certo tempo
com ele, Antão mandou-o regressar para o mosteiro donde viera. Ao vê-lo, porém, os
monges de novo o expulsaram, e o irmão voltou ao Abade Antão dizendo: «Não me
quiseram receber, Pai». O ancião enviou-o de novo, mandando dizer: «Um barco
naufragou no mar, perdeu a carga, e esta com dificuldade foi salva e levada para a
terra; vós, porém, quereis atirar ao mar o que foi salvo». Ora, os monges, tendo
ouvido que o Abade Antão o enviara, receberam-no logo.
22. O Abade Antão disse: «Julgo que o corpo tem um movimento natural, que lhe é
bem conforme, mas não age quando a alma não quer; esta só lhe indica movimentos
desapaixonados. Há, além desta, outra espécie de movimentos, que provém do fato
de que se alimenta e aquece o corpo com comida e bebida: o calor que o sangue
recebe destas, excita o corpo a agir; por isto o Apóstolo dizia: 'Não vos inebrieis com
vinho, no qual há luxúria' (Ef 5, 18). Também o Senhor no Evangelho mandou aos
discípulos: 'Cuidai para que não se tornem pesados os vossos corações em crápula e
embriaguez' (Lc 21, 34). Há ainda uma outra espécie de movimentos, que é própria
dos que lutam, e sobrevém por maquinação e inveja dos demônios. Assim é preciso
saber que três são as espécies de movimentos do corpo: uma natural, outra província
do consumo dos diversos alimentos, e a terceira causada pelos demônios».
23. Disse também que Deus não permite desçam os combates sobre esta geração
como sobre as antigas, pois sabe que é fraca e não sustenta.
24. Ao Abade Antão no deserto foi revelado: «Na cidade há alguém semelhante a ti,
médico de profissão, o qual distribui aos indigentes o que tem de supérfluo, e o dia
inteiro canta o Trisagion ("Santo, Santo, Santo...") com os anjos».
25. Disse o Abade Antão: «Tempo virá em que os homens enlouquecerão, e, ao verem
alguém que não esteja louco, se erguerão contra ele, dizendo: 'Tu és louco', porque
não será semelhante a eles».
27. Três dos Padres costumavam ir ter todos os anos com o bem-aventurado Antão;
dois deles interrogavam-no sobre pensamentos e salvação da alma, enquanto o
terceiro se calava de todo e nada perguntava. Depois de muito, disse-lhe o Abade
Antão: «Eis tanto tempo há que aqui vens e nada me perguntas». Ao que respondeu:
«Basta-me ver-te, ó Pai».
28. Diziam que um dos anciãos pedira a Deus a graça de ver os Padres. De fato, viu-
os sem o Abade Antão; perguntou, então, a quem lhos mostrava: «Onde está o Abade
Antão ?» Aquele respondeu-lhe: «No lugar em que Deus está, aí está ele».
31. Certa vez o Abade Antão recebeu uma carta do Imperador Constando, que o
chamava a Constantinopla. Deliberava sobre o que faria, quando perguntou ao Abade
Paulo, seu discípulo: «Devo ir?» Este respondeu-lhe: «Se vais, mereces o nome Antão;
se não vais, Abade Antão.
32. O Abade Antão disse: «Já não temo a Deus, mas amo-o. Pois 'a caridade expele o
temor'» (1Jo 4, 18).
33. O mesmo disse: «Tem sempre ante os olhos o temor de Deus. Recorda-te daquele
que 'leva à morte e traz à vida' (1Sm 2, 6). Odiai o mundo e tudo que nele há. Odiai
todo repouso da carne. Renunciai a esta vida, a fim de viverdes para Deus. Recordai-
vos do que prometestes a Deus, pois Ele o pedirá de vós no dia do juízo. Sofrei fome,
sede, suportai a nudez, vigiai, arrependei-vos, chorai, gemei no vosso coração;
provai-vos, a saber se sois dignos de Deus; desprezai a carne, para salvar as vossas
almas».
34. Certa vez o Abade Antão foi ter com o Abade Amum na montanha da Nítria.
Quando se viram juntos, disse-lhe o Abade Amum: «Já que pelas tuas orações se
multiplicaram os irmãos, e alguns deles querem construir moradas longínquas para
ter tranqüilidade, a que distância daqui mandas sejam construídas as novas
moradas?» Ele respondeu: «Comamos à hora nona; depois saiamos, percorramos o
deserto e examinemos o lugar». Tendo eles caminhado pelo deserto até o pôr-do-sol,
disse o Abade Antão: «Façamos oração e finquemos aqui uma cruz; aqui construam os
que o querem, a fim de que os monges de lá, quando visitarem os daqui depois de ter
comido o seu magro bocado à hora nona, venham assim (NT: isto é, assim como nós
viemos: sem ter que violar a praxe do jejum até a hora nona (três horas da tarde), e,
não obstante, chegando em boa hora, ao pôr do sol, ao termo da viagem), e a fim de
que os daqui, quando saírem, façam o mesmo, o nem uns nem outros sofram
perturbarão pelas visitas mútuas» (NT: o que quer dizer: Não sejam os exercícios de
ascese prejudicados pela louvável prática de se visitarem uns aos outros). Ora a
distância era do doze milhas.
35. Disse o Abade Antão: «Quem bate a massa de ferro, delibera primeiro o que fará:
foice, espada ou machado. Assim também nós devemos deliberar qual virtude
procuraremos adquirir, para que não trabalhemos em vão».
37. Disse de novo: «Conheço monges que, após muitas fadigas, caíram, e perderam o
controle da mente, porque nutriram esperança nas suas próprias obras e
negligenciaram o preceito daquele que disse: 'Interroga teu pai, e ele te anunciará'
(Dt 32, 7).
38. Disse também: «Se possível, o monge deve confiante dizer aos anciãos quantos
passos dá ou quantas gotas bebe na cela, para se certificar de que não ofende nessas
práticas».
2. APOTEGMAS DE EVÁGRIO
1. Disse o Abade Evágrio: «Quando estiveres sentado na cela, recolhe o teu espírito,
recorda-te do dia da morte, considera o desfalecimento do corpo, pensa na desgraça;
assume a labuta, condena a loucura que há pelo mundo, e isto, para que possas
permanecer sempre no propósito de vida retirada e não fraquejes. Lembra-te
também da situação no inferno: medita como lá estão as almas, em que mui terrível
silêncio, em que acutíssimo gemido, em qual temor, luta e anseio; considera o
tormento que não terminará, as lágrimas da alma que não cessarão. Mas recorda-te
também do dia da ressurreição e do comparecimento diante de Deus; imagina aquele
juízo que arrepia e atemoriza. Revolve em tua mente o que está destinado aos
pecadores: vergonha diante de Deus, dos anjos, arcanjos e de todos os homens, ou
seja, suplícios, fogo eterno, o verme que não dorme, o tártaro, as trevas, o ranger de
dentes, os terrores e os tormentos. Revolve em mente ainda os bens que estão
destinados aos justos: intimidade familiar com Deus Pai e seu Cristo, com os anjos e
arcanjos, com toda a multidão dos Santos; o reino dos céus e os dons deste, a alegria
e o gozo deste. Incute a ti mesmo a recordação destes dois destinos; e, a propósito
do julgamento dos pecadores, derrama lágrimas, concebe dor, temendo que também
tu sejas contado entre eles; a respeito dos prêmios dos justos, alegra-te e rejubila-
te. Procura entrar no gozo destes, e alheia-te daqueles. Cuida para que em tempo
nenhum, quer estejas dentro da cela, quer fora, percas a recordação destas coisas, a
fim de que, ao menos assim, evites os pensamentos impuros e nocivos».
2. Disse também: «Deixa de ter relações com muitos homens, a fim de que a tua
mente não se torne agitada, e perturbe a habitual tranqüilidade (hesychia)».
3. Disse mais : «Grande coisa é rezar sem distração; ainda maior, porém, é salmodiar
sem distração».
4. Disse ainda: «Recorda-te sempre de tua partida deste mundo, e não esqueças o
juízo eterno; assim não haverá pecado em tua alma».
6. Disse ainda : «Um dos Padres assim falava : 'Um regime de vida duro e não
inconstante (regular), unido à caridade, leva muito rapidamente o monge ao porto da
apatia (apatheia)'» (NT: vitória sobre as paixões).
7. Houve certa vez nas Célias uma reunião de conselho a respeito de determinada
questão. O Abade Evágrio então falou; depois do que, disse-lhe o presbítero:
«Sabemos, ó Abade, que, se estivesses em tua terra, terias sido feito freqüentes
vezes bispo e chefe de muitos; agora, porém, é como estrangeiro que resides aqui».
Evágrio, compungido, não se perturbou, mas, movendo a cabeça, disse-lhe: «Em
verdade é assim, ó Pai; falei uma vez, não voltarei a falar segunda vez» (NT: citação
de Jó 40, 5).
2. O mesmo referiu o seguinte: «Havia um ancião, a quem uma santa virgem servia.
Os homens, porém, diziam: 'Eles não são puros'. Este rumor chegou aos ouvidos do
ancião. Quando, pois estava para morrer, disse aos Padres: Após a minha morte,
plantai o meu bastão sobre a sepultura; se germinar e der fruto, sabei que sou puro
com esta virgem; se, porém, não germinar, concluí que caí com ela». Ora o bastão
foi plantado; e no terceiro dia germinou e deu fruto. Todos, então, glorificaram a
Deus».
3. Contou ainda: «Chegamos à cela de outro ancião, o qual nos fez comer. Quando já
estávamos satisfeitos, convidou-nos a tomar mais alguma coisa. Como eu lhe dissesse
que não podia mais, respondeu-me: 'Por seis vezes que chegaram irmãos, pus a mesa,
e, convidando-os vez por vez, comi com eles; e ainda tenho fome. Tu, porém, tendo
comido uma vez, de tal modo te saciaste que não podes mais comer'».
4. O mesmo narrou de novo: «O Abade João, preposto de um cenóbio, foi ter com o
Abade Paésio, que já por quarenta anos vivia no mais retirado recanto do deserto. Já
que o Abade João possuía grande caridade para com o Abade Paésio e, em
conseqüência, tinha certa liberdade de lhe falar, perguntou-lhe: 'Que fizeste de bom,
vivendo por tanto tempo a sós, sem que os homens te pudessem perturbar
facilmente?' Respondeu: 'Desde que vivo solitário, o sol nunca me viu comer'. Disse
por sua vez o Abade João: 'Nem a mim viu irado'».
5. O mesmo Abade João, perto de morrer, estava animado e alegre por partir para
junto de Deus.
Cercaram-no então os irmãos, pedindo-lhe que lhes deixasse como herança uma
palavra breve e salvífica, pela qual pudessem chegar à perfeição em Cristo. O ancião
gemeu e disse: «Nunca fiz a própria vontade, nem ensinei a alguém o que antes não
tivesse praticado».
6. A respeito de outro ancião, que residia no deserto, o Abade Cassiano contou que
rogou a Deus, lhe desse a graça de nunca adormecer durante algum colóquio
espiritual; caso, porém, alguém proferisse palavras maldizentes ou ociosas, caísse
logo no sono, para que seus ouvidos não recebessem ta] veneno. Dizia que o demônio
é zeloso das palavras ociosas, e adversário de todo ensinamento espiritual; o que ele
ilustrava com este caso: «Certa vez, quando eu falava a alguns irmãos de coisas de
proveito espiritual, foram tomados de tão pesado sono que nem podiam mover as
pálpebras. Eu, então, querendo mostrar a ação do demônio, introduzi um dito ocioso;
eles, em conseqüência, despertaram-se e alegraram-se profundamente. Gemendo,
pois, disse: 'Enquanto falávamos de coisas celestiais, os olhos de todos vós estavam
dominados pelo sono; quando, porém, escapou uma palavra ociosa, todos com ânimo
vos acordastes. Por isto, irmãos, exorto-vos: reconhecei a ação do mau demônio, e
vigiai, guardando-vos do torpor, quando fizerdes ou ouvirdes algo de espiritual'».
8. Disse ainda: «Havia um monge que residia numa gruta no deserto, ao qual os
familiares conforme a carne comunicaram o seguinte: 'Teu pai está gravemente
enfermo e prestes a morrer; vem para receber a herança'. O monge respondeu-lhes:
'Antes dele, eu morri para o mundo; um morto não recebe herança de um vivo'».
1. Disse o Abade Nilo: «O que quer que faças para te vingares do irmão que te
injuriou, isso tudo voltará ao teu coração no tempo da oração.
4. Disse ainda: «Vai, vende o que tens, e dá-o aos pobres. A seguir, toma a tua cruz e
renuncia a ti mesmo, para que possas orar sem distração».
5. Disse mais: «Tudo que suportares sabiamente, recolherás disso o fruto no tempo
de oração».
6. Disse também: «Se queres rezar como deves, não deixes que a tristeza se apodere
de tua alma; se deixas, é em vão que corres».
7. Disse de novo: «Não queiras que as tuas coisas corram como te parece bem, mas
como agrada a Deus. Assim serás isento de perturbação e agradável em tua oração».
9. Disse mais: «O monge que ama o retiro, fica ileso dos dardos do inimigo. Aquele,
porém, que se junta às multidões, recebe golpes contínuos».
10. Disse de novo: «O servo que negligencia as obras do seu senhor, prepare-se para
os flagelos».
5. APOTEGMAS DE MACÁRIO
2. Certa vez Macário o Egípcio foi da Cétia à montanha da Nítria para participar da
oblação do Abade Pambo. Pediram-lhe então os anciãos: «Dize uma palavra aos
irmãos, ó Pai». Ele respondeu: «Eu ainda não me tornei monge, mas vi monges. Pois
em dada ocasião, estando eu na Cétia sentado na cela, atormentaram-me os
pensamentos sugerindo-me: 'Vai para o deserto, e considera o que lá se te deparar'.
Fiquei em luta com este pensamento durante cinco anos, dizendo-me: 'Não seja ele
inspirado pelo demônio'. Visto, porém, que o pensamento persistia, fui para o
deserto; lá encontrei um lago com uma ilha no meio, aonde os animais do deserto
iam beber. Entre os animais vi dois homens nus, o que fez estremecer meu corpo,
pois julguei que fossem espíritos. Eles, porém, vendo-me atemorizado, disseram-me:
'Não temas; também nós somos homens'. 'Perguntei-lhes então: 'Donde sois, e como
viestes para este deserto?' Responderam: 'Somos de um cenóbio; combinamos vir
juntos para cá, e eis quarenta anos que aqui estamos e um de nós é Egípcio, e outro
Líbio'. A seguir, eles, por sua vez, me interrogaram: 'Como está o mundo? Cai a água
em seu tempo? Tem o mundo sua prosperidade habitual?' Respondi-lhes: 'Sim'. De
novo interroguei-os: 'Como posso tornar-me monge?' Responderam-me: 'Se alguém
não renuncia a tudo que é do mundo, não se pode tornar monge'. 'Repliquei: 'Eu sou
fraco, e não posso fazer o mesmo que vós'. Observaram eles: 'Se não podes fazer o
mesmo que nós, senta-te em tua cela, e chora os teus pecados'. Perguntei-lhes
ainda: 'Quando é inverno, não sentis frio? E, quando faz calor, não se queimam os
vossos corpos?' 'Responderam: 'Deus nos fez esta graça: nem sentimos frio no inverno,
nem nos prejudica o calor no verão'. É por isto que vos disse que ainda não me tornei
monge, mas vi monges. Perdoai-me, irmãos».
4. O Abade Macário, o Grande, foi ter com o Abade na montanha. Tendo batido à
porta, este veio-lhe ao encontro e perguntou: «Tu quem és?» Respondeu: «Sou
Macário». Antão fechou a porta, deixando-o fora. Notando, porém, a paciência dele,
abriu-lhe e disse-lhe com muita graça: «Há muito tempo desejava ver-te, pois ouvira
falar de ti». Recebeu-o então hospitaleiramente, e restaurou-lhe as forças, pois
estava muito cansado. Ao pôr do sol, o Abade Antão umedeceu para si algumas
palmas; o Abade Macário disse: «Manda que também eu umedeça algumas palmas
para mim». Aquele respondeu: «Umedece». Fez, então, um feixe grande, umedeceu-
O; e ficaram os dois sentados desde o cair da noite, falando da salvação da alma e
tecendo, de tal modo que a corda chegava a cair pela janela para dentro da gruta.
De manhã, ao entrar, o Abade Antão viu a grande quantidade de cordame do Abade
Macário e disse: «Muita força procede dessas mãos».
8. O Abade Pedro contou, a respeito de São Macário, que foi ter uma vez com um
anacoreta e o encontrou doente; perguntou-lhe, então, o que queria comer, pois
nada tinha em sua cela. Aquele respondeu: «Uma broinha de farinha». Em
conseqüência, o corajoso Abade não hesitou em ir à cidade de Alexandria e satisfazer
assim o doente. O admirável é que o feito a ninguém se tornou notório.
9. Referiu também que o Abade Macário vivia em simplicidade e inocência com todos
os irmãos; alguns então perguntaram-lhe: «Por que te comportas assim?» Respondeu:
«Doze anos servi ao meu Senhor para que me desse esta graça; e todos vós me
aconselhais que a rejeite?»
10. Diziam do Abade Macário que, quando se permitia certo lazer em companhia dos
irmãos, estabelecia para si o seguinte princípio «Se houver vinho, bebe por causa dos
irmãos, e, em troca de um cálice de vinho, deixa de beber água durante o dia». Ora
os irmãos ofereciam-lhe vinho para restaurar-lhe as forças. O ancião o aceitava com
alegria para mortificar-se. O seu discípulo, porém, que sabia o que se dava, dizia aos
irmãos: «Por amor do Senhor, não lhe ofereçais; senão, ele se macerará na cela».
Informados disso, os irmãos não lhe ofereciam mais vinho.
11. Quando certa vez o Abade Macário se dirigia do pântano para a sua cela,
carregando palmas, eis que lhe foi ao encontro na estrada o demônio, trazendo uma
foice. Este quis espancá-lo, mas não teve vigor; disse-lhe então: «Procede muita
força de ti, ó Macário, pois não te posso agredir. Eis que, tudo o que fazes, também
eu o faço; tu jejuas, eu também; tu vigias de noite, eu também não durmo; há uma
só coisa em que me vences». O Abade Macário perguntou: «Qual é?» Aquele
respondeu: «A tua humildade; e é por causa desta que não te posso agredir».
12. Alguns dos Padres perguntaram ao Abade Macário: «Por que é que, quer comas,
quer jejues, teu corpo é descarnado?» Respondeu o ancião: «O lenho que revira os
gravetos em combustão, é todo consumido pelo fogo. Assim também se o homem
purifica a sua mente pelo temor de Deus, o próprio temor de Deus consome o corpo
dele».
13. Em dada ocasião o Abade Macário foi da Cétia a Terenutim, e entrou no templo
para dormir. Ora lá havia antigos esqueletos de pagãos, dos quais ele tomou um,
colocando-o na cabeça como travesseiro. Os demônios, vendo a coragem do Abade,
foram acometidos de inveja; e, querendo amedrontá-lo, puseram-se a chamar um
nome de mulher, dizendo: «ó tal, vem conosco ao banho!» Outro demônio respondeu
debaixo dele como que dentre os mortos: «Tenho um estrangeiro em cima de mim, e
não posso ir». O ancião, porém, não se aterrou; ao contrário, com muita coragem
batia o esqueleto dizendo: «Levanta-te, e vai para as trevas, se podes». Ao ouvir
isto, os demônios clamaram em alta voz: «Tu nos venceste». E fugiram confusos.
14. A respeito do Abade Macário o Egipcio, narravam que, certa vez, se pôs em
viagem a partir da Cétia, carregando cestos; cansou-se, porém, e sentou-se no
caminho; a seguir, orou dizendo: «Deus, tu sabes que não tenho forças». E logo foi
encontrado junto ao rio.
15. Havia no Egito alguém que tinha um filho paralítico. Levou-o à cela do Abade
Macário,
e, tendo deixado o menino em prantos à porta, retirou-se para longe. Ora o ancião,
abaixando-se, viu a criança e perguntou-lhe: «Quem te trouxe cá?» Respondeu o
menino: «Meu pai atirou-me aqui e foi-se embora». O Abade, então, mandou:
«Levanta-te, e vai-te juntar a ele». E eis que o menino foi imediatamente curado,
levantou-se e foi ter com o pai. Assim voltaram ambos para casa.
16. O Abade Macário o Grande dizia aos irmãos na Cétia, quando despedia a
assembléia da igreja: «Fugi, irmãos». Um dos anciãos perguntou-lhes certa vez: «E
para onde, além deste deserto, havemos de fugir?» Macário então colocou o dedo
sobre a boca e disse: «Fugi isto». A seguir, entrou na cela, fechou a porta e sentou-
se.
17. Disse o Abade Macário: «Se, ao repreender alguém, és movido à ira, satisfazes a
própria paixão. Não é perdendo a ti mesmo que salvaras os outros».
20. Disse o Abade Macário: «Se se tornarem a mesma coisa para ti o desprezo e o
louvor, a pobreza e a riqueza, a carência e a abundância, não morreras. Pois é
impossível que aquele que crê como deve e age com piedade, caia na impureza das
paixões e no erro dos demônios».
21. Contavam o seguinte: «Dois irmãos na Cétia cairam em falta, e o Abade Macário,
da cidade, os excomungou. Alguns foram então procurar o Abade Macário o Grande,
Egípcio, e lhe referiram o que acontecera. Este respondeu: «Não são os irmãos que
estão excomungados, mas Macário está excomungado». Macário, o Egípcio, amava o
outro Macário. Ora este ouviu que fora excomungado por aquele ancião, e fugiu para
o pântano. Aconteceu então que o Abade Macário o Grande, saindo, o encontrou todo
mordido pelos mosquitos; disse-lhe: «Tu excomungaste os irmãos, e eis que eles
tiveram que se retirar para a aldeia. Eu, porém, te excomunguei, e tu, como uma
bela virgem, fugiste para cá como para a câmara interior. Ora eu chamei os irmãos,
interroguei-os, e eles afirmaram que nada disso aconteceu. Cuida, pois, irmão, de
que também tu não tenhas sido iludido pelos demônios (pois nada viste); antes,
prostra-te pedindo perdão por tua culpa». O outro respondeu: «Se queres, dá-me
uma penitência». Vendo, pois, o ancião a humildade dele, disse: «Vai, e jejua três
semanas, comendo uma vez por semana». Com efeito, esta era a tarefa do Abade
Macário o Grande em todo tempo: jejuar a semana inteira».
22. O Abade Moisés disse ao Abade Macário na Cétia: «Quero viver em paz, mas os
irmãos não me deixam». Respondeu-lhe o Abade Macário; «Vejo que a tua natureza é
delicada e que não podes repelir um irmão; mas, se queres viver em tranqüilidade,
retira-te para o deserto a dentro em Petra, e lá encontrarás descanso». Aquele fez
assim, e conseguiu repouso.
24. Quando uma vez o Abade Macário passava com irmãos por uma região do Egito,
ouviu um menino que dizia a sua mãe: «Mãe, certo homem rico gosta de mim, e eu o
odeio, ao passo que um pobre me odeia e eu o amo». Ao ouvir isto, o Abade Macário
admirou-se. Perguntaram-lhe então os irmãos: «Que significa essa palavra, Pai, pois
que te admiraste?» Respondeu-lhes o ancião: «Em verdade, Nosso Senhor é rico e nos
ama, enquanto nós não o queremos ouvir. Ao contrário, nosso inimigo, o demônio, é
pobre e nos odeia, enquanto nós amamos a sua impureza».
25. O Abade Poimém, com muitas lágrimas, pediu ao Abade Macário: «Dize-me uma
palavra pela qual eu seja salvo». Respondeu o ancião: «O que procuras, já
desapareceu dentre os monges».
2ô. Certa vez o Abade Macário foi ter com o Abade Antão e conversou com ele.
Quando voltava para a Cétia, acorreram-lhe ao encontro os Padres. Estando todos em
colóquio, disse o ancião: «Referi ao Abade Antão que não temos oblação em nossa
região». Os Padres, porém, puseram-se a falar de outros assuntos, e não perguntaram
a Macário qual fora a resposta do Abade Antão, nem aquele a referiu. Com efeito,
um dos Padres dizia o seguinte: «Quando os Padres vêem que os irmãos se esquecem
de interrogar a respeito de coisas edificantes, julgam-se obrigados a encetar eles
mesmos uma conversa edificante; se, porém, os irmãos não correspondem, não
continuam tal assunto, para que não pareçam falar sem ter sido interrogados nem a
sua conversa seja tida como ociosa».
27. O Abade Isaías pediu ao Abade Macário: «Dize-me uma palavra». O ancião
respondeu:
«Foge dos homens». O Abade Isaías continuou: «Que é fugir dos homens?» O ancião
explicou: «É ficares sentado em tua cela e chorares os teus pecados».
28. O Abade Pafnúcio, o discípulo do Abade Macário, contou: «Roguei a meu Pai:
'Dize-me uma palavra'. E ele respondeu: 'Não faças mal a alguém, nem condenes
quem quer que seja. Observa isto, e serás salvo'».
29. Disse o Abade Macário: «Não durmas na cela de um irmão que tem má fama».
30. Certa vez alguns irmãos foram ter com o Abade Macário na Cétia; não
encontraram na cela dele senão água putrefeita. Disseram-lhe então: «Abade, vem
para a aldeia, e nós te restauraremos as forças». O ancião respondeu: «Conheceis,
irmãos, a padaria de um tal na aldeia?» Responderam-lhe: «Sim». Continuou o
ancião: «Também eu a conheço. E conheceis o terreno de tal homem situado no lugar
em que bate o rio?» Responderam-lhe: «Sim;>. E o ancião concluiu: «Também eu o
conheço. Por conseguinte, quando quero, não preciso de vós, mas vou buscar para
meu uso (o que quero)».
31. A respeito do Abade Macário contavam que, se um irmão o ia procurar com medo,
como a célebre e santo ancião, ele nada dizia. Se, porém, um irmão lhe falava como
que desprezando-o: «Abade, então quando eras condutor de camelos p roubavas sal
para o vender, não te espancavam os guardas?», se alguém o interpelava assim, ele
respondia com alegria a tudo que perguntasse.
32. Do Abade Macáno o Grande diziam que se tornou, como está escrito, Deus sobre a
terra, pois, assim como Deus recobre o mundo, também o Abade Macário recobria as
falhas, que ele via como se não visse, e que ele ouvia como se não ouvisse.
33. O Abade Bitímio referiu que o Abade Macário contava o seguinte: «Quando eu
residia na Cétia, certa vez lá foram ter dois jovens estrangeiros, dos quais um tinha
barba, e o outro um começo de barba. Chegaram-se a mim, perguntando: 'Onde fica
a cela do Abade Macário?' Perguntei a meu turno: 'Por que o procurais?' Responderam:
'Tendo ouvido falar dele e da Cétia, viemos vê-lo'. Declarou então: 'Sou eu' Eles
caíram por terra, dizendo: 'Queremos permanecer aqui'. Eu, vendo que eram
delicados e como que afeitos à riqueza, respondi-lhes: 'Não podeis ficar aqui'. O mais
velho, porém, replicou: 'Se não podemos ficar aqui, vamo-nos para outro lugar'. Disse
então comigo mesmo: 'Por que os hei de expulsar e escandalizar? A labuta os fará
fugir por si mesmos'. Falei-lhes, pois: 'Vinde, e fazei uma cela para vós, se podeis'.
Responderam: 'Mostra-nos um lugar, e nós a faremos'. O ancião deu-lhes um
machado, uma sacola cheia de pão, e uma porção de sal; a seguir, mostrou-lhes uma
rocha dura, dizendo: 'Talhai a pedra aqui, ide buscar lenha no pântano e, quando
tiverdes concluído o teto, morai aí'. — 'Eu pensava, disse o ancião, que, à vista do
trabalho, haviam de partir'. Eles, porém, ainda me perguntaram qual deveria ser a
sua futura ocupação naquela morada. Respondi: 'Tecer cordames'. E fui buscar
palmas no pântano, mostrei-lhes como se começa a tecelagem e como se deve coser,
acrescentando: 'Fazei cestas, e entregai-as aos guardas, os quais vos trarão pães'. A
seguir, retirei-me. Eles, então, com paciência fizeram tudo que lhes mandei; e não
me vieram procurar durante três anos. Neste entretempo fiquei lutando com meus
pensamentos e perguntando-me: 'Que estarão fazendo, pois não voltaram para
interrogar a respeito das suas idéias? Outros de longe vêm ter comigo; estes, porém,
que habitam perto, não voltaram nem foram ter com outros; só vão à igreja, em
silêncio, a fim de receber a oblação'. Orei então a Deus e jejuei uma semana, a fim
de que me mostrasse o que eles faziam. Terminada a semana, levantei-me e fui ter
com eles para ver como viviam. Bati à porta; eles abriram e saudaram-se em silêncio;
fiz oração e sentei-me. Então o mais velho fez um sinal de cabeça ao mais novo para
que saísse, e sentou-se para tecer corda sem dizer coisa nenhuma. À hora nona, ele
fez um ruído; o mais jovem entrou, e, ao sinal do mais velho, preparou um pouco de
mingau, pôs a mesa e sobre esta colocou três pães, deixando-se ficar em pé ao lado e
taciturno. Eu disse, por conseguinte: 'Levantai-vos, vamos comer'. Levantamo-nos, e
comemos; depois o jovem trouxe a caneca e bebemos. Quando caiu o sol,
perguntaram-me: 'Vais embora?' Respondi: 'Não, mas dormirei aqui'. Eles então
estenderam uma esteira para mim de um lado, e outra para si do outro lado, no
canto; tiraram os seus cinturões e se deitaram juntos sobre a esteira diante de mim.
Ora, quando já estavam deitados, roguei a Deus que me revelasse o que eles faziam.
Abriu-se, então, o teto e desceu uma luz como que de dia; eles, porém, não viam a
luz. E quando julgavam que eu estava dormindo, o mais velho cotovelou o lado do
mais jovem; levantaram-se ambos, cingiram-se, e estenderam as mãos para o céu. Eu
os considerava; eles, porém, não me perceberam. E vi os demônios que desciam
como moscas sobre o mais moço; uns se pousavam sobre a boca dele, outros sobre os
olhos; vi também um anjo do Senhor com uma espada de fogo na mão que protegia o
jovem ao redor e dele afugentava os demônios. Quanto ao mais velho, porém, dele
não se podiam aproximar. Ao despontar do dia, eles se deitaram de novo; eu fiz
como se me estivesse despertando, e eles também. Então o mais velho me disse
apenas estas palavras: 'Queres que recitemos os doze salmos?' Respondi: 'Sim'. O mais
novo, pois, cantou cinco salmos de seis versos, e um Aleluia; a cada verso, saía uma
chama de fogo da boca dele, a qual subia para o céu. De forma semelhante, quando
o mais velho abria a boca para salmodiar, desta saiam como que labaredas de fogo,
as quais chegavam até o céu. Também eu recitei um pouco, de cor. Por fim, despedi-
me, dizendo: 'Rezai por mim'. Eles, porém, prostraram-se por terra, em silêncio.
Assim fiquei sabendo que o mais velho era perfeito e que ao mais jovem o inimigo
ainda perseguia. Poucos dias depois, o irmão mais velho faleceu, e, três dias mais
tarde, o mais moço».
Para o futuro, quando alguns dos Padres iam ter com o Abade Macário, este os levava
à cela dos dois, dizendo-lhes: «Vinde, vede o martírio dos pequenos peregrinos».
34. Certa vez os anciãos da montanha mandaram pedir ao Abade Macário na Cétia:
«Para que não se canse o povo todo indo ter contigo, rogamos-te que venhas a nós,
de modo que te vejamos antes que emigres para junto do Senhor». Macário foi, pois,
à montanha, e todo o povo se reuniu em torno dele. Os anciãos pediram-lhe que
dissesse uma palavra aos irmãos; ao que ele respondeu: «Choremos, irmãos, e que os
nossos olhos derramem lágrimas antes que nos vamos para aquele lugar em que as
nossas lágrimas consumirão de fogo os nossos corpos». Puseram-se, então, todos a
chorar, prostrados sobre a face, e disseram: «Pai, reza por nós».
37. O Abade Pafnúcio, o discípulo do Abade Macário, referiu o seguinte dito deste
ancião:
«Quando eu era criança, apascentava bezerros com outros meninos. Certa vez estes
foram roubar figos, e, quando corriam, caiu um figo, que eu recolhi e comi. Ao
recordar-me disto, sento-me e ponho-me a chorar».
38. O Abade Macário referiu o seguinte: «Certa vez, quando eu andava pelo deserto,
encontrei uma caveira no chão; empurrei-a com o meu bastão de palma, e a caveira
me falou. Perguntei-lhe: 'Tu quem és?' Respondeu-me: 'Eu era sumo sacerdote dos
ídolos e dos pagãos que moravam neste lugar. Tu, porém, és Macário, o portador do
Espírito.
Na hora em que te compadeces dos que estão em penas e oras por eles, são um
pouco aliviados'. O ancião perguntou então: 'Qual é esse alívio e quais são as penas?"
A caveira respondeu: 'Quanto dista o céu da terra, tão intenso é o fogo que arde
debaixo de nós, que, dos pés até a cabeça, estamos em meio ao fogo; e ninguém vê a
outrem face a face; mas o rosto de um adere às costas de outro. Quando, pois, rezas
por nós, acontece que um vê parte da face do outro. Este é o alívio'. Chorando,
então, o ancião exclamou: 'Ai do dia em que nasceu o homem!'' E de novo perguntou
à caveira: 'Haverá outro tormento pior?' Esta respondeu: 'Há um tormento pior abaixo
de nós'. O Abade indagou: 'E quem são os que lá estão?' A caveira continuou: 'Nós, que
não conhecemos a Deus, somos tratados ao menos com um pouco de misericórdia;
aqueles, porém, que conheceram a Deus e O negaram, estão debaixo de nós'.
Macário, então, tomou a caveira e a enterrou.
39. Do Abade Macário, o Egípcio, contavam que certa vez se dirigia da Cétia ao
monte da Nítria. Quando se aproximou do termo da viagem, disse a seu discípulo:
«Vai um pouco adiante». Ora, caminhando este à frente, encontrou-se com um
sacerdote pagão, a quem interpelou, exclamando: «Ai de ti, ai de ti, demônio, para
onde corres?» Este, voltando-se, espancou-o e deixou-o semimorto; a seguir,
recolheu a lenha que carregava, e correu. Pouco adiante, quando corria, encontrou-
se com o Abade Macário, o qual lhe disse: «Salve, salve, ó homem fatigado!» Aquele,
admirado, aproximou-se e perguntou-lhe: «Que viste de belo em mim para me
saudares?» O ancião respondeu: «Vi-te fatigado, e não sabes que te fatigas em vão».
Ao que o outro disse: «Com a tua saudação, comovi-me também eu; e fiquei sabendo
que és da parte de Deus. Encontrei, porém, um outro monge, mau, que me injuriou,
e a quem, por conseguinte, espanquei mortalmente».
40. Do Abade Macário contavam que, certa vez, estando ele ausente, entrou um
ladrão em sua cela. Ora, quando aquele chegou, encontrou o ladrão a carregar o
camelo com os objetos de Macário. Este, então, entrou na cela, e tomando os seus
utensílios, pôs-se, com o ladrão, a carregar o camelo. Quando haviam terminado, o
larápio começou a bater o camelo para que se levantasse; o animal, porém, não se
movia. Ora o Abade Macário, vendo que este não se levantava, entrou na cela e aí
achou uma pequena enxada, que ele colocou sobre o camelo, dizendo: «Irmão, é isto
que o camelo deseja». E com o pé deu um golpe ao animal, mandando-lhe: «Levanta-
te». Este levantou-se logo, e caminhou um pouco em virtude da palavra do ancião.
De novo, porém, deitou-se, e não se levantou mais até que o tivessem descarregado
de todos os objetos. Então partiu.
41. O Abade Aio pediu ao Abade Macário: «Dize-me uma palavra». O Abade Macário
respondeu: «Foge dos homens; senta-te em tua cela e chora os teus pecados. E não
tenhas prazer na conversa com os homens. Assim serás salvo».
6. APOTEGMAS DE POIMEM
1. O Abade Poimém, quando era jovem, foi certa vez visitar um ancião a fim de o
consultar a respeito de três pensamentos. Quando, porém, chegava à morada do
ancião, esqueceu um dos três pensamentos. Voltou, então, para a sua cela, e,
quando colocou a mão sobre a chave para abri-la, recordou-se do que esquecera.
Deixou, pois a chave e foi ter de novo com o ancião. Este disse-lhe: «Vieste depressa,
irmão». Poimém explicou-lhe: «Quando coloquei a mão sobre a chave para tomá-la,
recordei-me da idéia que procurava, e não abri: por isto, voltei. Ora a extensão da
estrada era muito grande». O ancião respondeu: «Poimém (Pastor) de anjos (NT: Se
em grego se prefere a forma variante "ageloon" em vez de "aggéloon", deve-se
traduzir: Pastor de rebanhos, sendo o nome Poimêm equivalente a Pastor.), teu
nome será proclamado de boca em boca por toda a terra do Egito».
2. Em certa ocasião Paésio, o irmão do Abade Poimém, tinha colóquios com alguém
fora da cela. Ora o Abade Poimém não queria isto; levantou-se, pois, e fugiu para
junto do Abade Amonas, dizendo a este: «Paésio, meu irmão, tem colóquios com
alguém, e, em conseqüência, eu não sossego». Perguntou-lhe o Abade Amonas:
«Poimém, ainda vives? Vai, senta-te em tua cela e coloca em teu coração a idéia de
que já há um ano que jazes no sepulcro».
6. Certa vez um irmão pecou num cenóbio. Ora havia naquelas regiões um anacoreta
que, desde muito, não saía mais em público. O Abade do cenóbio foi ter com ele e
contou-lhe o caso do delinqüente. O anacoreta respondeu: «Expulsai-o». Saindo
assim do cenóbio, o irmão penetrou numa gruta, onde se pôs a chorar. Aconteceu
então que irmãos, num momento de lazer, foram visitar o Abade Poimém, e, a
caminho, ouviram o irmão que chorava; entraram, então, na gruta e, encontrando-o,
em grande angústia, exortaram-no a ir procurar Poimém. Ele, porém, não queria,
dizendo: «Aqui morrerei». Os irmãos então prosseguiram até a cela do Abade Poimém
e narraram-lhe o ocorrido. Este, em resposta, lhes mandou voltar, dizendo:
«Anunciai ao irmão: «O Abade Poimém te está chamando». Assim se chegou o irmão.
O ancião, vendo-o aflito, levantou-se, abraçou-o e, tratando-o com bom humor,
convidou-o para comer. A seguir, o Abade Poimém mandou um dos irmãos ter com o
anacoreta, para transmitir o seguinte: «Tendo ouvido contar o que fazes, há muitos
anos desejo ver-te, mas, por timidez de ambos, ainda não nos encontramos. Agora,
porém, que se apresenta uma ocasião, se é vontade de Deus, dá-te a pena de vir até
aqui e nós nos veremos». Ora o anacoreta não saía da cela; ouvindo, porém, estas
palavras, disse consigo: «Se Deus não o tivesse inspirado ao ancião, este não me teria
mandado tal recado». E, levantando-se, foi ter com Poimém. Os dois abraçaram-se
mutuamente com alegria e sentaram-se juntos. Disse então o Abade Poimém: «Havia
em certo lugar dois homens, os quais tinham cada qual um morto em sua casa; ora
um deles deixou o seu morto para ir chorar o do outro». Ao ouvir isto, o ancião
compungiu-se, recordando-se do que fizera, e disse: «Poimém, para o alto, para o
alto, penetrando no céu; eu, porém, para baixo, para baixo, penetrando na terra».
7. Certa vez um grupo numeroso de anciãos foi ter com o Abade Poimém. Ora um dos
parentes do Abade Poimém tinha um menino cuja cabeça, por ação do demônio,
estava virada para trás. O pai da criança, vendo o grande número de Padres reunidos,
tomou o menino e sentou-se fora do mosteiro a chorar. Aconteceu que um dos
anciãos saiu, e, vendo-o, perguntou: «Porque choras, homem?» Este respondeu: «Sou
parente do Abade Poimém; eis que sobre o menino recaiu tal maldade do demônio;
desejamos levá-lo ao ancião, mas tememos, pois este não nos quer ver. E, se agora
souber que estou aqui, mandará expulsar-me. Eu, porém, observando a vossa
chegada, ousei aproximar-me. Portanto, Abade, compadece-te de mim, como bem
quiseres; leva meu filho para dentro, e orai vós por ele».
8. Em dada ocasião um irmão foi da região do Abade Poimém para terra estrangeira,
onde chegou à cela de certo anacoreta, que, por ter grande caridade, era procurado
por muitos. O irmão falou--lhe do Abade Poimém, de modo que, sabendo das virtudes
deste, o anacoreta desejou vê-lo. Certo tempo depois que o irmão voltara para o
Egito, o anacoreta levantou-se e foi da terra estrangeira para o Egito em demanda do
irmão que outrora o visitara, pois este lhe dissera onde morava. Vendo-o, este se
admirou e alegrou profundamente. Disse então o anacoreta: «Faze a caridade de me
levar ao Abade Poimém». O irmão conduziu-o ao ancião, a quem anunciou nestes
termos as qualidades do visitante: «É um grande homem, dotado de muita caridade e
de muita estima em sua terra. Falei-lhe de ti, e ele veio desejoso de te ver».
Poimém recebeu-o então com alegria, e, depois de se terem saudado, sentaram-se.
O estrangeiro começou a falar da Escritura, de coisas espirituais e celestes; diante
disto, o Abade Poimém voltou o rosto e não deu resposta. Aquele, vendo que Poimém
não lhe falava, ficou triste e saiu, dizendo ao irmão que o conduzira: «Em vão fiz
toda esta viagem. Com efeito, vim visitar o ancião, e eis que nem quer falar
comigo». O irmão entrou, pois, na cela do Abade Poimém e disse-lhe: «Abade, foi por
causa de ti que este grande homem veio, ele que goza de tanta glória em sua terra;
por que não conversaste com ele?» Respondeu-lhe o ancião: «Ele é do alto e fala de
coisas celestes, enquanto eu sou de baixo e falo de coisas terrestres. Se me tivesse
falado das paixões da alma, eu lhe teria respondido; tratando-se, porém, de coisas
espirituais, eu não estou a par». O irmão então saiu e disse ao estrangeiro: «O ancião
não costuma falar de Escritura, mas, se alguém lhe fala das paixões da alma, ele
responde». O visitante, compungido, foi de novo procurar o ancião e disse-lhe: «Que
farei, Abade, pois que me dominam as paixões da alma?» Poimém fitou-o com alegria
e disse-lhe: «Desta vez vieste oportunamente. Agora abre a boca a respeito dessas
coisas, e eu a encherei de bens». O estrangeiro, muito edificado, acrescentou: «Sem
dúvida, essa é a via genuína». E voltou para a sua terra, dando graças a Deus por ter
sido julgado digno de encontrar tal santo.
10 Alguns contaram que certa vez o Abade Poimém e seus irmãos estavam a fabricar
pavios; mas não puderam continuar, por não terem com que comprar os fios de linho
necessários. Ora um deles, caro a todos, contou isto a certo negociante, homem de
fé. O Abade Poimém, porém, nunca queria aceitar algo de quem quer que fosse, por
causa do assédio de gente que seria assim ocasionado (NT: Muitas outras pessoas,
querendo beneficiar o ancião, o procurariam para levar-lhe os seus presentes). O
negociante, então, intencionando fazer obra boa ao ancião, alegou precisar de
pavios; foi, pois, com o seu camelo à cela do Abade, e voltou com os pavios que aí
tomara. Depois disto, o dito irmão foi ter com o Abade Poimém, e, tendo ouvido o
que o negociante fizera, disse, intencionando louvar a este: «Em verdade, Abade,
mesmo que ele não precisasse, teria levado os pavios para nos fazer uma boa obra».
O Abade Poimém, tendo assim compreendido que o negociante levara os pavios sem
precisar deles, disse ao irmão: «Levanta-te, aluga um camelo, e traze de volta os
pavios; senão os trouxeres, Poimém não habitará mais aqui convosco. Não quero
causar dano a um homem que não precisa dos objetos; ele sofreria prejuízo,
tomando os objetos com que eu lucro». O irmão foi-se com muita pena, e trouxe os
pavios de volta; senão, o ancião os teria abandonado. Quando Poimém viu os pavios,
alegrou-se como se tivesse encontrado grande tesouro.
11. Certa vez o presbítero de Pelúsio ouviu, a respeito de certos irmãos, que eles iam
continuamente à cidade, se lavavam (NT: Lavar-se nos balneários das cidades era
antigamente sinal de luxo) e se descuidavam da própria alma. Em conseqüência, por
ocasião da assembléia litúrgica, retirou-lhes o hábito monás-tico. Depois disto,
porém, seu coração o acusou, e, arrependido, foi ter com o Abade Poimém, como
que embriagado em seus pensamentos, tendo nas mãos as túnicas dos irmãos, contou
o caso ao ancião. Este perguntou-lhe então: «Não tens tu algo do homem velho? Será
que já o despiste?» O presbítero confessou: «Participo ainda do homem velho».
Continuou o ancião: «Eis, portanto, que tu és como os irmãos. Pois, se participas,
embora pouco, do que é velho, também tu estás sujeito ao pecado». Então o
presbítero se foi, chamou os irmãos, e pediu-lhes desculpas (eram onze); a seguir,
revestiu-os do hábito monástico e despediu-os.
12. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Cometi um grande pecado, e desejo fazer
penitência
14. Disse ainda: «Como o espadário do rei a este assiste, pronto em todo tempo,
assim é preciso que a alma esteja pronta diante do demônio da fornicação».
15. O Abade Anube interrogou o Abade Poimém a respeito dos pensamentos impuros
que o coração do homem gera, e a respeito dos vãos desejos. O Abade Poimém
respondeu: «Gloriar-se-á o machado sem aquele que o manuseia? (Is 10,15) Também
tu não dês a mão a eles e serão frustrados» (NT: Isto é, as tentações não nos podem
ser nocivas, enquanto não lhes prestamos nossa cooperação).
16. Disse de novo o Abade Poimém: «Se Nabuzardan, o cozinheiro-chefe, não tivesse
vindo, não se teria incendiado o templo do Senhor (2Rs 25,8-10). Isto quer dizer: se o
deleite da gula não entrasse na alma, a mente não cairia quando impugnada pelo
inimigo.
17. Do Abade Poimém contavam que, convidado a comer quando não o queria,
aquiesceu, embora em prantos, a fim de não deixar de atender ao irmão e não o
contristar.
18. Disse mais o Abade Poimém: «Não habites em lugar onde vês que alguns têm
inveja de ti; senão, não progredirás».
19. Alguns referiam ao Abade Poimém que certo monge não bebia vinho. Respondeu:
«O vinho em absoluto não é para os monges».
20. O Abade Isaías interrogou o Abade Poimém a respeito dos pensamentos impuros.
Este respondeu: «Se tivermos um baú cheio de vestes e as deixamos fechadas,
apodrecerão com o tempo. Assim também são os pensamentos: se não executamos
com o nosso corpo, no decorrer do tempo extinguem-se ou apodrecem».
21. O Abade José propôs ao Abade Poimém a mesma pergunta. Este respondeu: «Se
alguém lança uma cobra e um escorpião no mesmo recipiente e fecha a este, não
resta dúvida de que morrerão com o tempo; assim também os maus pensamentos:
suscitados pelos demônios, desaparecem pela paciência».
22. Um irmão foi ter com o Abade Poimém e disse-lhe: «Semeio o meu campo, e com
os seus frutos pratico a caridade». Respondeu o ancião: «Fazes bem». O irmão saiu
então animado, e multiplicou as suas esmolas. Ora o Abade Anube ouviu contar isto,
e perguntou ao Abade Poimém: «Não temes a Deus, pois que assim falaste ao irmão?»
O ancião calou-se. Dois dias depois, porém, mandou chamar o irmão e perguntou-lhe
em presença do Abade Anube: «Que me disseste o outro dia? Minha mente estava em
outro lugar». O irmão respondeu: «Disse que semeio o meu campo e com os seus
frutos pratico a caridade». O Abade Poimém observou: «Julguei que falavas de teu
irmão que vive no século; se és tu que o fazes, digo-te que isto não é coisa de um
monge». Ao ouvir isto, o irmão entristeceu-se e replicou: «Não sei fazer outro
trabalho senão este; não posso não semear o meu campo». Depois, então, que o
irmão se retirou, o Abade Anube se prostrou diante de Poimém e disse-lhe: «Perdoa-
me». E o Abade Poimém explicou: «Também eu, desde o início, sabia que essa tarefa
não é própria para um monge, mas falei de acordo com as disposições dele, e, com
isto, animei-o a progredir na caridade. Agora, porém, ele se foi abatido, e, não
obstante, tornará a fazer o mesmo».
23. Disse o Abade Poimém: «Se o homem pecar e o negar, dizendo: 'Não pequei', não
o acuses, pois lhe cortarias o ânimo. Se, ao contrário, lhe disseres: 'Não percas
ânimo, irmão, mas guarda-te para o futuro', excitarás a sua alma à penitência».
24. Disse mais: «Boa coisa é a experiência, pois ela ensina ao homem honesto».
25. Disse ainda: «O homem que ensina, mas não pratica o que ensina, é semelhante a
uma fonte, pois a todos oferece com que beber e se lavar, mas a si mesma não pode
purificar».
26. Certa vez, quando o Abade Poimém andava pelo Egito, viu uma mulher sentada
junto a um túmulo, a qual chorava amargamente. E disse: «Ainda que venham todos
os deleites deste mundo, não lhe tirarão a alma da tristeza em que se acha. Assim
também o monge deve sempre trazer a tristeza em si mesmo» (NT: Isto é, a grande
dor de ter pecado).
27. Disse mais: «Há o homem que parece calado, mas cujo coração condena a outros;
esse tal está sempre a falar. E há outro homem que fala da manhã à noite, mas
guarda o silêncio, isto é, nada diz que não seja de edificação».
28. Um irmão foi ter com o Abade Poimém e disse-lhe: «Abade, tenho muitos maus
pensamentos, e corro perigo por causa deles». O ancião levou-o ao ar livre e disse-
lhe: «Dilata os pulmões e detém os ventos». O irmão respondeu: «Não o posso fazer».
Continuou o ancião: «Se não o podes fazer, também não podes impedir que os
pensamentos venham; mas está em teu poder resistir a eles».
29. Disse o Abade Poimém: «Se três se reúnem, dos quais um leva dignamente uma
vida tranqüila, o outro é doente e dá graças a Deus, o terceiro faz o seu serviço com
mente pura, esses três realizam um só e idêntico grau de virtude».
30. Disse também: «Está escrito: 'Como o cervo deseja as fontes das águas, assim
minha alma deseja a Vós, Deus' (Sl 41,2). Ora os cervos no deserto, devoram muitas
serpentes; a seguir, quando o veneno os faz arder de sede, desejam chegar-se às
águas; e, ao beberem, refrescam-se, livrando-se do veneno das serpentes. Assim
também os monges, morando no deserto, são queimados pelo veneno dos maus
demônios, e desejam o sábado e o domingo para se chegarem às fontes das águas,
isto é, ao Corpo e ao Sangue do Senhor, a fim de se purificarem da amargura do
Maligno».
31. O Abade José perguntou ao Abade Poimém como se deve jejuar. Respondeu este:
«Quero que todos comam diariamente, mas pouco, de modo a não ficarem saciados».
O Abade José replicou: «Quando eras jovem, não comias de dois em dois dias,
Abade?» O ancião respondeu: «Sim, e também de três em três, de quatro em quatro
dias, e uma vez por semana. Todas essas coisas, os Padres, fortes como eram, as
experimentaram, e concluíram que é oportuno comer todos os dias, mas pouco;
assim nos entregaram a via regia, porque suave».
32. A respeito do Abade Poimém contavam que, antes de ir para o Oficio, se sentava
a sós, ficando a examinar os seus pensamentos durante cerca de uma hora. Depois
disto é que se punha a caminho.
33. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Deixaram-me uma herança; que farei
com ela?»
34. Um outro irmão perguntou-lhe: «Que significa : 'Não retribuirás o mal pelo mal?'
(1Tes 5,15; 1 Pe 3,9)».
O ancião respondeu: «Esse vício tem quatro modalidades diversas: a primeira provém
do coração; a segunda, da vista; a terceira, da língua; e a quarta é não fazer o mal
em troca do mal (NT: O Abade quer dizer que fazer exteriormente o mal em troca do
mal supõe três defeitos exteriores). Se puderes purificar o teu coração, o mal não
chegará aos olhares; se, porém, atingir os teus olhares, guarda-te de o pronunciares
pela boca; se o pronunciares, preserva-te logo de fazer o mal em troca do mal».
36. Disse também: «Prostrar-se em presença de Deus, não se comparar, e atirar para
trás a vontade própria, são instrumentos de que se serve a alma».
37. Disse ainda: «A vitória sobre qualquer pena que te sobrevenha, é calar-te».
38. Disse mais: «Todo repouso do corpo é abominação aos olhos do Senhor».
39. Disse também: «A compunção tem dois elementos: ela impele e também
refreia».
40. Disse mais: «Se te vier a preocupação das coisas necessárias ao corpo, e lhe
satisfizeres uma vez; se voltar de novo e lhe satisfizeres; caso volte a terceira vez,
não lhe dês atenção, pois é vã (NT: Isto é: a repetida solicitude das necessidades
corporais não é inspirada pela virtude).
41. Disse de novo: «Um irmão perguntou ao Abade Alônio: «Que significa o
aniquilamento de si mesmo?» O ancião respondeu: «Significa colocar-se abaixo dos
irracionais, e saber que estes não podem ser condenados» (NT: O homem que
renuncia a si mesmo por amor de Deus, deixa de viver conforme a razão natural,
meramente humana, e conforme os seus apetites naturais; a este título, pode ser
considerado inferior aos irracionais. Todavia tal homem pratica essa renúncia para
ser elevado a um nível de vida superior, ditado pelo próprio Deus. Com isto adquire a
segurança de não ser condenado.).
42. Disse de novo : «Preferirá calar-se, o homem que se lembre do que está escrito:
«Pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado» (Mt
12,37).