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MÉTODOS DE EXTENSÃO RURAL E PARTICIPAÇÃO –

RELAÇÃO ENTRE ESTES TEMAS

Alunas e alunos do Curso de Zootecnia:

Conforme combinamos, estou enviando o texto a seguir, de autoria de


Markus Brose, organizador do livro Metodologia Participativa. uma
introdução a 29 instrumentos (editado pela Tomo Editorial em 2001,
em Porto Alegre. O texto não está integralmente reproduzido, fiz
algumas modificações.
Por favor, leiam e discutiremos na próxima aula, do dia 9 de dezembro
de 2009.
Obrigada,
Professora Bel

PRIMEIRA PARTE
1. Em 1985 teve início o processo de redemocratização do Brasil, após o ciclo
dos governos militares.
A palavra e o conceito de participação, que já vinha ganhando destaque,
mostra amplitude inédita, seja para quem trabalha no setor público
(Estado e instituições oficiais), seja para quem estava articulado ao
Terceiro Setor (organizações não-governamentais)
Ocorre que, como várias outras “grandes palavras” – como democracia,
liberdade, igualdade, fraternidade, cooperativismo, distribuição de terra
para correção de estrutura agrária altamente concentrada,
desenvolvimento, sustentabilidade – participação se tornou conceito
comum nos debates, textos, projetos e sites da Internet.
Ao longo dos anos 1990s, portanto, mostrou-se atordoante a confusão
conceitual e a desinformação no “reino da participação.
Tomando pontos extremos, tem-se de um lado o leigo total no assunto, que
encontra em suas leituras siglas misteriosas que se referem a
instrumentos participativos – entre eles ZOOP, DRP, DRRP, etc. E nesse
campo tem aqueles profissionais que, atuando na área, afirmam quase
que por juramento que “só existe um método participativo bom, capaz de
resolver todos os problemas. Lembra-se aqui a estratégia Bom Bril, com
“mil e uma utilidades”. Indo um pouco mais fundo, se desdobre que esse
tal método maravilhoso é o que aquele técnico conhece e usa!
No outro extremo da escala, tem-se expressiva falta de informação sobre o
enfoque participativo, especialmente no setor público.

Ditadura dos métodos


Não cabe pensar ou aceitar a ditadura dos métodos – especialmente em
Extensão Rural, sendo este o foco de nossa atenção. Há toda uma gama
de instrumentos participativos usados no cotidiano, e é possível avaliar
seus potenciais e limites. Por outro lado, há uma ampla bibliografia
disponível, e aquele que se mostrar interessado pode aprofundar-se no
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tema de seu interesse. Deste modo, é possível plenamente que o


leitor/pesquisador possa escolher o instrumental mais adequado para seus
objetivos – sim, pois saberá de antemão quais os processos que serão
desencadeados, quais os possíveis resultados serão encontrados.

2. Outro aspecto importante é dar-se conta e deixar de lado enfoques


tecnicistas, nesta discussão. Os métodos, a ditadura dos métodos, deve
ser desmistificada. Não é o método em si que tem valor, o mais moderno,
o mais sofisticado. Com os métodos, podemos criar sistemas de
informação, por exemplo: mas o que é mais importante, os computadores
de última geração presentes neste sistema? Ou nossa capacidade de
analisar os dados levantados? “Enquanto a informática é altamente precisa
e exata, dados são produtos de sistemas sociais, carregados de valores e
opiniões e, portanto, sujeitos a todo tipo de interpretações individuais, de
conflitos e mesmo de boicotes”.

3. Na errônea questão sobre que método é mais importante, cabe chamar a


atenção, ainda, de que é mais importante valorizar, no processo de
conhecimento, a articulação e o compartilhamento interdisciplinar – o que
representa que nenhuma profissão é melhor que outra, detém valores
culturais mais especiais que outras.

4. Isso vale para se negar a valorização de uma dada profissão como sendo a
elite, como superior às demais. Ao contrário, o que importa, para uma
proposta de processo de conhecimento enriquecedora, a convivência de
múltiplos profissionais, métodos, abordagens.

Participação e ciência política

A participação, por um lado, e a transparência da coisa pública, são os dois


eixos principais da descentralização do Estado.
a) A participação implica, basicamente, na ampliação do poder da
população em escolher livremente seus representantes políticos e
dizer a eles o que fazer – ou seja, providenciar insumos claros para o
governo.
b) E a transparência é o outro lado da moeda: refere-se à necessidade
do governo em prestar contas e justificar o que faz.

“A idéia da descentralização do Estado e da ampliação da participação é mais


ou menos como a idéia de que devemos comer de forma mais saudável e
praticar exercício regularmente: em princípio, ninguém é contra, mas na prática
pouca gente faz de forma voluntária. Nesse sentido, continua sendo válida a
classificação dos 8 tipos diferentes de participação elaborada por Sherry
Arnstein em 1969. Com base em sua experiência obtida ao longo de vários anos
com políticas de desenvolvimento urbano nos Estados Unidos, e o fracasso de
grande número dessas em possibilitar uma efetiva inclusão social de larga parte
da população pobre, Arnstein construiu o que chamou de Escada da
Participação Cidadã.”
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SEGUNDA PARTE

5. Participações... e “participações”...

Nem sempre quando existe uma reunião, por exemplo, em que produtores
rurais e técnicos estão presentes, está havendo PARTICIPAÇÃO. A forma é a
mesma, mas a participação pode ou não estar existindo.

Nós já discutimos Métodos e Técnicas de Extensão Rural. Importa, a partir de


agora, avaliar: tais métodos tem a participação dos produtores como
subjacente?

A Escala apresentada a seguir discute tais questões, e se pergunta: o que é na


realidade participação efetiva? Uma dica: sempre que há participação, o poder
fica menos concentrado – no caso da Extensão Rural, em mãos de
técnicos, assessores, etc.

Vejamos então cada um dos níveis da tão falada Escada da Participação Cidadã.

Do menor volume de participação, até o maior, temos, em plano crescente para


a Participação, os seguintes degraus:
1 – Manipulação
2 – Terapia
3 – Informação
4 – Consulta
5 – Pacificação
6 – Parceria
7 – Delegação de poder
8 – Controle pelo cidadão

Esta é uma Tipologia de oito níveis, que representa um Marco Referencial para
se analisar as diversas atividades e iniciativas que encontramos na prática e
que, de uma ou outra forma, são denominadas como sendo PARTICIPATIVAS,
avaliando até que ponto a população influencia o produto final das
ações.

DEGRAUS 1 E 2 – MANIPULAÇÃO E TERAPIA

Nestes dois primeiros níveis, nega-se uma participação efetiva. Seu objetivo
real é “permitir que atores sociais que conduzem o processo possam “educar”
as pessoas – a Manipulação – ou mantê-las sob controle – a Terapia”

MANIPULAÇÃO
Onde ela se manifesta? Por exemplo, em conselhos, onde “os conselheiros não
dispõem das informações, do conhecimento e de assessoria técnica
independente necessários para tomarem decisões por conta própria, mas
estão ali apenas para ratificar decisões tomadas por lideranças
políticas ou por técnicos participantes do processo”.
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TERAPIA
O uso “terapêutico” da Participação significa que “os técnicos de órgãos
públicos se escondem atrás de conselhos e comitês “participativos” para não
assumirem os erros cometidos por eles, evitando investigações ou punições e
diluindo a responsabilidade em conselhos onde os conselheiros nem sabem o
que está acontecendo”.
Dito de forma irônica: “Houve erro? Ora, mas quem decidiu foram os membros
do conselho ou do comitê...”

Em conclusão, tem-se que os 2 degraus, Manipulação e Terapia, se sabota


continuadamente a melhoria e ampliação da capacidade de autonomia das
pessoas e demais entidades envolvidas no processo.

DEGRAUS 3 E 4 – INFORMAÇÃO E CONSULTA

Nestes dois níveis – Informação e Consulta – as pessoas sem poder têm a


oportunidade de ouvir e falar ao longo do processo. Mas nada garante que
os atores com poder de decisão vão cumprir o que foi prometido, ou levar em
conta o que ouviram dos outros atores.

INFORMAÇÃO
Informar as pessoas sobre seus direitos, responsabilidades e opções pode ser o
primeiro passo rumo a uma verdadeira participação popular. “Porém, na
prática, muitas vezes constatamos tratar-se de um fluxo de comunicação de
mão-única, de cima para baixo”.

CONSULTA
A Consulta pode representar um avanço rumo a uma maior Participação. “Mas
se não tiver continuidade e não estiver acoplada a outros elementos da
participação, este nível pode apenas servir de fachada, transformando-se em
um ritual sem muita implicação prática. Exemplo clássico desse nível de
participação: pesquisas de opinião.

DEGRAU 5 – PACIFICAÇÃO
Neste degrau, o cidadão começa a ter certo grau de influência nas decisões.
Mas ainda são evidentes as limitações – isso porque não há obrigação para os
tomadores de decisão em levar em conta o que ouviram da população.

Um exemplo: indicação de pessoas pobres “confiáveis”, ou pessoas da oposição


política “que merecem respeito”, em conselhos, comitês, comissões ou
organizações públicas, sem que essas pessoas representem de forma
legítima uma parcela da população. “Ou seja, essas pessoas não são
cobradas por atores externos organizados e podem ser, portanto,
instrumentalizadas pelos demais atores presentes”.

DEGRAU 6 – PARCERIA
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A partir desse degrau, mais para cima, vão sendo encontrados os níveis de
participação nos quais o cidadão tem crescente poder de decisão.
Grupos organizados que possuem legitimidade na sociedade podem iniciar
Parcerias com atores que são tradicionalmente detentores de poder e negociar
com esses uma forma específica de cooperação e acordo.
Nesse nível, ocorre uma real distribuição de poder entre os parceiros, que
concordam em compartilhar as atividades de planejamento e tomada de
decisão.

DEGRAUS 7 E 8 – DELEGAÇÃO DE PODER E CONTROLE PELO CIDADÃO

São os degraus superiores da escala. Neles, a população obtém a maioria dos


assentos em fóruns de decisão, ou mesmo, assume a gestão em sua totalidade
da iniciativa.

6. PERGUNTAS QUE PERMANECEM

 Será que, na relação entre população, organizações da


sociedade civil e setor público, há possibilidade para uma
verdadeira participação?
Para essa questão há, de maneira sucinta, duas respostas:

 Muitos respondem que não existe essa possibilidade. Que os


técnicos que utilizam de instrumentos participativos seriam
“inocentes úteis” que, mesmo imbuídos de boas intenções,
cooptam a população para os interesses da elite dominante.

 Muitos consideram que a participação é possível, de que a


participação é fundamental na consolidação da democracia e na
acumulação de capital social tanto em sociedades pobres como
em sociedades ricas. E que a metodologia participativa
possibilita operacionalizar na prática os conceitos abstratos da
participação popular.

CONCLUSÃO
Devemos ter em mente . porém, que a participação não é
neutra, sem gosto e sem cheiro. Participação é mudança, é
distribuição de poder. Assim, é necessário ter clareza acerca do
processo do qual estamos participando!

BOA LEITURA. NA PRÓXIMA AULA DISCUTIREMOS ESSE TEXTO.


ABRAÇOS. PROFESSORA BEL
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