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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Henrique Veltman

INTRODUÇÃO

Em 1981, o Beth Hatefutsot pediu ao fotógrafo Sérgio Zalis, na época aluno da escola de arte
Betzalel, em Jerusalém, uma documentação do judaísmo brasileiro. Sérgio veio ao meu
encontro, em São Paulo, sem maiores recursos além de sua boa vontade, e eu fiz ver a ele que
a comunidade judaica brasileira estava espalhada pelos quatro cantos do país, e seria
interessante estabelecer qual comunidade seria objeto de sua pesquisa. Elaboramos uma
relação de possíveis registros, e Tel Aviv foi consultada. O Beth, depois de várias reuniões,
decidiu-se pelo Norte do Brasil.

Em janeiro de 1983, finalmente, o Beth Hatefutsot, o Museu da Diáspora da Universidade de


Tel-Aviv,Israel, encomendou-nos a realização de uma documentação sobre o que até então era
uma história muito pouco conhecida: a saga dos judeus marroquinos e de seus descendentes,
os hebraicos, na longínqua e misteriosa Amazônia.

Com o apoio do empresário Israel Klabin, durante um mês, percorremos aquela imensidão,
começando por Belém do Pará, seguindo depois para Cametá, às margens do rio Tocantins.
Dali, partimos para Abaetetuba, Alenquer, Santarém, Óbidos, Maués, Itacoatiara, Manaus,
Porto Velho e Guajará Mirim.

Em todos esses lugares, encontramos judeus, descendentes de judeus e registros


impressionantes da passagem dos judeus de origem marroquina pela Amazônia.

Elaborei um texto, quase crônica, e Zalis produziu as fotos. Com esse material, o Museu de
Tel-Aviv realizou, em outubro de 1987, uma exposição sobre os judeus na Amazônia. Essa
exposição, que depois percorreu o mundo, de Londres a Paris, Roma a Madri, ao Marrocos e
aos Estados Unidos, ainda é desconhecida do público brasileiro. Foi uma das exposições
transitórias do Museu, de maior afluência de público.

O rei Hassan V, do Marrocos, tomou conhecimento da exposição,


daí resultando um convite para que prosseguíssemos em nossas
pesquisas sobre a presença judaico-marroquina na Amazônia. Isto
aconteceu em 1988, quando uma equipe de televisão, comandada
por Fábio Golombek e acompanhada por mim, viajou pelo
Marrocos, buscando os elos de ligação entre os judeus, o
Marrocos, o Brasil e o Estado de Israel. Dessa viagem resultou um
documentário de TV, "Marrocos, uma nova África".

Em 1990, a RAI, televisão estatal italiana, encomendou a uma


produtora local a realização de um pequeno documentário sobre os
hebraicos da Amazônia.

Rei Hassan V
Esse documentário, produzido por Carlos Nader e dirigido pelo
cineasta Henrique Goldman, foi exibido em diversos países, tais
como Inglaterra, França, Itália, Bélgica, EUA; Foi exibido pela TV Cultura de São Paulo; em
Israel, em 1991, foi o programa especial de Tishabeav (dia de lembrança da queda dos
Templos de Jerusalém).
OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
UMA PEQUENA HISTÓRIA DOS JUDEUS NO BRASIL

A história dos judeus no Brasil deve ser contada a partir do descobrimento ou até mesmo antes
disso. Portugal, é bom que se diga nestes tempos de globalização, esteve à frente das
expedições ultramarinas porque foi o primeiro Estado-Nação moderno. A primeira revolução
burguesa ocorreu lá, em 1383, onde já havia capital comercial que justificasse as expedições.

A questão que se coloca, talvez seja: por que tal poderio se desfez em tão pouco tempo ? E a
resposta é clara: por intolerância religiosa, pelo reacionarismo da aristocracia portuguesa, que
expulsou os judeus do país.

Para contar a aventura judaica no Brasil, sou obrigado a me repetir. Quem leu minha “ História
dos Judeus em S.Paulo” ou a "História dos Judeus no Rio de Janeiro" vai encontrar, aqui, a
repetição de alguns fatos. Não há como escapar disso. Afinal, a história é a mesma.

Em 1496, os judeus são expulsos de Portugal. Quatro anos antes,


os reis católicos, Isabel e Fernando, assinavam o édito da
expulsão dos judeus de Castela e Aragão.
Ao mesmo tempo que o terror espalhava-se pelas judiarias da
Espanha e Portugal, Colombo descobria o Novo Mundo, seguido
por Cabral. Não por acaso, os principais tripulantes de Cabral
eram judeus: mestre João, médico particular do rei de Portugal e
astrônomo, e Gaspar da Gama, o verdadeiro comandante da
expedição lusitana. Não por acaso, os principais aventureiros que,
na esteira de Colombo, Vasco da Gama e Cabral, seguiram por
mares nunca dantes navegados, eram judeus assumidos ou
conversos. Uma aventura que começa com a Escola de Sagres e
com o infante D.Henrique.
Gaspar da Gama
Gaspar da Gama, por exemplo, foi personagem de uma aventura
só comparável à de Marco Polo. Judeu polonês, de Posna, originário de Jerusalém, passou a
vida entre Portugal, Espanha, Índias e África. Aprisionado pelos portugueses, o judeu polonês
transformou-se no “ língua”, o intérprete de Vasco da
Gama,participando das descobertas nos mares da Índia. Mais tarde,
torna-se piloto de Cabral e de Américo Vespúcio, tudo isto tendo
como pano de fundo o drama da Inquisição, com a conversão forçada
dos judeus.

Um estudo dessa personagem, tal como feito pelo historiador Elias


Lipiner Z'L, em “Gaspar da Gama, um converso na frota de Cabral”,
mostra-nos que o ambicioso projeto ultramarino português só foi
possível graças à participação concreta dos judeus. E mais: os
judeus vinculavam o sucesso desses projetos às suas próprias
aspirações de redenção, com o restabelecimento da soberania
nacional, perdida com a queda do Segundo Templo, na antiga pátria
bíblica.
Dom Henrique
É importante perceber que, paradoxalmente, as perseguições anti-
judaicas acabaram por fortalecer os empreendimentos portugueses - os filhos de Israel
enxergaram nos descobrimentos e nas conquistas uma finalidade e uma escapatória. “ Os
portugueses são a um só tempo os mais arrojados navegantes dos mares e os mais cruéis
opressores dos judeus. Decretam expulsões e batismos violentos nunca vistos e, qual
açougueiros, cortam e retalham sem piedade a carne da infeliz nação hebraica de Portugal”,
correspondência do sábio Abraham Halevi, citada pelo escritor Elias Lipiner.

Já em 1504, Fernando de Noronha, por conta da Companhia das Índias Ocidentais, um


empreendimento judaico-holandês (e, segundo o historiador Leôncio Basbaum, uma primeira
iniciativa capitalista), iniciava o transporte regular de pau-brasil entre a Terra de Santa Cruz,
Portugal e Europa. Pau-brasil, então conhecido como “ a madeira judaica”.

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Enquanto a Polônia e a Holanda transformavam-se em centros de vida e de sabedoria
judaicas, mercê, basicamente, da expulsão dos judeus ibéricos, Caramuru, na Bahia, João
Ramalho, em São Vicente, apóiam os primeiros colonizadores do Brasil.

INSISTINDO NA TESE

Há muitos anos venho defendendo a tese, (nada original, aliás), de que nossas escolas,
principalmente as da comunidade judaica, deveriam oferecer aos seus alunos uma matéria
extra-curricular, "A história dos judeus no Brasil".

Na verdade, nenhum outro país do mundo pode registrar tamanha participação dos judeus ao
longo de toda a sua existência. E claro, contribuindo de forma notável para o seu
desenvolvimento econômico, político e social.

Desde o achamento do Brasil, do qual os judeus participaram nos seus preparativos, até
épocas mais recentes, os judeus, aberta ou disfarçadamente, estiveram integrados nos
processos de formação da nacionalidade. O período da ocupação holandesa, que para a
História oficial foi um desastre para o país, constituiu-se no ponto mais alto do desenvolvimento
da coletividade judaica brasileira. E claro, quando, foram expulsos os holandeses, sobreveio a
decomposição, o êxodo e a dispersão dos judeus do Brasil.

Da mesma forma, as perseguições religiosas da primeira metade do século XVIII, que


praticamente não afetaram a população do país, tiveram uma forte influência sobre a vida dos
judeus brasileiros. Por fim, mas não menos importante, a implantação do regime liberal no
Império, no início do século XIX, a proclamação da Independência,determinou a assimilação
quase completa dos judeus.

Podemos estabelecer, para melhor compreensão da vida judaica no Brasil, algumas fases bem
marcantes, de 1500 a 1900, como muito bem assinalaram vários historiadores, entre eles
Salomão Serebrenick, Elias Lipiner e Nachman Falbel, em seus estudos sobre a História
judaica do Brasil.

Assim, o achamento do Brasil acontece numa época em que Portugal estava no auge da sua
expansão no mundo. Mais do que a glória militar ou simplesmente o espírito de aventuras, o
que impelia os portugueses às suas expedições marítimas, por "mares nunca dantes
navegados", era o espírito comercial que dominava as expedições. Os portugueses visavam
quebrar o monopólio que até então, por intermédio das caravanas árabes, mantinham
venezianos e genoveses sobre o intercâmbio mercantil com os portos do Levante, e desse
modo assegurar a Portugal a posição de centro das grandes atividades econômicas da época,
a função de empório de produtos e especiarias intensamente procurados pelos meios
consumidores da Europa.

Como assinala José Gonçalves Salvador no seu "Os cristãos-novos e o comércio no Atlântico
meridional" (Pioneira/Mec,1978) era uma época de profundas mudanças em Portugal. "Nação
agrícola, enveredou gradativamente rumo aos mares e se converteu numa monarquia
mercantilista. O acontecimento teria sido impossível sem a participação dos judeus, porquanto
aos cristãos da velha etnia faltavam a necessária experiência do trato e a mentalidade
requerida para os grandes negócios em vista de certas normas baixas pela Igreja".

Os judeus figuraram, assim, entre os mais verdadeiros empreendedores do ultramar.

Entretanto, fossem quais fossem os móveis do alargamento marítimo de Portugal, o certo é


que ele não lograria produzir-se sem o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos
científicos, que precedeu o grande ciclo das conquistas, e no qual tiveram papel de sumo
relevo os sábios da época.

Desde o século XII, vinham os judeus da península ibérica se distinguindo nos domínios da
matemática, astronomia e geografia, ciências básicas para a arte náutica, especialmente para
a navegação oceânica. Por exemplo, Abraham Bar Chia , autor de "Forma da Terra", "Cálculo

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do Movimento dos Astros" e "Enciclopédia"; Abraham Ibn Esra , autor de "Utensílios Éneos",
"Tratado do Astrolábio", "Justificação das Tábuas de Kvarismi" e "Tábuas Astronômicas"; João
de Luna, autor de "Epítomes de Astrologia" e "Tratado do Astrolábio"; Jacob Ben Machir, autor
de "Tratado do Astrolábio" e inventor de um instrumento de observação, o assim chamado
"Quadrante de Israel"; Isaque Ibn Said , que elaborou um resumo das obras sobre astronomia
dos gregos e árabes; rabi Levi Ben Gerson, o Gersônides autor do "Tratado sobre a Teoria e
Prática do Cálculo", "Dos Números Harmônicos", "Tábuas Astronômicas sobre o Sol e a Lua" e
"Tratado sobre a Balestilha", além de ter construído dois importantes instrumentos: a câmara
escura e o telescópio, cuja invenção, geralmente, é atribuída a terceiros; Isaque Zaddik, autor
das "Tábuas Astronômicas", "Tratado sobre Instrumentos astronômicos" e "Instruções para o
Astrolábio de Jacob ben Machir".

Todo este movimento científico foi fundamental para os projetos dos governantes portugueses
de disputar a posição de grande potência naval. O infante D. Henrique, "O Navegador", ao
fundar, em 1412, a primeira academia de navegação, a "Escola de Sagres", designou seu
diretor um dos mais famosos cartógrafos do século XV, o judeu Yehuda Crescas, que vivia,
então, nas Ilhas Baleares, entre a peninsula e o Marrocos.

Yehuda Crescas, também conhecido como mestre Jácome de Malorca e apelidado de "El
judio de las Brújulas" graças à sua notável experiência na fabricação de bússolas - teve por
missão ensinar aos pilotos portugueses os fundamentos da navegação e a produção e manejo
de cartas e instrumentos náuticos.

Outros cientistas judeus já então famosos prestaram sua colaboração à


Escola de Sagres, entre eles José Vizinho, mestre Rodrigo e, sobretudo,
Abraham Zacuto, o autor do "Almanaque Perpétuo de todos os Movimentos
Celestes" , uma figura de grande influência em todas as decisões que diziam
respeito aos interesses do Estado, basicamente, às expedições oceânicas,
entre elas, a bem sucedida viagem de Vasco da Gama , com a descoberta
do caminho marítimo à Índia. Viagem que foi por Zacuto inteiramente
planejada.
Abraham Zacuto
Vale registrar o que diz o Francisco Moreno de Carvalho sobre esta notável
figura. Francisco Moreno, médico, pesquisador e historiador da ciência, depois de dez anos de
trabalho, está concluindo a transcrição de um manuscrito até agora inédito: o primeiro texto de
medicina do Brasil.

”Trata-se do "Tratado de Medecina que Fez o Doutor Zacuto para seu Filho Levar Consigo
Quando se Foy para o Brazil", um guia de medicina escrito em português, em 1638, pelo
médico judeu-português Zacuto Lusitano, à intenção de seu filho Jacob Zacut, que veio para
Pernambuco, durante a ocupação holandesa, para atuar no tráfico de escravos”.
"Para a história da medicina no Brasil, esse manuscrito possui uma importância comparável à
que a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha tem para a história da colonização portuguesa no
país", afirma o Francisco Moreno de Carvalho.

“O documento, preservado em duas cópias também manuscritas, é o registro médico mais


antigo de que se tem notícia sobre o Brasil - antes acreditava-se que o mais antigo era de 1683
- e, por meio de sua publicação e seu estudo, será possível conhecer melhor as práticas
terapêuticas utilizadas no país durante o período colonial, do século 17 ao 19, quando nem
existiam faculdades de medicina no país, muito menos médicos e hospitais para toda a
população”.

Nessa época, as ervas medicinais e os rituais místico-religiosos - frutos do conhecimento


popular herdado da mistura das culturas indígena, africana e européia - eram os únicos
remédios contra os males tropicais que afligiam os brasileiros.

É nesse contexto que se situa o documento que vem sendo transcrito por Francisco Moreno de
Carvalho. Embora redigido como uma guia prático de uso pessoal, o "Tratado" remete aos
procedimentos terapêuticos usados no período, tanto no Brasil quanto na Europa. "Zacuto

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Lusitano já havia estudado casos clínicos oriundos do Brasil antes desse manuscrito e
publicado, em latim, os usos recém-descobertos de algumas plantas brasileiras"..

Doutor em Pensamento Judaico e História da Medicina pela


Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e versado em sete
línguas (entre elas o hebraico fluente), Francisco Moreno de
Carvalho foi mais longe em suas pesquisas, percorrendo todo o
caminho feito pela comunidade judaica de Portugal na época da
conversão forçada dos judeus. Eles foram obrigados, no século 15,
a se converter ao Cristianismo. Reunidos em Amsterdã, os cientistas
judeus acabaram contribuindo largamente para o desenvolvimento
da medicina ocidental, incorporando, inclusive, o conhecimento das
ervas medicinais advindo das civilizações pré-colombianas da
América do Sul e de países orientais, como a Índia.

Acho que não é preciso dizer mais nada para estabelecer o notável
papel dos sábios e cientistas judeus do século XV que tornaram
possível as viagens transoceânicas e as descobertas realizadas
pela frota portuguesa.
Cabral
A contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas
terras para a coroa portuguesa não se limitou ao campo científico de feição preparatória, senão
também se traduziu na participação direta das temerárias viagens, nas quais os judeus se
revelaram de vital utilidade, graças ao conhecimento que tinham das línguas e costumes de
vários países e povos. E foi assim que os judeus tiveram papel importante na expedição que
resultou no descobrimento do Brasil. Na frota comandada por Pedro Álvares Cabral, viajaram
como conselheiros e especialistas pelo menos dois judeus: Mestre João, médico particular do
rei e astrônomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinha como
incumbência realizar pesquisas astronômicas e geográficas; e Gaspar de Lemos, também
conhecido como Gaspar da Gama e Gaspar das Índias, intérprete e comandante do navio que
levava os mantimentos, e justamente considerado pelos historiadores como co-responsável
pelo descobrimento do Brasil. Leia-se, para melhor conhecimento desta figura notável, o livro
de Elias Lipiner, "Gaspar da Gama , um converso na frota de Cabral".

Gaspar de Lemos ou da Gama ou das Índias foi o primeiro


explorador do Brasil . Como relata outro Gaspar, o Correia ,nas
"Lendas da Índia": "El-Rei entregou ao Capitão-mór Gaspar da
Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, porque sabia falar muitas
línguas, a que El-Rei deu alvará de livre e fôrro de sua comédia
em terra dez cruzados cada mês, muito lhe recomendando que
o servisse com Pedralves Cabral, porque se bom serviço lhe
fizesse, lhe faria muita mercê; e porque sabia as coisas da
Índia, sempre bem aconselhasse ao Capitão-mór o que fizesse,
porque êste judeu tinha dado a El-Rei muita informação das
coisas da Índia mórmente de Gôa".

Gaspar de Lemos era judeu nascido na Polônia, de onde foi


Mestre João expulso ou teve que fugir em 1450, quando criança, por não ter
querido sua família converter-se ao cristianismo. Após uma
longa peregrinação através da Itália, Palestina, Egito e outras terras, teria resolvido
permanecer em Gôa, na Índia, ali adquirindo prestígio e vindo a ocupar a função de capitão-
mór de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva. Foi nessa ilha que
Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem à Índia, conheceu
Gaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristão e prisioneiro do poderoso
Saboya, proprietário da ilha. Não tendo conseguido burlar a perspicácia de Vasco da Gama,
este depressa forçou-o a confessar que tinha sob suas ordens quarenta navios com instruções
de Saboya para, na primeira oportunidade, atacar a frota lusitana.

No entanto, o incidente acabou gerando uma sólida amizade de Vasco da Gama por Gaspar de
Lemos, a quem levou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu

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nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar da Gama - e
apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez persona grata na
côrte, nomeou-o "cavalheiro de sua casa".

Vários historiadores acham que apoiado na sua enorme


experiência de viagens marítimas, tivesse Gaspar
intencionalmente induzido Pedro Álvares Cabral a afastar-se
da África por acreditar na existência de outras terras na
direção oeste da vastidão do Oceano. Gaspar da Gama fez
jús ao epíteto de "o primeiro explorador da terra", que lhe deu
Afrânio Peixoto, e mesmo ao de "co-descobridor do Brasil",
que lhe atribuiu Alexandre von Humboldt.

Não podemos esquecer, também, a figura do também judeu


Bartolomeu Dias, o primeiro a atravessar o Cabo das Bartolomeu Dias
Tormentas. Na prática, o homem que possibilitou não apenas
a viagem de Vasco da Gama às Índias, mas a própria
expedição de Cabral. Foi Bartolomeu quem concebeu a Volta do Mar, o percurso original que,
afastando-se da Costa africana, permitiu às naus portuguesas escaparem da calmaria nas
proximidades daquele litoral.

ERA JOÃO RAMALHO JUDEU ?

Horácio de Carvalho, jornalista e diretor do Diário Oficial do Estado de São Paulo, afirmava:
“sim, é judeu”.O sinal encontrado na assinatura do velho paulista nada mais seria do que um
káf, letra do alfabeto hebraico. O geógrafo Teodoro Sampaio concordou com a tese.O Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo dividiu-se quanto à questão, que permanece em aberto.
O fato, porém, é que João Ramalho e seus filhos participaram ativamente da absorção (klitá)
dos judeus, primeiros colonizadores do Brasil. O historiador Rocha Pombo admite que João
Ramalho tenha vindo antes da descoberta do Brasil, possivelmente em 1497, época da
expulsão dos judeus de Portugal.

Leôncio Basbaum aponta como iniciativa


capitalista pioneira o ciclo do açúcar. Foram os
judeus que introduziram a cana-de-açúcar,
construíram os engenhos, financiaram toda a
operação e transportaram o açúcar demerara
(mascavo) para a Europa, onde foi refinado e
vendido a peso de ouro.

Não ficam apenas no açúcar e no pau-brasil, os


judeus colonizadores. Cultivam o fumo, montam
os primeiros fornos de fundição e introduzem em
1530, as primeiras oficinas de lapidação de pedras
João Ramalho preciosas. E, enquanto na Ibéria fecham-se as
garras da Inquisição, no Brasil, seu primeiro
educador, o jesuíta José de Anchieta, opõe-se energicamente à instalação de tribunais do
Santo Ofício no país.

A emigração de judeus e cristãos-novos assume tal vulto que, em 1567, D.Henrique, regente
de Portugal, proíbe essa fuga de conversos.

O braço da Inquisição era longo e chegou ao Brasil, inicialmente ao Rio de Janeiro e à Bahia.
“Vínculos de Fogo”, de Alberto Dines, e “Santa Inquisição”, de Elias Lipiner, são dois dos vários
livros que tratam do assunto com muita seriedade e emoção.

Instalado o Santo Ofício na Bahia, em 1591, os judeus migram. Uma parte foge para São
Paulo, outros ainda mais para o sul e uma parte significativa para o Nordeste. Menos de 40
anos depois, os holandeses invadem vitoriosamente Pernambuco e arredores. Os marranos

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baianos retornam ao judaísmo. Maurício de
Nassau proclama a igualdade de direitos e a
liberdade de culto; fundam-se, imediatamente,
duas sinagogas e chegam ao Recife o primeiro
rabino das Américas, Isaac Aboab da Fonseca, e o
cantor ritual (chazan ou hazan), Moisés Rafael de
Aguiar.

Sob o domínio holandês, o judaísmo prosperou e


afirmou-se. Foi criada a congregação Zur Israel, e
marranos e cristãos-novos abandonaram os
Zur Israel disfarces.

Mas, em 1645, os holandeses são batidos por Henrique Dias e Felipe Camarão. Os judeus
fogem com os holandeses. O êxodo dirige-se para as Guianas, as Antilhas e a Nova Holanda.
Evidentemente, os judeus fogem, levando suas riquezas materiais e o seu know-how. E não é
à toa que o ciclo do açúcar reproduz-se na América Central.

O BEQUIMÃO

Em 1684, no Maranhão, no norte do Brasil, explodiu, segundo o historiador Varnhagen, “ a


mais séria revolução operada” no país. Seu protagonista “ foi o homem mais popular do
Maranhão naqueles tempos, por sua coragem cívica”, o judeu Manoel Beckman, autor do
primeiro discurso político brasileiro, segundo o historiador João Francisco Lisboa. Beckman, na
linguagem da gente simples conhecido simplesmente como o Bequimão, morreu "pelo povo do
Maranhão", segundo suas próprias palavras, proferidas antes de subir à forca.

Como relata Maria Liberman, em sua tese de Mestrado na USP, "no final do século XVII deu-se
no Maranhão uma Revolução, resultante do protesto do povo contra a miséria e a exploração.
Neste levante tomaram parte senhores de engenho, clero e povo. Os idealizadores deste
levante público foram dois judeus, Manoel e Thomaz Beckman, que sonhavam em mudar as
condições de vida da região, pois a população em geral, pobres e ricos, eram prejudicados
pela política econômica".

Manoel nasceu em Lisboa, pai alemão e mãe portuguesa. Chegou ao Maranhão em 1662,

casou-se com Maria de Almeida Cáceres e já em 1668


ocupava o cargo de vereador no Estado. Seu irmão
Thomas chegou alguns anos mais tarde, casando-se com
Helena de Cáceres, irmã de sua cunhada.

Manoel Beckman conduziu o povo na revolta contra as


atividades da Companhia de Jesus, contra a Companhia
de Comércio do Maranhão e contra a corrupção política
dos representantes da Coroa. Foi enforcado sem
julgamento em 1684, por ordem do governo. Suas últimas
palavras: "Morro feliz pelo povo do Maranhão".
Manoel Beckman

Há registros de que os descendentes do Bequimão vivem


hoje no Brasil e o seu papel heróico ainda continua sem
ser estudado nas escolas do país.

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ANTONIO JOSÉ

Em 1739, Antonio José da Silva, O Judeu, primeiro e mais destacado homem do teatro
brasileiro, em seu tempo, é queimado vivo em Lisboa. Entre as vítimas brasileiras da Inquisição
portuguesa, na fase da sua mais negra atuação, figura Antônio José da Silva, nascido no Rio
de Janeiro, em 1705.

Aos oito anos de idade, mudou-se ele com seu pai para Lisboa, para onde acabava de ser
enviada como prisioneira a sua mãe, acusada de judaísmo pelos agentes da Inquisição.

Em Portugal, freqüentou Antônio José colégio e universidade, sempre revelando excepcionais


dotes de inteligência e invulgar pendor literário. Em poucos anos, seu espírito criador
enriqueceu a literatura portuguesa de numerosas peças teatrais de singular valor, galgando ele
os mais altos degraus da fama e da popularidade.

Como de suas peças, genialmente arquitetadas, com freqüência extravasasse um sarcasmo


sem rebuços contra a torpe atividade da Inquisição, esta o marcou
e não mais descansou no afã de eliminá-lo.E ela conseguiu o seu
intento, não obstante o prestígio imenso do poeta.

Tentara a princípio intimidá-lo, confiscando-lhe os bens e


esmagando-lhe os dedos - ato este praticado na igreja de São
Domingos em 13 de outubro de 1726 - na esperança de que assim
não mais viesse a manejar a sua pena mordaz. Vendo, porém,
que com isso ainda mais haviam acirrado o seu ódio ao
monstruoso tribunal, os inquisidores enredaram Antônio José da
Silva numa complicada trama de denúncias e falsos testemunhos,
entre os quais o de que ele ria do nome de Cristo, jejuava às
segundas e quintas-feiras, vestia roupa limpa aos sábados, e
rezava o Padre Nosso substituindo, no fim, o nome de Jesus pelo
de Abraão e do Deus de Israel.

E assim, inapelavelmente condenado à pena capital em 11 de março de 1739, foi Antônio José
da Silva - cognominado "O Judeu" - queimado, em 21 de outubro do mesmo ano, na praça
pública, não tendo faltado sequer alguns requintes de crueldade: foram obrigadas a assistir ao
ato - a sua mãe, septuagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos.

O ARRENDAMENTO DO BRASIL

Achado o Brasil, o interesse do rei D. Manoel pela nova terra diminuiu drasticamente. A
expedição enviada à costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, não
apresentou resultados que entusiasmassem o Governo português, que estava muito
interessado em ouro, mas no Brasil "nada fôra encontrado de proveito, exceto infinitas árvores
de pau-brasil, de canafístula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas da natureza
que seriam longas de referir" (carta de Américo Vespucci a Soderini).

O que foi extremamente benéfico aos judeus que, em 1502,


propuseram o arrendamento do Brasil por um consórcio dirigido por
Fernando de Loronha. Uma proposta para a exploração da nova
colônia mediante contrato de arrendamento, a colonização do Brasil
a expensas de particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer
encargos para o erário público, e ainda com a possibilidade de lhe
serem proporcionados lucros e de ser sustentada a autoridade
portuguesa na nova possessão.

O acordo, um monopólio de comércio e de colonização, foi firmado


em 1503, pelo prazo de 3 anos. Na verdade, era a ação inteligente

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de um grupo de judeus interessado em acomodar centenas, senão milhares de israelitas,
refugiados das perseguições anti-semitas que voltavam a se manifestar na Ibéria e outras
regiões da Europa e do norte da África.

A empresa de Fernando de Loronha passou a enviar seis navios anualmente; iniciou a


exploração e o cultivo, a cada ano, de uma nova região de 300 léguas; construiu fortalezas e,
claro, comprometeu-se a destinar à Coroa, a partir do segundo ano do arrendamento, a sexta
parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no terceiro ano, a quarta parte das
mesmas.

Esse contrato foi, com algumas modificações, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e
1511, estendendo-se até 1515.

Em maio de 1503 partiu de Portugal a primeira frota, composta de seis navios, tendo aportado
em 24 de junho de 1503 a uma ilha até então desconhecida, que inicialmente recebeu o nome
de São João, mais tarde trocado para "Fernando de Noronha" , seu descobridor. A ilha lhe foi
doada pelo rei em 1504.

Já nesse mesmo ano, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme
carregamento de pau-brasil (também conhecido como a "madeira judaica").

O comércio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha cresceu


muito, exportavam-se nada menos de 20.000 quintais por ano - e de tal importância econômica
ele se revestiu, que deu origem à denominação de "ciclo do pau-brasil", sob a qual é conhecido
aquele período, além de ter se tornado o nome definitivo da terra - Brasil.

Fernando de Noronha, também chamado Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha, foi uma
personalidade marcante na vida pública de Portugal.

Até 1530, a Coroa pouco se importou com o aproveitamento do Brasil.

Aí por volta de 1515, Portugal acordou para a realidade: ou se ocuparia do vastíssimo território
do Brasil ou se arriscaria a perder o comércio com ele e, por via de conseqüência, a
soberania. O perigo era real, o litoral brasileiro era intensamente freqüentado por corsários
franceses, que traficavam com os indígenas, quebrando o monopólio português do pau-de-
tinta.

É então que o governo português tomou uma série de medidas. De um lado, organizou
armadas guarda-costa, em cujo comando se destacou Cristóvão Jaques; de outro lado, tomou
medidas de incentivo à colonização do Brasil, facilitando o embarque de todos quantos
quisessem partir como colonos.

Um decreto baixado em 1516 por Dom Manuel I, rei de Portugal, estabelece que todo aquele
que emigrasse para o Brasil receberia, por conta da Coroa, o equipamento necessário para aí
construir um engenho de açúcar, não se tendo o decreto descuidado de ordenar que fosse
enviado um perito à nova colônia a fim de dar a necessária assistência.

O decreto dizia em dado momento: "Machadinhas, enchadas e outros instrumentos deverão


ser dados às pessoas que vão popular o Brasil e um homem experiente e capaz deverá ser
enviado ao Brasil para dar início a um engenho de açúcar. Deverá receber toda a assistência e
materiais e instrumentos necessários para a construção do engenho".

A despeito das facilidades concedidas pelo Governo, sabe-se que eram raros os portugueses
cristãos que quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente, estavam mais interessados na
Índia - daí por que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os
voluntários judeus, constituindo a maioria das levas imigratórias.

As providências tomada pelo Governo de Portugal deram bons resultados, documentos de


1526 já se referem a direitos alfandegários pagos em Lisboa sobre açúcar importado do Brasil.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

OS JUDEUS E O CICLO DA CANA DE AÇÚCAR

A suposição de que predominavam os judeus entre esses primeiros colonizadores é


corroborada pelo fato de que a indústria do açúcar já vinha sendo, desde muitos anos antes, a
ocupação preferencial dos judeus das ilhas da Madeira e de São Tomé, de onde
provavelmente foi a cana de açúcar transplantada para o Brasil.
Assim, de 1515 a 1530, coube aos judeus uma parcela fundamental no cumprimento da tarefa,
organizada por Portugal, como primeiros colonizadores do Brasil.

Visando uma colonização sistemática e em larga escala, o rei de


Portugal, D. João III, em 1530, mandou aprestar uma armada
com 400 homens, sob o comando do seu amigo, o cristão novo
Martim Afonso de Sousa, a quem nomeou "Capitão-mór e
Governador das Terras do Brasil", dando-lhe autorizações
especiais de muita amplitude, que abrangiam "o direito de tomar
posse de todo o país, fazer as necessárias divisões, ocupar
todos os cargos, exercer todos os poderes judiciários, civis e
criminais". A expedição de Martim Afonso de Sousa, dando
cumprimento à sua missão, cobriu, em 2 anos, todo o litoral
brasileiro, estendendo-se desde o Amazonas até o rio da Prata,
Bahia e São Vicente.

Martim Afonso de Sousa Martim Afonso de Sousa concentrou as suas atenções em dois
pontos do litoral, pontos esses que perdurariam ao longo de toda
a história do Brasil como focos de progresso: o Nordeste (Bahia-Recife) e o Sudeste (Rio-S.
Paulo).

Tal bicentrismo econômico e social teve uma influência decisiva sobre a história econômica do
país, até os nossos dias: o Nordeste predominando nos séculos XVI e XVII - ciclos do pau-
brasil e do açúcar; o Sudeste se sobressaindo no século XVIII, à época da mineração do ouro;
um curto ressurgimento setentrional; e, finalmente, um predomínio meridional definitivo no
século XIX, ao influxo da grande agricultura, especialmente da cultura do café; tudo isso, sem
prejuízo das perspectivas de franco progresso que tornam a desenhar-se para o Nordeste,
embora sem afetar o centro-sul.

A existência de dois centros econômicos importantes merece especial atenção: os judeus,


sempre que acossados pelas perseguições no Nordeste, escolhiam como refúgio a província
de São Vicente; por outro lado; é importante registrar que em cada um dos pontos - Bahia e
São Vicente (S. Paulo) - Martim Afonso de Souza encontrou judeus influentes -
respectivamente, Diogo Álvares Correia, o Caramuru e João Ramalho - que lhe prestaram
decisivo apoio na sua tarefa colonizadora.

CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

Em 1532, resolveu D. João III, criar capitanias situadas ao longo da costa, medida que pôs em
prática entre os anos de 1534 e 1536, mediante a divisão do litoral entre o Maranhão e Santa
Catarina em 14 lotes, de 10 a 100 léguas de costa, doando essas 14 capitanias hereditárias a
12 "donatários", escolhidos entre os nobres e valorosos vassalos, os quais deviam explorar e
colonizar à sua custa as regiões que lhes haviam sido confiadas, tudo fazendo pelo seu rápido
e seguro progresso.

Novamente, um atrativo e motivo de estímulo para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatários,


desejosos de imprimir prosperidade às suas capitanias, disputavam colonos patrícios. Como já
foi registrado, os portugueses cristãos preferiam a Índia, cujos efeitos atrativos perduravam.
Assim, não restava aos donatários senão recorrer mais uma vez às famílias judias, às quais se
concediam direitos e vantagens iguais aos dos demais colonos.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Além disso, os judeus se revelaram excelentes colonizadores, hábeis no trato com o gentio, a
cujos hábitos e línguas logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade.
Portanto, as possibilidades de progresso das capitanias dependia em bom grau dos judeus, e,
graças a esta circunstância, puderam eles gozar de ampla liberdade de costumes.

Das capitanias, duas se desenvolveram com resultados apreciáveis: Pernambuco e São


Vicente, justamente os dois focos de progresso - Nordeste e Sudeste. Excepcional foi o
desempenho da capitania de Pernambuco, dirigida por Duarte Coelho Pereira. Ele logo
percebeu que a região era favorável à agricultura - fumo, algodão e cana de açúcar - para esta
última, Duarte Coelho implantou o cultivo intenso e sistemático de cana e incrementou a
indústria açucareira.

Duarte Coelho determinou o estabelecimento de grandes plantações de cana de açúcar e a


construção de bom número de engenhos, mandando trazer, das ilhas da Madeira e de São
Tomé, mecânicos, capatazes e operários especializados - em sua maioria judeus - para
dirigirem engenhos e impulsionarem a produção do açúcar.

Já assinalei antes, mas insisto na observação do historiador marxista Jacob Gorender: esta foi,
provavelmente, a primeira experiência capitalista realizada no Novo Mundo.
Registro importante: o judeu Diogo Fernandes, o maior técnico em produção de açúcar de seu
tempo, foi trazido por Duarte Coelho ao Brasil.

Por vários motivos - tamanho excessivo dos territórios, falta de recursos para repelir os ataques
dos selvagens ou as invasões estrangeiras, falta de união entre os donatários - falhou
totalmente o sistema de colonização das capitanias, mesmo com as exceções que
representavam as de São Vicente e Pernambuco.

Resolveu, então, D. João III, em 1548, criar um governo geral, com sede na Bahia, capaz de,
em torno dele, reunir os esforços dos donatarios, dando-lhes "favor e ajuda" e deles recebendo
auxílios, inclusive "gente e mantimentos".

Com a implantação do novo sistema de governo em 1549, não sofreu alteração a situação dos
judeus no Brasil, muito embora na mesma ocasião se fixassem no país os jesuítas.
E as condições então existentes eram tão complexas que os jesuítas se viram forçados a uma
política de transigência e prudência, merecendo destacar a atividade do padre José de
Anchieta e do primeiro bispo do Brasil - Pero Fernandes Sardinha - que se opuseram
energicamente à instalação de tribunais inquisitoriais no país e a quaisquer outras formas de
discriminação e perseguição.

Em 1554, escrevia o padre José de Anchieta "ser grandemente necessário que se afrouxasse o
direito positivo nestas paragens". Da mesma forma, o bispo Pero Lopes Sardinha opinava que
"nos princípios muitas mais coisas se hão de dissimular que castigar, maiormente em terra tão
nova como esta".

Esse panorama de tolerância contrastava vivamente com a onda de ódio e discriminação que
varria Portugal, "onde crepitavam ininterruptamente as fogueiras dos autos de fé", registra
Salomão Serebrenick em seu livro sobre a época.

Ou seja, diante da fúria da perseguição religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a


tentar vida nova no Brasil, como refúgio seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios
de liberdade, as suas esperanças de paz e de tranqüilidade.

Tudo jogava a favor do estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente imigratória de


judeus portugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar
numerosos núcleos, dando mesmo início a uma vida coletiva que com o tempo viria assumir
nitidamente características judaicas como o testemunham as esparsas referências encontradas
sobre uma sinagoga que funcionava em uma casa de propriedade do cristão-novo Heitor
Antunes, na cidade do Salvador, sede do Governo Geral, sobre uma outra que fazia parte de
um centro marrano em Camaragibe, capitania de Pernambuco, que chegou a contar com um
rabino, Jorge Dias do Caia, cristão-novo, calceteiro.

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OS HEBRAICOS
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Martim Afonso de Souza, como já disse, teve o apoio de duas extraordinárias figuras, o
Caramurú e João Ramalho, que lhe prestaram decisiva ajuda na sua função de colonizar o
Brasil.

Esses dois vultos, de vida lendária, são justamente considerados os primeiros colonizadores de
fato do país. Ambos aportaram à costa brasileira como náufragos, e na mesma época, por volta
de 1510; ambos tiveram que se acomodar com os indígenas, aos quais acabaram impondo a
sua autoridade: ambos integraram-se na vida dos selvícolas, inclusive casando com índias; um
e outro realizando uma extraordinária obra de pacificação e aproximação entre os indígenas e
os representantes do Governo de Portugal.

De João Ramalho falamos, algumas páginas atrás. Cabe, agora, falar do judeu Diogo Álvares
Correia.

CARAMURU

A História registra uma interessante lenda: em 1509 ou 1510, um


navio português naufragou junto da atual Bahia de Todos os
Santos.

Quase todos os homens morreram afogados ou foram devorados


pelos índios Tupinambás. Entre os poucos deixados para serem
sacrificados posteriormente, em espetáculo festivo, estava Diogo
Álvares Correia. Quando se aproximava a hora de ser ele
sacrificado, uma idéia salvou-lhe a vida: Disparou Diogo o
mosquete que retivera do naufrágio e matou um pássaro em
pleno vôo.

Os selvagens foram tomados de grande terror, pondo-se a gritar:


"Caramuru! Caramuru!", ou seja, "homem do fogo" ou "filho do Diogo Álvares Correia,
trovão". (Para alguns estudiosos, o apelido Caramuru se deriva o Caramuru
do fato de ser esse o nome com que os indígenas designavam um peixe comum no recôncavo
da Bahia, a moréia, freqüentadora das águas baixas, numa das quais teria sido encontrado
Diogo Álvares depois do naufrágio).

Seja como for, Diogo Álvares Correia passou a ser altamente considerado pelos índios que,
daí em diante, o respeitavam como a um chefe. Mais tarde, casou-se com Paraguassu, filha do
chefe Taparicá, com o que se tornaram mais íntimas e sólidas as suas relações com os
indígenas.

Quando da chegada de Martim Afonso de Souza, Caramuru serviu de intérprete e elemento de


ligação entre esse primeiro Governador do Brasil e os chefes índios, acertando medidas para a
introdução de trabalhos agrícolas na região com o aproveitamento de sementes trazidas por
Martim Afonso.

A partir de 1538, no período do primeiro Capitão-mór, D.Francisco Pereira Coutinho, o


Caramuru desempenhou papel muito importante: foi um governo tumultuado, pleno de
sucessivos desentendimentos entre os portugueses e os indígenas. Nomeado em 1548 o
primeiro Governador Geral do Brasil - Tomé de Souza - o rei dirigiu-se em carta a Caramuru,
pedindo sua cooperação, nestes termos:

"Diogo Álvares. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo da
minha Casa, a essa Bahia de Todos os Santos(...) E porque sou informado pela muita prática
que tendes dessas terras e da gente e costumes delas o sabereis bem ajudar e conciliar, vos
mando que, tanto o dito Tomé de Souza lá chegar, vos vades para êle e o ajudeis no que lhe
deveis cumprir e vos encarregar, porque fazeis nisso muito serviço... Sendo necessária vossa
companhia e ajuda, encomendo-vos que ajudeis no que virdes que cumpre, como creio que o
fareis. Bartolomeu Fernandes a fêz em Lisbôa a 19 de novembro de 1548. Rei".

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Caramuru, é claro, atendeu ao pedido do rei e tão proveitoso foi o auxílio prestado a Tomé de
Souza que, em meio a uma plena cooperação dos índios, pôde rapidamente ser fundada, em
1549, a cidade do Salvador, Capital do País, no lugar onde anteriormente Caramuru
estabelecera a aldeia "Vila Velha".

O prestígio de Caramuru foi de tal ordem que ele, acompanhado da esposa índigena,
Paraguassu-Catarina, foi recebido com todas as honras na Corte, em Lisboa.

O período de 1530 a 1570 é talvez o único em toda a história dos primeiros quatro séculos do
Brasil, do qual se pode dizer que, no seu decorrer, a evolução da vida judaica se entrosou
plenamente com a do país, numa cooperação ativa, uma coexistência pacífica e uma
integração harmoniosa.

Vale destacar que do casamento de Diogo Álvares Correia com Catarina, a filha do Chefe da
tribo, nasceram muitos filhos e esses tiveram muitos outros, constituindo uma estirpe que
incluiu, por exemplo, os poderosos Ávilas da Casa da Torre. O clã primordial derivado de
Catarina e Caramuru influenciou de forma extraordinária na formação da sociedade brasileira.
Neto de Catarina e Caramuru, Melchior Dias Moréia'é o descobridor das lendárias minas de
prata. Entra na História com o apelido de Moribeca, quase revela a localização dessas minas,
morre sem revelar o aonde. É o nascimento da lenda da cidade perdida que, em 1983, me é
contada pelo rabino Hamu, lamentando que a hidrelétrica de Tucuruí vá sepultar a "cidade
Moribeca"...

(Quem quiser se deliciar e se informar mais com a aventura de Caramuru, deve ler "Caramuru
e Catarina", lendas e narrativas sobre a Casa da Torre de Garcia d'Ávila, de Francisco Antonio
Doria, Editora Senac, São Paulo).

Para a formação do Brasil, esse período foi decisivo. No seu transcurso, fez-se sentir o poderio
da metrópole, primeiro através das capitanias hereditárias e depois por intermédio do Governo
Geral, que unificou politicamente o território, exercendo o poder da Coroa sobre o dos capitães-
móres.

É da maior importância verificar que, durante esse período de expansão, os judeus tenham
desempenhado um papel honroso e atuante na vida econômica e social do país.

No período da colonização sistemática (1530-1570), criaram-se todas as condições favoráveis


à expansão de uma sólida comunidade israelita no Brasil.

O número dos judeus, graças à intensa imigração e ao crescimento natural, alcançou uma
proporção razoável vis-à-vis a população geral, o suficiente para se opor ao risco de
assimilação. Havia tolerância e liberdade suficientes para que os judeus mantivessem
abertamente suas práticas religiosas, ainda que algo sincretizadas com o catolicismo.

As sucessivas levas imigratórias de judeus portugueses exerciam um papel de reativação do


cotidiano israelita, evitando, até onde isso era possível, a aculturação.Graças a esta
conjuntura, estavam se desenhando perspectivas seguras para que, nos fins do século XVI,
passasse a existir no Brasil uma coletividade judaica, numerosa e estável.

No entanto, novos fatores adversos intervieram para tumultuar esse processo em marcha.
Por volta de 1570, sobreveio uma alteração na política emigratória de Portugal. Às normas
liberais até então em vigor, surgiu uma longa série de medidas restritivas, volta e meia
entremeadas de permissões, condicionadas e efêmeras, concedidas a troco de subornos.
Em 30 de junho de 1567, na regência do Cardeal D. Henrique, foi expedido o primeiro alvará
que proibia a saída do reino, por mar ou por terra, a todos os cristãos-novos.

Em 1573, foi essa proibição reforçada por D. Sebastião. E, embora quatro anos mais tarde, em
1577, o próprio D. Sebastião a revogasse, mediante a contribuição de 250 mil cruzados para o
custeio da malograda expedição à África, voltou o alvará a ser revigorado em janeiro de 1580,
pelo Rei-Inquisidor D. Henrique. Nesse mesmo ano de 1580, perdeu Portugal sua

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independência para a Espanha e, em 1587, foram confirmadas todas as leis anteriores sobre a
proibição da saída de judeus.

Em julho de 1601 foi, por Carta-Patente, concedida aos judeus licença para sair do reino, a
troco de 200 mil cruzados. Mas, nove anos mais tarde, em março de 1610, foi promulgada uma
lei que revogou a concessão de saída, apesar das promessas de que a proibição não mais se
repetiria. Somente em 1627, voltou a ser concedida aos judeus uma permissão condicionada
de saída e, finalmente, em 1629, a lei estabeleceu definitivamente a livre saída do reino,
benefício para cuja concessão tiveram os judeus que contribuir com a quantia de 250 mil
cruzados.

Tudo, fruto da freqüente incompatibilidade entre a igreja e a coroa - pela situação precária das
finanças do país, que impelia ao recurso da extorsão de dinheiro judaico, em alternância com a
necessidade de reter os judeus no país, eis que, emigrando para outros países, eles
concorriam para sua prosperidade, enquanto se depauperava o reino, como chegou a
confessá-lo o Conselho de Fazenda nestes termos: "...estar o comércio empobrecendo e terem
os homens de mais cabedal deixado o País".

Apesar de tudo, o êxodo dos judeus de Portugal em busca do Brasil prosseguia intenso. Tão
crescentes eram as perseguições a que os judeus se viam expostos, que eles sempre
encontravam os meios de contornar as proibições, nos períodos em que não o conseguiam
oficialmente através das já mencionadas contribuições de vulto

Na última década do século XVI, a corrente emigratória dirigiu-se basicamente para a França e
aos Países Baixos, onde florescia o comércio e reinava tolerância religiosa, o que permitiu a
rápida formação de uma ampla comunidade na cidade de Amsterdã, aí conhecida como a
"Nova Jerusalém".

Mesmo nesse período, continuava a vinda de judeus portugueses ao Brasil. Há indícios de que,
de um modo geral, os países europeus, e em especial a Holanda, eram preferidos pelos
emigrantes mais abastados, enquanto ao Brasil se dirigiam os pertencentes às camadas
sociais mais modestas, sobretudo os que tinham propensão à agricultura. Fosse como fosse, o
certo é que essa simultânea emigração de judeus portugueses, para o Brasil e os Países
Baixos, propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e
holandeses, o qual nos anos seguintes veio a ter importante repercussão político-social,
decorrente do conflito de consciência em que se viram lançados os judeus brasileiros em
virtude do triângulo Brasil-Portugal-Holanda que passou a dominar os seus interesses
individuais e suas aspirações coletivas.

As sucessivas restrições à emigração dos judeus de Portugal, as quais cobriram todo o período
de 60 anos (1570-1630), não foram de molde a afetar substancialmente a entrada contínua de
judeus no Brasil, onde prosseguia crescendo seu número e sua prosperidade. Entretanto,
fatores outros passaram a prejudicar a vida judaica no Brasil, até então tranqüila e serena.
Começaram a surgir sinais indiscutíveis de restrição à liberdade, que com o tempo se
reforçaram, fazendo definhar a vida coletiva judaica, justamente quando parecia aproximar-se a
sua consolidação, e forçando os judeus a retornarem, qual na sua mãe-pátria, a uma vida
disfarçada, dupla, de forma a guardarem as tradições apenas no recesso da família e assim
mesmo com a devida cautela.

A primeira manifestação de intolerância verificou-se logo em 1573, na cidade do Salvador,


onde foi instalado um auto de fé. Paradoxalmente, mas talvez de propósito, não era israelita a
primeira vítima; era um francês que, acusado de heresia, foi condenado e queimado vivo. O
balão de ensaio não surtiu, porém, os esperados efeitos. Os espetáculos dos autos de fé em si
não exerciam nenhuma emoção especial sobre os índigenas, habituados à incineração de
prisioneiros e que,por outro lado, permanecia incompreensível para os gentios que se
queimassem pessoas por respeitarem e servirem outro Deus, o que os levava a simpatizar com
os prisioneiros da Inquisição. Assim, esta encerrou brevemente a sua cruel tentativa.

Restabeleceu-se, então, o ambiente de tolerância, com o franco apoio da opinião pública.Em


1591, acabou vindo ao Brasil o Santo Ofício, sendo essa missão conhecida como "Primeira

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visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça". Na
Bahia, permaneceu a Inquisição durante dois anos, até 1593, seguindo então o Inquisidor para
Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, onde ficou até 1595. Decorridos 25 anos, a Bahia, então
capital do Brasil, foi, entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de 1619, alvo de uma nova
visitação do Santo Ofício, que ficou a cargo do Inquisidor de Évora, o bispo D. Marcos Teixeira.
Diante desta segunda comissão inquisitorial, foram denunciados nada menos de 90 marranos,
entre eles muitos senhores de engenhos de açúcar. Registre-se que o Santo Ofício limitou
suas visitas ao Nordeste, jamais tendo tentado instalar-se no Sudeste do país, talvez para não
se expor a um fracasso completo, dado o ambiente hostil que certamente ali iria encontrar.

Essa circunstância propiciou o primeiro movimento migratório interno dos judeus do Brasil.

Todavia, cabe registrar aqui a tragédia de Izaque de Castro, o adolescente que veio
embarcado preso na caravela do mestre Antônio Borges, vinda da Bahia para Lisboa em março
de 1645. Tragédia esta que foi descrita nos seus mínimos detalhes por Elias Lipiner em "Izaque
de Castro, o mancebo que veio preso do Brasil". É uma história extraordinária, escrita com
todas as peças do seu processo no Santo Ofício em mãos de Lipiner. É a história de um jovem
judeu luso-holandês, profundo conhecedor da Lei de Moisés e que jamais, em momento algum,
cedeu à tortura e às chantagens da Inquisição. E terminou queimado vivo em Lisboa, em 15 de
dezembro de 1647.

É provável que o movimento migratório interno viesse se processando, em condições normais.


Sobretudo por motivos econômicos, pois não se ocupavam os judeus somente de agricultura; o
seu senso inato de mobilidade e de ubiqüidade certamente os levara a monopolizar o comércio
entre os núcleos rurais e urbanos, assim penetrando nas mais recônditas partes do país.

Mas eram migrações lentas,de caráter voluntário. Já por ocasião dos inquéritos da Inquisição
no Nordeste deve ter sido de forma forçada, e em mais rápido rítmo, a saída de judeus daquela
região em direção da parte mais liberal do país, onde não medravam preconceitos, e que era
sobretudo a capitania de São Vicente - justamente o segundo foco de progresso do país.

Não se sabe ao certo dos motivos das visitações do Santo Ofício ao Brasil, pois tornaram os
inquisidores ao reino sem que viessem a lume os efeitos das sindicâncias.É todavia de se
presumir que tivessem fundo político, receosa como se achava a Coroa quanto aos negócios
dos cristãos-novos com a Holanda e quanto a certos indícios de que o inimigo encontraria no
Brasil aliados e guias.

A conjetura tinha fundamento, e os registros da visitação de 1618-1619 revelaram,


efetivamente, que, durante cerca de 25 anos, os marranos do Brasil vinham se mantendo em
constante comunicação com os judeus praticantes de Flandres e, em especial, com os ex-
marranos portugueses que tinham escapado para Amsterdã e recuperado a sua condição
judaica.

As suspeitas foram reforçadas mais tarde com a criação da Companhia das Índias Ocidentais,
aprovada em 1621 pelo governo holandês. Em face do programa e dos poderes dessa
Sociedade - entre os quais se incluíam os de nomear e depor governadores, fazer tratados de
aliança com os indígenas, erguer fortalezas e construir colônias - e da circunstância de que o
capital da empresa era constituído em grande parte com os cabedais de judeus espanhóis e
portugueses, era lógico desconfiar que o íntimo intercâmbio entre os judeus do Brasil e da
Holanda pudesse vir a ajudar os propósitos conquistadores dessa última.

A primeira prova real desse receio foi de fato obtida em 1624, quando os holandeses invadiram
e conquistaram a cidade do Salvador, capital do Brasil. A população israelita, que na Bahia era
então mais numerosa do que em qualquer outra cidade do País, submeteu-se alegremente aos
conquistadores, com os quais haviam vindo muitos judeus. Perto de duzentos cristãos-novos
aceitaram desde logo o jugo holandês e passaram a induzir os demais habitantes de origem
judaica a seguirem o seu exemplo.

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Esse longo período de 60 anos foi altamente favorável ao desenvolvimento e à prosperidade
da população judaica do Brasil, mas, em contraste com o período anterior (1530-1570), ele não
constituiu uma fase tranqüila de evolução.

Foi um período muito tumultuado, pleno de sobressaltos que, se não impediram o progresso
material dos judeus - os quais em 1600 chegaram a possuir uma ponderável porcentagem dos
120 engenhos então existentes no Brasil - solaparam todavia a sua organização coletiva, que
vinha tomando corpo, e feriram fundo as suas esperanças de
liberdade. - perseguições.

A esperança dos judeus no Brasil de que sua sorte


melhoraria graças a alguma forma de intervenção holandesa
não falhou. Finalizando uma série de tentativas frustradas
com que visavam tornar a conquistar a Bahia no decorrer do
ano de 1627, os holandeses, após verificarem que a façanha
seria mais exeqüível em Pernambuco - ponto pior defendido
e mais fácil de ser depois fortificado - atacaram-no em 15 de
fevereiro de 1630 com uma poderosa esquadra de 70 navios,
tripulada e guarnecida por 7.000 homens, iniciando assim a
ocupação do Nordeste brasileiro, a qual iria durar até 1654,
centralizada na próspera capitania de Pernambuco.

Esse período singular da vida judaica no Brasil é de ser


Sinagoga Tsur Israel (interior)
considerado em inteira conexão com a ocupação holandesa,
com ela tendo começado e também tido fim, quase abruptamente.

Mas, o que impressiona não é simplesmente essa coincidência, senão a rapidez com que os
judeus lograram constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais florescentes do
mundo de então. De fato, cabe descontar a tumultuada fase de 1630 a 1635, em que se
processou a consolidação da conquista e que foi assinalada por lutas incessantes, que a
resistência tenaz dos pernambucanos tornou inevitáveis; se deve deduzir, também, a fase de
decadência do domínio holandês, a qual se estendeu de 1645 a 1654; resta, assim, o período
de 1635 a 1644, que abrangeu o governo liberal e progressista do Conde Maurício de Nassau,
espaço esse de apenas 10 anos, o qual, entretanto, bastou aos judeus para alçarem a um nível
excepcional a sua vida econômica, social e cultural, dentro do arcabouço de uma organização
coletiva.

A ocupação holandesa do Nordeste do Brasil introduziu profundas modificações na vida


econômica dos judeus, alargando o seu âmbito, diversificando os seus ramos ocupacionais e
erguendo a sua potencialidade a um grau singular.
Antes da conquista holandesa, os judeus exerciam, em larga escala, as atividades de
plantadores de açúcar, mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem
razoável, e os magnatas não passavam de uma escassa minoria. No mais, a colônia judaica
era constituída de pequenos comerciantes e de profissionais manuais mal remunerados.
Com o advento dos holandeses e a decorrente implantação de uma grande tolerância religiosa,
o panorama foi se alterando. Levas ininterruptas de judeus afluiam a Pernambuco de vários
países, especialmente da Holanda, trazendo capitais, experiência comercial e um prodigioso
espírito de realização. Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parte eram ex-
refugiados de Portugal, Espanha e França - tinham a vantagem de falar vários idiomas:
espanhol, francês, ladino e holandês, e claro, português, que era a língua falada no Brasil; era-
lhes fácil assim servir de intérpretes para os 7 mil homens do exército e da marinha
holandeses, constituídos de mercenários - holandeses, ingleses, franceses, alemães,polacos e
outros - que não falavam o português. De simples intérpretes, foram rapidamente passando a
comerciantes, de um modo geral a intermediários, profissão que se tornou quase monopólio
dos judeus, com os quais não podiam competir os pequenos negociantes e operários
brasileiros e flamengos.Por volta de 1638, aproveitando-se do confisco dos engenhos
pertencentes aos portugueses, feito pelos governantes holandeses, que puseram essas
propriedades em hasta pública, os judeus fizeram grandes aquisições por preços irrisórios. Não
tardou assim que os judeus se tornassem grandes proprietários urbanos e rurais, controlando a
vida econômica da Nova Holanda; merece lembrar, como testemunho disso, que a principal rua

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
do Recife era conhecida como a "rua dos Judeus" (depois de 1654 - "rua da Cruz"e, finalmente,
"rua do Bom Jesus") e o porto era chamado "cais dos judeus".

Um documento da época, vazado em linguagem pitoresca, ainda que algo exagerada, dá um


retrato expressivo da rapidez com que se efetuou a ascensão econômica dos judeus no Brasil
Holandês: "Haviam vindo com os holandeses, quando tomaram a Pernambuco, alguns judeus,
os quais, não trazendo mais do que um vestidinho roto sobre si, em breve se fizeram ricos com
seus tratos e mofatras, o que sabido por seus parentes, que viviam em Holanda, começaram a
vir tantos, e de outras partes do Norte, cada um com suas baforinhas, que em quatro dias se
fizeram ricos e abundantes, porque, como os mais deles eram portugueses de nação e haviam
fugido de Portugal por temor da Santa Inquisição, e juntamente sabiam falar a língua flamenga,
serviam de línguas entre os holandeses e portugueses e por esta via grangeavam dinheiro, e
como os portugueses não entendiam os flamengos, nem eles aos portugueses, e não podiam
negociar nas compras e vendas, aqui metiam os judeus a mão comprando as fazendas por
baixo preço e, logo, sem risco nem perigo, as tornavam a revender aos portugueses com o
ganho certo, sem trabalho algum".

A prosperidade dos judeus na Nova Holanda não se processou todavia sem incômodos. O
acréscimo do seu bem estar e o desenvolvimento extraordinário do seu poderio econômico
despertaram inveja e geraram uma perigosa inimizade da concorrência cristã. Se tais ondas de
ódio coletivo não tiveram maiores conseqüências, o fato se deve à ação equilibrada de
Maurício de Nassau, que, durante a sua regência de sete anos, trabalhara honestamente para
fazer a união de todas as oposições religiosas na colônia, distribuindo justiça imparcial: era o
primeiro a exigir reparação quando provadas infrações legais cometidas por judeus, mas
também sabia defendê-los com o seu braço poderoso quando os via vítimas de atiçamento.

PESQUISA

Num texto apresentado no Seminário O mundo que o Português criou, o pesquisador


pernambucano Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, destaca que
“perseguidos pela Inquisição, os judeus, disfarçados em cristãos-novos, tentavam estabelecer-
se no Brasil onde, em algumas partes, detinham 14% da população economicamente ativa.
Quando da Dominação Holandesa (1630-1654), a comunidade do Recife veio a ser conhecida
internacionalmente, sendo o seu passado objeto do interesse dos estudiosos dos nossos dias”.
Leonardo destaca que “em Pernambuco, a primeira presença documentada de cristãos-novos,
com animus de fixar permanência, data de 1542 quando da doação das terras a Diogo
Fernandes e Pedro Álvares Madeira, nas quais pretendiam erguer o Engenho Camarajibe. O
primeiro, originário de Viana do Castelo, era marido de Branca Dias, então respondendo
processo por práticas judaizantes perante o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa só se
transferindo para o Brasil por volta de 1551; o segundo, talvez oriundo da Ilha da Madeira, era
especialista no fabrico de açúcares”.

Ele registra que, em 1555, um ataque dos índios destruiu as suas plantações, o que motivou
carta de Jerônimo de Albuquerque, cunhado do primeiro donatário então no governo da
capitania, ao Rei de Portugal, pedindo auxílio para Diogo Fernandes, "gente pobre de Viana",
então com seis ou sete filhas e dois filhos, que, com sua mulher Branca Dias, vieram a ser
acusados de práticas judaizantes anos mais tarde.

O pesquisador conta mais: além desses, outros cristãos-novos tornaram-se senhores de


engenho em Pernambuco, permanecendo também como mercadores, atividade peculiar dos
judeus por todo o mundo. Outros, porém, se transformaram em rendeiros na cobrança dos
dízimos e faziam empréstimos, sendo denunciados como onzeneiros, isto é, agiotas, como o
James Lopes da Costa, João Nunes Correia e Paulo de Pina. Grande parte deles dedicava-se
ao comércio de exportação de açúcares, indústria que se encontrava em franco
desenvolvimento na capitania. Alguns chegavam muito jovens e, com a exportação desse
produto, se transformavam em representantes das grandes famílias de capitalistas da época,
como João da Paz, sobrinho de Miguel Dias Santiago, e Duarte Ximenes, ligado por laços de
parentesco aos Ximenes de Aragão, grandes comerciantes de Antuérpia.

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“Um deles, James Lopes da Costa, o mesmo que aparece em 1591 como onzeneiro
(Denunciações), era senhor do Engenho da Várzea, tendo-se transferido para Lisboa,
residência de sua mulher e filhos, e de lá para Amsterdam, onde se encontrava em 1598.
Nesta cidade, conhecida como a Jerusalém do Ocidente, declarou-se judeu passando a usar o
nome de Jacob Tirado, e aí fundou a primeira sinagoga portuguesa daquele grande centro,
chamada Bet Yahacob (Casa de Jacob). Era natural do Porto (Portugal), tendo nascido em
1544, transformando-se, assim, num dos mais ilustres membros da comunidade de
Amsterdam. Nesta cidade foi alvo de significativa homenagem do rabino alemão Uri Phoebus
Halevi, que dedicou-lhe o seu livro ali editado em 1612”.

Foi ainda James Lopes da Costa que, em 1615, constituiu um grupo de quinze judeus
portugueses, a Santa Companhia de Dotar Órfãs e Donzelas, mais conhecida entre os
sefarditas pela sigla Dotar, no qual foram acrescidos os nomes de quatro judeus ausentes, dois
dos quais residentes em Pernambuco, João Luís Henriques e Francisco Gomes Pina.

No final do século XVI, quando da Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (1593-
95), era considerável o número de cristãos-novos em Pernambuco. Numa amostragem com
base nos depoimentos, constantes das denunciações e confissões, pode-se estimar em 14%
da população desta capitania.

Leonardo conta que, na segunda metade do século XVI atuaram em Pernambuco dois
mestres-escolas leigos, ambos cristãos-novos: Branca Dias, que mantinha uma escola para
moças, e Bento Teixeira, um erudito que atuou como mestre-escola em Olinda, Igaraçu e
Cabo.
Também em Pernambuco residiu por muitos anos o também cristão-
novo Ambrósio Fernandes Brandão, proprietário de terras em São
Lourenço da Mata (Denunciações e Confissões de Pernambuco p. 231 e
260), que em 1618 veio a escrever o livro Diálogos das Grandezas do
Brasil (Recife: Imprensa Universitária, 1962), um dos mais importantes
relatos sobre a flora, fauna, paisagem e vida econômica do país naquele
primeiro século de sua colonização, obra hoje de consulta obrigatória
pelos estudiosos dos mais diversos misteres.

Bento Teixeira é o autor da primeira obra poética produzida no Brasil que


veio a alcançar as honras do prelo, Prosopopéia, escrita em
Pernambuco, entre 1585-94, e publicada em Lisboa (1601) com a
dedicatória a "Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de Pernambuco", numa
produção da oficina de Antônio Álvares

Que eu canto um Albuquerque soberano


Da fé, da cara pátria firme muro,
Cujo valor é ser que o céu lhe inspira,
Pode estancar a lácia e grega lira.

Diogo Barbosa Machado (1682-1772), em sua Biblioteca Lusitana (Lisboa 1741), declara ser
Bento Teixeira, a quem ele acresceu o sobrenome "Pinto", natural de Pernambuco, dando
causa à repetição de um erro que se arrasta ao longo de dois séculos. Somente em 1960,
quando da publicação do seu livro Estudos Pernambucanos (Recife: Imprensa Universitária; 2ª
ed. Recife: Fundarpe, 1986), coube ao historiador José Antônio Gonsalves de Mello esclarecer
a real naturalidade do poeta Bento Teixeira. Ao compulsar o processo n.º 5206 da Inquisição
de Lisboa (ANTT), em que aparece como réu um Bento Teixeira originário de Pernambuco, em
seus depoimentos ele se declara natural da cidade do Porto (Portugal) onde nascera em cerca
de 1561.

Em meio desta obra alpestre e dura,


Uma boca rompeu o mar inchado
Que na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco de todas é chamada:

De Pará, no que é mar; Puca, rotura,


Feita com a fúria desse Mar Salgado,

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OS HEBRAICOS
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Que sem derivar, cometer mingoa,
Cova do Mar se chama em nossa lingoa.
Prosopopéia

Bento Teixeira, erudito dos mais brilhantes do seu tempo, conhecedor dos clássicos, do latim e
de outras línguas, dado a fazer trovas e sonetos, foi o autor do poema épico, Prosopopéia,
editado nas oficinas do impressor Antônio Álvares, "o primeiro escrito no Brasil a merecer as
honras do prelo", infelizmente publicado no ano seguinte ao da sua morte: 1601.

MAURÍCIO DE NASSAU

Se o governo do Brasil Holandês ia mal, em face dos insucessos provocados pela resistência
dos portugueses e naturais da terra, e os seus responsáveis, geralmente pouco experientes e
inclinados ao abuso, não auferiam os lucros esperados, o mesmo não se pode dizer do
comércio estabelecido no Recife, cuja prosperidade tornava o seu porto tão importante como o
de Amsterdam sendo centro de organização de expedições e paragem de frotas com destino
às Índias.

Apesar de senhores da terra, os Conselheiros da Companhia das Índias Ocidentais não


pareciam satisfeitos com a administração dos seus diretores no Brasil. Daí surgiu a
necessidade da contratação de um administrador civil e militar, caindo a escolha no conde
João Maurício de Nassau-Siegen para o posto de governador-geral. Com trinta e três anos de
idade, educado em universidades européias, testado nas guerras de
Flandres, o futuro príncipe era a pessoa ideal para estabelecer a paz na
conquista e desenvolver a agricultura. Chegando a Pernambuco a 23 de
janeiro de 1637, o conde trouxe consigo a mais importante missão científica
que até então pisara em terras da América, ainda hoje objeto de atenção de
todos que se dedicam ao estudo daquele período. Na ocasião fazia-se
acompanhar do latinista e poeta Franciscus Plante, do médico e naturalista
Willem Piso, do astrônomo e naturalista George Marcgrave, dos pintores
Frans Post e Albert Eckhout, do médico Willem van Milaenen, do humanista Mauricio de
Nassau
Elias Herckmans, aqui encontrando os artistas amadores Zacharias
Wagener e Gaspar Schmalkalden, tendo incorporado posteriormente à missão o cartógrafo
Cornelis Sebastianszoon Golijath e o arquiteto Pieter Post.

Na administração de João Maurício de Nassau um surto de progresso tomou conta do Brasil


Holandês, cujas fronteiras foram estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. O
Recife, "coração dos espíritos de Pernambuco" na observação de Francisco de Brito Freyre,
veio a sofrer inúmeros melhoramentos e testemunhar vários pioneirismos, como a instalação
do primeiro observatório astronômico das Américas. Uma nova cidade veio a ser construída na
ilha de Antônio Vaz, onde os franciscanos haviam estabelecido em 1606 o convento de Santo
Antônio. A nova urbe, projetada por Pieter Post, veio a receber a denominação de Cidade
Maurícia, em 17 de dezembro de 1639, a Maurits Stadt dos holandeses; cujos mapas, aspectos
e panorama (94 x 63 cm.) aparecem na obra de Gaspar Barlaeus, publicada em Amsterdam
(1647), e em outras produções artísticas de sua época.

A produção do período desenvolveu-se em outros centros, com a publicação de memórias,


mapas, livros científicos e uma infinidade de pinturas, desenhos e gravuras diretamente ligadas
ao Brasil holandês, hoje espalhados por bibliotecas, galerias, museus e coleções particulares
de todo o mundo.

Aos melhoramentos urbanísticos, inclusive a construção dos palácios das Torres (Friburgo) e
Boa Vista, de um horto zoobotânico, de canais e viveiros, a instalação de duas pontes em
grandes dimensões, a primeira ligando o atual bairro do Recife à nova cidade e a outra ligando
esta ao continente, vieram juntar-se os trabalhos dos artistas que faziam parte da comitiva.
Uma intensa produção de uma arquitetura não religiosa, de pinturas e desenhos
documentando a paisagem, urbana e rural, retratos, figuras humanas e de animais, naturezas
mortas, serviram para documentar e divulgar esta parte do Brasil em todo o mundo. Estudos
sobre a flora, fauna, a medicina e os naturais da terra, bem como observações astronômicas e

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
um detalhado levantamento cartográfico da região, dizem da importância da presença do
conde João Maurício de Nassau à frente dos destinos do Brasil Holandês.

GENTE DA NAÇÃO

Quando da tomada de Pernambuco pela força das armas das tropas holandesas, financiadas
pela Companhia das Índias Ocidentais, e consolidação das fronteiras do Brasil Holandês, após
a vitória contra os naturais da terra em 1635, mais de 7.000 pessoas vieram morar na estreita
faixa de terra da zona portuária do Recife.

José Antônio Gonsalves de Mello conta, em “Gente da Nação”, que "ocupado Pernambuco
pelas armas da Companhia das Índias Ocidentais muitos cristãos-novos, que aqui moravam,
declararam-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar. Possivelmente essa confissão de
fé que secretamente professavam foi feita quando da consolidação da conquista, no início de
1635. Essa decisão foi possível graças à concessão de liberdade de consciência pelos Estados
Gerais dos Países Baixos. No 'Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram
conquistadas' concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado de Haia,
13 de outubro de 1629, permitia-se aos que residiam nas terras onde se viesse a estabelecer a
soberania holandesa, quer fossem espanhóis, portugueses e nativos, católicos ou judeus, 'que
não sejam molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas
particulares'"( Gente da Nação p. 212-213).

A tomada de Pernambuco ecoou como uma boa-nova e veio a despertar a atenção dos judeus
portugueses (sefarditas) e alguns outros migrados da Polônia e da Alemanha (ashkenazitas),
residentes na Holanda, que logo se apressaram em vir tentar a sorte em terras do Nordeste do
Brasil. A situação desses judeus, estabelecidos em Amsterdam e em outras localidades dos
Países Baixos, era, por vezes, de extrema penúria, como bem demonstra Elias Lipiner, em
artigo publicado na revista Comentário( Rio, 1972).

A liberdade religiosa concedida aos judeus na Holanda atraía para esse asilo os fugitivos da
Inquisição em número constantemente crescente. Aumentava, em conseqüência, na mesma
proporção, a quantidade de pessoas necessitadas. Cabe lembrar aqui que entre as
associações judaicas existentes em Amsterdam nos séculos XVII e XVIII, a maioria visava ao
socorro dos pobres. As denominações hebraicas destas associações revelavam as suas
finalidades beneficentes: Avi-Ydthomim (Pai dos Órfãos), Avodáth-Hakhéssed (Ação
Caritativa), Baalé-Zedaká (Os Benfeitores), Bikúr-Kholim (Auxílio aos Doentes), Khonén-Dalim
(Protetor dos Pobres), Éven-Yekará (Pedra Preciosa), Guevúl-Almaná (Asilo das Viúvas),
Guemilúth-Khassidim (Obra Beneficente), Maassim Tovim (Ações Boas), Maréi-Néfesh
(Pessoas Aflitas), Maskil-el-Dal (Protetor dos Necessitados), Mezón-Habanóth (Alimentação
das Órfãs), Meli-Zedaká (Roupas para os pobres), Menakhém-Avelim (Consolo aos Enlutados),
Mishéneth-Zekenim (Amparo aos Velhos), Móhar-Habethulóth (Dote para as Donzelas),
Nothén-Lékhem-Ladái (Pão para o Pobre), Ozér-Dalim (Auxílio aos Pobres), etc.

SINAGOGAS DE CURUÇAU E SURINAME

Lipiner cita ainda o opúsculo do filósofo e economista judeu holandês Isaac de Pinto (1715-
1787) que, ao analisar a situação de pobreza de alguns judeus de Amsterdam, onde "800
famílias que vivem ou morrem a nosso cargo", aconselha uma emigração organizada a ser
conduzida ao "Suriname, Curaçao, Jamaica, Barbados e outras colônias da América, onde já
existissem comunidades judaicas". Deixa de mencionar o Brasil, visto que a comunidade
formada na primeira metade do século XVII, havia sido extinta quando da expulsão dos
holandeses em 1654.

Estabelecido o governo holandês, muitos cristãos-novos de Pernambuco


vieram a declarar-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar, dentre
os quais Gaspar Francisco da Costa, Baltasar da Fonseca e seu filho,
Vasco Fernandes [Brandão] e seus filhos, Miguel Rodrigues Mendes,
Simão do Vale [Fonseca], Simão Drago e muitos outros.

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Com a notícia de uma colônia holandesa no Nordeste do Brasil, um grande número de judeus
sefarditas e alguns poucos ashkenazitas resolveram embarcar para a nova colônia. Isso se
depreende do grande número de solicitações, feitas ao Conselho Político da Companhia das
Índias Ocidentais em Amsterdam, no período de 1º de janeiro de 1635 a 31 de dezembro de
1636, cujo único livro de atas se conservou até os nossos dias.

Na significativa lista de judeus que solicitam transferência para a "terra do açúcar", naqueles
dois anos, trazendo consigo suas famílias, se depreende os requerimentos assinados por
Abraão Serra, dois filhos e um irmão; Jacobus Abecanar, quatro filhos; Jacob Moreno, com a
mulher, desejando estabelecer-se como cirurgião na Paraíba; Pedro de Lafaia, a mulher, dois
sobrinhos e duas sobrinhas; a mulher e dois filhos de Diogo Peixoto , cujo marido já se
encontrava no Recife; três ourives portugueses Moisés Neto, Isaac Navarro e
Matatias Cohen; Arão Navarro e um criado; Abraão Gabid; Miguel Rodrigues Mendes;
Bento Rodrigues; Benjamim de Pina; João Carvalho; Abraão Cardoso e Isaac de
Cáceres; Daniel Gabilho que ia ao Brasil a serviço de Duarte Saraiva; David
Ferdinandus; Simão Gomes Dias e Jacob Serra, com mulheres, filhos e toda a
mobília; Rodrigues da Costa e Moisés Franco de Wit; Abraão Serra e um filho de 16 anos;
David Levy Bon Dio; Jacob Fundão; Abraão Gabai, com sua mulher, sua mãe e cinco filhos;
Moisés Alves; Salvador de Andrade e Davi Gabai "seu camarada"; Isaac da Costa e seu primo
Bento Osório; Simão Gomes Dias, sua mulher e uma criada; Jacob Serra e seu sobrinho,
Mardocai Serra; Samuel Namias; Jacques Rodrigues e seu empregado, Moisés Rodrigues;
David Gabai e Salvador de Andrade; Jacob Rodrigues e Manuel Henriques, com o seu criado
Moisés Rodrigues; os comerciantes David Atias, Jacob e Moisés Nunes.

Grande parte dos solicitantes pediam à Câmara de Amsterdam passagem gratuita, havendo
alguns que se comprometiam em pagar as despesas de alimentação; sendo registrado casos,
como Duarte Saraiva, cujo nome judeu era David Senior Coronel e que em 1635 já se
encontrava no Recife, de judeus que pagavam todas as suas despesas.

A RUA DOS JUDEUS

Com a consolidação da ocupação de Pernambuco, milhares de judeus aqui se estabeleceram


no ramo do comércio, particularmente do açúcar e do tabaco, chegando alguns a possuir
engenhos e a dedicar-se à cobrança de impostos e ao empréstimo de dinheiro. Alguns deles
dedicavam-se ao comércio de escravos que, trazidos pelos barcos da Companhia da costa da
África, eram aqui arrematados em leilões e vendidos a prazo aos senhores de engenho;
atividade retratada pelo artista Zacarias Wagener, que viveu no Recife entre 1634 e 1641, no
seu "Mercado de escravos na Rua dos Judeus".

Por sua vez, tornou-se crescente o número de judeus que se transferiam para Pernambuco, a
partir de 1635, originários principalmente dos Países Baixos, conforme se comprova em
depoimentos da época; a exemplo de Manuel Mendes de Castro que, em 1638, trouxe de uma
só vez em dois navios 200 deles, entre ricos e pobres, mulheres e crianças ( Gente da Nação
p. 218 - 223).

Tal era o número de judeus que chegavam ao Recife que o Conselho Político, em sua reunião
de 9 de novembro de 1635, assim decide: "como a extensão e área do Recife é pequena para
acomodar os comerciantes livres em suas necessidades e negócios, resolveu-se vender um
terreno medindo oitenta pés de comprimento e sessenta de largura [2.434,40 cm. x 1.828,80
cm.], situado fora de portas onde se costuma fazer a 'guarda do bode' (bochenwacht), ao
Senhor Duarte Saraiva, comerciante livre aqui, pelo preço de 450 reais e oito, para que
construa uma casa segundo o seu gosto, ou para vender o terreno ou casa e o terreno para
seu lucro".

Esse terreno estava localizado fora da "porta de terra", ao Norte do Recife, no istmo que ligava
a povoação a Olinda, e, graças às construções nele realizadas, já a partir de 1636, veio dar
origem à Rua dos Judeus, denominação que se manteve até 1654, quando da expulsão dos
holandeses de Pernambuco.

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Duarte Saraiva, conhecido entre os do Recife e da Holanda pelo nome de David Senior
Coronel, judeu português nascido em cerca de 1572 e cujo filho, Isaac Saraiva, era rabino e
mestre-escola entre os judeus portugueses de Amsterdam, veio a ser um dos principais líderes
da comunidade de então. Na sua casa funcionou a primeira sinagoga, em 1636, antes de ser
construído o prédio onde veio estabelecer-se de forma definitiva a Kahal Kadosh Zur Israel , ou
seja, a "Santa Comunidade o Rochedo de Israel", talvez em alusão ao próprio Recife; bem de
acordo com a visão de outro contemporâneo, o reverendo Joannes Baers (1580-1653), que
assim sintetiza a descrição da cidade de então: "o Recife é um arrecife".

Segundo José Antônio Gonsalves de Mello, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro ( Rio 1988), "na Rua dos Judeus residiam aqueles que tinham alcançado as
melhores condições econômicas e muitas de suas casas foram construídas pelos proprietários,
pois que a área da Rua dos Judeus foi incorporada à cidade após a ocupação holandesa.
Nessas casas a parte residencial colocava-se no andar ou andares superiores, ao rés-do-chão
ficava a casa de negócio. Vários judeus ricos moravam nessa rua, como Gaspar Francisco da
Costa (aliás José Atias), Moisés Navarro, Abraão Azevedo e Duarte Saraiva (aliás David Senior
Coronel), dentre outros".

A SINAGOGA

Com o aumento da comunidade fez-se necessário uma casa de orações, daí ter-se
estabelecido uma sinagoga na casa do capitalista Duarte Saraiva, o mesmo que comprara o
terreno "na guarda do bode" e que, segundo o autor de Gente da Nação , "pela sua idade [c 64
anos] e sua ação entre os correligionários, era pessoa prática no judaísmo, um pregador leigo,
sendo um dos seus filhos, Isaac Saraiva, haham, isto é, rabino e mestre-escola entre os judeus
portugueses de Amsterdam".

É desta época o surgimento da nova sinagoga do Recife, estabelecida no primeiro semestre de


1636, segundo denúncia dos predicantes do Conselho da Igreja Reformada, Schagen e Poel,
feita ao Conselho Político em 23 de julho daquele ano: "Em primeiro lugar, observa-se que os
judeus que residem aqui começam a estabelecer uma assembléia em forma de sinagoga, o
que deve ser impedido" ( Dag Notule ).

Em princípio funcionou a sinagoga em casa alugada, mas, logo depois, veio a ser construído
um templo próprio em pedra e cal, possivelmente entre 1640 e 1641, conforme documento
enviado ao Conselho dos XIX, com data de 10 de janeiro de 1641.

Em 1839, quando da publicação do Inventário dos prédios que os holandeses haviam edificado
ou reparado até o ano de 1654 , manuscrito raríssimo que teve a sua segunda edição em 1940,
aparece a indicação local onde funcionou a primeira sinagoga do Novo Mundo: "Umas casas
grandes de sobrado da mesma banda do rio, com fronteira para a Rua dos Judeus, que lhes
servia de sinagoga, a qual é de pedra e cal, com duas lojas por baixo, que de novo fabricam os
ditos judeus". - Hoje, como veremos adiante, a antiga sinagoga ocuparia os prédios de nº 197 e
203 da Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife.

A sinagoga estava situada no sexto lote de terreno, construído a partir do norte, funcionando no
primeiro andar de um prédio geminado, servido por uma só escada, no qual funcionava no
andar térreo duas lojas, bem próxima à "Porta de Terra", que dava saída para o istmo que
ligava o Recife a Olinda. Estabelecida no andar superior, o salão da sinagoga, a exemplo da
primitiva sinagoga de Amsterdam, tinha encostada à parede da frente, voltada para o leste, a
arca com os rolos da Torá e, ao centro, o local de leitura e pregação. - Após a expulsão dos
holandeses em 1654, a Rua dos Judeus veio a ser denominada de da Cruz e, a partir de 1870,
teve o seu nome mudado para do Bom Jesus.

Nesta primeira sinagoga em terras das Américas exerceu o rabinato Isaac Aboab da Fonseca
que era português de nascimento. Natural de Castro Daire, distrito de Viseu, na Beira Alta,
Isaac Aboab da Fonseca nasceu em 1605, tendo emigrado com os seus pais para a França e,
em 1612, para Amsterdam. Era filho de David Aboab e Isabel da Fonseca. Tendo estudado nas

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escolas judaicas daquela cidade holandesa, denominada de " A Jerusalém do Ocidente ", em
1626 foi designado rabino da Congregação Beth Israel, função que ocupou até 1638 quando da
unificação de três sinagogas ali existentes. Em 1641 aceitou o convite da comunidade do
Recife para vir presidir os serviços religiosos da sinagoga local, construída em 1636, que tinha
a denominação de Zur Israel , recebendo para isso o estipêndio de 1.600 florins anuais.
Exercia ainda a função de Mohel, ou circundador, e vivia, ao que parece, exclusivamente do
culto e do ensino - do hebraico, da Torah e do Talmud - para os que se iniciavam.

Na sinagoga Zur Israel , do bairro do Recife, serviam personagens ilustres como o Hazan (o
leitor), Jehosua Velosino; o Rubi (o mestre-escola), Samuel Frazão e o Shames (guarda) Isaac
Nehamias, segundo relação do ano de 1649. O famoso erudito Menasseh ben Israel (1604-
1657), rabino de Amsterdam, cujo nome português era Manuel Dias Soeiro que esteve para
partir para Pernambuco em 1640, onde já se encontrava o seu genro, Ephraim Soeiro, ao
publicar a segunda parte de sua obra em 1641, O Conciliador , em quatro volumes
(Amsterdam, 1632-51), faz uma dedicatória "aos anciãos da Nação Judaica" do Recife, David
Senior Coronel, Dr. Abraão de Mercado, Jacob Mocat e Isaac Castanho.

Com o retorno do conde João Maurício de Nassau à Holanda, em 1644, teve início, logo no
ano seguinte, o movimento chamado de Insurreição Pernambucana que, liderado por João
Fernandes Vieira e outros representantes da nobreza da terra, visava a expulsão das tropas da
Companhia das Índias Ocidentais do território da então capitania de Pernambuco.

O ano de 1646 foi de grande crise para os holandeses e judeus residentes no Recife. Depois
das vitórias conquistadas no monte das Tabocas, na Casa Forte e no Cabo de Santo
Agostinho, nos meses de agosto e setembro de 1645, os insurretos isolaram o Recife,
deixando os seus habitantes sem acesso aos alimentos produzidos na zona rural, o que
resultou em grande fome para cerca de 6 a 8.000 pessoas, quando até ratos foram consumidos
pela população.

Esse momento de privação é descrito em cores vivas e pungentes na coletânea hebraica sob o
extenso título: "Memória que compus acerca dos milagres de Deus e seu imenso favor com
graça e misericórdia concedida à Casa de Israel, no Estado do Brasil, quando sofreram o
ataque das tropas de Portugal, gente indigna que despreza Seu nome, para exterminar , matar
e aniquilar todos que eram de origem de Israel, inclusive crianças e mulheres, num só dia, no
ano de 5406 [1946], eu o humilde Isaac Aboab".

Nos seus versos, os primeiros escritos em aramaico e hebraico nas três Américas, descreve o
rabino, que "os que estavam habituados a comer à mesa de ouro, davam-se por felizes com
um pedaço de pão seco e bolorento, num ambiente agitado. Mas também isso faltou em
nossas casas, que faltou o azeite na botija e a farinha na panela acabou"...

A sorte parecia traçada quando, em 22 de junho de 1646, aportaram no Recife os barcos


holandeses Gulden Valk e Elizabeth trazendo alimentos para aquela população de
esfomeados. Em agradecimento, novamente o rabino Aboab da Fonseca escreveu no estilo
bíblico de sua época:

No nono dia do quarto mês dois navios dos Países Baixos trouxeram a
salvação para o meu povo.
Se não tivessem chegado a tempo, ninguém teria escapado.
Gravai tudo isso e estejais lembrados, meus congregados, que naquele
dia manifestou- se o favor de Deus.
Lembrai-vos do caminhar milagroso. Evocai com louvores Seu nome.
Cantarei ao Deus Majestade o dia em que Ele afogou o faraó no Mar
Vermelho e salvou Seu povo.
Seu nome não será esquecido pelos seus descendentes.
Ele nos salvou do campo da morte e sobre nós estendeu a Sua nuvem
para garantir nossa salvação,
E não deixou de iluminar o nosso caminho com Seu clarão e fogo
luminoso. Isaac Aboab da
E meu povo cantava caminhando terra afora: não há ninguém semelhante Fonseca
a Ti, entre os deuses.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Além do poema, deixou Isaac Aboab da Fonseca uma oração, em forma de confissão, quando
da chegada a Pernambuco dos regimentos portugueses, em julho de 1645. "Dirigindo-se a
Deus confessa seus pecados, isto é, os do povo de Israel, por ter estado voltado para os
interesses materiais, para os gozos mundanos esquecido dos mandamentos, tal qual os
demais habitantes do país; e conclui por pedir o perdão a Deus misericordioso".

A prece de Aboab da Fonseca, lida na sinagoga da Rua dos Judeus, obrigatoriamente por
disposição regimental da comunidade, a partir de então, em dia de ação de graças, tem o título
Mi Kamókha ; ou seja, Quem é semelhante a Ti ?.

Quem é como Ti e não há como Ti


Quem se assemelha a Ti e não há semelhante a Ti
Deus dos deuses, Senhor meu. Altíssimo, descansas no meu lar.
Teu nome pronunciarei entre os que crêem. Com cânticos serás lembrado.
Por meus pecados fui abandonado numa nação longínqua. Cumpriam-se, assim, as palavras dos
Teus profetas
Quando precipitei-me abismo abaixo. Feliz aquele que pode dizer que Tu és o seu escudo.
As ondas do mar cobriram minha cabeça. Isto acontecia de acordo com Teu desígnio.
Não reneguei meu Deus. Permaneci fiel à aliança
Unido intimamente. Não me desviei do caminho.
Tuas palavras alegram minha alma. Espero, portanto, por ti.
Todos evocam o Todo Poderoso que poupando a própria ira
Sorriu novamente para o povo eleito por Ti, como predileto.
No ano de 5406,
Manifestou-se o poder terrificante de Tua espada. Tínhamos pecado contra Ti.
Lembrou-se Deus do rei de Portugal, cuja ira nos aterrorizou.
Que Deus se abata sobre os seus nobres e chefes do exército.
Ele tramou aniquilar os sobreviventes, do meu povo e queimar, os meus mais queridos;
Enviou regimentos em perseguição aos meus. Seu coração é pleno de maldade;
Preparou-me uma cilada em combinação com um outro degenerado, semelhante a ele,
Que foi retirado e elevado da imundície para se tornar apoio às suas maquinações,
Conhecido como homem sem coração, um sádico e embusteiro de mão negra,
Cujo próprio pai desconhece seu paradeiro e o tem como um insulto para si mesmo.
Com prata e ouro saqueados, tramava-se astutamente uma conspiração,
A qual meus chefes não davam crédito e ridicularizavam a notícia
Da reunião em blocos de grupos de negros. Quando esta notícia se espalhou,
Ele fugiu sorrateiro para as matas, servindo-lhe de refúgio à escravidão.
Por toda parte, sua gente foi perseguida até que chegassem os tão esperados regimentos,
Ordenados pelo rei, para fazerem o cerco em torno deste solitário.
E a Casa de Jacó tomou-se de ira, com lágrimas, pranto e terror.
Foi designado um dia de jejum e de oração para acalmar a ira do seu Deus.
O terror tomou-me o corpo. Esquecera-me de meu Criador, quando tudo estava bem.
Instintos satânicos seduziram-me e lhes dei atenção.
Saquear meu povo, eis o intento do inimigo. Seu plano é o extermínio dos meus que se
encontram em refúgio,
E nem imaginou que Deus está comigo e que estabeleceu seu lar entre nós.
Medo e pavor assaltaram-me. Senti dores como as de uma mulher grávida.
E o inimigo querendo tirar minha vida, tão cansada e cheia de fé,
Vigia meus passos, amargura-me a vida..
Chegou, porém, o dia que o mar lhe preparara como armadilha,
Quando pensara matar-nos de sede. Deus não quer perdoá-lo.
O anjo salvador ouviu nosso clamor e diante dos nossos sofrimentos rompeu em soluços:
Israel é abandonado pelo seu Deus. Choro e suplico diante d'Ele.
O pastor de Israel é um Deus Poderoso e Aterrorizante que envia salvação para o
seu povo,
Aos inimigos e adversários, um dia infeliz, ao qual não podem opor resistência.
Ó Sempre, Eterno e Onipotente, vem e olha para Teu povo que é vendido como animal,
Forçado a aceitar uma água maldita, Não os ajudarás?
Abre Teus olhos e ouve com atenção. Só, então, descansaremos felizes na Tua bem-aventurada
Tranqüilidade,
E com Teu braço forte protegerás os pobres abandonados.

A primeira versão livre do texto em hebraico, escrito no Recife em 1646, foi feita para a língua
inglesa, de forma bastante resumida, por M. Kayserling, quando da publicação do seu artigo

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
"Isaac Aboab, the first Jewis author in America", in Publications of the American Jewish
Historical Society, (Baltimore, 1897). No seu artigo, o autor transcreve o texto em hebraico, o
que deu condições ao professor Isaac Halper Filho, do Colégio Israelita do Recife, de fazer
uma primeira tradução para a língua portuguesa, em 1946, a pedido do historiador José
Antônio Gonsalves de Mello, que nos dá uma versão sucinta das orações de Aboab da
Fonseca, em seu livro Gente da Nação - Cristãos -novos e judeus em Pernambuco.

O manuscrito, anteriormente guardado na Livraria Montesinos, do Seminário Português


Israelita de Amsterdam, fundado em 1637, foi posteriormente transferido para a Biblioteca da
Universidade Hebraica de Jerusalém, onde hoje se encontra. Elias Lipiner recuperou o códice
que reúne três partes: a) Poemas litúrgicos em geral incluindo o referente à guerra da
restauração. Este seguido de uma prece em prosa, cujo conteúdo é genérico, embora no título
se anuncie que foi composto para ser recitado "na aflição pelo ataque contra nós dos exércitos
do Rei de Portugal, e que Deus nos pôs a salvo de sua ameaça"; b) lamentações
comemorativas da destruição do Templo, e c) resenha especializada da língua hebraica.

Com a rendição dos holandeses, em 27 de janeiro de 1654, Isaac Aboab da Fonseca retornou
a Amsterdam, onde deu continuidade a sua ação pastoral, fundando a atual Sinagoga
Portuguesa de Amsterdam em 1675, e transformando-se numa das mais importantes figuras
da comunidade israelita do século XVII.

Segundo a inscrição do seu túmulo, faleceu aos 88 anos, em 9 de abril de 1693, na cidade de
Amsterdam. Sua biblioteca foi vendida em leilão, logo após a sua morte. Dela constavam 18
manuscritos em hebraico, 373 livros em hebraico e 53 em outras línguas.

(A Sinagoga da Zur Israel está sendo restaurada, hoje, no Recife, no programa de recuperação
urbanística do centro da capital pernambucana. Resultado do trabalho conjunto da Associação
para a Restauração da Memória Judaica nas Américas, Federação Israelita de Pernambuco,
Prefeitura do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Instituto do Patrimônio Histórico e
Nacional e Ministério da Cultura, patrocínio da Fundação Safra. Todo o trabalho está sendo
coordenado pelo arquiteto José Luiz da Mota Menezes, e a restauração do Kahal Kadosh Zur
Israel fica devendo, também, ao trabalho pioneiro de Ariano Suassuna, então Secretário da
Cultura na gestão do governador Miguel Arraes).

Em 1645, começa a entrar em declínio a vida judaica no Brasil. A bem dizer, já a data de 6 de
maio de 1644 - em que Maurício de Nassau, após uma série de desinteligências com a
Companhia das Índias Ocidentais, deixa o governo - marca o início simbólico dessa fase que
iria terminar um decênio mais tarde com a melancólica liquidação da pujante comunidade que
se havia implantado - aparentemente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil.

A saída de Nassau favoreceu sobremodo o nascimento da insurreição pernambucana, pois, em


substituição àquele estadista que havia grangeado as simpatias gerais da população, ficara a
administração do domínio holandês entregue ao Supremo Conselho do Recife, composto do
negociante Hamel, do ourives Bass e do carpinteiro van Bollestraten, indivíduos incapazes para
a missão, segundo a História registra.

Nassau, no seu testamento político, havia apontado a tolerância como uma das diretrizes mais
importantes do Governo. O triunvirato que o sucedeu implantou um regime opressor e tirânico,
inclusive passando a tratar os católicos como infiéis, dificultando aos seus sacerdotes a
celebração de missas e expulsando os frades do país, como suspeitos do Governador da
Bahia. Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situação viria
representar para eles. Previram facilmente que, sem a política tolerante e apaziguadora do
príncipe de Nassau, seria inevitável o enfraquecimento e a queda do domínio holandês, ficando
eles irremediavelmente expostos à sanha dos insurrectos pernambucanos. Em vista disso,
iniciaram o processo de retorno à Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca de metade
da população judaica, sobretudo os negociantes mais ricos. O comércio começou então a
decair, o dinheiro passou a escassear e as tropas já se recusavam a combater; ainda mais -
mediante suborno, os soldados holandeses desertavam com freqüência para o exército
português, que, em verdadeira antítese, possuía moral elevadíssima.

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Para agravar a situação, a Holanda, que então se achava em guerra com a Inglaterra, não
podia prestar a necessária ajuda à colônia decadente e os reforços, que todavia lhe mandava,
eram insuficientes e extemporâneos.

Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorável aos holandeses, os judeus que


permaneceram em Recife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar até o último instante o
desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dos holandeses e com eles compartilhando de
todos os horrores do longo cerco da cidade.

Sobre a atitude de inteira fidelidade aos holandeses, assumida pelos judeus remanescentes de
Recife, não faltam pronunciamentos desfavoráveis. Há, com efeito, quem a considere uma
espécie de deslealdade ou ingratidão ao Brasil. É um erro que cabe corrigir.

Merece notar desde logo que o Brasil não estava propriamente em jogo. Aos judeus impunha-
se escolher entre dois ocupantes, entre duas potências estrangeiras: Portugal e Holanda. De
um lado - o país que perseguia, expulsava e queimava vivos os judeus; do outro - a nação que
agia para com os judeus, tanto na metrópole como nas colônias, com a maior tolerência
religiosa. De um lado - a inquisição e os autos de fé; do outro - a liberdade de consciência.

Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena


desagregação a comunidade israelita no nordeste do Brasil.Viram-se então os judeus dessa
região, após vários anos de privações e sofrimentos, em face de uma dolorosa encruzilhada:
permanecer no Brasil, onde presenciaram a calamitosa destruição da sua vida coletiva e dos
seus bens pessoais, e onde os ameaçavam os horrores de uma implacável perseguição - não
obstante o arranjo feito pelos holandeses com os portugueses no sentido de ficarem impunes
os judeus remanescentes - ou emigrar em busca de refúgio, onde pudessem reconstruir as
suas vidas.

Uma pequena parcela resignou-se à permanência no Brasil, dispersando-se pelo seu território,
enquanto o grosso optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos
mais ricos e mais relacionados na Holanda, entre eles o próprio chefe da comunidade rabino
Isaac Aboab da Fonseca - decidiu retornar a esse país - ilha de liberdade no vasto oceano de
intolerância que então era o continente europeu - ao passo que a maioria, a parte mais pobre,
preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das mais longínquas paragens
das três Américas.

Os que regressaram à Holanda, ali se reintegraram na comunidade israelita, sem deixarem


maiores vestígios. Os outros, pulverizados entre diversas colônias francesas, inglesas e
holandesas das Américas, lançaram nas novas pátrias a afirmação pujante da sua vitalidade,
contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico das mesmas e implantando
aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser nos tempos modernos a extraordinária
comunidade judaica dos Estados Unidos da América do Norte.

O êxodo dos judeus brasileiros para as colônias européias nas Américas tomou três rumos:
Guianas, Antilhas e Nova Holanda (América do Norte), dos quais o segundo foi que atraiu a
maioria.

De início, um grupo de judeus fugitivos, sob a direção de David Nassib, fixou-se em Caiena
(1657), de onde, por ter sido hostilizado pelos habitantes locais, passou mais tarde para o
Suriname, que naquele tempo era uma colônia inglesa, somente vindo a ser conquistada em
1667 pelos holandeses. Lá, os judeus contribuíram substancialmente para o desenvolvimento
da colônia, à base da cultura da cana de açúcar, e, graças à absoluta liberdade de que
gozavam, foram crescendo em número e se organizando em uma comunidade duradoura que,
em fins do século XVIII, chegou a contar mais de 1.300 almas. O núcleo mais importante - com
1.045 judeus numa população de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido
como "Savana Judea".

A primeira leva de judeus procurou atingir a Martinica, que gozava da fama de ser bem
administrada pelo governador Parquet. Este, entretanto, embora a princípio disposto a aceitá-
los, resolveu, por influência dos jesuítas, não permitir o desembarque, o que fez com que os

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forasteiros, em número de 900, seguissem para Guadalupe, onde foram acolhidos e, bem
depressa, prosperaram. Mais tarde, Parquet, arrependido, permitiu que outras levas de judeus
se estabelecessem na ilha, a qual passou então a experimentar enorme progresso na
agricultura e no comércio.

Outro grupo atingiu Barbados, onde já havia alguns cristãos-novos trazidos pelos ingleses e
que, acrescidos agora dos judeus brasileiros, deram um forte incremento à indústria do açúcar.

Vários outros grupos estabeleceram-se em Jamaica e São Domingos, dedicando-se, como


sempre, à sua tradicional ocupação - indústria açucareira.

Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central
estabelecer o seu monopólio no mercado mundial de açúcar, monopólio esse que antes estava
nas mãos do Brasil.

Forneceram, assim, aqueles judeus às colônias centro-americanas os elementos de riqueza


que, por influência da desastrada política dos monarcas portugueses, o Brasil desprezara.

CURAÇAU

Olhem por um momento, o mapa da América do Sul. Localizem a Venezuela e percebam, em


frente a ela, a ilha de Curaçau. Essa ilha foi descoberta em 1499 pelo espanhol Alonzo de
Ojeda. Em 1634, onze anos antes da derrota holandesa no Recife, Samuel Cohen tomou
posse da ilha, a mando da Companhia das Índias Ocidentais. E foi Samuel Cohen, em pessoa,
quem tratou da recepção dos judeus e holandeses que batiam em retirada das terras
brasileiras. Uma primeira e extraordinária experiência agrícola foi tentada em Curaçau pelo
brasileiro João da Ilha. Mas as condições eram muito ruins - até hoje, Curaçau praticamente
não tem água potável, é da água do mar, através de uma usina de dessalinização montada por
Israel, que os habitantes de Curaçau abastecem-se. Por isso mesmo, apesar da tranqüilidade
de que os judeus passaram a gozar em Curaçau, desde então, um grupo pioneiro foi enviado à
Nova Amsterdã.

Em Curaçau e nas ilhas próximas e por toda a América Central, os judeus brasileiros e
holandeses espalharam-se, e com eles, a cultura da cana-de-açucar.

Vinte e três judeus brasileiros seguiram viagem para Nova Amsterdã. Não foram muito bem
acolhidos por Peter Stuyvesant, o governador holandês. Mas, por pressão da comunidade
judaica de Amsterdã, receberam o green card, ficaram e participaram da fundação do que hoje
é a cidade de Nova York.

Hoje, na esquina do Central Park com a 70th St encontra-se a Congregação Shearit Israel. Ali,
aos domingos, pode-se acompanhar uma interessante palestra, na qual um dos diretores da
Congregação conta um pouco de sua história. Até 1730, a Congregação reunia-se em casas
particulares. Em 1730, Shearit Israel foi consagrada como primeira sinagoga, na Mill Street
(hoje, South William Street). Muitos dos objetos dessa primeira sinagoga foram preservados e
podem ser observados na “pequena sinagoga” da 7oth St.

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SINAGOGA SHEARITH ISRAEL

De 1654 (atentem para a data) até 1825, Shearit Israel foi a única
congregação hebraica de Nova York. Durante esse longo período,
os judeus de Nova York pertenciam à Congregação, que provia
todas as necessidades da comunidade, do nascimento à morte.
Ela fornecia educação (religiosa e secular), providenciava
alimentos casher e supervisionava os festejos do Pessach, a
Páscoa, além de uma dezena de outras atividades.
Muitos judeus americanos participaram ativamente da Revolução
da Independência e, até hoje, um Memorial Day é realizado no
histórico cemitério judaico de Chatam Square, bem no meio de
Manhattan. Vale a pena visitá-lo e observar os nomes das lápides;
todos, excelentes judeus descendentes dos nossos foragidos do
Recife: da Silva, Mesquita, Maduro, Fonseca, Henriques, Costa...

No ano de 2001, a comunidade judaica de Curaçau organizou um programa comemorativo de


sua presença naquela paragem antilhana. Nesse
programa, os judeus curaçalenhos de hoje dizem
que "um grupo de judeus, numericamente
pequeno, porém de importância significativa para
a história dos judeus no Novo Mundo, deixou o
Recife, logo depois da sua queda, em direção à
longínqua Nova Amsterdã (atual Nova York), Cemitério judaico de Chatam Square
então capital da Nova Holanda norte-americana.

Quando esse grupo de 23 judeus, levado pelo


navio de guerra francês "St.Charles", acampou Cemitério judaico de Chatam Square
em 12 de setembro de 1654, à margem do
Hudson, era sua esperança encontrar ali boa
acolhida, por se tratar de uma colônia holandesa. Entretanto, o governador, Peter Stuyvesant,
autócrata e anti-semita, fanático e inflexível em matéria de religião, exigiu a retirada desses
"inimigos e blasfemadores do nome de Cristo". E foi somente graças à intervenção da
Companhia das Índias Ocidentais - em cujo seio acionistas judeus exerciam influência - que
afinal se permitiu a permanência dos 23 judeus brasileiros na aldeia de Nova Amsterdã, com a
condição de que "os pobres entre eles fossem mantidos por sua própria nação", que não
exercessem cargos públicos, que não se dedicassem ao comércio a varejo, e que não
fundassem congregação.

Evidentemente, tais restrições passaram em breve a ser letra morta, pois, decorridos apenas
dois anos, já haviam os judeus, sob a liderança de Asser Levy, conseguido adquirir um terreno
para um cemitério próprio. Pouco mais tarde, tendo os ingleses se apoderado em 1664 das
colônias holandesas da América do Norte, os judeus passaram a gozar de absoluta liberdade
de consciência, podendo assim consolidar a sua comunidade e disseminar-se pelo país, onde,
com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades israelitas do mundo,
tendo como principal centro a cidade de Nova York, justamente a antiga aldeia de Nova
Amsterdã onde, em meados do século XVII, um punhado de judeus brasileiros fugitivos
estabelecera a primeira aglomeração judaica da América do Norte".

O ano de 2001 marcou o 350º. aniversário da


Comunidade Judaica em Curaçau, uma ilha
holandesa do Caribe, na costa venezuelana. Esse
evento histórico está sendo celebrado durante todo
o ano, mas teve como ponto alto uma programação
de uma semana especialmente desenhada e
organizada pela Congregação Judaica Sephardic
Mikvè Israel-Emanuel em abril, e por uma
programação sobre o mês da Herança Judaica, em
toda a ilha, nos meses de maio e junho. Cemitério judaico de Chatam Square

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
“O que está sendo comemorado são os três séculos e meio da saga dos descendentes de
algumas famílias judaicas, que, buscando uma nova vida, na qual pudessem viver em
liberdade e praticar sua religião em paz, embarcaram em uma longa e arriscada jornada rumo
aos limites do mundo conhecido. Saíram da Espanha durante a Inquisição, viajando através de
Portugal , nordeste brasileiro, até o paraíso seguro de Amsterdã. De lá começaram a jornada
novamente e, contentes, deram início as suas novas vidas em Curaçau. Como reconhecimento
da importância desse evento para o mundo judeu, o Estado de Israel anunciou que irá cunhar
uma moeda como registro desta etapa/desafio.

Mas suas histórias não são apenas histórias "judaicas". Os judeus curaçalenhos são um
exemplo, para toda a humanidade, do poder do espírito humano, da força e resistência de um
povo oprimido no passado, mas, hoje, livre para perseguir uma vida na qual possam
demonstrar abertamente suas tradições e crenças religiosas e sua lição de sobrevivência, 350
anos depois e distante meio mundo de suas raízes”, registra o documento que a comunidade
de Curaçau produziu e divulgou em todo o mundo.

A Congregação Mikvè Israel-Emanuel organizou uma programação rica em eventos durante a


Semana de Comemoração, que aconteceu de 22 a 29 de abril. O visitante teve uma extensa
programação com tours, palestras, eventos sociais e religiosos, organizados para passar a
cada um o conhecimento e reconhecimento do significado dessa ocasião.

ACOMODAÇÃO

Voltemos ao Brasil: a segunda metade do século XVII foi um período de lenta e discreta
acomodação dos judeus. Um período certamente sem brilho e sem quaisquer manifestações
de vida coletiva judaica, mas também sem grandes abalos, sofrimentos e dissabores.

A acomodação, tão bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do século
XVII, não logrou transpor o umbral do século seguinte, quando, afinal, a Inquisição de Lisboa,
cujas garras até então mal haviam conseguido arranhar a população judaica do Brasil, acabou
estendendo sobre este país a sua implacável rede de perseguições. Essa onda de terror que,
com algumas intermitências, se desdobrou por longos 70 anos, com especial virulência nos
períodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu à primeira metade do século XVIII as
características de época negra da história dos judeus no Brasil.

Várias razões, entre essenciais e subsidiárias, contribuíram para esses trágicos eventos. Em
primeiro lugar, a perseguição aos cristãos-novos em Portugal atingira então justamente o seu
apogeu, assumindo ali a obra diabólica da Inquisição aspectos verdadeiramente pavorosos.
"Despovoavam-se extensas zonas do país e a Europa contemplava atônita uma nação que se
destruía à ordem de broncos frades". Não admira, pois, que tal fúria acabasse também
repercutindo neste lado do oceano.

Os judeus brasileiros, graças ao seu ajustamento econômico e social, operado na segunda


metade do século XVII, haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colônia;
havia, pois, bens a confiscar, e com facilidade, E, se isso não bastasse, fôra designado bispo
do Rio de Janeiro - D.Francisco de São Jerônimo, que exercera, em Évora, o cargo de
qualificador do Santo Ofício, ali se distinguindo pela sua intolerância religiosa e pelo seu rancor
contra a raça judaica.

Tão furiosa passou a ser então a caça aos judeus brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro
e na Paraíba, que, só entre 1707 e 1711, mais de 500 pessoas foram levadas prisioneiras para
a Inquisição de Lisboa.

O pânico se fez geral, paralisando por completo o desenvolvimento das relações mercantis da
colônia com a metrópole, e a esta causando tão sérios prejuízos que a coroa portuguesa afinal
se viu forçada a proibir que prosseguisse o confisco dos engenhos de açúcar, na maioria
pertencentes a indivíduos de origem judaica. Sucedeu então uma relativa calma, que,
entretanto, não chegou a durar 20 anos. Tendo neste período os judeus se refeito dos abalos
anteriores e mesmo voltado a enriquecer graças ao incremento da exploração das minas de

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ouro e do comércio de diamantes, recomeçou a sanha dos inquisidores, atraídos pelas
renascidas perspectivas de maciços confiscos. A nova fase de perseguições, mais intensa
durante o decênio 1729-1739, prosseguiu, praticamente até 1770, quando outras condições
vieram extirpar, e para sempre, o cancro da inquisição, que tanto manchara a história de
Portugal e tanto fizera decair esse grande império dos tempos manoelinos.

Até hoje não se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caíram vítimas da Inquisição
de Portugal.

Ainda agora, existem nos arquivos da Torre de Tombo, em Lisboa, 40.000 processos da
Inquisição, cujos mistérios aguardam o trabalho paciente dos que se disponham a investigá-los
para revelar à história toda a sua hediondez. Como a conversão forçada dos judeus, a captura
de seus filhos menores de 14 anos e seu exílio forçado na ilha de São Tomé, os suicídios e
matanças promovidos pelos desesperados judeus que não queriam ver suas proles convertidas
à força...Elias Lipiner, em seus livros, relata com detalhes esta tragédia, calçado em pesquisas
realizadas em muitos anos, no Tombo. É preciso lê-lo e discutí-lo amplamente. A tragédia da
Inquisição só encontra paralelo na tragédia do Holocausto.

O MARQUÊS DE POMBAL

Em 1770, teve início um novo ciclo para a vida


judaica no Brasil, sem nenhuma semelhança com
todo o seu passado. As cinco décadas seguintes
constituem uma fase de transição para uma política
liberal, que não mais sofreria retrocessos, ampliando
cada vez suas conquistas até a eclosão definitiva em
1824, após a proclamação da independência do
Brasil e sua constitucionalização.

Em Portugal, o cenário mudara e a Inquisição


acabava de entrar nos seus últimos estertores,
golpeada de morte pelo poderoso ministro Sebastião
José de Carvalho e Melo, conhecido como o
Marquês de Pombal.

Já em 5 de outubro de 1768, como medida precursora, havia esse estadista excepcional


desarmado os denominados "puritanos", isto é, os nobres que timbravam em não se alinhar a
sangue suspeito de cristão-novo: determinou o Marquês um prazo de 4 meses àqueles que
tivessem filhos em idade casadoura, para que procedessem a enlaces com famílias até então
excluídas.

Poucos anos depois, em 25 de maio de 1773, conseguiu ele junto ao rei, D.José I, a
promulgação de uma lei que extinguiu as diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos,
revogando todos os decretos e disposições até então vigorantes com respeito à discriminação
contra os cristãos-novos. As penalidades pela simples aplicação da palavra "cristão-novo" a
quem quer que fosse, por escrito ou oralmente, eram pesadas: para o povo - chicoteamento
em praça pública e banimento para Angola; para os nobres - perda dos títulos, cargos, pensões
e condecorações; para o clero - banimento de Portugal. Finalmente, um ano mais tarde, em 1
de outubro de 1774, foi a referida lei regulamentada por um decreto, que sujeitava os
veredictos do Santo Ofício à sanção real. E assim, com essa restrição, estava praticamente
anulada a Inquisição portuguesa. Sobre o especial empenho do Marquês de Pombal junto ao
rei em favor da extinção de quaisquer discriminações contra os cristãos-novos, encontra-se na
"História Universal do Povo Judeu" de Simon Dubnov, a seguinte conjetura: "Mas, consta que o
rei manifestou o desejo de que os marranos fossem pelo menos reconhecíveis por um sinal
especial. Então, Pombal tirou três chapéus amarelos, dos que usavam os judeus em Roma,
explicando que um seria destinado a ele próprio, outro ao inquisidor geral e o terceiro ao rei,
visto como ninguém - disse ele - podia estar certo de que nas suas veias não corria o sangue
dos marranos".

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
A repercussão das disposições pombalinas no Brasil foi automática e eficaz. Após setenta anos
de perseguições tremendas, estavam os cristãos-novos brasileiros ansiosos de se igualarem
aos demais habitantes do país, dos quais, na realidade, freqüentemente em nada se
distinguiam, a não ser pela discriminação que lhes era imposta. Assim, nesse ambiente já por
si propício - favorecido ainda pelos intensos cruzamentos étnicos e processos culturais que se
vinham verificando naquela época, graças à mutação econômica parcial da base agrária para a
de mineração - o liberalismo da nova lei foi um franco estímulo à completa assimilação dos
cristãos-novos.

Bem entendido, esse processo de integração não se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois
que não desaparecera a desconfiança com relação às reviravoltas políticas da coroa
portuguesa.Tanto assim que, mesmo 25 anos mais tarde, quando, pelo tratado de comércio
formado em 19 de fevereiro de 1810, na cidade do Rio de Janeiro, entre a Inglaterra e Portugal,
foi dado mais um passo à frente no caminho da liberalização, ficando oficialmente proibidas as
atividades da Inquisição no Brasil, o governo de Portugal ainda receava os judaizantes. É como
se explica que, no mesmo artigo nº 12 do aludido tratado, em que se dispunha que: "nem os
vassalos da Grande Bretanha, nem outros quaisquer estrangeiros de comunhão diferente da
religião dominante dos Domínios de Portugal, serão perseguidos ou inquietados por matérias
de consciência, tanto nas suas pessoas, como nas suas propriedades, enquanto eles se
conduzirem com ordem, decência e moralidade, e de uma maneira conforme aos usos do País
e ao seu estabelecimento religioso e político",acrescentou-se: "porém, se se provar que eles
pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram fazer
prosélitos ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem poderão, manifestando-se o seu
delito, ser mandadas sair do País..."Foram necessários mais outros 15 anos para que,
alcançada a independência do Brasil em 1822 e promulgada a constituição de 1824,
desaparecesse, pela via aberta da assimilação, o problema judaico brasileiro. Não será demais
lembrar que foi marcante a contribuição dos próprios judeus brasileiros para o movimento que
viria trazer a sua extinção como grupo pela completa integração na coletividade nacional.

Assim o testemunha o historiador Rocha Pombo: "Os primórdios da rebeldia para constituir
uma nação independente tiveram por parte dos israelitas e dos seus descendentes destacada
contribuição", e assim o reforça o historiador Adolfo Varnhagen: "Os judeus foram os pioneiros
da independência do Brasil. A sua valiosa contribuição, a sua tenacidade de raça eleita, de
povo perseguido, constituíram os alicerces onde colocou-se o lábaro ardente da esperança na
Libertação do Brasil do jugo da mãe-pátria".

Uma vez constitucionalizado o país e implantada a total liberdade de consciência, nada mais
restava que pudesse sustentar a sobrevivência da população judaica, já bastante reduzida em
conseqüência da assimilação que se vinha operando, lenta mas continuamente, nos 50 anos
precedentes, à sombra do crescente liberalismo pós-pombalino. Esses judeus remanescentes,
cujo espírito coletivo já estava muito debilitado - pois, como mencionado atrás, eles quase só
se consideravam judeus em virtude da discriminação vinda de fora - tão logo perceberam que
desta vez a liberdade viera em caráter duradouro, cortaram aquela última amarra, de odioso
fundo discriminatório, que os prendia ao passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio
da população geral, com a qual, de resto, já se achavam inteiramente identificados, sob todos
os aspectos histórico-culturais.

Nada obstante essa integração total, muitos assimilados continuaram e continuam, pelos anos
afora, a declinar a sua condição de ex-cristãos-novos. Decorridos mais de um século e meio,
em pleno século XXI, encontravam-se e encontram-se descendentes que, com
sentimentalismo, evocam a sua origem e testemunham o seu enternecimento pelos
sofrimentos dos antepassados. Eles comparecem às sinagogas e templos por ocasião do
Rosh Hashaná e, principalmente, do Yom Kipur – na véspera do Kipur, quando se celebra o
Kol Nidré, o ritual estabelece que as portas da congregação estão abertas a todos, inclusive
àqueles que abjuraram de uma ou de outra forma à fé judaica. Os votos são anulados. E os
cripto-cristãos comparecem...

O único fator que, nessa conjuntura criada após a Constituição de 1824, talvez ainda lograsse
reacender a chama passada e preservar aqueles judeus da assimilação total, teria sido uma
imigração maciça e homogênea de judeus, de nível elevado e de tradições afins.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Mas essa hipótese única, assim mesmo de efeito problemático, inexistiu de todo, pois que,
depois da Independência, enfraqueceu de muito o movimento de imigração no Brasil, sendo
que a imigração judaica praticamente se anulou.

Logo após a Independência, principiaram a afluir para a Amazônia elementos judaicos


provenientes do Marrocos. E a história dessa corrente vai contada, em detalhes, neste livro.
Na segunda metade do século XIX, por volta de 1855, começou a modificar-se a situação
judaica no Brasil.

A população israelita, até então reduzida unicamente aos judeus marroquinos, na Amazônia,
passou a crescer em número e a espalhar-se pelo território brasileiro. Foram chegando ao Rio
de Janeiro - de onde irradiavam para os estados vizinhos, especialmente para São Paulo e
Minas Gerais - judeus procedentes de vários países da Europa Ocidental - franceses, ingleses,
austríacos e alemães, e sobretudo, alsacianos. O encontro deles com o imperador D.Pedro II já
foi narrado no início deste trabalho.

Em 1857, funda-se uma sinagoga no Rio de Janeiro, por estes judeus alsacianos. Seu
primeiro presidente, Leopoldo Hime, o bisavô do compositor Francis Hime...

Esses judeus, originários do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em
seguida regressar aos países de origem. Na realidade, a maioria acabou permanecendo no
Brasil, seja porque não houvessem logrado o desejado enriquecimento rápido, fosse porque já
se sentissem dominados pelo apego à nova terra. Limitavam-se os judeus do Rio de Janeiro e
dos estados vizinhos às ocupações comerciais, sem nenhuma tentativa de integração em
outras atividades econômicas, de feição mais estável e caráter mais fundamental, e muito
menos procuravam imiscuir-se na vida pública do país.

Na última década do século XIX, a imigração judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os


países de procedência e também as regiões em que os imigrantes passavam a fixar-se no
Brasil. Enquanto, até então, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da
África e do Ocidente europeu, já agora, afora aquelas regiões, chegavam levas de judeus do
Mediterrâneo oriental - Grécia, Turquia, Síria e Líbano e da própria Palestina e ainda da Rússia
e países vizinhos do leste europeu, localizando-se de preferência na zona sudeste do país -
Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - mas também se disseminando por muitos outros
estados, tanto do Sul como do Nordeste. Ficou assim o Brasil, no final do século XIX,
pontilhado de núcleos judaicos multicolores. É digno de registro que, ao findar o século XIX, já
existia no Brasil uma coletividade judaica em potencial, que abarcava todo o território nacional;
uma rica infra-estrutura, sobre a qual viriam em breve apoiar-se as vastas e homogêneas
ondas imigratórias do leste europeu - Bessarábia, Ucrânia, Lituânia, Polônia - as quais, nas
primeiras décadas do século XX, ergueriam no Brasil o arcabouço de uma sólida comunidade
israelita.

A partir da criação da Jewish Colonization Association, a JCA, em 1891, abriram-se as portas


das Américas aos judeus perseguidos na Europa. Foi assim que surgiram as colônias do Rio
Grande do Sul e da Argentina, onde foi nascer o judeu de bombachas, no dizer de Alberto
Gershunoff, los gauchos judios. Este momento da História Judaica brasileira, felizmente, tem
sido bastante estudado, nos últimos anos. Desde o :"Numa clara manhã de abril", de Marcos
Iolovitch, passando por "Filipson" e os vários romances de Moacir Scliar, chegamos ao
trabalho desenvolvido em Porto Alegre pelo Instituto Marc Chagall, promovendo a edição de
livros, vídeos, conferências, exposições e palestras, onde a memória judaica no Sul está muito
bem construída.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
HASSIDISMO E ILUMINISMO

Na Polônia, Israel ben Eliezer, o Baal Shem Tov, cria o movimento


hassídico, enquanto em Viena, Frederico II, o Grande, promulga um
privilégio, dividindo os judeus em três categorias: ordinários, extraordinários
e desamparados. Ordinários, as pessoas comuns; extraordinários, os que
prestavam serviços à Coroa; e desamparados, os párias.

Surge na Alemanha o movimento iluminista, a hascalá, que pretende


orientar o judaísmo para a cultura universal. Na Polônia e no leste europeu,
continuam surgindo movimentos fundamentalistas, como o de Jacob Frank,
buscando encontrar o Messias redentor dos judeus. Nesse contexto,
finalmente, o Marquês de Pombal, em Portugal, decreta a abolição da
Baal Shem Tov
distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos.

É importante falar dessa distinção que Pombal fulminou. A Inquisição cultuava a pureza do
sangue. Os réus eram classificados segundo a “quantidade” de sangue judaico que tinham nas
veias - a heresia era medida segundo essa proporção. “Cristão-velho dos costados” era o
cristão de sangue puro, sem nenhuma gota de sangue hebreu. Ao contrário, o cristão-novo era
o que tinha sangue judaico, sem nenhuma gota de sangue cristão. Essa distinção entre
“velhos” e “novos” foi estabelecida quando da conversão forçada ordenada pelo rei
D.Manoel,em 1497.

Pombal, que era um homem moderno e de visão, percebeu, em seu governo, que Portugal só
tinha alguma chance de prosperar se,entre outras medidas, liquidasse com essa sinistra e
ridícula qualificação dos portugueses: cristãos-novos, cristãos-velhos, meio novos, meio
velhos, um quarto novos, um quarto velhos etc. Seu decreto, entretanto, foi acompanhado de
medidas que, hoje, os historiadores lamentam; Pombal, simplesmente, mandou destruir toda a
documentação de origem dos portugueses.

Enquanto isso acontecia em Portugal, nos Estados Unidos editava-se a Declaração dos
Direitos Humanos, que outorga aos judeus a igualdade dos direitos civís.Doze anos depois,
explode a Revolução Francesa: em 27 de agosto de 1792, é proclamada a Declaração dos
Direitos Humanos e Cívicos, que atribui liberdade e igualdade de direitos aos judeus.
Começam, efetivamente, a cair os muros dos guetos por toda a Europa. Dez anos depois,
Napoleão declara os judeus “ legítimos herdeiros da Palestina”.

D. PEDRO E OS JUDEUS DA ALSÁCIA-


ALSÁCIA-LORENA

Em 1887, uma delegação de judeus da Alsácia-Lorena foi recebida,


em grande estilo, pelo Imperador D.Pedro II. O monarca
surpreeendeu a comitiva, falando-lhes em hebraico clássico.
Registram as crônicas o embaraço daqueles israelitas (Simonsen,
Haar,Whitaker,Hime, entre outros) que não dominavam a língua
sagrada.

“ D.Pedro II desde a sua juventude acalentava o desejo de conhecer


a língua hebraica”, destaca Kurt Loewenstamm no seu “ O hebraísta
no trono do Brasil”. “Amo a Bíblia, leio-a todos os dias, e quanto
mais a leio, mais a amo”, disse certa vez o monarca. Seu
conhecimento do hebraico começou por acaso, quando encontrou
num banco de jardim do Palácio de São Cristovão uma gramática
D.Pedro II hebraica, esquecida por um missionário sueco.

Convocado ao palácio, o clérigo acabou por aceitar convite de D.Pedro para tornar-se o seu
professor.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Rapidamente, D.Pedro iniciou-se no idioma sagrado. Loewenstamm conta que o imperador, em
pouco tempo, vertia do hebraico para o latim vários livros da Bíblia, entre estes o de Isaías, Jó,
os Salmos, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos e outros.

Já em Petrópolis, sob a orientação de outro professor, também sueco, chamado Akerblom,


D.Pedro mostrou progressos extraordinários. Foi contratando, sucessivamente, novos
professores. A história registra os nomes do orientalista Dr.Koch e depois, do Dr. Henning.
Quando Koch faleceu, em Petrópolis, D.Pedro escreveu o epitáfio do amigo em latim, grego e
hebraico...

Quando esteve em São Francisco, na Califórnia, o imperador visitou uma sinagoga. Nela, foi-
lhe proporcionado pelo rabino o ensejo de fazer a preleção do capítulo da Tora daquele dia.
O estudo do hebraico levou o monarca a estudar também a história e a literatura judaicas.

Em 1877, em Paris, estudou a obra de Rabinowitz, “La législation Criminelle du Talmud”. Em


Cannes, em 1888, encontrou-se com o rabino-chefe de Marselha, Benjamin Mossé, numa
reunião que durou mais de duas horas. Ao sair, o rabino Mossé, segundo atesta o historiador
Eduardo Prado, declarou: “ Majestade, sois mais que um Imperador, sois um filósofo e um
sábio !”.

Coerentemente, o imperador foi ao Oriente, visitando a Síria, o Egito e,principalmente, a


Palestina. Claro, o ponto alto de sua visita foi Jerusalém: “Jerusalém”, escreveu ele em carta
ao ministro francês Gobineau, “ pela sua posição elevada, domina quase toda a Terra Santa, e
produz o efeito mais surpreendente, qualquer que seja o lado pelo qual se lhe aproxima. A ela
cheguei três vezes”.

Depois da queda da monarquia, no seu exílio europeu, D.Pedro estudou o hebraico e o


provençal, editando em 1891 um pequeno livro, “Poésies Hebraico-Provençales du Rituel
Israélite - Contadin, Traduites et transcrites par S.M. Dom Pedro II d’Alcantara, Empereur du
Brésil” (Avignon). O volume, de 76 páginas, contém uma introdução na qual o imperador faz
observações sobre os seus estudos do hebraico, esclarece sobre os poemas traduzidos - dos
quais dá as versões hebraica e provençal. São Piutim, cânticos liturgicos sinagogais, um
comentário sobre o livro de Esther e o chad-gad-yá, cantiga tradicional nas noites de
Pessach.O provençal era um idioma judaico falado na Provence, França, enriquecido por
termos hebraicos e árabes, escrito com caracteres hebraicos (com o que se assemelha,
estruturalmente, ao idiche, ao ladino e à hakitia). Hoje em dia, só é falado - e assim mesmo,
por poucos judeus - na região de Marselha.

Esse amor do imperador à cultura judaica explica a política amistosa para com os israelitas,
desenvolvida pelos vários governos da monarquia, inclusive e sobretudo no estímulo à
imigração e à cooperação com as várias entidades envolvidas na questão judaica.

Com a declaração da Independência, em 1822, e a promulgação


da Constituição do Império, em 1824, ficou estabelecida a
tolerância religiosa,e as primeiras práticas públicas de judaísmo
começaram a aparecer em terras brasileiras. Uma das figuras
proeminentes desse período foi Denis de Samuel (1782-1860),
um jovem imigrante inglês, que conquistou grande prestígio na
Corte, inclusive o título de barão.

A grande corrente imigratória, originária principalmente da


Europa Oriental, começou na década de 80 do século 19.
Milhões de judeus foram deslocados da Europa para as
Américas, especialmente para os Estados Unidos, no hemisfério
norte, e Argentina, no sul. Essa imigração era conseqüência da
situação em que os judeus viviam na Zona de Residência do
Império Czarista, caracterizada por uma grande concentração de
Barão Hirsch população sem os meios mínimos de subsistência e acossados
por pogroms e legislação discriminatória.

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
As zonas de residência eram um artíficio dos governos czaristas, que não admitiam a liberdade
de ir-e-vir dos súditos judeus. Eles podiam viver e trabalhar em regiões determinadas. O
acesso a Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades do império, era proibido por lei.
Exceções eram abertas, ao custo de suborno e tráfico de influências. Poucos judeus podiam
sair das zonas de residência para cursar a Universidade -onde, de qualquer forma, vigorava o
regime de numerus clausus, ou seja, os estudantes israelitas contavam com pouquíssimas
vagas. Era uma ação de relações públicas internacionais do Czar, para provar que judeus
tinham acesso até a universidades..
.
O judaísmo da Europa Ocidental mobilizou-se, considerando viável encaminhar grandes
massas ao Novo Mundo. No caso da América do Sul, a Argentina demonstrou, a partir de
1881, interesse em receber imigrantes judeus. Assim, em agosto daquele ano, um agente
argentino estabeleceu-se na Europa e contatou lideranças judaicas em São Petersburgo, “ para
tratar de induzir a essa população a trasladar-se ao nosso país sob o amparo e a proteção de
nossas leis”

Na mesma época, o governo imperial russo autorizou o funcionamento de um Comitê Central


do Jewish Colonization Agency, em São Petersburgo, e filiais nas principais províncias. Um
projeto de colonização foi elaborado pelo dr. Guilherme Loewenthal, aprovado pelo Barão
Hirsch (que afinal, foi quem criou o JCA e deu-lhe recursos) e os trabalhos foram iniciados.
Em 1890, em Moises Ville, na Argentina, já estavam vivendo 68 famílias, ocupando quase
4.500 hectares de terra.

Dez anos depois, o JCA ( no Brasil,também conhecido como ICA,Instituto de


Colonização Agrícola), iniciou o seu projeto no sul do Brasil, no Rio Grande. As
primeiras famílias começaram a chegar em 1904, em Pinhal, na região de Santa
Maria. Outros assentamentos ocorreram em Philipson (nome do vice-presidente
do JCA) e em Quatro Irmãos e, uma década depois, no núcleo Baronesa Clara.
Uma última experiência ainda seria tentada pelo JCA no Brasil,às vésperas da Segunda
Guerra, em Resende, no Estado do Rio, no ano de 1936. A idéia era salvar algumas centenas
de judeus alemães, já vivendo, então, o pesadelo nazista.

SOBRE A AMAZÔNIA

Algumas reflexões sobre a Amazônia, tal como a conhecemos hoje, antes de partirmos para a
saga dos hebraicos.

Como ressalta Otávio Velho (1976), "a não ser como mito e no curto período do auge da
borracha, o Brasil e o mundo viveram quase como se a Amazônia não existisse".

É verdade, há muitos depoimentos de cronistas, aventureiros e cientistas que a percorreram.


A vida dos numerosos e dispersos grupos indígenas foi sendo revelada, em sua grande maioria
por uma ótica colonizadora ou "racional". Os contingentes populacionais mestiços, os caboclos
e o campesinato ribeirinho foram igualmente identificados e progressivamente catalogadas
suas atividades e descobertas.

A partir de então, esses viajantes puderam classificar os primeiros recursos naturais e


matérias-primas de um mundo aparentemente infinito.

Contudo, essa divulgação era extremamente restrita e, na trilha enunciada por Otávio Velho,
pouco se disseminou em termos de conhecimento, nos principais centros nacionais de então,
sobre a natureza, o meio e o homem dessa fantástica região.

A Amazônia continuou sendo o território por excelência dos mitos, dos sonhos e da fortuna. Até
o período das reformas pombalinas, em meados século 18, o atual território amazônico
correspondia, em sua parte já apropriada, a um Estado à parte do Estado Colonial Brasileiro,
diretamente subordinado à metrópole lusitana.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Aí acontece o ciclo da borracha, o qual desvendou uma nova Amazônia. Ao lado dos mitos,
fantasias, lendas e sonhos de enriquecimento rápido, inaugurou-se uma nova sociedade,
opulenta para os padrões da época nas capitais e principais centros urbanos e ativa,
organizada, expansionista nas imensas áreas dos seringais que avançavam do território
paraense aos altos rios.

Uma nova sociedade e uma nova geografia, com a consolidação da incorporação da Província
do Amazonas e do norte matogrossense, incluindo Rondônia e a incorporação de novos
territórios, como o Acre. Tudo, conseqüências inevitáveis do chamado surto da borracha.

Mas, à sua sombra, plasmou-se um novo quadro demográfico regional e sobretudo, configurou-
se uma absolutamente original questão social. As centenas de milhares de imigrantes, em sua
grande maioria nordestinos vivendo em condições semi-compulsórias de trabalho, subsistência
e reprodução, constituíram a dramática evidência da perversidade social subjacente ao auge
extrativista. A outra face da moeda eufórica da borracha ficou testemunhada em importantes
depoimentos da época, como os de Euclides da Cunha e Oswaldo Cruz, ambos escritos nos
primeiros anos do século.

Mais tarde, uma vasta historiografia, depoimentos e romances revelou as dimensões gerais
desse processo, enfatizou aspectos específicos e particulares, registrou exceções e aspectos
contraditórios, enfim, fixou o quadro econômico, social, cultural e político do ciclo da borracha
na Amazônia.

Após mais de um século da ascensão do ciclo da borracha, passando por sua decadência e
pelo predomínio, durante décadas, de uma sociedade agro-extrativista semi-isolada, a
modernização acelerada das últimas décadas coloca uma questão que é contemporânea das
sociedades onde as relações capitalistas se afirmam hegemonicamente: qual o papel e a
natureza das políticas públicas na Amazônia ?

Isolada dos núcleos integradores da economia e da sociedade nacional, a Amazônia


desenvolveu, também secularmente, formas originais de organização social e comunitária. As
relações típicas da economia extrativista plasmaram a hegemonia de formas de "patronagem",
estabelecendo relações de dependência econômica, social, cultural e psicológica entre as
populações caboclas e os imigrantes nordestinos com comerciantes, seringalistas e
proprietários em geral. O aviamento é a expressão concreta da rede de dependência criada,
simbolizando um sistema de crédito - adiantamento de bens de consumo e instrumentos de
trabalho - que durante muito tempo se identificou com a própria Amazônia. No auge do período
da borracha, o aviamento funcionou como mecanismo de fixação semi-compulsória do
trabalhador, imobilizado pelas dívidas intermináveis. Findo o esplendor da economia da
borracha, a patronagem e o aviamento foram assumindo formas mais suaves - que de resto já
existiam anteriormente em áreas tradicionais amazônicas de ocupação anterior à aventura
febril dos altos rios - traduzidas na constituição de clientelas, no sentido clássico.

A fidelidade comercial do freguês pressupõe "obrigações morais que os patrões tem para com
seus clientes em casos de dificuldades...constitui relação de poder sujeita a uma moralidade
que dispõe prescrições morais de ajuda aos fregueses em casos de perigo (doenças, carestia,
etc) em troca de uma relação comercial monopolista".

O domínio mercantil, basicamente exercido primeiro pelos judeus e, mais tarde, também pelos
árabes e adiante pelos japoneses, estabeleceu uma rede informal de proteção social, em troca
de exclusividade da comercialização dos bens agro-extrativistas produzidos nos núcleos de
seringueiros, castanheiros, colonos, ribeirinhos, extratores diversos e outros, ligados em geral à
vida de povoados, vilas e pequenos centros urbanos de apoio.

Em que consistia essa rede de proteção? Em primeiro lugar, a partir dos anos 20, praticamente
dissolveram-se alguns vestígios da fase ""dura" dos seringais, sendo então possível, em toda a
região, a construção de núcleos familiares de organização doméstica, trabalho e reprodução.
Inaugurou-se assim um novo estágio demográfico regional, com o declínio da alta razão de
masculinidade, uma tendência à distribuição mais homogênea por sexo e através das uniões, o
surgimento de um regime de fecundidade e natalidade extremamente intenso. A fixação dos

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
grupos familiares e a reprodução demográfica assegurou a organização de uma divisão social
do trabalho à nível familiar, base da subsistência e comercialização de excedentes. O fato
desses grupos familiares se constituírem em uma situação de abundância de terras e recursos
extrativos, possibilitou um regime de reprodução social que viabilizou a existência de centenas
de milhares de pessoas por todo o interior amazônico.

Iniciativas comunitárias e algumas de caráter religioso mantinham uma modesta oferta de


serviços (escolas, associações, clubes) nas pequenas vilas e cidades, substituindo a ausência
de poderes públicos na prestação de serviços.

Rabinos, curiosos, curandeiros e pessoal com rudimentares conhecimentos de saúde exerciam


uma medicina curativa de forte conteúdo empírico e artesanal. O rabino Hamu teve a
oportunidade, durante uma visita ao mercado de Belém, de nos demonstrar seus amplos
conhecimentos dessa medicina popular.

Os rios, as matas e o regime de chuvas equivaliam a sistemas naturais de saneamento


ambiental, de resto favorecido pelas baixas densidades demográficas que criavam obstáculos
ao contágio e a disseminação de infecções. Apesar da espantosa frugalidade dos recursos
médico-sanitários disponíveis, os níveis de mortalidade geral e infantil na Amazônia, desde as
décadas de 20/30, situam-se em torno da média brasileira, inferiores aos da Região Nordeste e
de diversas áreas específicas de risco em regiões mais desenvolvidas do País.

Pairando acima desse quadro estrutural, o judeu patrão exercia o papel de proteção social em
relação à sua clientela, quando as condições "naturais" acima descritas mostravam-se
insuficientes. Nas palavras de Aramburu,"a acumulação do comerciante há de servir para
atender seus fregueses em momentos de dificuldades e perigos... Nesse sistema, os
trabalhadores delegam ao patrão o poder de resolver as fatalidades. O patrão deve amparar os
fregueses no caso de passarem por apuros como crise na produção, necessidade de dinheiro
urgente. O poder patronal manifesta-se sobretudo na assistência a doenças, pois é nesses
casos que as famílias estão mais vulneráveis e necessitadas de ajuda".

É importante perceber, também, que desde há muito, os judeus marroquinos vinham se


misturando às populações caboclas, daí nascendo o hebraico, a quem ele, o patrão, devia um
cuidado e uma atenção maiores. Afinal, família...

A SERPENTE DE CAMETÁ

Vamos voar de Belém a Cametá, no baixo rio Tocantins. É


uma viagem de hora e meia, acompanhando o rio e com o
rádio de bordo sintonizado na única rádio de Cametá - é um
pequeno monomotor, numa viagem emocionante.

A primeira versão da história que vamos contar, é do hebraico


Carlindo Cohen, de quem falaremos mais adiante.

Fim de tarde, o calor intenso indo embora, uma jovem mãe judia, educada na Europa,
amamenta o seu bebê de oito meses sentada no cais.

É lindo o por-do-sol nos rios da Amazônia. Depois de longas horas de um torpor provocado
pelo calor intenso, as águas do rio voltam a fluir, as pessoas (que desaparecem durante horas),
reaparecem, há vida na beira do cais. Vendem-se frutas típicas e algum pescado.

Sopra uma leve brisa e a jovem mãe quase adormece naquele ato sublime de amamentar a
sua cria. De repente, ela percebe que o outro seio também está sendo sugado. E por quem ?
Por uma serpente !

Algumas semanas depois de termos ouvido esse causo, num elegante restaurante de Belém,
uma jovem socióloga nos conta, à guiza de curiosidade, que uma tia-avó de Cametá se

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
divorciara do esposo e regressara ao Marrocos, depois de passar pela traumatizante
experiência de amamentar uma cobra.

E mais alguns dias depois, já em Santarém, estamos no escritório de Fortunato David Serruya,
importante fotógrafo da região. Ele nasceu em Santarém, em 1930, filho de David Jacob
Serruya, natural de Tetuan, e de Suzanne Cohen Serruya, de Granada, de origem francesa.
Ele conta que seu pai veio ao Brasil a chamado do irmão, o tio Isaac, de Cametá. Isto, nos
anos 20. Quando ele, Fortunato, tinha oito meses, seus pais se separaram e ele, com os
irmãos Jacob e Leão, voltou ao Marrocos. Lá, ele estudou até regressar ao Brasil, na década
de 50.

"Meu pai", conta Fortunato, "vendia linha de costura a metro. De 1920 a 1940, vivia num sítio
chamado Tapará, e navegava de Belém a Santarém, levando e trazendo carga da região".
A pergunta surge e Fortunato sorri, concorda. Sim, é ele o bebê da história de Cametá. Sua
mãe foi a protagonista da narrativa que corre o Amazonas, como lenda. Não foi lenda, nem
excesso de imaginação das pessoas.
Efetivamente, Suzanne não suportou o episódio da cobra - ela chorava todos os dias,
lembrando-se da Europa, de Gibraltar, da Sorbonne , lamentando-se do destino terrível que a
levara a viver em Cametá, no baixo Tocantins.

São histórias como a de Suzanne, David e Fortunato que são contadas, neste livro, resultado
de nossa pesquisa na Amazônia, em janeiro de 1983.

Lendas e narrativas de serpentes sugando seios de jovens mães estão presentes nas tradições
de muitos povos, antigos e modernos. No próprio Midrash (livro do Talmud que registra lendas
e fábulas), vamos encontrar histórias semelhantes. Mas é no fabulário caboclo da Amazônia
que essas narrativas aparecem com muita freqüência.

1808

Quando, em 1808, a família real portuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, transferiu a
Corte para o Brasil, elevando-o à condição de reino unido a Portugal e Algarves, os judeus de
Tetuan, porto e cidade do norte do Marrocos, onde a história hebraica remonta ao ano de 1399,
defrontavam-se com dramática situação discriminatória, sendo obrigados a viver fechados
num pequeno quarteirão da cidade, a judiaria, aljama ou melah. Este gueto existiria, aliás, de
agosto de 1807 até o ano de 1912.

Foi o Concílio de Trento (entre 1545 e 1563) que oficializou a instituição do gueto, um bairro
com área determinada, cercado geralmente por muros altos, com portão, onde os judeus,
aglomerados em vielas estreitas, viviam com suas famílias, desenvolviam as poucas atividades
profissionais permitidas, rezavam em suas sinagogas e enterravam os seus mortos. Com os
seus vários nomes, o gueto existiu em países tão diversos como o Marrocos, Portugal,
Espanha, Polônia, Rússia etc.

Em Portugal, as judiarias foram estabelecidas em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Viseu, Faro,
Beja, Moncorvo, Covilhã e Santarém. Na Espanha,as aljamas espalhavam-se por todo o país.
Em 1492, dá-se a expulsão dos judeus do reino espanhol, seguida, em 1496, pela expulsão de
Portugal.

Expulsos da Ibéria, onde viveram durante séculos (e pacificamente, mesmo sob o domínio
islâmico), os judeus fugiram para vários cantos do mundo, inclusive e principalmente, para o
norte da África, para o Marrocos.

No Marrocos, os expulsos eram conhecidos como megorachim, isto é, os espanhóis exilados


sem pátria. Apesar de tudo, conseguiram prosperar, sobretudo em Tanger, Tetuan, Ceuta,
Melila, Arcila, Azemur, Mogador, Rabat, Marrakesh, Fez, Agadir e Casablanca.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Mesmo assim, nos melahs de Tetuan, Fez, Marrakesh, em muitas vilas e povoados, os judeus
continuaram a sofrer constrangimentos, humilhações, confisco de seus bens - fora os
massacres rotineiros. Doze gerações, mais de trezentos anos, viveram assim no Marrocos.
Os megorachim traziam consigo a língua castelhana, sua ciência, suas instituições, seus usos
e costumes - e sobretudo, seu espírito empreendedor.

Não foram bem recebidos pelos judeus nativos, os tochabim, berberes judaizados, norte-
africanos convertidos e descendentes dos comerciantes que, centenas de anos passados,
vinham de Israel nos barcos fenícios, ou ainda dos sobreviventes da queda do Segundo
Templo, no ano 70. Os espanhóis rapidamente assumiram a liderança nas judiarias. Os
tochabim, que falavam árabe e bérbere, mais pobres e sem grande acesso à educação, tinham
poucos profissionais.

Realizamos, em 1987, um documentário no Marrocos, visitando o antigo cemitério de Tetuan.


Lá, a divisão era clara: de um lado, as sepulturas dos megorachim, com lápides inscritas em
português ou espanhol; do outro, as do tochabim. Um pequeno ato religioso foi solicitado (e
pago) a um judeu marroquino. Fez questão absoluta de apenas rezar diante do túmulo de um
tochab...Jamais rezaria para um espanhol...

Quando iniciaram suas viagens para a Amazônia, os judeus marroquinos levaram consigo as
rivalidades e divergências entre os arabizados e berberizados, e os espanhóis. Que foram se
refletir, por exemplo, na criação das duas primeiras sinagogas de Belém, uma dos bérberes,
Essel Avraham, fundada em 1823, outra dos espanhóis, Shaar Hashamaim, fundada em 1824.
Foi a situação de extremo desconforto no Marrocos que teve papel decisivo na organização e
realização de uma tarefa que, aos olhos do estudioso de hoje, parece quase impossível: a
emigração metódica e racional dos judeus de Tetuan,e também de Tanger, para o longínquo,
misterioso e perigoso Amazonas, no Brasil.

Somado a isso,a Carta-Régia de 1808 e o Decreto de 1814 fizeram inserir o Brasil no


comércio internacional, com reflexos imediatos na Europa. Esse livre comércio e a abertura
dos portos "às Nações amigas", criaram boas perspectivas para as judiarias marroquinas,
especialmente Tetuan e Tanger, cidades portuárias, onde os judeus já estavam envolvidos no
comércio de importação e exportação - além de falarem espanhol e hakitia. Mais ainda: em
1810, é assinado o Tratado de Aliança e Amizade entre o Reino Unido (Grã Bretanha) e o
Brasil, que autoriza a prática de outras religiões que não a católica, "contanto que as capelas
sejam construídas de tal maneira que exteriormente se assemelhem a casa de habitações e
também que o uso de sinos não lhes seja permitido". O Tratado assumia o compromisso de
que, no futuro, não haveria inquisição no Brasil. Em 26 de abril de 1821, D.João VI extinguiu
finalmente a Santa Inquisição e os Tribunais do Santo Ofício de todo o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves.

Como salienta Samuel Benchimol em "Eretz Israel", "estava finalmente aberto o caminho para
os que os judeus do Marrocos apressassem a sua partida do exílio marroquino, que durou
mais de 300 anos". Verdadeira carta de alforria principalmente para esses judeus marroquinos
de origem ibérica, que viveram durante séculos sob o peso da Inquisição.

É importante também registrar que, proclamada a República brasileira, em 15 de novembro de


1889, o Decreto 119 do governo provisório de Deodoro da Fonseca aboliu a união legal da
Igreja com o Estado e instituiu o princípio da plena liberdade de culto.Neste mesmo momento
os judeus oriundos do Marrocos viviam, na Amazônia, o pleno apogeu do ciclo da borracha, o
que serviu para incentivar ainda mais a contínua emigração.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
TETUAN

Tetuan é uma cidade bérbere, situada à


margem do Mediterrâneo, antiga capital do
Marrocos espanhol. Ali, a comunidade judaica
de Tetuan tornou-se muito importante a partir de
1511. O comércio, e basicamente o comércio marítimo, esteve nas mãos da comunidade
israelita local até o início do século vinte.Nas sangrentas lutas que se estabeleceram entre os
marroquinos e os espanhóis, que viriam a ocupar aquela região norte-africana, a comunidade
judaica teve papel de destaque, financiando e armando as tropas do Mulá Yazid, que acabou
derrotado pelas forças espanholas.

Mais de oito mil judeus chegaram a viver em Tetuan, quando sua população total girava em
torno de 30 mil almas. Seu primeiro "av bet din", corte talmúdica com jurisdição sobre os
judeus da região, foi presidida pelo rabi Hayym Bibas, ele mesmo um dos que foram expulsos
da Espanha. Por várias gerações, a liderança espiritual e temporal da comunidade foi ocupada
por membros das mesmas famílias - Abudaraham, Almosnino, Bendelac, Bibas, Casé,
Coriat, Crudo, Falcon, Hadida, Hassan, Nahon e Teruel.

Em nenhuma outra comunidade no mundo puderam os judeus descendentes de espanhóis e


portugueses conservar, de forma tão marcante, sua língua, seus costumes e suas tradições.
Até meados do século 18, os judeus de Tetuan continuavam a apoiar e a financiar o regresso
físico e o retorno espiritual dos marranos portugueses.

Marranos eram os judeus que assumiram o cristianismo à força, mas continuavam a professar
sua fé judaica secretamente. O marranismo foi basicamente português, embora haja também
o caso de marranos no mundo islâmico, especialmente no Irã.O Brasil moderno é considerado
o maior país marrano do mundo, pelos especialistas da Universidade Hebraica de Jerusalém.

É verdade que os recém-chegados assimilavam facilmente o ethos e o pathos do núcleo


original, mas acabaram, finalmente, introduzindo numerosas superstições e
crenças.Principalmente, trouxeram e implantaram em Tetuan, e depois em Tanger, a Hakitia.

Em 1982, o general Abraham Ramiro Bentes publicou em Belém, pela Mittograph Editora, o
livro "Os sefardim e a hakitia", uma pesquisa filológica sobre o dialeto hispano-árabe-judaico, e
que nos confins da Amazônia, acabou sendo enriquecido por vocábulos portugueses e
indígenas. O general Bentes editou ainda, em 1987, o livro "Das ruínas de Jerusalém à
verdejante Amazônia"(Bloch, Rio de Janeiro), um alentado volume de quase 400 páginas, onde
traça a trajetória judaica a partir do profeta Elias até chegar à instalação da primeira
comunidade israelita brasileira.

TANGER

Tanger, situada na entrada do estreito de Gibraltar, é uma cidade muito antiga.Nos tempos
bíblicos, era conhecida como Tingis, e foi habitada por fenícios e,
mais tarde, por cartagineses.Uma comunidade judaica existia em
Tingis - o assunto é facilmente comprovado pelas muitas e antigas
cerâmicas ali encontradas, ornadas com objetos de culto, como a
clássica menorah,símbolo até hoje de Israel

A presença judaica tornou-se marcante a partir da chegada dos


judeus expulsos da Espanha. Mais adiante, essas relações se
intensificaram com a comunidade de Amsterdam, ela também
região que atraiu multidões de judeus espanhóis e portugueses. A
prosperidade dos judeus de Amsterdam traduziu-se,também, no
financiamento da emigração marroquina para o Novo Mundo.

Em 1808, viviam 800 judeus em Tanger. Era uma comunidade


muito pobre,apesar de ali existirem algumas famílias ricas, como

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
os Nahon, engajados e conhecidos pelo comércio marítimo em grande escala que praticavam.
Nessa mesma época, destacam-se também Joseph Mogador Chriqui, as famílias Abensur,
Siscu, Azancot e Benchimol. Afinal, foram eles precisamente que, apoiados e financiados por
correligionários europeus, organizaram e deram início à grande aventura dos hebraicos na
Amazônia.

A influência espanhola sobre Tanger, iniciada pelos judeus de Tetuan, fortaleceu-se com as
vitórias de Madri e, por volta de 1820, o espanhol já era o idioma mais difundido na região.
Papéis destacados foram, ainda, os de Ben-Ayon, editor do primeiro jornal de Tanger, em
1820; Levy Cohen, editor do segundo jornal, "Le Reveil du Maroc"; Pinhas Assayag, Abraham
Pimenta, Isaac Laredo, José Benoliel, Samuel Toledano, Salomão Pinto. Todos eles atuaram
de forma muito importante na saga amazônica, seja financiando,estimulando e apoiando a
emigração de jovens e casais para a Amazônia, seja dando o exemplo, eles próprios, e
seguindo para o mais fundo da "jungle", munidos exclusivamente de fé em Deus e muita
coragem.

Para o historiador, professor e empresário Samuel Benchimol, de Manaus, a imensa maioria


dos judeus marroquinos que vieram para a Amazônia eram originários de Tanger e Tetuan.

Diz Celso Furtado na sua "Formação Econômica do Brasil" que a economia amazônica entrou
em decadência desde os fins do século l8. "Desorganizado o engenhoso sistema de
exploração da mão-de-obra indígena estruturado pelos jesuítas, a imensa região reverte a um
estado de letargia econômica". O algodão e o arroz tiveram sua etapa de prosperidade, durante
as guerras napoleônicas, "sem contudo alcançar cifras de significação para o conjunto do país".
A base da economia da Amazônia era, em 1808, a exploração de especiarias, a extração de
cacau e, logo em seguida, a borracha.O aproveitamento dos produtos da floresta deparava-se
sempre com a mesma dificuldade: a quase inexistência de população e a dificuldade de
organizar a produção baseada no escasso elemento indígena.

Este era o desafio que se oferecia aos judeus de Tanger e Tetuan: nas sinagogas de suas
cidades norte-africanas; faziam o seu bar mitzvá, cerimônia de confirmação e maioridade, aos
13 anos, colocavam os "tefilin" (filactérios) e, dez ou quinze dias mais tarde, embarcavam nos
vapores da Mala Real Inglesa. Muitos deles, imberbes mas recém-casados, outros, solteiros,
apenas com a roupa do corpo. Muitos dos recém-casados deixando as jovens esposas
entregues aos cuidados de suas famílias, por absoluta falta de recursos para levá-las
imediatamente. Dezenas dessas moças foram esquecidas, quando seus jovens esposos, na
Amazônia, morreram vítimas de enfermidades desconhecidas; outras, simplesmente foram
"trocadas" pelas caboclas. A grande maioria, porém, foi chamada por seus noivos e esposos.
Em muitos casos, a noiva era simplesmente "encomendada" para casamentos arranjados pelas
famílias.

Em Belém, os judeus ligados a interesses ingleses e franceses, tais como Nahon, Serfatty,
Israel e Roffé, já os aguardavam com alojamentos, roupas e apoio comunitário. Os meninos
eram alojados numa hospedaria da travessa Santo Antonio e recebiam rápidas e singelas
informações sobre como deviam se comportar nos sítios ao longo dos rios onde iriam viver nos
próximos anos.

Não havia maiores dificuldades quanto ao idioma: todos falavam espanhol e hakitia. Nos dias
que se seguiam, devidamente escalados pelas casas aviadoras às quais se filiavam,
embarcavam num vaporzinho (no melhor dos casos) ou num simples regatão (grande barco, na
época, a vapor, hoje movido a diesel), já com sua mercadoria a bordo e um barracão como
destino.

Casa aviadora era a organização comercial, em Belém, a quem ficaria ligado para a compra e
a venda de mercadorias, que supriria também suas demais necessidades e seria o seu
"consulado" na capital.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
OS SERINGAIS

O barracão - misto de residência do comerciante, do armazém que avia (fornece mercadorias


ao seringueiro caboclo) e do depósito de borracha, castanha etc,era até bem poucos anos
atrás, o núcleo social e econômico do seringal. Próximo a ele ficava o centro, onde se
concentravam as atividades de extração e coleta de castanha, onde estavam os tapiri para a
moradia e o tapiri para a defumação, as bocas ou estradas de seringa, um caminho ou picada
que ligava as seringueiras onde se extraía o latex.

Não existiam vínculos empregatícios entre os seringueiros caboclos e os seringalistas.

O extrativismo amazônico constituia-se numa corrente contínua, cujas principais figuras eram o
seringueiro, o seringalista, a casa aviadora, a casa exportadora, a casa importadora, as
conexões nacional e internacional do comércio da borracha. De um ponto de vista secundário,
estavam o regatão e os aviadores, que intermediavam - ora entre o seringalista e o seringueiro,
ora entre o seringalista e a casa aviadora.

O sistema sustentava-se basicamente no crédito. A estrutura econômica da Amazônia, pelo


menos até o fim dos anos 50, caracterizava-se pelo sistema de aviamento: o aviador era a
pessoa que efetuava o aviamento, isto é, fornecia os bens de consumo e de produção; o
aviado era o que recebia. Na produção e circulação da borracha, o seringueiro extrator era
sempre o aviado, pois as suas relações econômicas restringiam-se ao fornecimento dos
produtos extraídos da floresta como pagamento das mercadorias que lhe foram aviadas.

O aviador era aviado do comerciante que lhe fornecia as mercadorias e aviador para aqueles
que adquiriam suas mercadorias. Havia os grandes aviadores, pequenos em número e
estabelecidos nas grandes cidades, e os pequenos aviadores, que intermediavam as
mercadorias até chegar às mãos do produtor ou do extrator.

O judeu, e logo em seguida o seu descendente caboclo, o hebraico, era sempre seringalista,
patrão, muitas vezes ligado às casas aviadoras e , em raros casos, às empresas exportadoras,
dominadas pelos coronéis de barranco, ingleses, portugueses e nordestinos.

Os judeus foram os primeiros regatões da Amazônia. Ou seja, suas embarcações levavam as


mercadorias para trocar nos seringais mais distantes por borracha, castanha, copaíba (cujo
bálsamo era, então, a medicação por excelência das doenças venéreas, na Europa), sorva,
balata, ucuquirana, peles e couros de animais silvestres. Muito freqüentemente, os regatões
entravam em choque com o grande poder e o monopólio dos aviadores que "fechavam os rios"
e eram "os donos da praça". No fundo, os judeus regatões nada mais fizeram do que reproduzir
de certa forma, no cenário fantástico da Amazônia, o papel do judeu prestamista, nas cidades
do sudeste e do sul.

No início, o jovem judeu vivia sózinho, regateando. Depois, formada a família, ia comerciar no
interior mais afastado, comprando e vendendo mercadorias. Quando sua situação se
consolidava, tratava de transferir esposa e filhos para cidades maiores, onde a criançada
nascia a cada dois anos, "gerados em cada visita do pai à esposa, durante as páscoas e
celebrações religiosas de Rosh Hashaná, Iom Kipur, Pessach, Purim, Chanuká ou para as
cerimônias de Brit-Milá (circuncisão) de seus filhos, ou para o Bar Mitzvá", assinala Benchimol
no seu livro "Eretz Amazônia". E observa: esses dias festivos eram os dias de fazer nenê com
as esposas parideiras, que tinham uma média de 6 a 8 filhos antes de completar 40 anos de
idade.

BENGUIGI

Um dos patriarcas dos hebraicos da Amazônia, Moisés Benguigui chegou a Belém no dia 9 de
junho de 1909, vindo de Manaus. Hospedou-se na sinagoga da rua das Indústrias e, dias
depois, a chamado do seu tio, embarcou para Marapani, um lugarejo situado às margens no rio
Solimões, na região conhecida como Coari. Lá, Moisés abriu uma bodega: servia cachaça,
fumo e farinha aos caboclos, e deles recebia o sernambi ( a borracha), alguma castanha, óleo

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
de copaíba. Dez anos ficou Benguigui em Coari. Em 1919, a convite de David Azulay, mudou-
se para Oriximiná, próximo a Óbidos, no rio Amazonas, e meteu-se na charqueação de gado.
- A borracha já estava em crise, explicou Moisés. Era preciso buscar outros meios de ganhar a
vida.

Em 1931, ele foi até Alenquer, na mesma região, para casar. Com dona Esther Alves, filha de
Alenquer, cujos pais vinham de Rabat e de Lisboa. Com Esther Alves (na origem, El Baz), teve
oito filhos, cinco homens e três mulheres.

As três vivem hoje em Israel. Em 1983, já tinha mais de trinta (ou seriam quarenta ?) netos,
indagava ele mesmo, incrédulo.

Na sinagoga Shaar Hashamayim, na rua Arcipreste, em Belém, já centenário, Moisés


Benguigui, lúcido, acompanhava todo o serviço. E a cada tropeço do rabino Hamu, não
hesitava em corrigi-lo, publicamente...

CAMETÁ

Cametá, no baixo Tocantins, fica a 40 minutos de Belém, de monomotor. De barco,é uma


viagem que pode durar de 18 a 30 horas, dependendo da corrente fluvial.

Cametá foi, na primeira metade deste século, a segunda maior cidade do estado do Pará e,
sem dúvida, a mais importante cidade comercial da região.

Segundo o rabino Hamu, nascido em Mocajuba, do outro lado do rio Tocantins, viviam ali perto
de sete mil judeus. Cametá teria, no máximo, 30 mil habitantes, então.

A cidade guarda as lembranças do fausto do início do século. As ruas são largas, bem
planejadas. Resistem ainda as velhas residências de porte senhorial. Há praças bem
desenhadas, onde à noite, em quase todas elas,reina absoluto um grande aparelho de TV,
sintonizado na Globo... E uma enorme quantidade de pessoas acompanha, ali, as novelas
passadas no Sul maravilha.

"Ninguém falará com vocês em Cametá. Não há mais judeus lá", afirmou o rabino Hamu. Na
verdade, ao desembarcarmos em Cametá, abordados por Calixto,misto de chofer de praça,
contrabandista, agiota e "fac-totum",revelamos que buscávamos judeus e seus descendentes.
"Hebraicos ? Pois vamos vê-los".

De pijama leve, sentado à beira da cama do hospital municipal, Moisés Silva treme à menção
da palava Israel.

"Vocês são hebraicos ?"

Nascido em 1919, ali mesmo em Cametá, Moisés nos conta que seu pai era Leão Pinto, de
tradicional família rabínica, chegado ao Brasil com 12 anos de idade e falecido aos 56 anos.
Leão, filho de Salomão, de Tanger.

Leão não teve uma esposa judia. Sua cabocla não queria (ou não conseguiu realizar a sua
conversão. Nem por isso Moisés teve outra educação que não a judaica. Com o pai, e até
1983, ele seguia os preceitos que conhecia, jejuava no Iom Kipur (Dia do Perdão, o mais
solene do calendário religioso), acompanhava "as páscoas"(os judeus sefaraditas designam
como "páscoas"as principais celebrações judaicas, como o Pessach, o Purim, o Rosh Hashaná
(Ano Novo), o Iom Kipur, Sucot (festa das cabanas) e o Chanucá (a festa das
luzes, comemorativa da vitória dos macabeus sobre os sirio-gregos). Não sei se Moisés ainda
vive, hoje, no início do novo século.

Seus filhos chamam-se Menassé, Menahem, Esther e Bendita. Seu neto, como determina a
tradição marroquina, chama-se Moisés e vive em Belém.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Trêmulo, no leito hospitalar, Moisés pede que se lhe conte a história do moderno Estado de
Israel. Ele possui uma pequena fazenda onde planta pimenta, a riqueza de Cametá.
Seus olhos brilham: "Então é verdade, existe mesmo um país de hebraicos ?!"

Calixto, o motorista-contrabandista-faz tudo não tem dúvidas a respeito do Estado de Israel.


Afinal, ele serviu no Batalhão Suez, do Brasil, que patrulhou a faixa de Gaza, em 1958. Até
namorou uma judia brasileira, de um kibutz fronteiriço. "Moça fina, estudou no Mackenzie", faz
questão de esclarecer. E enquanto conta as suas aventuras no Oriente Médio, Calixto nos
conduz ao cemitério de Cametá. Um cemitério bem cuidado, limpo, onde o nosso trabalho logo
atrai a atenção de dezenas de crianças e adultos, que ficam a olhar como se nada mais
tivessem a fazer. Também o gado zebu, que transita livremente pelas ruas, se sente atraído
pelas máquinas fotográficas, pelos flashes. Defronte ao cemitério, uma casa pequena e bem
cuidada, ostenta na parede uma inscrição: BETEL. A Casa de Deus.Perguntamos aos
moradores do que se trata, será uma igreja evangélica ? Absolutamente. Sabem apenas que é
uma lembrança dos tempos dos judeus, porisso a casa é mantida em ordem (pela prefeitura).
Ela é pintada todos os anos, a inscrição é sempre renovada, "dá sorte".

É apenas onde, há décadas, morava o zelador do cemitério e onde eram realizados os rituais
de purificação dos corpos.

"A Prefeitura sabe que o cemitério judaico é um monumento da cidade e que os hebraicos
foram importantes para o nosso desenvolvimento". Quem faz a observação é outro hebraico de
Cametá, Carlindo das Mercês Cohen.

Titular do Cartório Cohen, Carlindo nasceu em 1915, ali mesmo. Filho de Joseph Cohen e de
Vitória Maria Cohen. O pai era de Tanger, a mãe, de origemcatólica, de Cametá.

A esposa de Carlindo é a judia Luna Bensabat Cohen, filha de Jaime Bensabat, neta de
Manassé Cohen.

Mas uma imensa imagem de Jesus domina o cenário de sua sala de jantar.

Carlindo exibe, com satisfação, as revistas e calendários que, periodicamente, recebe de


instituições judaicas, principalmente do Chabad.

"Mas eu não sei ler hebraico", assinala. Ele se recorda, com prazer, do pai acompanhando o
minyan (o quorum mínimo de dez judeus maiores de 13 anos, indispensável ao serviço
religioso) na casa de Abraham Zancor. Conta de suas travessuras quando ia brincar na
sinagoga, "uma que desapareceu, sem fazer barulho, numa certa noite". É que o rio Tocantins
está "comendo"as terras do cais. Foi assim que numa noite, nos anos 60, parte da rua beira-rio
ruiu e o prédio da última sinagoga de Cametá foi tragado, em poucos minutos, silenciosamente,
pelas águas do Tocantins.

Cametá chegou a possuir várias esnogas (o mesmo que sinagoga) , pelo menos três, como
sugere o rabino Hamu.

"E havia hebraicos leprosos em Cametá", recorda Carlindo Cohen. "Viviam isolados,lá no meio
do mato. A comunidade mandava para eles tudo o que necessitavam, mas estavam isolados".
"Acho isso estranho, pois os judeus são gente limpa, higiênica, dizem que a lepra é doença de
sujeira".

Uma tradição local estabelece que os hebraicos não comiam um peixe extremamente
abundante nas águas do Tocantins, o mapará (ou macapará). Um peixe liso, sem escamas.
Alguma relação entre o peixe e a doença ? Cohen não sabe, mas na sua casa não se come o
mapará.

Recente pesquisa divulgada pelo Jornal Americano de Medicina traz uma nota assinalando que
pode haver alguma relação entre a hanseníase e a ingestão de certas espécies de pescado.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
O GOLEIRO DO REMO

Se Carlindo Cohen não é, do ponto de vista haláchico, judeu, isso já não se pode dizer do Dr.
Mimon Elgrably, médico e farmacêutico em Cametá, mas nascido em Belém. O seu pai foi
goleiro do Clube do Remo - uma goleada de 7 a 0 para o Paysandu encerrou a sua carreira e o
inscreveu nos anais esportivos do Pará.

Mimon vive desde 1972 na cidade. Seu pai é de Belém e a mãe de Macapá. Seu avô, rabino,
veio do Marrocos, é o que sabe informar. Seus seis irmãos vivem espalhados pela Amazônia,
num território do tamanho da Europa: em Itaituba, o engenheiro Mayer Jaime Elgrably; em
Belém, o engenheiro Salomão Peres Elgrably; também na capital, a irmã Simy Elgrably.Outra
irmã, Zahara Elgrably Correia, vive numa localidade próxima de Belém. O irmão mais novo,
Moisés, engenheiro, trabalhava no Projeto Jari. Ele mesmo, Mimon, já viveu em Santarém,
Óbidos, Itaituba e Castanhal.

"Mas, se você quer mesmo conhecer a nossa história, fale com a mamãe. Ela, dona Ester
Peres Elgrably vive lá em Belém, na rua Padre Eustáquio, e lembra de tudo".

O calor é forte, quase insuportável, durante a tarde, em Cametá. Em compensação, no finzinho


da tarde, sopra uma brisa. E a noite é extremamente agradável. Dona Raimundinha,
"gerente"do bordel,é amiga de todos, madame muito respeitável e respeitada. É ela quem,
informada do nosso trabalho, esclarece: "Desde o princípio, não há homens sérios na noite de
Cametá". O que explica, em parte, a multidão de caboclos com sangue hebraico na região.
"Em Mocajuba, cidade que fica do outro lado do rio, próxima a Cametá", confirma o rabino
Hamu, "todos os goyim (gentios) têm sangue hebraico".

Em Mocajuba, em Baião e, principalmente em Cametá, os goyim e os descendentes dos


hebraicos falam de tesouros escondidos, de pregos e dobradiças de ouro maciço, de uma
riqueza extraordinária dos judeus.

E porque os hebraicos foram embora?Só a decadência da borracha é explicação suficiente ?

Olhares se entrecruzam. Carlindo Cohen conhece a explicação, hesita em fornecê-la, mas


solta a informação, discretamente: o anti-semitismo... A perseguição religiosa movida pela
Igreja. Por último, e não menos importante, movimentos como a cabanagem, onde o caboclo,
revoltado com a exploração que lhe era imposta pelo dono do barracão (e o judeu era sempre
dono do barracão), um dia rebelou-se e foi acertar as contas na ponta da faca. Onde os
hebraicos puderam resistir, sua presença prosseguiu por várias décadas.

Onde foram fracos, partiram. Como em Cametá, decadente desde a saída dos hebraicos.

Eles se espalharam por toda a Amazônia. Fica difícil até mesmo acompanhar a sua saga,
pelos mapas. Eles estiveram em Alenquer, Altamira, Brasil Novo, Curuá Una, Faro, Itaituba,
Juriti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Porto Trombetas, Porto Vitória, Santarém, Terra Santa,
Maués, Itacoatiara, Gurupá, Buiussu, Boim, Aveiro, Manacá Puru, Manicoré, Macapá, Teffé...
"No Alto Solimões", informa Moisés Mendes, de Parintins, "os índios tem características físicas
judaicas. Em Ma'aparim, as palavras hebraicas preenchem o vocabulário indígena. O cemitério
de Abunã, entre Guajará Mirim e Costa Marques, acima de Porto Velho, tem túmulos judaicos
do século 18".

Há túmulos do século 17 em pleno centro de Belém, no meio da rua. Não é força de expressão.
Na realidade, onde hoje está a praça principal, no seu canto extremo oeste enterravam-se os
não católicos. Há pedras tumulares de protestantes e de judeus. Junto à escola Kennedy, ao
lado do velho cemitério judeu, "Necrópole Judaica", há um cemitério misto de judeus e não
católicos.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
NAS ÁGUAS DE OPHIR

Saindo de Cametá para Abaetetuba, de barco a motor, numa jornada de dezoito horas pelo rio
Tocantins, vamos conversando com o comandante.Um homem de mais de cinquenta anos,
filho da região. "O mais longe que eu já fui na Amazônia, foi a Monte Alegre",explica.
É um homem inteligente, vivido e letrado. Sabe das coisas. Falamos das tribos indígenas de
aspecto diferente, de idiomas orientais mesclados ao vocabulário dos silvícolas, de certos
hábitos e costumes.

Falamos do ouro que brota em todos os pontos da região, e com mais evidência na Serra
Pelada e em Maués.

"Na sua opinião", pergunta o comandante, "os judeus e os fenícios estiveram por aqui, nos
tempos bíblicos ?"

Não respondo. Penso nas minas do rei Salomão, nas regiões que os barcos fenícios, partindo
de Ezion-Gerber, iam palmilhar em busca de ouro, de pedras preciosas e de sândalo. Há
muitas hipóteses sobre onde seriam essas terras, se uma ilha no Mar Vermelho, ou na Índia,
quem sabe na China ?Entre Sheba e Havillah, dizem as Escrituras.
Na Somália ? Na península arábica ?

O comandante do barco sorri. Chegamos a Abaetetuba.É noite.Nos despedimos. Ele pede meu
nome, eu peço o seu: "Ophir". Estou, simplesmente, nas terras, nas águas, de Ophir...
Um historiador antigo, Diodoro da Sicília, descreveu uma expedição fenícia que, saindo de uma
região africana próxima a Dacar, seguiu para sudoeste até chegar a terras desconhecidas,
numa rota parecida com a seguida, séculos mais tarde, por Cabral. Os fenícios teriam
alcançado o Amazonas, onde há vestígios de civilizações antigas - por exemplo, os
marajoaras.

Na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, inscrições foram identificadas em 1839, pelo Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, como sendo "Badezir-Jethbaal-Tiro-Fenicia". Justamente os
nomes dos nobres fenícios de uma época muito antiga: o príncipe Badezir era o filho mais
velho de Jethbaal, da cidade de Tiro, Fenícia, e seus restos estariam sepultados ali, na zona
sul do Rio de Janeiro.

CORTA-CABEÇAS

"O Iom Kipur, na casa de Alegria Zagury, era o mais extraordinário do rio Amazonas", afirma
Isaac Serrulha. Ele chegou à cidade em 1916. Havia minyanim (quoruns) permanentemente,
em Parintins. E as famílias mais importantes, observantes da lei mosaica, eram os Sayad ou
Sayag, Serrulha, Zagury e Mendes (com a observação de que Mendes é a forma portuguesa
de Afriat. Segundo Moisés, todo Mendes é Afriat, todo Afriat é Mendes).

A nobreza judaica dos marroquinos é baseada no número ou na importância de rabinos, de


chachamim (sábios, eruditos) que se tenha entre os ancestrais.

Moisés Mendes, aliás Afriat, nasceu em Parintins, em setembro de 1938. Seus pais eram
Salomão Mendes, nascido no Rio Grande do Sul, e Simy Mendes, de Macapá, de solteira
Pazuello. Seus avós paternos ele conheceu bem: Alberto Afriat, de Rabat, Sol Azulay, de
Tanger. Ou seria de Casablanca ?

Ele pode ter dúvidas quanto à cidade natal da avó, mas de suas histórias e aventuras, não.
Moisés fala do que foi o anti-semitismo na região. Do saque ao comércio hebraico em Paraná
do Ramo, em 1918. Ao comércio hebraico da barreira do Andirá. Das lutas em Boca do Lago
do Paulo. Seu pai, Salomão, ainda era solteiro. Certa noite, teve de sair para fazer uma
entrega. A mãe, avó de Moisés, Sol, ficou em casa, com o esposo, os filhos menores e a
criadagem. Mais ou menos às três da manhã, perto de cem caboclos avançam. É o ataque. O
pai, Alberto, sai para a primeira defesa. Recebe sete facadas e cai, parece morto. Dona Sol
não teve dúvidas: armou-se com um terçado, um facão de 128 centímetros de lâmina e

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
colocou-se estrategicamente à porta de sua casa-barracão. Um primeiro caboclo investiu, ela
zap ! Cortou-lhe a cabeça.Mais um, e de novo zap !. E ainda mais uma vez, zap ! Três
caboclos tiveram suas cabeças decepadas pela avó judia, na madrugada de Parintins. Os
demais, assustados, fugiram.

Alberto não estava morto. Curou-se das sete facadas. A família, bem como as outras famílias
hebraicas da região, tratou de partir. Parintins, como Oriximiná e outros locais, não eram
cidades para judeus. O rumo primeiro foi Óbidos, depois Juriti, finalmente Belém, Manaus
- e às vezes, o regresso à Europa. E Parintins ? E Oriximiná ? "Decadentes", diz Moisés, com
um sorriso amargo.

A escritora Sultana Levy Rosenblatt, que vive hoje nos Estados Unidos, conta uma história
iniciada em Muaná, na ilha de Marajó e completada em Belém.

"Meu avô David tinha um barracão e um dia apareceu na Capital fora de época. "Por que viera
? Vim por causa da safra. Safra, agora, que safra ? A safra do me ceda. Esta é a estação do
me ceda, a grande safra. Me ceda um quilo de farinha, me ceda um quilo de arroz, me cesa
querosene, me ceda aí um dinheirinho..."

"Em realidade, ele deixou sua casa não para escapar somente `a safra do "me ceda", mas
principalmente para evitar que a sua família ficasse exposta a um pogrom, que o povo
chamava de "mata judeu".

"Embora não fossem atacados fisicamente, as mulheres e as crianças se apavoravam tanto


que adoeciam. Meu avô contava que o pânico começava de manhã ainda cedo, quando ele
podia perceber, pela quietude em volta, que alguma coisa terrível estava para acontecer.
Apressadamente, os donos do barracão escondiam as coisas mais valiosas. A mulher
trancava-se no quarto com as crianças. O homem abria o Sidur (livro de rezas) e mergulhava
nas orações. Quando o cão ladrava, o judeu preparava-se para o confronto.Os caboclos
chegavam e atiravam-se com sanha à pilhagem. O dono da loja, mergulhado na leitura, fingia
não se aperceber do que estava acontecendo".

"Logo, porém, que o assalto terminava, ele agradecia a Deus ter-lhe salvo a família, e
procurava esquecer tudo".

Escritor da Amazônia, Paulo Jacob, um não-judeu, conta em seu livro "Um pedaço de Lua Caía
na Mata", Nórdica, 1990), a história da família Farah, Salomão e Sara, e seus filhos Jacó e
Raquel, em Parintins. É ficção, claro, mas calcada na vida real. Muito parecida com as
memórias de Sultana Levy.

Salomão luta para preservar sua tradição judaica, enquanto o meio ambiente trabalha no rumo
da assimilação.

A história é contada em 46 capítulos, cada um deles com títulos alusivos ao calendário judaico:
Iom Kipur, Bar Mitzvá, Tishá Beav, Halom Tob.

Pode-se traçar uma analogia entre a luta familiar de Salomão, no coração do planeta
amazônico, e o encontro dos rios Negro e Solimões, cujas águas correm paralelamente, sem
misturar-se por quilômetros sem fim. A cultura judaica e a cultura amazônica, ali, têm contato
direto e constante, andam lado a lado, tocam-se, reconhecem-se. Por fim, mesclam-se,
inevitavelmente.

ÓBIDOS

Situada na margem esquerda do rio Amazonas, onde o rio é mais profundo, a cidade de
Óbidos é um verdadeiro cartão postal. Lembra Ouro Preto, as cidades coloniais de Minas,
Paraty, as paulistas Parnaíba e São Luís do Paraitinga. As ruas do centro histórico são
calçadas de "pé de moleque", pedras irregulares. O casario, se não é de taipa, assemelha-se a
esse material. Respira-se história em Óbidos.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Três famílias judaicas viviam em Óbidos, em 1983. José Jaime Belicha nasceu no sertão de
Óbidos, em Paraná-Mirim, em 1916, "junto com as capivaras".

Seus pais eram Marcos Belicha (Ben-Lichah, no documento marroquino) e Sarah Bittencourt
Belicha. O pai era de Tanger, e veio ao Brasil em 1904, com o irmão, passando primeiro por
Belém, depois pelo Maranhão e até pelo Rio de Janeiro.

Belicha tem importante comércio em Óbidos. Sua casa de negócios não é mais o barracão dos
pais e avós, mas, na essência, é ainda o empório que vende de tudo. Claro, ele dá crédito ao
caboclo e acerta as contas na colheita da castanha, da copaíba, da borracha.

A esposa e suas duas filhas estão em Belém.Nesta altura dos acontecimentos, aliás, esta é
uma regra geral para os judeus: os filhos ficam em Belém ou Manaus, os pais resistem no
interior.Nas férias,a criançada vem para o interior. Quando crescem, porém, preferem o Rio de
Janeiro, São Paulo, o exterior. A médio prazo, a presença judaica está condenada em lugares
como Óbidos, Santarém, Alenquer.

O que não impede Belicha de sonhar e planejar. Acaba de adquirir uma maravilhosa casa
vizinha à sua, onde viveu um judeu rico e de bom gosto.

Belicha está reformando a casa. Não sabe se fará uma nova casa comercial ou um hotel -
afinal, modernos catamarãs, barcos confortáveis com ar condicionado, serviço de bordo etc,
trafegam hoje pelo Amazonas. Se eles pararem em Óbidos, na ida e na volta, um hotel
moderno será, com certeza, um bom negócio...
Quem faz companhia a Belicha é seu cunhado Isaac, que viveu sete anos em Jerusalém,em
Ramot, e não vê a hora de regressar. Casado. Enquanto não volta, ele, que nasceu em Juriti,
filho dos marroquinos Eliezer e Sara Benitah, pratica o "cooper" diariamente no beira-rio de
Óbidos. "É pra não perder a forma", diz sorrindo, pensando nas necessidades da Tzavá
(exército israelense).

Vizinho de Belicha, Fortunato Chokron nasceu em Manaus, em 1940. Seu pai, Abraham
Fortunato Chokron, nasceu em Tetuan. Sua mãe, Mary Assayag Chokron, é de Manaus, os
avós de Tetuan.

É orgulhoso que Fortunato abre o baú e de lá retira o documento firmado por Sua Majestade,o
Imperador D.Pedro II, autorizando o avô Fortunato a residir e comerciar em terras brasileiras.
O pai de Fortunato sempre trabalhou em Óbidos. Ele segue a tradição familiar. Possui uma
usina de beneficiamento de castanhas, uma serraria e industrializa peixe congelado que é
exportado para os Estados Unidos dali mesmo, de Óbidos. Fortunato explica que em Oriximiná,
onde há muito ouro e bauxita, há uma renovação econômica. E ele tratou de instalar uma usina
na pequena cidade, o que gerou um comentário otimista do prefeito: "até que enfim, um judeu
volta para cá. Pode ser que Oriximiná, agora, se desenvolva".

A vida dos Chokron foi sempre vivida em Óbidos. O pai de Fortunato viveu ali 60 anos
redondos. Ele não planeja sair da cidade, mostra as suas belezas naturais,comenta as
dificuldades e aponta o morro onde, há duzentos anos, os portugueses colocaram canhões
para a defesa da Amazônia contra as investidas espanholas. "Na Segunda Guerra, os canhões
foram reativados para enfrentar a ameaça nazista", diz Fortunato. E conclui: "há muitos anos,
os canhões foram doados à USP. Mas, ninguém sabe como removê-los daqui. Aliás, não dá
para entender como eles conseguiram levá-los até em cima do morro".

Óbidos foi cenário do filme de Werner Herzog, "Fitzcarraldo", de 1982, que contava a história
de Brian Sweeney Fitzgerald, um irlandês obcecado pela idéia de construir um teatro de ópera
em plena selva amazônica. A cena de uma multidão arrastando um barco montanha acima
sugere bem o que pode ter sido o levar os canhões ao alto do morro. Seja como for, na vida
real os canhões subiram - e se Fitzcarraldo não construiu sua ópera na selva, ela acabou
surgindo, de verdade, em Manaus: o Teatro Amazonas, inaugurado no final do século 19, em
31 de dezembro de 1896, com a apresentação de "La Gioconda", de Ponchielli.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Como tem negócios em Oriximiná, Chokron fala do único judeu que lá ainda vive (em 1983), "o
Benzaquen, nascido no Sapucaí, um homem forte, com dose dupla de fé. Vive completamente
afastado do mundo hebraico, mas cumpre todas as mitzvot (obrigações religiosas), como meu
pai fazia - sozinho. A única preocupação por toda a Amazônia é não ter quem lhe diga o
"shemá" ("Escuta, Israel") na hora da morte".

Os judeus de Óbidos chegaram a ter uma sinagoga. Depois, à medida que a comunidade foi
diminuindo, os serviços transferiram-se para a casa de dona Ricca Hamoy, e é assim até hoje.
Na realidade, só celebram junto o Kipur. "A casa de dona Ricca é relativamente afastada",
explica Fortunato. Assim, os goyim não entendem bem o que acontece por lá...

Remexendo no baú, Fortunato Chokron encontra um documento de Simão Benjó.

Faz o comentário: era importante aviador de Belém, conhecido como o "pai dos judeus". "Tinha
navio próprio e um imenso coração. Quem colonizou a Amazônia foi Simão Benjó, e isto até
hoje não está registrado nos livros de istória...".

Chokron é muito cuidadoso. Entre os seus guardados, o talit (xale de orações), os tefilin
(filactérios) e o sidur marroquinos, de seu pai e de seu avô.

Na casa (retirada) de dona Ricca Hamoy, um ambiente de serenidade e beleza.

Ela nasceu em Alexandria, no Egito, em 1905. Em 1923, casou-se com Yomtob Hamoy,
também de Alexandria, mas cujos pais eram sírios, de Alepo.

"Troquei o Promenade des Anglais, em Alexandria, pela prainha, em Sapuquã, perto de


Oriximiná. Vivi quatro anos em Faro, no limite do Amazonas. E desde 1930, vivo em Óbidos".
Ricca Hamoy tem seis filhos, vinte e três netos, cinco bisnetos. "Não foi difícil viver na
Amazônia", diz sorrindo. "Tudo era novidade, e afinal, o caboclo é mais gente que o
muçulmano...".

Dona Ricca explica melhor: os muçulmanos que conheceu, eram "mais bravos e menos gentís.
Os caboclos são gente simples, amoráveis". O clima da Amazônia, ao contrário do que alguém
pode supor, é agradável, "adorável mesmo". "Aqui se trabalha, não há muito tempo para
diversão". O filho Max é vereador em Óbidos e detém um canal de televisão, o 7, TV Sentinela
da Amazônia. Seu genro Jaime Elmescany, nascido em Óbidos, mas originário de Rabat, é um
dos seus braços direitos. Outro genro, Claude Messody Jamany, é natural de Casablanca.
Líder espiritual da pequena comunidade de Óbidos, dona Ricca reúne em sua casa,
especialmente nos iamim noraim (os dias temíveis, que vão do Iom Kipur ao Rosh Hashaná),
os hebraicos da região.

Mas, se ela é feliz e diz que tudo é bom e bonito na região, o contrário é proclamado por uma
estranha, bizarra figura, o ashkenaz (judeu europeu) Meyer Finkelstein, então com 80 anos de
idade, polonês, madeireiro, que vive numa localidade difícil de ser apontada no mapa, no
interior de Juriti, com o curioso nome de Nova Galiléia. Ali,Meyer possui 30 hectares de terra
há oito anos, explora madeira e castanha, buscando transportar sua riqueza num pequeno
caminhão de 1928. Praticamente sustentado por Choukron e Belicha, Meyer proclama que ali,
onde vive, "é o verdadeiro campo de concentração nazista". Ele sonha em ganhar "dois
milhões de dólares, o mínimo que precisa para não chegar em Israel com uma mão na frente e
outra atrás".

É importante registrar que Óbidos e Santarém, no oeste do Pará, são hoje (1999) o principal
centro de contrabando de insetos e plantas da Amazônia para a Inglaterra, Suiça, França,
Estados Unidos e países asiáticos. Essa atividade já levou à extinção milhares de espécies,
revela o Ibama.

Santarém, além disto, é o grande centro exportador de ouro da Amazônia - da exportação legal
e, principalmente,do contrabando.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
DE FIAT, NA FLORESTA

Num Fiat 147 disfarçado de táxi, resolvemos enfrentar uma viagem de duas horas e meia até
Alenquer, outra cidade do Amazonas onde, segundo nossos informantes de Belém, "não há
mais judeus".

É uma viagem, no mínimo, empolgante. A mais de 120 km horários, o Fiat voa por um caminho
de terra apelidado de estrada. Macacos, saguis, araras, periquitos, cobras, caititus, espiam
assustados durante todo o tempo. Num certo momento,o carro precisa ser transportado de
balsa,pelo rio Curuã-Una.

E às 11 horas de uma manhã especialmente quente, chegamos a Alenquer.


A cidadezinha é feia.Não há árvores, o caboclo ali odeia o verde que o cerca e sufoca. Na
cidade, pois, ele não dá tréguas: as árvores inexistem e o calor assume proporções
extraordinárias.

Por onde começar o garimpo de hebraicos ?

Descemos uma rua, chegamos ao cais e o impulso nos conduz a uma casa baixa, muitas
janelas, uma placa à porta: "Esta é a residência de Abrahão Fima e família. Alenquer, 1967".

A porta está aberta e um caboclo lê, vestido apenas de short. Batemos palmas, pedimos
licença. Somos calorosamente recebidos. O que procuramos, hebraicos ? Pois já encontraram.
Abraham Fima é falecido e a viuva está em Manaus. Mas,os filhos, caboclos, sabem de tudo.
Abraham era filho de Rachel e Jacob Fima, ambos de Tanger. Nasceu em 1909, chegou ao
Brasil em 1930, faleceu em 1972. A esposa não era judia,"não havia hebraicas em
Alenquer",explica o filho Max Diniz Fima, que por sua tez escura é conhecido na cidade como o
"judeu preto". Abraham era judeu praticante e culto. Nas diversas reuniões dos clubes de
serviço da cidade, tipo Lions e Rotary, era ele quem, em nome da comunidade hebraica,
apresentava e defendia os pontos de vista dos israelitas. Foi um homem importante e
conhecido, que sabia como era vã a glória do mundo. Tanto que não teve dúvidas, ele próprio
mandou fazer e colocar a placa na porta de sua casa. Porque não há ruas ou escolas em
Alenquer que lembrem o seu nome.

Teve cinco filhos, Jacob Diniz, José Diniz, Jackson, Carlos Alberto e Rachel. Três desses filhos
retornaram ao judaismo, mudando-se para Manaus e integrando-se ao ishuv (comunidade)
local. Jacob, em Alenquer, herdou o patrimônio do pai e toca os negócios da família. Seu
"feeling"judaico é extraordinário. Sente-se judeu, arranha alguma coisa em hakitia e guarda
com grande zelo os sidurim e os livros do pai.

É o próprio Jacob quem nos conduz a outros hebraicos de Alenquer, especialmente Ruth
Athias, ex-professora e alta funcionária do Banco do Brasil. Enquanto aguardamos Ruth, Jacob
nos conta que até a morte do seu pai, os judeus de Alenquer reuniam-se na casa do "seu"
Shalom. Em Belém, ele e Jacob freqüentavam as duas sinagogas e o Grêmio Azul e Branco.
Jacob jejua no kipur e coloca, quando pode, os tefilin. Seu pai Abraham passou 30 anos sem
sair de Alenquer.

Ruth Athias nasceu em Alenquer em 1950. Era filha de Jacob Amram Athias e de Aduzinda
Coelho Athias. Tem dois irmãos, Rubens e Noemi. Sabe que o pai veio do Marrocos francês e
viveu, a partir dos 12 anos, numa olaria em Oriximiná.

Foi casado duas vezes: do primeiro casamento teve dois filhos, um dos quais vive no Rio.O
outro, Jonathas Athias, falecido há alguns anos, foi Secretário de Educação do Estado do Pará.
Ruth sempre procurou fazer o jejum do Kipur, "sem muito sucesso". Mas, fala com carinho de
Pessach (Páscoa), do matzá (pão ázimo) e do vinho casher (ritualmente puro). Ela se
corresponde regularmente com o primo Yehuda Athias, que vive em Haifa, e mostra com
orgulho o bronze comemorativo da Guerra dos 6 Dias. Ela demonstra claramente que se
envaidece da origem judaica e não precisaria de muito esforço para retornar ao judaísmo
praticante.

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BENZAQUEN

Na mesma Alenquer, uma figura extraordinária: Ambrósio Benzaquen. Seu avô "foi vizir na
corte do sultão de Marrocos". Seu pai, David Benzaquen, um chacham que enriqueceu no
Brasil.A mãe, uma cabocla chamada Maria Nepomucena Rodrigues. Ele nasceu em
Barreirinha, no Amazonas, em 1913.

"Viveram ajuntados 18 anos", conta Ambrósio.


Tiveram cinco filhos (Fortunato, Rachel, Amélia,
Rafael e Ambrósio), separaram-se em 1922. E
por que ?

"Papai conheceu, em 1922, uma moça judia.


Casou com ela. Não quís nos desamparar, mas
mamãe ficou furiosa e não quís aceitar o
"arranjo" que ele propôs".

Ambrósio teve dez filhos, 56 netos, 4 bisnetos.


Vive numa maloca de Alenquer, onde fabrica
vassouras. Antigamente, trabalhava para Isaac
Hamoy, de Óbidos, na comercialização de
castanhas.
A família Benzaquem, em Alenquer
"Meu pai era um homem rico,tinha 17
"negócios". E muitas canoas de regatão. Tinha um empregado, Clodoaldo, cuja única função
era nos levar a passear pelo rio". Benzaquen lembra com detalhes a figura do primo David Zara
Benzaquen, a quem chamava de tio, e que era o responsável pelas festas.

Faziam Sucot (festa das cabanas) , Pessach (Páscoa), jejuavam no Iom Kipur.

Ambrósio sabe que teria direito a uma parte da herança do pai, casado em Parintins com uma
judia da família Mendes. Mas não é homem de brigar por essas coisas, "especialmente nesta
fase da minha vida", resmunga.

A BELÉM JUDAICA

Para o então presidente do Centro Israelita de Belém, a comunidade local está resumida a 250
famílias, umas mil almas. O rabino Hamu foi mais radical, acha que não há mais do que 660
judeus 'de verdade". Como já foi registrado, a comunidade dispõe de duas sinagogas, as mais
antigas do Brasil, Essel Avraham (Bosque de Abraão) e Shaar Hashamaym (Porta dos Céus).
Uma é a dos judeus de Belém, ligados às casas aviadoras - portanto, a dos "ricos". A outra,
Eschel Avraham, da rua Campos Sales, é a dos "pobres", dos que viviam nossítios e barracões
ao longo dos rios...

Essas colocações não têm mais nenhuma razão de ser, hoje em dia. Não há mais essa divisão
na comunidade. Não há judeus ricos, na acepção mais nítida do termo. Há pobres, geralmente
remediados. Reza-se de manhã numa das sinagogas e à tardinha na outra. O shabat é
celebrado em Shaar Hashamaym. O reduto mais fechado da comunidade pratica um judaísmo
cativante e emocionante. Não é tanto uma prática religiosa, mas uma forma de ser. A
obediência à cashrut, aos preceitos alimentares, não chega a ser um peso, mas uma defesa. A
sinagoga cumpre a função básica de reunir os judeus. É onde, todos os dias, as pessoas se
encontram "e rendem graças a Deus". A Shaar Hashamaym foi erguida em 1824, obra de
Judah Eliezer Levy.

O rabino Hamu, de tempos em tempos, promove a matança ritual de gado, no matadouro


municipal. É auxiliado sempre por um jovem, e os preceitos adquirem uma consistência maior.
Na verdade, toda a comunidade de Belém vive um cotidiano essencialmente judaico.Vai-se à
sinagoga, de manhã bem cedo, antes do trabalho, para rezar e para estar com os patrícios.

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Volta-se à sinagoga, ao entardecer, para rezar e conversar com os patrícios. A sinagoga, mais
que um recinto religioso, é um centro comunitário, onde a tradição se mantém e os valores são
transmitidos pelo exemplo.

Quem cuida do açougue é Shalom, que viveu em Israel e lutou em várias guerras. Ele se sente
mais feliz e mais judeu em Belém.
Para Isaac Barcessat, então presidente do Centro Israelita, o que trouxe os judeus à Amazônia
foi a atração do El-Dorado. As histórias mirabolantes das fortunas realizadas em semanas ou
meses.

O pai de Isaac, Moisés, chegou ao Brasil com 14 anos e se estabeleceu em Ituquara, no sítio
que recebeu o nome de "Doce Laranjal".

Na verdade, a atração da fortuna fácil deve ter sido um fator importante na vinda dos judeus
marroquinos. Não foi a única, mas foi a principal.Por trás dessa emigração semi-organizada,
estavam interesses comerciais ingleses, razoavelmente apoiados economicamente por
algumas famílias estabelecidas em Belém e no Rio de Janeiro, que viram, no terreno fértil das
agitações que sacudiam Tanger e Tetuan, mão de obra abundante, barata e de confiança.

"Doce Laranjal" ficava próximo de Breves, cidade onde viviam algumasfamílias hebraicas,
quando Barcessat chegou: Athias, Roffé, Zagury, Sarrafe,Farat, Lancry, Gabbay. Nem sempre
se fazia o minyan, mas se respeitava o Iom Kipur. Na Páscoa, na impossibilidade de se realizar
o seder (a céia tradicional) ao menos não se comia hametz (alimentos fermentados) e
fabricava-se o vinho cerimonial, a partir de passas.

NAHON E BIBICO

Manassé Nahon descende, em linha direta, de dirigentes espirituais da comunidade de Tetuan.


Ele nasceu em Belém, em 1933, filho de José Manassé Nahon e de Esther Namir Nahon. O pai
foi, toda a sua vida, comerciante em Belém do Pará, morreu no Rio de Janeiro. Ele, Manassé,
teve duas irmãs, Messody e Julia. É casado com Ieda Nahon e tem cinco filhos, José Maurício,
Ester, Hugo, Emanuel e Max. Seu pai, em homenagem à mãe, Julia, mandou construir em
Belém uma Vila, a Vila Julia Nahon, onde residem até hoje judeus menos afortunados. Como
Bibico, por exemplo. Que trabalhava,"antigamente, na Sociedade Israelita. Depois que fiquei
ruim da vista, nãopude fazer mais nada. Não posso andar sozinho na rua, nada'. Ele tem 76
anos e lembra dos tempos em que havia festas no Centro Israelita, quando se ocupava da
limpeza. Bibico é de Belém mesmo, nascido no Mosqueiro. Sua mãe era de Tanger, o pai de
Santarém. Bibico, na verdade Issachar Azulay, lembra com dificuldade do sobrenome da mãe,
Ester Bensayad. Mas se recorda do seu "serviço" na Chevra Kadisha: "Quando tinha alguém
mal, pra morrer, eu ia tomar conta até a hora de expirar. Eu rezava". Bibico lembra das rezas,
do "shemá". Se emociona ainda mais com o "Shir Hashirim" que aprendeu com o pai, na
sinagoga. Sultana, sua vizinha de Vila, ocupa-se de cumprir "mitzvot"na Chevra Kadisha de
Belém. É ela quem prepara os corpos das mulheres falecidas.

O general Isaac Nahon é de Belém, dessa tradicional família judaica. Na sucessão do General
Costa e Silva, foi um dos três militares de alta patente cogitados pelo Comando da Revolução,
para ocupar a presidência da República - que acabou sendo conquistada pelo General Emílio
Garrastazu Médici.
O General Nahon foi comandante do Exército da Amazônia.

SIONISMO

Se as lembranças de Bibico são repletas de religiosidade, e as de Sultana, amargas - "as


pobres moças que já passaram pelas minhas mãos, no triste ritual da morte", as recordações
de dona Anita Levi Soares são as melhores possíveis. Dama autêntica da mais refinada
aristocracia hebraica do Amazonas, seu pai, o Major Eliezer Moisés Levi foi duas vezes prefeito
de Macapá e uma vez prefeito de Afurá. O irmão Moisés Eliezer Levi foi prefeito de Igarapé
Mirim. Anita conta, com orgulho, que a sua família, originária de Tanger, tem cinco gerações

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
nascidas em Belém. Sua avó casou aos 13 anos, com um esposo de 25. "Ela morria de ciumes
dele. Tiveram sete filhos. Eliezer Levi fundou o jornal "A Voz de Israel"e, já em 1922, era o
principal líder sionista do Pará. O fato merece uma análise na medida em que, no contato com
a comunidade belenense, hoje em dia, há uma procura de minimizar o sionismo. "Para nós",
diz um destacado dirigente, "judaísmo é maneira de viver, é religião, é fé". Sem dúvida, mas
por comodismo ou lá o que seja, busca-se escapar do nacionalismo judaico. Daí o espanto de
encontrar nas comemorações do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, em 1922,
reproduzido no jornal "A Provincia do Pará", uma foto do carro alegórico e a legenda: "A
Palestina livre no Brasil independente".

Anita Levi vestida de azul e branco, o pai Eliezer descrito como "o fundador do sionismo no
Pará" e a referência à Escola Israelita Dr.Weizzman !

A atuação do major Levi no Amapá foi amplamente destacada pela imprensa paraense e
brasileira ao longo dos anos. Realizou muitas obras de engenharia, na região, inclusive o
indispensável trapiche de Macapá, que leva justamente o seu nome.
O irmão de Anita, já falecido, engenheiro Judá Levi, construiu o primeiro edifício de concreto
armado de Belém. Foi ele ainda que concluiu as obras da sinagoga Shaar Hashamaim e traçou
a planta da sinagoga de Manaus.

De uma beleza serena e altiva, Anita Levi gosta de lembrar que fundou, com o primo David
José Perez, o Deborah Clube, só de moças, embrião das Pioneiras e da WIZO. Seu primo,
Isaac Soares, é o mais conhecido colunista social da cidade, escrevendo em O Liberal.

E se chegamos à "aristocracia" judaica de Belém, é hora de falar de Leão e Isaac Israel, o


primeiro nascido em 1917, o segundo em 1922. Os pais foram professores de hebraico e
religião em Belém.Os avós paternos vieram de Gibraltar, os maternos de Marrocos.O avô
paterno, especialmente,Leão Israel, era um judeu extremanente religioso e foi quem deu os
primeiros passos no sentido da organização da comunidade como kehilá (congregação). Ele
fundou a Chevra Guemilut Hassadim, comprou e organizou o velho cemitério da rua
José Bonifácio e apoiou, encontrando alojamento e fornecendo até gêneros de primeira
necessidade, os imigrantes, à medida em que chegavam. Era para a casa de Leão Israel que
vinham as crianças do interior, para receberem educação judaica numa forma primária de
escola. A firma Israel & Cia., foi uma das mais importantes da colonização. Uma bisneta de
Leão Israel, Sol Ester, serviu com destaque ao exército de Israel.

PARENTESCO

A maioria dos judeus de Belém não conhece, ou não quer conhecer, o destino dos seus
parentes mais ou menos próximos, que vivem por toda a Amazônia.Os que sabem da
existência de muitos hebraicos ao longo das vilas e cidades ribeirinhas, preferem não se
aprofundar no assunto. Até por que, do ponto de vista legal, da halachá (lei talmúdica) não são
judeus.

Para aqueles que consideram a religião como seu traço singular, é difícil descobrir laços muito
próximos de parentesco com convertidos a outras religiões.

Nada obstante, nos últimos anos, é muito comum que surjam nas sinagogas, especialmente
nos sábados e nos dias festivos, jovens caboclos razoavelmente vestidos, com uma maleta nas
mãos. São os "primos" que vão fazer exames vestibulares na capital, e procuram, é claro, o
apoio de seus parentes. De um modo geral, são bem acolhidos.

Do ponto de vista social e antropológico, o que se encontra é surpreendente.Um cálculo


tranquilo, feito pelo rabino Hamu, nos dá uma cifra extraordinária: 50 a 60 mil descendentes de
hebraicos ! Metade de TODA a população judaica do Brasil de hoje. E o que é mais
interessante: em sua maioria, sabendo de suas origens e buscando alguma forma de retornar
ao seio da família hebraica...

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Já o professor Samuel Benchimol acredita que os judeus-caboclos da Amazônia passem de
trezentos mil !

Passeando pelo mercado tradicional de Belém do Pará, o Ver-o-Peso, o rabino Hamu é


saudado por todos os populares e freqüentadores do lugar.
- Rabino, macumba funciona ?
A pergunta é feita por Henrique Goldman, que dirigiu em 1990 o documentário da TV italiana
sobre os hebraicos da Amazônia.
- Macumba, se a pessoa acredita, funciona.
Numa tenda de "milagres" vendem-se genitálias de boto, ervas e garrafadas. O rabino pergunta
à cabocla:
- Você tem macumba pra fazer um amor voltar ?
Ela diz que sim, o rabino concorda.
- Você tem macumba pra melhorar o humor de uma pessoa ?
Ela diz que sim, o rabino concorda.
- E macumba pra ganhar dinheiro ?
Ela ri, desconversa. Não, não tem macumba pra ganhar dinheiro.

Hamu nasceu no início do século, num sítio entre Baião e Mocajuba, às margens do baixo
Tocantins. Ele estudou na França, onde formou-se rabino.

Mas sempre foi um apaixonado pela Amazônia, suas lendas e tradições. Falando de Tucuruí,
no baixo Tocantins, onde se construía então a mega usina hidrelétrica, Hamu lamentava que
as águas do rio iriam fazer submergir sítios arqueológicos importantes.

"Na Biblioteca Nacional, no Rio", contava Hamu, "está um documento que registra a existência
de uma grande povoação, muito antiga, sem sinal de moradores, a provável cidade perdida dos
Muribeca, com suas minas de ouro e prata".

O documento existe, realmente, é a "Relação Histórica de huma occulta, e grande Povoação


antiquíssima sem moradores, que se descobriu no ano de 1753". O documento está registrado
sob o número 512, e seria o relato de um explorador de nome Muribeca, que teria encontrado
riquezas extraordinárias na região. Só que, preso pelas autoridades da época, esse Muribeca
jamais revelou o caminho até as minas.

Mas Hamu afirmava que, garoto, várias vezes passou por lugares onde havia ruínas de casas
coloniais , ruas largas, minas abandonadas. "As águas do Tocantins, agora, cobrem tudo".

PESSACH EM BELÉM

Não posso deixar de reproduzir aqui um trecho de uma excelente crônica de Sultana Levy
Rosenblatt, escritora paraense que vive hoje nos Estados Unidos, sobre suas lembranças de
um Pessach, na casa paterna. Conta ela: "Nossa mesa de jantar era enorme, sempre com
comensais adventícios, e nas noites de Pessach toda a parentela que não sabia rezar a
Hagadah, acorria para a nossa casa".

"O café da manhã, então, para compensar a falta de pão, tinha uma variedade de iguarias. A
criançada detestava a matzá, geralmente dura e sem sal. Havia bolos de macacheira,
tapioquinha, canjica e, infalivelmente, arroz doce, que no primeiro dia era devorado, no
segundo, comido com menos gosto e, nos últimos, intocado. A semana parecia sem fim. Na
rua não se podia sequer beber água. Nunca se desejava tanto sorvete e gulodices".

"Até que chegava, depois da espera infinita, o dia de Mimona. Era a festa de nosso pai. Cedo
ele ia ao mercado e voltava sobraçando ramos de rosas. Nós fazíamos, o dia todo, doces que
não levavam trigo, "olhos de sogra" e frutinhas de castanha que eram penduradas em ramos
de pintagueira decorando o centro da mesa. Ao meio dia, o trigo entrava em casa. Os pães
chegavam entre aclamações, à tardinha. Mas não podiam ser tocados. Eram pães grandes,
redondos, que iam para a mesa reinando entre símbolos - um jarro com leite (paz), um peixe
cru (abundância), um prato com trigo e, sobre o trigo, cinco ovos e moedas de ouro

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(prosperidade), uma vasilha com trigo fermentado (que quanto mais subisse, melhor seria o
próximo ano), um vaso com mel, e folhas aromáticas (em geral, hortelã) espalhadas sobre a
toalha, representando a doçura e o perfume da vida. Meu vinha já noite fechada,
"cheteneando", trazendo dúzias de brancos merengues, e a mesa estava pronta para Mimona,
linda, bem arrumada, cheia de encantadoras superstições. A casa, de janelas e portas abertas,
toda iluminada, cheia de flores. Aguentavamos a vontade de comer pão até que meu pai
fizesse as respectivas orações. Nos doces não se tocava enquanto as visitas não chegassem.

As visitas eram sempre grupos alegres de homens (as mulheres ficavam em casa) que saíam
para cumprimentar parentes, amigos e entravam em algazarra, cantando, "a Mimona, a
Shalona". Faziam votos de prosperidade em haquitia: "Ciento nueno, ciento viejo, ciento para
los ainihins"... Só brincadeira. Assim era Pessach sefardita em Belém do Pará".

(Sultana Levy foi considerada por Dalcidio Jurandyr como a mais importante revelação da
literatura brasileira, no início dos anos 50)

SANTARÉM

Em Santarém, segunda cidade em importância do Pará, os Bemerguy já deixaram de ser


judeus. Raimundo Eros Bemerguy, nascido em Itaituba,em 1934, tem uma vaga lembrança do
avô, descrito como rabino.Já seu irmão mais velho, Elias, nascido em Anajás, em 1907, tem
lembranças muito nítidas. Conta que viveu em Itaituba, dos 5 anos até 1928, quando se
transferiu para Fordlândia.

Registra que eram, ao todo, 16 irmãos, e que o pai, Vital, "sempre seguiu a religião judaica'.
Sua irmã Ester também, casando-se com Isaac Mendes. Elias lembra de mais detalhes: seu
pai foi casado três vezes: a primeira, ainda em Tetuan, daí nascendo três filhos; do segundo
casamento, teve 13 filhos. O terceiro casamento durou até a sua morte. Vital prescrevia ervas e
remédios homeopáticos, realizava casamentos dentro do rito e batizava."Meu pai era meio
rabino". Até 1919, o comércio em Itaituba era inteiramente judaico.

Em Santarém,ainda, Flávio Flamarion Serique, deitado na rede e lambendo os beiços com um


sorvete de graviola, mostra que tem boa memória. Ele nasceu em 22 de dezembro de 1899,
em Boim, distrito de Santarém. Seu pai era Júlio Serique, nascido em Tanger e que chegou a
Boim aos 17 anos. Foi casado duas vezes, a primeira com a judia Ester Azancor Serique, a
segunda com a católica Umbelina Ferreira Serique, natural do Crato, Ceará. Com a primeira
mulher, teve seis filhos, "todos judeus conforme a Lei": José, Moisés, Israel, David, Simi e Rica.
Com a segunda, Elias Garibaldi Serique, Flávio Flamarion Serique, Daniel Cristovão Serique e
Carlos Fernandes Serique, Coronel do Exército.

Flávio foi seringueiro, lavrador, empregado e, aos 22 anos, entrou para o exército, onde seguiu
carreira. Ele se recorda bem dos amigos do pai, especialmente Jacob Cohen, Abrahão Cohen,
Abraão Benaion, Abrão Serrulha, os Azulay, os Benchimol. Flávio sabe, inclusive, que a
pronúncia correta do seu nome Serique é Echerique. "Meu pai, conta ele, era o chacham, uma
espécie de rabino, que atendia a todos em nossa casa. Até os 90 anos, rezava de cor e
cumpria diariamente os preceitos". Flávio lembra que, um dia, seu pai foi até a pista de vôo de
Santarém para, literalmente, tirar Jacob Serruya de um avião, para completar um minyan: era
necessário para o enterro de Jayme Assayag.

O que não aprendeu com o pai, Flávio aprendeu com a prima, Sol Nahmias, nos 12 anos em
que viveu em Belém. "Com ela, aprendi a meldar (rezar)". No período em que viveu no Rio de
Janeiro, Flávio contribuía para a Sinagoga da União Shel Guemilut Hassadim (a mais antiga do
Rio, de 1848, em Botafogo).

Ele nos repete brachot (bençãos) com pronúncia perfeita. Os filhos de Flávio não comem carne
de porco ou peixe sem escamas. Foi casado duas vezes.

Do primeiro casamento, não teve filhos. Do segundo, com Olindina Castro Serique, teve oito
filhos, todos com curso superior. Faz política em Santarém, vereador em várias legislaturas. Ele

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
conta, com detalhes, a dramática história de Jacob Cohen, homem que foi extremamente rico e
poderoso, e que se arruinou por completo, "tornando-se vegetariano porque não tinha dinheiro
para comprar carne". Conta como ele ajudou Jacob a se recuperar, com o apoio também de
um cunhado da Argentina. No fim da vida, Jacob voltou a arruinar-se. Flávio Serique "tem
pavor de padre" e guarda curiosas lembranças do interventor Barata (Magalhães Barata), de
quem foi amigo e adversário político. "Se o Barata fosse vivo", comenta ele a propósito das
eleições, "os padres que apoiaram o PMDB estariam todos na cadeia"...

O sobrinho de Flávio, Rui Serique, é filho do hebraico Moisés Julio Serique, e da católica Ana
Sirottheau Serique, ambos de Santarém. Ele se lembra do pai, comemorando as "páscoas" em
casa de David Azulay e faz questão de recordar que ele morreu "dentro do rito". Rui lembra
ainda, brincando, que quando era criança, "furava" o Iom Kipur, roubando (e comendo)
galinhas, para desespero do pai.

Quando terminou a Guerra de Secessão, nos EUA, americanos insatisfeitos com a derrota para
os nortistas emigraram para o Brasil, onde se estabeleceram em duas cidades: Americana, em
São Paulo, e Santarém, em Belém do Pará.

Descendentes daqueles americanos, na Amazônia, protestantes, aproximaram-se dos


hebraicos, até por afinidade de minorias discriminadas. Não foram raros os casamentos entre
judeus e americanos, e muitos de seus descendentes até hoje vivem em Santarém, onde os
rios Tapajós e Amazonas correm paralelamente, sem se misturar, e o tucunaré é o rei dos
peixes.

FORDLÂNDIA

Numa pequena habitação de madeira, em


Santarém, logo depois do cemitério, vive Olga
Cohen. Ela nasceu em Fordlândia, em 1932, filha
de Jacob Salomão Cohen e de Joaquina Moura
Cohen, ele de Tanger, ela de Portugal.

Os pais de Olga e mais os tios Fortunato e


Abrahão vieram para Aveiro, onde se
estabeleceram por muitos anos. A primeira esposa
de Jacob morreu no parto,deixando oito filhos. Do
segundo casamento, nasceram nove filhos, entre
Fordlândia hoje casa dos engenheiros eles Olga. Ela, por sua vez, casou-se, teve quatro
filhos e logo separou-se, "por questões de religião".
O filho mais velho trabalha em Alenquer, numa
oficina mecânica, Salomão Cohen Neto. O segundo é gerente do Banco da Amazônia, em
Rurópolis, Samuel Cohen Neto. Sergio Jacob Cohen Neto estuda e Sandar Suely Cohen Neto
é casada com o dono da Padaria Progresso, em Santarém.

A casa de Olga é simples, despojada. Mas a pose é de grande dama. Olga fala com firmeza e
orgulho. Não gosta da palavra sacrifício, mas dedicou a vida aos filhos. E deles teve todas as
satisfações. Não tem queixas. Quando o pai faleceu, Manassé Nahon e o filho mais velho de
Fortunato Serruya lavaram o corpo com água de alfazema, costuraram a mortalha e o
sepultaram de acordo com o rito mosaico. "Manassé e o filho dos Serruya estavam do meu
lado e disseram o "shemá". Estou tranqüila".

O que diz a halachá a respeito de Olga Cohen ?

Ao longo da história, o processo de desenvolvimento da Amazônia foi caracterizado pelo ritmo


irregular da colonização, fruto de ciclos exploratórios: o período áureo da borracha, por
exemplo, gerou em 1928 a fundação de Fordlândia, onde se pretendeu cultivar racionalmente a
seringueira. O projeto de Henry Ford fracassou, suas ruínas são hoje visitadas por turistas
interessados em conhecer uma verdadeira cidade-fantasma. O nome, hoje, é Belterra - o da

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
principal fazenda da Ford, e onde viveram dezenas de hebraicos, com sua escola, cemitério e
sinagoga.

Fordlândia ou Belterra, como é conhecida hoje, é uma cidade parada no tempo. Um lugar onde
a selva amazônica ameaça engolir as belas casas da década de 20, o velho hospital, o porto e
a imensa caixa d'água, símbolo do poder da Ford no ciclo da borracha. Mas sua população
ainda luta contra o esquecimento e, todos os dias, realimenta as lembranças de uma era de
ouro.

Localizada a 12 horas de barco de Santarém, no Pará, e praticamente perdida no meio da


mata, a cidade foi sede de um projeto ambicioso de Henry Ford, criador da multinacional
automobilística e um dos maiores consumidores de borracha no mundo. Em 1928, ele escolheu
o lugar para o cultivo de cerca de 1,5 milhão de seringueiras.

O projeto era tão ambicioso que Ford implantou um padrão de qualidade de vida compatível
com qualquer cidade dos Estados Unidos. Em uma época que água tratada e energia elétrica
eram raridade mesmo em grandes cidades brasileiras, Fordlândia era um oásis de
modernidade. Possuía hospital, escolas, telégrafo, telefone e até cinema.

Fordlândia/Belterra está parada no tempo. A cidade chegou a ser quase um Estado americano
em plena selva, até suas leis eram as mesmas dos Estados Unidos. Além disso, abrigou 6 mil
moradores. Hoje, cerca de 800 pessoas vivem lá, aproveitando benfeitorias realizadas há mais
de 70 anos.

Em 1947, um fungo pôs fim ao progresso de Fordlândia. Como as mudas de seringueiras


tinham sido trazidas da Ásia, as espécies não estavam preparadas para reagir aos fungos
brasileiros e lavoura foi toda destruída.

Assim, a Ford entregou Fordlândia para o governo brasileiro e transferiu o projeto para outra
cidade do norte do País.

Mesmo sem função, Fordlândia resiste. As poucas pessoas que ficaram são, na maioria,
aposentados, que vivem literalmente de lembranças. Dona América, de 87 anos; Bispo, de 91;
Dona Olinda, de 89, e vários outros, contam essa história que ainda não terminou.
Percorremos as ruas da cidade, chegamos à Vila Americana, onde os técnicos norte-
americanos moravam. Sobraram poucas casas da época. Em uma das que ainda resistem,
encontramos uma bandeira dos Estados Unidos quase destruída pelo tempo.

ITACOATIARA

"Terra que não tem judeu, acaba", sentencia Chunito. É o apelido de Rubens José Ezague, 74
anos, o último judeu de Itacoatiara. Em 1980, ele deixou a cidade, transferindo-se para
Manaus. Vive e trabalha num bar típico do Amazonas, um barraco de madeira, onde se bebe
cerveja, petica-se, joga-se dominó e aceitam-se apostas do jogo do bicho. Chunito nasceu em
Itacoatiara em 1909. Nos bons tempos, dedicava-se ao comércio, viajando com o seu regatão
pelo interior. Ele lembra que havia minyamim, antigamente, na casa

de Ester Ezague, sua prima. E como todos os que um dia viveram ou tiveram negócios em
Itacoatiara, ele lembra, com saudades, de Isaac Leon Peres. Que foi uma figura, sem dúvida.
Irmão de David José Peres, o intelectual que editou, em 1916, o primeiro jornal judaico em
língua portuguesa - A COLUMNA -, Isaac foi eleito Prefeito de Itacoatiara. E a vila, que não
passava de um barranco, transformou-se, sob a sua administração, numa bela cidade,
moderna e ativa. Está na memória de todo o Amazonas.

O filho de Isaac formou-se em Paris, em química industrial. Na viagem de regresso ao Brasil,


contraiu febre amarela e morreu. Não havia cemitério judaico em Manaus; ele o conseguiu das
autoridades. O túmulo de seu filho é o primeiro que se encontra, quando se entra no campo
santo. E Isaac Peres nunca mais saiu de Manaus, para ficar perto do túmulo de seu filho.

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Leão Pacífico Esaguy nasceu em Itacoatiara em 1918. Naquela época, o principal negócio dos
judeus era venda e troca de castanhas, peles e pedras preciosas. Seu pai veio de Cabo Verde
e sua mãe de Tanger. Seu pai, que veio ao Brasil com onze anos, enriqueceu com a borracha
e a castanha, e foi a Lisboa para casar. Não pensava em regressar ao Brasil, mas o fato é que,
rapidamente, dissipou a pequena fortuna que construíra, provavelmente afetado pela
desastrada política econômica do governo português, logo após a Primeira Guerra.

Leão publicou, em São Paulo, um livro de contos, em 1981 -"Contos Amazonenses" - onde
narra muitas histórias envolvendo os judeus e a selva amazônica.É interessante reproduzir
aqui a oração pronunciada por uma personagem judia, diante da ameaça real de uma onça, no
conto "Satã, o Felino Maldito":

"A Deus, que abeberou o meu espírito de tanta sede de beleza e harmonia, que como cibo
(alimento) da minha mente me deu o pasto imenso da majestosa mataria amazônica e que
embalou toda a minha estrutura sentimental, desde a minha infância, ao cantochão melodioso
e grave das águas cantantes dos igarapés, que formou a minha personalidade sob o influxo da
majestática grandeza do ambiente dela, que me fez um homem simplório, despretencioso e
sentimental graças a Deus".

Hoje, graças à soja, Itacoatiara revive em função de um terminal onde chega e é exportado em
grande escala aquele grão. Mas, aparentemente, os judeus (ainda) não regressaram à cidade.

O ‘SANTO’

A comunidade judaica de Manaus, embora proceda do mesmo tronco que formou a de Belém,
é diferente. Judeus de Tanger e Tetuan criaram a primeira sinagoga de verdade em 1925, a
esnoga Beth Yacov, na avenida 13 de Maio. Um segundo templo só veio a surgir em 1950, a
Rebi Meyr, na praça 15 de Novembro. Só muitos anos depois, em 1962, as duas se uniram na
Sinagoga Beth Yacov/Rebi Meyr, na rua Leonardo Malcher, 630, por inspiração do então líder
da comunidade, Isaac Israel Benchimol.

O Comitê Israelita do Amazonas foi fundado em Manaus em 15 de julho de 1929.

Seu primeiro presidente foi Raphael Benoliel, proprietário da então mais rica e próspera firma
exportadora e de aviamentos para o interior.

A Sinagoga, hoje (1983) só funciona no shabat e nos dias festivos. Há um clube moderno,
praticamente construído por um homem só - e que é uma lenda viva na Amazônia, Samuel
Benchimol. No shabat, gente boa e agradável participa do rito simples e simpático. Não há
rabino em Manaus (em 1983).

Quem cuida do culto é Moisés Elmescany (seu pai, genro de dona Ricca Hamoy, de Óbidos).
Ele foi formado "shaliach" na comunidade de Belém. Não tinha 30 anos, em 1983. Antes dele,
do rabinito como é chamado, de 1972 a 1981, a comunidade foi dirigida, religiosamente, pelo
hoje médico Isaac Dahan, nascido em Alenquer em 1948. Nada menos que o sobrinho de
Abraham Fima, primo de Max Fima, o judeu preto...

Em 1972, ele foi convidado a cantar em Manaus, no Rosh Hashaná e no Iom Kipur. Seu pai,
Shalom, já estava cego e Isaac era "os olhos de meu pai".

Assim mesmo,convidado pela comunidade a ficar e a cuidar de sua orientação, aceitou quase
que por imposição paterna.

"Criamos o segundo seder de Pessach em Manaus. É o único dia, no ano, em que tudo é
casher nesta comunidade".

Em 1974, Isaac foi a Israel e do seu contato com a Agência Judaica surgiu uma revitalização
comunitária. Vários jovens de Manaus foram estudar no Seminário (Yeshivá) de Petrópolis,
outros foram e ficaram em Israel. Em 1983, foi iniciado um censo da comunidade. Isaac

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
assinala que, durante quarenta anos,os judeus de Manaus se distanciaram das tradições
religiosas.

Desde então, há um trabalho de recuperação em andamento. Há apoio do rabinato liberal do


Rio de Janeiro (ARI), com vistas à reintegração dos hebraicos. "Gente casada há 15 ou 20
anos regularizou a sua situação com o saudoso rabino Lemle e depois com os rabinos que o
sucederam". Em 1976, na gestão de Samuel Isaac Benchimol, foi fundado o Clube A Hebraica,
na avenida Joaquim Nabuco, 1842.

Dahan conta que, até os anos 80, os sepultamentos judaicos em Manaus eram feitos
exclusivamente com a mortalha. "Lembro de um dia chuvoso em que o corpo escorregou e
caiu. Foi um desastre". Desse dia em diante, Isaac "reinterpretou"a Lei e hoje se enterra com
caixão de fundo falso.

Manaus contribui para o folclore judaico do Brasil de forma destacada. No cemitério cristão, há
dezenas de túmulos de judeus. Não são poucos os túmulos de jovens moças, geralmente
ashkenazis, de profissão duvidosa, prostitutas. Em compensação, há o túmulo de um santo
extremamente popular entre os goyim, e que foi reformado em 1982 por alguém que recebeu
uma extraordinária graça.

O santo é o reb Shalom H. Moyal, mais conhecido na cidade como o "santo Moisézinho". Nos
jornais, diariamente, há pequenos anúncios com "graças alcançadas". No cemitério, junto ao
túmulo, dezenas de placas, muitas velas, flores e as inevitáveis pedrinhas. Os gentios
aprenderam a deixar pedras sobre o túmulo.

Reb Moyal veio a Manaus em março de 1910 para fazer tsedaká, angariar fundos para a
caridade. A gripe espanhola grassava e ele foi uma de suas vítimas. O curioso é que, depois
de morto, quase criou um sério problema para os judeus de Manaus. É que sendo de família
importante em Israel (um sobrinho, Ely Moyal, foi vice-ministro das Comunicações), pretendeu-
se remover os seus restos mortais para a Terra Santa. Isto iria criar sérios problemas com os
manauaras. Os parentes israelenses foram discretamente alertados para a necessidade de se
deixar o santo, bendito seja, em paz, aqui, realizando o seu nobre e desinteressado trabalho...

MAUÉS

O calor é intenso, busca-se um pequeno hotel. Depois, um bar onde se possa comer um peixe,
beber uma cerveja. O bar, Panorama,é o indicado, ao lado da praia das Maresias. Cai-se na
água, há uma sensação de alívio. Do lado, fundeado, um barco, o "Levy III".

Come-se o peixe, tranqüilamente. Pede-se a nota e a surpresa: "Bar Panorama, de Samuel


Levy". O rapaz que faz de garçon dá as informações: o barco, o bar, são do Levy. E Levy é
hebraico, mora na casa ao lado.

É uma casa de madeira, ampla, arejada, pintada de amarelo. Os Levy lá estão, crianças por
entre as pernas, aguardando a nossa visita. De uma forma ou de outra, já sabiam que iríamos
visitá-los. E surgem os álbuns de fotografias, os refrescos, as informações.

Samuel e Moysés Levy nasceram ali mesmo, em Maués,o primeiro em 1928, o segundo em
1937. São sete irmãos, ao todo. Os pais, Isaac Moisés Levy e Candida Ferreira Gato. Ele de
Tanger, ela de Maués. Antes de chegar a Maués, em 1926, viveu em Marapanim. Veio com
Salvador Abecassis, seu cunhado.

Faleceu Isaac aos 80 anos, deixando 40 netos e 6 bisnetos. A que se dedicava ? Agricultura,
pecuária e comércio de guaraná. Claro,pesca também. O restaurante já foi invenção dos filhos.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Os Levy cultivam em 18 hectares pés de guaraná com mais de oitenta anos de produção. Toda
a produção é artesanal e a família de hebraicos está intimamente ligada à produção da fruta
que fez a fama de Maués como a capital do guaraná.

Isaac Levy seguia a religião, jejuava, fazia as


páscoas. Alguns dos filhos seguem os preceitos,
outros, nem tanto.

- O rio é tudo no Amazonas, diz o jovem Abrahão


Levy. É a estrada que comunica as casas e as
pessoas. É por onde trafega a economia. É de
onde a gente retira o alimento básico, o peixe. Foi
ao longo desses rios, imensos e largos e
profundos, que nós, judeus, nos instalamos e
criamos nossos negócios e nossas famílias. O rio,
enfatiza, é a única possibilidade da região.
Abrahão é casado com uma nissei, Sumoto, filha
do "seo" Pedro. Nem porisso se sente menos
judeu. Pretende, até, construir uma sinagoga em
Maués. Mas, enquanto isto não acontece, vai
tocando um novo negócio da família Levy:

"Uma família, de nome Levy, proprietária de uma


companhia de barcos fluviais." - O jogo do bicho. É uma loteria popular, muito
difundida no Brasil e absolutamente ilegal. A gente
contribui com as obras sociais e dá uma grana para a polícia. Samuel e Moysés Levy, caboclos
inteligentes, contam a história dos hebraicos de Maués. Dos Abecassis, dos Benchaia, dos
Belezrah, dos Pinto, dos Hatchwell, dos Assayag. São discretos ao comentar um crime de
morte, onde um genro matou o sogro por questões de negócio e reservam a melhor informação
para o final, como convém: "vamos visitar dona Mazal".

E quem é dona Mazal ?

- Ora, simplesmente a filha do finado Isaac Sayag Aboab, natural de Tanger e descendente,
em linha direta, do rabino Isaac Aboab da Fonseca, o primeiro rabino do Brasil !
A sensação é a de que estamos sendo enganados. Afinal de contas, como veio Aboab da
Fonseca aparecer ali ?

Moysés Levy não se perturba. Sabe da expulsão dos holandeses em 1654 e dos judeus da
Congregação Zur Israel, no Recife. Sabe dos caminhos do rabino Isaac Aboab (sabe até que
ele participou do processo de excomunhão contra Spinoza !) e afirma que seu pai lhe contou a
história de como, onde e quando descendentes do rabino foram parar em Tanger e Tetuan.

E assim, Isaac Sayeg Aboab veio parar em Maués, aí casou com uma cabocla do Arari e
produziu três filhos, entre eles Mazal, que cozinhava para a comunidade, nas páscoas.
E lá vamos nós conversar com dona Mazal Aboab, nascida no Arari em 1909, uma mulher
extremamente simpática, inteligente e ágil para a sua idade.

Mazal confirma tudo. Ela sabe quem foi o antepassado ilustre, corrige a informação de que seu
pai era casado - "ele só ajuntou, a mãe não era da nação"- e explica que recebeu educação
formal judaica. Aprendeu a cozinhar rigorosamente dentro dos preceitos da cashrut e ainda
hoje prepara uma dafina (prato típico da culinária judaica marroquina) de dar água na boca !

Vamos ao cemitério de Maués ver os túmulos. Não somos necrófilos, mas a pesquisa exige.
Não encontramos o túmulo de Aboab. Moysés o localiza e nota que não há uma
matzeiva.Imediatamente, dá ordens para que uma pedra seja construída. Decide conosco o
que vai escrever nela. E informa Mazal de sua ação. Ela concorda, feliz. Sim, o pai terá a sua
matzeiva, coisa que ela não providenciaram até então por absoluta falta de recursos.

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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA – por Henrique Veltman – março/2005 - www.veltman.qn.com 60
OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Em Maués, ainda hoje, há um costume interessante. Do anoitecer de sexta feira ao anoitecer
de sábado, fecha todo o comércio local. Mas, não há prejuízos: o comércio reabre na noite de
sábado e é o melhor dia da semana, garantem os negociantes...

O ÚLTIMO MARROQUINO

Albert Moise Abecassis é, provavelmente, o último judeu nascido no Marrocos que ainda vive
na Amazônia. Descendente direito de uma personagem dramática na história dos judeus de
Tânger: Solica la Tzadiká, Solica a Justa. Da família dos Hatchwell (Hachuel), aos 14 anos, em
19834, quando se iniciava a emigração dos judeus marroquinos para a Amazônia, o sultão
Muley Abderrahman encantou-se com a menina e pediu-a em casamento, claro, convertida ao
Islã. Ela se recusou, foi perseguida, torturada e decapitada. Esse episódio, por si só, provocou
uma onda de emigração de judeus para a Amazônia e para Gibraltar.

A história de Abecassis é idêntica a da maioria dos seus amigos e conterrâneos. Ele veio de
Tânger diretamente para Maués, onde seu pai já vivia,em 1946. Ali ficou até o final da década
de 70. Ele conta: "Vim para o Brasil com 18 anos de idade, fui educado no Marrocos". Seu pai
vivia há muitos anos no Brasil, mas viajava com frequência ao Marrocos, seja para ver a
família, seja para fazer negócios. A mãe de Albert recusava-se a emigrar - seu irmão Moise
havia sido assassinado em Maués. Era casado com uma portuguesa e teve oito filhos. Depois
de assassinado, os filhos abandonaram os vínculos com o judaísmo, sobrando apenas os seus
nomes: Raquel, Rivka, Haim, David...

Moise Albert ainda mantém (em 2003) vínculos com familiares no Marrocos. Mais
precisamente, com Tânger, onde ainda vivem,segundo ele calcula, perto de 200 judeus.
Hoje ele vive em Manaus, trabalhando na exportação de castanhas e guaraná. Mas recorda
que havia antisemitismo em Maués, especialmente nas proximidades da Semana Santa.

CIRCUNCISÃO

Em Óbidos, tivemos a oportunidade de ver de perto velhos instrumentos de pedra, utilizados


para a circuncisão dos meninos judeus em épocas antigas.

Vale a pena reproduzir uma cena emocionante, narrada pela escritora Sultana Levi, em texto
que nos foi entregue por sua prima Anita Levi Soares: "Estava de compras com uma prima,
quando ela lembrou que devia ir a uma sinagoga improvisada (no Marajó), onde umas crianças
vindas do interior iam ser circuncisadas, e fui com ela. Para minha surpresa, os meninos
deviam ter de 9 a 12 anos. Eram três. E os três se aconchegavam um ao outro, calados,
trêmulos de medo. Quando um velho de queixo comprido, contando os presentes, anunciou: -
Já temos minyam, vamos começar. Desencadeou-se uma verdadeira tourada, ou "com que se
prende o touro". Os meninos corriam, gritando, proferindo palavrões, defendendo com as mãos
o lugar a ser operado, repetindo, "não me cape, seu desgraçado, seu filho da puta, não me
cape". E os homens rindo, corriam atrás, cercavam, fechavam a saída nas portas, até
conseguirem agarrar os três. De pés atados, ao som das orações próprias, foram
circuncisados, diante de todos e sem qualquer anestesia. Minha prima era chachamá (sábia,
estudiosa). Era descendente do grande rabino Eliezer Dabela, de quem herdou poderes
sobrenaturais. Sua presença ao ato era necessária, porque ela tinha o dom de acalmar dores
com a força de suas preces. Eu me escondi na outra sala, apavorada. Mas não ouvi gritos, pelo
contrário, sons de alegria. Dentro em pouco, tudo estava terminado. Quando vieram me
chamar para tomar parte na festa, fiquei surpreendida ao ver os três garotos comendo e
bebendo entre os convivas.Já então sorriam e pareciam felizes. É que, mesmo vivendo no
interior, na selva, eles aspiravam por este dia. Sentiam orgulho de ser judeus. Mas este orgulho
não nasceu da liberdade de religião prometida aos imigrantes. Absolutamente. Eles tinham que
lutar para manter o seu judaísmo".

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
GUAJARÁ-MIRIM

Em Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, encontramos David d'Israel.

É um homem velho, nascido em 1900. Judeu, "não como querem os homens, mas como
manda a Lei de Deus". Seu pai, Menahem, nasceu em Tebas, no Egito. Sua mãe, Ricca, na
Europa, mas ele não lembra onde. Ele mesmo é natural de Borba, no Amazonas, e serviu ao
Exército brasileiro. Teve três filhos, um deles vive em São Paulo, tem uma neta. Vive em
Guajará Mirim desde 1940, na companhia de Sarah Azulay. Criou o filho de Sarah, Abrão,
vereador por três legislaturas seguidas, chegou a presidente da Câmara.

A história de David d'Israel é confusa, estranha.


Ele vive mal, em condições precárias, há dona
Sarah, netos e netas que ninguém sabe
exatamente de quem são, nem convém perguntar
muito. Enxerga mal, mas ouve o noticiário da
televisão. Considera-se um profeta de Israel e
amaldiçoa os rabinos. E quando a gente se
convence de que está louco, atravessa a rua,
entra no banco e renova uma excelente aplicação
no open-market...

Nessa mesma Guajará Mirim, de 25 mil habitantes


e onde se tropeça nos dormentes da estrada de
ferro Madeira-Mamoré (cada dormente custou uma
vida humana), o extraordinário complexo Em Guajará Mirim, David d'Israel e neto
industrial-comercial criado por Saul Bennesby,
nascido em 1888 em Casablanca.Saul foi trazido ao Brasil pelo tio, em 1914 já estava em
Manaus. Em 1916, fazia o regatão nos rios Juruá, Machado, foz do Madeira. Entre 1937 e
1938, estabeleceu-se em Abunã.

Casou-se com Estrela Salgado, ela morreu de parto deixando o filho, Moisés.

Saul casou-se com a cunhada, Anna, e com ela teve mais sete filhos.No total, 22 netos.
Bennesby foi representante do importante grupo empresarial I.B.Sabbá. Hoje, o grupo
Bennesby emprega diretamente 2.300 pessoas no Acre, Rondônia, Rio de Janeiro e São
Paulo. Possui várias concessionárias da GM, usinas de beneficiamento da borracha e
castanha,empresas de construção, indústrias de cerâmica e madeira, projetos agropecuários.
Isaac Bennesby, que comanda a operação em Guajará-Mirim, está na política, presidiu o antigo
PDS, foi suplente de senador.

Ele sorri, posa ao lado do sernambi na mais moderna fábrica de borracha do mundo.Para ele, a
brachá do menino bar mitzvando em Tetuan, deu absolutamente certo: parnassá tová.

OS HEBRAICOS DO MARROCOS

"Ao longo das semanas que permaneci no Marrocos, não tentei aprender árabe nem os
dialetos berberes. Não quís perder nada do poder exótico de seus gritos. Queria ser atingido
por eles, tal como eram, sem enfraquecê-los devido a um saber artificial e insuficiente. Mas
restou-me a palavra Alá e esta eu não pude evitar".

(Elias Canetti, VOZES DE MARRAKECH, L & PM Editores, 1987)

Nossa exposição no Museu da Diáspora, transportada para várias capitais européias,


repercutiu na imprensa mundial, e alcançou o governo de Rabat: o rei Hassan V, pela seu
embaixador em Brasília, Mohamed Larbi Messari, convidou-nos a prosseguir nosso trabalho de
pesquisa sobre os hebraicos da Amazônia no seu local de origem, o Marrocos. Assim, em
1988, uma equipe de TV, liderada pelo cineasta Fábio Golombek e por mim, saiu do Brasil no
dia 18 de novembro, e percorreu o Marrocos de norte a sul.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Nada obstante, já no início da viagem, uma coisa ficou clara: a "ponta"que se pretendia
encontrar no país norte-africano não seria encontrada ali - ela deveria ser procurada, sim, em
Israel, para onde se dirigiu, a partir de 1948, a comunidade judaica marroquina.
Ainda assim, continuam vivendo no Marrocos ao redor de cinco mil judeus.

Vários deles, e de suas instituições, foram entrevistados em Fez, Marrakesh e, sobretudo, em


Tetuan e Casablanca.

No Marrocos, a judiaria continua existindo, o mellah fica ao lado do palácio real e é protegido
pelo rei. Os cemitérios, sobretudo o de Tetuan, estão bem cuidados e respeitados.
Participamos de um culto de shabat, em Tetuan, numa sinagoga bem instalada - só que,
externamente, aparentava ser uma casa de família.

Havia na ocasião, e aparentemente continua havendo hoje, um interesse genuíno do governo


real em atrair a simpatia, a boa vontade e sobretudo, investimentos empresariais, dos judeus
de origem marroquina espalhados pelo mundo. O Direito Islâmico prevalece no país, mas os
judeus são regidos pelo Direito Talmúdico. Os jornais, em seus cabeçalhos, apresentam as
datas dos calendários muçulmano, cristão e judaico. Nos dias mais solenes do judaísmo,
o príncipe herdeiro Abdullah, hoje rei, participava das cerimônias, inclusive jejuando no Iom
Kipur.

O documentário "Marrocos, uma nova África" foi realizado e mostra esse país interessante.É
uma viagem aos mais diferentes aspectos de um povo que enfrenta a contradição entre a
tradição e a modernidade. É um país pobre, mas de uma pobreza digna.

Quem chega ao Marrocos, vindo de um país tropical como o Brasil, leva uma cacetada logo de
cara. Não é apenas a visão do exótico, mas uma experiência que nos atinge em todos os
sentidos.

É um festival de sons, formas, cores, que nos acompanham em todas as cidades, vilas e
povoados. E nos obrigam a rever e redefinir conceitos e referências.

De imediato, um mundo bíblico. Camelos e burricos nas areias do deserto, nos contrafortes do
Monte Atlas. Montanhas cujo cume está coberto de neve. Vales verdejantes, planícies
arenosas que se estendem até a beira-mar, nas costas do Atlântico e, sobretudo, do
Mediterrâneo.
De vez em quando, um grito no ar. Na paz das noites e das madrugadas, quase um murmúrio.
De dia, forte e claro. É a voz do muezim, chamando os fiéis muçulmanos à oração, à
abstinência, à procura de perfeição divina.

Alá, o nome ressoa por todos os lados.

É impossível compreender o Marrocos sem o Islã, sem a sua visão de Deus, do homem e do
mundo. O Islã fez florescer no norte da África uma cultura esplêndida. Neste cenário, vamos
encontrar os hebraicos. Vamos conhecer, de imediato, contrariando todos os nossos
preconceitos e preocupações, um país onde o Corão determinou o espírito de abertura e de
tolerância. O Corão que rege o dia-a-dia dos marroquinos e que recomenda que sejam
respeitados e protegidos os povos do Livro - dos herdeiros da fé de Abraão/Ibrahim.

COLONIZAÇÃO

Em 1894, quando a colonização francesa na África ocidental estava por começar, diversos
projetos envolvendo os imensos territórios do que hoje é o Marrocos, Argélia, Tunisia, Saara,
foram discutidos e elaborados em Paris. Um destes projetos visava instalar os judeus do
Marrocos no Senegal e no Sudão. O empresário Jules Forest, foi a Mogador e, com o apoio da
Aliança Francesa, organizou um grupo pioneiro de dez jovens, solteiros, com a idade variando
entre 19 e 31 anos, sabendo ler e escrever francês, ou inglês, ou espanhol.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Nada obstante, este projeto não saiu dos papéis, mas serve para ilustrar o cenário em que se
iniciou a saga dos hebraicos da Amazônia.

Ao contrário do que muitas fontes insistem em registrar, não era cômoda ou tranqüila a vida
dos judeus no Marrocos, no final do século 19. Por isso mesmo, os jovens sonhavam em
buscar, além fronteiras, riqueza e segurança. Falando do projeto francês, que fracassou, o
então residente-geral da França, Ferdinand Suhard, esclarece, num memorando a Paris: "É
importante registrar que não se trata de marroquinos, mas de jovens judeus de Mogador e que
se trata de raças diferentes. Os judeus do Marrocos emigram frequentemente para a América
do Sul, regressam após alguns anos ao Marrocos depois de adquirirem a nacionalidade
brasileira. Não estando mais submetidos às leis do Marrocos, podem se dedicar a qualquer
ramo de atividade, explorando a população árabe. Felicitamos a Aliança Francesa por sua feliz
iniciativa de salvar os jovens do fanatismo e da estreiteza de espírito do mellah, mas eu duvido
que possamos fazer destes colonos que são sem dúvida inteligentes (todos os judeus são
inteligentes), mas não tem dinheiro ou conhecimentos, se insistirão em regressar para morrer
no Marrocos".

As atitudes dos judeus marroquinos face à penetração européia, que surge e se intensifica ao
final do século 19, foram, no mínimo, complexas. Os que receberam das escolas da Aliança
Israelita Universal uma primeira formação ocidental, acolheram a chegada das tropas
francesas com entusiasmo. Em 1912, em Marrakech, a divisão comandada pelo general
Laperrine foi recepcionada por estudantes judeus cantando a Marselhesa...

Uma parte importante, mais tradicionalista, manteve suas reservas. Habituados, há séculos, a
tratar com as lideranças árabes e bérberes, professando um judaísmo antigo, místico e
supersticioso, não via com bons olhos o racionalismo francês e não confiava na cidadania
francesa outorgada pela Revolução de 1792. Pode-se dizer, até, que resignavam-se de boa
vontade às restrições impostas pelos árabes. Eram apelidados, pejorativamente, de os "béni-
oui-oui". E viviam mal, nos mellah, sem grandes perspectivas.

Enquanto isto, o tratado do protetorado assinado em Fez em 30 de março de 1912, entre o


representante francês em Tanger e o sultão Moulay-Hadid, situa-se na linha de uma série de
tratados diplomáticos firmados durante a segunda metade do século 19, pelas grandes
potências que passaram a ocupar, na realidade, o Marrocos.

O acordo de Fez dava ao Moulay-Hadid uma certa soberania nos territórios "protegidos" pela
França, mas criava um sistema complexo de competências: a do sultão e a do residente-geral.
A Espanha instalou-se na zona norte do território, dividindo o poder com um califa designado
pelo sultão.

Como se observa, um cenário propício ao êxodo dos jovens judeus.

OS ESPANHÓIS SEM PÁTRIA

O êxodo dos judeus ibéricos em 1492, expulsos pelos reis da Espanha, e em 1496 por
D.Manuel, de Portugal, é uma das páginas mais dramáticas da história do povo judeu.

Expulsos da península, onde sofreram durante séculos torturas, massacres e humilhações, a


sua transferência para o Marrocos não foi mais que uma seqüencia de sofrimentos e
atribulações. Confinados nos mellahs de Fez, Tetuan, Marrakech, passaram a sofrer toda a
sorte de humilhações, confisco de bens - e massacres.

Os expulsos escolheram o Marrocos, antes de mais nada, pela proximidade geográfica. Basta
olhar o mapa. Depois, o idioma também contou como ponto importante: o espanhol era a
língua franca do nordeste marroquino, o português era muito difundido por ser o idioma dos
comerciantes. A hakitia, finamente, uma mistura de espanhol, português, hebraico e árabe,
também facilitava (aparentemente) a inclusão no mundo marroquino.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Os sefarditas instalaram-se em Tetuan, Tanger, Fez, Rabat, Salé,Marrakech, Arcila, Larache,
Ceuta e Melila. Durante uns trezentos anos, doze gerações, viveram nas vilas e povoados,
isolados e discriminados, não apenas pelos árabes e bérberes, mas até por seus irmãos
tochabim, isto é, os nativos.

Um documento reproduzido pela Encyclopedia Judaica (Jerusalém, 1996), registra que "os
expulsos - megorachim, trazem consigo a língua castelhana, sua ciência, suas instituições
comunitárias, usos e costumes, seu espírito empreendedor, que fazem deles em relação aos
tochabim - judeus nativos, moradores e autóctones - um grupo social dominante: a elite cultural
e a burguesia dos notáveis que desempenharão um grande papel nos domínios do comércio,
das finanças e da diplomacia".

É deste grupo de sefarditas (que no cemitério de Tetuan ocupam uma ala distinta da dos
tochabim) que vão sair, a partir de 1810, os quase quatro mil judeus que vieram tentar a sorte
na Amazônia, um pouco antes e logo depois do boom do ciclo da borracha.

Como registra Samuel Benchimol em Eretz Amazônia (Manaus, 1998), "o êxodo dos judeus
marroquinos é explicado pelos diferentes fatores de expulsão: pobreza, fome, perseguição,
discriminação, destruição de sinagogas, como de forças de atração e favorecimento, tanto de
ordem política e econômica oferecidos pelo Brasil e Amazônia, como a abertura de portos,
tratados de aliança e amizade, extinção da Inquisição, liberdade de culto, abertura do rio
Amazonas à navegação exterior e outros elementos que contribuíram para buscar a Amazônia
- a nova terra da Promissão, a Eretz Amazônia".

MIMONA

Este é um texto de Elie Benchetrit, autor marroquino, que recorda um dos aspectos da Mimona,
tal qual ela era comemorada nos anos 60, em Tanger e no norte do Marrocos.

Uma ligeira brisa sopra sobre o pequeno vilarejo numa noite de abril. As sinagogas abrem suas
portas e os fiéis, apressados, deixam seu trabalho. É sábado, "noche de Alhad", como se
costuma dizer em Tanger e na zona norte do Marrocos.

É a Mimona, festa que marca o fim do Pessach e que todos celebram em grande estilo. As
padarias e confeitarias estão abertas, de modo que os judeus possam comprar o seu pão.
Vendedores ambulantes oferecem os mais diferentes pães, espigas de trigo e frutas, que vão
decorar as mesas. Rahamim Bahtot, mendigo e ao mesmo tempo personagem folclórico em
Tanger e arredores, apressa-se a deixar a esnoga de Souiri, a mais antiga sinagoga da cidade,
carregando um enorme bouquê de arrahan (mirta). Ele se dirige ao boulevard, nome que
designa o bairro europeu de Tanger. No seu caminho, ele oferece a outros judeus uma
pequena folha de mirta, dizendo: Shavuá To , Moad Tov, Besiman Tov, Eliyaou Hanavi Zakhor
le Tov. Cada um dos judeus lhe dão algumas moedas e Rahamim os abençoa com fervor.

Tão logo ele acabe de distribuir a sua mercadoria, ele se dirige a um imóvel onde residem
famílias judias. Ele sobe ao primeiro andar e entra num apartamento que está de portas
abertas, segundo o costume da Mimona. Ele entra, quase gritando: Ya Mimon, Ya Shalom, Ya
Baba Tarbah ! Ou seja, Dinheiro, Paz, Sejam todos cobertos de bens.

A dona da casa convida-o a passar à sala de jantar, onde uma mesa tradicional está montada.
O leite, o mel, um prato de farinha com favas verdes, espigas de trigo, um pote de manteiga
fresca embebida com folhas de figo. Um grande peixe cru reina sobre uma bandeja, uma
variedade de doces de mel, de tortas que recordam a renomada patisserie francesa. Doces
que recordam a mais pura tradição hispânica, merengues, toucinho do céu e braço de cigano,
honram, por sua vez, a tradição da confiteria espanhola. Um delicioso aroma de "terit" vem da
cozinha onde duas mulheres preparam deliciosos crepes, as iguarias tradicionais que a maioria
das família se apressam a degustar cobertas de manteiga e de mel.

Seja benvindo, Rahamim, exclama a dona da casa, e oferece um assento ao mendigo. Claro,
ela conhece Rahamim há muito tempo e conhece, sobretudo, o seu proverbial apetite...

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Em poucos minutos, ele engole uma meia duzia de mofletas acompanhadas de dois copos de
chá com hortelã, o thé à la menthe, e mais alguns docinhos para rebater... Um pequeno cálice
de aguardente ou "mahia" lhe é oferecido, para ajudar na digestão. Em seguida, ele se levanta
e repete suas bençãos habituais.

" Que el Dio vos dé riqueza y ganancia en zéjut de esta noche y de Eliahou hanavi, amen,
amen, amen ! ".

Após os agradecimentos da dona de casa, e ainda próximo à porta de saída, ele retira de seu
bolso um saquinho de plástico e o entrega à senhora. "No se olvide dek awin para la mujer y
los niños", ou seja, não se esqueçam de me dar alguns docinhos para minha mulher e meus
filhos". Depois, ele sobe para os demais andares do prédio. A noite apenas começou e ela
promete ser vantajosa. "Ya Mimon, Ya Shalom, Ya Baba Tarbah"

Onde estão as Mimonas de antigamente, se interroga Rahamim, muitos anos depois, agora um
homem de negócios que fabrica industrialmente (e exporta) mofletas para todo o mundo.
Sentado numa poltrona em sua residência em Miami, ele sente saudades dos velhos tempos

FEZ

Os primeiros judeus instalaram-se em Fez, no nordeste do Marrocos, no final do século VIII.


Rapidamente, eles se tornaram influentes e respeitados. Viviam, é claro, no seu bairro
exclusivo, Al-Funduk Al, que se transformou rapidamente num centro cultural e comercial de
primeira grandeza. Algumas figuras rapidamente se tornaram conhecidas, como David B.
Abraham Alfasi, rabi Salomon B. Judah (que chegou a dirigir a Academia de Jerusalém) ,
Dunash Judah Hayyuj. Durante o que se convencionou chamar de a Era Dourada em Fez,
alguns acontecimentos terríveis tiveram lugr, quando a maior parte da comunidade acabou
exilada para Ashir, na Argélia. Por volta do ano 987, 6 mil judeus foram massacrados pelos
fanáticos que conquistaram Fez. A cidade foi sucessivamente invadida e saqueada pelos
Almorávidas (1068 e 1127). É quando surge a figura de um pseudo-messias, Moses Dari, que
tenta atenuar as aflições e tristezas dos judeus. Inutilmente, e muitos judeus de Fez foram,
inclusive, obrigados a converter-se ao islamismo ou abandonar a cidade.

Já em 1244, sob o domínio dos merinidas, a situação sofre uma mudança, e a comunidade
judaica recebe a proteção do sultão. Mas, com o declínio dos merinidas e o ressurgimento do
fanatismo, os judeus são expulsos de seu bairro, em 1438. A difícil situação começa a ser
revertida a partir da chegada dos refugiados sefarditas, que gozam de boa acolhida por parte
dos governantes marroquinos. É criado o cargo de Nagid e a Yeshivá de Fez cresce em
importância, e seus dayyanim tem sua autoridade reconhecida e respeitada em todo o Norte da
África.

Altos e baixos se sucedem na vida judaica de Fez. Assim, em 1790, o mulay Yazid destrói as
sinagogas, mas autoriza o regresso de judeus que haviam fugido, já em 1792. Há uma
renovação espiritual e econômica dos hebreus, com a instalação de escolas, cinco Yeshivot e
uma sociedade de benemerência. Influência da revolução francesa, surge a Escola Francesa,
inicialmente sustentada pelas figuras mais ricas da cidade, logo depois incorporada e apoiada
pela Aliança Israelita Universal.

Em 1912, duas semanas após o estabelecimento do Protetorado francês sobre Fez, uma
revolta explode e os judeus são alvo do ódio marroquino ao invasor europeu. Mas a força dos
franceses restabelece a ordem.

Em 1925, a maioria dos judeus instalam-se na cidade nova de Fez;apenas os mais pobres
permanecem no velho bairro, o Mellah. Em 1947, viviam 22.484 judeus em Fez e arredores,
muitos deles médicos, advogados, industriais e agricultores. Segundo o censo de 1951, 5,8%
dos judeus marroquinos viviam na cidade. Nesta altura, as principais escolas eram a Ozar-Ha-
Torah e Em-Ha-Banim, mantidas pela Aliança Israelita Universal e atendendo a 2.823

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OS HEBRAICOS
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escolares. Antes da emigração para Israel ali existiam organizações como a Bnei Akiva, Wizo e
até um escritório do Congresso Judaico Mundial.

Após o estabelecimento de Israel em 1948, a maioria dos judeus emigrou para o novo estado,
um número expressivo preferiu seguir para a França (gozando do fato de terem dupla
nacionalidade, francesa e marroquina, outorgada por Napoleão). Outros, ainda, foram para os
Estados Unidos, Canadá e Brasil.

Hoje em dia, judeus de origem marroquina costumam realizar peregrinações a sítios judaicos
no país, e o mais popular de todos estes lugares é justamente o túmulo de Yehuda Benatar,
em Fez.

Uma das mais antigas sinagogas do norte da África está em Fez, é a Ibn Danan, construída no
século 17 e recuperada na sua forma atual no final do século 19. Uma réplica dela pode ser
vista no Beth Hatefutsót, em Tel Aviv. Ela foi tombada pelo World Monuments Watch como
exemplar único de uma arquitetura única. Uma obra de arte.

MARRAKECH

"Ao longo das semanas que permaneci no Marrocos, não tentei aprender árabe nem dos
dialetas berberes. Não quís perder nada do poder exótico de seus gritos. Queria ser atingido
por eles, tal como eram, sem enfraquecê-los devido a um saber artificial e insuficiente. Mas
restou-se a palavra Alá, e esta eu não pude evitar"

(Elias Canetti, em Vozes de Marrakech, L&PM Editores, 1987)

Uma visita ao Marrocos é um golpe certeiro no viajante ocidental. Não se trata só do exótico,
mas de uma experiência que atinge todos os sentidos.

São sons, formas e cores, e aromas, que nos acompanham por toda a parte e nos obrigam a
redefinir nosso mundo de referências.

É um mundo quase bíblico, e não foi a toa que Steven Spielberg elegeu o Marrocos, e
Marrakech especialmente, como cenário de seus filmes da arca perdida.

Camelos e burricos, extremamente pacientes, estão presentes no cenário, que se estende das
areias do deserto aos contrafortes do Monte Atlas. Uma cadeia de montanhas com os cumes
recobertos de neve. E girando a cabeça, a gente vê vales verdejantes, planícies arenosas, e o
mar - o Atlântico e o Mediterrâneo.

Como lembra Canetti, um grito ecoa sempre no ar. De madrugada, é quase um murmúrio. O
muezim vai chamando os fiéis à oração, a abstinência, ao mergulho na perfeição divina.

Alá, Alá...o nome ressoa por todos os cantos. É Alá quem dá forma às artes, à poesia, às
ciências, a tudo. É impossível compreender o Marrocos, sua história, a presença antiga e
moderna dos judeus ali, sem o Islã, sua visão de Deus, do mundo e do homem.

Neste cenário, judeus sefarditas e judeus nativos, viveram (e ainda vivem), capítulos
extraordinários da História do povo de Israel. Capítulos sangrentos e dramáticos, capítulos
radiosos, plenos de arte e de ciência. Roger Garaudy, que já foi comunista e hoje é
muçulmano, escreveu: "Um dos traços do Islã que explica a sua rápida disseminação é o
espírito de abertura e de tolerância. O próprio Corão recomenda que sejam respeitados e
protegidos todos os povos do Livro, quer dizer, a Bíblia, herdeiros também eles da fé de
Abraão (Ibrahim), que é a referência comum a todos. Tolerância que se aplicava, também, aos
discípulos de Zoroastro, na Pérsia e na Índia".

Tolerância e perseguição, que se alternaram sempre na história marroquina, desde os tempos


anteriores às quedas do Primeiro e do Segundo Templos.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Com os judeus de Marrakech fui, ao cair da tarde, à grande praça Jemaa el-Fna. A equipe de
cinegrafistas de Fabio Golombek subiu no teto da estação de polícia, um feito inédito, segundo
informação do guia oficial de turismo que nos acompanhava, em 1988.

Na praça, um espetáculo. Acrobatas, encantadores de serpentes, músicos andaluzes e


berberes, contadores de histórias, dançarinos, punguistas e místicos religiosos. Todas as
sensações se confundem. Quando a noite desceu, a praça se transformou.No ar, um forte
cheiro de hortelã e açafrão. Naquele instante, desapareceu o passado e o presente. Como
numa mágica, o mundo, por um instante, parou.

Puro sonho.

ISRAEL

Em dezembro de 1943, antigos militantes nacionalistas marroquinos, inclusive muitos de


origem judaica, fundam o Partido Istiqlal que, num manifesto datado de 14 de janeiro de 1944,
reclama a Independência do país. É o que finalmente veio a ocorrer em 2 de março de 1956,
após uma longa série de tratativas diplomáticas, de um lado, de uma curta mas intensa guerra
de libertação nacional.

De 1944 a 1947, a França atendeu a uma série de reivindicações dos nacionalistas, muitas
delas francamente favoráveis aos judeus. Uma decisão de 20 de dezembro de 1947, por
exemplo, instituiu, na renovação do Conselho de Governo, com atribuições econômicas e
consultivas, uma representação de seis delegados judeus, eleitos pelos comitês das seis
comunidades israelitas mais importantes (Casablanca, Rabat, Fez, Meknés, Oujda e
Marrakech). Pela primeira vez, os judeus eram chamados pelo Protetorado a participar
efetivamente da vida pública. Até ali, eles eram apenas admitidos a participar de pequenos
conselhos municipais.

Mas, as reformas propostas pelos franceses foram, é claro, consideradas insuficientes pelo
Istqlal. A situação foi ficando tensa e se compararmos as reações hostís dos marroquinos com
a benevolência dos notáveis judeus, pode-se imaginar a distância que separava os dois grupos
étnicos. Apoiando-se na tradição muçulmana, afirmando seus laços com o mundo árabe, com a
Liga Árabe, o movimento nacionalista reclamava a independência, enquanto os dirigentes
judeus tendiam a obter o reconhecimento oficial de sua ocidentalização e o reforço de seu
status de "protegidos", que lhes permitia escapar do nacionalismo árabe...
As reivindicações da dirigência judaica estavam muito próximas do programa de reformas
proposto, desde 1945, pelo residente-geral francês, e que comportava propostas de
modernização em matéria de administração, ensino, Justiça e estruturas econômicas.

Todavia, o judaísmo marroquino estava profundamente dividido quanto as atitudes que deveria
tomar diante do movimento nacionalista de independência. Algumas tendências podem ser
estabelecidas: o judaísmo dito "oficial", que buscava obter o máximo de vantagens da
administração francesa, mesmo ignorando as susceptibilidades marroquinas; os partidários do
movimento de independência marroquina; os representantes do judaísmo marroquino que
tendia a reforçar seus laços com as organizações judaicas internacionais e, finalmente, os
sionistas, que declaravam, sem temor, suas simpatias para com o Estado de Israel e
organizavam a emigração, sobretudo das camadas mais pobres da comunidade. Entretanto, os
limites entre as várias tendências foram ficando difusos, à medida em que um período de
turbulências foi se acentuando, nos dias anteriores á proclamação da independência.

É importante notar que mesmo o rápido "afranzessamento" não eliminou a lembrança dos
judeus marroquinos de sua coexistência milenar com os muçulmanos nas terras do magreb.
Burgueses muçulmanos e burgueses judeus tinham estreitas e cordiais relações. No curso do
aprendizado dos modos de vida importados do Ocidente, o muçulmano procurava o vizinho
judeu, adotando seus usos e costumes modernos. Voluntariamente, o muçulmano buscava no
judeu o conselho. De seu lado, mesmo manifestando sua simpatia para com o Protetorado
(que, por sua vez, buscava dividir os grupos étnicos), os judeus marroquinos sempre
reafirmavam sua boa relação com os muçulmanos.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Em 1933, os nacionalistas marroquinos divulgaram a sua "L'Action du Peuple", onde os judeus


eram considerados marroquinos, com os mesmos direitos e os mesmos deveres dos
muçulmanos. No moderno estado que deveria ser o novo Marrocos, os judeus seriam cidadãos
e não dhimmis. Desde esta época, os nacionalistas marroquinos apelaram à participação dos
judeus em sua ação política.

Em 10 de abril de 1947, Mohammed V pronuncia em Tanger um discurso onde ele não disfarça
as suas simpatias para com os nacionalistas. E os judeus estavam profundamente ligados à
figura do sultão, lembrando, por exemplo, suas atitudes corajosas em favor dos israelitas
durante a Segunda Guerra mundial. Acreditando firmemente nas suas declarações e dos
dirigentes políticos de que, no novo Marrocos, os judeus seriam considerados cidadãos de
primeira classe.

Em maio de 1948, na seqüência da proclamação do Estado de Israel, e a fim de evitar


tumultos, o sultão lançou um apelo ao povo marroquino, no qual recorda aos muçulmanos que
os judeus marroquinos, vivendo há séculos no Magreb, "testemunharam sua devoção e
fidelidade ao trono". Mais: os judeus marroquinos tem no sultão, no trono, em todas as
circunstâncias, "o melhor defensor de seus interesses e seus direitos".

Estas declarações, a reafirmação da amizade do sultão ao povo judeu marroquino, suas


atitudes de defesa da comunidade ante o regime pró-nazista de Vichy, foram interpretadas de
uma forma liberal pelos dirigentes marroquinos, os quais tinham todo o interesse em divulgar
que "o Marrocos de amanhã, democrático, tanto no plano ecnômico como no político e social,
permitirá a todos os seus filhos de desenvolver seus talentos e colocará uns e outros, judeus e
muçulmanos, diante de suas responsabilidades, com direitos iguais e deveres iguais" (palavras
de Pacha Bekkai, publicadas pelo jornal Évidences).

No mês anterior à independência, este tipo de declarações se multiplicaram. As entrevistas de


Abdel Kader Benjelloun, dirigente do Partido Democrático de Independência, ao Jewish
Chronicle, e de Bouabid, membro do birô político do Istqlal, ao Jewish Observer, foram
reproduzidas pelas imprensas francesa, judia e marroquina.

Belafrej, secretário-geral do Istqlal, declara na ocasião que "no Marrocos independente os


judeus não sofrerão discriminação de espécie alguma". No Congresso do Istqlal de dezembro
de 1955, uma moção foi aprovada declarando que os judeus são parte integrante da sociedade
marroquina.
Enquanto o movimento pela independência se organizava, os partidos apelavam à colaboração
dos judeus, convidando-os a formar uma frente comum. Do outro lado, a "União pela Presença
francesa"oferecia seus serviços ao judaísmo marroquino. Espremida entre a bigorna e o
martelo, a maioria dos judeus ficou passiva e atenta. Os incidentes sangrentos que se
multiplicavam nas grandes cidades não eram dirigidos contra os judeus - muçulmanos e judeus
sofreram juntos, da mesma forma. O espetáculo cotidiano de violência, contudo, marcou de
forma profunda as massas pobres do mellah, onde emergia o medo atávico do Árabe.

Certos elementos, sobretudo os de classe social e econômica mais elevada, responderam


afirmativamente aos chamados dos partidos marroquinos, sobretudo dos partidos de esquerda.
Desde 1943, o judeu Léon Sultan liderava o Partido Comunista do Marrocos. Em 1952, o
Partido Democrático contava 2.352 judeus filiados. Animados por Joe O'Hana, o Movimento
Nacional Marroquino se propunha a despertar a consciência nacional no seio da população
judaica, de lutar contra o preconceito - e contra as instituições judaicas "separatistas". O
Movimento se propunha, também, a criar associações mistas e a organizar cursos de árabe
para os israelitas.

Durante a reunião de Aix-les-Bains, em agosto de 1955, quando foi decidida a volta do Sultão
Moahmmed V, exilado em Madagascar, e a constituição de um governo marroquino, os
delegados do judaísmo marroquino e representantes do Congresso Mundial Judaico
mantiveram vários encontros com os dirigentes marroquinos. Estes declararam solenemente
que no Marrocos indeendente, os judeus seriam considerados como cidadãos iguais com os
mesmos direitos e os mesmos deveres que os outros marroquinos, que nada seria feito no

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
sentido de restringir sua liberdade religiosa. De seu lado, os dirigentes judeus reafirmaram sua
lealdade ao sultão. No dia 30 de outubro de 1955,os representantes das comunidades
judaicas, ao ensejo de uma assembléia plenária, saudaram "com uma alegria profunda, o
regresso à França de Sidi Mohammed" e "convidam as populações israelitas a se associar aos
seus compatriotas muçulmanos para festejar, com alegria, o regresso do Sultão".

Em novembro de 1955, já em terras francesas, Mohammed V recebia em Saint-Germain-en-


Laye uma delegação do Conselho das Comunidades Israelitas, ocasião em que declara que
"os judeus terão todos os direitos, na legalidade mais absoluta e serão associados à vida
nacional, inclusive aos postos diretivos do governo". Mais adiante, o sultão reafirmava os
direitos e os deveres dos judeus.

O regresso do sultão ao Marrocos foi marcado por extraordinárias festas, inclusive por parte
dos judeus dos mellahs

Em dezembro, 700 judeus de todos os partidos enviaram a Si Bekkaï, presidente do Conselho,


uma moção afirmando sua participação na ação das organizações políticas e sindicais,
expressando sua vontade de ver os Comitês judaicos e seu Conselho agindo nos limites da
legalidade, notadamente nos assuntos de assistência social e de culto religioso.

O Istqlal mesmo contava com militantes judeus, e mantinha uma seção, a Al Wifaq (O Acordo),
criada pelos dirigentes em fevereiro de 1956 com o objetivo de promover a aproximação entre
as elites muçulmanas e judaicas.

Apesar disso, Joe O'Hana, secretário-geral do Movimento Nacional Marroquino, acusava seus
adversários de tentarem fazer dos judeus "uma minoria distinta", criando um "estado dentro do
estado". Ele pleiteava a supressão do Conselho das Comunidades e dos comitês responsáveis
"pelo isolamento dos judeus dentro da nação marroquina".

"Devemos, nós, judeus, afirmar sem equívocos nossa nacionalidade marroquina. Devemos
participar de um estado moderno,que será nossos(...) no novo Marrocos, não precisaremos
mais de escolas judaicas e escolas muçulmanas(...) é preciso que nos reunamos nos mesmos
clubes e associações, judeus e muçulmanos". Ele sonhava com uma fusão, inclusive, dos
elementos religiosos, condenando os que "tentam nos fechar novamente num mellah político-
intelectual".
Outras vozes se faziam ouvir, alguns dirigentes proclamando que "quarenta anos de
Protetorado podem destruir 20 séculos de coexistência ? Apesar das aparências ocidentais, o
judeu marroquino continua profundamente um oriental".

De imediato, a situação não apresentava maiores preocupações à comunidade judaica. O


Sultão e o Istqlal reafirmavam sua promessa de considerar os judeus como cidadãos de
primeira classe e o primeiro ato neste sentido foi o da nomeação de um ministro judeu.

Mas,o patriotismo marroquino dos judeus logo se defrontaria com o seu amor por Israel.
Durante os anos 1944-1945, a Organização SIonista Mundial havia estabelecido contato com o
judaísmo local. Seus emissários trabalhavam não apenas nos setores de categoria social mais
elevada, que justamente eram os que resistiam mais à cantilena sionista, mas sobretudo junto
às massas empobrecidas, onde sua mensagem soava como a realização de um velho sonho
messiânico.

No mesmo instante em que o Marrocos se organizava no pós-guerra, da luta pela sua


independência, outra luta se travava no solo da Terra Prometida. E ao mesmo tempo em que o
Marrocos afirmava seus laços com a Liga Árabe, os irmãos judeus a combatiam. No dia 15 de
maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel. Os judeus marroquinos não ocultaram sua
alegria, os muçulmanos, seu desapontamento.

Numa declaração de 23 de maio de 1948, o Sultão ordena a seus súditos muçulmanos que não
cometam quaisquer atos de desordem pública. Ao mesmo tempo, dirige-se aos seus súditos
israelitas, lembrando-lhes "que não percam de vista que são marroquinos". Portanto, que

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
deviam se abster de apoiar a ação sionista ou de manifestar sua solidariedade, "porque assim
o fazendo, estarão agindo contra seus direitos particulares e sua nacionalidade marroquina".
De imediato,o apelo não foi levado em consideração pelo povo, e tumultos explodiram em todo
o país, provocando graves incidentes nos dias 7 e 8 de junho em Oujda e em Djerada, no
Marrocos oriental. Morreram mais de quarenta pessoas. Os incidentes foram rapidamente
superados, mas chamaram a atenção das organizações judaicas internacionais para a situação
do judaísmo marroquino.

Entre 1948 e 1956, mais de 90 mil judeus da zona francesa deixaram o Marrocos, destinando-
se principalmente a Israel. As autoridades francesas não estimularam essa emigração,
tentaram mesmo impedi-la, mas finalmente fecharam os olhos - et laissez faire.
Mohammed V ordena, a partir de 23 de maio de 1948, o impedimento da emigração para Israel
- que passa a ser organizada clandestinamente.

Na verdade, a decisão do sultão não foi determinada apenas pela solidariedade ao mundo
árabe, mas por motivos econômicos: o novo Marrocos não podia se deixar ao luxo de ver uma
fuga de capitais. Mais: o Marrocos precisava, para se tornar um estado moderno, dos seus
elementos mais ocidentalizados, os judeus, que detinham um avanço de pelo menos uma
geração de escolarização face à população muçulmana. Situação semelhante, aliás, aconteceu
na Tunísia, no Egito e no Iraque.

As dificuldades para a obtenção de passaporte foram impostas (não apenas aos judeus, aos
muçulmanos que queriam emigrar, também). Entre 1957 e 1961, essas dificuldades eram
quase intransponíveis.

E claro, o Marrocos continuava com suas estruturas feudais e teocráticas de pé, apesar de
várias reformas e veleidades de modernização. O judeu continuava a ser o dhimmi, o pobre
israelita "protegido" do sultão.

A ação da Organização Sionista, a incerteza quanto ao futuro, acabaram provocando o êxodo


de dois terços da comunidade judaica do país onde havia vivido durante vinte séculos...
Este êxodo não foi provocado pela ameaça de uma perseguição sangrenta, deve-se frisar. Fato
único na história judaica contemporânea, os judeus do magreb colocaram-se em marcha sem
uma ordem de expulsão.

Bem verdade que vários incidentes, como o naufrágio do navio "Pisces", em 1959, quando
morreram 43 emigrantes ilegais que se dirigiam a Israel e as humilhações sofridas pelos judeus
quando da visita de Gamal Abdel Nasser a Casablanca, em 24 de dezembro de 1960,
estimularam os setores sionistas a defender o direito de emigração dos judeus marroquinos. O
governo israelense, a Agência Judaica e as diversas organizações judaicas pressionaram o rei
Mohammed V no sentido de deixar os israelitas partir do país, seja para a França, Estados
Unidos, Canadá - e principalmente, Israel. A opinião pública marroquina estava dividida, o que
facilitou as gestões no sentido de partida dos judeus, legal e ilegalmente. A "Opération Eclair"
foi organizada pelos sionistas e entusiasmou a comunidade. Houve casos de judeus que
ousaram declarar publicamente que não necessitavam de passaportes para partir, "podemos
partir por nossos próprios esforços e competência".

Houve forte repressão, muitas prisões e várias mortes. Nada obstante, os judeus marroquinos
puseram-se a caminho.

Apesar disso tudo, com o correr dos anos, o rei Moahmmed V voltou a buscar o dialogo com os
judeus. Em 18 de fevereiro de 1961, ele recebeu em audiência uma delegação de seis notáveis
liderados pelo Dr. Léon Benzaquen e mais David Amar, presidente do Consistório Judaico,
Méir Ovadia, antigo presidente do Comitê Judaico de Casablanca e o rabino Shalom Mashah.
A delegação queixou-se ao rei das detenções em massa e das numerosas humilhações
inflingidas aos judeus por ocasião da visita de Nasser. O rei, cansado e já doente, expressou
suas desculpas pelos acontecimentos, mas insistiu em que cessasse a imigração ilegal.

A este encontro se sucederam outros, extremamente discretos, envolvendo já agora o governo


de Israel. Ben Gurion e Golda Meir, apoiados neste mistér pelo embaixador norte-americano

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em Rabat, Charles Just, e até mesmo por gestões diretas do presidente John Kennedy, buscou
reabrir o dialogo entre Rabat e Tel Aviv. De Gaulle também foi acionado pela diplomacia
israelense para buscar uma atitude melhor do governo marroquino frente aos cidadãos judeus.
O resultado foi positivo, o Marrocos assinou a Convenção dos Direitos do Homem e o
ministério do Interior, apesar de todos os pesares, reiniciou o fornecimento de passaportes aos
judeus que quisessem partir. Com uma restrição facilmente contornável: livres para emigrar,
salvo para Israel...

Anos mais tarde, os primeiros e mais concretos projetos de dialogo entre Israel e os países
árabes, passaram necessariamente pelo Marrocos. Moshe Dayan, em pessoa, esteve várias
vezes em Rabat onde, com o apoio discreto do rei Hassan, conseguiu adiantar o relógio do
diálogo entre árabes e israelenses.

Ainda hoje, o Marrocos abriga uma grande comunidade judaica, a maior em um país islâmico e
que vive e sobrevive sem grandes sobressaltos - e sem maiores perspectivas. Apesar dos
esforços do governo marroquino em atrair os descendentes (e seus capitais) para uma volta ou
uma parceria com Rabat. Neste sentido, no atual governo, alguns judeus ocupam várias e
importantes pastas ministeriais.
Por outro lado, a emigração dos marroquinos mudou a face de Israel, seja com a emergência
de crenças populares e religiosas, vestimentas, joalheria, música, literatura, seja na arena
política, onde hoje há vários ministros e lideranças de origem marroquina, inclusive partidos de
militância nitidamente marroquina.
O culto dos santos, por exemplo, mesclou-se às tradições sefarditas e orientais, num
sincretismo que já atinge, hoje, o movimento sefardita mundial, inclusive no Brasil.
Vivem hoje no Marrocos, segundo informa o Beth Hatefutsot, 6.500 judeus, dos quais 5 mil em
Casablanca.

SEFARDITAS E ASQUENAZITAS

Como regra geral, costuma-se dividir o povo judeu em dois grupos básicos e distintos, os
asquenazistas e os sefarditas. Os sefarditas seriam os descendentes dos antigos judeus que
habitavam Sefarad, a peninsula ibérica, conservando até hoje sua cultura, sua língua (o
espanholito ou ladino e a sua vertente marroquina, a hakitia) e seus costumes. Há registros da
presença judaica na Ibéria desde o período do rei Salomão. Após o édito de expulsão da
Espanha,em 1492, e o de Portugal, em 1496, os sefarditas iniciaram o período marcado como
o galut dentro do galut, o exílio dentro do exílio. Sempre conservando a riqueza espiritual
conquistada ao longo dos séculos na península. Ao serem dispersados, dirigiram-se para o
norte da África (Marrocos), Grécia, Turquia, os Balcãs, Egito e a Palestina. Apesar de todo o
terror da Inquisição, os sefarditas mantiveram o que se pode chamar de saudosismo que
perdura até hoje. Já o judaísmo português acabou praticamente absorvido pelo espanhol -
nada obstante, persistem até hoje as Comunidades Sagradas de Évora e de Lisboa. E a
sinagoga de Botafogo ostenta, orgulhosa, os termos: sinagoga de rito português.
Contudo, costuma-se incluir entre os sefarditas os judeus orientais ou mizrahim, por
desconhecimento ou comodidade. Estes, viveram em países árabes próximos do Mediterrâneo
e possuem costumes semelhantes aos dos sefarditas. Os mizrahim já habitavam o Oriente
Médio desde os tempos mais remotos, bíblicos, e nunca se distanciaram muito da Terra Santa.
Usam o árabe como língua do dia a dia e habitavam o Iraque, Líbano, Síria, Iêmen e Egito. No
Marrocos, onde ainda existe outro ramo judaico importante, o dos bérberes judaizados,
costuma-se dizer que os mizrahim são mais religiosos que os sefarditas. No cemitério de
Tetuan, as alas são divididas, e podemos imaginar que, num passado não muito remoto, era
difícil o casamento de um sefardita com um mizrahi.
Quanto aos asquenazitas, atribui-se sua origem à conversão da tribo dos khazares e a uma
pequena imigração de judeus ibéricos. O idiche descende do alemão, e as diferenças de
costumes entre os asquenazitas é pequena e irrelevante. O que não impediu, até recentemente
(criação do Estado de Israel, fundamentalmente), que existissem divisões entre asquenazitas
russos e romenos, de um lado, poloneses de outro e, é claro, alemães e lituanos distantes de
todos, graças aos seus fôros de cidadãos mais instruídos... O nazismo não levou estas
diferenças em conta.

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FAMÍLIAS JUDAICAS DA AMAZÔNIA

Em seu "Eretz Amazônia", Samuel Benchimol elaborou uma lista das famílias marroquinas que
se instalaram na Amazônia, a partir de 1820. Por oportuno, reproduzimos aqui essa relação,
fruto de uma pesquisa incomum e extremamente valiosa:
.

Relação de famílias judaicas de Belém

Nome Cônjugue

Aarão Isaac Serruya Orovido Serruyo


Aarão Malul Gabbay Maria Alice Gabboy
Aba Rascovschi Oro Rascavschi
Abraham Aniiar
Abraham Assayag Durvalina Assayag
Abraham Barcessat Bemergui
Abraham Bemergui
Abraham Dinar Ohana Estrelo Ohono
Abraham Fabrizia Bendayan
Abraham Isaac Benzecry
Abraham Pepe larrat
Abraham Serfaty Maria das Graças Serfaly
Acéa Raichel Azulay
Agostinho Ribeira Barros Esther Benchimal Barras
Agostinho Ribeiro Barros Jr. Valéria Maria P. Barras
Aida Zagury Pará
Alon Kabacznik Zatz
Albert Samuel Gabbay Ceci Gabbay
Alberto de Matos Serruya Myriam Serruya
Alberto Jacob Serruya Orly Israel Serruya
Alberto Menasseh Zagury
Alegria Aniiar Benzecry
Alegria Bemerguy Gabbay
Alegria Dahan
Alegria Nahon Zagury
Alegria Soares
Allredo Abitbol
Alida Levy
Alirio Saraiva Serruya Mercedes Serruya
Amélia Bemerguy
André Teixeira Dias Jaqueline Orengel Dias
Anita Aniiar
Antonio Carlos R. da Costa Ruth Larrot da Casto
Ari Zugman Noêmia Zugman
Arlete Melul
Aurenir Soares Serruya Bitran
Aziza Clara Bitran
Aziza Serruya
Aziza Serruya Benmuyal
Barbara Gambôa Serruya
Bela Serruya
Benjamin Abraham Ohana Waldenice Ohana
Benjamin Joseph Israel Eliane Israel
Brunno Serruya
Carlos Alberto da Rocha Bonina B. Rocha

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Carlos Antônio de Araújo Anelte S. de Araújo
Carlos de Matos Serruya Marilia Serruya
Celeste Serqueira Serruya
Charles Hamú
Charles leon Serruya
Cidalia Saraiva Serruya Bitran
Clara Aguiar Benchimol
Clara Benoliel Vascancelos
Claude Messod Hamanie Mery Hamanie
CIaudio Rodrigues de Souza Raquel Bemerguy Souza
CIóvis Amorim de Oliveira Pérola Zecry de Oliveira
Cota Larrat
Cota levy
Cota Melul Dahan
Dan Raphael levy
Daniel Barcessat
Danielle Serfaty
Darcy Bitran
David Aarão S. Serruya Bitran
David Aben-Athar Nícia Aben-Athar
David Benzecry
David Gabbay Rulh B. Gabbay
David Jacob Serruya Myrian Barcessat Serruya
David José Tobelém Clara Tobelém
David Leon Serruya Rosa Maria Nunes Serruya
David Marcos Nahon
David Marcos Tobelém Coaracy Tobelém
David Moysés Tobelém
David Pereira Serfaty
Deborah Bemerguy Gabay

Demerval Dalledone Raquel Pazuella Dalledone


Dêmio Maués Viana Gabriela Athias Víana

Dinah Aflalo Ohana

Dione Pereira Serfaly


Disraely Menasseh Zagury Sarah Noemi C. Zogury

Donnina Amzlak
Douglas Leão Serruya
Edgar Contente Clara Aguiar Contente
Edmundo Barros Maia Celeste Obadia Maia
Edmundo Lauria Sobrinho Lilian Clara lauria
Eduardo M Jacob Benzecry Ana Unger Benzecry
Efraim Bentes
Eli Chocron
Elias Aorão Serruya Nádia de A Serruya
Elias David Dohan Marlene Tobelém Dahan
Elias Elmescay Helena Karp Elmescany
Elias Farage Syme Benchaya Faroge
Elias Gerordes Gabboy
Elias Isoac Serruya
Eljas Jacob Benchoya
Elias José David Israel Sarah Israel
Elias Leão Israel Adriana Farag Israel
Elias Leão Serruya Orovida Serruya
Elias Marcos Pinto Alegria Cohen Pinto
Elias Messod Benzecry Safira Benzecry
Elias Meyr Ohana

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Elias Ohona
Elias Pozuello
Elias Pinto de Almeida Renne Pazuella
Elias Salomõo Bemuyal Helena Benzecry Almeida
Elias Salomõo Mendes Raquel Azulay Bemuyal
Eliezer Athias Clara Nahan Mendes
Eliza Sarraf Vera Maria Alice Athias
Elizer Jayme Levy
Emanoel Zogury Tourinho
Emília Beljcha Nahon
Esmerolda Cohen
Esther Bemuyal
Esther Benchimol Barros
Esther Eigronby
Esther Melul
Esther Moysés Benmuyal
Esther Rossy
Esther Serruya
Esther Serruya Sjcsu
Esther Zagury Silvo
Estrela Bentes
Estrela Bentes Serruya

Estrela Pozuello

Estrela Tobelém
Fábio Unger Esther Unger
Fábio Vasconcelos Nina Vasconcelos
Fernando A C Miranda Michele Larrat Miranda
Fernando Botelho
Fernando Brasil Couto Sandra Orengel Couto
Fernando Carnut Rêgo Simone Soares Rêgo
Fernando E da Silva Esther Zagury Silva
Fernando José Elarrat Cristina Elarrat
Fortunoto Athias Raquelita Athias
Fortunoto Chocron
Fortunato Lancry Vilma Lancry
Francisco Cal Raquel Barcessat Cal
Francisco de Canindé G Pimentel
Franklin Samuel Levy Virgínia Levy
Geraldo Oliveira Suely Larrat Oliveira
Gersino Ferreiro Júnior Orovida Benmuyal Ferreira
Gerson Menasseh Zagury Nancy Zagury
Gerson Pinto
Gimol Bemerguy Gobboy
Gimol Benhimol
Halia Fima
Hanna Levy Soares
Harry David Serruyoa Ana Serruya
Hector Soul Morel Esther Lúcia A Mohel
Helena Aben-Athar Bemerguy
Henrique Berman Dina Berman
Herman Bendayan Nair Rodrigues Bendayan
Inácio Obadio
Isaac Abrão Serruyo
Isaac Abraham Serruyo Dafna Serruya
Isaac Abtibol Maria das Graças Abitbol
Isaac Aguiar Consuelo C Aguiar

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HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Isaac Borcessot Clara B Barcessat
Isaac Benguigui Pérola Nahon Benguigui
Isaac David Azuloy
Isaac David Nahon Rosangela O Nahon
Isaac Elias Israel Messod S. Israel
Isaac Elmescony Myriam Elmescany
Isaac Jocob Serruyo Milda Franco Serruya
Isaac Joyme Serruyo Orovida Serruyo
Isaac Joseph Israel Ângela Israel
Isaac Pepe Larrat
Isaac Roichel Azulay Simone R Azulay
Isaac Romiro Bentes Milene Soares Bentes
Isaac Solomão Mendes Ivone Gabbay Mendes
Isaac Somuel Benchimol Zilma Gomes Benchimol
Isaac Serruya Célia leite Serruya
Isaac Soares
Itajai de Albuquerque Esther B Albuquerque
Jacinto Aben-Athar Creuza Aben-Athar
Jocob Aben-Athar Cota Nahon Aben-Athar
Jocob Benchaya Mery J Benchaya
Jocob Dahan Alegria Zagury Dahan
Jocob David Serruya Esther Cohen Serruya
Jocob Gabbay
Jocob Jayme Pinto Maria Pinto
Jocob Lancry Syme Bemuyal Lancry
Jocob Maluf Gabbay Esther Gabbay
Jocob Messod Benzecry Helena Obadia Benzecry
Jocob Orengel Margareth Serruya Orengel
Jocob Rafael Soares Vera Lúcia Soares
Jayme Benathar Assayag Sarah Assayag
Jayme Elias Bentolila Ivanilda Vélia Bentolila
Jayme Elmescany Esther Elmescany
Jayme Isaac Benzecry
Jayme Ruben Pazuello Jovina M Pazuello
Jayme Soares Vera Alice B Soares
Jimmy Joseph Israel Júlia Stela Israel
João Augusto Lobato Silva Simile Aben-Athar
Joel Leão Serruya
José Abraham Benchimol Irani Benchimol
José Aflalo Pérola Tobelém Silva
José Assayag Sobrinho Aioledes Quadros Assayag
José B Serruya Fleuryce Serruya
José Bemuyal Zagury
José Bencid
José Bohadana
José Canen Raquel Gabbay Canen
José Elias Zagury Syme Aben-Athar Zagury
José Inácio Nardi Clara Pinto Nardi
José Isaac Benzecry Vera B Benzecry
José Isaac Serruya Lise Borcessat Serruya
José Jacob Benzecry Jaqueline Benzecry
José Jacob Essucy Esther Vânio Essucy
José Jocob Serruya Gênia Serruya
José Jayme Levy CIáudia Levy
José leão Serruya CIáudia Aboul Serruya
José Messod Azulay Messody Azulay
José Orengel Belizia Abitbol Orengel
José Samuel Benzecry Orovida S Benzecry
José Serruya Bitran
José Tobelém Mery Alcomumbre Tobelém

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Júlia Bemuyal Zagury
Júlia Tobelém
Julius Serruya
Kedma Faria Tavares
Léa Obadia Aben-Athar
Léa Serruya
Leão Aguiar
Leão Aguiar Neto Reina Abtibol Aguiar
Leão Dinar Ohana
Leão Elias Israel Alice A. Israel
Leão Isaac Serruya Alegria Serruya
Leão Salomão Aguiar
Leão Unger
Ledicia Serruya
Ledicia Zagury Benzecry
Léo de Matos Serruya Conceição Serruya
Levy Anijar
Levy Mayer Obadia Ruth Alves Obadia
Lia Serruya Bemuyal
Lidia Essucy
Luciola Teixeira Serruya
Lucy Prienken Larrat
Luiz A Barile de Carvalho Silvia Helena Benchimol
Luiz Afonso Sefer Camile Bemerguy Sefer
Luiz Eduardo Santos Silva Syme Soares Silva
Luiz Felipe de Melo Filho Messody Bemerguy Melo
Luiz Fonseca Pérola Serfaly Fonseca
Luiz Gonzoga da Silva Pérola Athias Silva
Luiz Otávio Pontes Bonina Bemerguy Pontes
Luna Nahmias
Luna Zagury
Luz Abensur Bemerguy
Mair Serfaty Ana Maria C Serfaty
Monoel Marques Silva Neto Vanja Rachel Bentes
Mara Lucia Benchimol
Marcelo Berman Kátia Correa Berman
Marcelo H Liboa dos Santos Gina Júlia S. Santos
Marcelo Serruya
Marcelo Serruya Bitran
Márcio Guerra Frida Azulay Guerra
Marcos Abitbol Neto Maria Helena Abitbol
Marcos Alcaim Mery Azulay Alcaim
Marcos Belicha Alves Alegria Gabbay Alves
Marcos Benguigui Maria das Graças Benguigui
Marcos David Nahon Sandra Serruya Nahon
Marcos Jayme Belicha Alegria G Belicha
Marcos José Nahon Graça Nazaré Nahon
Marcos Orengel Laura Cézar Orengel
Marcos Salomão Pinto
Marcos Serruya Celeste Pinto Serruya

Marcos Soares Edna L B Soares

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Margareth Serruya Orengel
Maria do Carmos Lima Pinto
Mariana Benarrós
Mário Femandes Medeiros Jr Suely Serruya Medeiros
Maurício Berman Clara Berman
Max Barcessat Bemerguy Paula M Bemerguy
Max Gabbay
Max Jacob Pinto Telma Suely Pinto
Mayer Levy Obadia Haziza Anijar Obadia
Menahen Serruya Erna Serruya
Menasseh José Nahon
Menasseh José Zagury Messody Athias Zagury
Menasseh Leon Nahmias Darkler Aires Nahmias
Mendel Eliasquevici Rubida Eliasquevici
Mercedes Zagury
Mery Levy Bentes
Mery Melul
Mery Serfaly Cohen
Messody Bemerguy Gabbay Pereira
Messody Levy Barcessat Myriam L Barcessat
Messody Mendes Azulay
Messody Roffé
Messody Serruya Bentes
Messady Serruya Bitran Silva
Moacir Stein Ruth Linda Benchimol Stein
Moisés Auday
Moisés Cohen
Moisés David Nahon Graciete O Nahon
Moisés Elmescany
Moisés Hernan Bandayan
Moisés Isaac Bemerguy Alita Bensimon Bemerguy
Moisés Leon Nahmias Conceição Nahmias
Moisés Levy
Moisés Marcos Alves Raquel B Alves
Moisés Pepe Larrat
Morse Shimon Israel Sigalitte Israel
Moyses Barcessat Belizia Aben-Athar
Moysés Isaac Benchimol
Moysés Isaac Benzecry Suely Benzecry
Moysés Leão Melul
Moysés Maurício Hamoy Rivetle G Benchimol
Myriam Athias Bendahan
Myriam Barcessat Bemerguy
Myriam Bensimon
Myriam Gabbay Assayag
Myriam Nahmias
Myriam Serruya Bitran

Narciso Nahon

Natan Levy

Nazareno Tourinho Myriam Zagury Tourinho


Nelson de Matos Serruya Maria Perpétuo S. Serruya
Nelson Pinto lana Barcessat Pinto
Nissim Aben-Athar
Nissim Marcos Tobelém
Nissim Pepe Larrat Valdiva Faraco Larrat
Norma Suely Serruya Sicsú
Odilson Ferreiro Jr.

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Oro Bemerguy Gabbay
Orovida B Serruya
Oscar Luzi Goldemberg Eliane Martins Goldemberg
Osmar Tadeu Miranda Nadia Larrat Miranda
Oswaldo Alcântara Luciléia Athias Alcântara
Paulo Carneiro Freitas Cota Benzecry Freitas
Paulo César Arruda Pérola Bendayan Arruda
Paulo Loureiro Myriam Bentes Loureiro
Paulo Roffé Borges
Paulo Sérgio Weyl A Costa Susane Serruya Weyl Casta
Pepe Marcos Tobelém Sunny Obadia Tobelém
Pérola Tobelém Benchimol
Preciada Levy Athias
Rachel Laredo
Rachel Moysés Benmuyal
Rachel Ohana
Rafael M Ohana
Rafael Moisés Alves
Raif Jorge Mauad Léa Benarrós Mauad
Raimundo F Serruya Jandira S Serruya
Raimundo Salin Kalili
Ramiro Bentes Janete Serruya Bentes
Ramiro Jayme Bentes Esther Bemerguy Bentes
Raphael lsaac Bemerguy Marieda F Bemerguy
Rophael Levy Alida Viégas Levy
Raquel Aben-Athar Pinto
Raquel Fima de Castro
Raquel Isaac Bemerguy
Raquel Serruya Gabbay
Raquel Soares
Raquel Tobelém
Raul dos Santos Júnior Léa Serfaty Ferreira
Rebeca Coeli Alves
Reina Benzecry
Reina Serruya
Reina Silva
Renée Alves
Ricardo Unger Simone Assayag Unger

Ricas Bibas de Castro

Roberto Maluf Gabbay

Rodinaly da Silva Maia


Ronaldo Luongo Raquel Kabaczinik Luongo
Rosilene R Serruya Bitran
Ruben Ronaldo Serruya Rosângela Serruya
Ruth Léa Bemerguy
Ruy Aguiar Deise Oliveira Aguiar
Sabrina Serruya
Salomão Elias Benmuyal Elaine Benmuyal
Salomão José Tobelém
Salomão José Zagury
Salomão Mendes
Salomão Soares Raquel Larrat Soares
Salvador Leon Nahmias Vera Nahmias
Samuel Abraham Semuya
Samuel Aguiar Maria José Aguiar
Samuel Albert Gabbay Myriam S Gabbay
Samuel Athias
Samuel Elias Gabbay

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Samuel G Rodrigues Sonia Suley Pinto
Samuel Hilel Benchaya Edna Hilel Benchaya
Samuel Joseph Israel Hanna Belicha Israel
Samuel Kabacznik Alegria A Kabacznik
Samuel Moysés Levy Débora Levy
Samuel Ramiro Bentes Vera Lúcia Cruz Bentes
Sandra Raquel Sicsú de Paula
Sarah Benchimol
Sarah Benfenaty
Sarah Roffé Borges
Scott Anderson Lilian Serruya Anderson
Sebastião Carvalho Felicidade B. Carvalho
Sérgio Elarrat
Sérgio luiz Meneschy Lyliam Bemerguy Meneschy
Simão Bentes Fortuna Larrat Bentes
Simão de Oliveira Deborah Pinto Oliveira
Simão Hernan Bandayan
Simão Isaac Benzecry Maria Rasa F Benzecry
Simão Jacob Benchaya Sonia Maria Benchaya
Simão Zatz Elka Zatz
Sonia Abadia
Sultana Bentes
Sultana Cohen
Sultana Serruya
Syme Alves
Syme Gabbay
Syme Larrat Tobelém
Syme Pazuello Mendes
Syme Soores Rossi
Vanja Bentes
Walter Vidal Foinquinos Lourdes Foinquinos
Welton Pimentel Helena Obadia Pimentel
Yeda Kaalz Nahon
Yossef Kabacznik Jóia Kabacznik
Zacarias Elmescany

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Relacão das famílias judaicas de Manaus

Nome Cônjugue

Aarão Leão Foinquinos Regina Glauce Fainquinos


Aarão Leão Ohana
Aaron Benchimol Inah Benchimol
Abraham Benzion Júlia Benzion
Abraham Bohadana
Abraham E Melul Renée Hanan Melul
Abraham Jayme Benemond
Abraham Larrat Maria de Lourdes Larrat
Abraham M Benmuyal Veridiana Cassas
Abraham M Benzecry Clarice Pozuello Benzecry
Abraham Moysés Cohen Mario Mirtes Cohen
Abraham Pinto
Abraham S Serrulha Meryane Z Serrulha
Adelino J Garcia
Aida Pazuello
Luiz FIávio B Simões Aida Renée A Hanan
Albertino Azulay Mello
Alberto Abecassis
Alegria Israel
Alice Benchimol
Ambrósio Assayag Débora Baraúna Assayag
Arão Abtibol
Aron Hakimi Sandra Hakimi
Asher Benzaken Adele Schwartz Benzaken
Augusto Pacífico Ezaguy Joaquina Ezaguy
Aziza Serruya Abtibol
Azury Benzion Amanda Ladeira Benzion
Beniamin Benchimol Natasha Benchimol
Beniamin Benzecry Alice Benzecry
Bonina Serruya Rodrigues
Celeste Elgaly
Celso Neves Assayag Sheyla Vieira Assayag
Clara Azulay Mello Liberal MelIo
Cota Pazuello
Dani Schwarcz Hellen Benzecry Schwarcz
Daniel lsrael Amaral Danielle Amaral
David Bensadon
David Gerzvolf
David Oliveira Benchimol
David Pinheiro Israel
David Salgado
David Simão Benoliel
David Tayah
Davis Benzecry
Deborah Laredo Jezine
Denis Fred Benzecry
Denise Benchimol Resende
Eduardo Abraham Kauffman
Eduardo Csasznik
Elias Abraham Azulay
Elias Simão Assayag
Ely Hizkiano

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Esther Benchimol
Esther Cohen
Esther Cohen
Esther Nilza Levy
Ezra Benzion
Flora Israel
Frank I Benzecry
Franklin Isaac Pazuello
Fred I Benzecry
Giza Abtibol
Hermes Israel Amaral
IIko Mintschev Minev
Isaac Abraham Benchimol
Isaac Bemerguy Ezaguy
Isaac Benarrós
Isaac Beniamin Benchimol
Isaac Dahan
Isaac Moysés Cohen
Isaac Raphael Assayag
Isaac Sidney Benchimol
Isaac Tayah
Ivan Fred Benzecry
Jacob Abraham Benzecry
Jacob Cohen Assayag
Jacob Edelman
Jacob Fortunato Cohen
Jacob Laredo
Jacob Larrat
Jacob Moysés Cohen
Jaime Samuel Benchimol
Janete Israel
Janete Silva
Jayme Benchaya Filho Margarida Benchaya

Maria Duarle Santos

Jéssica Sabba
Tayah Alba
Terceira Benzecry Rochesler Jezine
Paulo iemini Resende
Claudia Csasznik Rulh Azulay
Amanda Benzian

Cley Said Benzecry


Léa Maria Pazuella
Lúcia Obadia Benzecry

Amari!is Amara!
Nara Benchima! Minev

Soro Bentes Dohon

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Creuzo Barbosa Cohen

lrlena Leal Benchimol


Genine Portela Tayah
Silvana Benzecry
Creuza Farias Benzecry
Piedade Abecossis Cohen

Mônica laredo
Mo José Carvalho Larrat
Piedade Abecassis Cohen
Anne G Benzecry Benchimol
Jayme Isaac Pazuella Janathan
Saul Benchimol
Jorge Ney A Bentes
José Laredo
José Maria Assayag
José Pacífico Ezaguy
José Pazuello
José Rafael Siqueira Filho
Josué Maxwell Israel
Joy Israel
Juarez Frazão Rodrigues Jr
Júlio Benoliel Silva
Karlo C Ohana
Léa C Abecassis
Leão Aorão Ohana
Leão Israel
Lívio Assayag
Lucinda Tayah
Luna Cagy Cohen
Mo Gina Cardoso Vasques
Marcelo Daniel Laredo,
Morcela Gerzvolf
Marcio Galdbach
Maria Rosa Lozano Barros
Mariel Benayon Mello
Maria Abraham Cudek
Mario Antonio Sussman
Marlene Fortunato Cohen
Mathilde Esther B Ezaguy
Maxim Mamam Gonçalves
Mery Helena Koifman
Mery Ohana
Messod Gilberto S Benzecry
Messod Pazuello
Meyer Isaac Pazuello
Meyr David Israel
Michael Schwarcz
Mirian Abtibol
Mirian Laredo Sousa
Moisés Salgado
Moysés Benarros Israel
Moysés Elias Azulay
Moysés Fortunato Cohen
Moysés Gonçalves Sabba,
Moysés Laredo
Moysés Leão Ohana
Moysés Oliveira Benchimol
Moysés Santos

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Deusenir Benchimol

Sonia Laredo
Fatima Assoyag
Bonina Bemergui Ezoguy
Anne M Israel Lopes
Francisca Assis B Silva

Zulmira Ohana

Elisabeth R Gonçalves
Luzione Benzecry

Roimundo Pozuello

Rivka Schwarcz

Júlio Césor de A Dios


Selmo Salgodo Phillsrael
Marineide Azulay
Salete Mangueiro Cohen
Vânia Sabba
Margoreth Ohana
Voniro Benchimol
Antonio Santas
Myrian Kaifman C da Cunha
Naftaly Ohev Zian
Nathan Abraham Benchimol
Nathan Samuel Benzecry
Nathan Toyoh
Nilzo Levy
Nina Laredo Pinto
Njssim J Benoliel
Njssim Pazuello
Njssim Venouziou
Noeme Israel
Noval Benoyon Mello
Otto Fleck
Paulo Frederico C da Silva
Pedro Houser
Pérola Cohen Assayag
Pérola Serruya Rodrigues
Piedade Ohana
Ralph Assayag
Raoul Woreczek
Rejno Ohana
Reno Abtibol de Brito
Ricardo Samuel Benzecry
Roberlo Fleck
Ruben Eljas Azuloy
Ruth Abecassis Oliveira
Ruth Benzecry C Sousa
Ruth Israel Lopes
Sofira Ohana
Salomão Eigaly
Salomão Forlunato Cohen
Salomão Israel Benchimol
Salomõo Jacob Benoliel
Salomão Laredo

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
Salomão Soares Abecassis

Samuel Afalo Marques

Samuel Aguiar

Samuel Appenzeller

Samuel Assayag Honan

Samuel David Israel

Samuel Eigaly

Samuel Elias Azulay

Samuel Benchimol

Samuel Koifman

Samuel Messod Benzecry

Samuel Pereira

Sandra Mello Pinheiro

Saphira Assayag

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OS HEBRAICOS
HEBRAICOS DA AMAZÔNIA
BIBLIOGRAFIA

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BENTES, Abraham Ramiro - "Os sefardim e a Hakitia", Rio, 1981
BENTES, Abraham Ramiro - "Das ruínas de Jerusalém à verdejante Amazônia", Rio de
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VELHO, Otávio Guilherme. "Capitalismo Autoritário e Campesinato", DIFEL,
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Janeiro, 1986.
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Condições Médico-Sanitárias do Vale do Amazonas", Editora P. Daou, Manaus,1972.
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TOCANTINS, Leandro. "Amazônia, Natureza, Homem e Tempo", Editora Conquista, Rio de
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