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Como Caio Fábio via as tendências da igreja evangélica há 18 anos atrás. Para onde, em sua
macro visão a igreja brasileira estava caminhando, suas tendência positivas e negativas, se
confirmaram ou não?
Em suas palavras, esperança e tragédia se misturavam no horizonte então por vir, dias
extraordinários da história da fé no Brasil. A responsabilidade diante das futuras gerações
com respeito àquilo que fizemos, estamos fazendo e faremos.
TENDENCIAS POSITIVAS
Mesmo as tendências positivas, olhadas de forma geral, para a igreja brasileira elas têm algo
de negativo, na avaliação geral, no entanto seu aspecto positivo predomina.
CARISMÁTICO-PENTECOSTAIS
RENOVAÇÃO DA LIDERANÇA
Existe um grande hiato geracional na Igreja Brasileira – a parcela que o diabo comeu na
liderança evangélica brasileira nos anos 60. faltam nela lideres, entre 45 e 50 anos de idade.
Temos dois extremos. As lideranças mais antigas, entre 60 e 70 ( a maioria ainda à frente das
denominações), e as lideranças ministeriais emergentes, entre 25 e 40 anos ( a maioria sem
poder eclesiásticos, porém com grande força representativa).
Há uma nova safra surgindo, e há sinais positivos de que ela é boa. Gente com a cabeça e
coração mais abertos. Gente que apesar de estar com a cabeça aberta quer continuar a ser
cristã.
BUSCA DE AVIVAMENTO
TENDENCIAS NEGATIVAS
Há uma tendência crescente ao dualismo entre história e trans-história. De fato muitos há que
não conseguem conectar estas duas partes de um todo destes dois mundos.
Há um segmento que não consegue lutar nas duas frentes ao mesmo tempo: o mundo
invisível e o mundo visível; no mundo espiritual e na sociedade. Amarrra-se demônios nas
regiões celestes, mas esquece-se de que os demônios humanos continuam soltos aqui. É o
oposto da teologia da libertação, que acredita que toda luta é apenas histórica, este grupo
acredita ao contrario que toda luta é espiritual, invisível e, portanto trans-histórica.
@ - A síntese, o resumo ou a fusão de pensamentos seria o nascimento equilibrado de que há
lutas espirituais, mas que existem lutas especificamente humana. Este de fato é o conceito
bíblico de realidade.
IRRESPONSABILIDADE HISTÓRICO-SOCIAL
O crescimento em nossas igrejas sempre nos empolga, no entanto nem sempre números
significam crescimento. A quantidade de templos e afins (santas bibocas) somos
aproximadamente 80 mil mo Brasil. A macumba, espiritismo, jogo do bicho, tudo isso junto
não forma essa teia que existe no Brasil. Denominações temos 35 grandes e 530 pequenas. A
população evangélica varia entre 30 e 35 milhões de pessoas; com os desviados talvez o
número pudesse chegar aos 45 ou 50 milhões. Apesar disso, nossa influencia na sociedade é
absolutamente mínima e negativamente desproporcional em comparação ao tamanho
numérico que representamos.
Ao continuarmos crescendo apenas numericamente nos tornaremos um pais de maioria
evangélica, mas sem marcas visíveis do poder transformador do evangelho na sociedade. A
evangelização no Brasil é muito superficial. Quando se pensa em evangelização, pensa se em
conversão de indivíduos. No entanto, nossa idéia de conversão quase sempre é entendida
como troca de religião.
A mudança de natureza ética é muito superficial: parar de fumar, de beber, de jogar, etc. É
raro ver uma igreja evangélica entendendo a conversão com necessidade de afetar aspectos
mais profundos da ética social e da qualidade existencial dos convertidos. Na maioria das
vezes o novo convertido muda de religião e de hábitos superficiais, e é só. Nem sempre a
conversão altera a maneira de entender os negócios, o uso do dinheiro, a família, os
empregados, o patrão, as relações humanas, etc...Na verdade o evangelho de Jesus não se
torna sempre a referencia das referencias para os novos discípulos. Os heróis cristãos no
Brasil, ou aqueles que a igreja chama de homens de Deus, se parecem mais com figuras do
folclore coronelista do país do que com a doce e cativante pessoa de Jesus de Nazaré.
É, portanto imprescindível que o crescimento numérico de nossos evangélicos se faça
acompanhar de qualidade de compromisso cristão e engajamento profundo de vida com as
demandas do evangelho. Caso contrário ele será extremamente paganizante. Ou seja, numa
sociedade onde todos se dizem evangélicos ninguém tem compromisso com o evangelho.
A quarta tendência é ao biblicismo sem a palavra. Temos muita gente amando a bíblia como
livro, mas poucos guardando a palavra no coração. Começo a sentir saudade do legalismo
antigo, que colocava uma culpinha necessária no coração, quanto a ler a palavra toda manhã.
Hoje se consome a bíblia mais do que nunca como artigo de compra, mas ela é muito pouco
lida, e meditada menos ainda. A falta de conhecimento bíblico é crescente. As gerações
passadas liam e conheciam muito mais a escritura.
Impressiona o fato da bíblia estar tão presente em nossa casa e tão ausente em nossa família.
Ela se tornou uma espada concreta, com a qual se dá surra em endemoninhados; contudo ela
não é a espada do Espírito com a qual se vencem as forças do mal. Caso a igreja evangélica
no Brasil não venha a recuperar seu compromisso com a palavra de Deus em lugar de apenas
ter uma relação idolátrica com ela como livro, corremos o risco de nos tornar uma Igreja sem
forma e vazia. É a palavra de Deus que dá forma e conteúdo ás coisas. O vazio ético da Igreja
Evangélica Brasileira é, sobretudo resultado de um terrível vazio da Palavra. Ora, é por tudo
isso que digo que nunca estivemos tão próximos de uma fé ignorantemente medieval como
agora. Enquanto o culto á bíblia como livro estiver nos iludindo com relação ao nosso
compromisso com a palavra, estaremos correndo o seríssimo risco de nos tornar pré-
reformados em nossa prática de fé.
Para a Igreja de Hoje o salmista diz assim: “Guardo a bíblia sobre o meu peito para não pecar
contra ti” – enquanto na verdade ele diz: “Guardo a tua palavra no meu coração para não
pecar contra ti”.
A CRISE DO INDIVÍDUO
A crise de ser no meio evangélico é a crise de não ser. A igreja evangélica vem vivendo uma
profunda crise existencial.
A igreja perdeu bastante a consciência de que a mais genuína verdade cristã é a verdade de
ser. Ela está acima de qualquer outra realidade. Está acima do pragmatismo, que faz as coisas
acontecerem com eficácia operacional, da prosperidade material e crescimento numérico,
com o que se pretende provar como eficaz, simplesmente pelo fato de poder dizer: “nós
estamos com a razão, porque afinal de contas temos mais gente do que vocês”.
A verdade de ser está acima das expressões carismáticas as mais poderosas; acima das
verdades doutrinárias as mais virtuosas. Isso porque o grande dogma do Evangelho é o
dogma do ser. E esta é a afirmação de Paulo em I Coríntios 13:1-7, quando diz que dons
extraordinários não autenticam o ser; “ainda que eu fale a língua dos anjos e dos homens
se eu não for, se eu não tiver amor (e o amor é que faz o ser, ser), eu serei como o bronze que
soa, ou como o címbalo que retine”. Paulo diz ainda que dons teológicos, saber, reflexão,
não autenticam o ser: “ainda que conheça todos os mistérios, toda ciência (se eu não for), se
eu não tiver amor nada serei”. O apostolo prossegue dizendo que dons operacionais
eficazes, realizadores, pragmáticos, não autenticam o ser: “ainda que eu tenha tamanha fé
a ponto de transportar montes, se eu não tiver amor, nada disso me aproveitará”. E mais ele
diz que dons sociais que invadem a vida e nos fazem ser extremamente práticos no dar,
no ajudar o outro, o próximo, não autenticam o ser se não forem resultado do ser:
“ainda que eu distribua todos os meus bens aos pobres, se eu não tiver amor, nada disso me
aproveitará”. Por último Paulo diz que dons de martírio, de galhardia, de resistência, de
perseverança não autenticam o ser:
“Ainda que eu entregue o meu próprio corpo à morte, se eu não tiver amor, se eu não for, de
nada me aproveitará”.
O amor é mais forte e revolucionará possibilidades do ser. Mas por que não temos percebido
isto? Temos perdido tal compreensão; Nós os evangélicos temos nos tornado a versão
religiosa do livro de Millan Kundera: A insustentável Leveza do Ser. Só que a nossa situação
é pior. Nosso drama não é do ser, mas do não ser.
A insustentável leveza de não ser.
Refletindo sobre a insustentável leveza do não ser do individuo no nosso meio. O cristão
evangélico esta perdendo o ser à medida que o tempo passa. Se perdermos o ser, perderemos
juntamente com o ser a razão do ser na história. Seremos qualquer outra coisa menos
cristãos. Vamos ter templos – e há sinais que eles vão se multiplicar muito nos próximos
anos. Vamos ter cultos, e eles vão ser cada vez mais freqüentes. Vamos ter grandes
ajuntamentos, e eles vão ser cada vez maiores. Vamos ter pompa, e alguns têm profundas
ambições nessa direção, mas nós não seremos nada neste país. Teremos muito, mas não
seremos nada. O que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma, o seu ser? Essa
deveria ser a pergunta que freqüentemente teríamos de fazer a nos mesmos.
A história de Tomas de Aquino e o Papa – O papa disse a ele: “veja como eu hoje, na
condição de sucessor de Pedro, não posso mais dizer o que Pedro dizia – Não tenho mais
prata, ouro – porque eis aqui templos, monumentos, prata, ouro, poder e abundancia”.
Aquino disse: “É, sua Eminência, mas o senhor também não pode dizer mais para o coxo em
nome de Jesus levanta e anda”.
À medida que se parte para a ênfase do ter, perde se o ser. Isso por que a fé cristã é uma fé
baseada totalmente no ser. O capitulo 11 de hebreus até o verso 35 fala daqueles que foram
(ser) e tiveram (ter), no entanto tudo que tiveram brotou deles. Após o verso 35, apenas são
apresentados aqueles que apenas foram (apenas são), arcaram com a conseqüência de apenas
ser apesar de tudo, não tiveram nada, mas o mundo não era digno deles.
A fé apresentada por Hebreus 11 não é a fé do ter, mas a fé do ser, não é a fé que garante o
ter, mas que garante o ser. Esta fé que os heróis tiveram, a do ser, onde o mundo não era
digno de tê-los, apresenta a dramática manifestação da graça de Deus na história. No entanto,
desde a sua história a igreja vem lutando com a intenção de trocar o ser pelo ter. Nos dias de
Constantino, a igreja que era passou a ter e perdeu o ser. A reforma protestante que começou
como movimento em busca do ser acabou em muitos lugares com o movimento em busca do
ter. Foi assim na Alemanha, Genebra, huguenotes na França, que apesar de pequenos tinham
a ambição muito grande de ter, foi assim na Inglaterra. Muitos desses avivamentos, ou todos
começaram como movimentos em busca do ser, mas deles inúmeros se transformaram em
movimentos em busca do ter. O movimento pentecostal no Brasil, para não falar do mundo
inteiro, começou como movimento em busca do ser (ser cristão, ser quente, ser vivo, ser
cheio, ser lutador); no entanto, à medida que o tempo passa vai ingressando fortemente na
perspectiva de ser um movimento que enfatiza apenas o ter.
Não se está dizendo com isso que não se pode ter. Ao contrário, o próprio texto de Hebreus
mostra que é possível e é bom ser e ter. No entanto quando o ter passa a ser o alvo, o foco da
vida, o ser se desvanece. O ter só é sadio quando é consequencial, quando Deus quiser que o
ser traga consigo a decorrência do ter.
A ênfase no ter como objetivo da fé, e não no ser, têm suas fontes básicas em determinadas
ideologias americanas que já estão entre nós ha muitos anos. Não são ideologias de todo
erradas. Se alguém chega e diz que a teologia da prosperidade está de todo errada equivoca-
se, não está. Há muitas coisas positivas nela. A teologia da prosperidade tem aspectos e
elementos que julgo fazerem falta na nossa vivencia de fé, a ter mente positiva, a ser
confiante, a viver com coragem, a não desistir facilmente, a ambicionar na vida, para que a
existência humana seja algo que quebre o circulo da mediocridade imediata. Todos esses
estímulos – a meu ver eminentemente bíblico - eu tento vivê-los. No entanto, quando esta
teologia se sistematiza ela se torna reducionista, unilateral, obcecante, enfraquecedora do ser,
na medida em que o grande ser que se enfatiza é o ser, sobretudo, prospero materialmente, o
que implica não ser, mas ter.
A bíblia ensina 5 verdades básicas a respeito do da relação entre ser e ter. Ora, é
absolutamente importante discerni-las, posto que é em função delas que nossa vida pode
acontecer dentro dos parâmetros existenciais da normalidade.
Pense em Abraão: ele era e tinha. Pense em Moisés: ele deixou de ter para passar a ser. E em
Elias: sempre foi e nunca teve.
A benção de Deus sempre é a riqueza do ser, e algumas vezes enriquece também
materialmente. Estou dizendo isso relativizando, porque para alguns o princípio é entendido
ao contrário. Eles pensam que a benção de Deus sempre enriquece materialmente. A bíblia,
no entanto ensina diferente. Ela ensina que algumas vezes a benção do ser tem conseqüências
materiais, mas nem sempre isso acontece. Atente para II coríntios 8.1,3, passagens na qual
Paulo se refere a dinheiro, contribuição, investimento nos outros: “também irmãos vos
fazemos conhecer a graça de Deus concedida às igrejas da Macedônia, porque no meio de
muita prova de tribulação manifestaram abundancia de alegria, e a profunda pobreza deles
superabundou em grande riqueza da sua generosidade”.
A benção de Deus sempre é a riqueza do ser. E iso inclui a riqueza de se ser generoso mesmo
na pobreza.
Já em II Coríntios 9.8-11, Paulo diz que Deus pode fazer vos abundar em toda graça, a fim de
que tendo sempre em tudo ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra.
Primeiramente ele diz que a grande riqueza é a do ser, depois, que Deus também pode fazer
superabundar em todas as dimensões, incluindo a material. A primeira afirmação é absoluta:
a riqueza do ser é; a segunda é relativa: Deus pode fazer vos superabundar... A riqueza do ter
é uma possibilidade, não um princípio absoluto. É apenas algo que pode acontecer a bíblia
diz que Deus pode. Você acredita que ele pode? Se não acredita, você é um descrente. A
Bíblia diz que ele pode, mas não diz que vai fazer a mesma coisa na vida de todos. A benção
de Deus sempre é riqueza do ser, e algumas vezes enriquece também materialmente.
O que acontece quando cristão perde a ênfase do ser e concentra todos os sinais de sua bem
aventurança no ter?