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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríarrt)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice

TEMPOS APOCALÍPTICOS 93

Na/era tecnológica:
Off'MElOS DE COMUNICACAO SOCIAL: EM FAVOR DA VERDADE? 95
I I
-Sinal doo lempos:
JA OUVIU FALAR DE TAÍZÉ? ....] 113

Os morios reaparecen) ?
QUEM SAO OS ZUMBÍS? 126

Sempre candente: j
MAIS UMA VEZ A MACONARIA 132

LIVROS EM ESTANTE 135

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

O cristáo e a ética sexual. — Censura: a favor ou contra?


— O Exército da Salvacáo: que é? — "O fantasma da liber-
dade" de Uuís Buñel.
• • •

AMIGO, NAO SE ESQUECA DE RENOVAR SUA ASSINATURA !


DESEJAMOS CONTINUAR A SERVIR COM O AUXILIO DOS
NOSSOS COLABORADORES.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Assinatura anual Cr$ 60,00
Número avulso de qualquer mes Cr$ 6,00
Volume encadernado de 1975 Cr$ 85,00

EDITORA LAUDES S. A.

KEDAgAO DR PR ADMINISTRACAO
Caixa Postal 2.666 Rila Sao Rafael, 38, ZC-09
ZCMtO 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tels.: 268-9981 e 268-2706
TEMPOS APOCALÍPTICOS
O mes de margo de 1976 é, para o cristáo, o mes da Qua-
resma, em que a Paixáo de Cristo lhe é diariamente oferecida
como objeto de sua reflexáo e participacáo.

A Paixáo de Cristo nao é algo que «aconteceu» simples-


mente e hoje é recordado com sentimentos de gratidáo e afeto.
Dizia muito bem Pascal (f 1662) que Cristo estará em agonía
até o fim dos tempos, pois na verdade Ele vive em cada um
dos seus membros: «Já nao sou eu que vivo; é Cristo que
vive em mim» (Gl 2,20), de modo que o cristáo pode dizer:
«Completo em minha carne o que falta á Paixáo de Cristo
em prol do seu Corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24).

Em 1976 pode-se dizer que a agonía de Cristo toma for


mas particularmente cruéis, desde que se considerem os dolo
rosos acontecimentos do Medio Oriente, da África... Guerras,
fome, doengas flagelam homens, mulheres é criangas inocen
tes... Muitos cristáos entáo interrogam: «Teráo chegado os
ternpos apocalípticos? Estaremos perto da consumagáo da his
toria?» — Responder «Sim» seria temerario; significaría nao
entender a mensagem do Apocalipse. Sem dúvida, este livro
fala freqüentemente de flagelos e catástrofes desencadeados
sobre a térra; todavía o autor nao intencionava descrever a
seqüéncia dos acontecimentos da historia universal, de modo
que pudéssemos ver a imagem do séc. XX neste ou naquele
capítulo do Apocalipse. Na verdade, o livro sagrado descreve
urna serie de calamidades (guerras, fome, peste, aguas trans
formadas em sangue...); entrecorta, porém, esses episodios
trágicos apresentando cenas da corte celeste (descrita em ter
mos de corte oriental): frente a Deus Pai sentado no trono, o
Cordeiro imolado e vitorioso (Jesús Cristo) segura em suas
máos o livro dos sete selos; nesse livro está contida.toda a
historia da humanidade; cada vez que se abre um selo, veri-
ficam-se tormentos entre os homens, que gemem: «Ai, ai, ai!»;
no céu, porém, nao há perturbacáo, mas, ao contrario, os jus
tos cantam: «Aleluia! Gloria, honra e louvor Aquele que está
sentado no trono, e ao Cordeiro h>

A mensagem do Apocalipse há de ser depréendida preci


samente a partir do contraste que o livro constantemente apre-
senta: «Ai!» na térra, «Aleluia!» no céu. Esse contraste repre
senta a medula de toda a historia do povo de Deus: este se
senté peregrino, inseguro, maltratado na térra; contudo todas

— 93 —
as tribulagóes que o acometan, estáo previstas no plano de
Deus e inscritas no livro dos designios que o Cristo traz em
suas máos; nenhuma desgraga acontece aos homens que nao
esteja contida no plano de Deus e que nao seja «coordenada»
pelo Cordeiro; Este é o Senhor da historia; os males que os
homens experimentam, estáo sob a regencia e o dominio de
Cristo, de modo que nada há a recear para aqueles que per-
tencem a Cristo; os sustos que as criaturas levam, nunca as
devem provocar ao desespero e ao desánimo, porque Ele, o
Senhor Jesús, dirá a última palavra da historia e, com Ele,
a diráo todos aqueles que Lhe tiverem pertencido.

É este, em poucas palavras, o significado do Apocalipse.


É o livro, por excelencia, da esperanga crista, nao porque
ensine que o dia de amanhá será forgosamente melhor que o
dia de hoje para os discípulos de Cristo (alias, nao está
excluido que o seja!), mas porque assegura que todos os acon-
tecimentos da historia (mesmo os mais imprevistos) tém «seu
número, peso e medida» assinalados pelo Senhor Deus; Ele os
conhecia e conhece e, através deles, vai desdobrando um sabio
plano, que terminará pela vitória do Bem sobre o mal.

O conhecimento destas verdades incita o cristáo a criar


dentro de si urna atitude de Apocalipse: seja tranquilo em
meio ás tribulagóes da vida presente; procure ver tudo como
Deus o vé, isto é, a partir do lado de lá mais do que do lado
de cá! O cristáo traz em si um qué de terrestre e vulnerável,
que o faz gemer «Ai!», mas traz, nao menos realmente, tam-
bém algo de celeste, invencível e ¡mortal, ou seja, um inicio
da vida eterna, que o faz participar da comunháo da corte
celeste, onde se canta incessantemente: «Aleluia!» A conscién-
cia desta realidade, longe de alienar o discípulo de Cristo, o
torna mais seguro e confiante no desempenho da sua missáo
cotidiana.

Que a consideragáo da Paixáo de Cristo, nesta Quaresma,


concorra para avivar no cristáo esta visáo teológica da his
toria: é dolorosa, porque o pecado ainda subsiste entre os
homens, mas é prenhe de esperanga e de gloria, porque o
Cristo que padece em seu Corpo Místico é também o Cristo
que, cerno Cabega, venceu o pecado, a dor e a morte, ressus-
citando como «nova criatura» (2Cor 5,17)!

E. B.

— 94 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVII — N« 195 — Marco de 1976

Na era tecnológica:

os meios de comunicacáo social:


em favor da verdade?
Em sínlese: Os melos de comunicacáo social (Imprensa escrita,
talada e televlsionada, cinema e teatro} exercem enorme influencia sobre
a opiniáo pública ou o modo de pensar e julgar das sociedades. Todavia
esses melos nem sempre sao orientados pela meta de difundir a verdade
e o bem : Interesses financeiros, procura de sucesso, afá de sensaciona-
lismo condicionan!, muitas vezes, negativamente o emprego de tais órgSos
de comunicacSo. _

A Igreja tem-se mostrado vivamente empenhada na utiflzacio dos


recursos da técnica moderna em prol da evangelizado, dos povos Decla-
racSes de Pío XII, Paulo VI e do Concilio do Vaticano II tém recomendado
a aplicacáo ciosa e honesta dos meios de comunicacáo social ao aposto
lado da Igreja. A razáo de ser desta posicáo é obvia: pela im prensa, o
radio e a tetevIsSo os arautos do Evangelho atingem populacdes nume
rosas e distantes que de outro modo nSo serlam evangelizadas. A Provi
dencia Divina suscitou o subsidio de tais melos precisamente quando se
verifica urna desproporcSo crescente entre o número de grupos a ser
evangelizados e o de evangelizadores.

Apesar dos testemunhos eloqüentes em favor desta tese, há quem


julgue hoje em dia que a Igreja nao deverla recorrer aos meios de comu
nicacSo social ditos "de massa". Entre outras razdes, alegam que estes
melos estáo condicionados por estruturas sóclo-económicas que, em vez
de fomentar o Evangelho, contradizem a este. — Em resposta, dir-se-á
que a subordinado dos meios de comunicagao de massa a interesses
económicos e políticos nüo é universal ; há casos de excecSo. Além do
que, é tarefa dos crlstáos lutar para que os recursos da técnica moderna
sejam ¡sentos de influencias anticrlstSs e possam realmente servir á causa
do Ewangelho. Em vista disto, os bispos e as Congregagoes Religiosas
tém-se esforcado por ter seus melos de comunicacSo indepsndentes de
interesses estranhos. Certamente a manutencSo de um jornal ou de urna
emissora católicos é ardua e requer habilidade; trata-se, porém, de esfor-
cos que vale a pena empreender, de mente e máos sempre impolutas

Comentario: A expressáo «meios de comunicagáo social»


(MCS) designa a imprensa escrita (Jomáis, revistas), falada
(radio) e televisionada, assim como o cinema e o teatro, cuja

— 95 —
± «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

influencia no jogo de idéias da sociedade é enorme. A expres-


sáo é de origem relativamente recente. Aparece pela primeira
vez no decreto «ínter Mirifica» do Concilio do Vaticano II,
datado de 4/XÜ/1963; é assim que se inicia esse documento:

"Entre as maravilhosas invencdes da técnica,... a Igreja com espe


cial solicitude aceita e promove aqueles que oferecem ampias possibilldades
de comunicar fácilmente noticias de todo tipo, Idéias, orientales... Tal
é o caso da Imprensa, do cinema, do rédio, da televlsfio e de outras
técnicas deste género. Por isto podem ser chamadas a justo titulo meios
de comunicacáo social" (n? 1)

Assim entendida, a expressáo «meios de comunicacáo so


cial» equivale aproximadamente a fórmula americana «mass
media», que pertence ao vocabulario internacional. A comu-
nicacáo social, hoje em dia, é em muitos casos comunicacáo
de massa (fator este que a condiciona íortemente).

É evidente que os meios de comunicagáo social exercem


influxo extraordinario na formacáo, na propagacüo e na des-
truigáo de conceitos ou ainda na constituigáo da opiniáo pú
blica. Esta é o modo de ver e julgar que determinada socie
dade adota como sociedade ou de maneira coletiva. Dizia
muito sabiamente o filósofo francés Blaise Pascal (f 1662):

"La forcé est la reine du monde, et non pas l'opiníon, mals l'optnlon
est celle qu! use de la forcé. — A forca é a raintta do mundo, e nao a
opiniáo, mas é a opiniáo que usa da Torca" ("Pensées" 554-303).

Em outros termos: é a opiniáo ou sao as idéias que mo-


vem as forgas construidoras e destruidoras da humanidade;
ora a opiniáo é, em grande parte, «feita, manipulada e des-
feita» pelos meios de comunicacáo social; estes, por sua vez,
sao movidos e manipulados por forcas heterogéneas, nem sem-
pre construtivas.

É por isto que, ñas páginas seguintes, analisaremos o


estranho poder dos meios de comunicacáo social e alguns dos
principáis fatores que os influenciam. A seguir, procuraremos
avaliar a sua funcáo na difusáo da Boa-Nova ou do Evan-
gelho.

1. MCS : palavra, imagem,. . . áinheiro


e «irrocionalrdade»

Antes do mais, importa-nos aduzir alguns fatos concretos


que ilustrem o enorme alcance dos meios de comunicacáo

— 96 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL

social; após o que, consideraremos as relacóes existentes entre


tais meios e o poder económico,... tais meios e as técnicas
de propaganda.

1.1. fotos notorios

1. O desenvolvimento extraordinariamente rápido dos


meios de comunicagáo social nos últimos tempos explica a
crescente ascendencia que váo tendo sobre a opiniáo pública.

Os primeiros jomáis, por exemplo, apareceram na Franca


(Anvers, Estrasburgo) e na Inglaterra entre 1606 e 1622. No
fim do século XVIH a imprensa escrita era fato definitiva
mente estabelecido na Europa Central e Ocidental como tam-
bém nos Estados Unidos.

No século XIX abriu-se a era das grandes invencóes. A


criacáo da imprensa mecánica (1814) constituiu urna etapa
decisiva para o desenvolvimento dos periódicos e jomáis; déla
procederam a máquina rotativa (1867) e o linotipo (1886). A
fotografía (1824) abriu o caminho á imprensa ilustrada, ao
filme fotográfico (1884), aos primeiros ensaios de cinema
(1895); o telégrafo elétrico, inaugurado em 1837, desenvol-
veu-se em sistema de telecomunicacóes por cabos submarinos
(1880) e foi sendo aperfeicoado pelos trabalhos de Hertz,
Branly, Marconi e Popov (1887-1895); sobrevieram o telefone
(1900), o radio (1920), a televisáo (1925), o filme falado
(1927), o satélite artificial (1957) e o Telestar (1962).

2. Ora quem acompanha hoje a vida pública, verifica a


ingente influencia dos meios de comunicagáo social no curso
dos debates que agitam urna sociedade. Entre os mais diversos
dados, sejam citadas, por exemplo, as seguintes noticias de
data recente:

"O Vaticano responsabilizou ontem a imprensa Italiana pelo progresso


comunista ñas eleicSes reglonals do fim de semana passado" ("O Globo"
20/06/75).

"O Comandante do II Exército, General Eduardo D'Ávila Meló, disse


ontem que a agressSo psicológica <é mals difícil de combater, pois nSo ó
percebida, mas está presente em todos os momentos e todos os lugares.
É taitbém mais violenta e tem sido facilitada pela rapidez Instantánea dos
meios de comunicacSo do mundo moderno... Lamentou que a imprensa
publique multas mentiras... A denuncia fol fartamente noticiada. Tal nSo
aconteceu com o desmentido" ("Jornal do Brasil" 21/06/75).

Escrevia Adolf Hitler em seu famoso livro «Mein Kampf»:

— 97 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

"A torga que desencadeou as grandes avalanches históricas, no


terreno religioso ou político, foi táo somente, desde tempos imemoriais, a
potencia mágica da palavra talada" (citado por M. Augras, "Oplniao Pública.
Teog'a e Pesquisa", p. 73).

Hitler difundía fartamente a sua palavra, fanatizando as


multidóes. Servia-se, para tanto, da imprensa e do radio, a
tal ponto que se atribuí papel de grande relevo ao radio na
propágagáo da ideología nazista. Durante a guerra de 1939-
-1945, os nacional-socialistas obtiveram o dominio das emis-
soras dos países ocupados — o que lhes possibilitou realizar a
propaganda hitlerista em todos os níveis.

Pode-se citar também a campan ha para a venda de


«bónus» da segunda guerra mundial, campanha empreendida
nos EE. UU. da América através do radio pela atriz Kate
Smith. Gonseguiu mobilizar a opiniáo pública norte-americana
numa auténtica maratona.

Voltando ao Brasil, podemos lembrar que nos casebres e


mansóes das fayelas há freqüentemente um televisor, através
do qual a familia se instruí e recreia a preco módico. A tele-
visáo e o radio sao os meios de comunicacáo mais acessíveis
aos analfabetos e iletrados, para os quais a imprensa escrita
nada ou quase nada significa. Em geral, nos países em vía
de desenvolvimento o radio e a televisáo vém-se difundindo
amplamente; o radio de pilha está muitas vezes numa oficina,
num taxi, nas máos do operario que viaja em trem ou ónibus.

Kimball Young cita um inquérito realizado em 1939 nos


EE. UU. da América pela revista «Fortune». Perguntava:
«Se vocé recebesse informacóes contraditórias sobre o mesmo
assunto, provenientes de diversas fontes, em qual destas vocé
acreditaría?» As respostas assim se distribuiram: 40% acre-
ditariam mais no radio; 26%, na imprensa escrita; 13% na
opiniáo de urna autoridade na materia; 20% nao souberam
responder. Cf. ¡Kimball Young, «Social Psychology» New
York 1949, p. 421.

A televisáo vem tomando cada vez mais o lugar do radio


nas casas de familia: o seu uso cresce de maneira vertiginosa,
embora custe ainda elevados precos. No Brasil, por exemplo,
a UNESCO em 1966 indicava a existencia de 45 estacóes de
televisáo principáis, dez auxiliares e urna experimental, com
um total de 1.800.000 aparemos receptores. Em 1967, já eram
3.800.000 os televisores no Brasil!

— 98 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL

Nao é necessário multiplicarmos os dados concernentes á


ingente influencia dos meios de comunicagáo social sobre a
vida pública. Passemos á consideragáo de dois fatores que
contribuem poderosamente para caracterizar a apresentagáo
dos noticiarios e dos programas (em geral) dos MCS: o di-
nheiro e a irracionalidade.

1.2. MCS e poder económico

Logo que surgiram as tendencias democráticas no cenário


político ocidental (séc. XVni/XDC), urna das grandes reivin-
dicacóes dos cidadáos visava 'á liberdade de exprimirem a sua
opiniáo e de se comunicarem. Hoje em dia ainda se apregoa
a liberdade da palavra, mas os homens que querem influir na
sociedade se interessam principalmente por um objetivo ainda
mais radical e importante que é o de obter o dominio do con
junto de técnicas que formam a opiniáo pública. Essa procura
de dominio é exercida pelo Estado onde o regime é ditatorial
ou totalitario, ou pode ser exercida por grupos nacionais ou
internacionais. Como quer que seja, sao sempre e táo somente
os grupos económicamente poderosos que podem pleitear o
dominio dos meios de comunicagáo social. Seráo grupos esta-
tais ou grupos políticos, industriáis, comerciáis...

Esta nova situagáo nos dá a ver que os meios de comuni


cagáo social correm o risco de nem sempre estar plenamente
a servigo da verdade. Nao queremos negar que os grupos
poderosos tenham ínteressa pela difusáo da verdade; a expe
riencia, porém, ensina que eles nao raro subordinam este valor
primacial a interesses particulares, partidarios óu lucrativos.
Voltam-se principalmente para os temas que mais prestigio
ou IBOPE possam proporcionar ou, mesmo quando focalizam
assuntos de primeira grandeza, tendem por vezes a apresen-
tá-los através de prismas ou com matizes que nao sao os mais
condizentes com a verdade e a autenticidade. Interpelados a
respeito, os responsáveis pelos meios de comunicagáo social
respondem nao raro que tal procedimento lhes é necessário
para que possam sobreviver. Nao nos interessa ánalisar as
causas mais profundas de cada caso; basta-nos táo somente
assinalar o fenómeno, pois ele constituí um desafio á conscién-
cia crista.

Será útil transcrever aqui a noticia fornecida por M.- Au-


gras no seu livro «Opiniáo Pública», p. 52:

— 99 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

"Urna socióloga americana, Betty Frledan (1964), fez análíse do


conteúdo de revistas fem¡ninas e fotonovelas, para ver quais os compor-
tamentos apontados como desejávels para a leltora. Sintetizando essa
'mística da mulher', mostrou que a Imagem apresentada como modelo era
a de jovem mae de familia, excelente dona de casa e cozlnheira emérita.
Volta aqs padrees tradlcionais, em reacSo contra a táo propalada eman-
cipacáo feminina ? Nem tanto. Acontece que os grupos patrocinadores
dessas revistas sao os mesmos que produzem aparelhos eletrodomésticos.
Através das comovedoras historias de marido que volta ao lar
(porque ninguém sabe fazer a torta de maca tao bem como a esposa), o
objetivo é ganhar mais urna consumidora."

A propósito aínda apraz-nos lembrar a observagáo feita


por Etienne Gilson em seu livro «La société de masse et sa
culture» (Paris 1967). — Antes da invengáo da imprensa e
das técnicas de comunicagáo moderna, comenta Gilson, todo
artista produzia táo somente por amor á arte; nao podia viver
da sua produgáo literaria, por exemplo, pois só lhe era dado
conhecer tres ou quatro exemplares manuscritos das suas poe
sías ou obras (tal foi certamente o caso de Dante Alighieri,
tl321, cuja «Divina Comedia» hoje em dia está universal-
mente esparsa mediante a imprensa). Os escritores e artistas
antigos eram geralmente pobres; dependiam, por vezes, de
seus mecenas para poder produzir obras de arte, ou tinham
que procurar um ganha-páo para poder sobreviver.

Ora, depois que foi inventada a imprensa, a situagáo


mudou. Foi possível multiplicar obras de literatura (como
mais tarde, mediante outros recursos da técnica, foi possível
multiplicar as cangóes em cassetes, discos, multiplicar quadros,
pinturas...); conseqüentemente, tornou-se também possível
viver de producto artística. Isto fez que o ponto de vista de
numerosos escritores e artistas já nao fosse o cultivo da arte
como tal, mas, sim, o sucesso e a procura de lucro finan-
ceiro... A arte em muitos casos deixou de iiiteressar como tal
e mesmo deixou de ser arte para ser produto comerciável; a ver-
dade como tal também deixou de interessar em muitos casos.
Passou a haver a comercializagáo do livro, das cangóes, das
óperas, dos quadros a cores, de tal modo que artistas e produ-
tores sao propensos a preocupar-se principalmente com o que
é mais vendável, e nao com o que é mais verdadeiro ou educa
tivo ou estético. Com isto nao queremos dizer que todo escri
tor ou artista seja mero comerciante; devemos mesmo reco-
nhecer que até hoje todo auténtico artista é, antes do mais,
empolgado pela arte com a sua gratuidade congénita; acontece
porém, que há escritores e artistas que trabalham para criar e
difundir a cultura de massa pelos meios de comunicagáo social e

— 100 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL

que naturalmente sao dependentes das categorías da industria


e do comercio; entre outras, a literatura tornou-se assim, para
certas pessoas, urna profissáo. E, visto que os livros mais
populares sao o romance policial e o erótico, segue-se que esse
tipo de literatura vem a ser cada vez mais explorado.

Alias, já se tem falado do «mito do erotismo». Veja-se a


obra «Un mythe modeme: l'érotisme. Éros climatisé. Une
civilisation du plaisir» de V. Morin e J. Majault (Casterman,
1964). Sabe-se que temas e iinagens ligados ao sexo e aos
sentimentos eróticos geralmente exdtam a curiosidade do
público. Esta afirmacáo será desenvolvida sob o título 1. 3.
abaixo.

Consideremos -agora o fator «irracionalidade» no uso dos


meios de comunieacáo social.

1.3. MCS e irracionalidade

Verifica-se que, para atingir eficazmente o grande público,


a imprensa escrita, falada e televisionada recorre a certos
«slogans» ou também imagens, que tocam o que em todo
homem existe de irracional ou «mítico». Isto quer dizer que
nem sempre os noticiarios sao apresentados e concatenados
segundo criterios estritamente lógicos; usam de táticas que
despertam a curiosidade, o «suspense», a emocáo, o sensacio-
nalismo... Conseqüentemente, as letras garrafais, as man-
chetes ambiguas ou picantes, os estereotipos verbais, os clichés
sao recursos freqüentes nos meios de comunicacáo social. Ser-
vem para provocar mecanismos psicológicos ou reagóes incons
cientes nos leitores: a simpatía ou a aversáo sao assim susci
tadas subliminarmente. Ora estas táticas nem sempre condi-
zem com a difusáo da verdade no sentido preciso e honesto
que esta expressáo deve ter.

De passagem note-se; as pesquisas e estatísticas tém


demonstrado que os editoriais constituem a secgáo de jornal
que menos costuma ser lida. Ora sao os editoriais que vei-
culam as idéias e a filosofía do respectivo órgáo de imprensa;
ficam sendo a leitura de élites ou de líderes da opiniáo pública.

Se as grandes massas sao geralmente interpeladas por


táticas que tocam o inconsciente e o irracional de todo homem,
compreende-se o seguinte: para que urna noticia seja divul-

— 101 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 195/1976

gada e comumente aceita, nao importa muito que ela seja


falsa ou verídica. A verdade como tal nao basta para conven
cer o grande público; nem basta que alguém tenha bons argu
mentos ou tenha razáo, para que persuada as massas. Herz
fala da «insuficiencia da verdade» — o que quer dizer: a ver
dade pura, apresentada sem artificios sensacionalistas, talvez
tenha menos forga de persuasáo do que o erro canalizado por
imagens e fatores emotivos, de agáo subliminar.

Para ilustrar estas; afirmacóes, pode-se aduzir o seguinte


exemplo. Suponha-se urna campanha caluniosa que afirme:
«N. N. é ladráo». A fim de recolocar a verdade na opiniáo
pública, nao bastará dizer: «N. N. nao é ladráo». Para o
inconsciente, toda proposigáo é afirmativa em si; basta apro-
ximarmos determinado predicado de determinado sujeito para
que o inconsciente tenda a copulá-los afirmativamente. Por
isto a contra-propaganda deve ser elaborada cuidadosamente;
nao adianta rejeitar a acusagáo. A tática mais válida consis
tirá entáo em deslocar o problema e assim, indiretamente,
refutar a campanha errónea.

Note-se também que nenhuma companhia de aviagáo fará


sua publicidade nestes termos: «Nossos avióes caem menos
do que os outros», pois esta frase evocaría um perigo e asso-
ciaria idéias sinistras. O que entáo fazem as companhias publi
citarias, é focalizar' o conforto, o cinema, a música de bordo,
deixando em plano discreto a alusáo ao próprio aparelho;
assim, por exemplo, se lé nao raro: «Quem recebe mais aten-
gáo do que vocé?» (resposta: o aviáo que transporta vocé).

O aspecto «irracionalidades táo ligado á técnica da comu-


nicácáo social vem a ser assim outro fator que os arautos da
verdade e do bem tém que enfrentar quando se dispóem a
recorrer aos órgáos de comunicagáo.

Consideremos agora o uso dos modernos meios de comu-


nicagáo na difusáo da Boa-Nova.

2. MCS e cfííusao da Boa-Nova

Dado o enorme alcance das técnicas modernas, a Igreja


nao podía deixar de se interessar vivamente pela utilizacáo das
mesmas na sua obra de evangelizacáo.

— 102 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL 11

Para nao retroceder muito longe na historia, menciona


mos a fundagáo do «Oficio Católico Internacional do Cinema»
(OCIO, que se originou em 1928 na cidade de Haia e até hoje
visa a favorecer e difundir filmes de valor humano e cristáo.
Congrega cinqüenta países-membros, cujos bispos estáo inte-
ressados no incentivo á dignidade e ao papel educativo-evange-
lizador do cinema. Em 1968, a premiagáo de «Teorema» de
Pier Paolo Pasolini por parte do OCIC ocasionou urna crise
neste organismo, crise, porém, que foi superada por urna revi-
sáo dos criterios de avaliagáo dos filmes.

Também em 1968 fundou-se em Colonia (Alemanha) o


Buró Católico Internacional de Radio e Televisáo (mais conhe-
cido pela sigla UNDA), que tem por objetivo propiciar o inter
cambio de estudos e experiencias levados a termo por emis-
soras e jornalistas católicos.

Em 1936 fundou-se em Roma a «Uniáo Internacional da


Imprensa Católica», que congrega diretores de periódicos, edi
tores e jornalistas no intuito de promover publicagóes de sig
nificado humano e cristáo.

Em 1954, após seis anos de preparacáo, originou-se a «Co-


missáo Pontificia para o Cinema, o Radio e a Televisáo», sob
o patrocinio do Papa Pió XII. Este mesmo Pontífice publicou
em 1957 a encíciica «Miranda Prorsus», em que insistiu sobre
o direito e o dever que tocam á Igreja, de aproveitar os recur
sos da comunicado em vista da santificagáo dos homens. Sao
palavras de S. Santidade na Rádio-mensagem de 11/10/1955:

"As comunicares e, em particular, a radiodifusSo tém a prerrogativa


de poder ser diretos e eficazes vefculos da mensagem de Cristo. A men
sagem de Cristo pelas* vias do ar ou através dos cabos mergulhados nos
océanos I Que privilegio e que responsabilidade para os homens do nosso
século! E que difarenga ontre os dias distantes, em que o ensino da
verdade, o preceito da fiaternidade, as promessas da lelicldade eterna
següam o passo lento dos Apostólos ñas ásperas sendas do velho mundo,
e os dias atuais, em que a Palavra de Deus pode num so e mesmo ins
tante atingir milhóes de homens I"

Aos 4 de dezembro de 1963, o Concilio do Vaticano II


promulgou o decreto «ínter Mirifica» como resultado de estu
dos e debates amadurecidos durante anos anteriores. Este
documento, embora breve e sintético, fez afirmacóes de vulto
sobre o assunto, das quais eis algumas mais relevantes:
"A Igreja Católica..., Impelida pela necessidade de evangelizar, con
sidera como sua ob.igagáo pregar a mensagem da revelac&o com o recurso
também dos instrumentos de comunicacao sccial.

— 103 —
12 «PERGÜNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

Portanto compete á Igreja o dlrelto nativo de empregar e possuir


toda so ríe desses Instrumentos, enquanto necessários e útets á educacáo
crista e a toda a sua obra de salva^&o das almas" (n? 3).

O artigo 23 do decreto «ínter Mirifica» preconizava a


constituigáo de um grupo de trabalho destinado a elaborar
normas pastarais concernentes aos meios de comunicac.áo.
Esse grupo, tendo trabalhado por sete anos a fio em consul
tas, pesquisas e deliberagóes, redigiu finalmente a Instrucáo
Pastoral «Oommunio et Progressio» datada de 23/V/1971 e
aprovada pelo Papa Paulo VI. Esse documento representa a
mais adequada exposigáo do pensamento da Igreja sobre os
meios de comunicagáo social; em 187 artigos, desee a porme
nores e abre perspectivas grandiosas. Eis alguns dos tópicos
que mais interessam á presente análise:

"126. Cristo mandou aos Apostólos e seus sucessores que enslnas-


sem todas as nagdes, que fossem a luz do mundo, que proclamassem o
Evangelho em todo tempo e lugar. Do mesmo modo que Cristo se com-
portou, durante a sua. vida terrestre, como o modelo perfelto do Comuni-
cador e os Apostólos usaram os meios de comunicagáo entSo ao seu
alcance, também o nosso trabalho apostólico atual deve usar as mais
recentes descobortas da técnica. De fato, seria impossível, hoje em dia,
cumprir o mandato de Cristo sem utilizar as vantagens oferecidas por estes
meios, que permitem levar a mensagem a um número multo superior de
homens. Alias, o Concilio do Vaticano II exorta os católicos a que sem
demora usem os meios de comunicagáo social ñas diversas formas de
apostolado (IM 13).

127. A necessidade desta linha de conduta impóe-se pelo fato de


o homem hodierno viver imerso ñas ondas da comurlcagáo social, que
desenvolvem um papel de importancia primeira ra formacáo das suas mais
profundas convlccóes, mesmo religiosas.

128. Os modernos meios de comunicacáo social dáo ao homem de


hoje novas possibilidades do confronto com a mensagpm evangélica; per
miten! aos cristaos seguir, mesmo de longe, as cerlmónlis religiosas. Assim
toda a comunldade crista se reúne e cada um 6 convidado a particiDar na
vida Intima da Igreja. é evidente que a apresentacáo dos programas religio
sos tem que se configurar com as características próprias do meló usado:
a linguagem no radio ou na televlsao nSo pode ser um decalque da Un-
guagem dos pulpitos. Seria também lamentável se o nivel dos programas
de fndele religiosa fosse inferior ao dos restantes programas".

Em suma, poder-se-iam multiplicar as citagóes tiradas de


«Communio et Progressio» como também de outros documen
tos da Igreja, para demonstrar quanto o Papa Paulo VI e o
episcopado do mundo inteiro estáo interessados em que a
Igreja utilize os meios de comunicagáo social em favor da
evangelizagáo.

— 104 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL 13

Estes anseios tém encontrado ampia acolhida ñas mais


diversas partes do mundo católico, de modo que se pode dizer
que, realmente, na medida do possível, numerosas dioceses
estáo empenhadas no recurso as técnicas de difusáo mais
modernas.

No Brasil, de modo especial, informou o Setor dos Meios


de Comunicagáo Social da Conferencia Nacional dos Bispos
em Informativo de junho de 1975 que a Igreja entre nos pos-
sui 116 emissoras de radio, um canal de TV, nove Escolas Su
periores de Comunicacáo, vinte e tres revistas e cento e cin-
qüenta periódicos (entre jomáis e boletins).

Com o aumento da populagáo brasileira, verifioa-se que


o recurso a tais meios é cada vez mais imperioso; torna-se
mesmo em muitos casos o único canal de evangelizacáo que
atinja o cidadáo e o sertanejo em seus lares, dado que na
cidade muitos já nao querem freqüentar a igreja, enquanto
no interior faltam igrejas e ministros do culto. O sistema de
radios cativos através dos quais a Igreja ministra eduoacáo
de base e evangelizagáti, implantado na Colombia e depois
introduzido no Brasil, tem dado frutuosos resultados.

Eis, porém, que, contra as reflexóes e os dados assim


propostos, se levantam objegóes: há, sim, quem conteste a uti-
lizagáo dos meios de comunicagáo social na tarefa de eyange-
lizagáo. Por qué? — É o que vamos ver abaixo.

3. Objesóes
Examinemos primeiramente a tese contestataria e seus
argumentos; após o que, proporemos algumas ponderagoes
sobre o assunto.

3.1. O problema

Nos anos de 1973 e 1974 foram publicados alguns escritos


que contestam a validade do recurso ácima enunciado. Inte-
ressa-nos aqui levar em conta principalmente o que foi edi
tado pelo Departamento de Comunicagáo Social (DECOS) do
Conselho Episcopal da América Latina (CELAM) com o titulo
«Evangelización: Perspectiva del comunicador social» em «Bo
letín informativo: Vox Christiana», Montevideo, Janeiro 1974x.

1 Veja também S. Díaz, "Mass media ed annuncio evangélico", em


"Raesegna di Teología". Napoll 1973, n? 4, pp. 252ss.

— 105 —
1_4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

Os autores desse documento distinguem entre meios de


comunicagáo de massa e meios nao de massa (ou também
entre macro e microcomunicagóes). Os primeiros seriam a
grande imprensa escrita, falada e televisionada, o cinema e o
teatro, ao passo que os outros seriam os sistemas de cartazes,
siides, discos, destinados a pequeños auditorios e geralmente
utilizados ñas escolas. Estes últimos sao tidos como subsidios
insubstituíveis, ao passo que os meios de massa sao rejeitados
na evangelizagáo ou na difusáo do Evangelho. Eis, a rigor, a
tese enunciada por tais autores: «Os meios de massa nao sao
aptos a transmitir a.doutrina crista na sua integridade e a
suscitar urna opgáo pessoal livre e consciente». Os argumen
tos sobre os quais se baseia esta recusa, sao os seguintes:

1) Urna auténtica evangelizagáo exige participagáo ativa-


-dialógioa entre o evangelizando e o evangelizador. — Ora a
comunicagáo feita pelos «mass media» é unidirecional; passa
do instrumento ao receptor (ouvinte ou espectador), o qual se
comporta entáo passivamente.

2) Urna auténtica evangelizagáo deve partir da situagáo


pessoal e concreta do evangelizando. — Ora os «media» se
dirigem a massas anónimas e heterogéneas.

3) A evangelizagáo deve respeitar o ritmo dos evangeli-


zandos, o qual difere de pessoa para pessoa e de grupo para
grupo. — Ora os «media», pelas razóes atrás enunciadas, nao
podem levar isto em conta; propóem tudo a todos.

4) Na evangelizagáo, é preferível a comunicagáo de


grupo, comunitaria, nao individual. — Ora a mensagem dos
«media» é geralmente recebida por pessoas isoladas.

5) A fé nao é mera aquisigáo de nogdes, mas praxe exis


tencia!; os fiéis a vivem em contato diario com a realidade
concreta, procurando assim construir urna sociedade segundo
o plano de Deus. — Ora os meios de massa nao podem atingir
esta finalidade, pois estáo ñas máos de grupos de poder eco
nómico e ideológico, interessados em manter o «status quo» e
avessos a transformá-lo segundo o Evangelho.

6) Na América Latina, o evangelizando nao é religiosa


mente «virgem»; vive, sim, num contexto religioso «sócio-cul-
tural católico-popular nao evangelizado». — Ora costuma-se

— 106 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL 15

reconhecer que os «mass media» sao mais aptos a consolidar


filosofías de vida já existentes no seu contexto social do que
a modificá-las.

Procuremos agora refletir sobre tais argumentos.

3.2. Pondera$óes sobre o problema

Proporemos cinco elementos de reflexáo sobre o assunto.

1) O documento analisado parece supor que os «mass


media», na evangelizagáo, sao tidos como substitutivos da
comunicagáo falada interpessoal; tomariam, até com vanta-
gens, o lugar dos agentes de pastoral e dos missionários, por
tadores diretos e pessoais da Palavra de Deus. — Ora é certo
que tal nao é o modo de pensar da Igreja. Esta afirma o pri
mado da comunicacáo direta e pessoal, primado, porém, que
nao excluí, mas ao contrario exige, o recurso aos meios técni
cos modernos. Sao palavras de Paulo VI na sua encíclica
«Ecclesiam Suam»:

"Limitamo-nos a recordar mais urna vez a suma importancia que a


pregagao crista conserva, e val assumlndo, hoje mals do que nunca, no
quadro do apostolado católico... Nenhuma forma de difusao do pensa-
mento a substituí, mesmo que se revista de extraordinario poder, como
a Imprensa e os meios audiovisual. Apostolado e pregacáo, em certo sen
tido, equivalem um ao outro. A pregacfio é o primeiro apostolado. O nosso
é, antes do mals, ministerio da Palavra".

Nao há dúvida, o cristáo, feito á imagem e semelhanca


de Deus e enriquecido pela graga de Cristo, é o melhor arauto
da Boa-Nova. Os recursos técnicos atingem mais longe; toda-
via sao mecánicos e cegos; todo o seu valor depende do homem
que os fabrica e aplica.

2) As exigencias de contato direto e pessoal do evange-


lizador com o evangelizado sao plenamente válidas. Todavía
deve-se perguntar se na realidade histórica de nossos días sao
exeqüíveis, tanto da parte dos evangelizadores como da parte
dos evangelizandos. Com efeito, verifioa-se que o número de
populacóes a ser evangelizadas cresce desproporcionalmente ao
número de evangelizadores; essa desproporcáo torna impossível
o anunció da Boa-Nova a cada pessoa isoladamente; é preciso
que um só evangelizador possa atingir o maior número possivel
de pessoas — o que só é viável mediante o recurso aos «mass
media». Se estes forem excluidos, muitos homens seráo pri
vados do Evangelho — o que certamente é enorme mal. O

— 107 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

Evangelho comunicado pelos recursos da técnica nao deixa de


ser o Evangelho íntegro e puro, dotado de toda a sua pujanga
de salvagáo. A pessoa atingida pelo radio, a televisáo ou a
imprensa escrita pode posteriormente procurar a comunidade
com a qual entre em relacáo pessoal e em diálogo a respeito
do Evangelho.

Alias, deve-se dizer que nunca houve número de evangeli-


zadores suficiente para atingir individualmente todos os evan-
gelizandos. Diz, por exemplo, o livro dos Atos dos Apostólos
que em Antioquia da'Pisídia «quase toda a cidade se reuniu
para ouvir a Palavra de Deus» pregada por Paulo e Barnabé
(At 13,44). Na aurora da evangelizacáo, ou seja, no primeiro
Pentecostés cristáo, Sao Pedro se dirigiu a cerca de tres mil
ouvintes em Jerusalém, dos quais faziam parte «medos, par
tos, elamitas, habitantes da Mesopotámia, da Judéia, da Capa-
dócia, do Ponto e da Asia, da Frigia e da Panfília, do Egito
e das regióes da Libia próximas de Cirene, colonos de Roma
e prosélitos, cretenses e árabes» (At 2,9-11); é certamente im-
possível que o apostólo tenha entáo «dialogado» com cada um
«partindo da sua situacáo concreta» e «respeitando os ritmos
de cada pessoa e cada grupo».

A consciéncia de que o número de arautos do Evangelho


é desproporcional em relacáo as massas nao evangelizadas sem-
pre preocupou os teólogos: Alexandre de Hales (t 1245), Fran
cisco Suarez (t 1619) julgavam que, na falta de um pregador
físicamente presente, Deus enviava aos náo-cristáos um anjo
que os evangelizasse. S. Tomás de Aquino (t 1274) admitía
que Deus enviaría aos «homens das florestas» que vivessem
em boa fé, um pregador especial, como enviara Pedro a Cor-
nélio (At 10) ou, ao menos, lhes concedería urna revelacáo
particular que lhes mostrasse as verdades do Evangelho (cf.
«Ad Romanos» X 18; «De Veritate» qu. 14, a. 11, ad 1). Mais
recentemente, Louis de Caperan e E. Pinard de la Boullaye
admitiram alguma intervencáo extraordinaria de Deus que
suprisse a ausencia física de pregadores do Evangelho entre
os pagaos. — Ora, se vivessem em nossos tempos de comuni-
cagáo global ou de «aldeia global» (Me Luán), tais teólogos
teriam provavelmente reconhecido nos meios técnicos de comu-
nicacáo o instrumento disposto pela Providencia Divina para
manifestar a Boa-Nova a quem nao é atingido por missioná-
rios; como diz o decreto «ínter Mirifica», tais recursos sao
instrumentos aptos «a estender e consolidar o Reino de Deus»
(n« 2).

— 108 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL V?

3) O citado documento de DECOS-CELAM supóe que os


meios de comunicagáo social estejam indissoluvelmente vin
culados a grupos económico-políticos de orientagáo contraria
á do Evangelho. Estariam unilateralmente condicionados por
correntes anticristás. — Ora esta afirmacáo é excessivamente
genérica. Há, sem dúvida, meios de comunicagáo que, ao me
nos em varios de seus horarios, servem puramente á causa do
Evangelho. Deve ser, de resto, propósito da hierarquia da
Igreja e dos fiéis católicos chegar a ter á sua disposigáo urna
imprensa católica escrita, falada e televisionada que seja livre
de pressóes políticas e heterogéneas a Boa-Nova. É para dese-
jar que a Igreja tenha seus meios de comunicacáo próprios, de
modo a nao depender da imprensa ou de órgáos aconfessio-
nais para a difusáo de sua mensagem; nenhum jornal e ne-
nhuma emissora está obrigado a vender (muito menos... a
outorgar benignamente) algum espago ou horario a agentes
de informagáo ou evangelizagáo da Igreja. Disponha o bispo
de órgáos de comunicagáo pronta e fiel com todos os seus dio
cesanos, a fim de os fazer participar dos acontecimentos e
anseios da diocese ou também a fim de lhes oferecer a genuína
perspectiva da Igreja no tocante a campanhas e problemas que
empolguem o público. Esta certa independencia nao impede
a entrada de arautos da fé em jomáis e emissoras aconfessio-
nais; esta, numa sociedade pluralista como a nossa, há de ser
pleiteada (mesmo que paga), embora fique sempre sujeita as
incertezas dos embates, das preferencias, dos interesses filosó
ficos ou comerciáis... Na verdade, será sempre extremamente
diticil á Igreja possuir sua emissora de TV ou seu jornal
capaz de fazer parelha com os jomáis aconfessionais.
4) Para a fundagáo e feliz manutengáo de qualquer ór-
gáo de comunicacáo social da Igreja, tres fatores háo de ser
levados em estrita consideragáo:

a) Haja instalagóes modernas, correspondentes as exi


gencias da técnica contemporánea — o que supóe capital e
despesas de vulto; todavía o fator monetario jamáis poderá
preponderar sobre os objetivos da auténtica evangelizagáo.

b) Existam agentes de difusáo devidamente formados


para tanto, a fim de que possam, mediante as suas programa-
góes, estar á altura da criatividade de que dáo provas os meios
de comunicagáo aconfessionais. Os editoriais e as emissóes
efetuadas em nome do Evangelho nao podem ficar, do ponto
de vista técnico e artístico, aquém de quanto é apresentado

— 109 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

sob outro patrocinio. Por conseguinte, os técnicos de comuni-


cagáo católicos saberáo aplicar ao seu trabalho as regras da
difusáo eficiente, sem, porém, sacrificar a limpidez da mensa-
gem á procura de «simpatías» ou IBOPE. — Muito a propó
sito vém as reflexóes apresentadas por «Communio et Pro-
gressio» a respeito dos fiéis católicos que tenham ocasiáo de
atuar nos meios de comunicagáo social; queiram-no ou nao,
se sao apresentados como pensadores católicos, as suas afir-
magóes seráo tidas como afirmagóes da Igreja — o que, sem
dúvida, representa enorme responsabilidade:

"Quando um católico conhecido, seja clérigo seja leigo, fala na


lelevisáo ou no radio, é ¡mediatamente considerado pela opiniao pública
como intérprete dos pontos de vista da Igreja. Portanto, deve estar ciente
desta situagao e procurar por todos os meios ao seu alcance evitar qual-
quer equivoco possivel. A responsabilidade da sua missáo diz respeito
n3o so ao conteúdo das suas declaragdes, mas também á maneira de falar
e de se comportar, que adotar. Finalmente, procure consultar as autori
dades eclesiásticas, quando for possivel fazé-lo" (n? 154).

c) Leve-se em consideragáo o auditorio extremamente


heterogéneo ao qual se dirigem os meios de comunicagáo. Isto
implica sabia adaptagáo e adequada formulaoáo da mensagem
humana e crista a ser transmitida. Um periódico ou urna emis-
sora católica nao podem apenas abordar o Cristianismo explí
citamente entendido, mas háo de proporcionar a variedade de
programares que satisfagam as diversas faixas do seu audi
torio; na mor parte do horario de transmissáo, a agáo evan-
gelizadora estará principalmente — ou talvez táo somente —
no enfoque cristáo dado ao acontecimento noticiado ou na
maneira de selecionar músicas, cantores, parsonagens entrevis
tados, filmes, pegas teatrais... O meio de comunicagáo que
consiga captar a estima e a confianga do grande público,
poderá em momentos oportunos de cada dia oferecer progra
mas de evangelizagáo explícita que o público aceitará com a
simpatía que de modo geral ele dedique á sua emissora cató
lica.

5) Urna serie de percalcos exige do agente cristáo de


eomunicacáo prudencia, sagacidade e firmeza de ánimo em
grau elevado. Dentre outros, sejam mencionados por exemplo,
os seguintes fatos:

a) Se a pornografía e o erotismo sao condenáveis por


deformarem a mentalidade e os afetos, pode-se dizer que o
filme e o romance pornográfico se denunciam por si mesmos

— 110 —
OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL

e as vezes caem em descrédito porque já o público está can


sado e saturado de tal «divertimento». Mais requintadamente
nocivos sao o filme e o romance de violencia (crimes, espio-
nagens, guerras...), que, aparentemente neutros, sugerem
teses e paradigmas de vida (desmantelamento da familia, con-
flito de geracóes, desonestidade profissional...), deseducando
profundamente os seus clientes, sem que estes o percebam de
imediato.

Na verdade, o cinema, o teatro, o radio e a televisáo nao


sao meros fatores de recreacáo, mas tornam-se cada vez mais a
escola em que o homem iletrado e o letrado que nao tem tempo
para ler, váo haurir os seus conhecimentos,... váo infor-
mar-se e também, inevitavelmente, váo formar-se. Daí o
grande interesse que a Igreja dedica á qualidade dos progra
mas de cinema, teatro e televisáo; assim como Ela propugna
a escola e a educagáo sadias, a Igreja nao se pode omitir no
tocante aos «divertimentos» do grande público, pois estes tam
bém sao escola e educagáo (ou deseducagáo).

b) O público pode rejeitar tal filme, novela ou espetá-


culo, desde que o julgue nocivo. Todavía nao lhe é táo fácil
rejeitar tal anuncio comercial inconveniente, visto que a publi-
cidade (aqui no Brasil) se insere em meio aos programas de
maior valor. Em vista deste fato, o agente cristáo de comu-
nicacáo há de se empenhar firmemente pelo controle dos
«comerciáis» que lhe sao oferecidos e que certamente rendem
vultosas quantias.

É certo que um cristáo isolado pouco ou nada conseguirá


na tarefa da comunicagáo sadia e crista; a sua luta será neu
tralizada pela falta de colaboracáo dos colegas (cristaos ou
nao cristaos). Todavia a uniáo de forcas de jornalistas e
outros produtores católicos repercutirá na respectiva classe e
nao poderá deixar de dar seus frutos no grande público. Tra-
ta-se de um empreendimento de fé e de coragem, que o cris
táo levará a efeito com galhardia, consciente de que «quase
tudo (o qué é grande) se fez de quase nada»!

Eis as bases sobre as quais se pode firmar a consciéncia


do valor dos meios de comunicagáo social na difusáo do Evan-
gelho. Estes aparecem realmente dotados de um potencial de
alcance inimaginável que o senso apostólico da Igreja deve
saber colocar a servido do Evangelho. Se «a messe é muita

— 111 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

e os operarios sao poucos» (Mt 9,37), a Providencia nao falta


ao povo de Deus para que possa de novas maneiras responder
aos desafios da sua tarefa nos dias atuals.

Bibliografía:

Concillo do Vaticano 'I, Decreto "ínter Mirifica".

InstrucSo Pastoral "Communlo et Progresslo", em "SEDOC" n? 38,


Julho 1971, cois. 30-16.

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Monique Augras, "OpiniSo pública. Teoría e pesquisa". Petrópolls 1970.

Mario Ritter Nunes, "O estilo na comunlcacSo". Rio de Janeiro 1973.

Louis Couffignal, "A cibernética". Sao Paulo 1966. '

Norbert Wiener, "Cibernética e Sociedade. O uso humano de seres


humanos". SSo Paulo 1968.

E. Bettencourt, "Evangelizacio e meios de comunicacao social", em


"Convergencia" nf 85, setembro 1975, pp. 393-405.

Gastón Zananlri, "L'Église et les moyens de communicatlon sociale",


em "Esprlt et Vle", 81e. année, n9 36, 9/IX/1971, pp. 494-499.

Enrico Baragli, "Strumenti della Comunlcazione Sociale ed evange-


lizzazlone", em "La Civllta Cattolica", a. 125, n? 2983, 5/X/1974, pp. 36-48.

NOTA

Do boletim "Noticias" da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil,


datado de 23/1/76 pp., extralmos a segulnte nota, á qual nos referimos á
p. 134 deste fascículo:

"Dom Avalar Brandao Vilela, Arceblspo Primaz do Brasil, envlou cor


respondencia a CNBB comentando a celebracao de urna Santa Mlssa na
catedral de Salvador no día de Natal, para os membros da Loja Macdnica
'Llberdade' e seus familiares. Após cuidadosos e serlos contatos verbais
e escritos, 'Julguel-me com certeza moral suficiente para atender ao pedido
da Missa, sem que eles comparecessem com Insignias, mas em trajes
comuns... Estou absolutamente seguro de que procedí corretamente, urna
vez que a Loja, pelos seus mals altos representantes, deu-me os elementos
capazas de julgá-la como Instltulcao que nao conspira contra a Igreja.
NSo me dirigí a todas as Lojas, nem multo menos a todos os ramos da
Maconarla'".

— 112 —
Sinal dos tempos:

já ouviu íalar de taizé?

Em slntese ¡ O mostelro protestante de Talzé é obra do IrmSo Roger


Schutz e seus companheiros. Roger Schutz, movido pelo desejo de pro
piciar a reconcillacSo entre os cristSos e, em geral, entre os homens divi
didos, houve por bem constituir, a partir de 1940, urna comunidade dedi
cada á oracio, ao trabalho e ao acolhimento de visitantes ou peregrinos.
A obra encontrou resistencia durante os seus vlnte primeiros anos, nos
ambientes protestantes. Hoje em dia, poróm, goza da estima e do apoic
tanto de protestantes como dos católicos; os Papas JoSo XXIII e Paulo VI
tém-lhe dado eloqüentes testemunhos de benevolencia.

Os monges de Taizé restauraram no Protestantismo a prátlca dos


votos religiosos: celibato, comunháo de bens mataríais e obediencia. Dedi-
cam algumas horas, do dia á oracBo (comunitaria e particular). Aplicam-se
ao trabalho (manual e Intelectual) para sobreviver e para auxiliar as pes-
soas e populacoes necessitadas; na América Latina, promoveram a ope-
racño "Esperanca", que se destina a favorecer os mais pobres do conti
nente. A fim de incentivar a sua obra de reconciliar, os irmáos de Taizé
tfim fundado pequeñas Fraternidades fora de Talzé, na Europa e na América
(inclusive na cidade de Vitoria, ES, Brasil).

Os jovens tém sido fortemente atraídos pela mensagem de reconci-


liacao e ot¡mismo proveniente de Taizé. O afluxo dos mesmos ao mosteiro
é vultoso, principalmente ñas ferias de ve rao e de Páscoa. De 30/VIII a
1/IX/74 inauguraratn o Concilio dos Jovens, que se protralrá por diversas
sessoes em varias partes do mundo durante alguns anos. Os temas do
Concilio visam a despertar a juventude e, em geral, os homens de hoje
para a responsabilidade que a historia Ihes impSe.

Em suma, Taizé é um sinal de esperanca crista em nossos dias.

Comentario: O movimento ecuménico visa k restauragáo


da unidade entre os cristáos. Essa unidade foi violada por cis
mas sucessivos:

— em 431 e 451, separaram-se da comunháo da Igreja


os nestorianos e monofisitas (que hoje constituem pequeñas
comunidades esparsas pelo Oriente);

— em 1054, sob o Patriarca Miguel Cerulário de Cons-


tantinopla, separaram-se os bizantinos, amistando consigo
varios povos da Europa Oriental. Sao os cristáos chamados

— 113 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 195/1976

«ortodoxos» (ortodoxos, porque no séc. V nao haviam caído


ñas heresias do nestorianismo e do monofisismo);

— em 1517, Lutero deu inicio ao movimento cismático


protestante, que se continuou no Calvinismo, no Anglicanismo
(ao menos na «Low Church») e ñas denominagóes protestan
tes posteriores.

Frente a essas comunidades cristas nao católicas, existe


a Igreja Católica, que se deriva, sem interrupgáo até hoje, de
Jesús Cristo e dos Apostólos.

Ora nos últimos tempos tém-se verificado tentativas


numerosas de aproximagáo dos cristáos entre si. Urna das
mais belas e alvissareiras é o mosteiro de Taizé, fundado por
monges protestantes, mas aberto a todos os cristáos, na expec
tativa de um reencontró de todos na hora e ñas circunstancias
que a Providencia Divina houver por bem assinaiar.

O mosteiro de Taizé, desde a sua fundagáo, há trinta e


seis anos, vem chamando mais e mais a atengáo do mundo
cristáo e nao cristáo por causa do ideal que representa. Eis
por que nos propomos, ñas páginas que se seguem, apresentar
Taizé e as grandes linhas de pensamento que inspiram a sua
comunidade.

1. Origens e desenvolvimento

O fundador do mosteiro de Taizé é o Irmáo Roger Schutz.


Nasceu aos 12 de maio de 1915 na Provenga (Franga) como
filho de familia protestante; seu pai, Charles Schutz, de ori-
gem suíga; era pastor. Desde cedo foi atraído pela Igreja Ca
tólica, como refere o próprio Roger Schutz:

"Quando eu tinha cinco anos, entramos numa igreja católica. Tudo at


mergulhava na penumbra. A tuz que ilumlnava a Virgem e a reserva euca-
rlstica, deixou em mim urna Imagem até hoje Inalterada" ("Ta féte solt
sans fin", 30/05/69).

Quando o menino tinha treze anos, seus pais pensaram


em mandá-lo estudar numa cidade vizinha, onde ficaria hos
pedado em casa de familia. Poderiam escolher entre urna fami
lia protestante e outra católica. Esta era pobre, pois cons-
tava de urna viúva com numerosos filhos. Os pais de Roger
eram propensos a ajudar essa viúva, pagando-lhe o prego da
pensáo do menino, mas hesitavam por causa da fé católica da

— 114 —
JÁ OUVIU FALAR DE TAIZS? 23

viúva. Finalmente optaram pelo alvitre mais generoso, con


fiando a esta o seu filho protestante. Em conseqüéncia, Roger
Schutz, em seus anos de formacáo, compartilhou o estilo de
vida de urna familia protestante (a sua) como também o de
urna familia católica.

Durante os" seus anos de estudos na Universidade de


Lausanne, o jovem protestante leu obras clássicas do Catoli
cismo, que nele foram aumentando as tendencias ao ecume-
nismo. Estas desabrocharan^ na idéia de fundar urna comuni-
dade religiosa que se dedicasse á causa da aproximacáo dos
cristáos.

Em 1940, durante a segunda guerra mundial, Roger


Schutz procurava um lugar onde estabeleceria a sua fundacáo.
Na Borgonha, perto de Cluny (territorio francés nao ocupado
pelos alemáes), o jovem idealista encontrou o vilarejo de
Taizé, onde lhe apontaram urna casa favorável aos seus pro
pósitos. Foi lá que Roger resolveu fixar-se. Comegou entáo a
sua obra, acolhendo os refugiados de guerra que o procuras-
seni. Esta situasáo se prolongou por dois anos, quando em
1942 Roger Schutz teve que deixar Taizé, pois o territorio
fora ocupado pelos alemáes; retirou-se entáo para Genebra
(Suíga), onde conheceu os seus primeiros discípulos: Max Thu-
rian, Pierre Souvairan, Daniel de Montmollin. Em 1944 Ro
ger, com seus tres companheiros, voltou a Taizé, onde a comu-
nidade comegou a se dedicar a meninos vítimas da guerra e a
prisioneiros alemáes.

Na festa de Páscoa de 1949, os irmáos de Taizé, em nú


mero de sete, emitiram os votos que os consagravam para o
resto da vida ao servico do Senhor. Este passo se revestía de
enorme significado. Com efeito, Martinho Lutero, que deu
inicio á Reforma protestante em 1517, rompeu os seus votos
religiosos e os condenou. Conseqüentemente, o protestantismo
nunca conhecera vida monástica nem comunidades constitui
das por votos religiosos. Os teólogos protestantes desaconse-
lhavam aos irmáos de Taizé a introdugáo desse tipo de vida
na Reforma, alegando que os votos eram contrarios á liber-
dade sugerida pelo Espirito Santo. Nao obstante, Roger Schutz
e seus companheiros julgaram que deviam firmar seu género
de vida mediante urna profissáo religiosa, nao somente para
dar certa estabilidade á obra iniciada, mas também, e princi
palmente, para serem coerentes com o próprio Evangelho. Eis
como o Irmáo Roger Schutz expóe o seu pensamento:

— 115 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

"Multas vezes nos flzeram a nos (irmáos de Talzé) esta pergunta:


'Voces adotaram esses tres pontos (os votos de castidade, pobreza e obe
diencia) para copiar o cenobitismo tradicional ?' Temos de responder logo
que tentamos sinceramente nSo nos deixar Impresslonar pela experiencia
do passado. Qulsemos apagar tudo para experimentar tudo de novo. E,
apesar disto, encontramo-nos um día diante da evidencia: nSo podíamos
sustentar a nossa vocacSo sem nos comprometer totalmente na comunháo
de bens, na aceitacao de urna autorldade, no celibato" ("Naissance de
communautés dans l'Égllse de la Reforme", em "Verbum Caro" 19SS,
p. 20). i

Em 1951, foi pela primeira vez editada a «Regra de


Taizé», que estipulava as estruturas e os objetivos do novo
mosteiro. Em 1952, os' irmáos de Cluny comecaram a fazer
fundagóes em territorios de missáo. Em novembro de 1958,
Roger Schutz foi recebido em audiencia pelo Papa Joáo XXIII,
e em fevereiro de 1962 pelo Patriarca Atenágoras. Em 1964,
a comunidade já contava 65 irmáos.

Os primeiros vinte anos do mosteiro de Taizé foram difí-


ceis, pois os monges, tidos como inovadores do Protestan
tismo, nao eram compreendidos pelos seus irmáos na Reforma.
Todavia a figura e a obra do Papa Joáo XXm, que mais de
urna vez recebeu e encorajou o Ir. Roger Schutz, contribuiram
notavelmente para que a nova comunidade superasse os pri
meiros obstáculos de sua existencia e se implantasse definiti
vamente. Durante o Concilio do Vaticano Ó (1962-1965) os
Irmáos Roger Schutz e Max Thurian foram convidados a com
parecer ás sessóes respectivas como observadores.
Nos dias 5 e 6 de agosto de 1962, foi inaugurada em Taizé
a igreja da Reconciliacáo, símbolo das aspiragóes ecuménicas
que alimentam a comunidade monástica local. A construyo
desse templo deve-se a jovens alemáes, que a quiseram em-
preender em sinal de expiagáo e reconciliacáo. A entrada da
igreja, léem-se em francés, alemáo e inglés os seguintes
dizeres:
"Vos que entráis aquí, reconciliai-vos :
o pai com seu filho,
o marido com sua esposa,
o que eré com aquele que nao eré,
o cristáo com seu irmao separado".
1 Alias, nao ó este o único testemunho de irmáos protestantes con
temporáneos em favor dos votos religiosos. Sim ; urna diaconisa protes
tante na África declarou:
"Quando urna jovem toma consciéncia desse convite de Deus a urna
consagracáo total, deve fazer frente a tres exigencias muito precisas: a
castidade, a pobreza e a obediencia" (citada por Esnault, "Luther et le
monachisme actué!" p. 11, n. 1).

— 116 —
JA OUVIU FALAR DE TAIZÉ? 25

É em vista de oferecer a todos os cristáos, e mesmo a


todos os homens, urna ocasiáo de se aproximaren! e unirem
entre si que o mosteiro de Taizé existe primordialmente. É
esta nota que o caracteriza no mundo inteiro.

Além disto, Taizé tem a vocacáo de servir aos homens


também no plano material; os irmáos sao úteis aos habitantes
da regiáo em que vivem, mantendo cooperativas agrícolas e
pecuarias, dedicando-se á medicina e á saúde da populacáo,
trabalhando em olaria, pintura e confeccáo de vitrais. Em
1952 alguns monges foram enviados em missáo entre os ope
rarios na regiáo de Monceau-les-Mines; todavia esta experien
cia nao durou muito. Dilataram seus horizontes até a Amé
rica Latina: em 1962, organizaram urna coleta para atender
■as vitimas de um terremoto no Chile; em Janeiro de 1963, o
Ir. Roger Schutz langou a «Operacáo Esperanca» destinada a
auxiliar as populacóes necessitadas do nosso continente; em
conseqüéncia, no Brasil foi, entre outras coisas, distribuida
gratuitamente urna edigáo do Novo Testamento.

Nos últimos dez anos, Taizé assumiu aínda outra faceta:


tornou-se um ponto de convergencia dos jovens. Estes váo ao
mosteiro atraídos pela mensagem de esperanca que daí de-
corre; muitos sao protestantes, outros católicos e aínda outros
sao indefinidos e curiosos, á procura de urna resposta para as
suas indagacóes. De 30 de agosto a 1» de setembro de 1974,
teve inicio o chamado «Concilio de Jovens», do qual falare-
mos adiante.

Importa-nos agora realcar as notas principáis da espiri-


tualidade de Taizé, que, de resto, vém a ser, em grande parte,
as da vida monástica ou religiosa sempre vivida na Igreja
Católica.

2. Taizé: as grandes línhas de pensamento

2.1. O ideal e svas etapas

O ideal dos irmáos de Taizé é o da vida monástica, ou


seja, o da consagracáo total ao Senhor; é a procura comuni
taria do único e Definitivo em meio ás coisas transitorias
deste mundo. Para tanto, os monges se nutrem da espiritua-
lidade bíblica e procuram viver segundo a Regra monástica,

— 117 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

que estipula tres grandes atitudes interiores e exteriores:


pobreza, castidade e obediencia. Está claro que a fé dos mon-
ges de Taizé é a protestante; os membros da comunidade se
recrutam entre as diversas denominacóes do Protestantismo:
luteranismo, presbiterianismo, anglicanismo, congregaciona-
nalismo...

Por conseguinte, o candidato que deseje incorporar-se ao


mosteiro de Taizé, submete-se, antes do mais, a um período
de tres anos de formagáo (equivalente ao noviciado das comu
nidades católicas). Terminado esse prazo, o novo irmáo, caso
seja aceito pela comunidade, é admitido aos votos monásticos;
estes sao emitidos geralmente no decorrer da liturgia da ma-
nhá de Páscoa, depois da renovacáo das promessas do Ba-
tismo. O candidato prostra-se entáo por térra, enquanto a
comunidade canta o SI 125. A seguir, o Prior dirige-lhe urna
exortacáo; o candidato profere os seus votos; troca o ósculo
da paz com os irmáos; estes, por fim, lhe impóem as máos em
sinal de comunháo e partilha dos mesmos bens espirituais. Eis
o texto dos compromissos que o monge de Taizé assume ao
professar:

"— Queres, por amor a Cristo, consagrar-te a Ele com


todo o teu ser ?...

— Queres dedicar-te ao servico de Deus, na nossa


comunidade, em comunháo com os teus irmáos ?...

— Renunciando a toda propriedade, queres viver com


os teus irmáos nao só na comunidade de bens materiais, mas
também na dos bens espirituais, esforcando-te por abrir o
teu coracáo ?...

— A fim de estares mais disponível a servir aos teus


¡rmáos e a fim de te dares sem partilha ao amor de Cristo,
queres permanecer no celibato?...

— Para que sejamos um só coragáo e urna só alma e


para que a nossa unidade de servico se realize plenamente,
queres adotar as decisoes tomadas em comunidade e expres-
sas pelo Prior?...

— Vendo sempre o Cristo em teus irmáos, queres vigiar


sobre eles nos dias bons e maus, na abundancia e na pobreza,
no sofrimento e na alegría?..."

— 118 —
JA OUVIir FALAR DE TAIZÉ? 27

Como se vé, os tres votos de pobreza, castidade e obe


diencia sao enguadrados na moldura do amor a Cristo e do
servieo a Deus e aos homens.

O Prior Irmáo Roger Schutz explica o significado de cada


utn desses compromissos:

"Pela castidade desejamos ser homens de um só amor, de um só


amor de Cristo,... homens de tal modo voltados para a esperanza de
Deus que desejam ter os bracos abarlos a todos e a tudo, ao universal,
á catollcidade, ao ecumenlsmo... Aquete que se compromete na casti
dade do celibato, só a pode sustentar se vive na espera de Deus. Ser
homem de um só amor ó ser o homem que dá a sua vida, e por sua
vida dá sinais do único amor de Deus que o anima".

Sobre a obediencia diz o Prior:


"Em Talzé chegamos á conclusSo de que a autoridade tem por fun-
cSo suscitar a unidade, reunir aqueles que sempre tendem a se dispersar
ou mesmo, por vezes, a se opor.

...O que se impós á nossa evidencia dia após dia, é que a tarefa
pastoral de quem recebeu fungáo de autoridade... é a de tender a sus
citar a unanimidade, una anima, urna só alma na comunidade".

A respeito da pobreza, Ir. Roger Schutz faz as seguintes


ponderacóes:
"Pobreza! EIs urna palavra que esfola os labios. Redigindo a Regra
de Taizé, nao ousei utilizá-la; preferí talar de compromisso com a comu-
nhao de bens; esta pode levar á pobreza.

Ho>e, se ouso talar de vocacio para a pobreza, fago-o porque a


solidariedade com o mundo dos pobres se impós a nos. E, apesar disto,
flca sempre um mal-estar, pois no nosso Ocidente teremos sempre o
pao sobre a mesa.

O espirito de pobreza está ñas antípodas da necessidade de segu


ranza profundamente inscrita no nosso ser. Actuete que vive cm espirito
de pobreza, tem sua seguranca em Deus; seu Moje é o de Deus. A
pobreza em esofrito fica sendo a atitude em que so realiza a nossa depen
dencia em relacao a Deus ; no esofrito de oobreza, sabemos rué os dons
Dessoais — inteligencia, senslbllidade, — ficam sendo muito relativos em
relacao ao dom por excelencia (caridade)".

As tendencias da instituicáo monástica em Taizé vol-


tam-se fortemente para a vida contemplativa ou a oracáo. O
mosteiro dispSe de pequeñas ermidas, ñas quais os monges se
podem retirar ou por aleuns dias ou para passar a noite em
oracáo. A prece e a solidáo sao atitudes cristas que alimentam
a grande expectativa do Definitivo, o qual pora fim ao provi
sorio, ou ainda... a expectativa do Senhorcomo Juiz e Con
sumador da historia.
Passemos a urna segunda nota da espiritualidade de Taizé.

— 119 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOSi> 195/1976

2.2. Ecumenismo e Reconciliacáo

O mosteiro de Taizé foi fundado sob o signo da procura da


unidade entre os cristáos separados e, mais amplamente,...
entre todos os homens divididos por rixas ou por preconceitos
de rac.a, classe, religiáo... Essa tendencia á unidade em Taizé
foi notavelmente reforcada sob o pontificado do Papa Joáo
XXIII, que, da parte católica, exprimiu, com eloqüéncia sin
gular, o apelo ao ecumenismo. Conservando-se protestantes,
os irmáos de Taizé aspiram á unidade dos cristáos entre si
«como e quando o Senhor a quiser».

Em vista de táo nobre fim, dedicam-se principalmente á


oragáo. O Oficio litúrgico no mosteiro é celebrado tres vezes
por dia no coro: de manhá, ao meio-dia e á tarde; em certas
datas, celebra-se também o Oficio de Vigilias, que é noturno.
A Liturgia das Horas consta de textos bíblicos (salmos, leitu-
ras do Antigo e do Novo Testamento), cantos e preces, cujos
dizeres fazem ressoar a espiritualidade crista comum a cató
licos, protestantes e ortodoxos. Dessa oragáo participam nume
rosos visitantes e peregrinos, que nao sao curiosos, mas cris
táos que desejam pedir em prol da unidade crista, procurar
alguma forma de reconciliacáo e iniciar um diálogo fraterno.
Milhares de pessoas, em grupos ou a sos, casáis e solteiros,
váo anualmente fazer um retiro espiritual em Taizé sob a dire-
gáo de tun monge do mosteiro ou de um sacerdote católico.
Para ajudar a comunidade ñas tarefas materiais da hospeda-
geni, Religiosas católicas e diaconisas protestantes tém pres
tado sua colaboragáo. A Igreja da Reconciliagáo foi tragada
em vista de grandes cerimónias religiosas e dos Oficios da
comunidade. Tem urna cripta (cápela subterránea) destinada
ao culto católico. O arquiteto e o pintor dos vitrais sao irmáos
de Taizé.

Eis como o Prior Ir. Roger Schutz manifesta seu pensa-


mento a respeito da reconciliacáo:

"Fomos tomados de improviso. Nao pensávamos, em absoluto, que o


silencio do npsso retiro se transformasse naqullo que Taizé é hoja : lugar
em que as pessoas vém orar em prol da reconciliadlo.

A todos.aqueles que vém ter aquí, desejam os dizer e redizer inces-


santemente o* que está inscrito no frontispicio da igreja: que o pal se
reconcilie com o filho, o marido com a esposa, o crente com aquele que
n8o pode crer, o irmáo de urna conflssáo com o irmSo separado.

De certo modo, a oragáo da nossa comunidade, em meio a esses


peregrinos, consiste em dizer com eles: 'Olha-nos, Senhor; vé o que

— 120 —
JÁ OUVIU FALAR DE TAIZÉ? 29

somos hoje: divididos, separados pela historia, Incapazes de realizar a


unidade'. E eis que, na verdade, homens e mulheres vém rezar aqui, pe-
dindo a reconciliac&o de urna esposa com seu esposo, de um irmáo com
o seu irmáo. E todas estas intencoes de oragáo estáo inscritas preto sobre
branco e nos sao confiadas. Levamo-las em nossa própria oracáo, certos
de que o ecumenismo é a reconciliacio. O ecumenismo comeca. sempre
por essa reconciliacSo do homem com Deus e, depois, do homem com
o homem, na familia, na profissSo, na socledade. É somente a partir dessas
formas de reconciliacSo mais próximas que se pode caminhar em demanda
da grande reconciliagáo universal de todos nos na Igreja una".

Como dito atrás, as aspiragóes ecuménicas dos monges


de Taizé nao foram devidamente entendidas nos seus primeiros
vinte anos de existencia, principalmente por parte de denomi-
nagóes protestantes. Atualmente, porém, o mosteiro é ponto
de convergencia e objeto de profunda estima para numerosas
comunidades eclesiais protestantes, bispos luteranos e pastores
de outras confissóes cristas dos países escandinavos, germá
nicos, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Verificou-se evi
dente mudanca de mentalidade, que é certamente um dos fru
tos obtidos pela oragáo e o esforgo dos monges de Taizé.
Quanto aos fiéis católicos, costumam olhar com simpatía o
movimento de Taizé, ao qual os Sumos Pontífices Joáo XXIII
e Paulo VI tém dado vivo apoio: é entrando em diálogo e pro
curando a aproximagáo que os cristáos derrubaráo as barrei-
ras humanas que os separam. A maneira como a unidade dos
discípulos de Cristo se dará, nao é objeto de discussáo em
Taizé, pois isto foge á aleada do programa dos monges e de
seus visitantes; católicos e protestantes talvez encarem de ma-
neiras diferentes essa questáo. Como quer que seja, é somente
o Espirito de Deus, com a sua graga, que pode restaurar a
unidade dos irmáos separados, iluminando as inteligencias e
movendo os coragóes. E o Espirito há de ser invocado pela
oragáo assidua: «Se vos, que sois maus, sabéis dar boas dádi
vas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espi
rito Santo 'aqueles que Lho pedem!» (Le 11, 13).

A espiritualidade de Taizé, baseada, antes do mais, sobre


a oragáo, se alimenta e exprime também pelo trabalho.

2.3. Trabalho

Acomunidade de Taizé dedica-se intensamente ao traba


lho, nao só porque este é um fator de ascese e disciplina na
vida dos monges, mas também porque, sendo pobres, os irmáos
necessitam de exercer um ganha-páo. O dinheiro que eles

— 121 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

assim adquirem, nao beneficia apenas a comunidade, mas tam-


bém os semelhantes necessitados que os irmáos possam atingir.

As atividades dos monges sao variadas.

Há os que se entregam á confecgáo de obras de arte:


pintura, vitrais, cerámica (certos artefatos de cerámica de
Taizé, por exemplo, tém sido levados a exposigóes internacio-
nais, inclusive no Japáo). Outros se dedicam á arte gráfica,
atendendo ao setor de edicóes do mosteiro. Também o traba-
lho intelectual — estudo, redagáo e publicagáo de livros —
interessa aos irmáos: alguns se aprofundam na teología, prin
cipalmente na teología ecuménica; outros pesquisam no setor
da sociología, considerando com olhar cristáo as questóes e
conclusóes da mesma.

A hospedagem de visitantes e peregrinos solicita outros-


sim o trabalho dos irmáos. Já que este setor é, por vezes,
absorvente, bom número de amigos da comunidade colabora
com os monges na recep?áo dos que batem a porta do mos
teiro; estes sao convidados á oragáo comunitaria e, se pos-
sível, 'á participagáo da mesa fraterna. Ainda para receber
os peregrinos em Taizé, há geralmente sacerdotes católicos e
ortodoxos.

Dada a irradiacáo que o mosteiro vem tendo, foi neces-


sário que os irmáos construissem novas e novas dependencias
em torno do núcleo central. Nao raro a máo-de-obra tem sido
gratuita; alguns irmáos tomam parte da mesma.

A finalidade ecuménica do mosteiro faz também que os


monges se desloquem freqüentemente, nao raro em pequeños
grupos de dois ou tres e por um tempo mais ou menos longo.
Vao a países da Europa (Holanda, Alerr.inha, Escandinávia,
Inglaterra), como também aos Estados Unidos e á América
Latina. Fundam pequeñas Fraternidades em tais regióes, no
intuito de propiciar reconciliagáo e renovacáo de vida entre os
homens. No Brasil, os irmáos de Taizé constituirán! urna
pequeña Fraternidade junto ao mosteiro beneditino de Olinda
(PE), mantendo boas relagóes com os monges de Sao Bento e
a populagáo local. Passaram posteriormente para Vitoria (ES),
onde continuam até hoje, sem intengóes proselitistas.

Nao poderiamos terminar estas apreciagóes sem referir


algo de mais explícito a respeito do movimento de jovens em
Taizé.

— 122 —
JÁ OUVIU FALAR DE TAIZÉ? 31

3. Taizé e os ¡overa

3.1. O aflvxo

A mensagem de reconciliagáo e otimismo proclamada pelos


monges de Taizé tem encontrado eco particularmente signifi
cativo entre os jovens das diversas partes do mundo. Desde
1965 registra-se um afluxo crescente da juventude ao mos-
teiro de Taizé, principalmente por ocasiáo das ferias de veráo
e de Páscoa. Em 1974, 19.000 jovens se encontraram em
Taizé por ocasiáo da Páscoa.

Os observadores tém procurado indicar as causas preci


sas de tal afluxo: por que váo os jovens a Taizé com tanto
interesse?

Há quem responda que eles assim procedem porque gos-


tam de viajar... e viajar como aventureiros. Poder-se-iam
lembrar as aglomeragóes de jovens em Woodstock (ilha de
Wight). Tal tendencia a viajar exprimiria o desejo que os
jovens tém, de fugir do mundo dos adultos ou da sociedade
de consumo; seria, em outros termos, urna expressáo de con-
testagáo. Ora inegavelmente Taizé é urna especie de desafio
ou constestacáo á sociedade de consumo. Lá nao existe luxo;
os visitantes nao raro dormem sobre palha e comem preca
riamente.

Pode-se crer que essa mentalidade dos jovens explique,


até certo ponto, o afluxo dos mesmos a Taizé. É o que se
deduz, por exemplo, das palavras de Annick, peregrino em
Taizé:

"A primelra vez que'alguém val a Taizé, crcio que seja por curlosl-
dade. Amigos, vizlnhos voltam de lá entusiasmados, animados por nova
forfa de vida e, nao obstante, procuram nao divulgar o que lá acontece".

Parece, pois, que a curiosidade e o desejo de estar na


moda (de receber a cruz e a pedra azul de Taizé) explicam
a primeira visita de muita gente ao mosteiro. Mas o fato de
lá voltarem repetidamente já requer outra explicagáo. Esta
parece consistir em algumas notas características de Taizé,
que os jovens váo descobrindo aos poucos:

— a partilha, O ambiente de Taizé é estritamente comu


nitario, mesmo para os visitantes. Cada qual destes é incor
porado a um grupo, onde há intercambio de idéias e valores
humanos e cristáos; ora a descoberta desta realidade atrai;

— 123 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

— a oragáo. O ambiente de Taizé é fortemente marcado


pelo espirito e a prática da oracáo. Os Oficios litúrgicos con-
vidam regularmente a esta; além disto, a calma e a beleza
do lugar, o silencio de certos recantos tém o mesmo efeito.
É o que atesta Virginia, visitante á qual muitos companheiros
fariam eco:

"Aqui encontrei de novo o sentido da oracfio e da contemplacáo".

Um jovem belga, movido primeiramente pela curiosidade,


assim se exprimiu:

"Havia sete anos que. eu nao entrava numa Igreja. Que silencio I
Fiquei surpreso por nao ver cadelras. Quase tive vontade de puxar um
cigarro... e rezar" ;

— engajamento ou compromisso. Em Taizé os jovens se


conscientizam da missáo que lhes cabe nesta fase da historia
e dispóem-se a agir.

Em conclusáo, pode-se dizer que é a descoberta destes


valores que, em última análise, prende os jovens a Taizé, de
modo a explicar a crescente procura do mosteiro por parte da
juventude.

3.2. O Concilio dos jovens

Vendo o interesse da mocidade por Taizé, o Prior do mos


teiro, Ir. Roger Schutz, organizou em setembro de 1966 o
primeiro Encontró Internacional dos mesmos. Nos anos seguin-
tes, outros Encontros se realizaram, tendo sempre um tema
próprio: «Viver», «Crer», «Um desafio: esperar». Diante do
éxito obtido e por influencia de Margarida Moyano, Secretá-
ria-Geral da Juventude Católica Latino-Americana, o Prior
Ir. Roger Schutz resolveu langar a idéia de um «Concilio de
Jovens». Na Páscoa de 1970, urna equipe internacional de
jovens anunciou a «Alegre Noticia»... Todavía, antes da
concretizagáo da idéia, foi necessário proceder a urna serie de
preparativos: em diversas partes do mundo criaram-se grupos
ou células destinados a refletir sobre a maneira de levar a
termo a idéia com o máximo de éxito.

Finalmente na Páscoa de 1972 foi anunciada a data de


realizagáo do Concilio: agosto-setembro de 1974.

Com efeito, de 30 de agosto a 1« de setembro de 1974


tima multidáo de 30.000 a 35.000 jovens, provenientes de 120
paises, participou do grande- Encontró. Este, porém, seria

— 124 —
JÁ OUVIU FALAR DE TAIZÉ? 33

(e foi) apenas a primeira sessáo do Concilio, que se protrairá


por diversas sessóes no decorrer de alguns anos, tomando
sedes sucessivas nos varios continentes do globo. Os congres-
sistas acamparam em tendas no vale próximo á colina de
Taizé; nesse vale e na colina foram constituidos cinco centros
de distribuicáo de refeigóes; vendiam-se também, em diversos
lugares, alimentos, bebidas e utilidades a baixo prego. Os par
ticipantes do Congresso pagaram a sua diaria, dentro dos mol
des do seu possível; em geral, o Congresso e os congressistas
procuraram autofinanciar-se, renunciando a doagóes. Muitos
jovens fizeram horas «extra» de trabalho a flm de poder
ganhar a sua subsistencia no Congresso.

Os debates do certame levaram fortemente em considera-


cáo a situagáo angustiada de numerosos grupos e populagóes
do globo; os representantes do Terceiro Mundo relataram as
condigóes de vida dos respectivos paises, despertando assim os
demais congressistas para o desafio da época aos cristáos e
aos homens de boa vontade. O S. Padre Paulo VI, o Patriarca
Dimitrios de Constantinopla (Istambul) e o Pastor Philip
Potter, do Conselho Mundial das Igrejas, enviaram sua men-
sagem aos joyens reunidos, comunicando-lhes a orientagáo da
fé neste momento, em que as posigoes extremistas exercem
forte sedugáo.

Em conclusáo, nao se pode deixar de registrar a agáo do


Espirito Santo na comunidade de Taizé. Esta é realmente um
sinal de reconciliagáo tanto para os cristáos como para todos
os homens que desejem viver mais fraternalmente esta fase
da historia.

A propósito, citamos

Ragra de Taizé
Oficio de Taizé
Rogar Schutz, "vivre l'aujourd'hui de Dieu". Presses de Taizé.
ídem, "L'unité, esperance de vle". Ib.
ídem, "Ta féte solt sans fin". Ib. Traduzido para o portugués, com o
titulo "Que tua Páscoa permaneca para sempre". Ed. Paulinas 1972.
ídem, "Lettres de Taizé".
Revista "Communion" (Taizé), outrora "Verbum Caro".
Jean-Claude Grenler, "Taizé et le Concile des Jeunes" em "Informa-
tions Cathollques Internationales" n? 452/463: 15/8 — 1/9/74, pp. 16-23.
Almé Savard, "Le Conclle des jeunes", ib. n? 464, 15/9/74, pp. 3-7.26.
"Taizó", número especial de "Fétes et Salsons", Janeiro 1965.

— 125 —
Os mortos reaparecem ?

quem sao os zumbis?

Em síntese: Os zumbis sao "mortos" ambulantes relacionados com


práticas dos houngans sacerdotes da religlSo Vodu existente na república
de Haiti.

Os feitlcelros dessa régiüo conhecem a eficacia de certas drogas de


origem vegetal para colocar alguém em estado cataléptico e fazer essa
pessoa ressurgir dai. Aplicam tais drogas a individuos que, a um titulo
preciso, Ihes sSo indicados por "devotos"; a vitima, entrando em estado
de morte aparente (nao real), é sepultada pelos familiares como se esti-
vesse morta. A seguir, os houngans a desenterram secretamente e Ihe
minlstram outra dose da droga, que reanima o paciente, tornando-o, de
entáo por diante, semelhante a um cadáver ambulante; é a esse tipo de
vltlmas que se dá o nome de zumbís, palavra provavelmente derivada do
congolés nvumbi, corpo lánguido, quase privado de vida.

Esse fenómeno, raro ou Inédito no Brasil, ó mais urna expressio do


extraordinario que a fantasía popular tende a atribuir a forjas do Além,
mas que na verdade se explica simplesmente pela acáo de forjas da
natureza.

Comentario: O fenómeno dos zumbis é típico das reli-


gióes afrioanas (do Senegal, do Daomé, do Congo...). Veri-
fica-se nao só na África, mas também no Haiti, onde se deu
grande afluxo de negros reduzidos á escravidáo. No Brasil,
sabe-se que a Una do Governador (RJ) tem, entre os seus
bairros, o do Zumbi. Em poucas palavras, trata-se, á primeira
vista, de mortos que voltam á vida sob aspecto de fantasmas,
impressionando e apavorando os viventes; estes entáo sao
fácilmente levados a crer que forgas do Além os estáo perse-
guindo.

Visto que tal fenómeno é urna das muitas manifestacóes


de fisiología e psicologia associadas á religiáo, procuraremos
elucidar o que sejam os zumbis, a sua origem e o seu signi
ficado.

1. A religioo vodu no Haiti


A ilha do Haiti (= Térra alta, em língua indígena) foi
descoberta em 1492 por Cristóváo Colombo, que Ihe deu o

— 126 —
QUEM SAO OS ZUMBÍS? 35

nome de Hispaniola. Era habitada pelos indios Arawaks, que


em breve desaparecerán! sob o peso dos trabalhos forgados a
que eram submetidos. Para substituir tal máo-de-obra, os
espanhóis e, depois, os franceses importaram escravos da
África. Estes levaram para a ilha do Haití a sua religiáo de
origem: o Vodu ou culto da serpente do Daomé.

Em 1804 a populagáo do Haití proclamou a sua indepen


dencia. Mais de cem anos se seguiram, nos quais desordens e
revoluQóes sangrentas perturbaran! a nacáo. Em 1916 os ame
ricanos do Norte ocuparam a ilha, até que finalmente em 1935
o Haití recuperou a sua independencia, ttíoje em dia a ilha
é repartida por duas Repúblicas: a de S. Domingos, que ocupa
2/3 da mesma e fala o espanhol; e a do Haití, onde o francés
é a língua oficial.

A religiáo que inspira a populacho modesta do Haití é a


de Vodir, palavra que na Guinéia serve para designar o culto
da serpente, também chamada outrora Dangbé e hoje (no
Haití) Damballáh. Esse culto admite também os chamados
loas ou intermediarios entre a Divindade Suprema e os ho-
mens. Os haitianos fizeram seu sincretismo religioso, identi
ficando seus loas com santos do Catolicismo.

O culto vodu é secreto. Tem seus sacerdotes chamados


houngans, e sacerdotizas ditas mambos.

Um dos fenómenos religiosos mais típicos da religiáo vodn


é o dos zumbís, que passamos a analisar.

2. Os zumbís

A palavra zumbi vem provavelmente do congolés NVUMBI,


que designa um corpo lánguido, que está para perder a vida,
mas aínda nao morreu; vem a ser também um fantasma. Na
linguagem haitiana, zumbi tem significado preciso: designa
alguém que, aparentemente morto, os houngans retiram do seu
túmulo para lhe restituir vida nova, lánguida, tornando-o como
que um cadáver ambulante, um morto vivo, que assusta toda
gente.

O fenómeno se baseia no fato de que há distingáo entre


a morte aparente, a morte clínica e a morte real de urna
pessoa.

— 127 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

2.1. «Morte» e morte

Na morte aparente e na morte clínica, cessam as pulsa-


Cóes do coragáo, esfria-se o corpo, nao se percebe movimento
do diafragma, o paciente perde a sua sensibilidade... Toda
vía esse estado nem sempre corresponde á total e real extin-
cáo da vida do paciente; a alma ou o principio vital do mesmo
pode pennanecer no sujeito em estado latente aínda algumas
horas depois de cessados os síntomas da vida; pode mesmo
tornar a produzir sinais de vida e animar o presumido cadáver.

Sao famosos alguns casos de morte aparente, distinta da


morte real.

Assim o Dr. Griba!, chefe de clínica da Faculdade de


Montpellier, foi um dia chamado a ver urna jovem tida como
moría, havia algumas horas. Averigüou nessa moga todos os
sinais de morte real: ñacidez dos globos oculares, lividez das
faces, perda do movimento e da sensibilidade, ausencia de
pulso e esfriamento do corpo. A ausculta do coragáo durante
um ou dois minutos nao dava a perceber batida alguma; nao
se percebia o mínimo movimento do diafragma. Foram inúteis
todos os meios aplicados para restituir a jovem á vida. Nao
obstante, quando já ninguém mais o esperava, a paciente vol-
tou espontáneamente a dar sinais de vida.

Em Bostón, o pulso de um homem enforcado já nao batía,


havia mais de urna hora. Em conseqüéncia, os médicos haviam
declarado a morte definitiva, quando Brown-Séquard abriu o
peito do supliciado; verificou-se entáo que o coracáo ainda
pulsava. Na primeira hora, contaram-se quarenta pulsagóes
por minuto; ao termo da segunda hora, registravam-se ainda
cinco batidas por minuto. Somente tres horas após a aber
tura do tórax as pulsagóes do ceracáo cessaram por completo.

Sao numerosas as crónicas que, no decorrer da historia,


referem ter-se um defunto erguido sobre o seu leito mortuá-
rio, disseminando o pavor entre os familiares. Um-médico
alemáo do século XVHI afirmava que um terco da humani-
dade fora enterrado vivo. Em 1846, o Dr. Le Guern julgava
que dois mortos sobre mil eram enterrados vivos todos os
anos, ao passo que o Dr. Goubert só admitía a metade dessa
cota. Por ocasiáo da trasladagáo dos despojos de mortos
sepultados no cemitério de Fort Randall para outra regiáo nos
Estados Unidos em 1896, os peritos conciuiram que duas pes-
soas dentre cem haviam sido enterradas vivas, dada a posigáo

— 128 —
QUEM SAO OS ZUMBÍS? 37

dos seus restos mortais ñas respectivas sepulturas. Tais cifras,


como se vé, sao assaz oscilantes; todavía nao deixam de denun
ciar um fenómeno para o qual pouca atengáo se costuma dar.

Feitas estas observacóes, retornemos ao Haiti.

2.2. A prétícá dos zumbís

No Haiti alguém que se queira vingar de outra pessoa ou


obter favores para si dá parte dos espirites superiores cha
mados baleas, pode dirigir-se a um houngan (feiticeiro) e
confiar-lhe esse vívente para que o transforme em zumbí. O
houngan, caso aceite a proposta, procura entáo fazer que a
vítima indicada beba determinada droga de origem vegetal.
Na verdade, os houngans conhecem exatamente as virtudes
secretas de certas plantas da familia dos cactos, que sao vene
nosas; com esses vegetáis confeccionam urna pocáo, que eles
dáo a beber as pessoas indigitadas. Estas caem num estado
de morte aparente. No Haiti, em virtude do forte calor do
clima, nao é costume esperar tongamente para se fazer o
enterro do suposto defunto. Em conseqüéncia. a vítima posta
por drogas em estado cataléptico, é sepultada sem grandes,
delongas. Horas depois da inumacáo, o houngan vai desen
terrar o pretenso cadáver, e ministra-lhe outra dose de droga
vegetal, diversa da anterior; essa nova pocáo ataca certos
centros nervosos e corroí zonas do seu cerebro, tornando-o
um zumbi ou um morto-vivo, um morto acordado. Esse pa
ciente terá, de entáo por diante, os olhos esbugalhados e o
rosto lívido, caminhará como um autómato e se alimentará
como um animal selvagem.

Consciente disto, o Governo do Haiti, em seu Código Pe


nal, decretou o seguinte:

"Artigo 249. . Será tído como atentado de morte todo


uso de substancias que, sem acarretar a morte, provocan-»
sonó letárgico mais ou menos prolongado.

E o fato de enterrar a pessoa a quem tais substancias


tenham sido ministradas, será tido como morticinio, qualquer
que tenha sido o desenrolar dos fatos após o sepultamento".

Note-se aínda que a procura de «mortos» para os trans


formar em zumbís leva as familias a proteger os túmulos,,
recobrindo-os de espessos blocos de tijolos e cimento.

Póe-se ainda urna pergunta:

— 129 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

2.3. E qual a droga aplicada?

Os estudiosos tém procurado descubrir quais as plantas


de que se servem os feiticeiros e magos para produzir as dro
gas mencionadas atrás.

Tres viajantes ingleses — Gardner, Edward Long e Mat-


thew Gregory Lewis — referem em suas obras que na ilha
da Jamaica o médium de urna sociedade secreta convencía os
adeptos do seu poder de restiuir a vida aos mortos, usando do
seguinte recurso: dava de beber a determinada pessoa urna
pogáo na qual tinham sido trituradas folhas de urna planta
cucurbitácea oriunda das Guianas e chamada calalou ou Bran-
ched calalue ou ainda solanum. Depois que o paciente tomara
essa bebida, o mago incitava-o a girar sobre si mesmo, até
que caisse por térra. Parecía entáo ter perdido a vida: nem o
pulso nem o coragáo lhe batiam. (Horas mais tarde o médium
triturava um punhado de outras ervas e fazia escorrer o suco
respectivo entre os labios do pseudo-morto. A seguir, esfre-
gava os olhos e as pontas dos dedos do paciente com mais
outras ervas, cantando seus encantamentos. Após prolongado
lapso de tempo, o corpo voltava a vida; o paciente se levan-
tava e tornava a caminhar como no passado.

Dois outros exploradores americanos — Camochan e


Adamson — afirmam ter visto na África um indígena que,
depois de ter absorvido um pouco de pó de certa raiz cha
mada Kingoliola, se pos a dangar por ordem do feiticeiro,
tendo um grande espinho atravessado na língua. O próprio
Camochan engoliu urna pitada dessa misteriosa droga, em
conseqüéncia do que experimentou as seguintes sensagóes:
"Perdí a capacidade de mover-me... Eu já nao podía pensar. Nem
sentir. A Imaginagáo me desfalecia. Eu já nao era capaz de sonhar nem
de ter alucinacfio. Nem exporlmentava necessidade de dormir. N3o ressen-
t!a nenhuma das reagdes mentáis e tísicas das pessoas habituadas ás dro
gas do opio e da coca. Durante duas horas, permanecí sentado em minha
cadelra e fítel o meu espelho com olhos que nSo tinham olhar. Por um
momento, senti-me também despojado de toda a minha vitalidade. Todavía
no Instante seguinte comecel a sentir-me totalmente normal" (transcrito do
livro de C.-H. Dewlse, "Les zombis", p. 126s, citado na bibliografía deste
artigo). ' ■ '
A Sra. Edna Taft estudou tongamente no Haití o fenó
meno dos zumbís, procurando, entre outras coisas, descobrir
os tipos de drogas e de vegetáis aplicados pelos houngans
aos seus pacientes. Nao puderam, nem essa pesquisadora nem
outros estudiosos, chegar a qualquer conclusáo satisfatória
nesse setor, pois, como se compreende, os magos tudo fazem

— 130 —
QUEM SAO OS ZUMBÍS? 39

para guardar os seus segredos, dos quais. depende o éxito de


suas práticas. • ''■ ■

Em suma, eis o que se pode dizer de mais importante


sobre o fenómeno dos Zumbis ou dos mortos vivos. Embora
tal fenómeno seja raro ou inédito no Brasil, interessa ao leitor
brasileiro porque é mais um caso de aparente sobrenatural
que se elucida por fatores naturais. Propondo tal explanagáo,
o cristáo nao tenciona negar os auténticos portentos produzi-
dos por Deus e atestados tanto pela. Biblia como, por documen
tos posteriores, mas importa-lhe distinguir sempre o verda-
deiro do falso, principalmente no setor das nianifestagoes reli
giosas extraordinarias.

3. Termo final
Á guisa de ilustracáo do fenómeno dos zumbis e do am
biente no qual ele se produz, seja referido o seguinte episodio
histórico:

A Sra. Edna Taft, atrás citada, conta que certa noite os


habitantes de pequeña cidade litoránea do Haiti, foram des
pertados por ruidos de passos. Levantando-se e olhando pelas
janelas, os cidadáos perceberam urna fileira de homens mas-
carados que levavam caixóes mortuários sobre os ombros. To
dos os moradores da cidade julgaram que se tratava de feiti-
ceiros que haviam desenterrado «cadáveres» para fazer zum
bis. A maioria apavorou-se; mas alguns,. mais destemidos,
resolveram atacar com bastees. Atiraram-se sobre os masca-
rados e os obrigaram a abrir os caixóes. Contudo nestes só
encontraran! rendas e artigos de armarinho... Na verdade,
tais aparentes feiticeiros nao eram senáo mercadores sirios,
que haviam feito desembarcar em contrabando as suas merca-
dorias e se aprestavam a levá-las para o interior da ilha,
onde seriam vendidas. Haviam-se disfamado em feiticeiros
fazedores de zumbis na esperanga de serem assim respeitados
por quantos os vissem. Mas haviam-se engañado! Os homens
corajosos da cidade litoránea os desmascararam!

A propósito veja:

C.-H. Dewisne, "Les zombis ou le secret des morts-vivants". Colefáo


"Bilan du mystére" n"? 2. Paris 1957.
Ídem, "Terres caraibas". Paris.
Camochan e Adamson, "L'Empire des serpents". París 1938.
E. Taft, "A puritan ¡n voodoo-Land". Philadelphia 1938.
W. B. Seabrook, "L'ile magique". Paris 1932.

— 131 —
Sempre candente:

mais urna vez a maconaria

De vez em quando ouvem-se comentarios no sentído de


que a nossa revista «Pergunte e Responderemos» estaría sendo
simpática a Maconaria. ■

A bem da verdade, julgamos oportuno observar o seguinte:

PR nao tem tomado iniciativas próprias nem proposto


alguma teoría particular no tocante as relagóes da Igreja com
a Maconaria. Todavía em seu n* 179/1974, pp. 415-426 a nossa
revista publicou e explicitou, com fidelidade, um documento da
Sagrada Congregagáo para a Doutrina da Fé (sediada em
Roma) datado de 19/VII/74. Nesse documento a S. Igreja
declarava:

1) Continua em vigor o canon 2.335, que censura com


excomunháo os fiéis católicos que entrem na Magonaria ou em
outra sociedade que trame contra a Igreja. /

2) Este canon há de ser interpretado em sentido estrito.


Ele atinge a Maconaria na medida em que esta trama contra
a Igreja, e precisamente por este motivo. Isto quer dizer: se
alguma Loja Magónica nao trama contra a Igreja (o que
outrora nao se ouvia dizer e hoje é dito vez por outra), o
fiel católico que nela ingresse nao cai sob excomunháo.

O motivo de tal atitude de Roma é o fato de que muitos


bispos, sacerdotes e fiéis leigos afirmam haver hoje em dia
Lojas Macónicas que nao tramam contra a Igreja, mas sao
neutras do ponto de vista religioso.

A Santa Sé nao quis dirimir a questáo: há ou nao há


Lojas Masónicas inocuas á fé católica e á S. Igreja? Nao lhe
era possível fazer isto, dada a complexidade do assunto, nem
era sua intencáo proceder a pesquisa de tal género, que seria
sempre incompleta. Mas o que interessava á S. Congregagáo
para a Doutrina da Fé era levar em conta a possibilidade
(apontada em casos concretos e definidos) de haver Lojas

— 132 —
MAIS UMA VEZ A MAQONARIA 41

Magdnicas inocuas. Se as há (nao é Roma quem dirime a


questáo), é compreensivel que as autoridades romanas nao
desejem excomungar quem a elas se filie (o que seria injusto
e antipastoral).

Perguntará alguém: mas como pode um fiel católico saber


se tal ou tal Loja é ou nao infensa á Igreja, visto que a Maco-
nana é sociedade secreta, que só aos poucos revela os seus
segredos?

A esta pergunta (formulada pelo próprio episcopado brasi-


leiro reunido em Itaici, SP, de 19 a 26 de novembro de 1974)
a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé respondeu aos
12/IEI/1975, declarando:

"Seria talvez desejável (mas certamente nao suficiente e


nao de se esperar) urna declaracáo pública por parte da Loja
em questáo, na qual se dissesse que nao entra nos intentos
déla <combater a Igreja. Parece, entretanto, que se possa dar
fé aqueles que, inscritos há anos na Maconaria, soiicitam
espontáneamente ser admitidos aos sacramentos (o que Ihes
era antes negado por esse motivo), declarando — 'onerata
ipsorum conscientia' — que a Loja na qual estáo inscritos
nao persegue e nao tem mais exigido deles compromissos
contrarios á sua reta consciéncia crista.

Nao parece, por outro lado, conveniente que os Bispos


facam, ao menos na atual situacao dos fatos, publicamente
declaracóes sobre esta ou aquela Loja".

Esta resposta diz respeito aos macons que tém anos de


militáncia na Magonaria e podem atestar, por experiencia pes-
soal, o que a sua Loja pensa e faz. A esses macons que pegam
os sacramentos da Igreja, alegando inocuidade (sem que nada
desabone esta afirmacáo), pode-se dar crédito.

Quanto aos católicos que ainda nao pertencem á Maco


naria e nela desejam entrar, para que o possam fazer de cons
ciéncia tranquila, procurem previamente certificar-se dos ru
mos filosóficos adotados pela Loja a que se candidatam. Pro
curem chégar á possivel clareza, usando de sinceridade para
consigo mesmos, para com a Igreja e para com Deus. Se se
Ihes torna evidente que em tal Loja nao há intenc.5es anticató
licas, entrem...; estaráo obligados, em consciéncia, a deixar
a Loja, sob pena de excomunhao, no dia em que adquirirem

— 133 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 195/1976

a certeza de que a respectiva Loja agride, de algum modo, a


Igreja (sua doutrina, suas pessoas ou suas instituicóes). Nao
é necessário que haja compló secreto ou planejamento de acáo
hostil para que os membros de tal Loja sejam passivos de
excomunháo. — A resposta de Roma datada de 12/Ü/1975
foi abordada em PR 188/1975, pp. 372-375.

É este o teor das declarares mais recentes de Roma


sobre a Magonaria. Como se vé, tais documentos nada defi-
nem a respeito da Magonaria nem implicam na retratagáo de
algum canon da Igreja"-(nao foi abolido o can. 2.335). Ape
nas explicam o sentido de tal canon em nossos días: esta lei
da Igreja foi redigida numa época (1917) em que se supunha
que todas as Lojas masónicas tramavam contra a Igreja;
por isto nao se podia admitir sequer a hipótese de se fazer
alguma distincáo no tocante á aplicagáo universal do canon
2.335. Ora hoje em dia se diz haver Lojas inocuas; a Santa
Sé, sem julgar esta noticia, apenas declara que, no caso de
se dar tal hipótese, o canon nao tem aplicagáo (como é com-
preensível). Estamos diante de assunto complexo, no qual a
Igreja nada quis propor em termos dirimentes; apenas ten-
cionou levar em consideragáo situagóes novas, na medida em
que estas realmente existam.

De resto, a temática abordada pelos documentos de Roma


e por PR se limitava estritamente á questáo: estará em vigor
a excomunháo para todos os fiéis católicos que entrem na Ma-
gonaria? — Da resposta de Roma e dos artigos de PR (cujo
teor foi atrás recordado) nao se segué a conveniencia de se
celebrar a S. Missa em dia aniversario de alguma Loja mac.c~
nica. Este outro aspecto da questáo é independente do que foi
abordado em PR; depende de «decisáo local». Veja-se a pro
pósito a nota colocada á p. 112 deste fascículo.

PR sempre procurou ser fiel 'á Igreja e ao público que


confia na linha doutrinária adotada por esta revista. Man-
ter-se-á firme neste propósito. De resto, a redagáo deste perió
dico será sempre grata as observagóes ou sugestóes que lhe
venham da parte dos amigos, no intuito de melhorar constan
temente o servigo que a revista pode prestar aos estudiosos
católicos e nao católicos.

Estevao Bettencourt O.S.B.

— 134 —
LIVROS EM ESTANTE 43

livros em estante
0 enigma da rellgiáo, por Rubem Alves. Centro de InvestlgacSo e
Divulgaste Publlcac6es CID, Teologia/10. — Ed. Vozes, Petrópolis 1975,
135 x 210 mm, 169 pp.

Rubem Alves é um pensador protestante, que, alies, narra no Mvro


ácima enunciado algo da sua conversSo do indiferentismo ao Cristianismo.
É assaz liberal dentro do protestantismo e tem contatos de estudo e refle-
xáo com teólogos católicos. — A obra que aqui recenseamos, ó urna
apología do senso religioso existente em todo homem. O autor analisa as
correntes filosóficas que, a partir do séc. XIX, tém proclamado o fim da
era religiosa: positivismo, marxismo, freudismo, a escola de Nletzsche....
e verifica que todas as profecías atinentes á extinc3o das manifestac6es
religiosas da humanidade sio desmentidas por acontecimentos contempo
ráneos; o senso religioso tem procurado novas expressoes de si mesmo;
o único Deus tem sido substituido por deuses ou Ídolos (a ciencia, a
técnica, o prazer e outros...) ou vem sendo redescoberto e proclamado,
mesmo nos países dominados pelo marxismo, onde a propaganda atéla é
sistemática e constante. SSo muito interessantes as consideracSes que o
autor tece a respeito da ciencia e da técnica: mostra que nSo sao capazes de
saciar todos os desejos e as aspirac6es espontáneas do homem, pois este
fica sendo sempre sequioso do Transcendental e do Infinito (pp. 138-169).
O livro constituí asslm um elemento de reflexao sobre a filosofía e a histo
ria do homem moderno e do homem contemporáneo. Fala a intelectuals,
familiarizados com as categorías do pensamento de nossos días, podendo
servír-lhes de valioso subsidio para encontrarem a auténtica face de Deus
ou para fortalecé-los na fé I — Verdade é que Rubem Alves nao professa
adesSo á Igreja Católica; todavía presta grande servigo ao público mos
trando a Inextingüibilldade do senso religioso.

O livro se encerra com as palavras de Lamartine: "As utopias amiúde


nao passam de verdades prematuras". Por "utopias", no caso, R. Alves
entende a Verdade Plena, o Amor sem tralgSo, a Vida sem morte, a Feli-
cidade...; nao há ser humano que nSo "sonhe" utópicamente com esses
valores; pois bem, aspirar a eles em nome da fé e da religiio n3o é fugir
a realidade, mas é anteclpar urna realidade segura.

Vtnte palavras de Cristo, por Alfred Lapple. TradugSo de Clemente


Raphael Mahl. Colegio "Oragáo e Acfio", terceira serie, n? 9. — Ed. Pau
linas, SSo Paulo, 1975, 110 x 190 mm, 84 pp.

O autor já se tornou notorio no Brasil pelos seus estudos bíblicos


traduzidos para o portugués e sempre profundos e equilibrados. — O pre
sente livro destlna-se á reflexSo e oracSo: comenta vinte breves frases-
do Novo Testamento aptas a avivar no leitor as grandes certezas da men-
sagem crista: "Deus é Amor", "O Verbo se fez carne...", "Quem eré
em mim, já tem a vida eterna...", "Buscai primeramente o Reino de
Deus...",... "Vem', Senhor Jesús I" Trata-se de medltacSes relativamente
breves e profundas que, sem dúvlda, alimentam a oragüo. Apenas é de
notar que o pensamento de Lapple por vezes poderla ser mais claramente
expresso e menos pesado; sente-se o fundo europeu e nórdico do livro.
Por exemplo, á p. 52, o autor comenta os dizeres de Cristo: "Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonaste?" (Me 15,34); cita entSo um trecho

— 135 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 195/1976

de Helmut Gollwitzer, que diz: "A ruptura nao se dá apenas em Jesús,


mas em Deus mesmo. Deus mesmo é abandonado por Deus. Deus 'expul-
sa-se' a si mesmo". Continua Lapple, asseverando: "N§o se deveria
ocultar nem dissimular o fato de que com o grito de Jesús na cruz houve
um 'tumulto' em Deus". — Ora estas palavras de Lapple sao lacónicas;
mereceriam ulterior elucldacao do autor; por que nao dlzer que Jesús,
ao clamar na cruz, quls assumir sobre si o sentimenlo de abandono e
solidao a que se sujeita o homem pecador ? NSo se trata de urna ruptura
em Deus; mas Jesús, como homem, quis experimentar e viver aquilo que
o homem pelo pecado experimenta: abandono, solidáo...

A vlrgindade na Biblia, por Lucien Legrand. TraducSo da Abadia de


Nossa Senhora das Gragas. ColecSo "Estudos bíblicos" 5. — Ed. Paulinas,
Sao Paulo 1975, 130 x 200 mm, 139 pp.

Este livro desenvolve o significado dos principáis textos bíblicos


referentes á virgindade. Comega com a figura do profeta Jeremías, que
permanece celibatárlo em sinal da ruina que estava para se abater sobre
Jerusalém (cf. Jr 16,1-4; 9,19-21). Importa frisar que já nesse caso a
vida una é abracada como sinal ou como oráculo vivido. — Ela continua
a ser tal nos escritos do Novo Testamento, significando a presenca da
realídade definitiva e escatológica trazida por Cristo ao mundo (cf. 1Cor
7,26): a "necessldade presente" — justificativa da virgindade, segundo
SSo Paulo — nao seriam "os mil cuidados que afligem as pessoas casadas"
nem "as perseguicSes vindouras que urna pessoa que nao casa suporta
mais fácilmente", mas, sim, a presenca dos bens últimos e supremos inau
gurados pelo Evangelho; estes sollcitam toda a atencSo do cristfio, podendo
levá-lo a abracar a vida una... — O autor propOe ainda o relacionamento
da vlrgindade com o Reino, a Cruz, a caridade, a llberdade..., explanando
com ciencia e arte exegéticas as riquezas dos textos bíblicos atinentes ao
assunto. O livro merece ser estudádo e largamente difundido.

Dos cinco aos vinte e cinco anos. Dinámica do sexo, por Gusti
Gebhardt. Traducáo de Luiz JoSo Galo. Colec3o "Horizonte" 1. — Ed.
Paulinas, S3o Paulo 1975, 120 x 200 mm, 156 pp.

Em nossos días muito se fala de educacüo sexual, cuja necessidade


parece Impor-se cada vez mais, dada a onda de erotismo e curiosidade
pelo, sexo que invade a socledade e, especialmente, o mundo jovem. Mullos
país de familia e educadores procuram freqüentemente um manual de que
se possam servir para iniciar gradativamente as criancas e os adolescentes
na vida sexual de maneira digna e construtiva. Ora é com grande satis-
facáo que recomendamos o livro de Gusti Gebhardt ácima descrito.

A autora é urna educadora alema, de formacSo católica e grande


experiencia no setor educacional. Descreve de maneira suficientemente
clara e respeitosa tudo aquilo que o educando necessita de conhecer gra
dativamente; usa, para tanto, o estilo de coloquio, fazendo geralmente eco
as conversas que teve com seus filhos e alunos de ambos os sexos, em
diversas faixas etárlas. A autora considera nSo somonte o fenómeno da
reproduc&o humana como- tal, mas encara outrossim os problemas da
masturbacSo, das relacdes pré-matrimoniais, do homossexualismo, da pros-
titulcao, do aborto... Segué em todos esses pontos a orientacSo da mais
autentica moral católica. A Prof? Gusti Gebhardt nada tem de filósofa
especulativa ou moralizante, mas com muito bom senso e realismo mostra

— 136 _
que a libertinagem sexual é, nio raro, caminho para disturbios físicos e
psíquicos, que se podem tornar obstáculos para genuino entrosamento
entre marido e mulrier e para a felicidade no casamento. Acentúa que o
autocontrole (o autodominio) do(a) jovem sobre si mesmo(a) nunca fez mal
a nínguém, ao passo que "a falta de controle fez perder a cabeca a muita
gente" (p. 100). Ensina também: "Praticar a abstinencia desde pequeño
nao é coisa fora da moda, mas necessária, se o menino se quer tornar
homem maduro. Quem nao sabe renunciar a um cinema, se este nao
cabe no seu pequeño orcamento, quem nunca sabe dizer nao, quando
todos os outros dizem slm, nao saberá também dominar o seu impulso,
quando chegar o momento de fazé-lo" (p. 103).

Em suma, a autora propde nao apenas informacSo, mas também for-


macáo sexual. Aquela sem esta poderia ser excitante e nociva: "Urna
mulher é algo mais que urna fémea, e o homem é algo mais que um
macho. Eu teria sido de pouca ajuda para meu filho, se Ihe tivesse dado
somente a resposta precisa as suas perguntas e tivesse, ao mesmo tempo,
negligenciado de falar-lhe da honestidade, do asseic, da ordem e da
renuncia, da renuncia por amor do outro. Além disso, bem pouco teria
feito por ele se tivesse descuidado de despertar e cultivar nele desde
pequeño aquilo que chamamos de coracao e consciéncia" (p. 20).

A importancia de tal livro, simples e profundo, merece ser realcada,


máxime nestes tempos, em que a S. Igreja, mediante documento recente
(29/XII/1975), houve por bem lembrar mais urna vez ao mundo a necessi-
dade de disciplina no tocante ao uso do sexo. Os imperativos da vida
sexual tornam-se cada vez mais escravizadores, porque os jovers julgam
que sSo irresistfveis e que, se nao cederem desde cedo ao sexo, seráo
prejudicados ffsica ou psíquicamente. — Altamente beneméritos, pois, sSo
os educadores que tém a coragem de abrir outras e novas perspectivas
para os jovens e os adultos, contribuindo para liberté-tos do jugo humi-
Ihante e daninho do erotismo e da libertinagem sexual!

Conversas de amor e sexo, por Joáo Batista Megale. Colecáo "Con


versas..." 1. — Ed. Paulinas, Sao Paulo, em 1974 segunda edicáo revista
pelo autor, 135 x 200 mm, 94 pp.

Eis mais um livro bem orientado que verba sobre sexualidade. Dirige-se
a jovens, falando-lhes em estilo correspondente. Nao apresenta nocSes
técnicas de fisiología ou moral, mas, em linguagem fácil e vivaz, propóe
o que o uso do sexo pode significar de positivo para um jovem e c
que vém a ser abuso e deturpacáo do sexo, insiste fortemente em que
o rapaz e a moca se libertem tanto da erolizagao — muito incutida pelo
méio ambiente — como da dessexualizacSo. O sexo, no ser humano, difere
do sexo no animal, pois nao é comandado apenas pelos hormónios e os
instintos, mas também pelo cerebro e o coracáo; "o comportamento sexual
que o homem adquire, depende da imagem que ele faz do sexo, do modo
como ele aprendeu a encarar o sexo" (p. 19). Essa imagem é freqüente
mente incutida pelos meios de comunicagáo social (cinema, teatro, tele-
visáo, revistas...), que sao orientados nao por interesses sociais e comu
nitarios, mas, sim, por objetivos lucrativos e financeiros; em conseqüéncia,
muitas vezes os jovens sao vltimas de obsessoes sexuais e erotismo, que
se devem a inescrupulosos exploradores da inexpe.iéncia da geracüo jovem.

é, pois, chegado o momento de se conscientizar a juventudo contem-


po.anea do quanto ela vem sendo manipulada e vilipendiada na sociedade
do concurrió. — O livro de Joáo Batista Megale já tem sido de grande
valia e continuará a ajudar muita gente a encontiar o caminho corto no
setor da vida afetiva.
E. B.
ORAgAO DA FRATERNIDADE

SENHOR,

EU TE PECO PELA NOSSA FRATERNIDADE:

QUE NOS CONHECAMOS SEMPRE MELHOR EM NOSSAS ASPIRACOES


E NOS COMPREENDAMOS MAIS EM NOSSAS LIM1TACOES.

QUE CADA UM DE NOS SINTA E VIVA AS NECESSIDADES DO OUTRO.

QUE NINGUÉM FIQUE ALHEIO AOS MOMENTOS DE CANSACO,


DISSABOR E DESANIMO DO OUTRO.

QUE NOSSAS DISCUSSOES NAO NOS DIVIDAM,


MAS NOS UNAM NA BUSCA DA VERDADE E DO BEM.

QUE CADA UM DE NOS, AO CONSTRUIR A PRÓPRIA VIDA,


NAO IMPECA O OUTRO DE VIVER A SUA.

QUE NOSSAS DIFERENCAS NAO EXCLUAM NINGUÉM DA


[COMUNIDADE,
MAS NOS LEVEM A BUSCAR A RIQUEZA DA UNIDADE.

QUE OLHEMOS PARA CADA UM, SENHOR, COM OS TEUS OLHOS,


E NOS AMEMOS COM O TEU CORACAO.

QUE A NOSSA FRATERNIDADE NAO SE FECHE EM SI MESMA,


MAS SEJA DISPONlVEL, ABERTA, SENSlVEL AOS DESEJOS
[DOS OUTROS.

QUE, NO FIM DE TODOS OS CAMINHOS, ALÉM DE TODAS AS


t BUSCAS,
E NO FINAL DE CADA DISCUSSÁO,
E DEPOIS DE CADA ENCONTRÓ,
NAO HAJA «VENCIDOS» OU «VENCEDORES»,
MAS HAJA SOMENTE «IRMÁOS».

E ESTARA COMECANDO O CAMINHO QUE NOS LEVARA AO CEU,


ONDE PARTICIPAREMOS DO BANQUETE ETERNO
DA FRATERNIDADE UNIVERSAL PERFEITA I

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