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• Introdução
• Desenvolvimento em uma ou mais partes a critério do autor
• Conclusão
• Referências bibliográficas de acordo com as normas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT
Resumo:
O objetivo deste é propor reflexões sobre a prática extensionista como espaço e
movimento de aprendizagem no espaço universitário a partir do referencial teórico do
filósofo Gilles Deleuze. O método seguido por esta análise é o da constatação da atual
configuração do ensino superior com base na indissociabilidade ensino, pesquisa e
extensão. Segue com a apresentação de alguns aspectos do pensamento de Gilles
Deleuze e como estes conceitos podem permitir outros olhares sobre a extensão
universitária como espaço de aprendizagem. Pode-se pensar a extensão universitária
como um espaço de “experienciação” de novas possibilidades de aprendizagem. Um
movimento que ocupa espaços, mas que não finca raízes pivotantes, fixa movendo-se
como rizomas. Assim pretendemos pensar a partir de alguns conceitos de Deleuze e a
partir da leitura que ele faz de outros autores como Nietzsche, Spinoza e Hume. Pensar
como estes autores permitem problematizar questões e propor sentidos para a
organização da extensão universitária como experiência de aprendizagem. O conceito
de rizoma, em especial, nos dá a possibilidade de pensar na permeabilidade que a
extensão pode ter em toda a universidade. O pensamento de Hume permite não mais
perguntarmos pela essência do ensino, da pesquisa e da extensão, mas sim, perguntar
sobre a relação entre as “coisas”. O pensamento de Nietzsche possibilita recolocar a
pergunta pelo sentido. Spinoza permite pensar sobre os encontros criados na extensão
como encontros que podem aumentar nossa potência de vida.
Assim, pode-se dizer que a questão que se coloca é: achar potenciais em Deleuze
para que seja possível encontrar potencialidades outras de pensar a extensão
universitária. Dito de outra forma, qual é o problema que essa questão busca responder?
Talvez um desconforto com as respostas sobre o modo de perceber a extensão
universitária encontrada nos manuais, nos documentos oficiais, nas políticas
governamentais, nas elaborações positivistas, marxistas ou fenomenológicas. Um
sentimento de estagnação que não consegue responder ao que impacta em diferentes
situações pedagógicas.
Deleuze foi construindo seu pensamento nos encontros que produzia com
filósofos que geralmente eram considerados meio periféricos ou marginais: Lucrécio,
Estóicos, Hume, Espinoza, Bergson, Leibniz e Nietzsche, além da busca de fazer
filosofia no diálogo com cinema, com a literatura e as artes em geral. Autores deram um
sopro, produziram ventos novos no pensamento já estabelecido. Aqui vai-se então
criando um monstrinho que uma minha visão sobre a extensão com o Deleuze. Como
isto está dando tesão, será também um filho monstro produzido com Deleuze e com
algumas colagens dos monstrinhos que ele produziu em alguns autores. A relação é
meio libidinosa, pois é fruto do desejo. Escreve-se aqui como quem faz uma experiência
de tentar perturbar alguma coisa estabelecida e desencadear outras experiências. Afinal
segue-se Deleuze que concebe que teoria é ação e que o valor de uma teoria está na
capacidade da mesma produzir efeitos no que comumente chamamos de real. Uma
teoria é interessante se faz funcionar alguma coisa. Esta será uma forma de olhar a
extensão, de explorar e percorrer a extensão de forma pouco ou nada percorrida.
“Escrever não tem outra função: ser um fluxo que se conjuga com outros
fluxos – todos os devires-minoritarios do mundo. Um fluxo é algo intensivo,
instantâneo e mutante, entre uma criação e uma destruição. Somente
quando um fluxo é desterritorializado ele consegue fazer sua conjugação
com outros fluxos, que o desterritorializam por sua vez e vice-versa.
“ (Deleuze, 1998,p.63)
Pensemos então o fazer extensão como um fazer que quer produzir efeitos no
ensino, na pesquisa, na comunidade, na estrutura institucional e mais. Talvez a categoria
“experiência” seja muito interessante e muito bem vinda de ser explorada neste
movimento que estamos querendo provocar. Experiência como algo que não se sabe de
antemão como será. Experiência que não se repetirá, posto que é única. Experiência de
convivência com o outro que não se reduz ao nosso poder de capturá-lo. Que não se
reduz ao poder de conhecê-lo, mas que está aí, para convivência como um outro.
Experiência de explorar todos os espaços da universidade e das aderências que esta tem
com a comunidade próxima, com o que chamamos sociedade e com a mãe Terra-Gaia.
Experiência de levar a universidade para além de onde parece que ela pode ir.
Encontremos seus limites e os forcemos um pouco mais.
Continuando com o deslocamento teórico, Deleuze afirma que existem dois tipos
de livros: aqueles que são aparelhos do estado, que estão a serviço do poder
estabelecido e os livros máquina de guerra. Como tal, estes últimos servem para gerar
processos revolucionários junto a outras máquinas de guerra. Num contexto em que
temos o ensino graduado e pós-graduado e a pesquisa tão normatizados, tão
enquadrados, os espaços de extensão teriam uma situação privilegiada como espaços
máquinas de guerras.
O encontro de Deleuze com Hume pode nos fazer pensar muito sobre a extensão
e sobre a universidade. Somos muitas vezes escravos de uma tradição platônica que
atravessou todos os períodos da história da filosofia. Platão ao propor a distinção entre o
que seria a essência e o que seriam os acidentes nas coisas e nos seres, deixou uma
herança que constitui até hoje nossas subjetividades. Reforçado pelo que foi depois
elaborado por Aristóteles e quase toda a tradição patrística e escolástica ainda hoje
costumamos a nos perguntar sobre as essências. Corremos atrás da melhor definição do
que seja universidade. Perguntamos o que é o ensino, o que é a pesquisa e o que é a
extensão. Esta é a forma hegemônica de nos relacionarmos com estas questões. Mesmo
que não abandonemos esta perspectiva, o convite é que nos permitamos um exercício a
partir do pensamento de Hume, ou do que Deleuze destaca em Hume. A perspectiva
empirista abandona a pergunta sobre as essências e passa a pergunta-se pelas relações
entre as coisas. Entendendo que as relações podem ser exteriores aos termos da relação,
pode-se postular que a relação pode mudar mesmo que não se mude o que sejam os
termos. Dito de outra forma bem diferente: mesmo não sabendo o que seja uma coisa,
não apreendendo o que seja sua essência, posso perceber e pensar sua relação com
outras coisas sem, inclusive, que estas coisas mudem o que são. Para os empiristas o
que dizemos que uma é não passa de uma coleção de impressões, imagens, ou seja, de
percepções. Mesmo o que dizemos sobre o “eu” não passa de um amontoado de
percepções.
Talvez pudéssemos pensar não em algo que se chama de extensão, mas sim de
relações extensionistas. Quando é ou como é que imaginamos as relações
extensionistas? Como fazemos esta relação com a sociedade e com a comunidade
acadêmica. A universidade trabalha com o conhecimento. Que relações estabelece com
o conhecimento e a sociedade? Com o conhecimento e a comunidade acadêmica? Com
o conhecimento e vizinhos? Com o conhecimento e poder público? Com o
conhecimento e mercado? (a repetição é proposital e deseja uma leitura lenta e atenta).
Que mudanças nossas práticas extensionistas provocam na relação com o “mercado”?
Com os estudantes? Com os docentes? Se buscamos definir o que seja a essência da
universidade e da extensão partimos de algo estático e que não deveria mudar. Mas se
em vez disso, pensarmos no que a universidade está fazendo, no que está praticando,
podemos postular que isso é apenas conjuntural, que faz sentido em um contexto e em
não em outro. Tudo pode ser diferente.
O que fazemos é sempre mutável. Sem o certo e o errado, sem um ideal a ser
alcançado. Viver cada contexto no que ele oferece de possibilidades. Estar atento para
não perder nenhuma “fresta” nas paredes. Pode ser interessante desligarmos um pouco
do dever ser na prática extensionista e buscarmos o que podemos criar e praticar.
Abandonarmos qualquer pretensão de seguir ou produzir um ideal.
Apesar de ter sofrido uma grande influência de Nietzsche, talvez seja Spinoza o
filósofo que mais elogios tenha recebido de Deleuze. A busca de Spinoza por construir
seu pensamento sem amarras institucionais, evitando qualquer dependência de poderes
constituídos lhe rendeu ira entre judeus e cristãos. Talvez sua vida, tida como errante e
solitária tenha reunido as condições de produzir uma das mais belas elaborações
filosóficas. A vida tem o costume de surpreender onde ela parece mais frágil. Penso que
dá para bebermos nas elaborações sobre os afetos algo para pensar a extensão, a
extensionalidade e a universidade.
Acreditamos que uma outra pedagogia, uma outra relação didática, uma outra
concepção de extensão, não melhor, nem pior que outras, que tenha uma característica
marcante de se evitar, de fugir de qualquer perspectiva facista, de afirmação do poder,
pode ser construída. Qual a sua forma ou como de fato vai ocorrer em cada lugar, em
cada situação específica, não há como determinar a priori.
Acreditar no mundo é o que mais no falta; nós perdemos completamente o
mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente
suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou
engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.
(Deleuze, 1992:p.218)
Bibliografia.
CRUZ, Jorge (org). Gilles Deleuze: Sentidos e Expressões. Rio de Janeiro: Ciência
Moderna, 2006.
_____. Foucault. (Trad. Cláudia Sant’Anna Martins); São Paulo: Brasiliense, 2005.
_____. Crítica e clínica. (trad. Peter Pál Pelbart); São Paulo: Ed. 34, 1997.
_____. Espinosa: Filosofia Prática. (Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal Lins); São
Paulo: Escuta, 2002.
_____. Kafka: Para uma literatura menor. Lisboa: Assírio & Alvim: 2003.
_____. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.