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A utilização do audiovisual no culto evangélico tradicional:

Estudo de caso da 1ª Igreja Batista de Campo Grande/MS1

André Giulliano Mazini2

Introdução
A partir da segunda metade do século passado os evangélicos saíram dos
templos e foram para os meios de comunicação. Não existe um levantamento
oficial sobre o número de emissoras e programas evangélicos nacionais, no
entanto basta passear na sintonia do rádio, ou nos canais de TV para certificar-se
de que este é um fenômeno incontestável. Este estudo, no entanto, focaliza-se na
utilização que a Primeira Igreja Batista (PIB) de Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, faz do meio audiovisual em sua comunicação interna, como parte integrante
de sua manifestação de culto. A igreja, conservadora em suas raízes, apropriou-
se da produção de uma comunicação audiosvisual periódica a partir de 1998 e,
desde então, seu crescimento numérico tem sido notável.
Uma das hipóteses aqui defendida é que, mais do que contribuir para o
crescimento do número de membros, a inserção da comunicação audiovisual no
culto permite que se construa um novo imaginário a respeito da identidade
daquela comunidade, a respeito de sua condição enquanto cristão evangélico na
contemporaneidade.

Um breve contexto histórico


O crescimento das igrejas evangélicas brasileiras nas últimas décadas tem
despertado, senão exigido, estudos que busquem compreender melhor o
fenômeno, já que esse tem estabelecido sua forte presença na constante
construção do imaginário religioso e consequentemente cultural do Brasil. Falar
de igrejas evangélicas, no entanto, soa como um assunto demasiado amplo, dada

1
Trabalho apresentado na 6ª Conferência Internacional Mídia, Religião e Cultura
2
Aluno do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (Mestrado) da Universidade Metodista de
São Paulo. Email: andre_mazini@hotmail.com
à multiplicidade, e toda a complexidade de doutrinas e liturgias, das
denominações protestantes que hoje congregam no Brasil.
A Reforma Protestante eclodiu no século XVI e rapidamente se espalhou
pela Europa. Isso só pôde ser viabilizado com eficácia por causa de um fator
tecnológico fundamental: a recente invenção da imprensa. Por volta de 1450,
Gutenberg imprimia o primeiro livro da história, a bíblia. A primeira edição, em
latim teve cerca de 150 exemplares, nos anos seguintes à invenção da imprensa
já circulavam milhares de bíblias impressas, primeiro em latim, mas também em
Grego, e depois em Inglês, Alemão, Francês, e demais línguas. A imprensa não
se mostrava apenas um salto tecnológico, representava uma importante
ferramenta para as reviravoltas sociais que se seguiram à sua invenção. Uma
dessas foi o próprio movimento protestante. As 95 teses de Martinho Lutero que é
um dos marcos desse movimento, por exemplo, foram imediatamente impressas
e distribuídas por todas as regiões de língua alemã, divulgando a Reforma e
arrebanhando fiéis aos seus ideais. Percebemos que, desde o inicio, os
protestantes se valeram da imprensa e das ferramentas tecnológicas que
pudessem ser úteis a divulgação de suas idéias.
Magali do Nascimento Cunha contextualiza que o protestantismo (século
XVI) depois de ser difundido por toda a Europa, estabeleceu-se nos Estados
Unidos no século XVII através dos ingleses que colonizavam aquele país.
Considerando que o protestantismo americano ainda levaria um tempo para se
consolidar, podemos considerar que se formavam, na época, os dois principais
pólos difusores das doutrinas nascidas do movimento protestante: a Europa e os
Estados Unidos. No Brasil, os ideais da reforma chegariam somente no século
XIX, em um primeiro momento, vindos do velho continente, mais especificamente
a partir de 1808 quando o príncipe regente Dom João promulgou o Decreto de
Abertura dos Portos às Nações Amigas, em que as nações amigas Portugal
poderiam estabelecer relações comerciais com o Brasil. Nessa primeira “leva”
desembarcaram em solo tupiniquim os Anglicanos (Inglaterra) e Luteranos
(Alemanha). Posteriormente, ainda no mesmo século foi a vez dos missionários
americanos chegarem trazendo os Batistas, ou Anabatistas, os Metodistas, os
Presbiterianos, os Congregacionais e os Episcopais. Já no início do século XX, os
pentecostais se estabeleciam também no Brasil.
Para auxiliar no entendimento de como os evangélicos se organizam no
Brasil, segue abaixo um quadro construido por Magali N. Cunha em sua tese de
doutoramento:
a) Protestantismo Histórico de Migração, que tem raízes na Reforma do século
XVI, chegou ao Brasil com o fluxo migratório estabelecido a partir do século XIX,
sem preocupações missionárias conversionistas. É representado pelas igrejas
Luteranas, Anglicana e Reformada;

b) Protestantismo Histórico de Missão (PHM), também originado da Reforma


do século XVI, veio para o Brasil trazido por missionários norte-americanos no
século XIX. Corresponde às igrejas Congregacional, Presbiterianas, Metodista,
Batista, e Episcopal;

c) Pentecostalismo Histórico, assim chamado por suas raízes nas confissões


históricas da Reforma, veio para o Brasil no início do século XX com objetivo
missionário. É caracterizado pela doutrina do Espírito Santo, ou seja, pela
condição que os adeptos devem assumir de um segundo batismo, o batismo do
Espírito Santo, caracterizado pela glossolalia (o falar em línguas estranhas).
Composto pelas Igrejas Assembléia de Deus, Congregação Cristã do Brasil e
Evangelho Quadrangular;

d) Protestantismo de Renovação ou Carismático, que surgiu a partir de


expurgos e divisões no interior das chamadas “igrejas históricas”, em especial na
década de 60, caracterizado por posturas influenciadas pela doutrina pentecostal.
Mantém vínculos com a tradição da Reforma e com a estrutura de suas
denominações de origem. É formado pelas Igrejas Metodista Wesleyana,
Presbiteriana Renovada e Batista de Renovação, entre outras;

e) Pentecostalismo Independente que, sem raízes históricas na Reforma do


século XVI, surgiu (e surge ainda hoje) de divisões teológicas ou políticas nas
"denominações históricas" a partir da segunda metade do século XX. Tem como
especificidades sua composição em torno de uma “liderança carismática”, a
pregação da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, a prática constante
de exorcismos e curas milagrosas e o rompimento com o ascetismo pentecostal
histórico. Sua enumeração é dificílima dada a profusão constante de novas
igrejas: entre outras, Deus é Amor, Brasil para Cristo, Casa da Bênção e
Universal do Reino de Deus.

f) Pentecostalismo Independente de Renovação que apareceu no final do


século XX e ganha força no início do século XXI. Possui as características do
Pentecostalismo Independente (alguns autores tratam este grupo de igrejas
integrado ao outro) mas diferem dele por terem como público-alvo as classes
médias e a juventude, estruturando seu modo de ser para alcançá-los. Esse modo
de ser atenua a ênfase no exorcismo e nos milagres e ressalta a prosperidade e a
guerra espiritual. Grupo de igrejas composto pela Renascer em Cristo,
Comunidades (Evangélicas, da Graça), Sara a Nossa Terra e Bola de Neve,
outras.

(CUNHA, 2004)

Esse estudo de caso analisa a experiência de uma igreja Protestante Histórica de


Missão, a Primeira Igreja Batista de Campo Grande, MS. Suas peculiaridades
aqui retratadas, relacionadas à comunicação como parte da manifestação do
culto, não visa a generalização dos conceitos e caracteristicas que serão
expostos, antes, diz respeito a uma experiência particular, aparentemente bem
sucedida - ao menos no que diz respeito ao crescimento do número de membros
e intensidade de intervenção social -, de apropriação de meios comunicacionais,
em destaque o audiovisual, não no sentido de sua divulgação na mídia local, mas
no sentido de tornar o culto, a própria igreja e sua liderança mais interativa com
seus membros.
Feito essa breve contextualização histórica, volto a atenção para o início da
Reforma, ainda na Alemanha, quando os primeiros protestantes não exitaram em
se utilizar da recém-nascida imprensa para se difundir pela Europa. Durante o
século XX, mais intensamente nas últimas décadas, os evangélicos,
principalmente os Protestantes Históricos de Missão e os Petencostais, fizeram
uso de todos os meios de comunicação disponíveis. No sentido de espalhar a
mensagem cristã e arrebanhar novos membros, entraram na programação das
rádios, programas de televisão, jornais impressos e até revistas especializadas
em tratar assuntos protestantes. No âmbito interno, de uso da comunicação para
organização e interação com seu corpo de membros, e aqui entra o estudo de
caso realizado na PIB de Campo Grande, os meios mais utilizados de informação
foram, e continuam sendo em boa parte das igrejas, o folheto informativo
semanal, a projeção durante os cultos utilizando retro-projetor, ou datashow,
murais informativos e, mais recentemente a utilização dos websites e ferramentas
de comunicação online também conquistaram seu lugar na comunicação interna
das igrejas.

PIB: História e modelos de gestão


Fundada em 1917, a PIB conquistou ao longo dos anos um forte respeito da
comunidade local. Com um estilo conservador de culto, a igreja assumia uma
postura moral diante das questões sociais que se estabeleciam. Com uma
liderança tradicionalmente centralizadora, a igreja apresentava pouca
versatilidade na utilização dos meios de comunicação e pouca abertura para a
interferência de “novas” idéias que apontassem uma apropriação de ferramentas
comunicacionais interativas. Cunha constata que a abertura política que viveu o
Brasil na passagem dos anos 70 para os 80, fez com que os grupos mais
conservadores abrissem lentamente seu espaço de poder, permitindo que novas
lideranças emergissem e dessem novos ares ao PHM contemporâneo. Foi o que
aconteceu na igreja analisada. O pastor Jonathan de Oliveira, homem
conservador de muito respeito junto a comunidade, liderou a igreja de 1963 a
1990, um espaço de tempo que garantiu a consolidação doutrinária, porém, sem
um crescimento no número de membros muito acentuado. A igreja estava
estabilizada. Em 1991, vindo de São Bernardo do Campo, SP, Gilson Breder
assume a liderança. Gilson é graduado em teologia e psicologia e veio de uma
forte experiência corporativa, como executivo de uma multinacional do ABC.
Conhecedor das estratégias de desenvolvimento empresarial, Gilson trouxe
à igreja uma visão administrativa de gestão. As principais características de sua
liderança, segundo suas próprias palavras, são a: a) informalidade; envolvendo a
linguagem e o estilo dos cultos, e b) descentralização; delegando funções
específicas junto a sua equipe pastoral, em busca de uma maior interatividade
entre membros e a liderança Tais características se mostraram inovadoras,
considerando o modelo de liderança e doutrina que orientava a igreja até 1990.

O papel da comunicação
As ações de comunicação interna constituíram uma etapa fundamental
nesse processo de tornar a PIB uma igreja interativa. A primeira ferramenta
utilizada nesse sentido foi a reformulação do folheto informativo dominical, por
volta de 1994, e, quatro anos mais tarde, implantou-se no mesmo prédio, uma
produtora de áudio e vídeo. “A produtora foi criada para estabelecer uma
comunicação de alto nível com a igreja”, Gilson Breder. Ele destaca ainda a
função da produtora no sentido de prestação de contas junto ao corpo de
membros. Através do informativo audiovisual, produzido semanalmente, os
membros são informados sobre como o dinheiro dos dízimos e ofertas estão
sendo empregados, quais ações sociais a igreja tem participação e os
missionários sustentados pela igreja – 25 ao todo, distribuídos no Brasil e em
mais nove países – mandam, eventualmente, notícias que são transmitidas à
igreja local, sobre as ações que vêm realizando no campo missionário,
necessidades e pedidos de auxilio financeiro e espiritual, tudo isso também
através do informativo.
Estrutura e estilo da produtora de vídeo
A produtora da Pib de Campo Grande, conta, hoje, com a seguinte estrutura:
são duas ilhas de edição de vídeo, estúdio para chroma key, uma ilha de
tratamento de áudio, uma estação para fornecimento de cópias de dvd’s das
gravações dos cultos, três câmeras e duas mesas de corte de vídeo ao vivo. Os
programas de edição e tratamento das imagens são Premiere, After e Photoshop
A produtora emprega cinco pessoas, responsáveis por toda a produção
audiovisual da igreja.
De acordo com o editor de vídeo, diretamente responsável pela parte técnica
das produções, Marcos Vinicius de Melo, “os vídeos de Igreja têm que ser cheios
de luz, vida, cores e movimento. As cores são sempre frias e brilhantes, pela
ligação que estabelecem com céu, sol e paz. Os movimentos de câmera são
rápidos e objetivos Uso muito o movimento de slide e zoom para GC (gerador de
caractere) O corte é seco, mas com variação de dissolve dependendo da situação
e do assunto, porque tenho que ter cuidado, pois o vídeo sobre oração, por
exemplo, não pode ficar maçante, tenho que deixá-lo chamativo, transmitindo paz,
tranqüilidade e esperança. A dinâmica é deixar sempre o membro informado,
interessado no assunto, esperançoso e feliz”. Questionado sobre a função do
vídeo inserido no momento de culto, Marcos responde que “o objetivo do vídeo
dentro de uma igreja tem muitas funções: informar, incentivar, convocar e
emocionar, pois dentro de uma igreja é trabalhado muito com o emocional onde
se fala muito sobre amor, paz e esperança”.
O VT informativo semanal é o principal produto realizado pela produtora de
vídeo. Através dele todos os departamentos, ministérios, através de seus líderes
podem anunciar suas programações. Os líderes produzem os textos a serem
anunciados no VT, esse passa pela revisão de um responsável jornalista que o
encaminha ao presidente Gilson Breder que aprovará ou não o anúncio. As
solicitações de inserção de informação no VT são feitas através de um sistema
informatizado exclusivo da igreja e devem ser feitas num prazo superior a uma
semana. Na ficha que solicita a inserção o responsável deve responder aos
seguintes tópicos:

Proposta da comunicação:
a) Relatar
( ) Prestar contas ( ) Reportar ( ) Divulgar ( ) Cobrir Eventos
b) Informar
( ) Oferecer Serviço ( ) Esclarecer ( ) Formar opinião
c) Mobilizar
( ) Fazer Propaganda ( ) Convidar ( ) Conseguir Mobilização

Público Alvo
a) Sexo:
( ) Masculino ( ) Feminino
b) Estado Civil

c) Faixa Etária
( ) Crianças ( ) Juniors ( ) Adolescentes ( ) Jovens ( ) Adultos ( ) 3ª idade
d) Situação religiosa
( ) Membros ( ) Congregados ( ) Visitantes ( ) Novos decididos ( ) Não crentes

Mídia/Veiculação
Veiculação
( ) Mural / Banner / Display ( ) Jornal Secular ( ) Cartaz / Folder ( ) Boletim
( ) Site ( ) Telão, DVD ( ) Jornal Evangélico ( ) Televisão ( ) Rádio

Expectativas
Texto livre
Roteiro
Texto livre
Áudio
Sugestão do texto que será lido pelo(a) apresentador(a) do VT
Vídeo
Sugestão de imagens para incrementar a informação

Do crescimento à construção de um novo imaginário


Este capítulo tratará da contribuição que a comunicação dá no sentido de
apontar os caminhos para a formação do imaginário e da identidade dos membros
da igreja estudada tomando como referencial teórico, principalmente, as idéias
trabalhadas por Jhon B. Thompson em A mídia e a modernidade.
A delimitação de tempo utilizada nesse artigo se restringe ao período que se
inicia em 1998 por dois motivos: é o ano de implantação da produtora, e de uma
cultura de comunicação mais sofisticada; e porque é um período com controle
documentado do número de membros. É importante mais uma vez chamar a
atenção para impossibilidade de generalização e a limitação que o estudo de caso
tem de traçar um diagnóstico complexo a respeito do objeto estudado. O centro
das análises aqui apresentado diz respeito diretamente à comunicação interna da
igreja, especificamente a apropriação que ela faz de mensagens audiovisuais.
Existiram, no entanto, inúmeros fatores que contribuíram fortemente para o
crescimento da igreja e a comunicação, ao que podemos constatar através do
estudo realizado, é mais um dos fatores contribuintes desse crescimento,
principalmente dentre os jovens.
O quadro abaixo mostra o crescimento numérico da igreja a partir de 1998:
Ano Número de membros
1998 1954
1999 2230
2000 2404
2001 2436
2002 2557
2003 2754 Fonte: Primeira Igreja Batista de Campo Grande
2004 2974
2005 3221
2006 3554
2007 3757
2008 4050

Nota-se que, até o início de 2008, o número de membros em comparação a


1998 mais que dobrou, um crescimento atípico, levando em consideração as
igrejas PHM. O presidente da igreja, pastor Gilson Breder, não acredita que a
comunicação audiovisual seja uma forte ferramenta para atrair novos membros e
visitantes, no entanto, crê que quando um visitante entra na igreja e vê o
informativo, transmite-se a idéia de organização e de seriedade. Breder acredita
também que a utilização que a igreja faz de seus produtos audiovisuais
contribuem fortemente na construção de um novo imaginário a respeito da
condição do cristão evangélico no mundo contemporâneo. Quebra-se, segundo
ele, o pré-conceito de que ser crente é uma coisa “chata”, ou um “atraso”, através
desse tipo de comunicação permeando o culto, além das utilidades práticas
(transmissões no telão, material de apoio nas pregações, etc.) constrói-se a idéia
de coerência com o tempo em que vivemos sem se desfazer das orientações
doutrinárias básicas da religião. Thompsom trabalha a idéia de que a identidade,
hoje, é construída paralelamente à grande circulação de materiais simbólicos
fornecida pelo desenvolvimento da mídia.
Thompson afirma que o “self” é um projeto simbólico que o individuo constrói
ativamente e constantemente, “é um projeto que o individuo constrói com os
materiais simbólicos que lhe são disponíveis, materiais com que ele vai tecendo
uma narrativa coerente da própria identidade”. (183). Dessa forma não é possível
afirmar que a comunicação em si seja capaz de construir um padrão de
identidade, mas é responsável por fornecer uma grande quantidade de material
simbólico para que cada individuo, dotado de seus próprios filtros identitários, o
construa de maneira reflexiva.

A organização reflexiva do self se torna cada vez mais importante como


uma característica da vida social – não porque ela não existisse antes,
mas porque a tremenda expansão dos materiais simbólicos mediados
abriu novas possibilidades para a formação do self, apresentando novas
demandas de uma maneira e em uma escala que antes não existiam.
(185)

Ele complementa esse raciocínio dizendo que é precisamente porque o individuo é


capaz de incorporar reflexivamente materiais simbólicos mediados num processo
de autoformação, que estes materiais podem se tornar fins em si mesmos, ideais
simbólicos ao redor dos quais o individuo começa a organizar sua vida e seu
sentido. (186)
De acordo com Thompson, outra visão a ser descartada é a popular idéia de
que os meios de comunicação causam a alienação crítica dos indivíduos a
respeito de suas condições no contexto social em que vivem. Pelo contrário. Ele
defende que ao ter contato com diversas realidades, antes desconhecidas, o
individuo pode, por ele mesmo, questionar sobre sua própria realidade,
comparando-se com outras que ele julgue melhores, ou piores.

A profusão de materiais simbólicos pode fornecer aos indivíduos os


meios de explorar formas alternativas de vida de um modo imaginário e
simbólico; e consequentemente permitir-lhes uma reflexão critica sobre
si mesmos e sobre as reais circunstancias de suas vidas. (185)

Antes de voltar a atenção para o objeto desse estudo é importante identificar


a contribuição conceitual que Thompson nos dá a respeito dos tipos de interação
existentes na era da mídia. Ele distingue três tipos – interação face a face;
interação mediada; e quase interação mediada – que podem ser melhor
analisados nos tópicos a seguir:

a) Interação face a face:


Ocorre num contexto de co-presença, com interlocutores partilhando um
mesmo sistema referencial de espaço e tempo. Além de dialógico, ela é
multicanal, isto é, é um espaço onde intervêm _ários canais dos quais o
sujeito participa a todo instante (além do verbal, postura, roupas, gestos,
distância, olhares, entonação de voz etc.) que estabelecem, mantêm e
regulam o contato.
b) Interação mediada:
Implica o uso de um meio técnico e possibilita a superação das barreiras
espacial e temporal. É o caso, por exemplo, de uma conversa telefônica, ou
uma carta.
c) Quase interação mediada:
Destaca-se das anteriores por dois motivos: a) a produção dirige-se a um
número indefinido de receptores potenciais; b) diferentemente das
anteriores, que são dialógicas, a quase-interação mediada é monológica,
pois o fluxo de comunicação é predominantemente de sentido único. Por
isso, o autor a ela se refere como quase-interação. “Ela cria um certo tipo de
situação social na qual os indivíduos se ligam uns aos outros num processo
de comunicação e intercâmbio simbólico” (5)

O uso que a PIB de Campo Grande faz dos meios de comunicação permite-
nos identificar em suas manifestações de culto a co-presença de dois tipos de
interação. A) A face a face, considerando a presença física dos condutores do
culto (pastor, responsáveis pelas boas-vindas, músicos, etc,) relacionando-se com
os ouvintes; e a relação que se estabelece diretamente de ouvinte para ouvinte;
B) A quase interação mediada, considerando o informativo audiovisual produzido
durante a semana e exibido no domingo; e finalmente a própria filmagem e
transmissão do culto no telão principal do templo, nos monitores auxiliares
situados fora do templo, na produção do DVD comercializável e finalmente na
divulgação na internet.
Quando a igreja se propõe a interagir entre si em um padrão, também,
mediado, ela faz uso – de uma forma mais incisiva – das ferramentas simbólicas
que lhe são disponíveis. No caso aqui estudado a principal fonte na mediação, ou
mesmo de fornecimento desses símbolos se dá através da comunicação
audiovisual, que por essência se sustenta através dos símbolos que se apropria.
O filósofo Cornelius Castoriadis pontua essa apropriação dizendo que, “o
imaginário deve utilizar o simbólico não somente para ‘exprimir-se’, o que é obvio,
mas para ‘existir’, para passar do virtual a qualquer coisa a mais” (154)
Castoriadis ressalta a função representativa do imaginário, ou seja, o
imaginário, segundo ele, não é um todo irracional, abstrato, ele normalmente
guarda a função de representar o conteúdo em que se apóia originalmente.

Se dissemos que o simbólico pressupõe o imaginário radical e


nele se apóia, isso não significa que o simbólico seja, globalmente,
apenas o imaginário efetivo em seu conteúdo. O simbólico comporta,
quase sempre, um componente “racional-real”: o que representa o real,
ou o que é indispensável para o pensar ou para o agir. (155)

Últimas considerações
Se não é possível cogitar na hipótese de generalização das conclusões de
um estudo de caso, é possível traçar alguns apontamentos peculiares ao caso
estudado. A PIB de Campo Grande conseguiu vem, desde 1998, desenvolvendo
uma apropriação madura da comunicação audiovisual. Tal comunicação tem tido
destaque como uma importante ferramenta de comunicação interna, efetuando
prestação de contas, fornecendo informações regionais e globais sobre a
condição dos missionários sustentados por esta igreja, convocando, divulgando
seus eventos, etc. Essa comunicação, no entanto, não se restringe a tais
funcionalidades técnicas, ela fornece a matéria-prima simbólica para a construção
de uma nova consciência identitária sobre a condição dos cristãos daquela
comunidade.
A comunicação audiovisual, no contexto da igreja estudada, não exerce
como principal função, a evangelização de novos membros. Ela se volta para a
consolidação das estruturas locais de organização e, principalmente, de interação
entre seus atores. Ao fornecer uma grande quantidade de material simbólico,
coerentemente com Thompson, a igreja permite que, relexivamente, estabeleça-
se uma identidade própria da comunidade, sem suprimir valores antigos, mas
remoldurando-os ao contexto da idade mídia em que vivemos.

Bibliografia

THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Petropólis, RJ: Ed. Vozes, 1995

______ Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995, p.80.

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1982.

CUNHA, Magali Nascimento. Vinho novo em odres velhos. Um olhar


comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil.
Tese de doutoramento. Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São
Paulo, 2004.

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