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I. LIMITAÇÕES
Se a comunicação dos movimentos sociais populares representa um campo rico em
significado político-cultural, ela, por outro lado, também passa por muitas limitações.
1. Abrangência reduzida
Os meios atingem, geralmente, apenas uma parcela de leitores, ouvintes e
espectadores potenciais. Um jornal ou boletim informativo, por exemplo, só chega a um
número restrito de moradores do bairro e, quase sempre, àqueles já "conscientizados" ou
sensibilizados para a luta. Por quê? Em razão da tiragem reduzida, neste caso, ou do baixo
alcance dos veículos sonoros e visuais, quase sempre em decorrência da falta de recursos
materiais.
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Por exemplo, mais de trezentos programas de trabalhadores rurais são transmitidos no País. E o programa
A voz da Contag, da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, é enviado para cerca de seiscentas
emissoras.
É comum a utilização de algum tipo de veículo de comunicação sem maiores
preocupações com sua apropriação ao público-alvo. Chega-se às vezes ao absurdo de se
produzir um jornal impresso destinado a uma população de maioria analfabeta ou a decidir-
se por ele quando as condições materiais e de mobilização participativa são mais favoráveis
ao jornal mural ou a um sistema de alto-falantes. Quanto ao áudio, às vezes se faz a opção
pelo alto-falante, sem um estudo sobre a aceitação desse veículo e os melhores dias e
horários para ser levado ao ar. O som invade os lares sem pedir licença e sem poder ser
interceptado pêlos ouvintes, o que tem gerado insatisfações.
4. Pouca variedade
As organizações e os movimentos populares valem-se de poucos tipos de veículos
de comunicação. Se utilizam o jornal, dificilmente exploram o rádio, por exemplo, ou, se
lançam mão deste, não desenvolvem o vídeo. Servem-se do rádio, mas não aproveitam a
canção popular criada no próprio contexto onde ele está inserido. Esses meios poderiam ser
complementares uns aos outros, o que os tornaria mais dinâmicos, participativos e
certamente aumentaria sua potencialidade comunicativa e, con-seqüentemente, seu sucesso,
devido ao enraizamento na cultura.
7. Instrumentalização
Com o tom pesado relaciona-se a instrumentalização que se faz dos meios de
comunicação populares. Ou seja, eles geralmente são utilizados para um fim, como a
conscientização/mobiliza-çao/transformação da sociedade e, ao mesmo tempo, negam-se,
em parte, suas características e as mediações do contexto. É, por exemplo, o horóscopo
sendo desviado de suas denotações sentimentais e direcionado para os objetivos
mobilizadores.64 É o rádio e o jornal não dando vez - ou o fazendo de forma muito restrita -
a amenidades e ao entretenimento, ou seja, às dimensões do sonho, que também são
necessidades humanas, lado a lado com as de moradia, vestuário, alimentação, educação,
saúde etc. As poesias divulgadas são, frequentemente, as que se arraigam no contexto da
denúncia de conjunturas e estruturas ou da esperança de mudanças. Esse tipo de conteúdo
pode fazer parte das mensagens populares, mas há que se evitar dar destaque excessivo aos
aspectos sociológicos, políticos ou económicos e menosprezando ou ignorando outras
manifestações do campo existencial e cultural. Mais espaço para o lazer, o deleite e a
fantasia poderiam ajudar a conferir maior atratividade aos micromeios, já que fazem parte
do mundo dos anseios e dos interesses das pessoas, na busca de felicidade.
Anamaria Fadul, em pesquisa sobre o jornal O São Paulo, constata que este veículo
da Igreja Católica "não atribui importância à esfera do divertimento. (...) Mesmo o futebol,
que representa uma das manifestações culturais mais importantes no Brasil (...) não
mereceu [dele] mais que quatro matérias no período de seis anos e todas elas (...)
relacionadas com a Copa do Mundo de 1982”.65 Mesmo assim, a ênfase foi posta nesse
esporte como um mito, uma ocultação da realidade, embora algum articulista tenha visto
nele um momento de alegria, de união e paz.
Se o uso de meios de comunicação populares decorre das necessidades de
expressão, conscientização e mobilização, justifica-se o empenho no sentido de que sejam
aceitos por parte dos públicos a que se destinam. Nesta perspectiva, não há como fazer
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Por exemplo, com relação ao signo de câncer: "O mês é totalmente favorável para você conversar com
seus vizinhos sobre problemas da comunidade. Afinal, os problemas são os mesmos, é conversando que a
gente vai achar a solução" (Jorna! Mensageiro do Vidigal, da Favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. Apud
FADUL, Anamaria. Op. c/f., 1986, p. 217).
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65. FADUL, Anamaria. Os meios de comunicação de massa: um desafio para a Igreja. (O São Paulo - 1979-
1985), 1 986, p. 204.
pouco-caso da demanda pela mídia massiva. Em outras palavras, se o instrumento utilizado
é o rádio, não se pode desprezar a contribuição das emissoras comerciais que fazem
sucesso, na montagem de uma boa programação, que atenda aos interesses da comunidade.
9. Uso emergencial
Há muitos casos de experiências comunicativas com características de emergência,
faltando-lhes continuidade e estruturação adequada.
3. Conquista de espaços
A comunicação popular consegue lugar nos meios massivos, para divulgar
informações dos movimentos e apresentar programas elaborados em seu âmbito. Trata-se
aqui de uma conquista, porque na realidade os espaços não foram doados, mas descobertos
e alcançados num processo de luta, a partir da constatação de uma necessidade e da
possibilidade de sua viabilização. Em alguns casos, os movimentos chegam mesmo a ter
seus veículos próprios, mediante concessão oficial.
4. Conteúdo crítico
A comunicação popular tem, em geral, um conteúdo essencialmente crítico. Ou seja,
julga-se a realidade concreta, local ou mais abrangente, tanto em nível de denúncia
descritiva quanto de interpretação ou de opinião, levantando reivindicações, apelando à
organização e à mobilização popular, apontando para a necessidade de mudanças. Neste
sentido, ela, em grande parte, não é conservadora e, mesmo se o fosse no plano global da
sociedade e da ideologia, até certo ponto o refutaria no plano imediato, ao negar as
condições de existência dadas. Tudo isso mexe com a cultura, mesmo que não de forma
predominante. Há na verdade a incorporação de novos valores, ao mesmo tempo em que se
reproduzem outros.
5. Autonomia institucional
A comunicação popular, salvo em casos isolados, pauta-se pela autonomia em
relação às instituições privadas e públicas. Via de regra, essa independência é perseguida
em relação tanto ao conteúdo quanto à sustentação técnica e financeira. Talvez seja por isso
que, geralmente, se usam os veículos mais baratos. Mas, mesmo quando alguém custeia os
mais onerosos, há todo um esforço para se fugir da tutela ou de interferências em sua linha
política. A autonomia assim considerada não chega a atingir a autogestão da comunicação,
pois esta, como tem funcionado, não se vê investida desse caráter só por ser obra autónoma
dos movimentos sociais, constituída de baixo para cima.
6. Articulação da cultura
A comunicação popular abre espaços para a transmissão de produtos da cultura e da
criatividade presentes na música, na canção, no desenho, na literatura, na poesia, na
dramatização teatral, na medicina popular e em outras manifestações da própria população,
de pessoas da localidade, que assim têm onde se expressar.
7. Reelaboração de valores
A comunicação popular, trabalhando e articulando elementos culturais, contribui
para romper a dicotomia emissor versus receptor. Este último assume o papel de emissor e,
coletivamen-te, vão sendo reelaborados valores simbólicos condizentes com o exercício da
cidadania.
9. Mentalidade de serviço
A comunicação popular é predominantemente um serviço de interesse público, com
benefícios reais para a população envolvida, que encontra nela uma forma de "proteger-se"
do mercantilismo da mídia.