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da América Associação Nacional dos Professores de
Ciências
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Federação Americana de Paternidade Planejada
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Federação dos Cientistas Americanos
Federação Internacional de Institutos de Estudos
Superiores
Federação Nacional da Vida Selvagem
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Instituto Americano de Ciências Biológicas
Instituto do Espaço Aberto
Instituto de Política Ambiental
Instituto de Recursos Mundiais
O Instituto de Ecologia (TIE)
Programa do Ambiente das Nações Unidas
Sierra Club
Smithsonian Institution
Sociedade Americana de Microbiologia
Sociedade Ecológica da América
Sociedade do Mundo Silvestre
Sociedade Nacional Audubon
União dos Cientistas Engajados
União Internacional de Ciências Biológicas
União Internacional para a Conservação da Natureza
e dos Recursos Naturais
Universidade das Nações Unidas
ADVERTÊNCIA
LEWIS TROMAS, M.D.
As descobertas científicas descritas neste livro poderão
vir a revelar-se, num mundo que tenha a boa sorte de
continuar a sua história, como tendo sido os mais
importantes resultados de pesquisa em toda a longa
história da ciência.
A primeira descoberta já é largamente conhecida na
comunidade científica de climatologistas, geofísicos e
biólogos aqui e no estrangeiro, e foi confirmada em
detalhe por cientistas soviéticos das mesmas áreas.
Modelos de computador demonstram que uma guerra
nuclear envolvendo o emprego de uma simples fração do
total das bombas americanas e russas poderia
transformar o clima de todo o Hemisfério Norte,
mudando-o bruscamente do seu presente estado sazonal
para uma longa noite escura e gélida. Esta será seguida,
passados alguns meses, pelo assentamento da poeira e
fuligem nucleares, e depois por uma espécie nova e
maligna de luz solar com proporção aumentada da sua
faixa ultravioleta, potencialmente capaz de cegar muitos
dos animais terrestres. O ozônio da atmosfera, que
normalmente protege a Terra da perigosa radiação
ultravioleta, seria substancialmente reduzido por uma
guerra nuclear. Nas mesmas pesquisas, novos cálculos
da extensão e intensidade das precipitações radioativas
indicam a exposição de grandes extensões de território a
níveis de radiação muito mais altos do que se julgava. O
relatório é conhecido como TTAPS, sigla derivada dos
nomes dos pesquisadores: Turco, Toon, Ackerman,
Pollack e Sagan.
O segundo trabalho, elaborado por Paul R. Ehrlich e
outros dezenove biólogos respeitados, demonstra que as
predições do TTAPS significam nada menos que a
extinção de grande parte da biosfera terrestre, muito
possivelmente envolvendo o Hemisfério Sul tal como o
Norte.
Em conjunto, essas duas descobertas mudam
radicalmente as perspectivas de um conflito
termonuclear. Elas foram submetidas a um exame crítico
minucioso por cientistas representantes das disciplinas
envolvidas, aqui e em outros países. Estudos paralelos e
suplementares vêm sendo feitos, e já se evidencia um
grau de concordância inusitado com respeito aos
pormenores técnicos e às conclusões tiradas. Na opinião
de alguns juízes, o relatório TTAPS teria até talvez
minimizado os danos climatológicos implicados pelos
dados. O relatório dos vinte biólogos, sumariado pelo
Professor Ehrlich, representa o consenso a que
chegaram quarenta especialistas em ciências biológicas
num simpósio realizado em Cambridge, Massachusetts,
na primavera de 1983.
É um mundo novo, a demandar uma nova diplomacia e
uma nova lógica.
Até aqui, a comunidade internacional de estadistas,
diplomatas e analistas militares tem-se inclinado a
encarar a perspectiva de uma guerra nuclear como um
problema unicamente dos adversários possuidores das
armas. O controle de armamentos e as negociações
intermináveis visando à redução dos explosivos nucleares
têm sido considerados responsabilidade, e até
prerrogativa, das poucas nações em confronto definido.
Agora tudo isso mudou. Nenhum país da Terra está livre
do perigo da destruição se duas nações quaisquer, ou
grupos de nações, se aventurarem num reencontro
nuclear. Se a União Soviética e os Estados Unidos, e
seus respectivos aliados do Pacto de Varsóvia e da
OTAN, se pusessem a lançar seus mísseis além de um
mínimo dúbio e ainda indeterminado, estados neutros
como a Suécia e a Suíça sofreriam os mesmos efeitos
dilatados, a mesma morte lenta que os participantes
diretos. A Austrália e a Nova Zelândia, o Brasil e a África
do Sul, têm quase tanto por que se preocupar quanto a
Alemanha Ocidental se uma conflagração em grande
escala se verificar no extremo norte.
Até aqui, todos temos tendido a ver num conflito com
armas nucleares um esforço de um par de opositores de
resolver pendências como domínio territorial ou disputa
ideológica. Agora, com os novos conhecimentos diante de
nós, ficou claro que qualquer território conquistado será
ao cabo um deserto estéril, e que qualquer ideologia será
consumida na morte da civilização e na perda
permanente da memória humana da cultura.
Até agora, os riscos de uma guerra dessa espécie foram
convencionalmente calculados pelo número de mortos de
um e de outro lado ao final da batalha, soldados e não-
combatentes somados. As expressões "aceitável" e
"inaceitável", significando tantos ou tantos milhões de
baixas humanas, têm sido utilizadas para estabelecer
julgamentos frios sobre a necessidade de novos e mais
precisos sistemas de armas. Daqui por diante, as coisas
são diferentes. É desnecessário falar da estimativa
inquestionável de que em um conflito total de, por
exemplo, 5.000 megatons, algo como um bilhão de
pessoas morreriam imediatamente por ação das
explosões, do calor e da radiação. Por outro lado é
desnecessário citar o fato provável de que outro bilhão
viria a morrer depois, em conseqüência dos efeitos
retardados sobre os sistemas de sustentação vital e da
precipitação radioativa.
Algo mais terá acontecido ao mesmo tempo, algo em que
os seres humanos deveriam ver um risco igual ao da
perda de suas vidas. O complexo, coerente, belamente
organizado ecossistema da Terra - aquilo que alguns
denominam biosfera e a que outros chamam natureza -
terá sofrido um golpe mortal, ou quase. Algumas de suas
partes hão de persistir, é razoavelmente certo, e a vida do
planeta irá continuar, mas talvez unicamente em nível
comparável ao que existia por volta de um bilhão de anos
atrás, quando os procariontes (criaturas semelhantes às
bactérias atuais) se uniram em combinações simbióticas
e criaram as células nucleadas de que nós somos sem
dúvida os descendentes diretos.
A última grande extinção de vida planetária ocorreu há
cerca de 65 milhões de anos, quando os dinossauros e
inúmeras outras criaturas terrestres e marinhas
desapareceram simultaneamente. Supõe-se geralmente
que esse evento tenha sido provocado por uma vasta
explosão de pó, que teria escurecido o sol por um período
longo o bastante para deter a fotossíntese,
provavelmente em conseqüência da colisão de um
asteróide com a Terra. É esse gênero de evento que
predizem os modelos usados nestes estudos.
A persistência e multiplicação de armas nucleares, a
provável proliferação de tais armas em outros países que
hoje não as possuem, e os esforços bloqueados, adiados
e fracassados de livrar-nos dessas ameaças à vida do
planeta, inclusive à nossa própria, parecem-me hoje uma
ordem de problemas diferente do que parecia até
recentemente. Já não é um assunto de política, a ser
deixado à sensatez e previdência de uns poucos
estadistas e de uns poucos chefes militares, nuns poucos
Estados nacionais. É um impasse global, que envolve
toda a humanidade.
Minha esperança agora é que a comunidade científica
internacional em todos os países analise cuidadosamente
os dados e conclusões a que chegamos, que amplie
esses estudos de todas as maneiras que possa imaginar
e que aconselhe seus governos adequadamente e
insistentemente. E espero que os jornalistas do mundo
achem modos de informar os cidadãos da Terra, em
detalhe e reiteradamente, sobre os riscos futuros.
Já não temos escolhas a fazer ou as opções de alguns
meses atrás a questionar. Simplesmente temos de parar,
e logo, e livrar a Terra de uma vez por todas dessas
armas que na verdade não são armas, senão
instrumentos de pura danação. No pé em que estão as
coisas, nós colocamos em perigo muito mais que a
humanidade em si. Arriscamos infligir um dano
permanente à vida de toda a admirável criação.
A coisa mais linda que já vi numa fotografia, em toda a
minha vida, é o planeta Terra visto da Lua, suspenso no
espaço, evidentemente vivo. Embora à primeira vista ele
pareça feito de uma multiplicidade de coisas vivas
diferentes, melhor reparando, cada peça que nele
trabalha, nós inclusive, está ligada por interdependência
a todas as demais. Segundo um modo de dizer, é o único
ecossistema autenticamente fechado que nos é dado
conhecer. Em outras palavras, é um organismo. Nasceu,
calcula-se, há 3,8 bilhões de anos, e eu lhe desejo feliz
aniversário e uma longa existência futura, para os nossos
filhos, e os seus netos, e os netos de seus netos.
Tenho em alta conta a nossa espécie, com todo o seu
verdor e imaturidade como membro da biosfera. Na
escala do tempo evolutivo, nós só chegamos alguns
instantes atrás e ainda temos muito que crescer. Se
formos bem-sucedidos, podemos tornar-nos uma espécie
de mente coletiva da Terra, o pensamento da Terra. No
momento, apesar da nossa juventude como espécie,
somos sem dúvida a mais engenhosa e inteligente das
peças componentes do sistema. Confio em que teremos
a vontade de continuar funcionando, e de manter o
melhor que possamos a vida do planeta. Por isso, vejo
estes relatórios não apenas como uma advertência, mas
também, se devidamente divulgados e reconhecidos a
tempo, como uma extraordinária boa nova. Acredito que
a humanidade como um todo, conhecendo a verdade dos
fatos, saberá o que tem de ser feito com as armas
nucleares.
Mas se os fatos permanecerem obscuros, ou forem
erroneamente tomados por fantasias teóricas arcanas,
que se podem calmamente desprezar, nesse caso não
vejo esperança para nós.
INTRODUÇÃO
DONALD KENNEDY
Este não é um assunto agradável. Em primeiro lugar, as
conseqüências de uma guerra nuclear são realmente
pavorosas, e não é nada divertido dizer às pessoas que
são mais pavorosas ainda do que lhes disseram antes.
Depois, infelizmente não existe uma saída simples para
as dificuldades em que nos colocam as armas nucleares
- embora alguns teimem que existe. Ao contrário, há uma
necessidade contínua de lidar com o perigo, e de
enfrentar uma política de segurança nacional que se
mostra terrivelmente refratária ao raciocínio lógico. É
nessas circunstâncias desanimadoras que se discutem
as conseqüências biológicas a longo prazo de uma
guerra nuclear.
Antes de começar, quero levar ao conhecimento do leitor
algumas qualificações que me faltam para o meu papel
de introdutor, e em seguida expor uma ou duas
convicções. Não sou um veterano do movimento anti-
nuclear, nem tenho experiência em matéria de
desarmamento ou de controle de armas. Ademais, é com
prazer que deixo a outros a proficiência técnica na
disciplina inexata que é a estratégia nuclear - a base
tecnológica e aleatória da détente. Quanto às
convicções, devo dizer que conservo a crença antiquada
de que continuaremos a necessitar de um organismo de
defesa no país, de que, queiramos ou não, as armas
nucleares continuarão por algum tempo a exercer uma
função integrante na nossa estratégia de segurança
nacional e na de outros, e de que, em vista disso,
teremos de seguir nos esforçando em compreender tais
armas se quisermos finalmente controlá-Ias e negociar
racionalmente com a outra parte.
Estas revelações devem mostrar, penso eu, que não sou
nem uma fonte técnica indicada para uma conferência de
controle de armamentos, nem um candidato promissor a
chefe de claque num comício pela paz. Este volume não
se destina a refletir nenhum desses propósitos. É, sim,
um relatório de análises científicas sérias das
conseqüências de uma guerra nuclear. E para introduzir
esse assunto eu tenho uma perspectiva que imagino
relevante. Durante um período em que prestei serviços ao
governo, chefiei um órgão de regulação que se ocupava
em grande parte com os perigos ligados a produtos
químicos tóxicos, e de modo mais geral com as
conseqüências da introdução prematura de novas
tecnologias. No curso daqueles anos, e nos tempos
imediatamente precedentes e seguintes, estive
intimamente envolvido em atividades de estimativa de
riscos: avaliação das conseqüências do uso de
defensivos agrícolas, definição de tolerâncias para
contaminação por poluentes industriais, estimativa de
efeitos de aditivos alimentares, etc. Nessa função, era
uma preocupação considerável a forma de estimar os
riscos, tanto mais em circunstâncias em que os dados
são necessariamente incompletos.
Creio que três lições tiradas dessa experiência são
aplicáveis ao assunto em pauta. Primeiro, um dos
grandes desafios da metodologia de avaliação de riscos é
formular decisões com o máximo de segurança possível
em face de grandes incertezas. Para levar a bom termo
esse princípio, é essencial que se tenha tanta consciência
daquilo que não se sabe quanto daquilo que se sabe.
Esse desafio torna-se muito mais difícil pela atitude do
público em relação ao risco. É esta a segunda lição: as
pessoas são ambivalentes com respeito ao risco.
Aplicam-se enormes recursos pessoais e sociais na
salvação de uma vida identificada em perigo, mas
consigna-se muito menos para proporcionar uma
proteção estatisticamente muito maior a indivíduos não
identificados da população global. Aprovamos
entusiasticamente leis que previnem riscos involuntários
de pequena monta; mas as revogamos prontamente se
elas restringem liberdades pessoais. Em suma, não
hesitamos em gastar grandes somas para tirar uma
garotinha do poço em que ela caiu, mas relutamos em
diminuir o limite de velocidade, ou até em proibir certos
produtos cancerígenos se eles são do agrado das
pessoas.
Essa ambivalência torna-se ainda mais definida quando a
probabilidade e a gravidade dos riscos são consideradas
separadamente. Há uma diferença de atitudes em relação
a riscos estatísticos modestos amplamente distribuídos,
como o aumento de mortes por câncer devido a uma
toxina ambiental, e a riscos de baixa probabilidade com
conseqüências desastrosas generalizadas, como um
conflito com armas nucleares. Embora estejamos apenas
começando a desenvolver uma ciência das atitudes
humanas com respeito à aversão ao risco, os resultados
até aqui obtidos sugerem que as pessoas tratam eventos
de baixa probabilidade com conseqüências altamente
negativas de um modo que se afasta acentuadamente
das opções que seriam de prever com base nas teorias
correntes de "expectativa utilitária". Tais pesquisas
podem vir a revelar alguma coisa de grande utilidade
sobre as atitudes da população em relação à guerra
nuclear. E podem ser mais importantes ainda no que toca
à questão crucial de como os responsáveis pelas
decisões, nos terríveis últimos momentos, irão decidir.
A terceira e última lição que me seria dado tirar do
domínio mais convencional da estimativa de riscos tem a
ver com a escala de tempo em que nós reconhecemos as
conseqüências. Aqui a analogia com o mundo das
substâncias tóxicas é de fato perfeitamente exata.
Quando, depois da guerra, a revolução da indústria
química começou a causar preocupação com os riscos
humanos ligados a substâncias tóxicas, a preocupação
era quase inteiramente limitada aos efeitos imediatos ou
"agudos". Os primeiros programas de ensaios criados
para avaliar esses perigos foram os chamados testes
LD50, que mediam a quantidade de um determinado
composto que se constituía em dose letal para 50 por
cento dos organismos utilizados no teste. Mais tarde, foi-
se aos poucos chegando à conclusão de que os efeitos
"crônicos" à longo prazo - a possibilidade de produzir
câncer, ou de aumentar a propensão de um indivíduo
para cardiopatias e infarto, ou de gerar defeitos
congênitos na prole - eram muito mais importantes, e
inteiramente impossíveis de medir empregando os testes
usuais de curto prazo. A subseqüente experiência
confirmou que esses riscos crônicos são muitíssimo mais
sérios que os agudos, e hoje em dia não passa pela
cabeça de ninguém avaliar a segurança de uma
substância nova sem realizar experiências de longa
duração para avaliar o seu potencial carcinogênico,
efeitos fetais, etc.
É a posição em que nos encontramos com respeito à
guerra nuclear: estamos começando a compreender os
efeitos retardados - os equivalentes, para o ambiente, do
câncer, das cardiopatias, do infarto.
A ATMOSFERA E AS CONSEQÜÊNCIAS
CLIMÁTICAS DA GUERRA NUCLEAR
CARL SAGAN
Hoje é o Dia das Bruxas do ano que precede 1984, e
sInceramente eu gostaria que o que irei dizer-lhes em
seguida fosse apenas uma histÓria de fantasmas, apenas
algo inventado para assustar crianças por um dia.
Infelizmente, não é uma simples história. Nossas últimas
pesquisas revelaram o fato surpreendente de que uma
guerra nuclear pode arrastar em sua esteira uma
catástrofe climática, a que damos o nome de "inverno
nuclear", sem precedentes durante a ocupação da Terra
pelo homem.
Foi por acidente que esbarramos com esses resultados,
por uma via tortuosa, por uma dessas circunstâncias não
raras na ciência em que estudando alguma coisa pelo
interesse puramente intelectual que ela oferece se é
levado a conclusões de inesperada utilidade prática. Para
mim, a coisa começou em 1971, com a exploração de
Marte pela Mariner 9. A Mariner 9 foi a primeira
espaçonave a orbitar ao redor de outro planeta. Os
engenheiros do projeto garantiram que ela só funcionaria
por três meses após a entrada em órbita. Chegando a
Marte, a nave encontrou o planeta completamente
coberto por uma tempestade global de pó. Ao fim de um
mês, durante o qual foi fotografado um disco quase
inteiramente desprovido de detalhes, passamos a
alimentar sérios receios de que quando a poeira
assentasse por completo, limpando a atmosfera
marciana, a nave já estaria inoperante. Com efeito, a
tempestade levou três meses para dissipar-se, mas a
nave funcionou muito melhor do que disseram os
engenheiros - e por todo o ano seguinte foi-nos dado
examinar o planeta de um pólo a outro no primeiro
reconhecimento orbital detalhado de outro planeta.
Durante aqueles três primeiros meses, pouca coisa houve
a observar, além da poeira em suspensão. Havia a bordo
da nave um instrumento chamado espectrômetro
interferométrico de infravermelho, capaz de examinar a
atmosfera em vários comprimentos de onda e assim
sondar os diferentes níveis da atmosfera - desde as
grandes altitudes até a superfície. Pudemos observar a
temperatura da atmosfera e a da superfície variarem com
o tempo. Os resultados mostraram que a atmosfera
estava consideravelmente mais quente do que é
normalmente em Marte, e a superfície consideravelmente
mais fria. À medida que a poeira assentava, a atmosfera
foi arrefecendo e a superfície esquentando - ambas as
temperaturas caminhando para os seus valores usuais,
ou "ambientes" - Não foi difícil entender as razões disso.
Os ventos haviam arrastado uma grande quantidade de
poeira dos desertos marcianos para a atmosfera. A luz do
sol fora absorvida pelo pó na alta atmosfera, que com
isso se aquecera. Da mesma forma, a luz do sol fora
impedida de alcançar a superfície, e esta esfriara. Um
espectador em Marte teria observado, depois que a
tempestade de poeira se desencadeou, o frio e a
escuridão se propagando sobre a face do planeta. Após
vários meses (a tempestade começara alguns meses
antes da chegada da Mariner 9 a Marte), quase toda a
poeira se depositara, e as condições voltaram ao normal.
Essas tempestades de poeira são comuns em Marte, e
por mais de um século têm sido observadas da Terra.
Caracteristicamente, elas surgem sempre nos mesmos
poucos locais do planeta, propagam-se primeiro em
longitude, depois em latitude, e em questão de poucas
semanas no máximo cruzam tipicamente o equador
marciano, passando ao outro hemisfério. Ora, a pressão
atmosférica na superfície de Marte é mais ou menos a
mesma da estratosfera da Terra. Marte gira, como a
Terra, uma vez em 24 horas, e o seu eixo de rotação é
inclinado em relação ao seu plano orbital de um ângulo
quase igual ao da Terra. Há, é claro, diferenças entre
Marte e a Terra - entre elas a ausência de mares em
Marte e o fato de ele estar mais afastado do Sol. Mas
pareceu-nos que a experiência marciana podia ser
relevante para a Terra.
Alguns de nós, tendo pouca coisa a ver nos primeiros três
meses depois da entrada em órbita além da tempestade
de poeira, ocupamo-nos em calcular o grau de
aquecimento atmosférico e de esfriamento superficial
para uma dada quantidade de poeira levantada. Um
cálculo aproximado não era muito difícil, e vários
diferentes grupos puderam determinar não só qualitativa
como quantitativamente as mudanças de temperatura
que a tempestade de poeira temporariamente produzira
em Marte. Meus colegas (e ex-alunos) James B. Pollack e
O. Brian Toon, ambos hoje no Centro de Pesquisas Ames
da NASA, estavam ansiosos por aplicar esse repositório
computacional a problemas terrestres. Aplicamo-nos a
tentar compreender o que acontece com o clima da Terra
quando um grande vulcão entra em erupção e distribui
aerossóis estratosféricos à volta do planeta. Em alguns
casos, conhecemos a quantidade de poeira introduzida
na alta atmosfera, as dimensões das partículas de pó (em
geral menos de um micro [um décimo milésimo de
centímetro]) e a sua composição (geralmente ácido
sulfúrico e silicatos). Como a estratosfera é muito seca, a
chuva não remove esses aerossóis; e como a convecção
na estratosfera é muito atenuada, os movimentos do ar
não tendem a transportá-Ios para fora. Dessa forma, eles
descem lentamente pelo próprio peso -lentamente porque
as suas dimensões são muito reduzidas -, levando mais
de um ano para que a estratosfera fique limpa. Ao mesmo
tempo, existem medições, para muitas explosões
vulcânicas, de um declínio pequeno porém definido da
temperatura global - para todas as explosões vulcânicas
dos últimos poucos séculos, um esfriamento de um grau
ou menos. Verificamos que era possível calcular esses
declínios de temperatura com razoável precisão; os
métodos desenvolvidos para Marte, e desde então
consideravelmente ampliados, funcionaram bastante bem
para a Terra.
Foi proposto então por Alvarez e outros que a extinção
dos dinossauros e muitas outras espécies 65 milhões de
anos atrás, no limite entre os períodos cretáceo e
terciário, ter-se-ia dado devido à colisão com a Terra de
um asteróide de 10 quilômetros de diâmetro, e a
conseqüente efusão na atmosfera de enormes
quantidades de poeira. Com o concurso de Richard Turco
da R&D Associates de Marina deI Rey, Califórnia, Pollack
e Toon calcularam que essa colisão teria acarretado um
escurecimento e um esfriamento de grandes proporções.
Devo frisar, no entanto, que a nossa tese sobre as
conseqüências climáticas de uma guerra nuclear não está
vinculada a essa explicação das extinções do
cretáceo/terciário. Os dinossauros podem ter morrido de
gripe sem afetar a validade das nossas conclusões.
Nós sabíamos, naturalmente, que explosões nucleares
arremessam grandes quantidades de poeira fina na
atmosfera, e durante anos havíamos falado em calcular
os efeitos climáticos prováveis que daí adviriam. Num
seminário realizado no Centro de Pesquisas Ames
(dedicado em parte à questão da origem da vida), em
1981, decidimos dar andamento àquele estudo. Um ano
mais tarde o nosso esforço recebeu novo impulso por
obra de um trabalho muito interessante realizado por Paul
Crutzen, do Instituto de Química Max Planck de
Mogúncia, República Federal da Alemanha, e John Birks,
da Universidade do Colorado. Crutzen e Birks tinham feito
uma estimativa preliminar da quantidade de fumaça
produzida pela queima de florestas e cidades que seria
descarregada na atmosfera numa guerra nuclear.
Evidentemente esta seria uma importante fonte adicional
de partículas finas capazes de obscurecer a luz do sol.
Chego assim à questão dos efeitos de uma guerra
nuclear. As conseqüências imediatas da explosão de um
único artefato termonuclear são conhecidas e bem
documentadas - radiação da bola de fogo, emissão
primária de nêutrons e raios gama, deslocamento de ar e
incêndios. A bomba de Hiroxima, que matou entre
100.000 e 200.000 pessoas, era um artefato de fissão
com potência de cerca de 12 quilotons (o equivalente
explosivo de 12.000 toneladas de TNT). Uma ogiva
termonuclear moderna emprega um mecanismo mais ou
menos parecido com o da bomba de Hiroxima como
detonador - o "fósforo" que acende a fusão nuclear. Uma
arma termonuclear americana típica pode ter uma
potência em torno de 500 quilotons (ou 0,5 megaton,
sendo um megaton o equivalente explosivo de um milhão
de toneladas de TNT). Hoje existem muitas armas na
faixa de 9 a 20 megatons nos arsenais estratégicos dos
Estados Unidos e da URSS. A arma mais potente até
hoje detonada tinha 58 megatons.
Armas nucleares estratégicas são aquelas projetadas
para serem transportadas por mísseis lançados de bases
terrestres ou de submarinos, ou por bombardeiros, até
alvos situados nos territórios inimigos. Numerosas armas
de potência aproximadamente igual à da bomba de
Hiroxima são hoje reservadas para missões militares
"táticas" ou "de teatro", ou são designadas "munições" e
relegadas a mísseis ar-ar ou terra-ar, torpedos, cargas de
profundidade e artilharia. Se bem que as armas
estratégicas tenham em geral maior potência do que as
armas táticas, nem sempre é este o caso Os modernos
mísseis (por exemplo, Pershing 2, SS-20) e aviões (por
exemplo, F-15, MIG-23) táticos ou de teatro têm raios de
ação suficientes para tornar cada vez mais artificial a
distinção entre armas "estratégicas" e ''táticas" ou "de
teatro". Ambas as classes de armas podem ser expedidas
por mísseis lançados de bases terrestres, do mar e de
aviões, e por sistemas de alcance tanto intermediário
como intercontinental. Não obstante, pela contagem usual
existem cerca de 18.000 armas termonucleares
estratégicas e de teatro e um número igual de
detonadores de fissão nos arsenais estratégicos
americano e soviético, com uma potência total de cerca
de 10.000 megatons. O número total de armas nucleares
(estratégicas mais táticas e de teatro) nos arsenais dos
dois países está próximo de 50.000, com uma potência
somada de quase 15.000 megatons. Para simplificar,
eliminaremos aqui a distinção entre armas estratégicas e
de teatro e adotaremos, sob a rubrica "estratégicas", uma
potência acumulada de 13.000 megatons. As armas
nucleares do resto do mundo - principalmente Inglaterra,
França e China - montam a muitas centenas de ogivas e
algumas centenas de megatons de potência total
adicional.
Ninguém sabe, é claro, quantas ogivas com que total de
potência seriam detonadas numa guerra nuclear. Em
decorrência de ataques a aviões e mísseis estratégicos,
e em decorrência de falhas tecnológicas, é certo que
menos que a totalidade do arsenal do mundo seria
detonado. Por outro lado, é geralmente admitido, mesmo
entre a maioria dos planejadores militares, que seria
quase impossível conter uma "pequena" guerra nuclear
antes que ocorresse uma escalada no sentido de incluir
grande parte dos arsenais mundiais. (Fatores de
aceleração são mau funcionamento de comandos e
controles, falhas de comunicações, a necessidade de
decisões instantâneas sobre os destinos de milhões de
pessoas, medo, histeria e outros fatores referentes a uma
guerra nuclear real, travada por homens de carne e
osso.) Basta esta razão para que qualquer tentativa séria
de estudar as possíveis conseqüências de uma guerra
nuclear deva contemplar de preferência um conflito em
grande escala, na faixa de 5.000 a 7.000 megatons -
entre aproximadamente um terço e metade dos estoques
estratégicos do mundo -, e é o que várias investigações
têm feito. Contudo, muitos dos efeitos adiante referidos
podem ser deflagrados por guerras muito menores.
Aeroportos estratégicos, silos de mísseis, bases navais,
submarinos no mar, fábricas e depósitos de armas,
centros de comando e de controle civil e militar,
instalações de detecção de ataque e alarme antecipado,
etc., são objetivos prováveis ("ataque de contra-força").
Embora se declare com freqüência que cidades não
seriam visadas per se, muitos dos objetivos acima
referidos estão localizados nelas ou nos seus arredores,
principalmente na Europa. Além disso, existe a classe
dos alvos industriais ("ataque de contra-valor"). As
modernas doutrinas nucleares requerem que instalações
de "apoio bélico" sejam atacadas. Muitas dessas
instalações são necessariamente industriais por
natureza, e empregam uma força de trabalho de
dimensões consideráveis. Quase sempre estão
localizadas nas proximidades de grandes centros de
transporte, de modo que matérias-primas e produtos
acabados possam ser eficientemente transferidos para
outros setores de indústria ou para tropas no campo.
Assim, essas instalações são, quase por definição,
cidades, ou se encontram perto ou no interior de cidades.
Outros objetivos classificados como de "apoio bélico"
podem ser os próprios sistemas de transporte (estradas,
canais, rios, ferrovias, aeroportos civis, etc.), refinarias,
depósitos e dutos de petróleo, usinas hidrelétricas e
nucleares, emissoras de rádio e televisão, e assim por
diante. Um ataque cruzado de contra-valor poderia assim
envolver a quase totalidade das grandes cidades dos
Estados Unidos e da União Soviética, e possivelmente a
maior parte das grandes cidades do Hemisfério Norte.
Existem no mundo menos de 2.500 cidades com
população acima de 100.000 habitantes, portanto a
destruição de todas essas cidades está perfeitamente
dentro da capacidade dos arsenais nucleares do mundo.
Estimativas recentes de mortes imediatas por efeito de
explosão, radiação primária e incêndios num conflito de
grandes dimensões em que cidades fossem alvejadas
variam de algumas centenas de milhões a - mais
recentemente, num estudo da Organização Mundial de
Saúde em que se supôs que os objetivos não se
restringiriam exclusivamente aos países da OTAN e do
Pacto de Varsóvia - 1,1 bilhão de pessoas. É possível,
portanto, que algo como a metade da população do
planeta fosse morta ou seriamente lesada pelos efeitos
diretos de uma guerra nuclear. Anarquia social; falta de
eletricidade, combustíveis, transportes, abastecimento de
alimentos, comunicações e outros serviços civis;
ausência de atendimento médico; interrupção de medidas
sanitárias; multiplicação de doenças e de distúrbios
psíquicos graves - fariam sem dúvida um número
considerável de vítimas a mais. Mas uma série de outros
efeitos - alguns inesperados, alguns impropriamente
analisados em estudos precedentes, alguns por nós só
recentemente descobertos - torna o quadro ainda muito
mais sombrio.
A destruição de silos de mísseis, instalações de comando
e controle e outros locais resguardados requer - dadas as
atuais limitações de precisão dos mísseis - armas
nucleares de potência bastante apreciável detonadas no
solo ou a pequena altura. Explosões de alta potência no
solo vaporizarão, fundirão e pulverizarão a superfície da
área de impacto e propelirão grandes quantidades de
vapores condensados e poeira fina para a região superior
da troposfera e para a estratosfera. As partículas são
carreadas principalmente na bola de fogo ascendente;
algumas sobem pela coluna da nuvem em cogumelo.
Contudo, em sua maioria os alvos militares não são muito
resguardados. A destruição de cidades pode ser
realizada, como se viu em Hiroxima e Nagasáqui, por
explosões de potência inferior a menos de 1.000 metros
acima da superfície. Explosões de baixa potência no ar
sobre cidades ou florestas próximas tenderão a provocar
incêndios extensos, em alguns casos cobrindo uma área
total de 100.000 quilômetros quadrados, ou mais.
Incêndios em cidades geram enormes quantidades de
fumaça negra que se eleva pelo menos à camada
superior da baixa atmosfera, ou troposfera (Fig. 1A). Se
ocorrerem tempestades ígneas, a coluna de fumaça sobe
vigorosamente, como a tiragem de uma chaminé, e
possivelmente (a questão ainda não foi esclarecida)
arrasta parte da fuligem para a parte inferior da alta
atmosfera, ou estratosfera. A fumaça produzida por
incêndios em florestas ou capim ficaria a princípio restrita
à baixa troposfera.
Figura 1A Representação aproximada da estrutura
habitual de temperaturas da atmosfera da Terra nas
latitudes médias norte (ou sul). Na superfície, aquecida
pelo sol, a temperatura média anual é de 13º.C. A
temperatura decresce com a altitude até uma altura (h) de
cerca de 13 km, onde é de -55º.C. Essas baixas
temperaturas são conhecidas dos alpinistas e dos
aviadores. A região inferior da atmosfera terrestre,
chamada troposfera, é agitada por ventos e turbulências,
e nela ocorre a formação de chuvas. Assim, na troposfera
partículas finas são dissipadas ou lavadas pela chuva
com relativa rapidez.
A troposfera (e as chamadas "variações do tempo")
terminam na tropopausa, a cerca de 13 km de altitude.
Acima vem a estratosfera. Nesta, as temperaturas são
mais constantes com a altitude; os ventos verticais e a
turbulência são moderados; não há chuva; e partículas
finas se dissipam muito lentamente.
A fumaça de incêndios fica limitada em sua maior parte à
troposfera, e as partículas de fuligem se depositam em
tempo relativamente curto. Já a poeira produzida por
detonações de alta energia no solo - em silos e outras
instalações resguardadas - é injetada em considerável
proporção na estratosfera e se precipita com relativa
lentidão. A energia explosiva apenas capaz de injetar
algum material na estratosfera é cerca de 10 quilotons,
como mostra a figura. A bola de fogo e a nuvem
estabilizada produzidas por uma explosão de 1 megaton
(MT) sobem quase totalmente à estratosfera.
AGRADECIMENTOS
Este artigo não teria sido possível sem a alta competência
científica e dedicação dos meus co-autores do relatório
TTAPS, Richard Turco, Brian Toon, Thomas Ackerman e
James Pollack. Também sou grato, por estimulantes
discussões e/ou cuidadosas revisões de uma versão
anterior deste artigo, a Hans Bethe, Mark Harwell, John P.
Holdren, Eric Jones, Carson Mark, Theodore Postol,
Joseph Rotblat, Stephen Schneider, Edward Teller e
Albert Wohlstetter; e agradeço encarecidamente o
incentivo, as sugestões e as apreciações criticas de
Lester Grinspoon, Steven Soter e, especialmente, Ann
Druyan. Shirley Arden, Mary Maki, Mary Roth e Joanne
Vago prestaram, com sua habitual e grande competência,
serviços logísticos essenciais à preparação deste trabalho
e à organização da conferencia preparatória de
Cambridge, Massachusetts. Finalmente, minha gratidão
aos companheiros do Comitê de Conseqüências Mundiais
à Longo Prazo de uma Guerra Nuclear.
Perguntas
DR. VIKAS SAINI (Junta Diretora, Nuclear Free America):
Eu tenho duas perguntas sobre as suposições do modelo.
A primeira é quanto aos efeitos no Hemisfério Sul: trata-se
estritamente da transferência de efeitos de detonações no
Hemisfério Norte, ou o senhor inclui objetivos no
Hemisfério Sul?
Efeitos Diretos
Vou-me concentrar de modo especial nas conseqüências
indiretas geralmente ignoradas de uma guerra dessa
espécie para o ser humano, as quais se transmitiriam
através de efeitos em sistemas ecológicos. Mas não vou
minimizar os efeitos diretos possíveis, por bem
conhecidos que sejam, pois estes serão realmente
horríveis. Vejam o que estudos recentes indicam que
aconteceria numa grande guerra termonuclear, em que
entre 5.000 e 10.000 megatons de armas fossem
detonados - a maior parte no Hemisfério Norte. (para pôr
essa guerra em perspectiva, consideram que isso
equivaleria grosso modo à explosão de entre meio e três
quartos de milhão de bombas atômicas do tamanho da de
Hiroxima, o que representa não mais que uma fração dos
arsenais nucleares atuais dos Estados Unidos e União
Soviética.)
Até certo ponto, os efeitos irão depender da dimensão da
guerra, distribuição das explosões, número de explosões
no solo e de explosões no ar, e outros fatores. Mas quero
frisar novamente o que o Dr. Sagan tão bem sublinhou:
que os resultados biológicos são pujantes. Isto significa
que é sumamente difícil conceber uma guerra nuclear em
grande escala que não levasse a um desastre ecológico
de dimensões sem precedentes.
Em nosso artigo para a revista Science, nós nos
concentramos mais que o relatório TTAPS numa guerra
de 10.000 megatons, porque achamos que a população
devia ser informada dos efeitos dessa hipótese plausível.
Por isso demos atenção especial ao caso de 10.000
megatons. Mas as descrições gerais dos efeitos aplicam-
se a todos os cenários de guerra em grande escala.
A previsão, segundo uma das estimativas, é de que
somente as explosões causariam 750 milhões de mortes.
Um número de pessoas igual ao que existia no planeta
quando a nossa nação foi fundada seria vaporizado,
desintegrado, esmagado, reduzido a polpa e espalhado
na paisagem pela força explosiva das bombas. Outro
estudo prediz que 1,1 bilhão de pessoas seriam mortas e
outras tantas lesadas pelas explosões, pelo calor e pela
radiação. Vale dizer, quase a metade da atual população
do mundo - compreendendo a maior parte dos habitantes
das nações ricas do Hemisfério Norte - poderia converter-
se em baixas no espaço de poucas horas.
Também é cristalinamente claro que a própria estrutura
da sociedade industrial seria destruída por um tal tipo de
guerra. Praticamente todas as áreas metropolitanas - que
são os centros políticos, industriais, financeiros, de
transportes, de comunicações e culturais das sociedades
simplesmente deixariam de existir. Grande parte do saber
da humanidade desapareceria com elas. Atendimento
médico e outros serviços de socorro essencialmente não
mais existiriam - não haveria de onde partir assistência.
Os sobreviventes das nações um dia ricas não somente
enfrentariam as cargas psicológicas esmagadoras de
terem testemunhado a maior catástrofe da história
humana, como saberiam não haver esperança de
remédio.
Uma situação como essa é de tal modo estarrecedora que
muitos a entenderão como uma estimativa de pior
hipótese do mal potencial causado ao Homo sapiens na
Terceira Guerra Mundial. Ao contrário, como veremos a
seguir, eu descrevi somente a ponta visível do iceberg. Os
destinos dos dois ou três bilhões de pessoas que não
morressem imediatamente inclusive as de nações muito
distantes dos objetivos - poderiam sob vários aspectos ser
piores. Essas, é claro, sofreriam a ação direta das
temperaturas glaciais, da escuridão e da precipitação
radioativa à médio prazo de que falou o Dr. Sagan. Mas
os efeitos de maior alcance à longo prazo seriam
produzidos indiretamente pelo impacto destes e de outros
fatores sobre os sistemas ambientais do planeta.
Ecossistemas
Para entender isso, é preciso saber alguma coisa a
respeito de sistemas ecológicos - ecossistemas na forma
abreviada da biologia. Um ecossistema é uma
comunidade biológica - todos os vegetais, animais e
micróbios que vivem numa certa área - combinada ao
meio físico em que vivem esses organismos. O meio
abrange a radiação solar, os gases da atmosfera, águas
correntes, fragmentos de rocha no solo, e assim por
diante. E a essência de um ecossistema é uma teia de
processos que ligam os organismos uns aos outros e ao
seu ambiente físico.
Esses processos incluem um fluxo unidirecional de
energia através do ecossistema e um movimento cíclico
de materiais no seu interior. Muitos dos senhores estão
familiarizados com o processo da fotossíntese, pelo qual
as plantas verdes "captam" a energia do sol. Parte dessa
energia é a seguir transferida ao longo de "cadeias
alimentares", sendo utilizada primeiro pelas plantas no
seu crescimento e para acionar seus outros processos
vitais, depois pelos herbívoros que comem essas plantas,
depois pelos carnívoros que comem os herbívoros e uns
aos outros, e finalmente por agentes de decomposição
que desagregam resíduos e organismos mortos.
A energia do sol alimenta todos os ecossistemas
importantes, não apenas através da fotossíntese como
também de processos puramente físicos, como o de
evaporar a água da superfície dos mares e das terras de
modo que esta continue a circular. Assim, vê-se de
imediato por que qualquer evento que impeça o acesso
da luz solar à superfície da Terra pode ter efeitos
catastróficos sobre o funcionamento dos ecossistemas.
Mas, e daí? É preciso entender que todos os seres
humanos estão encerrados em ecossistemas e deles
dependem totalmente para a produção agrícola e para
uma série de outros "serviços públicos" gratuitos. Esses
serviços incluem a regulação dos climas e manutenção da
composição gasosa da atmosfera; suprimento de água
doce; remoção de resíduos; reciclagem de elementos
nutrientes (inclusive os indispensáveis à agricultura e à
silvicultura); geração e preservação de solos; controle da
grande maioria das pragas potenciais das lavouras e
vetores de enfermidades humanas; suprimento de
alimentos do mar; e manutenção de uma vasta
"biblioteca" genética, da qual a humanidade já tirou a
própria base da civilização - inclusive todas as plantas
cultivadas e animais de criação.
A danificação de ecos sistemas significa a interrupção
desses serviços. E os dois ou três bilhões de indivíduos
que sobrevivessem aos efeitos instantâneos de uma
guerra termonuclear precisariam deles mais ainda do que
precisamos hoje.
Gelo e Trevas
Temperaturas reduzidas teriam efeitos dramáticos sobre
populações animais, muitas das quais seriam aniquiladas
pelo frio inusitado. Contudo o fator central dos efeitos nos
ecossistemas é o impacto da guerra sobre as plantas
verdes. A atividade destas dá origem à chamada
produção primária - a apropriação de energia (através da
fotossíntese) e a acumulação de substâncias nutritivas
necessárias ao funcionamento de todos os componentes
biológicos dos ecossistemas naturais e cultivados. Sem a
atividade fotossintética das plantas, virtualmente todos os
animais, seres humanos inclusive, cessariam de existir.
Toda carne é na verdade "erva".
Tanto o frio como a escuridão são adversos às plantas e à
fotossíntese. O Quadro 1 mostra as modificações de luz e
temperatura que podem decorrer de uma guerra nuclear.
Note-se que, por exemplo, as temperaturas superficiais
nos continentes, longe das costas, podem ficar abaixo do
ponto de congelamento da água em todo o Hemisfério
Norte durante um ano inteiro, e que um frio próximo desse
ponto também pode assolar o Hemisfério Sul durante
meses.
Os impactos de temperaturas tão baixas sobre as plantas
dependeriam, entre outras coisas, da época do ano em
que ocorressem, da sua duração, e da tolerância das
diferentes espécies vegetais ao resfriamento. Um
resfriamento brusco é particularmente prejudicial. Depois
de uma guerra nuclear, prevê-se que as temperaturas
cairiam verticalmente em curto espaço de tempo; assim, é
improvável que plantas normalmente resistentes ao frio se
aclimatassem antes de serem expostas a temperaturas
letais. Além disso, mesmo temperaturas bem acima do
ponto de congelamento podem ser nocivas a algumas
plantas, e outras agressões não mostradas no Quadro 1
intensificariam os danos infligidos à vegetação pelo
resfriamento ou congelação. Acresce que plantas doentes
ou lesadas têm uma capacidade reduzida de aclimatar-se
ao frio.
Tudo isso se resume em que virtualmente todas as
plantas terrestres no Hemisfério Norte seriam lesadas ou
destruídas numa guerra que ocorresse durante a estação
do crescimento ou pouco antes. Provavelmente a maior
parte das culturas anuais seria prontamente exterminada,
e muitas plantas perenes sofreriam igualmente danos
graves se a guerra ocorresse no período do seu
crescimento ativo. Obviamente, os danos seriam menores
se ela acontecesse na fase de hibernação.
Se fosse no outono ou no inverno, as fontes principais de
alimento para a humanidade - trigo, arroz, milho e outros
cereais - teriam sido colhidas. Mas provavelmente o
tempo permaneceria anormalmente frio por muitos meses,
impedindo o cultivo na primavera e no verão
subseqüentes, ainda que outras condições fossem
favoráveis. Outrossim, como as temperaturas de inverno
estariam muito abaixo das mínimas normais, muitas
plantas perenes (por exemplo, árvores frutíferas e
componentes importantes da vegetação natural)
provavelmente morreriam. De modo geral, as sementes
estocadas de plantas de zonas temperadas não seriam
afetadas pelo frio, mas as de muitas plantas tropicais o
seriam.
Se bem que em latitudes mais setentrionais uma guerra
no outono ou no inverno teria provavelmente um impacto
menos violento sobre as plantas do que na primavera ou
no verão, ainda assim poderia haver um sério impacto nos
trópicos, onde as plantas crescem o ano inteiro. As únicas
partes do Hemisfério Norte onde as plantas não seriam
devastadas por um frio intenso seriam zonas costeiras e
ilhas, onde a temperatura seria moderada pelos oceanos.
As faixas costeiras, porém, experimentariam condições
atmosféricas de extrema turbulência, em vista das
enormes diferenças de temperatura que se criariam entre
a terra e o mar.
Lembrem-se de que o frio é apenas um dos castigos a
que as plantas verdes seriam submetidas. O bloqueio da
luz solar, causa do frio, também reduziria ou eliminaria a
atividade da fotossíntese. Isto traria inúmeras
conseqüências, que se transmitiriam em cascata através
das cadeias de alimento, inclusive as que dão sustento à
espécie humana. A produtividade primária diminuiria mais
ou menos na proporção da diminuição da luz, ainda que a
vegetação não sofresse outras espécies de danos. Se o
nível de iluminação caísse a 5% ou menos dos níveis
normais - como provavelmente aconteceria por vários
meses nas latitudes médias do Hemisfério Norte -, a
maioria das plantas teria o seu crescimento
interrompido. Assim, mesmo se as temperaturas
permanecessem normais, a produtividade das culturas e
dos ecossistemas naturais seria enormemente reduzida
pela intercepção da luz do sol decorrente de uma guerra.
Combinados, o frio e a escuridão constituiriam uma
catástrofe sem precedentes para esses sistemas.
Luz Ultravioleta
Quando o frio e a escuridão abrandassem, as plantas
verdes passariam a sofrer outro sério insulto. As bolas de
fogo nucleares introduziriam na estratosfera grandes
quantidades de óxidos de nitrogênio. A
conseqüência seria uma forte redução do escudo protetor
estratosférico de ozônio - da ordem de 50%.
Normalmente, o ozônio filtra a radiação UV-B.
Nas semanas ou meses imediatamente seguintes à
guerra, a fuligem e a poeira em suspensão impediriam
essa UV-B acrescida de alcançar o solo. Mas a escassez
de ozônio persistiria por mais tempo que a fuligem e a
poeira, e, quando a atmosfera limpasse, os organismos
seriam submetidos a níveis de radiação UV-B muito mais
altos que os considerados perigosos para os
ecossistemas e para os seres humanos.
Uma das respostas das plantas ao aumento da UV-B é a
redução da fotossíntese. Além disso, folhas que se
desenvolvem em baixa luminosidade são duas ou três
vezes mais sensíveis à UV-B do que as desenvolvidas em
plena luz do sol. Dessa forma, a UV-B irá potenciar os
danos antes causados por baixos níveis de luz. Sabe-se
que os sistemas imunológicos do Homo sapiens e de
outros mamíferos são suprimidos mesmo por doses
baixas de UV-B. Assim, os mamíferos submetidos a
radiação ionizante acrescida (que também inibe o sistema
imunológico), a doenças e a uma série de outras
agressões num mundo de pós-guerra teriam
comprometida uma de suas principais defesas. Há
também indicações de que a exposição prolongada a um
excesso de UV-B poderia provocar de modo generalizado
a perda da visão. As pessoas e outros animais
sobreviventes poderiam ver-se novamente em trevas
pouco tempo depois que o céu tivesse clareado.
Precipitação Radioativa
Os ecos sistemas do Hemisfério Norte seriam também
submetidos a níveis muito mais altos de radiação
ionizante originada da precipitação radioativa do que se
imaginava antes. Uma estimativa sugere que um total de
uns 5 milhões de quilômetros quadrados estendendo-se
dos pontos de detonação na direção do vento ficariam
expostos a 1.000 ou mais rems de radiação,
principalmente nas primeiras 48 horas. Esses níveis de
radiação seriam letais para todas as pessoas expostas e
para muitas outras espécies animais e vegetais sensíveis.
Até 30% das áreas continentais de médias latitudes do
Hemisfério Norte seriam expostas a mais de 500 rems de
radiação no primeiro dia. Tal dose causaria a morte de
cerca de metade dos indivíduos adultos sadios a ela
expostos. No entanto, submetidos a outros fatores de
debilitação, poucos adultos nessas áreas se manteriam
sadios, e a radiação poderia acabar de liquidar muitos
milhões de sobreviventes feridos, doentes, enregelados,
famintos e sedentos. Os que não morressem ficariam
doentes por semanas e propensos ao câncer pelo resto
de suas vidas. O número total de pessoas afetadas
certamente passaria de um bilhão, podendo mesmo
abranger a totalidade das populações do Hemisfério Norte
- dependendo dos detalhes do conflito nuclear.
Níveis mais baixos de exposição anormal, ainda centenas
de vezes maiores que a radiação normal "de fundo",
ocorreriam em metade ou mais do hemisfério, tornando os
sobreviventes mais suscetíveis à doença, acarretando a
produção de câncer e provocando mutações genéticas.
Os efeitos ecossistêmicos de níveis elevados de radiação
são mais difíceis de prever. Organismos não-humanos
são diferentemente suscetíveis a lesões por radiação.
Entre os mais vulneráveis estão a maioria das coníferas
que formam florestas extensas nas zonas mais frias do
Hemisfério Norte. É possível que sobreviesse a morte de
coníferas numa superfície equivalente a 2% de toda a
área de terras do Hemisfério Norte. Isto, por sua vez,
criaria condições propícias à propagação de incêndios de
enorme extensão.
Além das coníferas, aves e mamíferos destacam-se entre
os grupos mais sensíveis. Combinada a outras agressões,
a precipitação, em muitas regiões, poderia agravar a
ruptura da mecânica normal de ecossistemas. Além do
que, isótopos radioativos entrariam em ciclos alimentares,
ganhando no processo maior concentração, e talvez
somando novos riscos para os sobreviventes humanos.
Sumário
Permitam-me uma breve recapitulação. Uma guerra
nuclear em grande escala, ao que nos é dado prever,
deixaria quando muito sobreviventes esparsos no
Hemisfério Norte, e esses sobreviventes enfrentariam frio
intenso, fome, falta de água, smog espesso, etc.,etc., e
enfrentariam tudo isso na penumbra ou no escuro, e sem
o apoio de uma sociedade organizada.
Os ecossistemas de que em grau extremo eles seriam
dependentes sofreriam fortes distorções, transformando-
se em modos que dificilmente podemos predizer. Seus
processos seriam entravados. Os ecologistas não
conhecem suficientemente esses sistemas complicados
para poderem prever a sua exata condição depois de
"recuperados". Se a biosfera voltaria a ser um dia algo
parecido ao que é hoje, ninguém é capaz de dizer.
É altamente improvável que a sociedade do Hemisfério
Norte perdurasse. Na zona tropical do Hemisfério Sul, os
eventos dependeriam em grande parte do grau de
propagação dos efeitos atmosféricos do norte para o sul.
Mas podemos estar certos de que, ainda que não
houvesse essa propagação, as populações que vivem
nessas áreas seriam fortissimamente afetados pelos
efeitos da guerra - pelo simples fato de ficarem isoladas
do Hemisfério Norte.
E, repetindo, se os efeitos atmosféricos se alastrassem
por todo o planeta, não podemos ter certeza de que o
Homo sapiens sobreviveria.
Figura 1. Deslocamento urbano provável: Uma semana
após uma guerra nuclear, a quantidade de luz solar ao
nível do solo a grandes distâncias dos objetivos do
Hemisfério Norte possivelmente se reduziria a uma
pequena percentagem da normal. Os sobreviventes
urbanos defrontar-se-iam com frio intenso, falta de água,
falta de alimentos e de combustíveis e pesadas cargas de
radiação, poluentes e doenças. Provavelmente tentariam
abandonar as cidades em busca de comida.
Perguntas
DR. OWEN CHAMBERLAIN (professor de Física da
Universidade da Califórnia em Berkeley; Prêmio Nobel de
Física de 1959): O senhor pode fazer o favor de repetir
alguns pontos capitais sobre a cultura do trigo? Que
queda de temperatura se requer para eliminá-Ia? Imagino
que é fácil perder-se a produção de um ano simplesmente
porque o sol foi insuficiente para operar um ciclo vital
completo do trigo, mas o senhor mencionou alguns dados
com respeito à queda de temperatura.
PAINEL SOBRE AS
CONSEQÜÊNCIAS ATMOSFÉRICAS E
CLIMÁTICAS
DR. GEORGE M. WOODWELL (presidente da
Conferência): Neste momento tenho o prazer de abrir este
tópico a novos debates, como parte do processo geral de
apressar a difusão e verificação das conclusões. Agora
será a vez das perguntas difíceis.
O primeiro painel é presidido pelo meu colega Dr. Thomas
F. Malone.
Totais 50.000
15.000
Dose externa
corporal
Estudo Área e Tipo de Radiação
(rems)
______________________________________________
_________
Perguntas
DR. THOMAS MALONE: Este painel mostrou que existem
análises científicas amplas e diversificadas que
corroboram a apresentação de Carl Sagan.
A CONEXÃO MOSCOU
UM DIÁLOGO ENTRE CIENTISTAS NORTE-
AMERICANOS E SOVIÉTICOS
DR. THOMAS F. MALONE (presidente): A Conferência
sobre o Mundo após a Guerra Nuclear é uma iniciativa
científica que visa reunir conclusões existentes e novas
sobre os efeitos atmosféricos e climáticos globais à longo
prazo de uma guerra nuclear e suas conseqüências para
a vida. Os organizadores da Conferência evitaram
rigorosamente extrair quaisquer implicações políticas das
suas conclusões. Nosso objetivo é esclarecer questões e
não advogar tal ou qual ponto de vista. Todos os
participantes deste programa entendem e concordam que
a Conferência não é um fórum para discutir linhas de ação
ou temas de política. Um compromisso semelhante está
subentendido nesta troca de pareceres entre Cientistas
reunidos em Washington e em Moscou.
Comigo na tribuna estão o Dr. Carl Sagan, astrônomo e
cientista espacial da Universidade Cornell; o Dr. Paul
Ehrlich, ilustre biólogo da Universidade Stanford; e o Dr.
Walter Orr Roberts, meu velho amigo, astrônomo,
meteorologista e ex-presidente da Associação Americana
para o Progresso da Ciência.
Essa comunhão de preocupações entre cientistas e entre
a comunidade científica e o público é mais um passo num
processo que começou há mais de um ano em Roma,
quando os líderes científicos do mundo fizeram em
uníssono esta declaração: “A partir de 1945 a natureza da
guerra mudou tão profundamente que o futuro da espécie
humana, de gerações ainda por nascer, está em risco". O
debate das questões científicas relevantes terá
prosseguimento brevemente em Estocolmo, sob os
auspícios do Conselho Internacional de Uniões
Científicas.
Agora tenho o prazer de apresentar um velho amigo, o
acadêmico Yevgeniy Velikhov, vice-presidente da
Academia de Ciências da URSS.
CONCLUSÃO
WALTER ORR ROBERTS
William D. Ruckelshaus, diretor da Agência de Defesa
Ambiental dos Estados Unidos, em recente artigo na
revista Science, disse que o debate de questões
ambientais é freqüentemente dominado por um clima de
medo. Ele recomenda aos cientistas que façam maiores
esforços no sentido de explicar ao público de modo
simples e fundamentado as conclusões subjacentes das
pesquisas, incluindo a exposição das incertezas das
noções fundamentais, e portanto dos riscos estimados.
Entre as opções com que a humanidade se defronta,
nenhuma ilustra melhor essa recomendação que as
conseqüências biológicas de uma guerra nuclear em
escala mundial. Nenhum prejuízo ambienta! para a vida
do planeta representa uma ameaça potencial maior,
principalmente quando combinada à consideração da
destruição e da perda de vidas diretamente decorrentes
de uma guerra nuclear.
Em seu artigo, Ruckelshaus cita estas palavras de
Thomas Jefferson: "Se julgamos [o povo]
insuficientemente esclarecido para exercitar o seu
controle com discrição razoável, o remédio não é
arrebatá-Io dele, mas informar a sua discrição.”
Esse propósito norteou magnificamente a Conferência
sobre o Mun . do após a Guerra Nuclear. Nosso objetivo
foi informar os povos do mundo, na convicção de que o
esclarecimento levará ao exercício de uma discrição
universal razoável. Nós nos propusemos ater-nos
estritamente a questões científicas, explicar algumas
descobertas novas, não previstas, de alta relevância para
a higiene do planeta, e reexaminar, na perspectiva de
trabalhos mais recentes, algumas das pesquisas
precedentes sobre o assunto. Basicamente estamos de
acordo no que diz respeito aos temas físicos e biológicos
tratados na Conferência.
Provavelmente há menos unanimidade quanto a como
lidar com as questões políticas levantadas por essas
verificações científicas. Estou certo de que muitos de nós
divergem quando se trata de optar entre as alternativas
sociais, econômicas, políticas e mesmo éticas que nos
defrontam como membros que somos de nações-Estados
e da comunidade universal dos povos. Por isso evitamos
propositalmente o debate de questões e opções de ordem
política nesta Conferência. É claro que as questões
políticas são de suma importância, e devem ser
profundamente meditadas, extensamente discutidas e
finalmente aplicadas à ação. E o que é mais, há urgência
em mudar para um novo terreno na área da política.
Thomas W. Wilson, Jr. enfatizou recentemente a
prioridade dessas questões políticas numa excelente
análise intitulada "Conceitos Modificados de Segurança
Nacional", da qual citarei uma breve passagem:
APÊNDICE
O INVERNO NUCLEAR:
CONSEQÜÊNCIAS GLOBAIS DE EXPLOSÕES
MÚLTIPLAS NUCLEARES
Cenários
Um balanço dos arsenais nucleares do mundo mostra que
as armas primárias estratégicas e de teatro representam
12.000 megatons (MT) de potência transportados por
17.000 ogivas. Em potência explosiva esses arsenais
equivalem aproximadamente a um milhão de bombas de
Hiroxima. Embora o número total de ogivas de alta
potência esteja diminuindo com o tempo, cerca de 7.000
MT ainda correspondem a ogivas de mais de 1 MT.
Existem também 30.000 ogivas táticas e munições de
baixa potência, que não são consideradas nesta análise.
Os cenários de emprego possível de armas nucleares são
complexos e discutíveis. Historicamente, os estudos dos
efeitos à longo prazo de uma guerra nuclear têm-se
concentrado num conflito em grande escala, na faixa de
5.000 a 10.000 MT. Esses conflitos são possíveis, tendo
em vista os arsenais atuais e a natureza imprevisível de
uma guerra, particularmente de uma guerra nuclear, em
que poderia ocorrer uma escalada maciça do conflito.
O Quadro 1 mostra um sumário dos cenários adotados
neste estudo. Nosso cenário de referência supõe um
conflito de 5.000 MT. Os demais casos cobrem uma gama
de potência total de 100 a 25.000 MT. Muitas instalações
industriais e militares de alta prioridade localizam-se nas
vizinhanças ou dentro de zonas urbanas. Em vista disso,
a fração da potência total atribuída a objetivos urbanos ou
industriais (15-30%) é modesta. Tendo em vista a grande
potência das ogivas estratégicas (em geral mais de 100
quilotons [KT]), ataques "cirúrgicos" contra objetivos
isolados são difíceis; por exemplo, uma explosão aérea
de 100 KT pode arrasar e queimar uma área de 50 km2, e
uma explosão aérea de 1 MT, uma área 5 vezes maior, o
que implica estragos colaterais extensos em quaisquer
ataques de "contra-valor", e em muitos dos de "contra-
força".
As propriedades da poeira e da fumaça nucleares são
fatores críticos para a presente análise. A fixação dos
parâmetros básicos é mostrada nos Quadros 2 e 3,
respectivamente; detalhes podem ser encontrados na Ref.
15. Para cada cenário de detonações, as quantidades
fundamentais que têm de ser conhecidas para efeito de
previsões óticas e climáticas são as injeções atmosféricas
totais de poeira fina (raio menor ou igual a 10 u) e fuligem.
Explosões nucleares no solo ou próximas do solo podem
gerar partículas finas por vários mecanismos: (i) ejeção e
desagregação de partículas de solo, (ii) vaporização e
renucleação de terra e rocha, e (iii) assopramento e
arrastamento vertical de poeira e fumaça da superfície.
Análises de dados de testes nucleares indicam que
aproximadamente 1 x 10 elevado a 5 a 6 x 10 elevado a 5
toneladas de poeira por megaton de potência explosiva
são contidas nas nuvens estabilizadas de detonações
superficiais em terra.
Além disso, a análise de dimensões de amostras de
poeira recolhidas em nuvens nucleares indica uma fração
submicrométrica substancial. Detonações nucleares na
superfície podem ser muito mais eficientes em gerar
poeira fina do que erupções vulcânicas, que foram
impropriamente utilizadas no passado para estimar os
impactos de uma guerra nuclear.
Simulações
De modo geral, as previsões de modelo aqui referidas
representam efeitos médios no Hemisfério Norte (HN). As
explosões nucleares e incêndios iniciais seriam na maior
parte circunscritos às latitudes setentrionais médias (30º a
60ºN). Assim sendo, a opacidade média prevista por
efeito da poeira e fumaça poderia ser duas a três vezes
maior nas latitudes médias, e menores em outras partes.
As profundidades óticas médias hemisféricas nos
comprimentos de onda visíveis para as nuvens mistas de
poeira e fumaça nucleares correspondentes aos cenários
do Quadro 1 são mostradas na Figura 1. A profundidade
ótica vertical é um diagnóstico útil das propriedades da
nuvem nuclear, e pode ser utilizada de modo aproximado
para calcular os níveis de luminosidade e temperatura
atmosféricas para os diversos cenários.
No cenário de referência (Caso 1, 5.000 MT), a
profundidade ótica inicial no HN é 4, sendo 1 devido à
poeira estratosférica 3 à fumaça troposférica. Depois de
um mês a profundidade ótica ainda é 2. Ao fim de dois a
três meses, a poeira domina os efeitos óticos, pois a
maior parte da fuligem é arrastada ou lavada pela chuva.
No caso de referência, cerca de 240.000 km2 de áreas
urbanas são parcialmente queimados (50%) por 1.000 MT
de explosões (apenas 20% da energia total liberada). Isso
corresponde aproximadamente a 1/6 da área continental
urbanizada do mundo, a 1/4 da área desenvolvida do HN
e à metade da área dos centros urbanos de mais de
100.000 habitantes dos países da OTAN e do Pacto de
Varsóvia. A quantidade média de matérias combustíveis
consumidas na área incendiada é1,9 g/cm2. Incêndios
florestais ateados pelos restantes 4.000 MT de energia
queimam outros 500.000 km2 de árvores, campos e
pastos, consumindo dessa forma 0,5 g/cm2 de matérias
combustíveis
Figura 1: Profundidades óticas verticais (dispersão mais
absorção, médias hemisféricas) de nuvens de poeira e
fumaça nucleares no comprimento de onda de 550 nm,
em função do tempo. Profundidades óticas menor ou igual
a 0,1 são desprezíveis, 1 são significativas, e maior que 2
implicam a possibilidade de conseqüências de vulto. Em
profundidades óticas maior ou igual a 1 a transmissão da
luz solar torna-se altamente não-linear. São mostrados
resultados para vários casos do Quadro 1. Profundidades
óticas calculadas para a nuvem da erupção do El Chichón
em expansão são mostradas para efeito comparativo.
Testes de Sensibilidade
Um grande número de testes de sensibilidade foi efetuado
como parte deste estudo. Os resultados são resumidos a
seguir. Variações razoáveis nos parâmetros da poeira
nuclear no cenário de referência produzem profundidades
óticas médias hemisféricas iniciais de poeira que variam
aproximadamente de 0,2 a 3,0. Assim, a poeira nuclear
por si só poderia produzir um impacto climático
importante. No caso de referência, a opacidade da poeira
é muito maior que a opacidade total de
aerossol associada às erupções do El Chichón e do
Agung; mesmo quando se atribuem aos parâmetros de
poeira os seus valores menos adversos dentro da faixa
plausível, os efeitos são comparáveis aos de uma grande
explosão vulcânica.
A Figura 5 compara profundidades óticas de nuvens
nucleares para algumas variações dos parâmetros de
fumaça do modelo de referência (com a poeira incluída).
No caso de referência, admite-se que tempestades ígneas
injetem somente uma pequena fração (5%) da emissão
total de fumaça na estratosfera. Assim, os Casos 1 e
3 (sem tempestades ígneas) são muito semelhantes.
Numa digressão extrema, toda a fumaça nuclear é
injetada na estratosfera e rapidamente difundida a toda a
volta da Terra (Caso 26); profundidades óticas elevadas
podem persistir por um ano (Fig. 5). Também se obtém
um prolongamento dos efeitos óticos no Caso 22, em que
o tempo de eliminação troposférica das partículas de
fumaça aumenta de 10 a 30 dias próximo do solo. Em
contraste, quando a fumaça nuclear se mantém
inicialmente próximo do solo e se supõem processos
dinâmicos e hidrológicos de remoção inalterados, a
eliminação da fumaça ocorre muito mais depressa (Caso
25). Mas, mesmo neste caso, parte da fumaça ainda se
difunde para a alta troposfera e ali permanece durante
vários meses.
Num grupo de cálculos ópticos, fez-se variar o índice de
refração imaginário da fumaça entre 0,3 e 0,01. As
profundidades ópticas calculadas para índices entre 0,1 e
0,3 praticamente não mostram diferenças (Casos 1 e 27
na Fig. 5). Com um índice de 0,05, a profundidade ótica
de absorção se reduz em apenas 50%, e com 0,01 em
85%. Por outro lado, a opacidade total (absorção mais
dispersão) aumenta em 5%. Esses resultados mostram
que a absorção de luz e o aquecimento nas nuvens de
fumaça nuclear permanecem elevados até que a fração
de carbono grafítico da fumaça caia abaixo de uns poucos
pontos percentuais.
Um dos testes de sensibilidade (Caso 29, não figurado)
considera os efeitos óticos no Hemisfério Sul (HS) da
poeira e fuligem transportadas da estratosfera do HN.
Nesse cálculo, a fumaça do Caso 13 (300 MT, HS) se
soma à metade da poeira e fumaça estratosféricas do
caso de referência (com dispersão global rápida na
estratosfera). A profundidade ótica inicia! é 1 no HS,
caindo para 0,3 em três meses. As temperaturas médias
preditas nas superfícies continentais do HS caem 8ºK em
algumas semanas e permanecem pelo menos 4ºK abaixo
do normal por quase oito meses. No entanto, a influência
sazonal deve ser levada em conta. Por exemplo, as piores
conseqüências para o HN resultariam de um conflito de
primavera ou de verão, quando as plantações são
vulneráveis e o perigo de fogo é maior. O HS, que estaria
então no outono ou no inverno, seria nesse caso menos
sensível ao escurecimento e esfriamento. Não obstante,
as implicações deste cenário para as regiões tropicais de
ambos os hemisférios parecem sérias e merecedoras de
uma análise suplementar. Fatores sazonais também
podem modular a resposta atmosférica às perturbações
pela fumaça e poeira, e devem ser consideradas.
Figura 6: Profundidades óticas verticais (absorção mais
dispersão em 550 nm) em função do tempo para casos
ampliados de energia explosiva ou produção de poeira e
fumaça nucleares. As condições são detalhadas noutro
lugar. As quantidades de energia explosiva liberada são
as mesmas dos casos nominais de igual total constantes
do Quadro 1 (os Casos 16 e 18 também estão
relacionados). Os casos “severos” consideram geralmente
um aumento de seis vezes na injeção de poeira fina e de
duas vezes na emissão de fumaça. Nos casos 15, 17 e
18, a fumaça é responsável pela maior parte da
opacidade durante os primeiros um, dois meses. Nos
casos 17 e 18, a poeira contribui com a principal parcela
para os efeitos óticos depois de um, dois meses. No Caso
16 desprezam-se os incêndios e toda a opacidade é
produzida pela poeira de explosões na superfície.
Outros Efeitos
Foram considerados também, com menos detalhe, os
efeitos à longo prazo da precipitação radioativa, do NOx
gerado pelas bolas de fogo, e dos gases tóxicos e pirogê-
nicos. A física da precipitação radioativa é bem
conhecida. Nossos cálculos referem-se principalmente à
acumulação externa na escala intermediária de tempo da
precipitação devida ao arrastamento e deposição seca da
poeira nuclear dispersa. Para estimar níveis possíveis de
exposição, adotamos uma fração de energia de fissão de
0,5 para todas as armas. Quanto à exposição apenas à
emissão gama da poeira radioativa, que no cenário de
referência (5.000 MT) começa a precipitar depois de dois
dias, a dose total média hemisférica acumulada por
humanos em alguns meses seria de 20 rads, supondo-se
ausência de abrigo e de remoção da poeira por agentes
meteorológicos. Durante esse tempo a precipitação ficaria
restrita principalmente às latitudes médias do HN; ali,
portanto, a dose poderia ser 2 a 3 vezes maior.
Considerando a ingestão de radionuclídeos
biologicamente ativos e exposição ocasional a
precipitação localizada, a dose crônica total média
nas latitudes médias de radiação ionizante no caso de
referência seria mais de 50 rads de radiação gama
externa no corpo inteiro, somados a mais de 50 rads em
órgãos internos específicos, provenientes de emissores
internos de radiações beta e gama. No caso de 10.000
MT, com as mesmas suposições, as doses médias seriam
multiplicadas por dois. Estas doses sõao mais ou menos
uma ordem de grandeza maiores que as das estimativas
precedentes, que desprezaram o arrastamento e
precipitação na escala intermediária de tempo de resíduos
nucleares troposféricos produzidos por detonações de
baixa potência (menos de 1 MT).
O problema do NOx produzido nas bolas de fogo das
explosões de alta potência, e da resultante redução do
ozônio atmosférico, foi tratado em vários estudos. No
nosso caso de referência, encontrou-se para o
empobrecimento médio hemisférico de ozônio um valor
máximo de 30%. Este seria bem menor se as potências
das ogivas individuais fossem todas reduzidas a menos
de 1 MT. Considerando a relação entre o acréscimo da
radiação UV-B e o decréscimo de ozônio, são previstas
doses de UV-B aproximadamente iguais ao dobro do
normal no primeiro ano após o conflito no caso de
referência (depois de dissipadas a poeira e a fuligem).
Efeitos maiores de UV-B resultariam de ataques com
ogivas de maior potência (ou artefatos multidetonantes).
Os incêndios nucleares gerariam uma grande variedade
de gases tóxicos (piratoxinas), inclusive CO e HCN.
Segundo Crutzen e Birks, uma densa capa de poluição
atmosférica, incluindo concentrações aumentadas de
ozônio, poderia recobrir o HN durante vários meses.
Preocupam-nos também as dioxinas e os furanos,
compostos extremamente tóxicos e persistentes que são
liberados na combustão de substâncias orgânicas
sintéticas de largo emprego. Num conflito nuclear
poderiam ser geradas centenas de toneladas de dioxinas
e furanos. As conseqüências ecológicas à longo prazo
dessas pirotoxinas nucleares merecem estudos mais
aprofundados.
Perturbações Meteorológicas
Variações horizontais da absorção de luz solar na
atmosfera e na superfície são as forças impulsoras
básicas da circulação atmosférica. Em vários dos casos
considerados neste estudo são indicadas modificações de
vulto nessas forças. Por exemplo, desigualdades de
temperatura superiores a 10ºK entre áreas continentais do
HN e os oceanos contíguos podem induzir uma forte
circulação do tipo monção, análoga em certos aspectos
ao padrão de inverno nas vizinhanças do subcontinente
Indiano. Do mesmo modo, o contraste de temperaturas
entre regiões atmosféricas carregadas de resíduos e
regiões adjacentes ainda não ocupadas pela fumaça e
poeira deve produzir novas modalidades de circulação.
Assim, pois, as nuvens de poeira e fumaça nucleares
poderão ocasionar perturbações climáticas de monta e
efeitos correspondentes, através de mecanismos
variados: reflexão de radiação solar para o espaço e
absorção de luz solar na alta atmosfera, resultando em
esfriamento superficial generalizado; modificação dos
padrões de absorção da luz solar e aquecimento que
promovem a circulação atmosférica em pequena escala e
em grande escala; introdução de maior quantidade de
vapor de água e de núcleos de condensação de nuvens,
que afetam a formação de nuvens e o regime de chuvas;
e alteração do albedo superficial por incêndios e fuligem.
Esses efeitos conjugam-se intimamente para determinar a
resposta atmosférica geral a uma guerra nuclear. Por ora
não é possível prever em detalhe as alterações nos
campos combinados da circulação atmosférica e da
radiação, e no comportamento do tempo e dos
microclimas, que resultariam das injeções maciças de
poeira e de fumaça aqui analisadas. Portanto, a
especulação tem de limitar-se a considerações muito
gerais.
A evaporação dos oceanos é uma fonte contínua de
umidade para a camada marinha Iimítrofe. Uma camada
densa semipermanente de bruma ou nevoeiro poderia
recobrir grandes porções de água. As conseqüências para
a precipitação pluviométrica marinha não são claras,
principalmente se os ventos dominantes normais
forem grandemente alterados pelo agente solar
perturbado. Algumas regiões continentais poderiam sofrer
nevadas contínuas durante vários meses. As chuvas
podem promover a remoção da fuligem, se bem que o
processo possa não ser muito eficiente no caso de
nuvens nucleares. É provável que, em média, as taxas de
precipitação pluviométrica fossem em geral menores que
na atmosfera ambiente: a principal fonte restante de
energia para a formação de tempestades é o calor latente
da evaporação oceânica, e a atmosfera superior fica mais
quente que a inferior, o que elimina a convecção e a
formação de chuvas.
Apesar da possibilidade de grandes nevadas, não é
provável que uma guerra nuclear desencadeasse uma
glaciação. O período de esfriamento (menos de um ano)
provavelmente é curto demais para vencer a considerável
inércia do sistema climático da Terra. O reservatório de
calor que são os oceanos haveria de forçar o clima no
sentido dos padrões contemporâneos nos anos seguintes
à guerra. Do ponto de vista climatológico, a introdução de
CO2 pelos incêndios nucleares não é expressiva.
Transporte Inter-Hemisférico
Em estudos anteriores foi admitido que um transporte
inter-hemisférico significativo de detritos nucleares e
radioatividade demandaria um ano ou mais. Isto com base
em observações de transporte em condições ambientes,
inclusive a dispersão de nuvens de detritos produzidas
por testes nucleares atmosféricos isolados. No entanto,
nuvens densas de poeira e fumaça produzidas por
milhares de explosões quase simultâneas seriam de
molde a provocar distúrbios dinâmicos intensos em
seguida a uma guerra nuclear. Podo-se estabelecer uma
analogia aproximada com a evolução das tempestades de
poeira de escala global em Marte. A baixa atmosfera
marciana assemelha-se em densidade à estratosfera da
Terra, e o período de rotação é quase igual ao da Terra
(embora a insolação seja apenas metade da terrestre). As
tempestades de poeira que se formam em um dos
hemisférios de Marte não raro se intensificam e se
propagam rapidamente ao planeta inteiro, cruzando o
equador num tempo médio de 10 dias. Aparentemente, a
explicação está no aquecimento da poeira levantada, que
passa a suplantar outras fontes de calor e a determinar a
circulação. Haberle e outros empregaram um modelo
bidimensional para simular a evolução das tempestades
de poeira em Marte e concluíram que a poeira em baixas
latitudes, no núcleo da circulação de Hadley, é o fator
mais Importante de modificação dos ventos. Num conflito
nuclear, a maior parte da poeira e fumaça seria injetada
em latitudes médias. Entretanto, Haberle e outros não
conseguiram encaixar em seus cálculos as ondas de
escala planetária. Perturbações da amplitude de ondas
planetárias podem influir consideravelmente no transporte
de detritos nucleares entre médias e baixas latitudes.
Efeitos atmosféricos de vulto poderiam produzir-se no HS
(i) pela injeção de poeira e fumaça resultante de
explosões em objetivos do HS, (ii) pelo transporte de
detritos do HN através do equador meteoro lógico por
ventos do tipo monção 4, e (iii) por transporte inter-
hemisférico na alta troposfera e na estratosfera,
promovido pelo aquecimento solar das nuvens de poeira e
fumaça nucleares. Observações fotométricas da nuvem
produzida pela erupção do vulcão El Chichón (origem
14ºN) pelo satélite Solar Mesosphere Explorer mostraram
que 10 a 20% do aerossol estratosférico foram
transportados para o HS após 7 semanas.
Discussão e Conclusões
Os estudos aqui esboçados sugerem efeitos climáticos
sérios à longo prazo como conseqüência de um conflito
nuclear de 5.000 MT. Apesar das incertezas no que se
refere às quantidades e propriedades da poeira e da
fumaça produzidas por explosões nucleares, e das
limitações dos modelos usados para análise, podem tirar-
se em primeira aproximação as seguintes conclusões:
Temperatura
O impacto de temperaturas dramaticamente reduzidas
sobre as plantas dependeria da época do ano em que
elas ocorressem, da sua duração e dos limites de
tolerância de cada espécie vegetal. Particularmente
importante é a queda brusca de temperatura. O trigo de
inverno, por exemplo, pode suportar temperaturas de até -
15º a -20ºC quando pré-condicionado a baixas
temperaturas (como ocorre naturalmente nos meses de
outono e de inverno), mas uma temperatura de -5ºC pode
matar as mesmas plantas se expostas durante o
crescimento ativo de verão. Até plantas de regiões
alpinas, como por exemplo o Pinus cembra, que toleram
temperaturas de até -50ºC no meio do inverno, podem ser
mortas por temperaturas de -5ºC a -10ºC ocorridas no
verão. Os cálculos do TTAPS indicam que as
temperaturas cairiam em tempo curto aos seus níveis
mínimos (Quadro 1); nessas circunstâncias é improvável
que plantas normalmente resistentes ao frio pudessem
"endurecer" (desenvolver tolerância ao congelamento)
antes de alcançadas temperaturas letais. Outros traumas
infligidos às plantas pela radiação, por poluentes do ar e
por baixos níveis de iluminação imediatamente após a
guerra multiplicariam os danos provocados pelo
esfriamento. Além disso, plantas doentes ou danificadas
têm reduzidas a sua capacidade de suportar condições de
frio extremo.
Mesmo temperaturas bem acima do ponto de
congelamento podem ser danosas para certas plantas.
Por exemplo, a exposição do arroz ou do sorgo a uma
temperatura de apenas 13ºC na época crítica pode inibir a
formação de grãos porque o pólen produzido é estéril. O
milho (Zea mays) e a soja (Glycine max), duas culturas
importantes na América do Norte, são muito sensíveis a
temperaturas de menos de 10ºC.
Se bem que uma guerra nuclear no outono ou no inverno
teria provavelmente efeitos menores sobre as plantas do
que na primavera ou no verão, a vegetação tropical é
vulnerável às baixas temperaturas em todas as épocas do
ano. As únicas regiões em que as plantas terrestres
poderiam escapar à devastação pelo frio extremo seriam
aquelas situadas junto às costas e em ilhas, onde as
temperaturas seriam moderadas pela inércia térmica dos
mares. Contudo, essas áreas experimentariam condições
meteorológicas excepcionalmente violentas devido ao
forte gradiente lateral de temperatura entre os oceanos e
o interior dos continentes.
Luz Visível
A ruptura da fotossíntese pela atenuação da luz solar
incidente teria conseqüências que se propagariam em
cascata ao longo das cadeias alimentares, muitas das
quais incluem o homem como consumidor. A
produtividade primária se reduziria mais ou menos na
proporção do grau de atenuação da luz, mesmo na
hipótese pouco realista de que a vegetação não fosse
afetada de outros modos.
Vários estudos têm examinado os efeitos do
escurecimento sobre o ritmo da fotossíntese, o
crescimento das plantas e o rendimento das safras.
Embora folhas individuais possam ser saturadas por
níveis de luz abaixo da metade da luz solar normal,
plantas inteiras, que têm várias camadas de folhas
orientadas em diferentes ângulos em relação ao sol e
sombreando parcialmente umas as outras, geralmente
não são saturadas. Assim, uma redução de luz de apenas
10%, ainda que não reduzisse a fotossíntese numa folha
inteiramente exposta, poderia reduzi-la no conjunto da
planta devido à presença de folhas não saturadas no
folhame. Aliás, visto que as plantas também respiram, é
provável que na maioria dos casos todo crescimento seria
interrompido se o nível de luz caísse uns 5% abaixo dos
níveis ambientes normais do habitat (ponto de
compensação). Nos níveis previstos para os primeiros
meses seguintes a um conflito nuclear de vulto, as plantas
seriam seriamente afetadas e muitas morreriam pela
redução substancial de sua produtividade causada
unicamente pela redução de luz.
Radiação lonizante
A exposição à radiação ionizante num conflito nuclear
seria o resultado direto do fluxo de nêutrons e raios gama
da bola de fogo, dos detritos radioativos depositados na
direção do vento. e da parte dos detritos que seria
transportada pelo ar e circularia globalmente.
O grau de dano dos organismos dependeria do tempo e
intensidade da exposição, sendo os efeitos tanto mais
graves quanto maiores o tempo e a exposição total. A
exposição letal média para o homem é geralmente
calculada em 350 a 500 R recebidos no corpo inteiro em
menos de 48 horas. Para a maior parte dos outros
mamíferos e para algumas plantas a exposição letal
média é inferior a 1.000 R. Se o tempo de exposição
diminui, a dose letal média aumenta.
A área submetida à radiação intensa produzida pela bola
de fogo também seria diretamente afetada pelo sopro e
pelo calor. O raio dentro do qual a pressão do sopro
ultrapassa cinco libras por polegada quadrada é definida
como a zona letal de sopro, e a área em que o fluxo
térmico ultrapassa 10 cal/cm2, como a zona letal de calor.
O raio dentro do qual se calcula que a radiação ionizante
da bola de fogo seria letal para o homem é menor que os
raios de letalidade definidos pela pressão ou pelo calor.
Não se deu aqui atenção especial adicional aos efeitos da
radiação ionizante produzida pelas bolas de fogo.
Uma estimativa, baseada no cenário da revista Ambio e
parecida com o caso de referência do TTAPS, envolve a
liberação de 5.742 MT e cerca de 11.600 detonações,
sem superposição de campos de precipitação; sugere que
cerca de 5 x 10 elevado a 6 km2 seriam expostos a 1.000
R ou mais em áreas situadas na direção do vento. Cerca
de 85% dessa exposição total seriam recebidos em 48
horas. Essa exposição é letal para todas as pessoas
expostas, e pode causar a morte de espécies vegetais
sensíveis como a maioria das coníferas - árvores que
formam florestas extensas na maior parte das zonas mais
frias do Hemisfério Norte. Se reatores, depósitos de
rejeitos radioativos e usinas de reprocessamento de
combustível nuclear fossem atingidos num ataque, a área
afetada e os níveis de radiação ionizante poderiam ser
ainda maiores.
Na hipótese de que mais ou menos a metade da área
afetada por radiação de precipitação na faixa de 1.000 a
10.000 R fosse coberta de florestas, seriam
aproximadamente 2,5 x 10 elevado a 6 km2 dentro dos
quais ocorreria extensa mortalidade de árvores e muitas
outras plantas. Com isso criar-se-ia a possibilidade de
incêndios de grandes proporções. A maior parte das
coníferas morreria numa área equivalente a cerca de
2,5% de toda a superfície terrestre do Hemisfério Norte.
A possibilidade de até 30% da área continental de
latitudes médias ser exposta a 500 R ou mais de radiação
gama acentua a escala e a gravidade do perigo (Quadro
1A). Uma exposição total de 500 R, embora tivesse pouco
efeito sobre a maior parte das populações vegetais,
provocaria mortalidade generalizada entre todos
os mamíferos, seres humanos inclusive. Os sobreviventes
expostos ficariam doentes por semanas, e mais
propensos ao câncer pelo resto de suas vidas. O total de
pessoas afetadas excederia um bilhão.
Radiação UV-B
Nas semanas seguintes ao conflito, a poeira e fuligem
troposféricas e estratosféricas absorveriam o fluxo de UV-
B que sem isso seria transmitido pela ozonosfera
parcialmente destruída. Mas quando, alguns meses
passados, a poeira e a fuligem se dissipassem, os efeitos
da rarefação de O3 far-se-iam sentir na superfície. No
Hemisfério Norte, o fluxo de UV-B aumentaria
aproximadamente duas vezes no caso de referência do
TTAPS e quatro vezes no da guerra de 10.000 MT
considerado no Quadro 1A. Tal como acontece no caso
de uma ozonosfera inaIterada, a dose de UV-B seria
bem maior nas latitudes equatoriais do que nas
temperadas.
Mesmo empobrecimentos bem menores de O3 são
considerados perigosos para os ecossistemas e para o
homem. Se a banda inteira de UV-B aumentasse em
cerca de 50%, a quantidade de UV-B no extremo de
energia mais alta da banda, em torno de 295 nm,
aumentaria umas 50 vezes. Essa região tem importância
biológica especial devido à fone absorção de energia
nesses comprimentos de onda pelos ácidos nucléicos,
pelos aminoácidos aromáticos e pela ligação peptídica.
Em grandes doses, a UV-B é muito destrutiva para as
folhas, enfraquecendo as plantas e reduzindo a
sua produtividade. Sabe-se que a produtividade do
plâncton marinho próximo à superfície é
consideravelmente deprimida por níveis ambientes atuais
de UV-B; aumentos mesmo pequenos poderiam ter
"conseqüências profundas" para a estrutura das cadeias
alimentares marinhas.
Em pelo menos quatro outros modos, níveis acrescidos
de UV-B são sabidamente prejudiciais aos sistemas
biológicos: (i) sabe-se que os sistemas imunológicos do
Homo sapiens e de outros mamíferos são suprimidos
mesmo por doses relativamente baixas de UV-B18.
Particularmente em condições de radiação ionizante
aumentada e outras sobrecargas fisiológicas, essa
supressão dos sistemas imunológicos conduz a um
aumento de incidência de doenças. (ii) Folhas que
atingem a maturidade sob baixas intensidades de luz são
duas ou três vezes mais sensíveis à UV-B do que as que
se desenvolvem sob iluminação intensa. (iii) A
sensibilidade das bactérias à UV-B é aumentada por
temperaturas baixas, que suprimem o processo normal de
reconstituição do ADN, processo esse que depende da
luz visível. (iv) Exposição prolongada a doses excessivas
de UV-B pode induzir danos da córnea e
cataratas, produzindo cegueira no homem e em
mamíferos terrestres. Assim, os efeitos do aumento de
UV-B podem estar entre as mais sérias conseqüências
antes não previstas de uma guerra nuclear.
Efeitos Atmosféricos
Numa guerra nuclear, grandes quantidades de poluentes
do ar, entre eles Co, O3, NOx, cianetos, cloretos de vinil,
dioxinas e furanos, seriam liberadas junto à superfície.
Haveria smog e chuvas ácidas em extensas áreas depois
do conflito. Talvez essas toxinas não tivessem efeitos
imediatos significativos sobre uma vegetação já
devastada; entretanto, dependendo da sua persistência,
poderiam certamente obstar a sua recuperação. Por outro
lado, o seu transporte pelos ventos para ecossistemas
mais distantes, de início não afetados, poderia ser um
importante efeito adicional. Incêndios em grande escala
conjugados a uma interrupção da absorção do CO2
fotossintético produziriam um aumento a curto prazo da
concentração atmosférica de CO2. A quantidade atual de
CO2 na atmosfera equivale à que é consumida por vários
anos de fotossíntese e recebe a influência estabilizadora
das reservas de carbono inorgânico dos oceanos. Dessa
forma, se o clima global e a produtividade fotossintética
dos ecossistemas se restabelecessem em níveis
próximos do normal no curso de alguns anos, é
improvável que viesse a ocorrer uma alteração de longo
prazo na composição da atmosfera. Contudo, não é fora
dos domínios do possível que um evento abrangendo os
dois hemisférios, com os conseqüentes danos aos
organismos fotossintéticos, causasse um brusco aumento
de concentração de CO2 e assim alterações climáticas
duráveis. Para efeito de comparação. o tempo de
reciclagem de O2 através da biosfera é de
aproximadamente 2.000 anos.
Sistemas Agrícolas
As reservas de alimentos básicos nos centros de
população humana são pequenas, e a maior parte da
carne e dos produtos frescos é suprida diretamente pelas
fazendas. Somente grãos de cereais são armazenados
em quantidades expressivas, mas os locais de
armazenagem situam-se com freqüência em pontos
distantes dos centros urbanos. Em seguida a uma guerra
na primavera ou no princípio do verão, as safras do ano
seriam quase certamente perdidas. Numa guerra de
outono ou de inverno os grãos teriam sido colhidos, mas
como o clima permaneceria extremamente frio por muitos
meses, a época seguinte de plantio seria também
desfavorável ao crescimento das plantas.
Em suma, após uma guerra nuclear as fontes potenciais
disponíveis de alimentos no Hemisfério Norte seriam
destruídas ou contaminadas, ou estariam em locais
inacessíveis, ou logo se esgotariam. Nos países
diretamente envolvidos na guerra haveria escassez de
alimentos em muito pouco tempo. Outrossim, países que
hoje precisam de grandes importações, ainda que não
atingidos por explosões nucleares, sofreriam uma pronta
interrupção de abastecimento, o que os obrigaria a contar
unicamente com seus ecossistemas agrícolas e naturais
locais. Este seria um seríssimo problema para muitas
nações menos desenvolvidas, principalmente nas regiões
tropicais.
Em sua maior parte, as principais culturas são anuais, e
dependem em alto grau de subsídios energéticos e
nutritivos fornecidos por sociedades humanas. Além
disso, a fração da sua produção utilizável para consumo
humano requer a fixação de um excesso de energia
acima das necessidades respiratórias das plantas, o que
exige insolação abundante e minimização de agressões
ambientais por pragas, insuficiência de água, partículas
em suspensão no ar, poluição, etc. Depois de uma guerra
nuclear, proporcionar tais condições seria muitíssimo
difícil, se não impossível, na maior parte da Terra ou
possivelmente em toda ela. Portanto, para todos os
efeitos práticos, a agricultura tal como a conhecemos
deixaria de existir.
Como na maior parte das culturas norte-americanas,
européias e soviéticas as sementes são colhidas e
armazenadas não em fazendas individuais mas
predominantemente em áreas-objetivos ou em seus
arredores, os estoques de sementes para anos
subseqüentes seriam quase com certeza seriamente
desfalcados, e é provável que a variabilidade genética
dessas culturas, já limitada, fosse drasticamente reduzida.
Além do mais, as áreas potenciais de cultura
experimentariam modificações climáticas locais, altos
níveis de contaminação radioativa e solos empobrecidos
ou erodidos. A recuperação da produção agrícola teria de
ocorrer na ausência de subsídios maciços de energia
(especialmente sob a forma de combustível de trator e de
fertilizantes) aos quais a agricultura das nações
desenvolvidas veio a adaptar-se.
Exceto ao longo das costas, os regimes continentais de
chuvas reduzir-se-iam substancialmente durante algum
tempo após um conflito nuclear. Mesmo hoje, a
precipitação pluviométrica é o principal fator condicionante
da produção agrícola em muitas áreas, e a irrigação, com
seus requisitos de energia e de sistemas de suporte
humano para bombeamento de água do solo, não seria
exeqüível depois de uma guerra. Ademais, nos meses
seguintes à guerra a maior parte da água disponível
estaria congelada, e o restabelecimento das temperaturas
em seus níveis normais seria lento.
Ecossistemas Aquáticos
De modo geral, os organismos aquáticos são protegidos
contra oscilações extremas de temperatura do ar pela
inércia térmica da água. Não obstante, muitos sistemas
de água doce congelariam a profundidades consideráveis
ou totalmente em virtude das alterações climáticas
causadas por uma guerra nuclear. O efeito da escuridão
prolongada em organismos marinhos já foi estimado.
Produtores primários na base da cadeia alimentar
marinha são particularmente sensíveis a níveis baixos de
luz demorados; níveis tróficos superiores sofrem com
retardo efeitos propagados de menor intensidade. Além
disso, a produtividade do plâncton marinho próximo à
superfície é consideravelmente deprimida pelos níveis
atuais de UV-B; mesmo pequenos aumentos de UV-B
podem ter conseqüências profundas para a estrutura das
cadeias alimentares marinhas. Muitos imaginam que as
margens Oceânicas seriam uma fonte importante de
sustento para os sobreviventes de uma guerra nuclear; no
entanto, os efeitos combinados da escuridão, da UV-B,
das tempestades litorâneas, da destruição de navios na
guerra e da concentração de radionuclídeos em sistemas
marinhos de águas rasas lançam fortes dúvidas sobre
essa possibilidade.
Conclusões
Os prognósticos de mudanças climáticas são bastante
sólidos, e indicam que, qualitativamente, de uma guerra
limitada de 500 MT ou menos em que se atacassem
cidades decorreriam os mesmos tipos de agressões que
de uma guerra em grande escala de 10.000 MT. Em
essência, todos os serviços de suporte dos ecossistemas
seriam seriamente comprometidos (Quadros 2 e 3).
Acentue-se que os sobreviventes, ao menos no
Hemisfério Norte, enfrentariam frio extremo, escassez de
água; falta de alimentos e de combustíveis, fortes cargas
de radiação e poluentes, doenças e enormes tensões
psíquicas - tudo isso em penumbra ou em completa
escuridão.
Existe a possibilidade de que o escurecimento e as baixas
temperaturas se propagassem ao planeta inteiro. Se isso
acontecesse, poderia resultar um processo acentuado de
extinção, que deixaria uma Terra grandemente
transformada e biologicamente empobrecida. Poder-se-ia
esperar a extinção da maior parte das espécies vegetais e
animais tropicais, da maior parte dos vertebrados
terrestres das regiões temperadas do norte, de um grande
número de plantas, de muitos organismos de água doce e
de alguns marinhos.
Parece, entretanto, improvável que mesmo nessas
circunstâncias o Homo sapiens fosse de pronto levado à
extinção. Quanto à possibilidade de alguns indivíduos
persistirem muito tempo em face de comunidades
biológicas grandemente alteradas, de climas modificados,
de sistemas agrícolas, sociais e econômicos desfeitos, de
tensões psíquicas inusitadas e de todo um séquito de
outras dificuldades, é uma questão em aberto. É evidente
que os efeitos de uma guerra termonuclear em grande
escala sobre os ecossistemas seriam por si sós
suficientes para destruir a civilização presente, pelo
menos no Hemisfério Norte. Somada às baixas diretas,
em número superior a um bilhão, a combinação dos
efeitos intermediários e a longo prazo de uma guerra
nuclear sugere que ao fim de algum tempo poderiam não
restar sobreviventes no Hemisfério Norte. Além do mais, o
cenário aqui descrito não é em absoluto o pior que se
possa imaginar, tendo em vista os arsenais mundiais
existentes e os previstos para um futuro próximo.
Qualquer conflito nuclear em grande escala entre as
superpotências seria de molde a produzir modificações
ambientais globais suficientes para causar a extinção de
uma fração considerável das espécies animais e vegetais
da Terra. Nesse caso, a possibilidade da extinção do
Homo sapiens não pode ser excluída.