Parte da arte - talvez a maior - cria-se a partir do momento que o receptor
demonstra interesse em tentar compreender qual é - ou até mesmo se há - a mensagem que está por trás daquele meio de comunicação original. Quais daqueles signos são familiares, quais as suas funções dentro daquele contexto, como reconhecer e interpretar os sinais desconhecidos, e infinitas outras reflexões - ou não - são formadas nesse momento. Talvez seja esse um dos incentivos que os artistas e os apreciadores de arte tem para continuarem com suas atividades. Porém, muitas vezes esse interesse não existe, e neste momento a obra de arte é destruída. Esse acontecimento se deve à muitos fatores, entre eles é possível citar a preguiça de refletir sobre uma obra que às vezes pode ser uma decorrência do excesso de informações que exijam elevada bagagem cultural para serem compreendidas, ou então pela facilidade com que a informação é dada pelos meios de comunicação nos dias de hoje, ou até mesmo por uma decepção ao se deparar com uma obra de arte quando na verdade o que se buscava era apenas entretenimento. Seja qual for o motivo, a minha inquietação artística não me permite ficar de braços cruzados quanto à isso. O compositor húngaro György Ligeti é a prova de que não sou o único. Sua obra eletroacústica “Artikulation“ tem uma característica muito particular: ele a compôs para ser ouvida acompanhando desenhos em uma folha de papel. Essa talvez seja uma das representações visuais mais interessantes que eu já vi para a música eletroacústica, que (ainda) não possui uma notação gráfica padronizada. Sugiro ao leitor uma experiência. Em um primeiro momento, ouça a obra sem acompanhar a “partitura“ ( http://www.youtube.com/watch?v=2LosT_Hypl4 ) e tente compreender esses sons ao seu modo, tente desenhá-los mentalmente, tente acompanhar o som para enxergar qual seria a sua forma, a sua cor, o seu tamanho. Após isso, acompanhe a música com a partitura ( http://www.youtube.com/watch?v=71hNl_skTZQ&feature=related ) e tente acompanhar o pensamento do compositor para transformar os sons em desenhos, e depois qual é o discurso que esses sons (desenhos) fazem durante a música. Nesta obra, a atenção do receptor está voltada para a imagem, mas a imagem leva a atenção para o som, e com isso Ligeti consegue fazer com que um som que antes era um signo desconhecido - ou que talvez pudesse remeter a algo conhecido diferente do desejado - torne-se um objeto compreendido e colocado dentro de um contexto, auxiliando assim a compreensão do discurso poético. Exceções à parte, a postura do receptor ante à obra de arte é a maior responsável pelo grau de reflexão/compreensão que se teve da mesma. Logo, a obra de arte também deve ser feita tendo em mente o público que atingirá e que o grau de reflexão/compreensão da mesma está necessariamente ligado à postura que os receptores terão, que por sua vez está ligada ao interesse despertado no mesmo pela obra. Dessa forma caminha-se em uma espiral infinita. Fato é que as obras de arte contemporânea exigem mais do receptor do que as que foram feitas anteriormente. Porém, quando essas obras “antigas“ foram feitas, no momento elas também exigiam uma maior atenção do receptor pois elas também traziam informações novas, signos desconhecidos, e também despertavam o interesse pelo desconhecido. Sendo assim, estaria o problema da aceitação da arte contemporânea, principalmente a música, nos receptores e não nos artistas?
Artikulation: exposição; junção; articulação; pronunciação das palavras;
Marcos de Luca é estudante do segundo ano de composição da Faculdade
Santa Marcelina de São Paulo e da Escola de Música do Estado de São Paulo.