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REFLETINDO O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO NA EJA: A ALFABETIZAÇÃO


CARTOGRÁFICA EM QUESTÃO

Sanderson dos Santos Romualdo


UFJF

Graziella Martinez Souza


UFJF/UFF
Resumo:

Este trabalho tem como perspectiva a reflexão da problemática da desvalorização do conhecimento


empírico das pessoas que não tiveram oportunidade de acesso à escolarização. O foco de estudo será a
alfabetização cartográfica, através da veiculação da ciência geográfica a educandos da Educação de
Jovens e Adultos, que é composta de uma diversidade etária, social e cognitiva. Faz-se necessário
refletir o papel do documento cartográfico na construção do raciocínio espacial, e assim repensar o
conteúdo das disciplinas de Cartografia nos cursos de formação do EJA. Assim, a Educação de Jovens
e Adultos – EJA – é uma modalidade da Educação Básica prevista na nova LDB nº 9.394/96 que até
hoje não foi assumida de fato pelos órgãos públicos. A partir de uma análise histórico-cultural da EJA
confirma-se que os sujeitos que compõe a mesma contribuem de forma significativa para a construção
de uma Geografia Escolar, porém isto é desconsiderado no/do planejamento curricular das escolas,
que se prendem ao ensino “livresco” e “veloz” e se esquecem que no entorno escolar existe a ciência
geográfica viva e que a alfabetização cartográfica é essencial para os que alunos construam a noção de
lateralidade, de escala e de proporção e que esta pode ser feita em qualquer nível e idade. Mediante os
problemas e dificuldades que serão apresentados quanto a verdadeira implantação da EJA, dever-se-á
repensar sobre o currículo da EJA, que deveria ser aquele que considere os conteúdos como sendo
significativos aos educandos envolvidos. A metodologia que permeou a pesquisa foi o levantamento
bibliográfico, entrevista com educadores, análise de documentos oficiais e visita às escolas que
oferecem esta modalidade de ensino. O constatado na pesquisa é que existe a execução de tal
modalidade através de projetos educacionais o que descaracteriza e desqualifica a escolarização de
jovens e adultos além de pormenorizar as áreas do conhecimento e descontextualizar o ensino.
Contudo, em se tratando do corpo docente constata-se também que mesmo nos cursos de licenciatura
em Geografia de diferentes universidades, que constitui grande parcela trabalhadora das redes públicas
de educação, não estão (in)formando os profissionais para atuar nesta modalidade – EJA, bem como a
contemplação da diversidade na sala de aula.
Além disso, algumas considerações são feitas, no sentido de incentivar a discussão das questões
levantadas e buscar formas de se agir efetivamente em direção à solução do problema do chamado
“analfabetismo cartográfico” no Brasil.

Palavras-chave: Alfabetização Cartográfica, EJA, Ensino de Geografia.

Na sociedade da informação a educação de adultos deve


servir de bússola ao educando para navegar nesse mar do
conhecimento, superando a visão utilitarista de só oferecer
informações “úteis” para a competitividade, para obter
resultados. Deve oferecer uma formação geral na direção de
uma educação integral. O que significa servir de bússola?
Significa orientar criticamente os adultos na busca de uma
informação que os faça crescer e não embrutecer.
(GADOTTI, 2003., p. 09)
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INTRODUÇÃO

O processo de alfabetização cartográfica inicia-se com o pressuposto de que os mapas


representam um modelo da realidade, portanto o modelo do sistema educacional baseia-se no estudo
dos sinais gráficos e na análise de mapas, utilizados geralmente apenas como ilustração e localização
de fenômenos. É preciso refletir o papel do documento cartográfico na construção do raciocínio
espacial, e assim repensar o conteúdo das disciplinas de Cartografia nos cursos de formação de
professores de Geografia. De acordo com Carneiro (2007),

A Educação Cartográfica é um processo de construção de


estruturas e conhecimentos favorecedores da leitura e
interpretação de mapas. A construção e interpretação de mapas,
por sua vez, são atividades de comunicação, e possuem textos
com códigos próprios cujas mensagens devem ser lidas e
interpretadas.(p. 02)

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a Alfabetização Cartográfica é fundamental


para que os alunos possam continuar sua formação iniciada nas primeiras séries e, posteriormente,
trabalhar com a representação gráfica. Portanto, o aluno precisa aprender os elementos básicos da
representação gráfica/cartográfica para que possa efetivamente ler mapas.
Para Almeida (2001) ao ensinar mapas, é necessário considerar que estes são produzidos
sobre uma malha de coordenadas que garantem fazer uma localização precisa de qualquer ponto no
planeta; resultam de uma redução da área representada com proporção; estão representadas três
dimensões do espaço (altura, comprimento e largura) no plano através das relações matemáticas que
dependem do tipo de projeção; e que sob o mapa-base fazemos mapas temáticos utilizando signos, que
são as informações espaciais.
Passini (1994) coloca o mapa como instrumento para o conhecimento do espaço, sendo o
caminho para a autonomia política-financeira. É responsabilidade do professor desenvolver um leitor
crítico do espaço que seja capaz de ler o espaço real e a sua representação, o mapa.
Almeida (2001) confirma ao mostrar a necessidade de que todo indivíduo saiba usar um
mapa, já que este o faz pensar aspectos do território que não estejam registrados na memória.
O mapa, portanto, possibilita visualizar a organização do espaço de forma ampla numa
linguagem monossêmica, ou seja, uma linguagem de comunicação visual, sintética e rápida.
Nesse sentido, percebendo a importância da educação cartográfica, esse estudo focará a
alfabetização cartográfica, através da veiculação da ciência geográfica a educandos da Educação de
Jovens e Adultos, que é composta de uma diversidade etária, social e cognitiva. Faz-se necessário
refletir o papel do documento cartográfico na construção do raciocínio espacial, e assim repensar o
conteúdo das disciplinas de Cartografia nos cursos de formação do EJA.

REFLEXÕES ACERCA DA (RE)SIGNIFICAÇÃO EDUCACIONAL

Fazendo um recorte no processo histórico da escolarização brasileira percebemos o quão


anacrônico tem sido o processo ensino-aprendizagem, entendendo a escola como sendo um micro
espaço-tempo imerso no macro espaço-tempo social. No que concerne à prática pedagógica sabemos
que todo o escopo traçado dentro dos muros escolares não tem cumprido plenamente o seu verdadeiro
papel, que é o de fomentar os cidadãos para um viver mais pleno e mais digno. E para agravar mais
essa situação, um dos entraves dentro da instituição escolar tem sido o de trabalhar dentro da formação
discursiva da acessibilidade da diferença desenvolvida pelas marcas da Atualidade (Marques e
Marques, 2003).
A estrutura social ainda possui formas de vivência e permanências verticalizadas, o que, por
sua vez, tem contribuído para o engrossamento da casta social, que nem sequer possui as ínfimas
habilidades de alfabetização, que em contrapartida se esbarra com as habilidades de letramento. Daí a
necessidade de equiparação social por meio de políticas públicas que viabilizem a formação dos
indivíduos.
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Em se tratando da escolarização de pessoas que não tiveram acesso e/ou tiveram que se
evadir do espaço escolar por motivos sociais diversos, isto é, jovens e adultos, a situação ainda se
torna mais séria. Os investimentos governamentais e procedimentais de afirmação de um processo
educacional para jovens e adultos não estão abrangendo a problemática advinda dos paradigmas
Modernos. O homem Moderno ao estabelecer o antropocentrismo histórico na tentativa de
padronização dos modos de pensar e agir fez com que se alargasse o abismo entro os diversos setores
da vida humana. Segundo C. Marques (2001) a sociedade Moderna é caracterizado por ser “[...]
disciplinar ou normalizadora [...] um ambiente repleto de confinamentos” (p. 32).
O conhecimento construído por esses indivíduos é, assim, desvalorizado, por não conter
rastros de cientificidade e não ser corroborado pelos escritos técnicos e reflexões filosóficas do ponto
de vista da verdade. Segundo as reflexões de Freire (1994) sobre a dinâmica hierárquica social, os
homens considerados “iletrados” reconhecendo-se como incapazes introjetam sua condição de
oprimidos, ou seja, excluídos da sociedade, pois detém, apenas, o conhecimento ao nível da pura
opinião (doxa). E neste artigo defendemos a corrente filosófica que valoriza homens e mulheres em
sua vocação ontológica para ser mais (FREIRE, 1994) e de extrema interdependência com o entorno
ambiental no qual vive.
Um dos fatos que se faz presente em nossa vida, indiscutivelmente, é a intrínseca relação
entre ciência e homem. E, sendo assim, está presente na vida de todos os seres vivos. Isto é
comprovado na observação de tudo o que nos cerca desde um aflorar das águas até a contemplação de
um ponto luminoso que sustenta-se na imensidão do Universo.
Gadottti (2000) ao refletir sobre a veiculação de informações nos bancos escolares no que
tange a problemática da relação homem-natureza e observando a degradação do ambiente se recorda
que Estudei a Terra como se estivesse dissecando uma barata.

Conheci suas camadas, sua origem, suas características. Não


me explicaram a relação entre as precárias condições de vida
e a política econômica, industrial, ambiental. Isentaram-se
de qualquer responsabilidade quanto ao esgoto a céu aberto,
quanto ao lixo espalhado pelas ruas perto de casa e da
escola, quanto às inúmeras transportadoras que foram se
instalando no bairro onde eu vivia, com seus galpões
enormes, construídos à custa da destruição de grandes áreas
verdes etc. Nunca tive na escola a oportunidade de plantar
uma árvore, de colher os legumes de uma horta, de chupar
deliciosamente uma manga colhida do jardim da escola, de
observar atentamente a beleza da joaninha. Ouvi, escrevi.
Pouco senti. Vivenciei menos ainda. (p. 11-12)

É a partir desses apontamentos supramencionados que educadores devem refletir sobre o que
tem promovido dentro de suas salas de aula. Parece incoerente abordar às questões ambientais numa
classe de jovens e adultos sem a troca dialógica com esses educandos. Cabe lembrar que cada
indivíduo ingresso na educação de jovens e adultos já possui toda uma bagagem existencial, que é
menosprezada e infantilizada pelos educadores. Ao tratar do assunto planeta Terra, nos deparamos
com um ensino livresco que distorce as proporções geográficas reais e não dialoga com as
experiências vivas advindas dos educandos.
Antes de entrar para o status de ser educando, o indivíduo é cidadão acima de tudo, portanto,
é um ser de diversas identidades e funções: ser-mãe ou ser-pai; ser-filho ou ser-filha; ser-índio, branco
ou negro; ser-consumidor; ser-observador; ser-dedireitos; ser-de-deveres; ser-comunitário; ser-
histórico entre outras. A teoria cultural contemporânea tem destacado alguns movimentos para
subverter e complicar a identidade, que foi chamada por Baudelaire e retomada por Benjamin como
identidade móvel. Os processos de hibridação, miscigenação, sincretismo e travestismo são assim,
contribuidores para essa dinâmica da produção da identidade e da diferença e é, ao mesmo tempo, uma
poderosa estratégia política de questionamento das operações de fixação da identidade. (SILVA, 2003)
Em pesquisa realizada com a metodologia da observação crítica em algumas escolas das
redes estadual e municipal da cidade de Juiz de Fora/MG (S. ROMUALDO, s.n.t.) percebemos que
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conteúdos como Ecossistema, que envolvem o estudo sobre o meio ambiente como um todo é feito de
forma tradicional e inteiramente estanque do modus vivendi dos educandos. Falar de plantas sem falar
das verduras e hortaliças que dispomos em nossas refeições; falar das frutas e seus nutrientes sem falar
da nossa própria saúde; falar das camadas da atmosfera sem fazer menção às transformações
climáticas; enfim, é algo que deve ser desvelado nas práticas docentes. Ou seja, a escola tem sido algo
sem gosto, sem cor, sem vida e desconectada das dialéticas redes de interação humana.

A PROBLEMÁTICA NO ENSINO DA CARTOGRAFIA

A questão do analfabetismo cartográfico tem sido ultimamente muito pesquisada. Grupos de


todo o Brasil dedicam-se à educação cartográfica. Os trabalhos realizados junto à área de cartografia e
ensino vinculam-se basicamente a três grandes linhas: metodologias de ensino, teorias da
aprendizagem e técnicas de comunicação cartográfica.
É importante que os resultados das pesquisas tenham aplicação direta na melhoria do ensino,
através de propostas de conteúdos para o currículo didático nas instituições que formam professores de
Geografia, uma vez que os ensinamentos da educação cartográfica são de responsabilidade do
professor de Geografia.
Se professores são formados para o ensino de crianças e adolescentes; e segundo Board apud
Carneiro (2007) “Os trabalhadores em Geografia, no domínio dos conteúdos Cartográficos, devem
ensinar para os estudantes quatro princípios básicos de Cartografia: direção, local, escalas e
simbolismo”, porque não haver uma disciplina que desenvolva habilidades do professor de Geografia
em trabalhar os conteúdos cartográficos na EJA?
Na década de 70, a Profª Lívia de Oliveira já dava o seu alerta para esse problema e sugeria a
criação dessa disciplina. Existe, portanto, uma distância entre a produção acadêmica e o Ensino
escolar. Como também existe uma grande dificuldade na identidade do professor de Geografia, devido
a grande defasagem que a escola se encontra diante do avanço técnico-científico.
Diante desta situação, verifica-se que práticas pedagógicas do ensino de Geografia estão
ultrapassadas, daí o índice de analfabetos cartográficos ser muito grande em nosso estado, uma vez
que a limitação do uso inadequado ou da não utilização da linguagem cartográfica é uma realidade em
nossas escolas.
Segundo André apud Carneiro (2007),

o que ocorre via de regra, é que o professor não está


preparado para desempenhar esse papel na sala de aula,
devido à formação deficitária que recebeu, que nem lhe
propiciou o acesso aos conhecimentos necessários ao
domínio do componente curricular que leciona, nem lhe deu
oportunidade de desenvolver sua condição de sujeito
produtor desses conhecimentos e responsável por seu
avanço. (p. 04)

Essa situação fica evidenciada na prática, onde Carneiro (2007), descreve as seguintes
situações nas escolas públicas do Brasil:

a) Professores de geografia, não possuem uma formação


cartográfica adequada, por não terem sido habilitados para
trabalhar a Educação Cartográfica.

b) Professores com outra formação e que ensinam geografia é


uma prática constante. Professores de história são os mais
são requisitados.

c) Estagiários e professores com contrato temporário, às


vezes com outra habilitação, também ensinam geografia .
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d) Os próprios professores licenciados em geografia não


ensinam cartografia por se tratar de conteúdos de difícil
compreensão por parte dos alunos.

e) Professores habilitados em ciências sociais ensinam


Geografia nas escolas (a grade curricular de alguns cursos
contempla apenas 30 horas para a Cartografia Básica).

f) Os conteúdos ligados à Cartografia são vistos apenas, na 5ª


série do ensino fundamental II e n. 1º ano do ensino médio.
Os livros didáticos acompanham esta tendência.

g) Nas provas de vestibular, as questões relacionadas com os


conteúdos cartográficos são pouco explorados.

Diante desta situação, verifica-se que práticas pedagógicas do ensino de Geografia estão ultrapassadas,
verificando o altíssimo índice de analfabetos cartográficos inclusive na EJA, uma vez que a limitação
do uso inadequado ou da não utilização da linguagem cartográfica é uma realidade em nossas escolas.

A CONCEPÇÃO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CIDADE DE JUIZ DE


FORA: UM ESTUDO DE CASO

A exemplo disso temos o caso de Juiz de Fora, município de grande destaque e importância
na Zona da Mata Mineira. A Educação de Jovens e Adultos é desenvolvida pela Prefeitura Municipal
através do “Projeto Caminhar II”, oferecido pelo Departamento de Educação de Jovens e Adultos, um
setor da Secretaria Municipal de Educação. O projeto oferece Ensino Fundamental e Médio nas
modalidades de ensino modular e semi-presencial às pessoas que não concluíram em idade apropriada
seus estudos.
Nas instituições particulares, federais e estaduais também estão sendo oferecidos tal
modalidade sob a forma de projetos, com algumas diferenças: nas redes particulares o objetivo é
vincular-se à parceria comunitária, tendo em vista a sua não obrigatoriedade no oferecimento da EJA;
na rede federal os projetos contam com o quadro pessoal de alunos-bolsistas de diferentes licenciaturas
da UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora – para a alfabetização, o que prejudica o trabalho
pedagógico pela não apreensão de métodos e técnicas pedagógicas, mesmo com um curso intensivo de
alfabetização em poucos meses; já na rede estadual, o que vemos é um oferecimento de Exames
Supletivos para a conclusão dos Ensinos Fundamental e Médio, sendo que tal exame fica a cargo de
serviços terceirizados, que se responsabilizam por todo o processo de seleção, e ainda os interessados
pagam uma taxa para fazer a prova por cada disciplina.
Nesse sentido, o que temos presenciado na cidade de Juiz de Fora é que a promoção das
políticas públicas de educação de Jovens e Adultos não tem contemplado e objetivado suas funções.
Isso vai desde a estruturação (aspectos pedagógicos, administrativos e de funcionamento) de tal
modalidade até a questão do financiamento, mesmo que isso esteja em documentos oficiais. O que
existe na realidade são programas e projetos educacionais paliativos e efêmeros, que mascaram o
descompromisso público com a EJA. E para crescer ainda mais esta bolha social acrescenta-se a
superficial formação de educadores nos centros superiores de ensino e o planejamento curricular que
deve ser sistêmico e ágil.

ASPECTOS POLÍTICO-EDUCACIONAIS NA EJA: POR UMA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES DE GEOGRAFIA

Remetendo-nos às políticas públicas educacionais a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é


formalizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96 em seu artigo 2º,
que a coloca como direito para o bem social destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade
de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Assim a EJA é regulamentada como
modalidade de ensino da Educação Básica a partir dessa LDB, que teve como base a Constituição
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Brasileira Federal de 1988, que explicita em suas alíneas referentes à educação que esta deve visar “o
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (CF, art. 205).
Em 2000, o Conselho Nacional de Educação aprovou Resolução 1 e o Parecer 11 que
fixaram Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos já que o Ministério da
Educação ficou com a função de regular e controlar as ações da EJA. Assim, o governo federal ficou
encarregado de fixar diretrizes e referenciais curriculares nacionais, instituir diretrizes para
certificação, bem como a criação de programas de formação de educadores (DI PIERO &
GRACIANO, 2003).
O documento elaborado na declaração de Hamburgo em 2000, “Direito a Aprender por
Toda a Vida”, reconhece e enfatiza a todo o momento sobre essa educação continuada que não se
restrinja só aos bancos escolares em determinado período de tempo. O que se almeja com tal
idealização é que as pessoas aprendam muito mais que o conhecimento científico que a escola veio
organizar em “grades” curriculares; que as pessoas possam aprender artes de ofício cotidiano para o
desenvolvimento econômico, cultural e ambiental, além de estar preparado para as novas tecnologias
do mundo. Educar para toda a vida vai além do cientificismo sistematizado, encontra caminho para a
transformação no decorrer da vida e com o mundo.
A nível teórico constatamos o movimento governamental para que se efetive tais
adequações, basta acessarmos o sítio eletrônico do governo federal, porém ao depararmos com o nível
da práxis é que chocamos com os dados já explicitados no decorrer deste artigo. Mesmo sabendo que a
parcela de jovens e adultos analfabetos está diminuindo, conforme pesquisas do MEC/INEP, o grau de
aprofundamento do estudo de jovens e adultos não tem continuidade.
Sendo assim, o conhecimento da ciência geográfica nas classes da EJA, devem ser
significativos. Fazer com que o educando participe do processo educativo é algo que deve subsidiar a
prática docente, que por vezes limita-se à veiculação vertical de transmissão dos conteúdos, o que é
chamado de concepção bancária de educação (Freire, 1994). Nas chamadas utopias da Atualidade é
que concentramos nosso pensamento e nos baseando que

Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela


tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é
progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da
eqüidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da
convivência com o diferente e não de sua negação, não
temos outro caminho se não viver plenamente a nossa opção.
Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que
fizemos e o que fazemos. (FREIRE, 2000, p. 67).

A formação de docentes, assim, deve ser aquela orientada para práticas libertadoras e com
respaldo curricular baseado na significação consciente dos conteúdos. Com o objetivo de estabelecer
orientações para a proposta curricular do ensino de Geografia é que Callai (1999) citado por
Cavalcanti (2006) nos revela que:

Os fenômenos que a Geografia estuda têm que ser


considerados como resultados de um processo histórico
situado num determinado local, mas considerado também na
perspectiva internacional/global. Afora ter sido sempre uma
característica da Geografia estudar as questões numa
perspectiva de escala de análise que dê conta dos diversos
níveis territoriais, hoje nos colocamos fundamentalmente
como categorias de análise o local cotidiano e o global,
acrescido do regional. Quer dizer, os níveis local e regional,
que são o mundo mais fisicamente mais próximo do aluno,
acrescido do nacional, se põem sempre na perspectiva da
mundialização, dos aspectos internacionais. Num mundo em
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que a globalização se faz sentir em todos os aspectos


afetando as vidas de todos os homens em todos os lugares
não faz sentido estudar fenômenos ou lugares isolados, mas
inseridos na complexidade global. (p. 82)

Mediante o contexto do ensino de Geografia na EJA, vê se que essa ciência é dinâmica e que
seu ensino não se limita à sala de aula. A Geografia está presente diariamente em todas as nossas
ações, seja nas relações de trabalho, seja nas relações pessoais entre outros. Segundo nos atesta
Kaercher apud Castrogiovanni (1998)

O cerne desta ciência, contraditoriamente à própria gênese


da palavra, não é, no nosso ponto de vista, nem a Terra (=
geo) nem tão pouco a descrição (= grafia), mas sim o
“espaço geográfico” entendido como aquele espaço fruto do
trabalho humano na necessária e perpétua luta pela dos seres
humanos pela sobrevivência. Nessa luta, o homem usa,
destrói/constrói/modifica a si e a natureza. “O homem faz
geografia à medida que se faz humano, ser social.” (p 13)

Portanto a Geografia não é simplesmente uma ciência/disciplina acadêmica. O professor ao


trabalhar com o educando deverá ter o cuidado de não restringir o conhecimento à sala de aula. Sendo
assim, o professor ao trabalhar em sala de aula um fenômeno que ocorrer em escala global, deve
construir nos educandos atitudes reflexivas, para que o conduza, a saber, que esse fenômeno pode
ocorrer simultaneamente ou não em escala local, ou seja, na própria realidade do educando.
Quando se fala em fazer uma aula diferente, professores põem vários empecilhos para a sua
realização. Porém, estes esquecem que o todo-dinâmico, no qual vivemos, é o melhor laboratório e
observatório que possuímos. Um lugar onde os fatos são criados e estão postos para a nossa
contemplação. É lutando por uma visão mais global e que vai ao encontro de um resgate e cuidado
com o ambiente no qual vivemos. Gadotti (2002) aponta para uma reconstrução paradigmática que
leve os educadores a educar para pensar globalmente; educar os sentimentos; ensinar a identidade
terrena; formar para a consciência planetária; formar para a compreensão; educar para a simplicidade e
para a quietude.
Para que todo esse processo transcorra nas instituições escolares como se almeja, é preciso
que invista, então, na formação docente que então, ficou à margem de ideologias opressoras causando
sua desvalorização enquanto profissionais do ensino.
Não pretende-se um professor “sabe tudo”, lembrando que não existe ninguém na Terra que
detém o saber absoluto e verdadeiro. O professor deve ser aquele em constante processo de
aperfeiçoamento profissional: mediador, observador, pesquisador, estimulador, ou seja, trabalhar
conscientemente.
Segundo as orientações do Ministério da Educação uma formação de professores de
qualidades

É essência do processo educativo; não é ilusão, nem


panacéia. A participação dos educadores nesse processo de
construção de valores e de uma nova sociedade será,
sobretudo, fruto do desejo de ensinar e de preparar as novas
gerações para a complexidade do mundo moderno; do prazer
de transmitir conhecimentos e de construir atitudes e
paradigmas; do amor à arte de educar e cada fé num futuro
cada vez melhor. Este é o momento de começar; essas são as
nossas matérias-primas. (BRASIL/MEC)
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Romualdo (2005) nos alerta que

É necessário que o professor assuma-se como sujeito da


produção do saber e saiba que ensinar não é transferir
conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua
construção. Portanto, formar e ser professor, é uma relação
de comunhão, aceitação de valores inerentes a cada sujeito
de aprendizagem envolvido nesse processo. (p. 02)

E, além disso, Romualdo (2005) ainda reflete sobre a função dos educandos que na realidade
são

Ser sujeito de experiência não é somente ser sujeito de


informação, de opinião, do trabalho, do saber, do julgar, do
fazer, do poder, do querer, pois, o verdadeiro sentido de
experiência se fundamenta no diálogo, que permite que haja
transformação dos sujeitos envolvidos nesse processo. É
saber escutar, refletir, apreender a lentidão, dialogar com o
outro, para enxergar neste a diversidade dos saberes, tendo
consciência de que somos seres inacabados enquanto
estivermos convivendo e experimentando com o outro o
prazer da busca do conhecimento. Este conhecimento
sempre virá a somar na formação humana, jamais podendo
defini-la. (p. 03)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos em mundo cada vez mais complexo devido às grandes transformações espaciais,
entendido como um todo-dinâmico que dialoga com todos os diversos setores da sociedade. E os
atores sociais possuem intrínseca relação com todo esse escopo social, e desta forma precisam nutrir-
se e munir-se de estratégias e conhecimentos para exercer plenamente a sua cidadania. Daí a
necessidade da promoção da Educação de Jovens e Adultos: fomentar os cidadãos para a
contemplação do todo-dinâmico social.
O ato de educar todo e qualquer ser humano constitui-se a base para o progresso da
sociedade, na medida em que um cidadão crítico, reflexivo e com a capacidade de ação sobre sua
realidade é a condição para que o desenvolvimento social se processe de forma a possibilitar uma
qualidade de vida a todos. As novas demandas sociais exigem cada vez mais um ser capaz de
transcender sua condição de mero expectador acrítico do seu entorno rumo a um agente transformador.
Tal transformação e os novos arranjos sociais – novas formas de produção, inovações tecnologias, a
questão ambiental, sistema político entre outros – só vão se efetivar quando tivermos diante do mundo
uma relação homem-mundo mais ativa e consciente.
No tocante ao ensino de Geografia e a construção de conhecimentos é preciso uma prática
docente voltada para a adequação aos paradigmas emergentes da Atualidade. Foi-se o tempo de uma
pedagogia tradicional, bancária (Freire, 1994), onde as aulas baseavam-se numa transmissão acrítica
do conhecimento e os conteúdos eram expostos. O ensino de Geografia de qualidade é aquele que se
constrói e trabalha a partir de diferentes realidades.
Os procedimentos educacionais também devem ser transformados. A adequação
metodológica é um dos imperativos sociais para a visualização de um processo educativo mais eficaz.
É nesse ínterim que Gadotti (s.n.t.) nos alerta para a não infantilização pedagógica no tratamento dos
conteúdos aos jovens e adultos e além disso,
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É uma humilhação para um adulto ter que estudar como se


fosse uma criança, renunciando a tudo o que a vida lhe
ensinou. É preciso respeitar o aluno através de uma
metodologia apropriada, uma metodologia que resgate a
importância da sua biografia. Nisso temos que considerar o
que distingue um jovem de um adulto. Os jovens e adultos
alfabetizandos já foram desrespeitados uma vez quando
tiveram seu direito à educação negado. [...] Não podem
agora, ao retomar sua instrução, serem humilhados mais uma
vez por uma metodologia que lhes nega o direito de
afirmação de sua identidade, de seu saber, de sua cultura. (p.
06)

Atrelar a causa-ecológica com a formação de indivíduos capazes de permear e construir um


mundo melhor deveria ser uma das premissas objetivadas pela instituição escolar. Em destaque
especial a educação de jovens e adultos deve ser um campo de maior abrangência por ser constituído
de cidadãos ativos e transformadores do ambiente. Investir assim na escola, tanto na estrutura
administrativa quanto nos recursos pedagógicos, e na formação de professores, teórico e prático, é
algo que se faz urgente, dado a realidade que estamos inseridos. O perfil do professor de Geografia,
dentro dessas possibilidades elencadas ao longo deste artigo, deve estar para além de suas funções
básicas do magistério. Antes de ser docente, o professor é um ser do/no mundo e suas
responsabilidades implicam na organização espacial e abrangem um campo funcional tanto de
formador de novas gerações quanto a de informador de conhecimentos científicos. A base para uma
efetivação dessa proposta está na dialogicidade entre os pares educativos: valorização do educando e
exploração do espaço-tempo social.
A análise da dinâmica social não é algo estanque de nossas vidas. A contemplação do
Universo deve fazer parte de nossas vidas, bem como a sua preservação. Lembra-nos Gadotti (2003)
que

O universo não está lá fora. Está dentro de nós. Está muito


próximo de nós. Um pequeno jardim, uma horta, um pedaço
de terra, é um microcosmos de todo o mundo natural. Nele
encontramos formas de vida, recursos de vida, processos de
vida. A partir dele podemos reconceitualizar nosso
currículo escolar. Ao construí-lo e ao cultivá-lo podemos
aprender muitas coisas. [...] Ele nos ensina os valores da
emocionalidade com a Terra: a vida, a morte, a
sobrevivência, os valores da paciência, da perseverança, da
criatividade, da adaptação, da transformação, da renovação...
Todas as nossas escolas podem transformar-se em jardins e
professores-alunos, educadores-educandos, em jardineiros.
O jardim nos ensina ideais democráticos: conexão, escolha,
responsabilidade, decisão, iniciativa, igualdade,
biodiversidade, cores, classes, etnicidade, e gênero. (p. 11)

Outra consideração se faz pertinente, onde não é justificável que a geografia, sendo uma
ciência que se propõe a tratar da organização espacial de elementos naturais e humanos, negligencie a
importância da cartografia para a representação, descrição e análise da distribuição dos fenômenos
estudados. As colocações desenvolvidas neste artigo têm o propósito de promover um debate em torno
da necessidade urgente de se tomar várias decisões à respeito do ensino da geografia escolar,
principalmente na EJA; entre elas a reestruturação da grade curricular das faculdades e universidades
que formam professores de geografia e a habilitação de docentes das séries iniciais no tocante ao
ensino da cartografia, de forma que os professores de Geografia reflitam o seu papel docente e
percebam a importância de se erradicar o analfabetismo cartográfico.
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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. São Paulo:
Contexto, 2004.

BRASIL, MEC. Parâmetros curriculares nacionais: Geografia. Brasília: Secretaria de Educação


Fundamental, 1998.

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