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JORNALISMO 1

2 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV


JORNALISMO 3

ANTÓNIO FIDALGO e PAULO SERRA (ORG.)

Ciências da Comunicação em Congresso na Covilhã


Actas do III Sopcom, VI Lusocom e II Ibérico

Volume IV

CAMPOS DA COMUNICAÇÃO

UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR


4 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Actas dos III SOPCOM, IV LUSOCOM e II IBÉRICO


Design da Capa: Catarina Moura

Edição e Execução Gráfica: Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior



Tiragem: 200 exemplares


Covilhã, 2005

Depósito Legal Nº 233236/05



ISBN – 972-8790-39-2

Apoio:

Programa Operacional Ciência, Tecnologia, Inovação do III Quadro Comunitário de Apoio

Instituto da Comunicação Social


JORNALISMO 5

ÍNDICE

Apresentação, António Fidalgo e Paulo Serra ................................................................. 9

Capítulo I
JORNALISMO

Apresentação, Jorge Pedro Sousa .................................................................................... 13


Reportagens sobre a Cor da Pele em Jornais de Salvador e Aracaju/Brasil: criminalidade,
loucura e macumba, Ana Cristina de Souza Mandarino .............................................. 15
O Iraque nas televisões europeias: representações da segunda guerra do Golfo, Anabela
Carvalho .............................................................................................................................. 23
Características de jornais e leitores interioranos no final do século XX, Beatriz
Dornelles ............................................................................................................................ 37
Jornalismo na Web: Desenho e Conteúdo, Claudia Irene de Quadros e Itanel de Bastos
Quadros Junior ................................................................................................................... 47
A cobertura de epidemias na imprensa portuguesa. O caso da Sida, Cristina Ponte ... 53
O caso Jayson Blair / New York Times: da responsabilidade individual às culpas colectivas,
Joaquim Fidalgo ................................................................................................................. 61
Uma Teoria Multifactorial da Notícia, Jorge Pedro Sousa .......................................... 73
Análise quantitativa sobre os espaços noticiosos da Internet e as consequências para os
atores do processo informativo, Juçara Brittes .............................................................. 81
Internet como fuente de información especializada, Leopoldo Seijas Candelas ....... 89
O que o jornalismo pode aprender com a ciência: Objetividade na perspectiva do
racionalismo crítico de Karl Popper, Liriam Sponholz ................................................ 97
A ‘explosão’ dos weblogs em Portugal: percepções sobre os efeitos no jornalismo, Luís
António Santos ................................................................................................................. 105
A impiedade das críticas ou a consciência da auto-regulação? O processo Casa Pia e
o julgamento metajornalístico, Madalena Oliveira ....................................................... 115
Ventos cruzados sobre o campo jornalístico. Percepções de profissionais sobre as mudanças
em curso, Manuel Pinto ................................................................................................. 123
A presenza da lingua galega na prensa diaria de Galiza. Mínima, de baixa cualidade
e sen xustificación, Marcos Sebastián Pérez Pena, Berta García Orosa, José Villanueva
Rey, Miguel Túñez López .............................................................................................. 133
Los medios como protagonistas de la noticia, Marina Santín Durán ...................... 143
Periodismo y literatura, relaciones difíciles, Moisés Limia Fernández .................... 149
Noticiabilidade no rádio em tempos de Internet, Nelia R. Del Bianco .................. 157
A imprensa na Velha Província 170 anos do “Monitor Campista”. O terceiro jornal mais
antigo do país e a morte misteriosa do jornalista Francisco Alypio, Orávio de Campos
Soares ................................................................................................................................ 167
6 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Agenda e Discurso Midiático: quando a minoria é notícia. O caso indígena na Imprensa


em Pernambuco, Patricia Bandeira de Melo ................................................................ 177
El Prestige en los medios. Las claves de una gran confusión, M. Pilar Diezhandino
Nieto .................................................................................................................................. 183
Alberto Bessa e a sua história do jornalismo – uma memória de cem anos, Rogério
Santos ................................................................................................................................ 193
Os Temas da Guerra. Estudo exploratório sobre o enquadramento temático da Guerra
do Iraque na Televisão, Telmo Gonçalves ................................................................... 203
Weblogs y Periodismo Participativo, Tiscar Lara ....................................................... 219
O Jornalismo de Informação Sindical no Brasil: atores, práticas, mecanismos e estratégias
de produção jornalística, Vladimir Caleffi Araujo ...................................................... 229
A eurorrexión Galicia-Norte de Portugal a través das páxinas da prensa galega. Análise
do discurso mediático transmitido polos xornais galegos, Xosé López García e Berta
García Orosa ..................................................................................................................... 239
O traballo xornalístico de Eduardo Blanco Amor en América: a divulgación da cultura
galega nas páxinas de La Nación, Xosé López García y Marta Pérez Pereiro .... 245
A información cultural nos medios de comunicación en Galicia, Xosé López García e
Marta Pérez Pereiro ......................................................................................................... 253
Periodismo de servicio en la prensa local de Galicia, Xosé López ........................ 261
O jornalismo entre a informação e a comunicação: como as assessorias de imprensa
agendam a mídia, Zélia Leal Adghirni ......................................................................... 269

Capítulo II
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

Apresentação, Vítor Reia-Baptista .................................................................................. 281


Desenho animado e formação moral: Influências sobre crianças dos 4 aos 8 anos de
idade, Ana Lúcia Sanguêdo Boynard ............................................................................ 283
A Investigação e o Desenvolvimento da Comunicação Audiovisual na Universidade: a
Universidade Fernando Pessoa como estudo de caso, Aníbal Oliveira .................... 291
Comunicación, Educación y Tecnología, Antonio R. Bartolomé ............................... 299
Memória e imagem do idoso como experiência pedagógica, Benalva da Silva Vitorio ... 311
Magia, luzes e sombras. Uma perspectiva educacional sobre vinte cinco anos de filmes
no circuito comercial em Portugal * 1974 – 1999 *, Carlos Capucho .................. 317
Comunicação, Ludicidade e Cidadania, no Projecto Direitos Humanos em Acção, Conceição
Lopes e Inês Guedes de Oliveira ................................................................................. 327
Memória quotidiana e comunicação: práticas memoriais na escola, Fernando Barone ... 331
Anim(a)ção na Educação. O entre-entendimento na teia da produção do sentido e sua
mediação na educação, Geci de Souza Fontanella ..................................................... 343
Por dentro do filme – o cinema na sala de aula, Graça Lobo ............................... 353
Internet, alguns desafios: a representação que os jovens revelaram da internet, José Carlos
Abrantes ............................................................................................................................. 361
JORNALISMO 7

O potencial educativo do audiovisual na educação formal, Lara Nogueira Silbiger ... 375
Comunicação/Educação: Um campo em acção, Maria Aparecida Baccega ............. 383
Comunicación y Educación “de cine”, Mª del Mar Rodríguez Rosell .................... 395
La dieta televisiva en la infancia española. Aproximación al estudio de las audiencias
infantiles, Amelia Álvarez, Marta Fuertes, Ángel Badillo y Zoe Mediero ............. 403
A educação popular no Brasil: a cultura de massa, Maria da Graça Jacintho Setton ... 419
Crescer com a Internet: Desafios e Riscos, Neusa Baltazar ..................................... 427
A rádio de modelo multimediático e os jovens: a convergência entre o FM e a Internet
nas rádios nacionais, Paula Cordeiro ............................................................................ 433
Educar para comunicar: una reflexión sobre la formación de los comunicadores en el
contexto de la sociedad de la información, Viviana Fernández Marcial ................. 443

Capítulo III
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS

Apresentação, João Carlos Correia ................................................................................ 453


A Profissionalização das Fontes na disputa pelas Audiências, Boanerges Lopes ... 455
Gutenberg cai na rede. Os principais impactos que a internet impôs aos processos de
produção de um jornal diário, de porte médio, da cidade de Campinas, Carlos Alberto
Zanotti ............................................................................................................................... 463
Ideias que vendem, ideias que ninguém quer comprar e as outras. Breve estudo acerca
do poder de legitimação das audiências, Isabel Salema Morgado ........................... 473
Consumo cultural, consumo de medios de comunicación y concepción de la cultura, Javier
Callejo ............................................................................................................................... 481
Moeda e Construção Europeia: Uma abordagem identitária, Maria João Silveirinha .. 491
Intenção de Voto e Propaganda Política: Efeitos e gramáticas da propaganda eleitoral,
Marcus Figueiredo e Alessandra Aldé ........................................................................... 503
Opinión pública y medición de audiencias en el ámbito local: el caso de Segovia,
María Jesús Díaz González, Concepción Anguita Olmedo, Francisco Egido Herrero, José
Manuel García de Cecilia e Eduardo Moyano Bazzani .............................................. 511
Cenas e sentidos na tribo Raver: A ordem da fusão, Marli dos Santos ................ 521
Conducta mediática de los adolescentes en España y Portugal. Modos de consumo de
rádio y e televisión, Milagros García Gajate .............................................................. 529
Processos cognitivos, cultura e estereótipos sociais, Rosa Cabecinhas .................... 539
Visibilidade e accountability: o evento do ônibus 174, Rousiley C. M. Maia ...... 551
“A Ponte mais vista do país”: o que se disse da cobertura jornalística da queda da ponte
de Entre-os-Rios, Sandra Marinho ................................................................................. 569
Universidade e Mídia: A Opinião Pública In-formação, Simone Antoniaci Tuzzo ... 581
Mediatização do real: consumos e estilos de vida. Contributos e reflexões, Susana
Henriques .......................................................................................................................... 589
8 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Capítulo IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO

Apresentação, Eduardo Camilo ...................................................................................... 599


Apresentação, José Viegas Soares ................................................................................. 603
Quando falo o que quero e digo o que é preciso, Adriana Gomes Moreira e Maria Madalena
Simão Duarte .................................................................................................................... 605
Comunicação, Identidade e Imagem Corporativas: o caso da Caixa Econômica Federal,
Brasil, Ana Regina Barros Rego Leal e Maria das Graças Targino ........................ 617
O Marketing político encarado como agente de progressão da comunicação em política,
Antónia Cristina Perdigão ............................................................................................... 627
A Evolução Tecnológica e a Mudança Organizacional, Carlos Ricardo .................. 637
La integración de la comunicación comercial en la gestión corporativa, David Alameda
García ................................................................................................................................ 647
Intencionalidade e Diferença: Uma Aproximação Fenomenológica à Intersecção Acção/
Comunicação/Informação, Fernando Ilharco ................................................................. 657
Comunicación audiovisual corporativa: Un modelo de producción, Fernando Galindo
Rubio ................................................................................................................................. 667
A Influência do Teatro no Marketing de Vendas Directas, Jorge Dias de Figueiredo ... 677
Identidade e Estilo de Vida: Novos Impactos no Contexto da Comunicação Organiza-
cional, João Renato Benazzi e João Maia ................................................................... 683
Comunicação institucional em organização pública. O caso da Controladoria Geral do
Município do Rio de Janeiro – 2001/2004, Lino Martins da Silva e Sonia Virgínia
Moreira .............................................................................................................................. 691
Comunicação Estratégica: Aplicação das Ideias de Dramaturgia, Tempo e Narrativas, Luís
Miguel Poupinha .............................................................................................................. 699
Cátedra Unesco/Umesp e seu papel articulador no cenário da comunicação: desafios no
século XXI, Maria Cristina Gobbi ................................................................................ 705
El estado del Corporate en la empresa extremeña: el diseño y la imagen corporativa,
Maria Victoria Carillo Duran e Ana Castillo Díaz .................................................... 713
El desarrollo de la competencia comunicativa de los portavoces de la organización (propuesta
pragmática y retórica), Mª Isabel Reyes Moreno ....................................................... 719
O estado da arte em Comunicação Organizacional. 1900 – 2000: um século de investigação,
Teresa Ruão ...................................................................................................................... 727
JORNALISMO 9

APRESENTAÇÃO
António Fidalgo e Paulo Serra

“Ciências da Comunicação em Congres- Universidade Lusófona, em Lisboa, o I


so na Covilhã” (CCCC) foi a designação Encontro Luso-Brasileiro de Ciências da
escolhida, pela Direcção da SOPCOM – Comunicação, momento em que os investi-
Associação Portuguesa de Ciências da Co- gadores portugueses decidem criar a
municação, para o seu III Congresso, inte- SOPCOM – Associação Portuguesa de Ci-
grando o VI LUSOCOM e o II IBÉRICO, ências da Comunicação. Um ano mais tarde,
e que teve lugar na UBI, Covilhã, entre os em Abril de 1998, o II Encontro é organi-
dias 21 e 24 de Abril de 2004 (o LUSOCOM zado na Universidade Federal de Sergipe, no
teve lugar nos dois primeiros dias e o Brasil, incluindo investigadores de países
IBÉRICO nos dois últimos). africanos de língua portuguesa. É então que
Dedicados aos temas da Informação, se funda a LUSOCOM – Federação das
Identidades e Cidadania, os Congressos de Associações Lusófonas de Ciências da Co-
Ciências da Comunicação na Covilhã cons- municação. A terceira edição do LUSOCOM
tituíram um momento privilegiado de encon- realiza-se na Universidade do Minho, nova-
tro das comunidades académicas lusófona e mente em Portugal, em Outubro de 1999,
ibérica, fazendo público o estado da pesquisa regressando ao Brasil para a sua quarta
científica nos diferentes países e lançando edição, desta vez a S. Vicente, em Abril de
pontes para a internacionalização da respec- 2000. Depois de dois anos de pausa, o V
tiva investigação. Ao mesmo tempo, contri- LUSOCOM estreia Moçambique como país
buíram de forma importante para a conso- organizador, decorrendo em Maputo em Abril
lidação, tanto interna como externa – rela- de 2002. Apenas com uma edição, realizada
tivamente à comunidade científica, ao mun- em Málaga em Maio de 2001, o Congresso
do académico e ao próprio público em geral Ibérico de Ciências da Comunicação procura
– das Ciências da Comunicação como campo agora, pela segunda vez, juntar investigado-
académico e científico em Portugal. res e académicos de Espanha e de Portugal,
Este duplo resultado é ainda mais rele- e assumir-se assim como momento de união
vante tendo em conta que se trata de campo e debate acerca do trabalho levado a cabo
de investigação recente em Portugal. Não nos dois países. O primeiro congresso
pretendendo fazer uma descrição exaustiva SOPCOM – a Associação teve a sua criação
do seu historial, assinalem-se algumas datas legal em Fevereiro de 1998 –, realizou-se em
mais significativas. O primeiro curso de Março de 1999, em Lisboa, sendo também
licenciatura na área das Ciências da Comu- aí que, decorridos mais dois anos, viria a
nicação – na altura denominado de Comu- organizar-se o II SOPCOM, em Outubro de
nicação Social – iniciou-se em 1979, na 2001.
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da No decurso dos quatro dias em que
Universidade Nova de Lisboa, a que se decorreram os Congressos de Ciências da
seguiram o do ISCSP da Universidade Téc- Comunicação na Covilhã foram apresentadas
nica de Lisboa (em 1980) e o da UBI (em cerca de duzentas comunicações, repartidas
1989), para citarmos apenas os três primei- por dezasseis Sessões Temáticas (repetidas
ros, expandindo-se até aos 33 cursos supe- em cada um dos Congressos), a saber: Teorias
riores do ensino público universitário e da Comunicação, Semiótica e Texto, Econo-
politécnico actualmente existentes. mia e Políticas da Comunicação, Retórica e
No que se refere aos antecedentes ime- Argumentação, Fotografia, Vídeo e Cinema,
diatos dos Congressos que tiveram lugar na Novas Tecnologias, Novas Linguagens, Di-
UBI, em Abril de 1997 realizava-se na reito e Ética da Comunicação, História da
10 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Comunicação, Estética, Arte e Design, Pu- (Capítulo III), Estética, Arte e Design
blicidade e Relações Públicas, Jornalismo, (Capítulo IV) e Comunicação Audiovisual
Estudos Culturais e de Género, Comunica- (Capítulo V); o Volume II, intitulado Te-
ção e Educação, Comunicação Audiovisual, orias e Estratégias Discursivas, compreen-
Opinião Pública e Audiências, Comunicação de as comunicações referentes a Teorias da
e Organização. Comunicação (Capítulo I), Semiótica e Texto
A publicação do enorme volume de (Capítulo II), Retórica e Argumentação
páginas resultante de tal número de comu- (Capítulo III) e Publicidade e Relações
nicações – um volume que, e a aplicar o Públicas (Capítulo IV); o Volume III,
formato estabelecido para a redacção das intitulado Visões Disciplinares, compreende
comunicações, excederia as duas mil e as comunicações referentes a Economia e
quinhentas páginas –, colocava vários dile- Políticas da Comunicação (Capítulo I),
mas, nomeadamente: i) Publicar as Actas do Direito e Ética da Comunicação (Capítulo
VI LUSOCOM e do II IBÉRICO em sepa- II), História da Comunicação (Capítulo III)
rado, ou publicá-las em conjunto; ii) Publi- e Estudos Culturais e de Género (Capítulo
car as Actas pela ordem cronológica das IV); finalmente, o Volume IV, intitulado
Sessões Temáticas ou agrupar estas em grupos Campos da Comunicação, compreende as
temáticos mais amplos; iii) Dada a impos- comunicações referentes a Jornalismo (Ca-
sibilidade de reunir as Actas, mesmo que de pítulo I), Comunicação e Educação (Capí-
um só Congresso, em um só volume, quantos tulo II), Opinião Pública e Audiências
volumes publicar. (Capítulo III) e Comunicação e Organiza-
A solução escolhida veio a ser a de ção (Capítulo IV).
publicar as Actas de ambos os Congressos A realização dos Congressos de Ciências
em conjunto, agrupando Sessões Temáticas da Comunicação na Covilhã e a publicação
com maior afinidade em quatro volumes destas Actas só foi possível graças ao apoio,
distintos: o Volume I, intitulado Estética e ao trabalho e à colaboração de muitas pes-
Tecnologias da Imagem, compreende os soas e entidades, de que nos cumpre destacar
discursos/comunicações referentes à Aber- a Universidade da Beira Interior, o Instituto
tura e Sessões Plenárias (Capítulo I), Fo- de Comunicação Social, a Fundação para a
tografia, Vídeo e Cinema (Capítulo II), Ciência e Tecnologia e a Fundação Calouste
Novas Tecnologias e Novas Linguagens Gulbenkian.
JORNALISMO 11

Capítulo I

JORNALISMO
12 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 13

Apresentação
Jorge Pedro Sousa1

No espaço lusófono, os estudos Por seu turno, as conexões das Ciências


jornalísticos são uma das áreas de maior da Comunicação com a filosofia e a
vitalidade dentro das Ciências da Comuni- epistemologia são estabelecidas por trabalhos
cação. O volumoso fluxo de trabalhos para como “Críticas Ímpias”, apresentado por
congressos e outros eventos comprova-o. Maria Madalena Oliveira, e “O Que o Jor-
Neste VI Congresso Lusófono de Ciências nalismo Pode Aprender com a Ciência:
da Comunicação, a mesa temática de Jorna- Objectividade na Perspectiva do
lismo teve de ser desdobrada em duas, para Racionalismo Crítico de Karl Popper”. Ci-
permitir a apresentação de vinte trabalhos ência e jornalismo são também questões
entre os que foram submetidos para avali- tratadas por Isaac Epstein, que apresenta um
ação. trabalho sobre “Etos e Tempos de Ciência
Infelizmente, muitos dos excelentes tra- no Jornalismo Científico.
balhos que foram remetidos aos coordena- As pontes entre as Ciências da Comu-
dores da Mesa Temática de Jornalismo não nicação e a sociologia, designadamente entre
puderam ser integrados no programa, por as Ciências da Comunicação e a sociologia
ausência de tempo e não por falta de qua- da produção de notícias (newsmaking) são
lidade. patentes em trabalhos sobre a problemática
Os trabalhos submetidos aos avaliadores natureza das relações entre fontes de infor-
denotam preocupações e linhas de investi- mação e jornalistas, como os apresentados
gação diferenciadas. No seu conjunto, dão por Zélia Adghirni, sobre a interacção entre
conta da diversidade de objectos de estudo jornalistas e assessores de comunicação, e por
que se desenham a partir do campo Vladimir Araújo, sobre jornalismo sindical
jornalístico e da interacção, muitas vezes no Brasil. Neste campo, Eduardo Meditsch
problemática, entre jornalismo, sociedade e dá o seu contributo à edificação de uma teoria
cultura. Dão conta também da natureza do jornalismo, ou da notícia, questionando
marcadamente interdisciplinar das Ciências as “falácias lógicas, falhas argumentativas e
da Comunicação. As conexões com a His- generalizações sem base científica na inves-
tória, por exemplo, são bem vincadas em tigação do newsmaking”.
vários dos trabalhos que foram submetidos O elevado número de comunicações sobre
aos coordenadores da Mesa Temática de jornalismo online indicia a importância e a
Jornalismo. novidade do fenómeno. Para o seu estudo,
Assim, Rogério Santos faz uma descri- desenvolveram-se metodologias e conceitos
ção do primeiro livro sobre jornalismo especificamente ligados às Ciências da
publicado em Portugal: Jornalismo, de Comunicação, usados, por exemplo, nos
Alberto Bessa, editado em 1904; Adriano trabalhos sobre webjornalismo apresentados
Lopes Gomes e Cármen Daniella Avelino por Cláudia Quadros, Itanel Júnior e Luciana
desmontam o agendamento das rotinas so- Mielniczuk e no trabalho sobre “Noticiabi-
ciais no jornal A República, de Natal (RN, lidade no Rádio em Tempos de Internet”,
Brasil), durante a II Guerra Mundial; Orávio apresentado por Nélia Del Bianco.
Soares relembra os 170 anos do jornal A análise do discurso tem permitido a
Monitor Campista; e Beatriz Dornelles mostra obtenção de conhecimentos proveitosos so-
uma preocupação simultaneamente comuni- bre o comportamento editorial dos meios de
cacional e historiográfica ao descrever as comunicação e os conteúdos e formatos das
características dos jornais e leitores do final notícias, sendo um dos métodos mais usados
do século XX. no campo dos estudos jornalísticos. Para não
14 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

fugir à regra, são também vários os trabalhos Lançar luz sobre o jornalismo e os jor-
seleccionados para o VI LUSOCOM que nalistas e a sua função e repercussão na
elegem como principal método a análise do sociedade e na cultura é tarefa dos pesqui-
discurso. São os casos das pesquisas de Xosé sadores em jornalismo. Estamos certos de
López Garcia e Marta Pérez sobre a infor- que os trabalhos seleccionados reflectem
mação cultural nos meios jornalísticos ga- essa preocupação e atingem o seu nobre
legos; de Telmo Gonçalves sobre os objectivo de construir um conhecimento ci-
enquadramentos temáticos da segunda Guer- entificamente válido sobre os fenómenos
ra do Golfo; de Patrícia Melo sobre o índio jornalísticos, enquanto fenómenos pessoais,
na imprensa pernambucana; e ainda o de Ana sociais, ideológicos, históricos, tecnológicos
Cristina Mandarino sobre “a cor da pele” na e culturais.
imprensa brasileira Nordestina. Finalmente,
a teorização da análise do discurso jornalístico
dramatizado constitui a questão central que _______________________________
1
ocupa Pedro Diniz de Sousa. Universidade Fernando Pessoa.
JORNALISMO 15

Reportagens sobre a Cor da Pele em Jornais de Salvador


e Aracaju/Brasil: criminalidade, loucura e macumba
Ana Cristina de Souza Mandarino1

Introdução e de ethos”6 provenientes das múltiplas etnias


africanas que, a partir do século XVI, foram
O presente trabalho é fruto de minha tese trazidas para o Brasil. É somente no século
de doutorado apresentada na Escola de XVIII que esta designação será aplicada aos
Comunicação da UFRJ como resultado de grupos organizados e espacialmente locali-
minhas observações e do envolvimento zados. Verger (1981), porém indica as pri-
enquanto pesquisadora, desde a graduação, meiras menções as religiões africanas no
com as comunidades de terreiro do Rio de Brasil como existentes nas anotações feitas
Janeiro no período em que, como assistente pela Inquisição em 1860.
de pesquisa, pude desfrutar do convívio de Segundo Elbein (1988), guardando as
pais e mães-de-santo, fora do momento ri- devidas reservas, uma vez que a impossibi-
tual, onde a descontração e a intimidade lidade de uma comprovação mais rigorosa
faziam as conversas discorrerem sobre os esbarra na escassez de material oficial, é
mais diversos assuntos. provável que o primeiro contingente de
Podemos perceber que um dos assuntos escravos vindo da região de Ketu, tenha
preferidos dizia respeito a como hoje encontra- chegado ao Brasil por volta de 1789. Este
se a religião, e quais as medidas que poderiam grande grupo, proveniente de uma vasta
ser tomadas para que o Candomblé fosse melhor região, será conhecido no Brasil pelo nome
visto pela sociedade em geral. Os comporta- genérico de Nagô, portadores de uma tradi-
mentos percebidos pelos adeptos como não ção, cuja riqueza deriva das culturas indi-
condizentes com a tradição, acabavam sendo viduais dos diferentes reinos de onde se
tomados como exemplo, nas notícias de jornais originaram.
e de programas veiculados na mídia em geral, A fim de situar, aproximadamente, a
além de programas religiosos. chegada dos primeiros grupos nagô ao Brasil
Assim, após comentarem sobre o compor- – seguindo por um lado, o esquema dos quatro
tamento de certos indivíduos, e o quanto este ciclos distinguidos por Luis Viana Filho
era prejudicial à imagem da religião, (1964) e que foram mais tarde minuciosa-
relembravam e enfatizavam a luta que a re- mente examinados e modificados por Pierre
ligião travou para que fosse mais respeitada, Verger (1964 e 1968), e por outro lado a
dos anos de perseguição policial, e de como cronologia deduzida das fontes orais – pode-
aqueles que professavam a religião dos Orixás, se admitir que os Nagô foram os últimos a
Voduns e Inquices2 eram perseguidos com o se estabelecerem no Brasil, no fim do século
rótulo de loucos e depravados. XVIII e início do século XIX.
A familiaridade adquirida com a visão de Segundos estes autores os ciclos estariam
mundo do povo-de-santo 3 conduziu-me a assim divididos:
pensar, sobre as “representações”,4 que ainda
hoje incidem sobre estes grupos e em que I — Ciclo da Guiné, século XVI;
medida são percebidas pelo “senso comum”5, II — Ciclo de Angola, século XVII;
da mesma maneira que são elaboradas e III — Ciclo da Costa da Mina e Golfo
alimentadas a partir das notícias saídas na do Benin, século XVIII até 1815;
imprensa. IV — Última fase: a ilegalidade: de 1816
De acordo com Bastide, Verger e Elbein a 1851.
entre outros, o Candomblé pode ser definido
como uma manifestação religiosa resultante Os chamados Jêje e Nagô teriam vindo
da reelaboração das várias “visões de mundo no IV ciclo, no período compreendido entre
16 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

1770 e 1850, sendo que estaria aí incluído tomariam o nome de religião afro-brasileira
o período do tráfico clandestino. denominadas genericamente sob os nomes de
Cabe ressaltar, que, se estamos dando Umbanda e Candomblé.
mais ênfase ao grupo étnico jêje-nagô, é Podemos perceber que a base dessas
porque será este que irá fundar as primeiras representações está situada no nível de re-
casa de culto que se tem oficialmente no- lacionamento existente entre o rótulo religi-
tícia, passando este modelo ser tido como oso, a cor da pele e o nível social dos
referência quando se fala de estudos sobre participantes dos grupos religiosos.
as religiões afro-brasileiras. Inclusive é Vale ressaltar que as representações são,
curioso lembrar, que o próprio Nina elas próprias, marcadas por critérios sociais
Rodrigues a estes exalta como “os negros e por mecanismos classificatórios fundamen-
nagôs possuem uma mitologia bastante com- tados no sistema hierarquizado da organiza-
plexa, com divinização dos elementos natu- ção social. Neste sistema, é possível perce-
rais e fenômenos meteorológicos” (ELBEIN, ber fronteiras nitidamente estabelecidas para
1988: 216), “[...] da preponderância adqui- a firmação individual e grupal, fundamen-
rida no Brasil pela mitologia e culto dos jejes tadas nos credos religiosos assumidos, na
e iorubanos a ponto de, absorvendo todos os aparência física (cor da pele, feições, cabe-
outros, prevalecer este culto quase como a los, vestuário, etc.), que indicam a pertença
única forma de culto organizada dos nossos a um dos diversos grupos profissionais e
negros fetichistas”.(ELBEIN, 1988: 215). confessionais que, por sua vez, ajudam a
Os Terreiros, Roças, Abaçás ou Casas- promover a inserção – individual e grupal
de-Santo, denominações correntes utilizadas – nas diferentes camadas da pirâmide social.
para nomear os espaços e grupos de culto (TEIXEIRA, 1992).
aos deuses africanos” – Orixás, Inquices e A articulação entre as rotulações religi-
Voduns – representam assim historicamente, osas e a racial é considerada como um fator
uma forma de resistência cultural, coesão importante para a compreensão do cenário
social, e ao mesmo tempo centro de fermen- social brasileiro, marcado pelo “medo do
tação para sublevações e rebeliões, relatando feitiço”, conforme mostrado por Maggie
às várias rebeliões ocorridas no século XIX (1992), e alimentado e reforçado pelas
como tendo relação com a fé que professa- notícias estereotipadas veiculadas na mídia.
vam os insurretos (RODRIGUES, 1988). É É esse medo exagerado do feitiço/malefício,
interessante ressaltar que Nina Rodrigues ao fruto muito mais de um imaginário, do que
referir-se as rebeliões levava em considera- baseado em verdades comprovadas, que irá
ção apenas a origem e a fé dos rebeldes, promover durante muito tempo uma justifi-
esquecendo-se que as próprias condições em cativa a qual, imprensa e polícia, atribuíam
que estes viviam – sub-humanas – por si só como resultado às perseguições.
já eram motivos suficiente para a rebelião Assim, procuramos buscar identificar a
ou motim. possível articulação existente entre as repre-
As formas da religiosidade africana, no sentações acerca da loucura, criminalidade e
caso brasileiro, podem ser consideradas religiões afro-brasileiras (Umbanda e Can-
fatores fundamentais para a formação de domblé) e as notícias veiculadas nos jornais
reagrupamentos institucionalizados de africa- das cidades de Salvador e Aracaju e de como
nos e seus descendentes, escravos, foragidos estas participaram da construção e cristali-
e libertos. Ao lado de associações religiosas zação de estereótipos negativos incidentes
propriamente ditas, como Terreiros e Irman- sobre aqueles que praticam e cultuam Orixás,
dades de Igrejas Católicas, – e mais tarde Voduns, Inquices e entidades afro-brasileiras.
– Federações, desenvolveram-se durante a A leitura das representações engendradas
escravidão formas de resistência política – sobre a população macumbeira, rótulo ge-
os quilombos – que geralmente estavam nérico incidente sobre negros, mestiços e
associados às práticas religiosas africanas. brancos, adeptos das religiões afro-brasilei-
Assim, passaremos a encontrar mais tarde, ras, aponta para o processo de classificação
em diversas regiões do Brasil, a dissemina- que incide sobre grupos e indivíduos que tanto
ção dos cultos de origem africana, que agora serve para justificar desigualdades sociais,
JORNALISMO 17

como para sedimentar hierarquizações atra- Encontramos na cidade de Aracaju cerca


vés de uma inferioridade atribuída. Um dos de 15 notícias por nós analisadas que diziam
aspectos ressaltados na confecção dos retra- respeito a uma período que ia desde a década
tos dos adeptos das comunidades religiosas, de 50, até o final da década de 70. Vale
mostrado nos noticiários dos jornais, e mais ressaltar, que no período anterior, onde a
recentemente na TV, é o da criminalidade, repressão levada a cabo pelo regime político
da loucura, devassidão e luxúria. que se instalou no Brasil a partir da década
Assim, este trabalho tem como objetivo de 30 e que perdurou até o final da década
demonstrar como os estereótipos acerca das de 40, e que caracterizou-se como o período
religiões afro-brasileiras foram cristalizados de maior repressão do Estado aos cultos afro-
nas notícias de jornais nas cidades de Aracaju brasileiros, a ocultação por parte da impren-
e salvador durante o período de maior re- sa das prisões e perseguições, mantinham uma
pressão aos cultos afro, que teve seu início certa coerência com o momento político de
na década de 30 e perdurou até o final da então, que iria marcá-la por muito tempo
década de 60. ainda.
Ao partimos para nossa pesquisa nos É sabido por todos em Sergipe, do epi-
órgãos públicos do Estado de Sergipe, e ao sódio envolvendo um secretário de segurança
conversarmos com cada um dos dirigentes, que ordenou a queima de todos os boletins
dessas instituições, outra surpresa nos aguar- de ocorrência que registrassem as prisões de
dava. Segundo estes, não havia registros em negros ou que retratassem perseguições.
jornais que tratassem da perseguição aos Desta maneira, as décadas de 50 e 70,
cultos negros no Estado, porque, por ordem período onde as comunicações de massa
dos poderes públicos da época, era proibido começam a exercer influência significativa
qualquer registro que retratassem as ações sobre os indivíduos, ditando e alterando
de perseguição, invasão e prisão ocorrida nos padrões de comportamento, questionando
terreiros de Umbanda e Candomblé. valores e levando informações rápidas e
Diante desta nova perspectiva, que nos precisas através do surgimento da TV e dos
impedia o acesso ao material bibliográfico, jornais de grande circulação, são o momento
resolvemos centrar nossa pesquisa, pelo onde encontraremos um maior número de
menos no Estado de Sergipe, nos usos da notícias na imprensa envolvendo os cultos
história de vida e da oralidade, mesmo afro-brasileiros e acerca de suas práticas.
conscientes das limitações deste método. Ao contrário, no Estado da Bahia, desde
Entretanto, devemos ressaltar que não o início do século, vamos encontrar notícias
descartamos a busca por materiais oficiais veiculadas que dão conta da perseguição aos
que comprovassem nossa idéia, pois consi- cultos. Dentre tantos, escolhemos cerca de
deramos que independente da quantidade a 12, que de várias formas nos possibilitavam
que tenhamos acesso, nos deteremos em um panorama de como esta sociedade lidava
analisar a importância, qualidade e signifi- com a questão das religiões afro-brasileiras
cado do que encontrarmos. e da possessão. Acreditamos, que diferente
Já nos Estado da Bahia, especificamente de Aracaju, que não possuía uma – “tradi-
na cidade de Salvador, empreendemos pes- ção” forte em relação a organização dos cultos
quisa nos órgãos e jornais em que houves- e quanto a uma origem que pudesse ser
sem referências aos cultos afro-brasileiros, evocada, em Salvador, ao contrário, desde
buscando ressaltar as diferenças que marcam cedo a imprensa acostumou-se a ceder es-
estas duas sociedades tão próximas uma da paços em seus diários aos debates levados
outra, e, no entanto, distanciadas pela ma- a cabo pela Escola de Medicina e por seus
neira através da qual optaram tratar o mesmo seguidores, que acreditavam ser de suma
tema – uma a repressão e a negação da importância a divulgação na imprensa sobre
existência; no caso da cidade de Aracaju, e a periculosidade que envolviam negros e
a outra a repressão e a veiculação da notícia mestiços praticantes das religiões afro-bra-
em manchetes de jornais – e em que grau sileiras.
refletem as visões de mundo e – modus Com relação a loucura associada aos
vivendi das próprias sociedades. praticantes dos cultos afro-brasileiros, partire-
18 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

mos por considerar que durante os primeiros pesquisa que vai de 1920 até 1942, nos jornais
anos deste século, os estudos da Psiquiatria “A Tarde” e “Estado da Bahia” sobre as
voltavam-se para as religiões afro-brasileiras perseguições aos Candomblés baianos, ape-
como local capaz de promover a teoria aceita nas uma reportagem foi escrita por um
por muitos e, principalmente, por alguns jornalista presente a invasão, não havendo
psiquiatras de que negro e religião eram os nenhum outro registro nas inúmeras repor-
ingredientes perfeitos que, combinados, eram tagens que prove a presença de jornalistas
capazes de promover a loucura e a presentes. O que demonstra que as notícias
criminalidade eram veiculadas de acordo com o imaginário
Os estudos de Raimundo Nina Rodrigues7, e o senso comum daqueles que as escreviam,
Ulisses Pernambucano e Cunha Lopes entre deixando transparecer não só o desconheci-
outros, grandes expositores desta teoria, mento a respeito das religiões afro-brasilei-
acreditavam que a população negra partici- ras, como representavam os estereótipos pelos
pante das religiões afro-brasileiras (Umbanda quais as religiões afro-brasileiras eram per-
e Candomblé) eram passíveis de desenvolver cebidas.
algumas patologias e degenerações. Assim, Com o passar do tempo notícias que
diante desta perspectiva os terreiros em vários relatavam a invasão e posterior captura e
pontos do país, especialmente os do Rio de encarceramento dos freqüentadores e adep-
Janeiro, Salvador e Recife viram-se invadi- tos dos terreiros começaram a aparecer na
dos durante as sessões públicas (fato que daria imprensa escrita. Estas notícias serviriam para
maior destaque às notícias de jornal) por reforçar os preconceitos que já se encontra-
ilustres personagens que tentavam ali encon- vam latentes no imaginário social, agora
trar a prova cabal que referendasse suas substanciados e legitimados pela imprensa.
teorias. Essas notícias transformar-se-iam na manhã
Este autor inclusive foi o fundador da seguinte em manchetes de jornais.
Escola de Patologia Social fortemente influ-
enciado pelas teorias evolucionistas em voga Notícias: ideologias e estereótipos aos
na Europa, que articulava três disciplinas: a negros
medicina, o direito e a antropologia social.
Esta associação tinha como objetivo demons- Os jornais de uma forma geral sempre
trar através de argumentos “lógicos e cien- trouxeram em suas manchetes relatos acerca
tíficos” que a população brasileira era inte- das curas obtidas nos terreiros da mesma
lectual e psicologicamente inferior na con- forma que questionavam a validade e a
frontação com a superioridade indiscutível veracidade de tais fatos, fornecendo, assim,
dos brancos. (RODRIGUES, 1988). material amplo para moldar o imaginário
No quadro em que se explana a social acerca da loucura e da criminalidade
pluralidade da sociedade brasileira, além da e as religiões afro-brasileiras.
discriminação que recai sobre tudo ou todos Assim, perda de controle, exploração
que são considerados negros ou afro, o rótulo pública, crime, suicídio, brigas, adultério,
de macumbeiro supõe ainda uma outra di- roubos, loucuras sempre foram vistas pelos
mensão: aquela estabelecida pela Escola de jornais como atividades comuns no âmbito
Patologia Social que associa certas práticas dos terreiros, da mesma forma que seus
rituais, como possessão, à loucura e a freqüentadores eram percebidos como cida-
criminalidade (BIRMAN, 1986). Outras dãos perigosos, que deveriam permanecer
doenças também foram atribuídas aos negros sobre suspeita policial. Em síntese, todo
e mestiços, assim como atributos morais e macumbeiro era classificado como um pos-
comportamentais, o que contribui fortemente sível delituoso ou delinqüente.
para o enquadramento dessas populações e Quase sempre matéria de primeira página
de suas manifestações culturais e religiosas em jornais populares, este tipo de destaque
como produzidas por “gente de segunda tanto pode ser interpretado como apelo para
categoria” conforme Nina Rodrigues. a venda de jornais através do sensacional e
Vale ressaltar, que segundo Angela do misterioso, – marcas, representações e
Lunhing (2000), no período que realizou sua estigmas – quanto o que se desejava ver
JORNALISMO 19

reforçado. Nesta perspectiva era delimitado, econômica, política e cultural, com a qual
de forma mais nítida o espaço social para se defrontavam intelectuais, escritores, po-
as religiões afro-brasileiras; principalmente líticos, profissionais liberais e setores popu-
na década de 50, quando tais formas reli- lares, não se ajustava facilmente às idéias e
giosas não tinham recebido ainda a marca aos conceitos, aos temas e às explicações
da legitimidade conferida pelos estudos emprestadas, às pressas, de sistemas de
antropológicos desenvolvidos a partir das pensamentos elaborados em países da Euro-
décadas de 50 e 60. 8 (BROWN, 1985; pa. Estava em curso uma fase importante no
TEIXEIRA, 1986). processo de construção de um movimento
Assim, buscamos demonstrar que as capaz de pensar a realidade e a cultura
notícias veiculadas na imprensa valorizam o nacional.(IANNI,1992, apud MANDARINO,
sensacional e o caricato, sendo enfocado 1995: 40).
principalmente homicídios, suicídios e casos As transformações políticas, econômicas
de loucura. Tendo sempre consciente que a e culturais por qual passavam o país, foi
notícia não é um ingênuo relato de um fato, responsável pelo surgimento de várias cor-
mas uma construção elaborada segundo rentes contrárias a aproximação, se é que se
determinada ótica e ética, do nosso ponto de pode dizer desta maneira, entre as classes
vista, todo jornal é um veículo, um instru- populares e os setores mais conservadores e
mento, criador de um mundo no qual se põe hegemônicos da sociedade.
à consciência e ao consumo dos leitores. A busca pela instauração de uma nova
As informações, portanto, são elaboradas ordem mais próximas das aspirações daque-
por escolha, interpretação e avaliação, tor- les que pensavam a necessidade de um Brasil
nando-se assim significativas. O jornal co- moderno, não condizia com uma sociedade
locando-se como reprodutor de uma realida- onde a presença de negros e de seus rituais
de que se dá à observação, torna-se, na impuros pudessem proliferar.
verdade, produtor e reprodutor de um uni- Com isso, procuramos demonstrar que os
verso ideológico que atende a interesses mecanismos reguladores criados pelo Estado
específicos. desde a República não extirparam a crença
Acreditamos que a notícia tem um de- na magia e em sua eficácia, mas ao contrá-
terminado fim, no entanto, resta-nos saber rio, foram fundamentais para sua constitui-
se aqueles que a produzem têm uma cons- ção.
ciência clara de seu conteúdo e de como este Isto vai gerar inúmeras estratégias pelo
repercutirá sobre aqueles que as lêem, ou se povo-de-santo, que em determinado momen-
simplesmente atuam como agentes de uma to vão se fazer acompanhar de políticos e
coisa maior, reproduzindo, eles próprios pessoas influentes, que acabarão por criar
articulações do imaginário social acerca de espaços para estes nos meios de comunica-
determinados grupos, em especial aqueles que ção. Esta estratégia de mão dupla, que por
professam a religião dos Orixás Inquices e um lado é capaz de fazer com que alguns
Voduns. representantes e seus terreiros, passem a ser
vistos de forma diferenciada por uma parcela
Conclusão da sociedade, por outro, vai gerar um com-
prometimento capaz de afastar alguns, e de
Após empreendermos nosso trabalho, cujo levar a suspeita a outros.
objetivo reside em percebermos as represen- Estes mecanismos podem ser percebidos
tações que incidem sobre a cor da pele dos nos processos de formação das várias Fede-
adeptos e praticantes dos cultos afro-brasi- rações em diversos Estados, onde estes locais
leiros, acerca das notícias veiculadas na passam a servir de espaço para a cooptação
imprensa sergipana e baiana, algumas ques- política em troca de favores, como espaços
tões nos parecem relevantes. em colunas de jornais e revistas, além da
O início do século surge como um concessão de horários em rádios.
momento de grande reflexão por parte da- Sobre as perseguições aos cultos afro-
queles que enxergavam a necessidade de brasileiros, podemos concluir que, diferente
transformar o país. A realidade social, do que ocorreu em outros Estados, embora
20 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

o contrário seja enunciado nas poucas repor- recendo ela própria que muita pouca coisa
tagens recolhidas, e apenas apontado nos encontrou na imprensa local nos poucos
depoimentos, em Aracaju, as perseguições e jornais ainda preservados.
a repressão não tinham como principal No caso específico deste estudo, nos foi
objetivo à punição dos adeptos por estes possível identificar que isto vem ocorrendo
praticarem feitiçarias ou malefícios. No junto àqueles pertencentes às minorias, se-
Estado de Sergipe a perseguição fora muito jam elas caracterizadas pelos negros, pelos
mais organizada como forma de instauração adeptos dos cultos afro-brasileiro, enfim, uma
da ordem do que por acusações de feitiçaria. parcela que acaba por ficar à margem da
Como a sociedade sergipana pouco sociedade por não conseguir se articular em
contato tinha com aqueles que à praticavam, um sistema voltado para atender àqueles que
o medo do feitiço era algo apenas cogitado. se proclamam brancos e superiores aos
O caráter norteador dado às perseguições e demais.
a repressão encontravam-se muito mais re- Nesta linha, identificamos ainda que, os
vestido de uma postura ideológica, do que que se intitulam serem brancos, vêm desde
propriamente com preocupação da possível o início do desenvolvimento desse país,
incidência de malefícios. pontuando e delimitando seu território, seja
É curioso percebermos que Dantas (1984), este ligado aos aspectos político, culturais,
ao tratar das perseguições aos cultos afro- sociais, enfim, na maneira pela qual marcam
brasileiros no Estado de Sergipe, e sua relação e exercem suas ações em sociedade. Neste
com as acusações de que serviam de local sentido, encontramos os jornais e as notícias
para abrigo de comunistas, e o papel desem- veiculadas servindo em verdade como
penhado pela imprensa, se utilize, como nós, difusores e norteadores de opiniões de um
para sua análise de jornais da Bahia, escla- determinado grupo.
JORNALISMO 21

Bibliografia Maggie, Yvonne. Medo de feitiço: rela-


ções entre magia e poder no Brasil. Rio de
Archanjo, Marcelo V. Candomblé, Ma- Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
cumba e Umbanda: o Feitiço do O Dia - Teixeira, Maria Lina L. Identidade re-
In: Cadernos de Iniciação Científica, n.5, ligiosa e relações raciais no Brasil. Boletim
LPS/IFCS/UFRJ, 1995. n 6 Laboratória de Pesquisa Social/IFCS/
Cohn, Gabriel. Theodor W. Adorno: So- UFRJ,1992.
ciologia. São Paulo: Ática, 1994. Torres, Acrísio. A Imprensa em Sergipe.
Concone, M. H. e Negrão, L. N. Brasília: Senado Nacional,1993.
Umbanda: da repressão à cooptação. O Fairclough, N., A Mídia e a linguagem:
envolvimento político partidário da Umbanda organizando uma pauta.Tradução de Álvaro
paulista nas eleições de 1982. Rio de Janei- Souza, Aracaju, 2002.
ro: Marco Zero, 1985. Winne, João Pires. História de Sergipe:
Dantas, Beatriz. Vovó Nagô e Papai de 1930 a 1972. Rio de Janeiro. Ponguetti,
Branco: usos e abusos da África no Brasil. 1973,vol 2.
Rio de Janeiro: Graal, 1988.
___. De feiticeiros a Comunistas: acu-
sações sobre o Candomblé. São Paulo, _______________________________
1
Revista Dédalo, 23/1984, Museu de Etnologia Universidade Tiradentes, Sergipe/Universi-
da Universidade de São Paulo/Edusp. dade Federal de Sergipe, Brasil.
2
Estas denominações dizem respeito as várias
___. Nanã de Aracaju: trajetória de uma
tradições que denominam os principais grupos de
mãe plural. In Caminhos da Alma. São Paulo: cultos.
Selo Negro, 2002 Org. Vagner Gonçalves da 3
Conjunto de adeptos das diferentes formas
Silva. religiosas denominadas de afro-brasileiras.
Dantas, Ibarê Costa. Revolução de 30 em 4
Segundo Goffman, “representação seria toda
Sergipe - Dos Tenentes aos Coronéi. São atividade desenvolvida por um indivíduo num
Paulo: Cortez/UFS, 1983. período caracterizado por sua presença contínua
___. Os Partidos Políticos em Sergipe. diante de um grupo particular de observadores e
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. que tem sobre estes alguma influência.”
(GOFFMAN, 1975).
Elbein, Joana dos Santos. Os Nagô e a 5
Conforme indicou Schultz, o que distingue o
Morte. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, “senso comum” como um modo de”“ver” é a simples
1988. aceitação do mundo, dos seus objetos e dos seus
Holfeldt, Antonio, Martino, Luiz C. e processos exatamente como se apresenta, como
França, Vera. Teorias da Comunicação. parecem ser e o motivo pragmático, o desejo de
Petrópolis: Vozes, 2001. atuar sobre esse mundo de forma a dirigi-lo e colocá-
Mandarino, Ana Cristina de S. Um lo em seus próprios limites (GEERTZ, 1988).
6
estudo das representações raciais em dois Na discussão antropológica recente, os
aspectos morais e éticos de uma dada cultura, os
terreiros de Umbanda
elementos valorativos, foram resumidos sob o
– Maria ou Jurema? Dissertação de termo “ethos”, enquanto os aspectos cognitivos,
Mestrado FFLCH/Departamento de Antropo- existenciais foram designados pelo termo “visão
logia Social/USP, 1995. de mundo.”(GEERTZ, 1989: 143).
Moraes, Enio. Sociologia da Comunica- 7
Introdutor do rigor científico nas pesquisas
ção: abordagens teóricas. Aracaju: 1997 sobre o social, Nina Rodrigues inaugurou a prática
(mimeo). etnográfica no meio urbano e sobre as relações
Rodrigues, Raimundo Nina. Os Africa- entre negros e brancos, dando especial atenção
nos no Brasil. Brasília: Editora UNB, 1988. ao fenômeno religioso afro-brasileiro e sua inci-
dência sobre a criminalidade praticada por negros
Lünhing, Angela. Acabe com este santo,
e mestiços.
Pedrito vem aí... - mito e realidade da 8
A produção acadêmica ultrapassa os meios
perseguição policial ao candomblé baiano intelectuais, vindo a tornar-se objeto de interesse
entre 1920 e 1942. Dissertação de Mestrado, dos adeptos nas comunidades, ou temática para
Escola de Comunicação/ USP, 1997 (mimeo). romances novelas e filmes.
22 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 23

O Iraque nas televisões europeias:


representações da segunda guerra do Golfo
Anabela Carvalho1

1. Introdução tigação sobre a relação entre o sistema


político e o sistema mediático. Tal relação
A intenção de intervir militarmente no tem sido frequentemente descrita como de
Iraque, promovida durante largos meses pelos dependência mútua e de influência recípro-
EUA, conduziu a um longo confronto diplo- ca. Porém, o exaltado “poder” dos media,
mático e a uma profunda divisão política enquanto árbitros e juízes da vida pública,
internacional em 2002 e 2003. As posições parece cada vez mais diminuído, pelo que
oficiais de cada país não tiveram, em muitas alguns analistas apontam para uma relação
casos, correspondência na forma como os seus de subjugação estrutural dos mesmos rela-
cidadãos percepcionaram o problema. Na tivamente aos poderes políticos. Tal estaria
Europa ocidental, mesmo nos países cujos relacionado com questões como a proprie-
governos se colocaram ao lado dos EUA, dade dos meios de comunicação e o poder
ocorreram algumas das maiores manifesta- económico, a dependência das fontes oficiais
ções populares de sempre, como protesto face e a influência ideológica sobre as organiza-
aos planos de guerra, e as sondagens apon- ções mediáticas (Bennett, 1988; Herman e
taram para elevados índices de oposição aos Chomsky, 1988). Na expressão de Chomsky
mesmos. Apesar de tudo, venceu a vontade (1989), o complexo militar-industrial-
de alguns políticos de fazer a guerra. mediático estaria cada vez mais refinado, com
Nas suas primeiras semanas, o confronto os media a desempenhar uma função essen-
militar no Iraque foi uma experiência cial na “engenharia do consentimento”. A
televisiva intensa. Um exército de jornalis- produção de concordância ou, pelo menos,
tas, com um enorme arsenal de meios téc- de anuência tácita dos cidadãos relativamen-
nicos, trouxe até aos espectadores de (quase) te às políticas projectadas, seria um serviço
todo o mundo um constante fluxo de ima- essencial que os media prestariam aos go-
gens. No entanto, apesar das aparentes se- vernos (Lippman, 1960).
melhanças, tratou-se não de um único, mas Associadas à expansão globalizante das
de vários retratos da guerra que foram tecnologias da comunicação, as relações in-
veiculados pelos media (e.g. Lamloum, 2003). ternacionais constroem-se hoje, e
Neste texto, pretende-se fazer uma com- crescentemente, com o “soft power” – o poder
paração crítica da representação da guerra no associado à imagética, à comunicação e à
Iraque em três cadeias de televisão: BBC informação, por contraste com o poder militar
World, TV5 e RTPi. Estas escolhas relevam e económico. A “diplomacia electrónica” vai
da variedade de posições e graus de tomando o lugar da diplomacia tradicional.
envolvimento na guerra dos três países a que As implicações políticas da mediatização,
estão ligadas. Começa-se por rever algumas bem como o modo como os actores políticos
das questões centrais na investigação sobre procuram utilizar os media para angariar o
os media nas situações de guerra e procede- apoio da opinião pública nacional e interna-
se depois à análise da imagem do conflito cional para determinadas medidas de política
que foi veiculada por cada um dos canais. externa, têm vindo a ser objecto de vários
estudos (e.g. O’Heffernan, 1991). Gilboa
2. Os media e a guerra (2002) atribui aos media “globais” tais como
a CNN, a BBC World e a Sky quatro tipos
A reflexão sobre a re-construção televisiva de papeis na formulação e implementação de
do conflito no Iraque – como de qualquer políticas externas: papel de controlo do
guerra – tem que ser enquadrada pela inves- processo de decisão política (por exemplo,
24 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

exercendo pressão no sentido de intervenções patriotismo, seja pelos factores já enuncia-


humanitárias); papel de limitação das opções dos atrás, os media dominantes têm vindo
de política externa; papel de mediação (nor- a “colaborar” com os governos dos seus
malmente desempenhado por determinados países. Assim, nos períodos que precedem as
jornalistas em situações de conflito); e papel guerras, os media tendem a não oferecer
instrumental (em que os media são utiliza- alternativas ao discurso das instâncias
dos pelos actores políticos para promover de- governativas (Lewis & Rose, 2002) e, em
terminadas posições e mobilizar apoio po- muitos casos, a embarcar activamente no
pular). processo de demonização do inimigo
Por boa razão, as situações de guerra têm (Vincent, 2000). Depois de iniciados os
constituído um objecto de estudo privilegi- confrontos militares, o pouco debate em torno
ado para os investigadores em ciências da das grandes questões político-ideológicas que
comunicação. Se bem que muitos dos traços possa ter existido – É a guerra justificada?
da relação entre os media e a política se É a guerra justa? – deixa completamente de
mantêm, a prestação dos media nos períodos ter lugar. Os jornalistas centram-se em
de guerra (incluindo a “preparação” para a questões processuais – Como correu uma
mesma) é, em muitos aspectos, “excepcio- determinada acção militar? O que se vai fazer
nal”. Veremos como nos próximos parágra- a seguir? A guerra é naturalizada.
fos. Comparando com o discurso mediático
A guerra do Vietname é um marco em guerras anteriores, que constantes e trans-
importante na história da mediatização de formações é possível identificar na guerra no
conflitos internacionais. Na primeira guerra Iraque? Internacionalmente, o panorama
intensivamente televisionada, com uma ampla mediático era substancialmente mais comple-
e realista cobertura dos acontecimentos, a xo em 2003 do que noutros períodos. A
informação alimentou o mal-estar da popu- anterior supremacia dos EUA em termos de
lação norte-americana relativamente à actu- meios técnicos e humanos para a recolha e
ação militar externa do seu país e fomentou difusão de informação sobre o palco de guerra
intensos protestos. Este impacto social da esbatera-se. Jornalistas de um variadíssimo
televisão foi designado como “síndrome do conjunto de países deslocaram-se para o
Vietname”, tão grave foi considerado o papel Iraque, armados com recursos tecnológicos
dos media pela máquina político-militar norte- mais ou menos sofisticados mas capazes, em
americana. No sentido de evitar a repetição qualquer caso, de assegurar a transmissão
do síndrome, o Pentágono e outras instâncias imediata de imagens a partir do terreno (como
de poder definiram uma política de controlo o videofone). Os exclusivos da CNN na
restritivo sobre os media nos palcos de guerra. primeira guerra do Golfo deram lugar à
O sistema de “pooling” implementado na cobertura pelas mais variadas estações ame-
guerra do Golfo de 1991 traduziu essa pre- ricanas, europeias e – sublinhe-se – do Médio
ocupação. Nessa guerra, os media Oriente. A Al-Jazira foi uma alternativa às
contribuiram para mobilizar apoio popular e visões mais próximas do sistema anglo-ame-
para aumentar a popularidade de George ricano de poder, muito procurada no mundo
Bush, tendo as organizações “mainstream” árabe e no mundo ocidental. A internet, agora
aderido quase totalmente à “propaganda com uma implantação mundial bastante sig-
oficial” (Taylor, 1992). nificativa, ofereceu também múltiplos
Em democracia, a decisão de envolver um contrapontos aos media convencionais.
Estado numa guerra tem que ser acompanha- Os jornalistas “embedded” foram uma
da por um plano de legitimação pública da importante componente da cobertura
mesma. Os governantes tendem a praparar mediática desta guerra. Estes profissionais
meticulosamente os argumentos que susten- acompanharam as colunas militares anglo-
tam a sua posição e a oferecer uma análise americanas, aceitando um conjunto de regras
da situação congruente com os seus planos de censura militar prévia em troca de acesso
de acção. Tipicamente, o “inimigo” é “directo” ao campo de batalha. As imagens
construído socialmente como uma “ameaça” que constantemente nos fizeram chegar terão
para a nação. Seja pelo apelo ideológico do marcado fortemente a percepção do conflito.
JORNALISMO 25

Outro traço importante desta guerra é que uma representação da situação conforme aos
ambas as facções accionaram fortemente as interesses oficiais. A cadeia Fox foi a ex-
suas máquinas de propaganda. Do lado norte- pressão mais alta do serviço prestado pelos
americano, essa máquina era, naturalmente, media à máquina ideológica da direita
mais sofisticada, envolvendo mais meios americana, com os seus aliados no mundo
(como o “media center” de Doha, Qatar) e dos negócios, os seus “think tanks” e outros
mais “expertise” em termos de “news mecanismos de influência. Houve, porém,
management”. Do lado iraquiano, houve notáveis excepções a esta linha de análise,
também uma notável pro-actividade na re- como o”New York Times que disse claramen-
lação com os media, com constantes confe- te “não à guerra”3.
rências de imprensas, disponibilização de Os casos estudados aqui são as estações
gravações e oferta de visitas guiadas aos públicas de televisão, com emissão “global”
jornalistas. por satélite, de três países europeus com uma
Para as cadeias televisivas, tal como relação muito diversa com a guerra no Iraque:
outras guerras, o conflito no Iraque foi, em BBC, TV5 e RTP (cujos telejornais foram
grande medida, um produto comercial. Houve difundidos na RTP Internacional). O Reino
grandes investimentos no envio de meios Unido, através do governo liderado por Tony
humanos e técnicos para o Iraque e países Blair, constituiu-se aliado dos EUA relativa-
vizinhos e a expectativa era de recompensa mente ao plano de intervenção militar no
em termos das dimensões das audiências Iraque desde a primeira hora, vindo a enviar
conquistadas. o único outro contingente de tropas nume-
ricamente significativo. A população britâni-
“The networks and cable are massing ca demonstrou, no entanto, uma larga opo-
their own forces at home and overseas sição à guerra. Neste quadro, será relevante
for this potential war, “an analisar a forma como a BBC re-construiu
extraordinary story.” If there’s no war o conflito.
in Iraq, a lot of money will have gone A TV5 é um canal multilateral. As suas
to waste.” (S/A, 2003) emissões de informação são, sobretudo, de
canais franceses como France 2 e France 3,
Os estudos já produzidos sobre a embora associe várias estações públicas do
mediatização da guerra do Iraque sugerem mundo francófono (Suiça, Bélgica e Québec).
que foram mostradas versões muito diferen- A França é um dos Estados que, oficialmen-
tes do conflito em diferentes media. Com base te, mais contestou a guerra. O presidente e
numa comparação internacional, Lamloum o governo franceses oposeram-se frontalmen-
(2003: 15) fala-nos de “six guerres différentes te ao plano americano e procuraram por vários
vues de six postes d’observation distincts” meios político-diplomáticos impedir a
(os media de cinco países e a cadeia de concretização da guerra. A população fran-
televisão Al-Jazira). Uma análise produzida cesa manifestou-se, também, contra a guerra.
para o jornal alemão Frankfurter Algemeine O governo português teve uma posição
Zeitung por Media Tenor (2003) aponta para de apoio à administração norte-americana,
um forte contraste entre a avaliação da embora de modo mais passivo que o Reino
actuação político-militar dos EUA pelas Unido. O patrocínio do primeiro ministro José
televisões alemãs”– sobretudo as privadas – Manuel Durão Barroso e da coligação PSD/
e pelas televisões norte-americanas: predo- CDS no poder a George W. Bush teve,
minantemente negativa no caso das primei- porventura, a maior expressão na cimeira
ras e positiva no caso das segundas. Nos entre Bush, Blair e Aznar que ocorreu nos
EUA, terá havido uma colagem da maior Açores nas vésperas da guerra. Embora sem
parte dos media “mainstream” e, em parti- tropas no terreno no período inicial da guerra,
cular, das televisões à posição oficial ame- Portugal enviou para o Iraque alguns con-
ricana relativamente à intervenção no Iraque. tingentes de forças de segurança após o
Mecanismos de auto-controlo dos media, derrube do regime de Saddam Hussein.
como o sistema de pré-aprovação do guião Este texto procurará identificar as posi-
das estórias adoptado pela CNN2, garantiram ções políticas das televisões referidas acima
26 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

relativamente à guerra e responder, entre Numa análise textual e de discurso da co-


outras, às seguintes questões: Até que ponto bertura das primeiras semanas do conflito na
é que houve “alinhamento” para com a BBC, Clark (2004) e Haarman (2004) não
posição do governo do país em que cada identificaram um posicionamento ideológico
televisão está sediada? Terão as televisões claro da estação. Em contraste, um estudo
funcionado como peças na “engenharia do da Cardiff University (2004) revelou uma
consentimento” controlada pelos governos ou, orientação da BBC favorável à intervenção
pelo contrário, promoveram a crítica e militar no Iraque e portanto próxima da
dissenção? posição oficial do Reino Unido. De um modo
A análise terá em conta vários indicado- ainda mais assertivo, Cromwell (2003) e a
res tais como o grau de destaque dado a organização Media Lens5 apontaram várias
diferentes dimensões da guerra (o que é vezes a amplificação das posições governa-
enfatizado e o que é secundarizado?); os mentais nos relatos que a BBC fez da guerra.
actores cuja perspectiva é predominante na Dentro da própria BBC, houve divergên-
cobertura televisiva da guerra (ex. militares, cias entre os membros da direcção relativa-
civis, políticos); os jornalistas de cada es- mente à qualidade da cobertura. Enquanto
tação envolvidos na cobertura da guerra (ex. Richard Sambrook (2003), director de infor-
jornalistas “embedded” e outros); os mação, defendeu a informação dada pela
comentadores seleccionados; e a iconografia BBC, Mark Damazer (cit. por Wells, 2003),
(escolha de imagens, símbolos, gráficos). sub-director de informação, afirmou publi-
Serão ainda consideradas as opções linguís- camente que a imagem da guerra veiculada
ticas de cada televisão para falar da guerra. pelos repórteres “embedded” foi demasiado
Tentar-se-á compreender como é que as “asséptica”, sem mortos nem feridos, e que
palavras utilizadas para designar ou avaliar prestou um mau serviço à democracia. Parte
a guerra e os seus agentes simultaneamente do interesse em analisar o caso BBC reside
reflectem e produzem formas particulares de precisamente nesta falta de consenso sobre
pensar tal realidade. onde se situou politico-ideologicamente a sua
Procede-se a uma análise dos noticiários representação da intervenção no Iraque.
televisionados entre os dias 20 de Março e Percorramos, então, cronologicamente, a
16 de Abril de 2003, procurando, também, cobertura da guerra nesta estação.
avaliar se há alterações ao longo do período A ofensiva militar liderada pelos EUA
analisado no discurso jornalístico e na pos- inicia-se no dia 20 de Março de 2003. Na
tura destes media sobre a guerra no Iraque. BBC, os primeiros dias do conflito são
dominados por imagens da progressão mi-
2. BBC: Baghdad Broacasting Corporation litar, do avanço da máquina de guerra anglo-
ou aliado do governo britânico? americana e do poderio do armamento oci-
dental. A abertura dos blocos noticiosas é,
A BBC foi objecto de críticas por várias pelo menos durante a primeira semana,
partes pela sua cobertura do conflito. Os dedicada predominantemente ao”“avanço das
militares britânicos e alguns membros do forças da coligação” (expressão usada várias
governo acusaram a BBC de se colocar vezes pelos “pivots” da BBC). Enfatiza-se
demasiado ao lado dos iraquianos4. Alguns o percurso feito pelos militares anglo-ame-
comentadores e críticos consideraram que a ricanos em cumprimento do plano de tomar
BBC prestou um serviço de propaganda ao Bagdade. Mostram-se tanques em andamen-
governo britânico. Investigadores e outros to e as extensas colunas militares nas estra-
analistas apreciaram também de modo vari- das de terra do Iraque. O “discurso da glória”
ado o desempenho da estação. militar é claramente estruturante neste perí-
Na análise de Media Tenor (2003), a BBC odo.
aparece como relativamente equilibrada na Há, mesmo assim, referências à resistên-
avaliação da actuação política e militar norte- cia iraquiana, e poucos dias após o início
americana no Iraque e na quantidade de tempo do conflito, começa a emergir a ideia de que,
dedicada às baixas nas forças da coligação porventura, se terá subestimado a dimensão
liderada pelos EUA e no lado iraquiano. dessa resistência. No dia 27 de Março, por
exemplo, diz-se que os iraquianos estão a lutar
JORNALISMO 27

de uma forma imprevista e que o inimigo Chomsky, 1991) sobrepõe-se às interrogações


com que os militares ocidentais se confron- éticas e ideológicas sobre a guerra.
tam não é o mesmo com que fizeram simu- As possíveis repercussões socio-políticas
lações antes do confronto. deste modo de cobertura estão bem expres-
Na imagem construída pela BBC, a guerra sas nas palavras de Jeff Hoon, Secretário da
é, porém, eminentemente asséptica, depurada Defesa britânica:
dos seus piores horrores. Ocasionalmente, há
referências verbais a “corpos” vistos ao lado “I believe the public’s understanding
da estrada pelo repórter que penetra o país of what our troops are achieving is
com o exército invasor. Mas não há qualquer increased by the access we’ve given
equivalente gráfico. Os mortos – e mesmo os the media. The professionalism,
feridos – podem ser quantificados (provavel- courage, dedication, restraint of the
mente com grande imprecisão) mas não se British and coalition forces shone
mostram. Como se refere no relatório do through. …The imagery [embedded
estudo feito por investigadores da Cardiff journalists] broadcast is at least
University (2004: 6), “[t]he coverage seems partially responsible for the public’s
to take us closer to the reality of war, and change in mood with the majority of
yet (…) [exclude] the ugly side of that reality”. the people now saying they back the
É sobretudo pelos olhos desses jornalis- coalition.” (cit. por Tumber & Palmer,
tas “embedded” que vemos a guerra. Eles 2004: 25).
colocam as forças britânicas em evidência
contra “fanatical zealots” (expressão utiliza- Outra dimensão de análise importante são
da por militares no dia 24 de Março). Há os actores sociais que as televisões privile-
uma aparência de proximidade e de trans- giam na sua representação do conflito. Como
parência no retrato que nos chega dessas sugerido acima, a BBC deu frequentemente
tropas. voz aos militares britânicos. Estes puseram
a tónica em questões “técnicas” (e não
“The television event that was the 2003 político-ideológicas), como o tipo de arsenal
Iraq War collapsed the “news” into a utilizado,”destacaram as vitórias militares e,
real-time vacuum where instantaneity de algum modo, legitimaram a guerra com
conquered content. The mass of a sua mostra de determinação e coragem. No
correspondents embedded with the exemplo seguinte, há uma clara tentativa de
military produced a scattered and “rotulagem” moral do “inimigo” pelo jorna-
mobile simultaneity of coverage. In lista “embedded” e pelo militar.
these circumstances, the distinction
between witness to and subject of the 2 Abril 2003 (14˚ dia de guerra)
media event was collapsed. More, Ben Brown, o repórter “embedded”
faster and closer coverage simply da BBC em Basra, encontra-se junto
produced more “fog”, to use the a soldados britânicos. Ouvem-se
metaphor of war.” (Hoskins, 2004: 109) disparos e explosões. Brown diz que
os combatentes iraquianos estão
Com a mediação dos “embedded” vai-se deliberadamente a tentar que a popu-
estabelecendo uma relação de empatia entre lação iraquiana seja apanhada no meio
o público e os militares britânicos. O espec- do fogo cruzado. O repórter pergunta
tador é convidado a participar no combate, a um militar britânico: “What do you
a associar-se à “missão” de derrotar o “ini- think about that?” “I think it’s sick”,
migo”, a identificar-se com aquela guerra. Em responde ele decididamente.
jogo, está a sorte de jovens soldados britâ-
nicos que, naturalmente, a população britâ- Muito frequentes no ecrã desta estação
nica não quererá ver morrer, mesmo que foram também actores governamentais do
(sobretudo?) ao serviço de uma guerra vista Reino Unido e dos EUA.
por muitos como injusta. A lógica do slogan Apesar disto, há alguma diversidade de
americano “support our troops” (ver opiniões na BBC, trazida sobretudo pelos
28 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

comentadores que, com frequência, são es- Há também uma mudança ao nível dos
pecialistas em questões do Médio Oriente ou jornalistas que relatam a actualidade do
do Iraque e mesmo originários dessas regi- Iraque. Os “embedded” passam a ocupar
ões. menos espaço, dando lugar a jornalistas não
Obviamente, as características da repre- “enquadrados”. A partir de Bagdade,
sentação da guerra na BBC descritas até aqui Rageeh Omar, especialmente, passa a ter
tomaram forma tanto no discurso verbal como uma presença muito significativa nos ecrãs
na imagética, de que a fig. 1 é um bom da BBC. Muito mais próxima dos
exemplo. Como pode ser visto abaixo, o iraquianos e das suas experiências da
símbolo ou “logotipo” televisivo que acom- guerra, a imagem que ele constrói dos
panhou toda a cobertura da guerra na BBC acontecimentos suscita, potencialmente,
integra as palavras”“Iraq War” e uma ima- bastante mais crítica relativamente às
gem com um ponto de luz ao centro que consequências daquele conflito.
irradia em toda a volta. As cores dominantes Após 9 de Abril e a “tomada” de
são o laranja e o preto. Bagdade, fortemente simbolizada no muito
Para este estudo, perguntou-se a cerca de mediatizado derrube da estátua de Saddam
30 pessoas como interpretavam aquela Hussein, a capital iraquiana assiste a uma
simbologia6. A maior parte dos inquiridos viu enorme vaga de saques. As imagens de
na imagem um nascer ou pôr do sol e vários roubo e de caos generalizados, afectando
associaram-na à ideia de um novo começo locais como o Museu Nacional do Iraque
ou um “renascer”. Nesta leitura, a guerra e os seus tesouros culturais, criaram uma
estaria relacionada com libertação e eman- aura profundamente negativa em torno da
cipação. Um número significativo de pesso- guerra e deram mostra da incapacidade
as aludiu também à imagem de uma explo- americana de controlar a situação, deixan-
são. A polissemia da imagem poderá ter sido do adivinhar muitas dificuldades para o
deliberada. futuro. A 10 de Abril, a “pivot” da BBC
refere-se a um “disturbing report” sobre um
Figura 1: hospital a ser saqueado. A situação é
Imagem da BBC, 2 de Abril de 2003 descrita como “a very worrying and very
dangerous turn of events” por Rageeh
Omar.
Os parâmetros da análise realizada estão
sintetizados na tabela 1. A meta-narrativa
é um indicador composto: resulta duma
apreciação das muitas estórias construídas
pelos media a propósito da guerra; da
análise da selecção dos aspectos do acon-
tecimento feita pelos media; da hierarqui-
zação desses elementos; dos actores soci-
ais que intervêm na informação; da
iconografia, etc. Através das setas presen-
tes na segunda coluna, a tabela dá, tam-
bém, conta das mudanças que se verifica-
À medida que a guerra se vai prolongan- ram na imagem construída pela BBC em
do, há uma transformação nos significados torno da guerra. Naturalmente, estas mu-
construídos pela BBC. Após cerca de duas danças são progressivas e relativas. Não se
semanas de combates, a estação mostra cada trata, portanto, de características exclusi-
vez mais o impacto dessa guerra na popu- vas mas de traços dominantes em diferen-
lação. A destruição e o sofrimento, o modo tes momentos. É destacado na tabela o
de sentir das populações árabes e o que dizem “lado da equação” que terá sido mais
os jornais da região, entre outras questões, marcante (devido, por exemplo, à sua
estão cada vez mais presentes na cobertura extensão no tempo) no quadro global da
da BBC. imagem da guerra veiculada pela estação.
JORNALISMO 29

Tabela 1: Traços dominantes da representação da guerra no Iraque na BBC

Implacável progressão militar anglo-americana => Impacto negativo da


Meta-narrativa
guerra
Actores Militares britânicos, militares americanos => População iraquiana
Jornalistas Repórteres “embedded” => Repórteres no terreno
Especialistas em questões militares e políticas, especialistas em
Comentadores
assuntos do Médio Oriente
Imagens da máquina militar ocidental sugerem avanço imparável;
Iconografia símbolo sugere “renascer” => Imagens de saques e destruição sugerem
descontrolo e anarquia

3. TV5: O efeito da oposição sistemática? alguns analistas, estendido ao serviço públi-


co de televisão em França: canais como
Dada a posição do governo e da popu- France-Info e France 2 teriam feito uma
lação franceses relativamente à guerra, po- cobertura excessiva do início dos
der-se-ia esperar que os media franceses bombardeamentos no Iraque de forma a captar
fizessem, entre si, uma abordagem muito audiências (ACRIMED, 2003). De notar,
semelhante da guerra alimentando(-se d-) a porém, que todas estas apreciações têm a
oposição à intervenção anglo-americana e mesma fonte, já que foram publicadas no site
fomentando a solidariedade para com o povo da ACRIMED, uma associação francesa de
iraquiano. crítica dos media. Os resultados da análise
A comunicação social francesa foi, no comparativa realizada no âmbito deste estu-
entanto, alvo de recriminações bastante di- do e descritos abaixo permitir-nos-ão re-
versas. A crítica mais feroz é, porventura, avaliar estes comentários.
a de Alain Hertoghe (2003) que argumenta Nos primeiros dias de guerra, há uma
que os preconceitos dos media franceses espécie de recusa da TV5 em “embarcar no
embotaram a análise e levaram a graves comboio” da mediatização da guerra. Dis-
exageros e omissões. Na sequência de uma cutem-se ainda questões de geopolítica e
análise de cinco jornais diários, Hertoghe geoestratégia, apresentam-se ainda argumen-
considera que nas redacções francesas im- tos contra a guerra. Há longas reportagens
peravam três objectivos: diabolizar a admi- sobre as questões de fundo que poderão ter
nistração Bush pela caricatura sistemática; determinado a guerra e sobre as suas pos-
aderir à linha de Chirac e Villepin num fervor síveis implicações. A 25 de Março, por
nacionalista e comungar com as opiniões exemplo, a TV5 passa um documentário sobre
públicas anti-guerra com um populismo a primeira guerra do Golfo, as trágicas
compulsivo. consequências do regime de sanções adop-
Esta conclusão contrasta com as obser- tado pelas Nações Unidas e as mortes de
vações de Thorens (2003) relativamente à soldados americanos relacionadas com o
estação de televisão francesa privada TF1. “síndrome do Golfo”. Nesse dia, a TV5 é
Este analista sugere que terá havido uma o único dos três canais em consideração”a
colagem à visão americana da guerra, com referir a que se destinam os 75 mil milhões
a “heroicização” de Tommy Franks, alto de dólares adicionais pedidos ao Congresso
dirigente militar norte-americano, e a americano por George W. Bush – 63 para
“neutralização” do sentido das manifestações financiar as operações militares, 4 para
contra a guerra. Referindo-se sobretudo à reforçar a segurança interna e 8 para recons-
TF1, Maler (2003) fala, na mesma linha, de truir o Iraque. A este propósito, a TV5 fala
três traços dominantes: “la légitimation de também do envolvimento de uma empresa
la guerre par son récit (…), la fascination de Dick Cheney no processo de reconstrução
pour la puissance militaire (…), la fascination do país.
de la télévision pour sa propre puissance.” Rapidamente, passa-se, na TV5, para uma
Este tipo de enviesamento ter-se-ia, segundo imagem da guerra dominada pelo trágico. A
30 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

destruição e a dor causadas pela guerra pessoas, nas suas palavras, nas imagens de
ocupam uma grande parte do retrato da casas e ruas destruídas.
situação. A TV5 perspectiva a guerra essen- A morte e o luto são evocadas pelo
cialmente pelos seus impactos junto da sombrio símbolo utilizado pela TV5. Como
população, fazendo um convite à empatia é visível na fig. 2, esse “logotipo” con-
para com este povo que é atacado por um siste num quadrado em que as palavras
exército invasor. A hierarquização da infor- “Guerre en Irak” aparecem a branco sobre
mação e outros aspectos relativos à selec- um fundo negro. Na parte de baixo, há
ção e construção da informação colocam o uma barra vermelha cujo limite superior
espectador mais próximo do olhar dos é irregular. Os sujeitos inquiridos neste
iraquianos do que em qualquer uma das estudo fizeram associações desta imagem
outras três estações. O alinhamento abaixo, com os temas referidos acima (morte e
do bloco noticioso das 21:00 horas do dia luto; muitas pessoas consideraram o ver-
27.03.03 da TV5 (a emitir o canal France melho da imagem como sugestão de san-
3), dá conta disso mesmo. gue).

27 Março 2003 (8˚ dia de guerra) Figura 2:


- Iraquianos no norte do Iraque: Imagem da TV5, 2 de Abril de 2003
beijam o Corão; “estão prontos a
morrer na batalha pelo país”
- Mostra da destruição causada pelos
americanos: criança magoada em
bombardeamento; homem queimado
para o qual não há medicamentos
- Combates à volta de Basra; possi-
bilidade de catástrofe humanitária
- Imagens da Al-Jazira de um heli-
cóptero americano alegadamente aba-
tido pelos iraquianos
- Najaf: ênfase nos soldados
iraquianos mortos (imagem dos cor-
pos ao longo da estrada)
- 37 marines feridos em “friendly fire” Na TV5, a população iraquiana é
- Americanos anunciam 24 mortos humanizada: muitos nacionais do Iraque são
desde o início da guerra entrevistados (na maior parte dos casos no
- Paraquedistas americanos no norte papel de vítimas da guerra) e os seus nomes
do Iraque (assunto que teve um aparecem no ecrã. Ao contrário, na BBC,
destaque muito maior noutras estações os iraquianos são normalmente apenas mos-
de televisão) trados de longe e mesmo quando entrevis-
- Referência a mais mortos (segundo tados não têm nome (alude-se a “este
a Al-Jazira) homem”, por exemplo). As reportagens da
- Análise detalhada da importância da TV5 têm lugar em diferentes regiões do
frente norte na batalha iraquiana e de Iraque e dão conta da diversidade étnica e
toda a estratégia de guerra cultural do país. Em vez de um conjunto
indiferenciado de pessoas, os cidadãos
No dia 2 de Abril, enquanto a BBC inicia iraquianos são assim representados quase
os seus blocos informativos com notícias de ideossincraticamente. As perspectivas, pre-
avanços militares e fomenta cumplicidades ocupações e interesses destes diferentes
para com os militares, na TV5 a primeira grupos são discutidos pelos comentadores
notícia é a de uma maternidade bombardeada que, frequentemente, são especialistas em
pelos americanos. Os atrozes efeitos da guerra questões culturais, tais como historiadores
mostram-se na expressão de sofrimento das e outros investigadores.
JORNALISMO 31

Tabela 2: Traços dominantes da representação da guerra no Iraque na TV5

Meta-narrativa Impacto trágico de uma guerra injusta na população iraquiana


Actores População iraquiana – vários sectores e grupos étnicos
Jornalistas Repórteres no terreno
Comentadores Especialistas em questões culturais
Iconografia Imagens do terreno sugerem devastação; símbolo sugere luto

Note-se que na TV5 não há mudanças dias são os militares americanos, embora em
significativas na perspectivação e quase equilíbrio com a população iraquiana.
narrativização da guerra no Iraque ao longo A nível de comentadores, o”General Lourei-
das semanas analisadas. ro dos Santos e outros militares de alta patente
são presenças regulares. Suellentrop (2003,
4. RTP: Profissionalismo ou “comercia- s/p) argumenta que “the TV generals (…) are
lismo”? hired by the networks to lend an air of
authority to the broadcasts”.
Durante a transmissão contínua inicial A iconografia da guerra reforça a ideia
sobre a guerra, a RTP é a mais sensaciona- do avanço militar. Imagens de tanques, de
lista das três cadeias. Há uma quase-obses- navios de guerra e de outro aparato técnico
são pelos directos e uma repetição constante mostra o poderio das forças anglo-america-
de imagens e comentários sobre os aconte- nas. O “logotipo” da cobertura (ver fig. 3)
cimentos. contém uma bandeira iraquiana sobre a qual
Os primeiros dias são dominados por uma se vê uma circunferência que distorce a
visão “militarista” da guerra que se relaciona imagem. Os sujeitos inquiridos sobre a
com vários aspectos da cobertura: a escolha simbologia televisiva referiram-se à seme-
de imagens da guerra a partir de cadeias de lhança com uma lupa ou com uma mira e
televisão e agências de informação estrangei- à possível alusão ao trabalho jornalístico de
ras; a localização de alguns jornalistas da RTP, busca e análise e ao avanço militar.
como o enviado especial Armando Seixas Até à chegada das tropas americanas a
Ferreira, no porta-aviões USS Theodore Bagdade, o “logotipo” da RTP apresentava
Roosevelt; e os comentadores no estúdio que também, sobre uma barra laranja, as palavras
são, quase exclusivamente, militares. “Objectivo Bagdade”, que parecem aludir ao
A RTP reproduz frequentemente as plano militar. O espectador é, assim, colo-
emissões da CNN sobre o avanço militar no cado ao lado do exército invasor, partilhando
terreno. Na estação americana há uma clara com ele o propósito de atingir a capital do
tentativa de veicular uma imagem favorável Iraque. Tais palavras, aparentemente neutras,
dos soldados dos EUA: estes são mostrados em articulação com o “foco” sobre a ban-
a tratar bem os iraquianos capturados e é dado deira iraquiana, envolvem também os jorna-
um grande ênfase à recepção positiva dos listas na “missão” de alcançar Bagdade.
americanos pelos iraquianos. No entanto, a Posteriormente, o texto muda para “Em
RTP emite, também, excertos da Al-Jazira Bagdade” e para “Após Saddam”, relevando
como, por exemplo, as imagens de “77 mortos a ideia de transição.
civis” iraquianos, potencialmente chocantes, Passados alguns dias sobre o início da
no dia 20 de Março. No mesmo dia, mostra- guerra, o centro nevrálgico da cobertura da
se, prolongadamente, a tentativa de captura RTP passa para Bagdade. Os directos de
de um piloto americano em Bagdade por Carlos Fino a partir da cidade fornecem os
iraquianos. É dado muito mais destaque aos principais enquadramentos da cobertura da
tiros, à agitação da polícia e à acção em geral guerra. O jornalista fala muitas vezes com
do que nos outros canais. a população local (que mostra uma posição
Os actores sociais dominantes no retrato anti-americana) e dá conta da destruição
que a RTP oferece da guerra nos primeiros causada: “a guerra continua implicável com
32 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

o seu rosário de morte e sofrimento” Outro exemplo deste discurso auto-


(07.04.03). No dia 10 de Abril, por exem- centrado é do dia 16 de Abril: “RTP des-
plo, algumas das questões cobertas pela RTP cobre militar iraquiano na clandestinidade em
dão conta dos impactos devastadores da Bagdade”. Durante o conflito no Iraque há
guerra: mortes de marines em Bagdade; outros dois episódios que tornam a própria
mortes de civis e militares iraquianos (ima- televisão o centro das atenções. Trata-se de
gens de corpos); pilhagens em Bagdade; agressões a dois jornalistas da RTP, Carlos
destruição em Najaf;” “situação calamito- Fino e Luís Castro, que foram largamente
sa” em Bassorá. exploradas pela RTP para promover o sua
O trabalho de Carlos Fino, muito acla- cobertura.
mado, marcou fortemente a cobertura da RTP. A tabela 3 resume as principais carac-
O videofone permitiu ao repórter superar a terísticas da imagem da guerra na RTP e
concorrência das grandes estações, transmi- apresenta a sua meta-narrativa.
tindo o início dos bombardeamentos ameri-
canos em Bagdade, naquilo que”Santos Conclusões
(2004: 26) designa como a”“democratização
do scoop”. O presente estudo identificou três repre-
A guerra foi usada como um forte ins- sentações da guerra no Iraque substancial-
trumento promocional para a RTP. Em mente distintas. Este tipo de comparação
publicidade a si mesma, a empresa passou permite constatar a existência de alternativas
inúmeras vezes o anúncio abaixo. a uma forma particular de re-construir a
realidade e torna mais evidente a natureza
“Spot” promocional não-essencial e não-necessária do discurso,
“A RTP foi a primeira estação do quer verbal quer iconográfico.
mundo a transmitir a guerra em di- A imagem tende a criar a aparência de
recto… O mundo parece estar a uma maior veracidade e realismo do que
desabar… No centro do furacão, a as palavras. No entanto, a diversidade de
RTP tem uma equipa de luxo…”. retratos da guerra confirma as conclusões
de outros investigadores de que, mais do
Note-se o hiperbólico aproveitamento da que fornecer informação nova e indepen-
situação para auto-engrandecimento. Ao longo dente, as imagens apoiam uma narrativa
do período analisado, a informação na RTP previamente construída e reforçam um
é, em vários momentos, profundamente auto- quadro interpretativo pré-existente (Griffin,
referencial. Como se pode ver na fig. 3, no 2004).
Telejornal de 7 de Abril, a notícia não é o É frequente considerar-se que há dois
avanço das tropas da coligação, mas o facto factores que têm uma influência significativa
da RTP os ter “testemunhado”. na imagem mediática das situações de guer-
ra: as opções governamentais do país em que
Figura 3: estão baseados os órgãos de comunicação
Imagem da RTP, 7 de Abril de 2003 social e as preferências das audiências. O
primeiro factor parece ter tido mais peso na
reconstrução discursiva da guerra pelas
cadeias de televisão. O apelo ideológico do
patriotismo, no caso britânico reforçado pela
participação das suas tropas na guerra, terá
impulsionado os profissionais de informação
a veicularem uma imagem consonante com
o posicionamento oficial do seu país.
No caso do Reino Unido, as preferências
das audiências terão, realmente, sido pouco
importantes, dado que, perante um público
largamente contrário à guerra, a BBC am-
JORNALISMO 33

Tabela 3: Traços dominantes da representação da guerra no Iraque na RTP

Meta-narrativa RTP mostra a guerra ao mundo


Militares americanos; população iraquiana => População iraquiana;
Actores
militares americanos
Jornalistas Repórteres no terreno
Comentadores Especialistas em questões militares
Imagens sugerem poderio militar; símbolo sugere finalidade comum de
Iconografia militares e jornalistas => Imagens do terreno sugerem devastação; símbolo
(‘Após Saddam’) sugere mudança, transição

plificou uma imagem militarista da interven- não se comprometeu completamente com o


ção que a neutralizou ideologicamente. No lado ocidental do conflito, preferido pelo
caso da TV5, a posição oficial coincidiu com governo. Terá sido o único dos três canais
a posição popular. Não terá havido, portanto, que convidou à dissenção relativamente ao
grandes dilemas ideológicos. No caso por- governo, se bem que a BBC também poderá
tuguês, a audiência poderá ter tido algum peso ter motivado a crítica na parte final do período
já que, como vimos, a estação de televisão analisado.
34 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Discourse Analysis”, Valencia, 5-8 Maio


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International Conference on Critical ponível em http://acrimed.samizdat.net/
JORNALISMO 35

2
article.php3?id_article=994, acesso em Num documento da CNN intitulado
09.12.04. “Reminder of Script Approval Policy” podia-se
Tumber, Howard and Jerry Palmer, ler: “A script is not approved for air unless it
is properly marked approved by an authorised
Media at War. The Iraq Crisis, London, Sage,
manager and duped (duplicated) to burcopy
2004. (bureau copy)... When a script is updated it must
Vincent, Richard, “A narrative analysis be re-approved, preferably by the originating
of US press coverage of Slobodan Milosevic approving authority.”(cit. por Fisk, 2003)
and the Serbs in Kosovo”, European Journal 3
Título de um editorial: “Saying no to war”,
of Communication 15 (3), 2000, pp. 321- 09.03.03.
4
44. Alguns críticos chegaram a ironizar com o
Wells, Matt, “Embedded reporters nome da estação chamando-lhe Baghdad
‘sanitised’ Iraq war”, The Guardian, 6 Broadcasting Corporation, numa alusão ao seu
alegado favoritismo pelo lado iraquiano (ver, por
Novembro 2003.
exemplo, Chafetz, 2003).
5
www.medialens.org
6
Os inquiridos foram essencialmente estudan-
_______________________________ tes e docentes universitários, embora se tenha
1
Universidade do Minho, Instituto de Ciên- também questionado cinco pessoas com outras
cias Sociais, Departamento de Ciências da Co- ocupações, cujas opiniões não se desviaram sig-
municação. nificativamente das das primeiras.
36 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 37

Características de jornais e leitores interioranos no final do século XX


Beatriz Dornelles1

A imprensa interiorana do Rio Grande do responsável pela distribuição do jornal, um


Sul estabeleceu-se em bases sólidas em fins vendedor de anúncios e um jornalista. O
do século passado e até a segunda metade número de páginas deve ser de, no mínimo,
do século atual. É uma das primeiras e mais oito, não havendo imposições para o máxi-
representativas do país, colocando-se em mo. A periodicidade deve ser constante, desde
igualdade com a imprensa do Interior de São que diária, trissemanária, bissemanária ou
Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro. semanária. A filosofia editorial do jornal deve
Nos anos 90, em reflexo a uma intensa ser voltada para comunidade como um todo,
campanha desenvolvida pelos associados da ou seja, as matérias produzidas para o jornal
Associação dos Jornais do Interior do Rio devem atender aos anseios e reivindicações
Grande do Sul (Adjori), desde os anos 60, da comunidade que, dentro do possível,
tornou-se senso comum chamar os jornais do determinará quais as notícias que devem ser
Interior de “jornais comunitários”, como divulgadas pelo jornal, desde que não aten-
queriam os jornalistas proprietários dos dam nenhum interesse partidário. O diretor
periódicos. e/ou o jornalista do periódico devem, tam-
Para entender esse “jornalismo comuni- bém, participar ativamente de todas as
tário”, selecionamos uma amostra de 30 atividades promovidas pela comunidade,
jornais do Interior, dentre os 207 associados ajudando a buscar soluções da forma como
à Adjori, o que representa 14,4% do total, se fizer necessária. O jornal interiorano,
distribuídos pelas diversas microrregiões do autodefinido por seus proprietários de “jor-
Estado, com diferentes periodicidades. En- nal comunitário”, no Rio Grande do Sul é
trevistamos todos os diretores e jornalistas mais uma concepção ideológica que forta-
que atuam nesses jornais, trabalhando ao todo leceu-se, especialmente, nos anos 90. Por isto,
com 80 profissionais. Aplicamos um ques- neste trabalho, os dois conceitos se confun-
tionário em um por cento dos assinantes, dem, sendo utilizados como sinônimo.
totalizando 1.402 questionários. Para com- Essa filosofia surgiu como alternativa a
plementar as informações, aplicamos outro um mercado invadido pelos veículos de co-
questionário em 66 formandos em Jornalis- municação de massa, que satisfizeram a
mo, de três universidades: PUCRS, UFRGS necessidade de informação do público em
e ULBRA. âmbito estadual, nacional e internacional,
De posse dos dados, pudemos destacar deixando-o mais exigente em termos de
as principais características da imprensa qualidade de informação, provocando a
interiorana gaúcha nos anos 90. Tendo como concentração de verbas publicitárias na gran-
referencial as informações dos associados da de imprensa em função de sua área de
ADJORI, entende-se por “jornal interiorano” atuação.
o produto impresso de uma empresa ou Paralelamente, as prefeituras, que costu-
microempresa jornalística, constituída juridi- mavam patrocinar os veículos menores,
camente na Junta Comercial de seu muni- prática que se estendeu até os anos 80,
cípio, regida pelo ativo e passivo, tendo por entraram numa fase de empobrecimento
objetivo o lucro, através da comercialização generalizado, retirando as verbas destinadas
publicitária, venda de assinaturas e venda aos jornais de menor porte econômico. Os
avulsa. O jornal deve, obrigatoriamente, ser partidos políticos, que também financiavam
registrado no Cartório de Registro Especial esse segmento, condicionavam o apoio finan-
e manter uma estrutura administrativa míni- ceiro à dependência editorial dos jornais, o
ma, que inclui um diretor, um contador, um que foi rechaçado pelo público, quando este
38 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

teve opção de escolher seu veículo. Assim, fortalecido pelas ações de outras lideranças
para continuar existindo, os jornais tiveram e do próprio cidadão comum, como foi
que buscar uma alternativa de sobrevivência. possível observar em 30 municípios do Rio
Os empresários do setor jornalístico Grande do Sul. Por exemplo, os assinantes
detectaram a necessidade do público em ser dos jornais sentem-se bastante constrangidos
informado sobre os acontecimentos locais ou de fazer qualquer comentário negativo sobre
próximos à comunidade, o que não é feito a qualidade dos jornais, em respeito a seus
pela grande imprensa, e, também, em con- proprietários. Na maioria das vezes, detêm-
tarem com um veículo onde pudessem se em comentários sobre as atitudes comu-
manifestar suas reivindicações e realizar nitárias dos jornalistas, como se elas refle-
denúncias, o que não tem o respaldo da tissem a qualidade técnica do jornal. Em
imprensa de grande porte. Então, para con- conseqüência desse trabalho, os jornais vêm
quistar esse público e sua credibilidade, e, sendo riquíssimo material de pesquisa his-
em conseqüência, o anunciante, que garante tórica sobre seus municípios e a cultura de
a existência da empresa, os proprietários de seus cidadãos, podendo servir de documento
jornais passaram a utilizar seus veículos como para diversas áreas do conhecimento, tais
instrumento de luta das comunidades, atra- como Sociologia, Arquitetura, Medicina,
vés de um trabalho associativo, que visa o Engenharia, História, entre outras.
bem comum. Para tanto, aqueles que tinham Destaca-se, ainda, na prática do jornalis-
posicionamento político partidário tiveram mo interiorano a solidariedade e amizade
que abrir mão de seus comprometimentos e entre os leitores e os jornalistas, além de um
adotar uma postura imparcial e neutra, aten- forte sentimento de vizinhança e bairrismo.
dendo, assim, a todos os segmentos da Há uma cumplicidade entre as partes no que
comunidade. diz respeito à defesa de interesses da comu-
Essa estratégia levou os jornais a nidade. Em contrapartida, essa amizade in-
adotarem normas do jornalismo informativo, terfere na prática do Jornalismo Informativo
através da produção de matérias objetivas, quando a honra de um cidadão está em jogo.
imparciais e neutras, que buscam contemplar Assim, fofocas são inadmissíveis, bem como
a posição de todos os lados envolvidos na a divulgação da intimidade de qualquer leitor,
notícia, e da divulgação ampla dos fatos que especialmente na área sexual.
ocorrem nos mais variados segmentos que A cumplicidade entre os jornalistas e
compõem uma comunidade, pois esta, inde- leitores cria-se e fortalece-se especialmente
pendente da localidade, revelou-se contrária em jornais com tiragens inferior a 20 mil
à omissão dos veículos em torno de deter- exemplares. Isto porque os próprios diretores
minados fatos, o que, no passado, era uma dos jornais e jornalistas participam da dis-
constante. tribuição, levando o jornal porta a porta,
Entendendo por comunidade uma área conversando todos os dias com os leitores
geográfica caracterizada pela afinidade de e trocando idéias sobre os mais variados
valores e ambições de uma determinada assuntos. Além disso, os jornalistas são
população, com a mesma tradição, costumes convidados para os aniversários, casamentos,
e interesses, além da consciência da parti- nascimentos, congratulações, coquetéis, bai-
cipação em idéias e valores comuns, os les, chás, etc. Também precisam estar pre-
jornalistas do Interior gaúcho procuram sentes nos velórios e outras situações de dor
diariamente informar-se e participar das ações e tristeza. Por estas razões, entre outras da
da comunidade, não só divulgando os fatos mesma natureza, os leitores do Interior têm
que a envolvem, mas decidindo e buscando uma afeição especial pelo jornalista da ci-
recursos para que as reivindicações se con- dade e seu jornal. Faz parte da rotina da casa
cretizem, bem como para que essa mesma vê-lo sobre a mesa, de manhã bem cedo,
comunidade aumente gradativamente sua mesmo que seja lido só no final da tarde.
qualidade de vida, nos mais variados aspec- Esta situação, no entanto, quase que
tos, e sua consciência de cidadania. impossibilita o jornalismo investigativo no
Desta forma, o jornalista interiorano é Interior do Estado quando autoridades ou
também um líder comunitário, respeitado e lideranças estão envolvidas em irregularida-
JORNALISMO 39

des. Os jornalistas preferem deixar este tra- ma inesperado: os jornalistas não querem
balho para os correspondentes de jornais da trabalhar no Interior e, os poucos que que-
grande imprensa. Os detalhes só são divul- rem, não estão preparados para exercer todas
gados após a condenação do réu por um as funções que uma redação do Interior exige.
Tribunal. Na busca da conquista do público Além disso, os profissionais falam uma
e do anunciante, os jornais tiveram que buscar linguagem diferente da realidade vivida pelos
qualidade na produção do jornal, acompa- empresários de jornais de menor porte finan-
nhando o padrão das grandes empresas ceiro. Para grande número de jornalistas, o
jornalísticas, que determinam as normas do empresário da comunicação é visto como o
mercado. Qualificaram-se, então, tecnologica- “inimigo”, que quer explorar a mão-de-obra
mente, através da aquisição de máquinas especializada, de maneira que só ele lucre
rotativas, para a impressão do jornal, e de e enriqueça às custas do trabalho do jorna-
computadores, para a produção editorial. lista. Estabeleceu-se, então, um dilema: o
Assim, melhoraram a apresentação dos ve- mercado de trabalho na capital gaúcha está
ículos. saturado, portanto, não existe emprego para
Novas tecnologias requerem mão-de-obra os novos jornalistas na região metropolitana.
qualificada. O Interior, no entanto, não es- O mercado de trabalho abriu-se no Interior,
tava preparado, em matéria de formação de mas grande parte dos profissionais à procura
recursos humanos, para acompanhar a evo- de emprego não está qualificada para atuar
lução industrial do setor. Os empresários nesse segmento. Um grupo menor está pron-
tiveram de improvisar. Sem recursos e com to para atuar em qualquer setor, mas os
a receita comprometida com a compra dos salários oferecidos não compensam o inves-
equipamentos as opções eram poucas. Alguns timento realizado para formação profissional.
contrataram profissionais da capital gaúcha Buscando uma saída, os grupos começam
para ensinar seus funcionários. Outros envi- a conversar para ver se encontram uma so-
aram os funcionários para Porto Alegre para lução. Basicamente, os jornalistas pedem um
que aprendessem as novas tecnologias. salário mais digno; os empresários pedem
Outros, ainda (a maioria), aprenderam na base profissionais mais qualificados. Intermediando
da tentativa do erro e acerto. Observamos esta polêmica, estão as Faculdades de Jorna-
que estas opções não deram grandes resul- lismo. Até o momento, preparam os profis-
tados. É necessária uma formação de médio sionais, intelectual e tecnicamente, para
e longo prazo, especialmente na área jorna- atuarem em empresas de grande porte
lística. Ou seja, a formação universitária em econômico, onde cada profissional exerce
Jornalismo passou a ser uma necessidade, pois apenas uma função e trabalha de acordo com
podemos constatar que a qualidade do jornal a legislação, elaborada para atender direitos
é diretamente proporcional à presença de de trabalhadores metropolitanos.
jornalistas formados nas redações dos jornais. Para que o impasse seja resolvido, é ne-
Apesar da constatação ter sido feita por cessário partir de conhecimentos básicos, que
todos os proprietários de jornais, a maioria determinam a prática do jornalismo interiorano,
não considerou importante investir na qua- atualmente representando um promissor mer-
lidade do profissional. Nem mesmo o jornal cado de trabalho no Rio Grande do Sul.
NH, localizado a 40 quilômetros de Porto O sucesso do produto junto aos consu-
Alegre, valoriza os bons jornalistas, manten- midores dentro de um mercado altamente
do em sua redação 50% de pessoas sem competitivo depende de algumas medidas
formação universitária e estudantes de Jor- práticas para sua produção, tendo como
nalismo, em regime de estágio, proibido pela referencial a Os jornalistas preferem deixar
lei que regulamenta a profissão. Outros, no este trabalho para os correspondentes de
entanto, perceberam a importância da pre- jornais da grande imprensa. Os detalhes só
sença de jornalistas para produção de seus são divulgados após a condenação do réu por
jornais e buscaram contratar profissionais da um Tribunal.
capital gaúcha, onde se concentravam, até a Na busca da conquista do público e do
metade da década, as Faculdades de Jorna- anunciante, os jornais tiveram que buscar
lismo. Depararam-se, então, com um proble- qualidade na produção do jornal, acompa-
40 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

nhando o padrão das grandes empresas empresários de jornais de menor porte finan-
jornalísticas, que determinam as normas do ceiro. Para grande número de jornalistas, o
mercado. Qualificaram-se, então, tecnologica- empresário da comunicação é visto como o
mente, através da aquisição de máquinas “inimigo”, que quer explorar a mão-de-obra
rotativas, para a impressão do jornal, e de especializada, de maneira que só ele lucre
computadores, para a produção editorial. e enriqueça às custas do trabalho do jorna-
Assim, melhoraram a apresentação dos ve- lista.
ículos. Estabeleceu-se, então, um dilema: o
Novas tecnologias requerem mão-de-obra mercado de trabalho na capital gaúcha está
qualificada. O Interior, no entanto, não es- saturado, portanto, não existe emprego para
tava preparado, em matéria de formação de os novos jornalistas na região metropolitana.
recursos humanos, para acompanhar a evo- O mercado de trabalho abriu-se no Interior,
lução industrial do setor. Os empresários mas grande parte dos profissionais à procura
tiveram de improvisar. Sem recursos e com de emprego não está qualificada para atuar
a receita comprometida com a compra dos nesse segmento. Um grupo menor está pron-
equipamentos as opções eram poucas. Alguns to para atuar em qualquer setor, mas os
contrataram profissionais da capital gaúcha salários oferecidos não compensam o inves-
para ensinar seus funcionários. Outros envi- timento realizado para formação profissional.
aram os funcionários para Porto Alegre para Buscando uma saída, os grupos começam
que aprendessem as novas tecnologias. a conversar para ver se encontram uma
Outros, ainda (a maioria), aprenderam na base solução. Basicamente, os jornalistas pedem
da tentativa do erro e acerto. um salário mais digno; os empresários pe-
Observamos que estas opções não deram dem profissionais mais qualificados.
grandes resultados. É necessária uma forma- Intermediando esta polêmica, estão as Facul-
ção de médio e longo prazo, especialmente dades de Jornalismo. Até o momento, pre-
na área jornalística. Ou seja, a formação param os profissionais, intelectual e tecni-
universitária em Jornalismo passou a ser uma camente, para atuarem em empresas de grande
necessidade, pois podemos constatar que a porte econômico, onde cada profissional
qualidade do jornal é diretamente proporci- exerce apenas uma função e trabalha de
onal à presença de jornalistas formados nas acordo com a legislação, elaborada para
redações dos jornais. atender direitos de trabalhadores metropoli-
Apesar da constatação ter sido feita por tanos.
todos os proprietários de jornais, a maioria Para que o impasse seja resolvido, é
não considerou importante investir na qua- necessário partir de conhecimentos básicos,
lidade do profissional. Nem mesmo o jornal que determinam a prática do jornalismo
NH, localizado a 40 quilômetros de Porto interiorano, atualmente representando um
Alegre, valoriza os bons jornalistas, manten- promissor mercado de trabalho no Rio Grande
do em sua redação 50% de pessoas sem do Sul.
formação universitária e estudantes de Jor- O sucesso do produto junto aos consu-
nalismo, em regime de estágio, proibido pela midores dentro de um mercado altamente
lei que regulamenta a profissão. Outros, no competitivo depende de algumas medidas
entanto, perceberam a importância da pre- práticas para sua produção, tendo como
sença de jornalistas para produção de seus referencial a exigência do público do Inte-
jornais e buscaram contratar profissionais rior. Primeiro, o noticiário deve privilegiar
da capital gaúcha, onde se concentravam, até os acontecimentos locais, não divulgados
a metade da década, as Faculdades de Jor- pelos veículos com circulação estadual,
nalismo. Depararam-se, então, com um pro- abrangendo todas as áreas de atuação de uma
blema inesperado: os jornalistas não querem comunidade, de maneira que o leitor reco-
trabalhar no Interior e, os poucos que que- nheça a comunidade na leitura do jornal.
rem, não estão preparados para exercer todas Atualmente, 75% dos assinantes identificam
as funções que uma redação do Interior exige. a comunidade na leitura do jornal.
Além disso, os profissionais falam uma lin- Além do noticiário local, Educação, Saúde
guagem diferente da realidade vivida pelos e Turismo são temas que devem merecer
JORNALISMO 41

maior investimento dos jornalistas, tanto em PARCIAIS na cobertura desses setores. A


qualidade quanto em quantidade. Atualmente, política editorial adotada pelo Diário Popu-
nenhum jornal do Interior investe na divul- lar, de Pelotas, serve de exemplo para todo
gação do turismo estadual, nacional e inter- o Estado, pois 95,5% de seus assinantes
nacional. Também é quase indispensável que julgam esse jornal IMPARCIAL em todos os
os jornais dêem cobertura aos acontecimen- setores.
tos que envolvem os municípios vizinhos ao Os jornalistas que atuam na produção dos
município-sede, caracterizando, assim, o periódicos devem intensificar o contato com
noticiário regional, aspiração da maioria dos seus leitores, conquistando sua confiança,
leitores. através de um convívio maior, e, também,
É recomendável que os jornais adotem com a assinatura de seus nomes nas matérias
páginas específicas para a divulgação de publicadas, o que atualmente é pouco uti-
pequenos anúncios, com preços populares, o lizado no Interior. Mais da metade dos lei-
que determina a seção “Classificados”, apro- tores não conhece quem produz o jornal.
vada por 82% dos leitores. Desde que mantida regularidade, a peri-
A “Coluna Social” deve ser repensada, odicidade de um jornal não influi no con-
pois apresenta um alto índice de rejeição por ceito formulado pelo público. A grande
parte dos leitores. Nota-se que esta rejeição maioria aceita a periodicidade estabelecida
diminui em comunidades onde ela é produ- pelas empresas. Há, no entanto, em cidades
zida mais democraticamente, do ponto de maiores, uma tendência para os diários e
vista econômico, ou seja, onde não se cobra trissemanários. Para o leitor gaúcho os jor-
para anunciar os acontecimentos sociais. nais comunitários são bons, muito bons e
Mesmo assim, ela deve ser mais abrangente, excelentes, enquanto os jornalistas recém
evitando a divulgação dos mesmos persona- formados entendem que eles são péssimos,
gens durante o ano inteiro. No Rio Grande muito ruins ou ruins porque só se preocupam
do Sul, é inexplicável que a coluna social com o noticiário local.
não dê espaço para festas com teor tradici- O preço da assinatura anual dos jornais
onalista, geralmente realizadas em Centros é aprovado por quase 70% dos assinantes.
de Tradição Gaúcha ou em propriedades O semanário custa, em média, R$31,00; o
rurais. bissemanário, R$ 56,00; o trissemanário, R$
A cobertura de temas que envolvem 74,00; e o diário, R$ 110,00. O preço de capa,
Religião ou Misticismo tem a aprovação de independente da periodicidade, é
36% dos leitores gaúchos, independentemen- comercializado atualmente a R$ 0,50. O
te da cultura da comunidade, índice pequeno centímetro por coluna da página
se comparado com os índices de preferência indeterminada custa, em média, R$ 4,12.
por outras áreas. Todavia, o percentual é Também independentemente da periodicida-
bastante elevado em relação a diversas seções de, os jornais devem ter, em média, 20
da maioria dos jornais, o que deve ser páginas. Quanto maior o jornal, maior o
considerado pelos produtores de jornais do interesse do leitor.
Interior. O noticiário nacional e internacional A cor não é uma exigência dos leitores,
não é uma exigência do leitor, pelo contrá- mas, no curso natural da história, em pouco
rio, podem inexistir nessas publicações. tempo os jornais do Interior adotarão, pelo
É recomendável que todos os jornais menos, duas cores na capa e contracapa, como
publiquem “charges”, pois elas são aprova- está acontecendo em diversos municípios.
das por 71,4% dos leitores. A cobertura da Essa característica melhora o layout dos
área política e de atividades que envolvem periódicos e atrai os leitores, especialmente
as ações da prefeitura devem ter um cuidado os anunciantes.
especial para que se mantenham imparciais Nenhum jornal do Interior comercializa
em relação à divulgação dos fatos, pois elas mais do que 40% da área útil do corpo
são as grandes responsáveis pelo julgamento principal do jornal. Esta medida é aprovada
dos leitores quanto à imparcialidade dos por 71% dos leitores. A falta de profissionais
jornais. Quase a metade dos assinantes de preparados para produção de fotografias
jornais do Interior considera os veículos resulta no pouco uso desse recurso visual.
42 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Em muitos casos, inclusive, a qualidade das Para trabalhar ou comandar um jornal no


fotografias é péssima. No entanto, 73% dos Interior, o jornalista precisa ter “espírito
leitores estão satisfeitos com a quantidade e comunitário e político”, o que significa dizer
qualidade de fotografias publicadas. envolver-se na luta de reivindicações da
Quase 70% dos assinantes do Interior comunidade, acompanhando seus líderes em
lêem outra publicação, além do jornal local. audiências públicas, participando de passe-
Os dois jornais que têm a preferência desses atas, protestos, seminários, congressos, pro-
leitores são o Correio do Povo e a Zero Hora, movendo encontros culturais, sociais e edu-
cada um detendo 30% dos assinantes dos cacionais, etc.
jornais interioranos. Do ponto de vista de formação, o jor-
Outros 30% lêem apenas o jornal local. nalista precisa ter capacidade de praticar todas
As revistas Veja e Isto É são as que têm a as funções jornalísticas que a produção de
preferência do leitor do interior do Rio um jornal exige, além de saber administrar
Grande do Sul. A primeira, com 19% da uma empresa e comercializar seu produto,
preferência; a segunda, com 11,6% dos cabendo às Faculdades de Jornalismo gaú-
assinantes de jornais locais. chas repensarem seus currículos de maneira
Portanto, os números revelam que não há a atender o mercado de trabalho. Como está,
necessidade do jornal local competir com apenas 3% dos jornalistas formados sentem-
esses jornais, através da cobertura de temas se preparados para desenvolver oito funções
de ordem estadual, nacional e internacional. básicas: reportagem, redação, copidesque,
Inclusive, porque, segundo pesquisa, os lei- edição, diagramação, fotografia, revisão e
tores não têm interesse pela leitura dessas direção. A grande maioria está pronta para
áreas nos jornais da cidade. O formato desse ser repórter, redator e editor, e 50% acre-
segmento da imprensa escrita é o tablóide, ditam que têm conhecimento suficiente para
com 38 centímetros de altura por 28 cen- também assumirem a direção (administração)
tímetros de largura. Por força do mercado de um jornal.
publicitário, que prepara o fotolito de seus O problema maior, no entanto, é o total
anúncios em cinco colunas, número utilizado desconhecimento dos jornalistas sobre o
pelos jornais da capital gaúcha, é recomen- mercado de trabalho no interior do Estado.
dável que os jornais do Interior sejam Conforme levantamos, através de questioná-
diagramados também em cinco colunas, rio, 63% dos novos jornalistas não conhecem
apesar de predominar, atualmente, seis co- nada sobre os jornais do Interior. Cerca de
lunas. 32% não estariam dispostos a lutar pelo
Conforme registram os livros da história desenvolvimento do jornalismo interiorano,
da imprensa gaúcha, resumidamente relatada apesar de 95% estarem dispostos a praticar
no início dessa tese, em 1930, 80% dos a profissão no Interior, se convidados fos-
jornais gaúchos tinham tiragem de até 5.000 sem.
exemplares. Em 1998, em média, os jornais Somente 15% dos novos jornalistas têm
do Interior trabalham com uma tiragem de conhecimento de que a informática já se
2.600 exemplares, excetuando cidades com estabeleceu na imprensa interiorana. Cerca
mais de 200 mil habitantes. Nestas, em média, de 75% acreditam que os textos jornalísticos
a tiragem é de 24.600 exemplares e a pe- são feitos em máquinas de escrever manual.
riodicidade predominante é a diária. Além disto, apenas 7,5% deles entendem que
A receita mensal dos jornais semanários, os empresários da comunicação interiorana
bissemanários e trissemanários varia de R$ são bons. O restante apresenta um julgamen-
4.800,00 a R$ 25.000,00, dependendo da to preconceituoso.
força econômica de cada município. Os Quase 70% dos formandos acham que os
diários têm uma receita média mensal mí- donos de jornais estão comprometidos par-
nima de R$ 30.000,00 e, máxima, de R$ tidariamente em seus municípios. A ida dos
800.000,00. Em média, 9% provêm de anún- jornalistas para o Interior, portanto, tem
cios públicos, o que garante a independência algumas imposições incomuns na capital.
e autonomia política e econômica dos jor- Setenta por cento só fariam isso por um
nais. salário superior a R$ 1.000,00; 27% trabalha-
JORNALISMO 43

riam numa faixa de R$ 700,00 a R$ 1000,00 jornais apresentam peculiaridades, como é o


e 3% só iriam para o Interior por mais de caso do Revisão, de Osório. Ele tem uma
R$ 10.000,00. Com estes salários, 16% dos página para assuntos de interesse das mu-
profissionais estariam dispostos a ser repór- lheres, como gravidez, parto, doenças femi-
ter; 78% trabalhariam como redatores; 73% ninas, etc. O Revisão também dedica uma
seriam editores; quase 51% gostariam de atuar página exclusiva para crianças, assim como
como diretores dos jornais. o Riovale Jornal, de Santa Cruz do Sul.
Para atuarem nessas funções no Interior, Um dos jornais, o Liberal, de Santa
a maioria estaria disposta a trabalhar até 8 Vitória do Palmar, não publica matérias do
horas diárias. Quase 15% aceitariam traba- setor econômico e da política. Raramente
lhar 5 horas; 25% trabalhariam 6 horas; 11%, divulga notícias de Educação e Cultura, sendo
7 horas; 39%, 8 horas; 1,6%, 9 horas; e 8% uma característica única entre os jornais
trabalhariam 10 horas por dia. A prática pesquisados.
mostra que os jornalistas não trabalham mais O bissemanário Farroupilha, da cidade de
que cinco horas diárias. Farroupilha, investe na grande reportagem e
Dois motivos especialmente impediriam na investigação no setor de Esporte. Esse
a maioria desses jornalistas de praticarem a jornal tem uma excelente qualidade jornalís-
profissão no Interior: carência cultural e tica, no entanto, a maioria de seus leitores,
insatisfação social. Quase 40% não iriam para diferentemente dos demais, considera o jor-
o Interior por razões emocionais e famili- nal de muito ruim a regular, opinião bastante
ares, mesmo que os salários fossem bons. Do incomum entre os assinantes de jornais do
ponto de vista técnico, as redações do In- Interior.
terior apresentam semelhanças que abrangem Excetuando os diários, também é comum
a totalidade dos jornais. o uso de gírias, jargões, provérbios e luga-
Para a diagramação, dois programas estão
res-comuns nos textos dos jornais. As regras
sendo utilizados: o Word e o Page Maker.
gramaticais do Português, de maneira geral,
Sem o conhecimento deles, os jornalistas não
não são respeitadas e muitas frases são de
estarão aptos a trabalhar em um jornal do
difícil compreensão. As fotografias e a
Interior. Quanto aos objetivos políticos dos
diagramação ainda não podem ser conside-
empresários, observa-se um comprometimen-
radas boas. A editoria de Polícia, em quase
to com o bem comum da comunidade, o que
todos os jornais, não tem uma boa cobertura,
significa apoiar as reivindicações de todos
destacando-se a ausência de entrevistas e
os partidos políticos, desde que em prol da
esclarecimentos sobre crimes.
comunidade. Assim, não é possível atuar com
preferências partidárias. Há, no entanto, uma característica comum
Quanto ao conteúdo dos jornais, as áreas a todos os jornais: respeito ao Código de Ética
em destaque e os temas divulgados são bastante dos Jornalistas. Pela pesquisa que realizamos,
semelhantes. Praticamente todos eles dedicam acreditamos que poucas vezes se praticou o
80% do espaço destinado aos textos para as denuncismo e a invasão de privacidade no
reportagens informativas. O gênero opinativo Interior do Estado nos anos 90.
ocupa cerca de 20% do espaço jornalístico. O comportamento do leitor, independen-
Os temas abordados também são seme- temente de cultura, também é bastante se-
lhantes. Todos os jornais registram os acon- melhante. Se se sentem ofendidos com al-
tecimentos que envolvem a comunidade na guma notícia, ameaçam os redatores dos
economia, política, polícia, esporte, cultura, jornais e manobram para que o maior nú-
educação e área rural. Além disto, todos mero possível de anunciantes deixe de anun-
trabalham com a coluna social, responsável, ciar no periódico. Portanto, os jornalistas
também, por informações de cultura e lazer, devem ter todo cuidado para redigir qualquer
como cinema, festas, livros, bailes, televisão, informação, sob pena de provocarem o fe-
etc. Apenas 6% dos jornais têm espaço fixo chamento do jornal.
para Religião. Diante de tais características, concluímos
Somente os diários trabalham com o que o Interior realmente representa um
noticiário nacional e internacional. Alguns mercado de trabalho em potencial, tanto para
44 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

empregar jornalistas quanto para se investir Por outro lado, os jornalistas precisam se
na abertura de novos jornais. No entanto, para qualificar em algumas áreas, obtendo maior
que esse mercado passe a ser uma realidade, conhecimento sobre administração empresa-
os empresários do Interior devem valorizar rial, publicidade, programas de editoração
mais a qualidade de seus profissionais, in- eletrônica e fotografia. Além disso, neces-
vestindo especialmente no diagramador, sitam de maior compreensão sobre a forma
fotógrafo e bons repórteres. Condições de vida de pequenas comunidades para que
econômicas não faltam. possam interagir com elas.
JORNALISMO 45

Bibliografia2 Gomes, Pedro Gilberto. O Jornalismo


Alternativo no projeto popular. São Paulo,
Almeida, Gastão Thomaz de. Imprensa Edição Paulinas, 1990.
do Interior, Um Estudo Preliminar. São Paulo, Jobim, Danton. Espírito do Jornalismo.
Convênio IMESP/DAESP, 1983. São Paulo, Com-Arte; Edusp, 1992. (Coleção
Clássicos do Jornalismo Brasileiro).
Bahia, Juarez. Três fases da imprensa
Melo, José Marques de; Galvão,
brasileira. Santos, Editora Presença, 1960. Waldimas (org.). Jornalismo no Brasil Con-
_________. Jornal, História e Técnica. temporâneo. São Paulo, CJEECA/USP, 1984.
São Paulo, Ibrasa, 1972. 4ª ed. Ampliada, São Rüdiger, Francisco. Tendências do Jor-
Paulo, Ática, 1992. nalismo. Porto Alegre, Editora da Universi-
Bueno, Wilson da Costa. Caracterização dade, 2ª ed., 1998.
de um objeto-modelo conceitual para a análise
_______________________________
da dicotomia imprensa industrial/imprensa 1
POC/RS – Pontifícia Universidade Católica
artesanal no Brasil. São Paulo, 1977, 440p. do Rio Grande do Sul, Brasil.
Dissertação de Mestrado em Jornalismo, Uni- 2
Bibliografia resumida para fins de publica-
versidade de São Paulo. ção científica.
46 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 47

Jornalismo na Web: Desenho e Conteúdo


Claudia Irene de Quadros1 e Itanel de Bastos Quadros Junior2

Introdução Sinergia

É impossível dissociar desenho e conteú- Na opinião de Elias Machado, professor


do de qualquer produto jornalístico, pois um da Universidade Federal da Bahia, “o jor-
depende do outro para conquistar e garantir nalista deve operar em perfeita sintonia com
a fidelidade do seu leitor. A primeira impres- o departamento de tecnologia das organiza-
são do jornal, boa ou ruim, fica por conta ções para poder projetar soluções adequadas
do layout. De que adianta, entretanto, apre- tanto às demandas do processo produtivo,
sentar ao leitor um planejamento visual quanto às dos participantes do sistema de
atraente se o conteúdo não prende a sua produção descentralizada de conteúdos.”7
atenção? A questão pode parecer óbvia, mas (MACHADO, 2003) Aqui ressalta-se que o
hoje são muitos os jornais impressos que jornalista deve estar em sintonia com todas
lutam para encontrar o equilíbrio entre de- as áreas envolvidas na produção, na orga-
senho e conteúdo. No entorno das redes nização e na disseminação de conteúdos, pois
digitais, a harmonia entre o design e o é da fusão de conhecimentos que agrega-se
conteúdo é uma condição sine qua non dos valor ao diário digital.
sites no Estado da Arte3, aqueles que explo-
O sociólogo Laymert Garcia dos Santos,
ram as múltiplas possibilidades oferecidas
professor da Unicamp (SP) e autor do livro
pelo meio. A arquitetura web exige que verbal
“Politizar Novas Tecnologias”, enfatiza que
e não verbal se fundam para criar uma lin-
o maior problema da Internet não está no
guagem própria do ciberespaço, dando a
acesso à informação, “mas o da capacidade
liberdade de escolha e/ou construção do
de transformá-la em conhecimento valioso”.8
próprio caminho. “Uma das contribuições
mais extraordinárias da Internet é permitir (COLOMBO, 2004). Cabe assinalar que o
a qualquer um, em caráter individual ou acesso à internet no Brasil é fundamental e
institucional, vir a ser produtor, intermedi- há necessidade de implementar políticas para
ário e usuário de conteúdos”4 (BARRETO, a democratização da rede mundial de com-
2000). putadores. Segundo dados da ONU divulga-
Entende-se aqui por conteúdo a definição dos no início de 2004, o Brasil ocupa a 65ª
apresentada no Livro Verde da Sociedade da posição entre os países com maior acesso
Informação do Brasil:“Os produtos e ser- digital.
viços de informação – dados, textos, ima- Na tentativa de otimizar recursos, algu-
gens, sons, software etc.- são identificados mas empresas de comunicação reorganizam
na rede com o nome genérico de conteúdos. as rotinas produtivas dos jornais e adotam
Conteúdo é tudo que é operado na rede”.5 soluções tecnológicas ao processo de cri-
(TAKAHASHI, 2000) No entanto, para que ação de conteúdos. No México, o Grupo
a estrutura hipermedial possa fluir no Milênio utiliza um processo de trabalho
ciberspaço é necessário romper com mode- comum para todos os seus veículos, com
los convencionais de produção, organização uma só Redação. El Observador, de Mon-
e disseminação desses conteúdos. No jorna- tevidéu, também segue esse tipo de gestão.
lismo digital, depois de quase uma década “Sua principal virtude: a sinergia entre a
do boom dos diários na World Wide Web6, edição em papel e a versão digital. Uma
registra-se mudanças nas rotinas produtivas mesma redação, integrada, produz com êxito
e, como consequência, surgem novas propos- o jornal e o Observa, a maior web infor-
tas no trabalho em rede. mativa do Uruguai”.9 (AMARAL, 2003).
48 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Gazeta do povo despertando a atenção dos diretores do jor-


nal. “O projeto Integração nasce com a
A Gazeta do Povo Online10, criada em proposta de levar alguns jornalistas do Portal
meados da década de 90, também adotará Tudo Paraná para otimizar recursos da
esse modelo de gestão. Ainda no primeiro empresa e, sobretudo, para divulgar tendên-
semestre de 2004, a Gazeta do Povo Online cias da Internet entre todos os membros da
implementará o Projeto Integração, que prevê redação do diário impresso”13, destaca Silvia
a fusão das redações do jornais impresso e Zanella, editora do Portal Tudo Paraná, ao
digital. Pertencente ao Grupo RPC – Rede relatar estratégias da empresa para capacitar
Paranaense de Comunicação, a versão digital todos os jornalistas na área da internet.
do maior jornal de circulação do Estado é Para Claudia Belfort, a internet possibi-
um dos produtos oferecidos pelo portal Tudo lita a disponibilização da grande gama de
Paraná, que por sua vez está abrigado no conteúdo que a redação do jornal impresso
Globo.com, portal que reúne todo os veícu- produz e não publica por falta de espaço.
los das Organizações Globo e afiliadas. São fotos, trechos de gravações de entrevis-
Atualmente, da equipe formada por 22 tas, infografias e outros conteúdos que podem
pessoas na redação e três no comercial do ser disponibilizados na versão digital. “Nes-
portal Tudo Paraná, cinco redatores e um se sentido, evoluímos muito na Gazeta do
editor são exclusivos da Gazeta do Povo Povo Online. Já há rotinas em editorias como
Online. O site jornalístico ainda transpõe para Esportes, Paraná, Fun e Gazetinha que
a rede 90 por cento do conteúdo produzido publicam no site um conteúdo ampliado e
pelos jornalistas da Gazeta do Povo, a versão interagem com o leitor”.14
impressa. Algumas reportagens não são A coordenadora de produção de conteú-
veiculadas por questões técnicas, diferenças dos do Portal Tudo Paraná entende que a
entre programas usados pela redação do versão digital de um jornal impresso deve
impresso e da digital. Outras por razões oferecer “uma boa arquitetura da informa-
contratuais, há colunas de agências que não ção, boa navegabilidade e conteúdos do diário
podem ser publicadas no site. Alguns con- em papel, mas principalmente proporcionar
teúdos – como Caderno Especiais e Arquivo ao leitor informações e ações próprias para
– só os assinantes do jornal têm acesso. “É o ciberespaço”. 15
uma forma de privilegiar os que pagam pelo
jornal, pois a versão digital é gratuita””11, Webdesign
comenta a jornalista Claudia Belfort, coor-
denadora de produção de conteúdos da Gazeta Duas webdesigners são responsáveis pela
do Povo Online e do Portal Tudo Paraná. versão impressa da Gazeta do Povo Online.
Agora, em março de 2004, na primeira fase Ambas afirmam que pesquisam muito na
da implementação do Projeto Integração, internet exemplos para adotar no site e que
Claudia Belfort também assumiu o cargo de também arriscam um pouco para inovar.
Editora Chefe da Gazeta do Povo, a versão Aliás, os webdesigners encarregados da
impressa. criação e manutenção dos sites jornalísticos
Para a equipe da redação digital, a pro- são cada vez mais instigados a desenvolve-
moção de Claudia Belfort é um reconheci- rem modelos que atendam às demandas dos
mento do trabalho desenvolvido na internet. usuários, no que tange especificamente à
Vale destacar que o primeiro jornalista res- forma e à funcionalidade ou “usabilidade”.
ponsável pela Gazeta do Povo Online, Este desafio se expande com a
Arnaldo Cruz, é atualmente o diretor do jornal obrigatoriedade de se encaminharem soluções
impresso. “No início da redação do jornal de design que propiciem uma navegação dita
digital tudo era muito simples: existia uma amigável (friendly), e com conteúdos que
abertura e uma lista de notícias, como fazem possam satisfazer tanto aqueles que têm
as agências de notícias”12. A Gazeta do Povo acesso a Internet via modem quanto aos mais
Online sempre funcionou com uma equipe privilegiados com provedores em banda larga.
reduzida de produção de conteúdos, mas o A Gazeta do Povo Online, objeto da
processo de trabalho desenvolvido vem presente investigação, se esforça em atender
JORNALISMO 49

a algumas dessas premissas postas no cha- de navegar, dar uma ‘olhada’ sem ler
mado estado da arte do gênero. O site oferece muito. Se a informação não se apre-
os conteúdos comuns da versão impressa com senta de forma rápida e atrativa, as
algumas restrições já abordadas anteriormen- pessoas se aborrecem e vão embora,
te, mas também apresenta outros produzidos sem vontade de voltar.16 (BLACK,
exclusivamente para versão digital, caracte- 1998)
rística que o coloca em um estágio mais
avançado dentro do gênero. Alguns enlaces Continuando a análise da página inicial
do site (arquivo de edições anteriores, por do site, outra coluna estreita, mais à direita
exemplo) são de acesso privativo dos assi- da interface gráfica encerra quadros com
nantes da versão em papel, exigindo uma enlaces para colunas fixas do veículo e
senha para o franqueamento da navegação também para outros destaques da edição. Esta
e conseqüente visualização de conteúdos oferta visual direta facilita a tomada de
solicitados. decisão do visitante em seguir na direção dos
A página inicial (homepage) se organiza conteúdos de seu maior interesse. Como fecho
numa grade com quatro colunas, sendo que da composição das informações na grade
a primeira – à esquerda – abriga o menu com gráfica da homepage, está uma quarta coluna
enlaces diretos às editorias e cadernos es- – um pouco mais larga e que se repete
peciais da versão impressa. Uma coluna mais praticamente em todas as páginas interiores
larga na área central da interface acolhe a do site – reservada à publicidade (banners,
manchete principal e uma foto que normal- animações, enlaces a hotsites e/ou sites
mente também está estampada na capa da promocionais). Esta é uma solução de layout
edição impressa. Logo acima aparece um observada em muitos produtos online do
enlace de texto com uma chamada de notícia gênero (revistas e jornais) porque propicia
de última hora direto da redação (com o uma inserção mais fácil da mensagem pu-
horário de atualização), uma informação blicitária, com um destaque adequado e
essencial em um site noticioso. As manche- mesmo modulado no contexto da página e,
tes secundárias do dia por temática/editorias ainda, evita a mescla indesejável do conteú-
(economia, Brasil, política etc.) se distribu- do jornalístico com o espaço comercial do
em com enlaces de texto na parte abaixo da veículo. No entanto, durante a investigação
foto, numa extensão vertical que de no se observou que a comercialização desses
máximo duas telas e meia, que obriga o ambientes gráficos ainda é falha – reflexo
usuário a utilizar a barra de rolagem (scroll) talvez da baixa credibilidade da parte dos
para a visualização. Ainda que esta propor- anunciantes sobre a real efetividade da
ção seja considerada adequada por diversos publicidade no meio digital – e em páginas
expertos em desenho web, o famoso designer interiores do site esta coluna aparece em
americano Roger Black e seus sócios espa- branco, desequilibrando visualmente a
nhóis, Eduardo Danilo e Javier Creus cha- interface.
mam a atenção para o comportamento dos Na parte superior da homepage, se en-
usuários na www diante de páginas muito contram três áreas horizontais retangulares
extensas no sentido longitudinal, indicando que ocupam cerca de um terço da dimensão
possíveis soluções para uma melhor apresen- vertical da tela de abertura (excetuando os
tação visual dos conteúdos: limites das bandas e recursos da janela do
navegador). A primeira área, na parte supe-
Não nos enganemos, ninguém lê tudo. rior, organiza uma barra de navegação mí-
A maioria das pessoas lê somente a nima de acesso ao portal TudoParaná, onde
primeira metade da primeira página está abrigado o site da Gazeta do Povo Online
de um jornal impresso e a maioria dos com enlace à página inicial a partir do
internautas não gosta de ‘deslocar-se’ logotipo, oferta de acesso grátis ao visitante,
pela tela. Em geral, é melhor usar e-mail, visor com menu desdobrável que
botões, trabalhar a organização visual oferece acesso aos diversos canais do portal
do website, arranjando o conteúdo em e um último visor com uma máquina de busca
pequenas partes. Os usuários gostam (search machine) de assuntos.
50 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A segunda área, logo abaixo da primeira enviados diariamente ao seu e-mail conteú-
barra de navegação relatada anteriormente, traz dos selecionados das editorias de sua pre-
um “cabeçalho” já tradicional em publicações ferência). As lapelas apresentam uma dimen-
digitais do gênero jornalístico, destacando um são menor que a do logotipo e dividem espaço
banner interativo, normalmente com anima- com um calendário identificado pelas inici-
ções que tentam atrair a atenção do visitante, ais dos dias da semana (S, T, Q, Q, S, S)
suportando mensagem publicitária. Em ambos e a data da edição.
os lados do banner – nos extremos esquerdo As páginas internas do site mantêm a
e direito da interface – duas “caixas” ofere- consistência de design observada na página
cem enlaces a conteúdos que podem ser de inicial (homepage), incluindo por vezes al-
interesse objetivo do visitante do site, e servem gumas adaptações pontuais, como sub-me-
como aliciantes visuais e/ou oferta tempestiva nus específicos para a temática ou o
de conteúdo, dado o posicionamento no ar- redimensionamento das colunas que estrutu-
ranjo gráfico da tela/página. ram os arranjos de texto e imagem na
Finalmente, a barra de navegação do site interface ou, ainda, interferências de ordem
da Gazeta do Povo Online está inserida na funcional, quando da inclusão de formulá-
terceira área horizontal, localizada na parte rios ou listas interativas para acesso mais fácil
superior da página inicial. Ele se organiza aos conteúdos específicos.
visualmente em seis lapelas, simulando gra- Como comentário geral, é possível afir-
ficamente pastas de arquivos. A primeira, com mar que o site apresenta uma oferta de
dimensão maior e alinhada à esquerda da conteúdos adequada ao gênero onde está
interface, abriga o logotipo do jornal, numa enquadrado. O design não prejudica a fun-
posição e com o destaque defendidos por cionalidade ou a usabilidade, a arquitetura
Jakob Nielsen e Marie Tahir, no livro é coerente e a tecnologia empregada não
Homepage: 50 websites descontruídos: afasta os usuários com acesso discado e,
ainda, oferece aos visitantes com banda larga
Exibir o nome da empresa e/ou alguns conteúdos específicos, principalmen-
logotipo, em um tamanho razoável e te na área do entretenimento.
em local de destaque – Essa área de
identificação não precisa ser grande Conclusão
mas deve ser maior e mais destacada
do que os itens a seu redor, de modo O design da Gazeta do Povo Online será
a chamar de imediato a atenção reformulado para a implementação do Pro-
quando os usuários entrarem no site. jeto Integração entre as versões impressa e
Geralmente, o canto superior esquer- digital. De acordo com Claudia Belfort, agora
do é o melhor posicionamento para também editora chefe da Gazeta do Povo,
os idiomas lidos da esquerda para a a empresa segue a tendência mundial de
direita.17 (NIELSEN, 2001: 10). otimizar recursos e oferecer conteúdos de
melhor qualidade ao leitor/usuário ao unifi-
Os demais enlaces ofertados na barra de car as redações. O novo desenho da Gazeta
navegação são: capa impressa (imagem da do Povo será reformulado para atender às
capa da edição impressa do dia), edições demandas dos usuários e para dinamizar o
anteriores (com acesso exclusivo aos assi- processo de trabalho dos jornalistas.
nantes da edição impressa), assinaturas (onde O impacto das rotinas produtivas utili-
o usuário pode assinar a edição impressa do zadas na internet sobre a versão em papel
jornal), classificados (espaços publicitários aponta que, até o presente momento dessa
abertos a pequenos anunciantes e populares, investigação, está se refletindo na organiza-
onde são oferecidos a venda objetos, equi- ção de redações de outros meios (inclusive
pamentos e as mercadorias mais variadas, impressos), na disseminação e na produção
uma das características mais fortes e rentá- de conteúdos. É possível constatar que está
veis da versão impressa do jornal) e notícias em processo a reversão da visão inicial
por e-mail (onde o visitante pode preencher quando da implementação dos sites
um formulário interativo e solicitar que sejam jornalísticos, onde os jornalistas envolvidos
JORNALISMO 51

no processo eram encarados pelos seus co- jornalistas e dos empresários dos meios de
legas da redação tradicional como meros comunicação em melhorar a qualidade da
recicladores de conteúdos da versão impressa. informação e oferecer o que o público
A frase do jornalista Roger Flider, dita necessita e deseja, a metamorfose não será
em 1994 – ainda na pré-história dos jornais mais que uma crisálida oca”.18 (FIDLER,
digitais- não perdeu sentido:–“a tecnologia 1994). Parece que a borboleta digital gerada
somente facilita a mudança e cria oportuni- nos últimos anos na www insiste em alçar
dades. Sem o correspondente esforço dos vôo para o mundo real.
52 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia disponível desde outubro de 2000 no site


DataGramaZero - Revista de Ciência da Informa-
Amaral, Chico. Organização de ção, disponível em http://www.dgz.org.br/out00/
Redações. Jornal da ANJ, Brasília, dezembro Art_03.htm.
5
Tadao Takahashi (org.) Conteúdos e Iden-
de 2003.
tidade Cultural no livro Sociedade da Informação
Barreto, Aldo de Albuquerque. Os Con- no Brasil, Brasília, Ministério da Ciência e
teúdos e a Sociedade da Informação no Tecnologia, 2000, p.59.
Brasil, disponível desde outubro de 2000 no 6
Sobre o boom dos diários na Web ver
site DataGramaZero - Revista de Ciência da QUADROS, Claudia. Uma Breve Visão Histórica
Informação (http://www.dgz.org.br/out00/ do Jornalismo Online no livro Jornalismo no
Art_03.htm). Século XXI: A Cidadania, org. Antonio Hohfeldt
Black, Roger. Eduardo Danilo e Javier e Marialva Barbosa, Porto Alegre, Mercado Aberto,
Creus. 10 consejos clave para um website 2002.
7
com resultados, Barcelona, Interactive Bureau Elias Machado, O Ciberespaço como fonte
para os jornalistas, Salvador, Calandra, 2003, p.13.
Inc, (http://www.interactivebureau.com) 8
Sylvia COLOMBO. Problema da internet
Colombo, Sylvia. Problema da internet
não é o acesso, e sim como transformá-lo, Folha
não é o acesso, e sim como transformá-lo, de S. Paulo, 18 de janeiro de 2004, p. E 3.
Folha de S. Paulo, 18 de janeiro de 2004. 9
Chico AMARAL. Organização de Redações.
Fidler, ROGER. El diario que viene, Jornal da ANJ, Brasília, dezembro de 2003, p.
Cuaderno de Información, número 9, Uni- 23.
versidade Católica do Chile, 1994. 10
A Gazeta do Povo online pode ser acessada
Johnson, Steven. Interface Culture. São na seguinte URL: http://www.gazetadopovo.com.br
11
Francisco: Harper Edge, 1997. Claudia Belfort. Entrevista concedida a
Machado, Elias. O Ciberespaço como fonte Beatriz Nedeff, formanda do Curso de Comuni-
para os jornalistas, Salvador, Calandra, 2003. cação Social da Universidade Tuiuti do Paraná,
como atividade de iniciação científica. Curitiba,
Nielsen, J., and TAHIR, M. Homepage:
ago. 2003.
50 websites descontruídos. Rio de Janeiro, 12
Arnaldo Cruz. Entrevista concedida a Beatriz
Campus, 2002. Nedeff, formanda do Curso de Comunicação Social
Pavlik, John. Journalism and new me- da Universidade Tuiuti do Paraná, como atividade
dia. New York: Columbia University, 2001. de iniciação científica. Curitiba, ago. 2003.
Takahashi, Tadao (org.). Conteúdos e 13
Silvia Zanella. Entrevista concedida a
Identidade Cultural. Sociedade da Informa- Claudia Irene de Quadros para o projeto
ção no Brasil, Brasília, Ministério da Ciência Arquitetura Web: a estrutura da notícia nos jor-
e Tecnologia, 2000. nais digitais. Curitiba, março de 2004.
14
Claudia Belfort. Entrevista concedida a
Claudia Irene de Quadros para o projeto
Arquitetura Web: a estrutura da notícia nos jor-
_______________________________
1 nais digitais. Curitiba, nov. 2003.
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil. 15
2 Claudia Belfort. Entrevista concedida a
Universidade Federal do Paraná, Brasil.
3
Na classificação de John Pavlik, professor Beatriz Nedeff, formanda do Curso de Comuni-
da Universidade de Columbia (EUA), estes sites cação Social da Universidade Tuiuti do Paraná,
são denominados de terceiro estágio. Já o GJOL como atividade de iniciação científica. Curitiba,
- Grupo de Estudos em Jornalismo Online da ago. 2003.
16
Universidade Federal da Bahia- adota o termo Roger BLACK. Eduardo Danilo e Javier
“Terceira Geração” quando se refere aos sites Creus. 10 consejos clave para um website com
jornalísticos mais avançados na Web. O primeiro resultados, Barcelona, Interactive Bureau Inc,
estágio, na classificação de Pavlik, é apenas a disponível em http://www.interactivebureau.com.
17
transposição da versão impressa para a digital. O J. NIELSEN e M. TAHIR, M. Homepage:
segundo estágio traz o conteúdo da versão im- 50 websites descontruídos. Rio de Janeiro,
pressa e alguns outros produtos e serviços exclu- Campus, 2002. P.10.
18
sivos para a internet. Roger Fidler. El diario que viene, Cuaderno
4
Aldo de Albuquerque Barreto.ÄOs Conteú- de Información, número 9, Universidade Católica
dos e a Sociedade da Informação no Brasil, do Chile, 1994, p. 25.
JORNALISMO 53

A cobertura de epidemias na imprensa portuguesa. O caso da Sida


Cristina Ponte1

Introdução estatísticas oficiais, sendo elaboradas através


de fórmulas matemáticas.
Esta comunicação apresenta resultados Segundo estatísticas do Centro Europeu
parciais de uma análise de discurso da para a Vigilância Epidemiológica da Sida de
cobertura desta epidemia por dois jornais Paris, divulgadas em 2000, Portugal apresen-
portugueses, Diário de Notícias e pelo tou a maior taxa de incidência de Sida
Correio da Manhã, entre 1981 e 2000 (Pon- (número de casos de Sida diagnosticados, por
te, 2004)2. Centrada nos títulos das peças milhão de habitantes) da União Europeia, com
jornalísticas, a análise das suas metáforas e 104,2 casos por milhão de habitantes–– um
outras representações dá a ver como, nos número bastante mais elevado que a taxa de
primeiros anos, se edificou a ilusão de incidência europeia de 22,5 casos. Aliás, no
controlo e segurança, sustentada em fontes período entre 1992 e 1998, a taxa de inci-
de informação oficiais e na quase ausência dência na União Europeia decresceu 45%,
de vozes alternativas, nomeadamente expri- mas apenas em Portugal se verificou um
mindo o ponto de vista e os direitos cívicos acréscimo dessa taxa, que quase duplicou.
das pessoas directamente afectadas.
A pertinência desta análise justifica-se Metáforas e representações da doença
pelo lugar de destaque que tem hoje a
expansão deste vírus em Portugal, compa- Com base nos títulos das peças
rativamente a outros países da União jornalísticas, realçamos metáforas e represen-
Europeia. tações da Sida nos primeiros anos, pela sua
Segundo dados do Instituto Nacional de intensidade e por marcarem o modo de a
Saúde, até 31 de Dezembro de 2003, encon- pensar, prolongando a sua influência.
travam-se notificados 23.374 casos de infec-
ção VIH/Sida em Portugal, nos diferentes As designações
estádios de infecção. Estes incluem casos de
Sida (fase mais tardia e estabelecida da Como notava Susan Sontag (1984) no seu
doença), PA, portadores assintomáticos (fase estudo sobre as metáforas da Sida, a desig-
inicial da infecção que pode durar vários anos nação corrente (sida) não é despojada de
sem sintomas – e CTR, Complexo Relaci- consequências. Ao enfatizar a designação do
onado com Sida, ou seja, uma fase intermédia terceiro estádio para abranger toda a situação
da infecção em que podem aparecer aumen- de alguém seropositivo, ainda que o vírus
tos ganglionares, febrículas e outros sinto- não esteja activo, estamos a tomar a parte
mas. De 1983 até 2003, foram notificados pelo todo.
10.724 casos de Sida, 10.555 casos de in- Nos títulos do Diário de Notícias, a
fecção por VIH assintomáticos e 2095 casos designação Sida foi hegemónica face a outras
classificados como CTR. designações, como vírus da Sida ou HIV/Sida.
No entanto, segundo dados da ONUSIDA, Interessa observar como essa construção se
estima-se que haja entre 30 a 50 mil casos operou nos primeiros tempos, antes de se
de pessoas infectadas pelo VIH em Portugal. tornar dominante.
Esta discrepância de números deve-se ao facto Nas três primeiras notícias do Diário de
de haver períodos de vários anos em que a Notícias, em 1982, num momento em que
pessoa está infectada, infectando outros, pouco se conhecia da doença, esta não teve
mesmo que se sinta bem. As estimativas da nome próprio, apresentando três designações
ONUSIDA não fazem parte, porém, das indirectas, a marcar características que pudes-
54 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

sem servir para a interpretação do seu sig- campo da medicina (vírus diferente, vírus do
nificado, neste caso por referência a outras cancro, doença rara, síndroma imunológica,
doenças malignas e a locais de onde teria afecções imunológicas), outras a recorrer a
emanado: cancro, doença misteriosa e metáforas como pesadelo do século XX,
síndroma cubano3. Como apontava Susan fantasma, psicose, grande morigeradora. São
Sontag, não é estranho que a primeira de- muitas também as relações identificativas da
signação indirecta da nova patologia se tenha Sida, como camaleão, espectro, obsessão dos
feito por referência à mais temida de todas nossos dias, medo, luta desigual e de morte,
as doenças nesse momento, o cancro. A pavor, “casa da morte”, problema de saúde
referência a Cuba vai a par de referências número um, pálida comparação com a peste
a outras regiões exóticas das Caraíbas e a negra, praga mundial, ou a ampliar o seu
África, apontadas como o berço do novo próprio referente (mil vírus). O nome próprio
vírus, como nos primeiros títulos de outros é ainda carregado de sentido quando se faz
jornais internacionais. acompanhar insistentemente por verbos como
Ao contrário das designações indirectas, apavorar, matar, duplicar, propagar, alastrar,
o nome próprio designa directamente o seu subir em flecha, entre outros. Como inves-
referente. Para que exista, é necessário que tigações de outros países deram conta, a
num dado momento ocorra um “acto de psicose do medo percorreu a cobertura destes
baptismo”, como refere Maingueneau primeiros anos, sobretudo o medo do outro,
(1997), que faz notar como o nome próprio que irá alimentar medidas de segregação por
só é dado a seres frequentemente evocados, parte de autoridades e actos discriminatórios
relativamente estáveis no espaço e no tem- no dia a dia. Entre títulos centrados na
po e com importância social ou afectiva. No expansão desmesurada da Sida, encontram-
caso presente, o nome próprio começou por se títulos como Sida: doentes sem cura a
ser importado da designação norte-america- caminho do gueto, a encimar a matéria factual
na (AIDS). Quando transitou para a desig- de uma notícia.
nação portuguesa, começou por se apresen- Nos primeiros títulos do Correio da
tar como acrónimo, a enfatizar cada uma Manhã, em 1983, recorre-se também a
das iniciais de síndroma de imunodeficiência designação indirecta (doença desconhecida,
adquirida, SIDA, com as quatro letras em nova doença, depois identificada por A nova
maiúsculas. Nos primeiros momentos de doença quando se supõe já do conhecimento
afirmação do seu nome próprio, como Sida, do leitor e se anuncia que chegou ao país).
era de género masculino (o Sida). A tran- O jornal introduziu a designação portuguesa
sição para nome comum, como doença como acrónimo logo em 1983, inicialmente
corrente (a sida), ocorre em 1985, desig- com aspas (“SIDA”) e vai prolongar até ao
nação dominante quando escrita no interior início dos anos 90 o uso dominante desse
do título. acrónimo (SIDA). A designação em maiús-
Significativos pelo uso do artigo definido culas permanecerá embora em posição secun-
(a) – a marcar algo já conhecido do leitor dária face ao nome próprio (Sida) ou comum
e com carácter genérico – são dois títulos (sida). Os seus títulos carregam assim mais
de 1983, que coincidem em confinar a nova tempo a designação pelo acrónimo, tornando
doença ao grupo social dos homossexuais: a palavra graficamente mais marcante.
– A peste cor-de-rosa; A doença dos homos- Também estes primeiros títulos são dra-
sexuais, com o primeiro a apresentar duas matizados, ao associarem, à designação e aos
metáforas a intensificar o seu sentido. seus predicados, advérbios que intensificam
A lenta afirmação do nome próprio não a velocidade e a coincidência. Como exem-
exclui o recurso a outras designações indi- plos, em 1983 e 1984: [Sida] já chegou a
rectas. Nos anos 80, marcantes pelo enqua- Portugal, já serve para roubar, já mata na
dramento que trazem a algo de novo e que Suécia, também mata em Israel, já afectou
se vai prolongar no tempo, encontram-se no mais de 3 mil em trinta países, já afectou
Diário de Notícias múltiplas designações três dezenas no Zaire, em Portugal ultrapas-
indirectas, umas tomando como referente o sa já a dezena.
JORNALISMO 55

A quantificação A mesma quantificação de números nos


títulos perpassa nos primeiros anos pelo
O recurso a estatísticas e à linguagem dos Correio da Manhã: 400 mil com sida nos
números é uma das marcas do jornalismo, EUA; poucas semanas depois, 2 milhões de
como garante da credibilidade da informa- americanos com SIDA; 50% dos homosse-
ção. As quantificações são procuradas avi- xuais poderão morrer; 400 mil alemães
damente por jornalistas, que necessitam de portadores do vírus. Entre estes títulos de
números para tornar a história mais visível massa, o singular que anuncia a morte de
e mais próxima dos leitores, pela brutalidade Uma garota italiana.
da sua expressão ou pela singularidade do A análise ao modo como pessoas
carácter excepcional da situação desenca- seropositivas aparecem nestes jornais enquan-
deada. to “actores principais” das peças mostrou que
Quando aprecia a cobertura de uma o singular predomina sobre o colectivo, como
epidemia alimentar por parte dos media damos conta noutro trabalho (Ponte, 2004).
britânicos, nos anos 80, Roger Fowler (1991: Ou seja, dá-se mais espaço às figuras pú-
147-8) designa-a por histeria. Isso não sig- blicas que morrem de sida e a indivíduos
nifica que considere a situação insignificante associados a actividades marginais, como o
ou ilusória, classifica a cobertura dos media pequeno crime e a prostituição, do que ao
como histérica pelo seu próprio conteúdo colectivo, quando uma das características
emocional. Das marcas desse estilo histérico desta doença, nos anos 80, noutros países,
fazem parte a retórica da adjectivação e da foi ter-se feito acompanhar de fortes movi-
quantificação e o uso de verbos adequados mentos de pressão contra medidas
à ideia de um crescimento desmesurado discriminatórias e por um acesso facilitado
(disparar, multiplicar, proliferar, progredir, a medicamentos. Em Portugal, por contraste,
escalar...). Também na cobertura da proble- é escassa a visibilidade de movimentos de
mática da Sida no Reino Unido, o autor exigência do reconhecimento dos direitos
encontrou essa tendência. cívicos de pessoas seropositivas.
Nos títulos dos dois jornais portugueses, Na maioria das peças aparecem então
muito cedo os números dispararam. A sua “grandes números”, assustadores mas silen-
leitura cronológica mostra como essa procu- ciosos na sua grandiosidade abstracta. Não
ra de ilustrar numericamente a situação, significa que não tenham tido fontes de
sobretudo de fora do país, se processou com informação por detrás, nomeadamente agên-
valores contraditórios. Ressalta a ausência de cias internacionais e fontes institucionais. O
um acompanhamento jornalístico dos dados que acontece é que, sendo esses os circuitos
editados, como se a chegada à redacção de privilegiados, sem vozes alternativas organi-
informação proveniente de fontes com algu- zadas nem jornalistas a acompanharem a
ma credibilidade fosse suficiente para a tornar problemática de uma forma continuada e
pública e não se justificasse um olhar mais atenta, as histórias que se contam são uma
atento ao que o jornal tinha dito e agora sucessão de informação rápida, repetitiva,
entrava em contradição com a nova infor- sincopada, por vezes mesmo assente em
mação. frágeis bases de verdade. Correspondem a
A título de exemplos, em 1985, o Diário histórias já conhecidas, numa lógica de
de Notícias punha em título: O vírus da Sida reprodução conformada e totalizante.
já infecta dois milhões de norte-americanos.
Dois meses depois intitulava: Sida ameaça A “causa” e a “transmissão” da Sida
um milhão de americanos. No ano seguinte,
a 22 de Novembro de 1986, anunciava: Mais Desde os primeiros anos destas notícias
de dois mil com Sida em cada 24 horas na que a procura da “causa” da nova síndroma
RFA, para poucos meses depois afirmar com e as possibilidades de transmissão do vírus
a mesma certeza: Sida em todo o mundo estiveram presentes nos dois jornais, aí
atinge 34 mil pessoas e Há Sida em 98 países surgindo as hipóteses mais variadas. O
e os casos são 45608. Correio da Manhã teve mais intervenção,
56 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

com sugestões sobre a origem e formas de 1987; justifica optimismo; só depois de 1990;
contágio, dando presença às mais diversas estará à venda daqui a três anos…
possibilidades de transmissão, que alimenta-
riam a exigência de políticas de ostracismo A batalha moral
para todos aqueles que se soubesse serem
seropositivos, como de resto os jornais tam- Sublinhava também Susan Sontag que
bém dão conta, enquanto “factos” a noticiar. uma doença com as características da Sida
Como memória destes fantasmas, aqui se tinha poder para suscitar a convocação de
registam algumas dessas ideias, umas apre- batalhas contra a vivência da sexualidade que
sentadas como “verdades” ou com fortes não decorresse de acordo com os cânones
probabilidades de o serem, só sendo da moral dominante. Para além do foco nos
desmentidas – e não pelo mesmo jornal – homossexuais masculinos como os respon-
muito mais tarde. sáveis pelo contágio, que constituiu o pri-
meiro enquadramento nos dois jornais, à
Picada de mosquitos poderá provocar semelhança do que aconteceu noutros países,
sida4 a referência assertiva a vivências da sexu-
O vírus da SIDA veio do espaço5 alidade, por vezes com ironia, noutras com
Insectos não passam o vírus da sida6 interpelação directa ao leitor, marca uma forte
Sida também se transmite pelas lágri- presença no Diário de Notícias até princí-
mas7 pios dos anos 90.
Sida não se “pega” por contacto Podemos aí reconhecer o peso de fontes
casual8 institucionais, nomeadamente ligadas à Igre-
Vírus da SIDA não se propaga no ja Católica, mas também a assunção pelos
trabalho9 jornais de um discurso moralista e cúmplice
Insectos africanos poderão transmitir
com o imaginado leitor, branco, heterosse-
Sida10
xual e de classe média. Estes títulos mo-
Também no suor foi encontrado o
ralistas vão reduzir-se nos anos 90, altura
vírus da SIDA”11
em que começaram a ter maior visibilidade
Suor não transmite o vírus da sida12
as palavras de pessoas directamente afec-
Beijo é transmissor13
tadas e também das organizações não go-
O beijo não pega a sida14
vernamentais, como a Abraço, que gerou
campanhas com maior visibilidade
A batalha médica
mediática, como a promoção do uso do
A vitória ou a impotência da ciência e preservativo.
da medicina face à síndroma, nestes 20 anos, Entre outros títulos de batalha moral
permanecem como duas grandes narrativas dos primeiros anos, podemos observar
que se interligam. Como marcas dessa dis- como nalguns o Diário de Notícias como
puta, é exemplar o confronto de discursos enunciador se dirige directamente ao lei-
sobre uma provável vacina para a Sida, e tor, pelo imperativo que aconselha, pela
as disputas e desacordos entre as próprias asserção que não admite contestação, pela
comunidades médica e científica sobre as adopção das palavras de outros, fazendo-
possibilidades da sua criação. Assim se as suas ao eliminar as aspas desse discurso
alimentou a ‘novela da vacina’, numa nar- directo:
rativa de final incerto, como ainda hoje
permanece. Acabaram os dias da liberdade sexu-
Nos anos 80, lia-se que a [vacina contra al15
a Sida] pode estar pronta dentro de dois anos; Fidelidade conjugal é o melhor meio
prevê-se para breve; dentro de 4 anos?; difícil para evitar o contágio da doença16
ainda de prever o prazo; prevista para breve; Abuso das leis da natureza resultou
médicos dos EUA anunciam…; é ainda na sida17
impossível; regista progressos; só daqui a Sida está a “moralizar” os costumes
cinco anos; ainda é impossível; admitida para em África18
JORNALISMO 57

Medo da sida está a modificar o A Sida, cá dentro


comportamento de solteiros19
Nos primeiros anos, Portugal diferenci-
Títulos centrados no alerta para com o ava-se do caos exterior por uma aparente
desempenho sexual não canónico acontecem quase imunidade.
também até aos inícios dos anos 90 no Em 1984, os dois jornais noticiam a
Correio da Manhã, onde esta batalha moral seropositividade do primeiro português, al-
foi mais visível e enfática. Na sua econo- guém que vem de fora, um emigrante, com
mia, contam a moral da história, numa o Correio da Manhã a acentuar que é o único
linguagem coloquial e cúmplice, com as com sida. Meses depois, informam da morte
aspas a sugerir outros sentidos, também com de António Variações, embora sem referência
avaliações, comentários e asserções formu- directa à nova doença. Em 1985, outros casos
ladas com grau máximo de certeza. Alguns pontuais vão surgir, no Algarve, em Coimbra.
dos títulos repetem-se mesmo, com poucas A par destas informações, o Correio da
semanas de intervalo. Em vários, a nova Manhã dá conta de preocupações com pos-
doença surge quase como justiceira, estig- síveis contágios, por parte de médicos e
matizando estereótipos da mulher sedutora enfermeiros, da baixa incidência da sida no
e libertina. Os agentes das acções estão norte do país, do elevado custo do teste, de
ausentes, quando pressuposto está que se crianças hospitalizadas. Anuncia (Já temos) um
dirigem aos “não seropositivos”, a todos nós. novo centro especializado em doenças
A título de exemplo, estes títulos que têm transmissíveis e que Portugal “arma-se” na
em comum a ênfase no verbo no presente, luta contra a SIDA. Informa também que
a acentuar a actualidade da enunciação, um Portugal não importa sangue e que
presente que também é contínuo e ainda Hemofílicos portugueses não correm riscos de
intemporal:
sida. O número de “casos” vai subindo, chega
às quatro dezenas em 1986, mas está muito
Só fidelidade conjugal evita contágio
aquém dos grandes números dos títulos sobre
da SIDA20
outros países, como vimos. Em 1987, o jornal
SIDA está a contribuir para a fide-
chama a atenção, em manchete de primeira
lidade conjugal21
página, para as palavras de um jovem
Casamento e fidelidade atraem cada
seropositivo, que vê a vida a fugir-lhe e que
vez mais a Suécia do sexo livre22
lhe faz confissões, na primeira peça deste
Medo de contágio da SIDA promove
conjunto que ouve uma pessoa seropositiva.
os bons costumes23
Suecas dizem que a SIDA provoca Por contraponto a estes títulos e a outros
falta de amantes24 que dão conta de preocupações de reclusos
“Fuga” à SIDA implica alterações quanto ao contágio, ou do pouco conhecimen-
sexuais 25 to existente sobre preservativos, a partir de
Sida: Promiscuidade sexual é a maior 1987, com o número de casos a continuar a
causa de contágio subir, encontram-se títulos tranquilizantes, que
Sida torna francesas fiéis26 fazem suas palavras de fontes institucionais:

Há no Correio da Manhã títulos que Tudo bem no Algarve em matéria de


contrariam essa posição e que mostram, na SIDA29
sua apresentação, a distância do jornal em SIDA em Portugal é extremamente
relação àquilo que neles se afirma, pelo uso rara30
de aspas. Aquelas são palavras que o jornal SIDA em Portugal só afecta 54 pes-
apresenta como não sendo suas: soas31
Um milhão de portugueses mudou
“SIDA não é punição… mas sim hábitos sexuais com medo da SIDA32
doença”27 Sida não preocupa os portugueses33
“É absurdo pensar que a SIDA é uma Somos o país da Europa com menor
forma de punição”28 taxa de sida34
58 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Portugal é o penúltimo em casos de como um relativo oásis quanto à nova pa-


SIDA35 tologia, enquanto se teciam as mais variadas
hipóteses sobre a sua “causa”, se davam conta
A tensão entre perspectivas diferentes dos infindáveis episódios da descoberta de
quanto à situação portuguesa transparece mais uma cura a curto prazo e da inevitável batalha
cedo no Diário de Notícias, com títulos moral, que colocava a doença como da ordem
contraditórios como: do castigo, nomeadamente no campo da
sexualidade.
Apenas quatro casos de Sida entre Isto aconteceu sobretudo nos anos 80,
residentes em Portugal36 num tempo onde vozes alternativas às das
Sida: afinal também temos37 fontes institucionais – oficiais e religiosas
Não há mais casos de Sida em Por- sobretudo – ainda não se faziam ouvir nos
tugal38 media. Os primeiros anos da patologia no
Sida em Portugal não é muito grave39 país foram assim marcados por dois movi-
Sida em Portugal está a aumentar40 mentos paralelos: enquanto aumentava o
Há poucas condições no País para número de pessoas identificadas como atin-
evitar contágio da doença41 gidas pelo vírus, liam-se mensagens contra-
Sida em Portugal mergulhada no ditórias, mas marcadas pela metáfora do país
caos42 como um relativo oásis face ao que se passava
Português está informado sobre os lá fora.
perigos da sida43 Nos anos 90, enquanto crescia, quase em
Luta contra a SIDA: Portugal está silêncio, o número de pessoas infectadas, ao
orgulhoso44 invés do que acontecia noutros países da
Sida em Portugal causa preocupação45 União Europeia, nestes dois jornais diminu-
Sida em Portugal tende a diminuir46 em as peças e a Sida terá dificuldade em
Sida dispara em Portugal47 ser tratada jornalisticamente fora de grandes
eventos ou das pequenas notícias de assaltos
Conclusões com a seringa como arma, fora de escân-
dalos do sangue contaminado ou dos falsos
Pela cronologia destes títulos, podemos medicamentos, fora da efeméride do seu Dia
registar como se prolongou a ilusão do país Mundial, a 1 de Dezembro.
JORNALISMO 59

12
Bibliografia Correio da Manhã, 20 de Dezembro de
1991. Notícia breve, não assinada
13
Fowler, R. (1991). Language in the News: Correio da Manhã, 1987. Notícia breve, não
Discourse and Ideology in the Press (3ª ed.). assinada
14
Diário de Notícias, 15 de Maio de 1992.
London: Routledge, 1994.
Secção Quotidianos. Notícia breve, não assinada
Maingueneau, D. (1998). Analyser les 15
Diário de Notícias, 16 de Maio de 1987.
textes de communication. Paris, Dunod. Suplemento, chamada de primeira página, para
entrevista com Elisabeth Taylor
Ponte, C. (2004). Notícias e silêncios. A 16
Diário de Notícias, 15 de Junho de 1987.
cobertura da Sida no Diário de Notícias e Informação Geral. Notícia, não assinada, título a
no Correio da Manhã (1981-2000). Porto: 4 colunas. Fonte: bispos espanhóis em carta
Porto Editora pastoral. Foto de cientista, com máscara, em
Sontag, S. (1977-1988). La enfermedad laboratório
17
Diário de Notícias, 23 de Março de 1987.
y sus metáforas. El sida y sus metáforas.
Notícia breve, não assinada, título a 5 colunas.
Madrid: Taurus. Fonte: bispo de Setúbal
18
Diário de Notícias, 28 de Novembro de
1990. Suplemento Medicina e Ciência. Feature de
_______________________________ John Tierney, 2 páginas. Fotografias: criança negra
1
Universidade Nova de Lisboa a ser beijada por mulher branca, de manifestantes
2
Esta pesquisa constitui a III Parte do Pro- negros e de mulher com criança negra ao colo
jecto de Investigação POCTI/COM/36218/99, 19
Diário de Notícias, 20 de Junho de 1991.
Elementos para uma teoria da notícia. Análise Notícia breve, não assinada, título a 2 colunas
de caso sobre a mediação jornalística portuguesa 20
Correio da Manhã, 1 de Agosto de 1985.
de um problema social, VIH/SIDA, coordenado Notícia não assinada. Fonte: director do Instituto
por Nelson Traquina e financiado pela Fundação de Práticas Sexuais Avançadas de São Francisco
para a Ciência e Tecnologia (FCT). 21
Correio da Manhã, 1985. Este título surge
3
Síndroma cubano já matou 564 pessoas, duas vezes nesse ano.
título do Diário de Notícias, de 27 de Março de 22
Correio da Manhã, 27 de Agosto de 1986.
1983. Secção Informação Geral. Notícia, não Feature, página inteira, não assinado. Título à
assinada, título a 2 colunas
4
largura da página, em 3 linhas, fotografias de casal
Correio da Manhã, 18 de Agosto de 1985.
e carrinho de bebé, de jovens mulheres em fato
Notícia, não assinada. Título a 2 colunas. Imagem
de banho.
de crianças, em lixeira. Legenda: Deficientes 23
Correio da Manhã, 21 de Maio de 1987.
condições higiénicas expõem as pessoas a nume-
Notícia, não assinada, título a toda a largura da
rosas infecções, debilitando o sistema imunológico
página
e deixando-as mais vulneráveis ao vírus da SIDA 24
5 Correio da Manhã, 23 de Julho de 1987.
Correio da Manhã, 12 de Dezembro de 1986.
Notícia, não assinada, título a 3 colunas
Notícia de página inteira, não assinada. Imagens 25
do planeta Terra, visto do espaço e de rua em Correio da Manhã, 8 de Julho de 1989.
dia de chuva. Legenda: As chuvas que caem sobre Notícia, não assinada, título a 3 colunas, com
a Terra poderão ser veículo de transporte do vírus destaque
26
da SIDA Diário de Notícias, 8 de Março de 1996.
6
Diário de Notícias, 10 de Janeiro de 1988. Secção Síntese/Sociedade. Notícia breve, não
Secção de Informação Geral. Notícia breve, não assinada
27
assinada Correio da Manhã, 17 de Maio de 1987.
7
Correio da Manhã, 17 de Agosto de 1985. Suplemento “Correio dos Jovens”, manchete.
Fonte: investigadores norte-americanos Título retirado da resposta de um leitor a um
8
Diário de Notícias, 9 de Agosto de 1986. inquérito lançado pelo suplemento
28
Secção de Informação Geral. Notícia breve, não Correio da Manhã, Junho de 1987. Suple-
assinada, título a 2 colunas. mento “Correio dos Jovens”. Como o anterior,
9
Correio da Manhã, 1988. Notícia breve, não título retirado da resposta de um leitor a um
assinada inquérito lançado pelo suplemento
29
10
Diário de Notícias, 25 de Agosto de 1986. Correio da Manhã, 1987. Notícia breve, não
Secção de Informação Geral. Notícia, não assi- assinada, título a 2 colunas. Fonte: administrador
nada, título a 3 colunas. regional de saúde
11 30
Correio da Manhã, 26 de Junho de 1987. Correio da Manhã, 1987. Notícia, não
Notícia, não assinada, título com destaque, a 2 colunas assinada. Título com destaque, 2 colunas. Fonte:
60 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

40
Norton Brandão, médico, no VI Congresso do Diário de Notícias, 15 de Fevereiro de 1989.
Clínico Geral Informação Geral. Notícia, não assinada, 2 co-
31
Correio da Manhã, 4 de Julho de 1987. lunas. Fonte: Grupo de Trabalho da Sida
41
Notícia, não assinada. Título a 2 colunas. Fonte: Diário de Notícias, 18 de Fevereiro de 1989.
documento da Organização Mundial de Saúde Informação Geral. Notícia, não assinada, 2 co-
32
Correio da Manhã, 25 de Novembro de lunas. Fonte: especialistas de saúde, reunidos em
1987. Feature de Miguel Gaspar, 1 página. Título Simpósio
42
à largura da página, em duas linhas. Fonte: Grupo Diário de Notícias, 29 de Novembro de
de Trabalho da SIDA 1994. Reportagem, com chamada de primeira
33
Correio da Manhã, 22 de Março de 1988. página, a propósito do Dia Mundial da Sida.
43
Notícia breve, não assinada. Fonte: Sondagem da Diário de Notícias, 10 de Abril de 1988.
Gallop Informação Geral. Notícia com base em sonda-
34
Correio da Manhã, 7 de Novembro de 1988. gem. Título a 4 colunas. Quadros estatísticos e
Notícia, não assinada, título a 2 colunas e 4 linhas. imagem de laboratório.
44
Fonte: Organização Mundial de Saúde Notícias Magazine. Artigo de opinião de
35
Correio da Manhã, 1989. Notícia breve, não Isabel Leal, psicoterapeuta e psicóloga clínica
45
assinada. Título com destaque. Fonte: Ministra Correio da Manhã, 23 de Outubro de 1990.
Leonor Beleza Fonte: ADDEPOS, Associação dos Direitos e
36
Diário de Notícias, 1 de Setembro de 1985. Deveres dos Seropositivos e Portadores do Vírus
Informação Geral. Notícia, não assinada. Título da Sida
46
a 4 colunas. Fonte: Gabinete do Ministro da Saúde Diário de Notícias, 28 de Novembro de
37
Diário de Notícias, 5 de Setembro de 1985. 1990. Chamada de primeira página, que remete
Suplemento Saúde. Artigo assinado por Maria para uma reportagem assinada por Helena Men-
Guiomar Lima. Fotografia de homem, seropositivo. donça, tendo como base um relatório do Grupo
38
Diário de Notícias, 19 de Março de 1986. de Trabalho da Sida.
47
Informação Geral. Notícia, não assinada, título a Diário de Notícias, 28 de Julho de 1998.
2 colunas. Fonte: Instituto Nacional de Sangue Manchete do jornal, que remete para uma repor-
39
Diário de Notícias, 1 de Junho de 1988. tagem assinada por Leonor Figueiredo. Esta peça
Última página. Notícia, não assinada. Fonte: baseia-se num estudo realizado por dois matemá-
Leonor Beleza ticos e uma epidemiologista.
JORNALISMO 61

O caso Jayson Blair / New York Times:


da responsabilidade individual às culpas colectivas1
Joaquim Fidalgo2

“Examine the specific sins of Jayson mer a casa-mãe mas se propagaram muito
Blair and you will find the common para além dela, suscitando variadíssimos
transgressions of everyday journalism. debates nos meios jornalísticos, académicos,
Blair put them together in a spectacular associativos e empresariais, estimulando a
fashion to create a beast that is bigger revisão de regras de conduta e mecanismos
than the sum of its parts. de controlo de qualidade na imprensa (com
It’s time to stop shaking our heads at realce para a necessária accountability, a
Blair’s audacity, which was immense, and prestação de contas aos leitores e à socie-
focus on the habits of journalism”. dade), questionando a eficácia e o grau de
Kelly McBride3 exigência da formação dos jornalistas em
matérias do foro ético, enfim, alertando para
“These guys [director editorial e director- um urgente back to basics no que toca aos
adjunto do The New York Times] did princípios e valores fundadores do jornalis-
not go down because of the Jayson Blair mo, supostamente subalternizados ou ame-
affair, they went down because the açados por uma envolvente sócio-económica
Jayson Blair affair exposed e tecnológica muito pressionante e subme-
a lot of other things”. tidos a uma lógica muito própria - a lógica
Douglas C. Clifton4 de mercado.
Visto a esta luz, o “caso Jayson Blair”,
A justificação por particularmente chocante que tenha sido,
dadas a sua desmesura e a sua continuada
O “caso Jayson Blair”, que agitou for- impunidade, é mais do que uma anormali-
temente os meios do jornalismo e da indús- dade individual, mais do que uma aberração
tria de”media - sobretudo nos EUA, mas não casuística, ultrapassável com a sua pública
só -, em meados do ano de 2003, podia não exposição e uma condenação exemplar; ele
ter passado de apenas (mais) um caso de acaba (como acabou) por ser sinal e sintoma
plágio na imprensa, concluído com um pedido (a) de insuficiências graves de comunicação,
de desculpas do jornal afectado e o organização e gestão no interior da empresa
despedimento do profissional responsável por jornalística; (b) de pouca transparência e
uma conduta individual eticamente reprová- capacidade de diálogo / interacção do jornal
vel. Não seria, infelizmente, o primeiro - e com os seus leitores; (c) dos riscos de uma
não será porventura o último. Reduzido a um cultura de sucesso rápido e espectacular, que
episódio individual, pontual, anómalo, fruto leva à desvalorização de regras e rotinas
porventura de uma personalidade doentia e profissionais elementares; enfim, (d) da
marginal ao sistema mediático institucional, pesada responsabilidade que implica o ofício
o caso não mereceria grandes análises ou de jornalista, um ofício alicerçado em bases
debates. No entanto, ele acabou por ser muito de confiança que nenhum controlo, por mais
mais do que isso. Para além da circunstância presente e rigoroso que seja, alguma vez
de ter ocorrido num dos mais prestigiados conseguirá substituir completamente.
e poderosos exemplos mundiais da imprensa É elucidativo que, logo nos primeiros dias
de referência, o The New York Times (NYT) após o rebentar do escândalo, o próprio dono
- o que levou logo muita gente a glosar o do NYT, Arthur Sulzberger, tenha vindo
mote de que “se isto pode acontecer no NYT, insistir em que aquele era um crime de uma
então deve acontecer em todo o lado”5 -, ele pessoa só (“The person who did this is Jayson
provocou ondas de choque que fizeram tre- Blair”6) e que não devia, portanto, alargar-
62 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

se o leque de culpas ao conjunto do jornal, Jayson Blair vinha sistematicamente, desde


e designadamente aos responsáveis editoriais há anos, plagiando textos, inventando cita-
(“Let’s not begin to demonize our ções, escrevendo de sítios onde nunca tinha
executives”7). Estava ele longe de imaginar ido, ‘fabricando’ notícias e situações. Só entre
o que se sucederia em catadupa nas semanas Outubro de 2002 e Abril de 2003, altura em
seguintes. Jayson Blair foi despedido, sim, que esteve integrado na equipa de jornalistas
mas os principais responsáveis editoriais do que faziam o acompanhamento noticioso dos
NYT - o director e o director-adjunto - também grandes assuntos nacionais, foram descober-
acabaram por se demitir, ao mesmo tempo tas invenções ou incorrecções em 36 dos 73
que se procedeu a uma reorganização vasta textos assinados por Jayson Blair. Acresce
do jornal, da sua direcção, da estrutura de que, nos quatro anos precedentes em que
chefia, dos procedimentos internos, dos trabalhara no’NYT, o repórter já tinha sido
mecanismos de relação com os leitores, até obrigado a fazer mais de 50 correcções em
do Livro de Estilo. Tudo na sequência de trabalhos de sua autoria.
(mesmo que não só por causa de) Jayson Logo a 11 de Maio de 2003, o NYT
Blair. publica um longo texto de quatro páginas,
com abertura na primeira página, em que
A história expõe detalhadamente as dezenas de “actos
de fraude jornalística”9 assacados ao seu
Valerá a pena recordar os principais factos jovem repórter, ao mesmo tempo que pede
deste caso. aos leitores que lhe façam chegar eventuais
Jayson Blair, um repórter negro8 de 27 novas denúncias. Este invulgar pedido de
anos, pertencente aos quadros redactoriais do desculpas e esta retratação pública não
NYT desde 1999 (mas já conhecedor da casa puseram, contudo, um fim ao caso, como
desde que, ainda estudante universitário, ali parecia ser desejo dos mais altos responsá-
fizera um ambicionado estágio profissional veis do NYT: resumir tudo a um ‘desvio’
no Verão de 1998), demitiu-se no dia 1 de individual, com laivos até patológicos (sou-
Maio de 2003, depois de se ter descoberto be-se, entretanto, que Blair tinha uma his-
que plagiara, inventara ou distorcera uma tória de problemas do foro psicológico,
série de informações e citações em grande associada a dependências do álcool e de
número dos trabalhos jornalísticos que as- drogas que ele próprio confirmaria), mas
sinara, alguns na primeira página. O motivo insusceptível de beliscar a honorabilidade ou
próximo foi a denúncia, feita por uma jor- a credibilidade do jornal como um todo. Aliás,
nalista do San Antonio Express-News (antiga o próprio pedido de desculpas, nos termos
colega de Blair na Universidade de Maryland em que foi feito, suscitou reacções diversas.
e no estágio de 1998 no NYT), de que ele Não faltou, de um lado, quem aplaudisse a
copiara partes de uma reportagem por ela iniciativa:
publicada originalmente, a propósito de
familiares de um soldado americano morto “O jornalismo americano raramente
no Iraque. A denúncia do caso saiu a público produziu algo semelhante ao extraor-
nas páginas do Washington Post (WP), dinário acto de contrição que o NYT
concorrente conhecido do NYT - e, curiosa- publicou no domingo [11.5.03]”. (Tim
mente, um jornal que, anos atrás (1980), se Rutten10)
tinha visto a braços com um embaraço
semelhante: a célebre história da repórter “Ao decidir-se pela exposição das
Janet Cooke, que recebeu até um Prémio fraudes em quatro páginas de uma
Pulitzer pela reportagem que fizera sobre uma edição de domingo, o jornalão nova-
criança toxicodependente e que, pouco tem- iorquino derrubou o fetichismo em
po passado sobre a publicação, se descobriu torno da infalibilidade da imprensa e
ter sido totalmente inventada. confirmou o princípio de que todos
Dadas algumas suspeitas já vindas de trás, os poderes devem ser fiscalizados e
o incidente levou a uma investigação no devassados. Broncas, suspensões e
interior do jornal, da qual se concluiu que demissões, até então mantidas entre
JORNALISMO 63

quatro paredes ou divulgadas de forma rapidamente se descobriu uma série de pro-


circunspecta, agora serão do domínio blemas de fundo no interior da redacção, que
público. Sem privilégios, livres dos iam muito para além dos episódios
constrangimentos corporativos e so- protagonizados por Jayson Blair, e nos quais
lidariedades gremiais”. (Alberto era preciso mergulhar para entender melhor
Dines11) o que se passara:
- falhas de comunicação (Blair levan-
Em contrapartida, outras vozes foram um tava suspeitas numa determinada secção do
pouco mais além, sugerindo que o “acto de jornal mas era transferido para outra e o novo
contrição” público, por muito respeitável que responsável não conhecia o seu historial)14;
parecesse, podia estar a escamotear alguns - desatenções inexplicáveis (Blair, entre
dos elementos mais importantes e sensíveis Outubro 2002 e Abril 2003, escrevera textos
deste escândalo: supostamente de mais de 20 cidades diferen-
tes, pertencentes a seis estados, mas não
“Veja-se o artigo de quatro páginas apresentara nem uma conta de hotel, bilhete
do Times, supostamente contando tudo de avião ou despesa de transporte - porque,
acerca de Blair. Pelo tom auto-com- de facto, nunca saíra do seu apartamento em
placente da peça, bem como do Nova Iorque - e ninguém pareceu espantar-
editorial desse dia, tornava-se bem se com tal situação);
claro que o Times pensava que estava - suspeitas de favoritismos pessoais
a deixar o escândalo para trás das (Blair foi promovido para a equipa nacional
costas. Mas qualquer leitor mediano quando já se acumulavam muitas dúvidas
- que não a gestão do Times - podia sobre a lisura de alguns dos seus procedi-
ter-lhes dito que este “dizer-tudo” não mentos e se sucediam as correcções aos seus
dizia nada sobre o cerne da história. textos, sendo que o director Howell Raines
As questões da raça ou da cultura do gostava do seu estilo “agressivo”, da sua
Times ou o estilo pessoal de [gestao “fome” de trabalho e da sua disponibilidade
de] Raines eram passadas em claro”. permanente, o mesmo sucedendo com o
(Mandy Grunwald12) director-adjunto, Stephen Boyd, negro como
Jayson, e muito empenhado em favorecer a
“[A autocrítica publicada pelo NYT] política de “diversidade” no jornal);
foi um julgamento em que o Times - gestão demasiado centralizada e
funcionou como investigador, acusa- verticalizada por parte da Direcção Edi-
dor, advogado de defesa, juiz, júri e torial (propiciadora, de acordo com os jor-
executante. Foi um julgamento-espec- nalistas da casa, de um clima de intimidação,
táculo (‘show trial’), destinado a de individualismo, de falta de debate interno,
expurgar o rasto e a memória de e também de desresponsabilização das che-
Jayson Blair e a procurar a absolvi- fias intermédias).
ção dos leitores. (...) Este ritual de Os variadíssimos debates, internos e
confissão, absolvição e penitência externos, à volta destas questões, rapidamen-
acaba, sem querer, por esconder tanto te amplificados (sinal dos tempos...) pelo
quanto revela. As instituições têm os recurso generalizado à comunicação através
comportamentos desviantes que me- de e-mails, de chat-rooms e de weblogs15,
recem. (...) Jornais que valorizam o depressa tornaram evidente que o caso não
original, o espantoso e o rápido ar- iria resolver-se tão facilmente como se
riscam-se a ter muitos plágios e fa- imaginara, pois adquirira uma dimensão
bricações”. ( James Carey13) muito superior à do indivíduo Jayson Blair
- e já extravasara, inclusivamente, dos muros
Face à perplexidade crescente sobre como tradicionalmente sóbrios da “Old Gray
tinha sido possível um jovem repórter ludi- Lady”, como na gíria costuma ser apodado
briar tanta gente, durante tanto tempo, numa o circunspecto NYT.
das organizações jornalísticas mais podero- Que as coisas ganhavam uma dinâmica
sas e supostamente mais fiáveis dos EUA, acelerada prova-o o facto de, ainda nesse mês
64 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

de Maio de 2003, mais um conhecido (e “Uma série de êxitos bastante espec-


premiado) jornalista do NYT, Rick Bragg, se taculares pode ter-nos tornado dema-
ter demitido, depois de suspenso disciplinar- siado auto-convencidos, demasiado
mente por duas semanas. A falha profissional seguros de que o futuro traria sim-
apontada, no caso, foi a utilização, numa plesmente mais do mesmo. Agora
reportagem, de materiais recolhidos no ter- estamos a reexaminar algumas das
reno por um colaborador freelancer do jor- nossas regras e estruturas internas”.19
nal, e não directamente por Bragg, sem que
tal circunstância (e designadamente a assi- A comissão de peritos - chamada “Siegal
natura do colaborador, sob a forma de co- Comitee”, a partir do nome de Allan M.
autoria) tenha sido dada a conhecer aos Siegal, antigo editor do jornal -, haveria de
leitores. Algo, disse mais tarde Rick Bragg, apresentar o seu relatório final logo em Julho
que era prática corrente no NYT16, e que só de 2003, com uma série de sugestões que
fora questionada agora porque haveria um rapidamente foram aceites pelos responsáveis
excesso de zelo para ‘limpar a face’ da casa do NYT: a nomeação, até aí sempre recusada,
e um clima de “caça às bruxas” na esteira de um Provedor do Leitor (“public editor”)
do escândalo Jayson Blair (ironizava-se até - que assumiu funções em Dezembro de 2003
com o nome deste, aludindo a uma espécie -, a nomeação de dois novos editores para
de “Blair Witch Hunt Project”...). tratar quer da vigilância pelo respeito das
Howell Raines e Gerald Boyd, respecti- regras e procedimentos internos”(“standards
vamente director editorial e director adjunto, editor”), quer do recrutamento e formação
acabam por ter de resignar. A demissão, de novos jornalistas (“staffing and career
apresentada em 5 de Junho, é logo aceite pelo development editor”), a revisão e
proprietário do NYT, ele que, menos de um pormenorização de algumas das normas do
mês antes, tinha garantido que não aceitaria Livro de Estilo do jornal, nomeadamente as
tais demissões, pois não desejava “demonizar” que procuram restringir ao máximo o recur-
quem quer que fosse. A medida parece ter sido so a fontes não identificadas e as que obri-
generalizadamente bem aceite no interior do gam a um respeito escrupuloso da transcri-
jornal, embora houvesse também quem se ção de citações em discurso directo, quando
perguntasse, aqui e ali, se não se estaria”“a apresentadas entre aspas.
fazer dos jornalistas bodes expiatórios de um Ultrapassada a tentação inicial de sacri-
sistema disfuncional”17. O ponto mais signi- ficar apenas o responsável individual por um
ficativo era, afinal, a confirmação, já antes conjunto de anormalidades e seguir em fren-
vislumbrada, de que estas saídas “tiveram te, admitida a suposição de que ele era, ao
menos a ver com os desastres de Blair e Bragg menos em parte, produto e sintoma de
do que com o consertar uma redacção que problemas mais vastos no conjunto da re-
para muitos tinha perdido moral desde que dacção, o jornal americano acabou por ir
Raines e Boyd assumiram funções” e onde bastante mais fundo na tentativa de recu-
se multiplicavam” queixas sobre o funciona- perar a sua credibilidade. Não se ficou pelo
mento autocrático do director”18. ‘expurgar’ de um jornalista funcionando de
Entretanto, uma comissão de 20 peritos modo supostamente marginal ao sistema e
e nomes prestigiados do jornalismo, quer de à cultura do jornal; questionou esse próprio
dentro quer de fora do jornal, começou a sistema, essa própria cultura, no pressupos-
trabalhar para tentar perceber melhor tudo o to de que, independentemente do lado
que correra mal com Jayson Blair, tudo o aberrante ou até sociopata de Jayson Blair,
que corria mal num jornal que permitia essas uma conduta individual escandalosa encon-
‘aberrações’ e tudo o que seria preciso al- trara no NYT do tempo um terreno bastante
terar para, no essencial, recuperar uma cre- propício onde germinar e progredir com
dibilidade que se sentia tinha sido fortemen- aparente impunidade, quando não com
te abalada. A decisão de fazer esta vasta aplausos e promoções. Ou seja: o mesmo
auditoria interna era justificada com grande ‘caldo’ que permitira um Jayson Blair podia,
clareza e sentido auto-crítico nas próprias a manter-se, permitir ou favorecer outros,
páginas do jornal: maiores ou mais pequenos.
JORNALISMO 65

As principais controvérsias O próprio NYT, embora sublinhando os


méritos do jovem candidato a jornalista e
Da história aqui evocada emergiram, ao a sua “notável história de trabalho”, não
longo de semanas, diversas controvérsias deixou de referir, no seu célebre ‘mea culpa’
importantes, tendo em vista a compreensão de 11.5.03, que Blair fora admitido para um
do que se passara e a necessidade, por muitos primeiro estágio no’NYT, no Verão de 1998,
pressentida (dentro e fora do NYT), de tirar no âmbito de “um programa de estágios que
algumas lições para o futuro. Assistiu-se, estava então a ser usado em grande parte
assim, a uma progressão de argumentos, numa para ajudar o jornal a diversificar a sua
lógica quase de círculos concêntricos, que redacção”. E também Jayson Blair não se
num primeiro círculo responsabilizava essen- coibiu de fazer referências a essa circuns-
cialmente o jovem Blair (sem esquecer a tância (“Eu era um negro no NYT, algo que
circunstância de ser negro), num segundo te prejudica tanto quanto te ajuda”22), mas
círculo alargava as culpas a uma cultura e admitindo-se igualmente vítima de discri-
a um sistema específico (o do NYT) cujo minação negativa: “Acho que teria sido mais
funcionamento levantava sérias reservas, e difícil entrar no Times, se fosse branco, e
num terceiro círculo inscrevia esse sistema acho que provavelmente também não teria
num outro, mais vasto, o do mercado dos caído tão depressa”23. A verdade é que,
media (e dos media mercantilizados), onde como lembrou Dan Kennedy24, houve nos
seriam detectáveis algumas razões de fundo últimos anos muitos mais escândalos com
para a explicação destes escândalos jornalistas brancos nos EUA, o que não
jornalísticos20. Atentemos nesses três níveis admira, uma vez que, conforme lembra, só
de responsabilização. cerca de 12 por cento dos jornalistas em-
pregados por redacções americanas provém
O jovem jornalista negro
de minorias e só pouco mais de cinco por
cento são negros. Sucede, contudo, que nos
As características de personalidade de
casos com brancos nunca costuma fazer-se
Jayson Blair, visíveis desde os tempos em
referência à cor da pele.
que estudara jornalismo na Universidade de
Esta linha de argumentação sobre a raça
Maryland, foram frequentemente invocadas
rapidamente foi contestada por diversos
para explicar a sua longa história de mentiras
comentadores dos media, que viam nela
no NYT: distúrbios psicológicos, tendências
sobretudo uma tentativa do NYT de encon-
maníaco-depressivas - que obrigaram, junta-
trar desculpas fáceis e rápidas para o su-
mente com alguma dependência de álcool e
cedido e, assim, ficar de bem com a sua
drogas, a tratamentos médicos -, ambição,
desejo de sucesso nos “big-time media”, própria consciência: seria uma justificação
vontade de se destacar21. Para além disso, pela excepção, sem pôr em causa a regra
debateu-se, por vezes com algum excesso, do funcionamento do jornal. Para além disso,
a questão de saber se ele tinha sido tratado surgiram receios de que, através deste caso
com maior condescendência (ou até se tinha negativo, começasse a pôr-se em causa o
tido tão rápida entrada nos quadros esforço dos media americanos por construir
redactoriais do prestigiado NYT) pelo facto redacções com maior “diversidade” em
de ser negro. Convirá recordar que tudo isto termos de minorias. Considerando não só
se passou numa altura (fins dos anos 90 do “falso” como “tolo” dizer que este caso
século passado) em que o tema da “diver- tinha essencialmente a ver com a raça, o
sidade” era presença constante e ‘politica- Provedor do Leitor do Chicago Tribune, Don
mente correcta’ no discurso dos Wycliff, acrescentava que igualmente “tola”
grandes’media americanos, defendendo-se era “a ideia de que o comportamento de
uma atitude de “discriminação positiva” Blair de algum modo pode demonstrar o
(“affirmative action”) que tornasse mais falhanço de todos os esforços para diver-
presentes as diversas minorias - mulheres, sificar os ‘staffs’ das redacções da Améri-
negros, hispânicos - no seio das redacções. ca”25.
66 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

O interior do ‘NYT’ o produziu. Isso não fará apenas


mudar editores; fará mudar atitudes”.
De culpas e responsabilidades meramen- (David Broder29)
te individuais passou-se, então rapidamente
para a descoberta de eventuais culpas mais Para além das já referidas tendência para
alargadas, alegadamente decorrentes do pró- favoritismos pessoais (com vantagem para os
prio ‘sistema’ e modo de funcionamento do jornalistas mais ambiciosos, hiper-competi-
NYT, até porque uma das maiores interro- tivos, sempre ‘em cima’ de histórias
gações do caso continuava a ser como fora candidatas à primeira página30) e fragilidade
possível a um jovem repórter, mesmo da comunicação interna (que fez, por exem-
invulgarmente dotado para a mentira, con- plo, com que até colegas de Blair, aparen-
seguir manter aquelas práticas durante anos, temente conhecedores de algumas situações
e no bastião mais forte, mais exposto, su- duvidosas, não se sentissem à vontade para
postamente também mais organizado, da avisar os editores ou os directores), o interior
imprensa americana: da redacção do NYT e as suas rotinas de
funcionamento pareciam conter alguns ingre-
“Blair parecia intocável não por cau- dientes propiciadores deste tipo de condutas.
sa da raça, dizem jornalistas do Ti- Um das mais insistentemente apontados
mes, mas porque se ajustava ao molde e debatidos foi o do recurso excessivo, e
de Raines [o director] de um jovem raramente questionado pela hierarquia, a
sôfrego [‘hungry’], disponível e fontes não identificadas, mesmo em matérias
empreendedor [‘single go-getter’], de importância nacional que davam títulos
capaz de cair de pára-quedas num sítio de primeira página. Era na garantia de
e produzir rapidamente uma história”. confidencialidade que se escudava Jayson
(Howard Kurtz26) Blair para inventar ou distorcer citações com
razoável impunidade, pois nem sequer os
“À respeitabilidade e à verificação das editores directos cuidavam muitas vezes de
fontes, ele [Howell Raines, o direc- saber quem eram as fontes por ele consul-
tor] prefere uma política de golpes tadas31. Este é um procedimento bastante
[‘coups’], postos em destaque na generalizado, sobretudo no jornalismo polí-
primeira página. Selecciona uma tico americano (e não só…), não faltando
equipa de jornalistas-vedeta, aos quais quem o veja em alguma medida legitimado
confia as melhores reportagens. Ape- pelo impacto histórico do “caso Watergate”,
sar da sua falta de experiência, Blair descoberto e desenvolvido com a preciosa
é um deles”. (Fabrice Rousselot27) ajuda de uma até hoje anónima “Garganta
Funda”. Embora, na generalidade dos jor-
“A real lição do caso Blair é que o nais, os responsáveis editoriais tendam a
sistema do Times para lidar com o concordar em que este recurso deve ser usado
rigor [‘accuracy’] no seu jornal e a com parcimónia e prudência, ele entranhou-
disciplina na sua redacção é muito se de tal modo nos hábitos de quem faz e
facilmente infringido - se é que existe quem cobre a actividade política (com ga-
sequer algum sistema. (...) Uma nhos para ambas as partes e sempre com o
incontornável conclusão deste escân- argumento final de que ‘se eu não faço, o
dalo é que o Times desenvolveu uma meu concorrente faz e fica em vantagem’),
tolerância doentiamente dependente que as práticas raramente se adequam às
[‘addictive’] face a fontes anónimas, doutrinas32. Não foi certamente por acaso que
a cocaína [‘crack cocaine’] do jorna- uma das consequências mais imediatas do
lismo”. (N/A28) “caso Blair” se traduziu na revisão muito
pormenorizada, em diversos jornais para além
“Se a liderança do Times tiver juízo, do NYT (um deles foi o competidor directo
deve reconhecer este desastre Washington Post) das circunstâncias em que
institucional em tudo o que ele é de podem utilizar-se fontes não identificadas. E
facto e reflectir sobre a cultura que uma das novas normas adoptadas foi a de
JORNALISMO 67

que, sendo necessário ocultar o nome de uma O contexto envolvente


fonte de informação num texto publicado, ele
deve, em todo o caso, ser revelado ao editor Num terceiro, e mais alargado, nível de
responsável (com o natural dever solidário reflexão sobre as potenciais origens e razões
de sigilo, que obriga não só o jornalista, mas deste tão notório desvio às regras básicas do
o jornal). jornalismo por parte de um jovem repórter
Esta foi, afinal, uma das medidas tenden- aparentemente talentoso e bem formado numa
tes a aperfeiçoar e a reforçar os mecanismos escola da especialidade, diversos analistas e
de controlo e de “accountability”- de estudiosos chamaram a atenção para o con-
responsabilização, de prestação de contas - texto mais vasto em que estas práticas in-
no interior do NYT, pois se concluiu que eles dividuais (de Jayson Blair) e colectivas (do
eram poucos e frágeis, a ponto de permiti- NYT) se inseriam, e de onde em alguma
medida decorriam. Sem querer desculpabilizar
rem os abusos continuados de Jayson Blair
a pessoa concreta que tantas fraudes come-
sem grandes sobressaltos. Este reduzido
tera (como comentava o director do The
controlo das matérias a serem publicadas é
Denver Post, Greg Moore, “pode parecer
em parte compreensível para o
assustador, mas toda esta actividade é ba-
meio em questão33, mas em parte tam- seada na confiança”36) ou o jornal concreto
bém pouco desculpável no caso vertente, onde elas puderam acontecer tão
atendendo aos ‘rastos’ que Blair foi deixan- continuadamente (como dizia David Broder,
do e às estranhas coincidências que o en- “o pecado mais fundo do jornalismo dos
volviam (por que motivo os outros media grandes meios é a arrogância, a crença na
não pegavam em algumas das ‘cachas’ di- nossa omnisciência, a crença de que sabe-
vulgados pelo repórter?...). Como sintetizava mos tanto que não precisamos de ouvir as
Rem Rieder, vozes críticas”, e “o Times enquanto insti-
tuição é quem lidera o grupo no que toca
“Não há maneira de impedirmos à arrogância”37), o episódio chamou a aten-
pessoas sem escrúpulos de fazerem ção para algumas tendências mais recentes
coisas más. Mas tem de haver uma da indústria mediática, bem como das suas
maneira de as apanhar mais rapida- envolventes económico-empresarial e
mente – particularmente quando dei- tecnológica, que podem propiciar este tipo
xam tantas pistas”.34 de comportamentos pouco profissionais e
nada éticos.
Mas não só para dentro de portas se sentia
a falta de “accountability”. A ausência de “Segundo diversos analistas, o escân-
instrumentos facilitadores da”comunicação dalo Blair é sintomático de uma erosão
dos leitores com o jornal (de que foi exem- generalizada na ética do jornalismo
plo muito comentado a inexistência de um que começou há cerca de 15 anos,
Provedor do Leitor, sempre recusado, até à quando a difusão dos jornais come-
çou a descer rapidamente. Os jornais,
data, pelos responsáveis do NYT) terá aju-
vendo os seus leitores sugados pela
dado a explicar uma das maiores perplexi-
televisão, começaram a pedir histó-
dades deste caso: por que motivo as pessoas
rias mais coloridas e envolventes”.
envolvidas nas invenções, distorções ou
(Alexandra Marks38)
plágios saídos da caneta de Blair nunca, ou
quase nunca, se queixaram ao NYT ? Ficou “Quanto àquilo que está mal generi-
a ideia de que elas estarão já acostumadas camente no jornalismo americano,
a tais práticas jornalísticas e a olhá-las como precisamos de uma nova definição de
“procedimentos normais”- o que é grave - sucesso (…) Blair operava sob o credo
, ou, então, que não acreditam que alguma (auto-imposto ou não) de que, para
iniciativa nesse domínio possa ser bem re- conseguir subir numa profissão e num
cebida e produzir algum efeito concreto no negócio que cada vez mais mede as
jornal - o que não é menos grave35. suas vitórias pela celebridade e não
68 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

pela substância, uma pessoa tem que compagináveis com o rigor ou o aprofunda-
ganhar grande (‘win big’) e ganhar mento razoável das matérias e fragilizam a
muitas vezes. É uma mentalidade que capacidade de resistência a solicitações de
cresceu nos últimos 20 anos”. (Ed trabalho eticamente duvidosas. É também
Goodpaster 39) num ‘caldo’ destes que podem surgir e medrar
- por vezes com o incentivo das próprias
“O fosso entre ideais professados e chefias - comportamentos do tipo do de
práticas encorajadas é precisamente Jayson Blair:
aquilo que um sociopata explora.
Essas personalidades são especialmen- “No hiper-competitivo mundo dos
te capazes de retirar vantagem da media mais importantes, a tentação de
fraqueza e da vaidade de organizações fazer batota foi obviamente maior do
e de indivíduos, de saber quem pre- que aquilo que Blair podia aguentar.
cisa de ser bajulado e de que modo, “Ele parecia estar a fazer o trabalho
e que caminhos podem ser atalhados de três pessoas - três talentosas
com segurança. Eles reconhecem o pessoas - e ganhava o respeito e
poder de um segredo bem guardado: gratidão dos seus directores. Como
a cultura do jornalismo professa le- poderia ele parar?…” (Dan Kennedy41)
aldade à verdade, minúcia, contexto
e sobriedade, mas de facto recompen- Mas o problema não está apenas no
sa a proeminência, a ‘cacha’, o des- interior das redacções, ou até nas escolas que
tacar-se da multidão e a narrativa preparam futuros jornalistas - e que, na
capaz de fascinar. Os sociopatas sequência deste caso, começaram um pouco
acreditam que só estão a dar aos seus por toda a América a perguntar-se se estarão
superiores aquilo que é secretamente a dar aos jovens a formação ética adequada,
desejado. (…) O número de jornalis- e necessária, para a imersão neste mercado
tas assim arrisca-se a ir aumentando tão tentador como exigente. O contexto
no mundo que estamos a criar. (…) envolvente aqui referido sugere também uma
Os sociopatas, em toda a sua anor- erosão acentuada na relação entre as pes-
malidade, dão-nos novamente lições soas e os media, bem como nas represen-
sobre os mistérios mais recônditos do tações que hoje têm do jornalismo em geral,
normal”. (James Carey40) e dos jornalistas em particular. A impressão
frequente de que “não vale a pena
Foi certamente por estes motivos queixarmo-nos aos jornais” porque “todos
enquadradores que o caso de Jayson Blair fazem isso”, ou a aceitação passiva de gran-
acabou por adquirir uma dimensão bem des ou pequenas ‘ficções’ a temperar os
superior a ele próprio ou ao seu jornal, ‘factos’ como algo normal no trabalho de
apontando pistas de reflexão para o jorna- jornais e televisões, é um sintoma que vai
lismo que se faz hoje, designadamente na corroendo uma relação que devia ser de
imprensa, e até nos órgãos de comunicação confiança - e que tem efeitos profundos no
- os chamados “de referência” - que nos contexto de uma sociedade democrática,
habituáramos a ver, apesar de tudo, com como eloquentemente explicou Richard C.
vontade de resistir aos apelos fortes da Wald:
informação-espectáculo, da facilidade, da
ligeireza ou do nivelamento ‘por baixo’ no “Então o caso de Jayson Blair está
que toca à tentativa de captação de audiên- empolado, certo? Errado. Ele fere o
cias. Times, o que é uma vergonha; ele fere
Estas pressões sentem-se nas empresas de o jornalismo, embora nós sobreviva-
media e particularmente nas redacções, onde mos a isso; mas ele fere a sociedade
os constrangimentos económicos e a escas- de modos que normalmente não são
sez progressiva (aliada à precariedade cres- muito considerados (…)”.
cente) de emprego aumentam a competição, “Se uma série de gente desistiu, ou
impõem ritmos de produção dificilmente não conseguiu queixar-se de uma
JORNALISMO 69

instituição tão proeminente como o nem sempre verificada no passado), sugerin-


NYT, se as pessoas não se queixam do que todas as partes podem ter tirado alguns
acerca de uma miríade de outras coisas dos ensinamentos do sucedido. Um deles é
que estão erradas, então a separação o que foi posto em evidência pela directora
entre a imprensa e as pessoas já vai de um pequeno diário americano, Jeannine
suficientemente longe e fundo para se Guttman, ao sustentar que “os leitores são
tornar perigosa para todos nós (…)”. o supremo posto de controlo da qualidade
“Quando a informação se torna pas- dos jornais”43. O controlo, afinal, que não
sageira e não valiosa, quando já não funcionou no NYT.
interessa quem a traz até ti ‘porque No fundo, era tudo mais fácil se pudés-
eles são todos iguais’, a sociedade semos resumir o episódio de Jayson Blair a
civil tem um problema. (…) A nossa um desvio patológico, a um comportamento
sociedade é baseada na informação, aberrante e exterior ao sistema, a uma anor-
simultaneamente aceite como verda- malidade individual rapidamente identificá-
deira e importante de se ter. Se nós vel, isolável e expurgável. Do que em di-
pensamos que não é verdadeira e que versos meios profissonais e académicos se
não vale a pena queixarmo-nos disso, foi reflectindo e debatendo sobressai, con-
então temos um problema muito maior tudo, a ideia bastante clara de que o caso
do que o Sr. Blair ou o New York foi muito para além disso - na dimensão, no
Times”42. impacto e nas consequências -, tendo sido
encarado (e trabalhado) como sinal particu-
Vale a pena sublinhar, apesar de tudo, que larmente revelador de um tempo e de um
este caso parece ter espevitado um pouco os modo que suscitam tantas interrogações como
leitores de jornais (também graças à capa- apreensões. Como dizia James Carey no texto
cidade de iniciativa que estes finalmente acima referido 44, foi mais uma vez um
mostraram, abrindo canais de comunicações sociopata a dar-nos, com todas as suas
mais ágeis com os seus públicos, solicitando anormalidades, ensinamentos importantes
expressamente o envio de queixas ou críticas quanto às teias que vamos tecendo sob a capa
e fazendo eco delas com uma receptividade do normal.
70 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

_______________________________ assinaturas”, disse Rick Bragg, cit. por Tara


1
Este trabalho inscreve-se no projecto de Burghart, “New York Times reporter Bragg
investigação “MEDIASCÓPIO - Estudo sobre a resigns”, in Associated Press Online, 29.5.03.
17
reconfiguração do campo da comunicação e dos Estas são palavras de Errol Cockfield,
media em Portugal”, em curso no Centro de presidente da Associação Nova-Iorquina de Jor-
Estudos de Comunicação e Sociedade, do Insti- nalistas Negros, que acrescentou: “Há muitos
tuto de Ciências Sociais da Universidade do jornalistas negros que se interrogam sobre se, num
Minho, e financiado pela Fundação para a Ciência esforço para restaurar a credibilidade, o NYT não
e Tecnologia (FCT), através do Programa Sapiens. terá ido longe demais” (Errol Cockfield, citado
2
Universidade do Minho por Jacques Steinberg, “Times’s two top editors
3
Kelly McBride, “What’s fit to print”, in resign after furor in writer’s fraud”, in The New
Poynter Ethics Journal – PoynterOnline, 11.5.03.– York Times, ed. de 6.6.03). Convém recordar, de
4
Douglas C. Clifton, cit. por Joe Strupp, resto, que o editor-adjunto Stephen Boyd, agora
“Lessons from the Blair affair”, in Editor & demitido, era o primeiro negro, em toda a história
Publisher, ed. de 9.6.03. do NYT, num cargo de tão alta responsabilidade.
5
Robert Leger, presidente da Society of 18
Joe Strupp, “Lessons from the Blair affair”,
Professional Journalists (EUA), cit. por Mark in Editor & Publisher, ed. de 9.6.03.
Fitzgerald, “Blair fallout impacts newspapers 19
N/A, “Leadership at the Times” (Editorial),
across U.S”, in Editor & Publisher, ed. de 20.5.03. in The New York Times, ed. de 6.6.03.
6
Cit. em “Correcting the record - Times 20
E convirá notar que o “caso Blair” não é
reporter who resigned leaves long trail of único, pois situações igualmente graves foram
deception”, N/A, in The New York Times, ed. de encontradas, na última vintena de anos, nos mais
11.5.03. importantes jornais americanos: The Washington
7
Ibidem. Post / “caso Janet Cooke” (1980), The Wall Street
8
A referência à cor de pele do jornalista é Journal / “caso R. Foster Winans”, Los Angeles
significativa para a compreensão global da his- Times / “caso Staples Center” (1999), USA Today
tória, pois, como adiante se verá, foi um dos /“caso Jack Kelley” - o mais recente, ocorrido
elementos mais presentes nas polémicas então já em 2004 -, The Boston Globe / “caso P. Smith
geradas. & M. Barnicle” (1998), New Republic / “caso
9
N/A, “Correcting the record – Times reporter Stephen Glass” (1998) - deste último, aliás, se
who resigned leaves long trail of deception”, in fez o filme “Shattered Glass”, cuja estreia em
New York Times, ed. de 11.5.03. Portugal ocorreu em Abril de 2004. No caso
10
Tim Rutten, “A sweeping journalistic mea português, a memória recente (Janeiro/Fevereiro
culpa”, in Los Angeles Times, ed. de 12.5.03. de 2003) traz-nos a cena o caso de plágio
11
Alberto Dines, “Fim da caixa preta, con- protagonizado por Clara Pinto Correia nas pági-
trole social: avanço republicano”, in Observatório nas da revista “Visão”.
da Imprensa, 27.5.03. 21
Como ironiza Aileen Jacobson (“Struggles
12
Mandy Grunwald, “Journalists used to for an“‘idealistic liar’”, in Newsday.Com, 15.3.04),
judging, not to being judged”, in American essa tendência levou-o mesmo a decidir acrescen-
Journalism Review – AJR.Com, ed. especial, Junho tar um “y” ao seu mais banal nome original -
de 2003. Jason.
13
James Carey, “Mirror of the Times”, in The 22
Jayson Blair em entrevista a Sridhar Pappu,
Nation, ed. de 29.5.03.
14 “’So Jayson Blair could live, the journalist had
O próprio NYT o admitiu, no extenso “mea
to die’”, in New York Observer, ed. de 26.5.03.
culpa” da edição de 11.5.03: “Algo falhou cla- 23
Jayson Blair em entrevista a Brian Braiker,
ramente na redacção do Times. Parece ter sido
“The Blair Witch Project”, in Newsweek, ed. de
a comunicação – ela que é o próprio objectivo
do jornal”. 11.3.04.
24
15
Mark Glaser, num texto publicado na Online Dan Kennedy, “News at the brink”, in
Journalism Review (“For bloggers, NYT story was Boston Phoenix, ed. de 23-29.5.03.
25
fit to print” - 10.6.03), chega a sugerir que a Don Wycliff, “The disciplines of
agitação provocada por esta história nos meios journalism”, in Chicago Tribune, ed. de 15.5.03.
26
da Net significou para o “site Romenesko” – um Howard Kurtz, “After Jayson Blair, a diverse
conhecido “weblog” de comentário e crítica dos array of questions”, in Washington Post, ed. de
“media”–, em termos de promoção,–“o que a 19.5.03.
27
primeira Guerra do Golfo Pérsico significou para Fabrice Rousselot, “Le New York Times perd
a CNN”.” ses huiles”, in Libération, ed. de 6.6.03.
16 28
“Há ali [no NYT] uma grande diferença N/A, “The Times addiction to anonymous
entre a política de assinaturas e a prática de sources”, in Editor & Publisher, ed. de 22.5.03.
JORNALISMO 71

29
David Broder, “The perils of arrogance”, indulgência que, pela sua própria lógica, estava
in Washington Post, ed. de 11.6.03. destinada a acabar mal”.
34
30
Não é certamente por acaso que algumas Rem Rieder, “The Jayson Blair affair”, in
das “fabricações” mais comentadas de Blair sur- American Journalism Review, ed.”Junho 2003.
35
giram quando ele cobria temas “emocionalmente Aquando deste caso, foi muito referida uma
fortes na história recente” dos EUA (como se sondagem de 2002 do Pew Research Center (citada
lhes referiu o próprio NYT em 11.5.03), fossem no jornal PÚBLICO, ed. de 19.5.03) que apurara
eles o 11 de Setembro, o caso do “sniper” as- que 56 por cento dos americanos considerava que
sassino nos subúrbios de Washington ou as his- os “media” cometem “erros frequentemente” e
tórias das famílias de soldados enviados para a 67 por cento achava que os jornalistas “procuram
guerra no Iraque. Histórias cheias de impacto e encobrir esses erros”. Uma outra sondagem, esta
emoção, títulos fortes, temas de grande expecta- de 2003 e da autoria da Gallup (citada no jornal
tiva pública, tornavam ainda mais permeável o PÚBLICO, ed. de 1.6.03), reforçava esta tendên-
já de si pouco rigoroso”‘crivo’ da hierarquia do cia: 62 por cento dos inquiridos era de opinião
que as notícias dos “media” são frequentemente
jornal.
31 inexactas”- o valor mais baixo desde 1985.
E o facto de Jayson Blair chegar frequen- 36
Greg Moore, cit. por Joe Strupp, “Boyd says
temente à redacção com citações “too good to
some at NY-Times are scared”, in Editor &
be true” não só não levantava suspeitas,
Publisher, ed. de 13.5.03.
estranhamente, como até parecia satisfazer os 37
David Broder, “The perils of arrogance”,
directores, sempre ávidos de títulos fortes, in Washington Post, ed. de 11.6.03.
apelativos, e de manchetes com grande impacto... 38
Alexandra Marks, “New York Times
32
Dizia a ex-provedora do leitor do Washing- resignations signal industry turmoil”, in Christian
ton Post, Geneva Overholser (cit. por Joe Strupp, Science Monitor, ed. de 6.6.03.
“Hard times: journalism’s credibility problem”, in 39
Ed Goodpaster, “Journalism’s weakest link”,
Editor & Publisher, ed. de 11.6.03): “Já fomos in Christian Science Monitor, ed. 27.5.03.
além de todos os códigos por que nos regíamos: 40
James Carey, “Mirror of the Times”, in The
até permitimos a fontes anónimas que dêem Nation, ed. de 29.5.03.
opinião…”. 41
Dan Kennedy, “News at the brink”, in
33
Como escreveu Elizabeth Colbert (“Tumult Boston Phoenix, ed. de 23-29.5.03.
in the newsroom”, in New Yorker de 30.6.03), 42
Richard C. Wald, “How to worry about the
“o Times não supervisiona os seus repórteres - Blair affair”, in Columbia journalism Review,
é dado por adquirido que eles tratam bem as edição nº 4 - Julho/Agosto 2003.
43
coisas”. E mais adiante:” Jeannine Guttman, citada por Mark
“O jornalismo diário, por uma série de razões Jurkowitz, “Since the Jayson Blair scandal, more
práticas, depende desta espécie de confiança.(...) readers are becoming watchdogs”, in The Boston
O problema, no caso de Blair, é que o Times torceu Globe, ed. de 11.6.03.
44
as suas regras para o manter no trabalho - uma Ver nota 38.
72 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 73

Uma Teoria Multifactorial da Notícia


Jorge Pedro Sousa1

1. Introdução explicativa global para as notícias - é uma


questão de sistematizar esses dados. Este é
À semelhança das ciências exactas e um dos principais argumentos que sustenta
naturais, as ciências humanas e sociais devem as teses “unionistas”.
procurar agregar os dados dispersos forne-
cidos pela pesquisa em teorias integradoras 1.2 Tendência “unionista” para a explica-
susceptíveis de explicar determinados fenó- ção das notícias
menos com base em leis gerais predictivas,
mesmo que probabilísticas. As ciências da Em 1988, Michael Schudson escreveu que
comunicação devem, assim, ultrapassar a sua as teorias unidimensionais não conseguem
condição de “disciplinas sérias”, como lhes explicar as notícias. “As explicações para as
chamou Debray 2 , para assumir a sua notícias serem o que são só terão interesse
cientificidade, como pretendia Moles (1972). se pressupomos que não é óbvio as notícias
Isto implica avançar para a enunciação de serem o que são. Se estivermos convencidos
teorias sempre que os pesquisadores consi- de que as notícias apenas espelham o mundo
derem que existem dados científicos e evi- exterior ou que simplesmente imprimem os
dência suficientes. No campo do jornalismo, pontos de vista da classe dominante, nesse
essa opção tem sido seguida por pesquisa- caso não é necessário mais nenhuma expli-
dores como Shomaker e Reese (1992), Sousa cação.” (Schudson, 1988: 17) Por isso, para
(2000; 2002) e mesmo Schudson (1988), compreender as notícias, segundo Schudson
contando, porém, com a oposição de autores (1988), há que conciliar várias explicações.
como Traquina (2002) ou Viseu (2003). Isoladas, essas explicações são insuficientes
para explicar as notícias que temos e por que
1.1 Tendência “divisionista” para a expli- elas são como são, mas em conjunto revelam
cação das notícias todo o seu poder explicativo:
a) Acção pessoal – As notícias são um
Há autores que consideram que as ex- produto das pessoas e das suas intenções.
plicações que têm sido avançadas para ex- b) Acção social – As notícias são um
plicar os formatos e conteúdos das notícias produto das organizações noticiosas, da sua
são insuficientes para se edificar uma teoria forma de se adaptarem ao meio e dos seus
do jornalismo e por vezes são também constrangimentos, independentemente das
antagónicas e contraditórias. O mais intenções pessoais dos intervenientes no pro-
referenciado defensor lusófono desta tese é, cesso jornalístico de produção de informação.
provavelmente, Nelson Traquina (2001; c) Acção cultural – As notícias são um
2002). Para Traquina (2002: 73-129) há a produto da cultura e dos limites do conce-
considerar várias “teorias”: do espelho; da bível que uma cultura impõe, independen-
acção pessoal ou do gatekeeper; organiza- temente das intenções pessoais e dos cons-
cional; acção política; estruturalista; trangimentos organizacionais.
construcionista; e interaccionista. As diferen- Ao reconhecer as insuficiências das
tes “teorias” expostas por Traquina, contudo, explicações unidimensionais e ao cruzar essas
não têm fronteiras muito bem definidas. Há explicações para explicar por que é que as
entre elas pontos de contacto, explicações notícias são como são, Michael Schudson dá
comuns. Por exemplo, as rotinas são rele- pistas para se alicerçar uma teoria unificada
vadas em várias delas. Usando os mesmos do jornalismo, no que diz respeito ao pro-
dados de Traquina, é possível tecer uma teia cesso de produção de informação.
74 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Por seu turno, ao estudar o processo de– organizacionais; d) influências do meio


gatekeeping no jornalismo, Pamela externo às organizações noticiosas; e e)
Shoemaker (1991), baseada nos resultados de Influências ideológicas.
pesquisas anteriores, deu conta da existência Conforme é notório, em relação ao tra-
de diversos factores que influenciam esse balho de Shoemaker de 1991 os autores
processo. Esses factores foram agregados pela reconhecem a importância da ideologia como
autora em quatro níveis de influência: um factor capaz de influenciar o conteúdo
a) A um nível individual, o processo de das notícias. Agregando as ideias de
gatekeeping é influenciado por modelos de Shoemaker e Reese às de Schudson, e tendo
pensamento, pela heurística cognitiva, por em conta as perspectivas “divisionistas” de
valores e características pessoais, pela con- Traquina (2001; 2002), é possível perceber
cepção que os intervenientes no processo têm que numa coisa os estudiosos do jornalismo
do seu papel social, etc. estão de acordo: os resultados das pesquisas
b) Entre o nível individual e um terceiro colocam em evidência que factores de na-
nível, o processo é influenciado pelas rotinas tureza pessoal, social (organizacional e ex-
produtivas; tra-organizacional), ideológica e cultural
c) A um nível organizacional, o processo enformam e constrangem as notícias. Uma
de selecção e produção de informação é teoria unificada do jornalismo tem de partir
constrangido pelas características desse património comum de conhecimento
organizacionais (recursos, hierarquias, etc.), científico sobre jornalismo.
pelos processos organizacionais de sociali-
zação dos jornalistas e pelas dinâmicas 1.3 Circulação, consumo e efeitos das
próprias que a organização noticiosa estabe- notícias
lece com o meio;
d) A um nível social, institucional, extra- Uma teoria unificada do jornalismo e da
organizacional, o processo de gatekeeping é notícia fica incompleta se não lhe for agre-
influenciado pelas fontes de informação, pelas gada a componente dos efeitos das notícias.
audiências, pelos mercados, pelas entidades Shoemaker e Reese (1991; 1996: 258-260),
publicitárias, pelos poderes políticos, judici- por exemplo, chamam a atenção para a
ais, etc., pelos lóbis, pelos serviços de re- necessidade de se interligarem os efeitos das
lações públicas, por outros meios notícias e as influências sobre os conteúdos
jornalísticos, etc. noticiosos numa teoria unificada da notícia
Resumindo, ao explicar o processo de (ou do jornalismo). Os autores argumentam
gatekeeping Pamela Shoemaker montou as que é necessário conhecer os conteúdos das
bases para a edificação de uma teoria notícias para se perceberem os respectivos
unificada capaz de explicar o processo efeitos; e que só se percebem os efeitos
jornalístico de produção de informação, com quando se conhecem os conteúdos. Por outras
base na interacção de diferentes forças. Mais palavras, pode-se dizer que a notícia apenas
tarde, Pamela Shoemaker e Stephen Reese se esgota na sua fase de consumo, que é,
(1991; 1996) voltaram a essa temática, tendo precisamente, a fase em que produz efeitos.
complementado e aprofundado a explicação Além disso, Shoemaker e Reese (1991; 1996:
inicial de Shoemaker. Do trabalho de 1996, 260) realçam que os efeitos das notícias sobre
publicado sob a forma de livro (Mediating a sociedade, as instituições e os poderes
the Message - Theories of Influences on Mass podem, por sua vez, repercutir-se retroacti-
Media Content), resultou a construção de uma vamente sobre os meios jornalísticos e,
teoria unificada dos conteúdos noticiosos, portanto, sobre as notícias e os seus conteú-
ligada, ademais, aos efeitos desses conteú- dos.
dos. Tal como no livro Gatekeeping (1991), A concepção dos efeitos das notícias deve
de Shoemaker, os autores de Mediating the partir da teoria da dependência, pela primei-
Message estruturam a sua teoria da notícia ra vez proposta por Ball-Rokeach e DeFleur
em vários níveis de influência: a) influências (1976). Para estes autores, os meios de
dos trabalhadores dos media; b) influências comunicação, nos quais se incluem os meios
das rotinas produtivas; c) influências jornalísticos, são a principal fonte de informa-
JORNALISMO 75

ção que a sociedade tem sobre si mesma. É preciso também notar que o conceito
São também os meios de comunicação os de notícia tem uma dimensão que podería-
agentes mais relevantes para pôr em contac- mos classificar como táctica e uma dimensão
to os múltiplos subsistemas sociais. Assim, que poderíamos classificar como estratégica.
as pessoas, os grupos, as organizações e a A dimensão táctica esgota-se na teoria dos
sociedade em geral dependem dos meios de géneros jornalísticos. Nessa dimensão, dis-
comunicação para se manterem informados tingue-se notícia de outros géneros, como a
e para receberem orientações relevantes para entrevista ou a reportagem. Todavia, a di-
a vida quotidiana. Quanto mais uma soci- mensão estratégica encara a notícia como todo
edade está sujeita à instabilidade ou à o enunciado jornalístico. Esta opção é aquela
mudança, mais as pessoas, os grupos e as que interessa à teoria do jornalismo enquan-
organizações dependem da comunicação to teoria que procura explicar as formas e
social para compreenderem o que acontece, os conteúdos do produto jornalístico.
receberem orientações e saberem como agir. Complementando uma definição de no-
O modelo da dependência desenvolvido tícia dada por Sousa (2000; 2002), pode dizer-
por Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993) tem se que uma notícia é um artefacto linguístico
também a vantagem de sistematizar muito que representa determinados aspectos da
pertinentemente os efeitos da comunicação realidade, resulta de um processo de cons-
social e, portanto, das notícias. Esses efeitos trução onde interagem factores de natureza
circunscrevem-se a três categorias: efeitos pessoal, social, ideológica, histórica e do meio
cognitivos (teorias do agenda-setting, da físico e tecnológico, é difundida por meios
tematização, da construção social da reali- jornalísticos e comporta informação com
dade, do cultivo, da socialização pelos media, sentido compreensível num determinado
do distanciamento social, da espiral do si- momento histórico e num determinado meio
lêncio, etc.) efeitos afectivos (teoria dos usos sócio-cultural, embora a atribuição última de
e gratificações, etc.) e efeitos comportamen- sentido dependa do consumidor da notícia.
tais (consequência dos outros dois tipos de A notícia é um artefacto linguístico
efeitos). A grande vantagem desta sistema- porque é uma construção humana baseada na
tização é facultar a integração de diversas linguagem, seja ela verbal ou de outra
“teorias” dos efeitos nessas três grandes natureza (como a linguagem das imagens).
macro-categorias. A notícia nasce da interacção entre a rea-
É necessário ter-se em consideração que lidade perceptível, os sentidos que permitem
quando se fala de efeitos das notícias se fala ao ser humano “apropriar-se” da realidade,
de efeitos possíveis ou mesmo prováveis a a”mente que se esforça por apreender e
larga escala. No entanto, convém não ignorar compreender essa realidade e as linguagens
que, em última análise, os efeitos de uma que alicerçam e traduzem esse esforço
notícia são relativos, pois dependem de cada cognoscitivo.
consumidor da mesma em particular3. As notícias ocupam-se com as aparências
dos fenómenos que ocorrem na realidade
2. Notícia social e com as relações que aparentemente
esses fenómenos estabelecem entre si. A
Uma teoria científica tem de delimitar notícia não espelha a realidade porque as
conceptualmente os fenómenos que explica limitações dos seres humanos e as insufici-
e prevê. A teoria do jornalismo deve ser vista ências da linguagem o impedem4. Por isso,
essencialmente como uma teoria da notícia, a notícia contenta-se em representar5 parce-
já que a notícia é o resultado pretendido las da realidade, independentemente da
do processo jornalístico de produção de in- vontade do jornalista, da sua intenção de
formação. Dito por outras palavras, a no- verdade e de factualidade. Essa representa-
tícia é o fenómeno que deve ser explicado ção é, antes de mais, indiciática6. A notícia
e previsto pela teoria do jornalismo e, por- indicia os aspectos da realidade que refere.
tanto, qualquer teoria do jornalismo deve es- Ao mesmo tempo, a notícia indicia as cir-
forçar-se por delimitar o conceito de notí- cunstâncias da sua produção. Ou seja, entre
cia. notícia, realidade e circunstâncias de produ-
76 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ção há um vínculo de contiguidade. Mas a 3. A Teoria Multifactorial da Notícia (como


notícia pode também ter estabelecer relações Teoria do Jornalismo)
de semelhança com a realidade que referencia.
Por esse motivo, a notícia pode assumir Uma teoria do jornalismo deve partir da
igualmente uma dimensão icónica7, corres- observação de que há notícias jornalísticas11
pondente, aliás, à própria ambição de e de que estas têm efeitos. Em resultado desta
iconicidade dos jornalistas que a produzem, evidência, uma teoria do jornalismo deve
ou seja, à vontade de o enunciado produzido centrar-se no produto jornalístico -a notícia
(notícia) ser semelhante à realidade enunci- jornalística, explicando como surge, como se
ada. difunde e quais os efeitos que gera. Em suma,
Vários factores interferem na construção a teoria do jornalismo deve
da notícia. A natureza indiciática da notícia, consubstancializar-se como uma teoria da
ou seja, o facto de na notícia estarem notícia e responder a duas questões: a) Por
indiciadas as circunstâncias da sua produ- que é que as notícias são como são e por
ção, permite determinar esses factores, nos que é que temos as notícias que temos
quais se devem basear as explicações que (circulação)? b) Quais os efeitos que as
se dão para explicar por que temos as notícias geram?
notícias que temos e por que as notícias são Uma teoria da notícia, à semelhança de
como são. Na teoria unificada do jornalis- outras teorias científicas, deve ser enunciada
mo que neste texto se sustenta, esses fac- de maneira breve e clara, deve ser universal,
tores podem ser de natureza pessoal, social, deve ser traduzível matematicamente e deve
ideológica, histórica e do meio físico e ainda ser predictiva. Deve atentar no que une
tecnológico. e é constante e não no que é acidental. Isto
Uma teoria do jornalismo deve ocupar- significa que o enunciado da teoria deve ser
se unicamente da notícia enquanto fenóme- contido, explícito e aplicável a toda e qual-
no jornalístico, isto é, deve ocupar-se dos quer notícia que se tenha feito ou venha a
enunciados que são produzidos por jorna- fazer.
listas credenciados e que são veiculados em Os resultados das pesquisas realizadas no
espaços jornalísticos por meios campo dos estudos jornalísticos permitem
jornalísticos8. percepcionar que (1) a notícia jornalística é
A notícia comporta informação com o produto da interacção histórica e presente
sentido compreensível num determinado (sincrética) de forças pessoais, sociais
momento histórico e num determinado meio (organizacionais e extra-organizacionais),
sócio-cultural. Se dentro de um contexto um ideológicas, culturais, históricas e do meio
determinado facto emerge da superfície pla- físico e dos dispositivos tecnológicos que
na da realidade, sendo percepcionado como intervêm na sua produção e através dos quais
notável e, portanto, como um acontecimen- são difundidas; e (2) que as notícias têm
to digno de se tornar notícia (Rodrigues, efeitos cognitivos, afectivos e
1988), noutro contexto esse mesmo facto comportamentais sobre as pessoas e, através
pode passar despercebido por não ter um delas, sobre as sociedades, as ideologias, as
enquadramento que permita observá-lo como culturas e as civilizações.
um facto notável, ou seja, como um acon- Matematicamente, a teoria pode traduzir-
tecimento9. se por três equações multifactoriais interli-
Finalmente, a notícia só se esgota no gadas, daí que a teoria aqui expressa possa
momento do seu consumo, já que é nesse denominar-se Teoria Multifactorial da Notí-
momento que ela produz efeitos e passa a cia. A matematização permite identificar,
fazer parte dos referentes da realidade. Esses delimitar, agrupar, sistematizar e sintetizar
referentes são a parte da realidade que for- quer (1) os macrovectores estruturantes das
mam a imagem que os sujeitos constroem notícias, ou seja, as forças em que se inte-
da realidade. Por isso, a construção de sentido gram todos os microfactores que geram e
para uma notícia depende da interacção conformam as notícias, quer (2) os
perceptiva, cognoscitiva e até afectiva que macrovectores estruturantes dos efeitos das
os sujeitos com ela estabelecem10. notícias, ou seja, os macro-efeitos onde se
JORNALISMO 77

podem integrar todas as modificações que foram construídas e fabricadas (força


observáveis que as notícias provocam ou sócio-organizacional - Fso).
podem provocar nas pessoas e através destas • Força ideológica (Fi) – As notícias são
nas sociedades e nas civilizações. originadas por conjuntos de ideias que
A matematização não escamoteia a com- moldam processos sociais, proporcionam
plexidade dos factores que impulsionam e referentes comuns e dão coesão aos grupos,
direccionam a construção das notícias nem normalmente em função de interesses, mes-
a complexidade dos efeitos das mesmas. A mo quando esses interesses não são consci-
matematização permite apenas explicitar os entes e assumidos.
macrovectores estruturantes da construção das • Força cultural (Fc) – As notícias são
notícias e dos seus efeitos. A linearidade das um produto do sistema cultural em que são
equações ajuda a clarificar o processo. Porém, produzidas, que condiciona quer as perspec-
como mostram as equações, os processos tivas que se têm do mundo quer a signifi-
equacionados são complexos, pois a notícia cação que se atribui a esse mesmo mundo
e os seus efeitos aparecem como um produto (mundividência).
de múltiplos factores, que interferem nesses • Força do meio físico (Fmf) – As
processos de forma variável. notícias dependem do meio físico em que são
A Teoria Multifactorial da Notícia pode, fabricadas.
então, ser traduzida nas seguintes equações • Força dos dispositivos tecnológicos
interligadas: (Fdt) – As notícias dependem dos disposi-
tivos tecnológicos usados no seu processo de
N = fabrico e difusão.
f (aFp.bR.cFso.dFseo.eFi.fFc.gFh.hFmf.iFdt) • Força histórica (Fh) – As notícias são
um produto da história, durante a qual agiram
E (AC1C2)N = as restantes forças que enformam as notícias
g (jNf.kNc.lP.mCm.nCf.oCs.pCi.qCc.rCh) que existem no presente. A história propor-
ciona os formatos, as maneiras de narrar e
EsicN = descrever, os meios de produção e difusão,
h (sNf.tNc.u(P1.P2...Pn).vCm.wCf.xCs.yCi.zCc.±Ch) etc.; o presente fornece o referente que
sustenta o conteúdo e as circunstâncias actuais
3.1 Primeira equação de produção. Ao ser simultaneamente histó-
rica e presente, a notícia é sincrética.
A primeira equação do sistema mostra que Há ainda a considerar que as diferentes
a notícia (N) é função de várias forças, forças que se fazem sentir sobre as notícias
segundo os resultados das pesquisas que têm não têm sempre o mesmo grau de influência
vindo a ser produzidas sobre o campo na construção das mesmas. Daí que subsista
jornalístico (Sousa, 2000; Sousa, 2003; a necessidade se introduzirem variáveis que
Traquina, 2003; Shoemaker e Reese, 1991, dêem conta dessa variabilidade do grau de
1996, etc.), a saber: influência dos factores. Assim, todos os
• Força pessoal (Fp) – As notícias factores da primeira equação do sistema são
resultam parcialmente das pessoas e das suas antecedidos por uma variável (a a i).
intenções, da capacidade pessoal dos seus
autores e dos actores que nela e sobre ela 3.2 Segunda equação
intervêm.
• Rotinas (R) – As notícias resultam A segunda equação do sistema evidencia
parcialmente das rotinas dos seus autores, que, a nível pessoal, os efeitos afectivos (A),
normalmente consubstanciadas em práticas cognitivos (C1) e comportamentais (C2) de
profissionais e organizacionais. uma notícia (EN) variam em função das
• Força social – As notícias são fruto seguintes variáveis:
das dinâmicas e dos constrangimentos do • Notícia – Os efeitos de uma notícia
sistema social (força social extra-organiza- dependem da própria notícia. Atendendo a
cional - Fseo) e do meio organizacional em que cada notícia tem um formato e um
78 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

conteúdo, influenciando ambos o processo de exemplo do que sucede na primeira equação.


percepção, recepção e integração da mensa-
gem, então a variável notícia deve segmen- 3.3 Terceira equação
tar-se em duas variáveis, o
formato da notícia (Nf) e o conteúdo A terceira equação mostra que os efeitos
da notícia (Nc). sociais, ideológicos e culturais de uma
• Pessoa (P) – Os efeitos de uma notícia notícia (EsicN) variam em função dos mes-
dependem da pessoa que a consome, da mos factores da segunda equação, embora
capacidade perceptiva dos seus sentidos, da haja que contar com a interacção entre as
sua estrutura mental, da sua personalidade, pessoas (P1.P2. ... Pn).
da sua experiência, da sua mundivivência, da Do mesmo modo que para as equações
sua mundividência, etc. anteriores, a dimensão os efeitos sociais,
• Circunstâncias (C) – Os efeitos da ideológicos e culturais depende da força
notícia dependem das circunstâncias (C) da relativa de cada um dos factores da função
pessoa que a recebe. As circunstâncias que h, pelo que cada um deles é antecedido por
rodeiam a pessoa respeitam ao meio em que uma variável (s a z e ±).
a notícia é difundida (Cm), às condições
físicas da recepção (Cf), à sociedade (Cs), 4. Considerações finais
à ideologia (Ci), à cultura (Cc) e à própria
história (Ch). Em síntese, retoma-se a ideia original: é
As notícias nem sempre provocam efei- possível, com os dados já obtidos nos es-
tos cognitivos, afectivos e comportamentais tudos jornalísticos, construir uma teoria
de idêntica grandeza e os factores de que esses unificada da notícia e dos seus efeitos,
efeitos dependem podem ter diferentes pe- obedecendo aos critérios que devem ser tidos
sos, consoante a notícia. Por isso, também em conta quando se propõe uma teoria
na segunda equação é necessário introduzi- científica: clareza, brevidade, capacidade de
rem-se variáveis. Em consequência, os fac- previsão. Quando uma notícia vier a contra-
tores expressos na segunda equação são dizer a teoria, será, então, altura de rever a
antecedidos por uma variável (j a r), a teoria e, eventualmente, de a substituir.
JORNALISMO 79

Bibliografía tões, Teorias e “Estórias”, Lisboa, Vega,


1993.
Ball-Rokeach, S. J. e DeFleur, M. J., Traquina, N., O Estudo do Jornalismo
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1
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2
Schudson, M., Porque é que as notícias Entrevista a Régis Debray, conduzida por
Adelino Gomes e publicada no suplemento Mil
são como são? Comunicação e Linguagens,
Folhas do jornal Público, a 23 de Novembro de
8: 17-27, 1988. 2002.
Shoemaker, P., Gatekeeping, Newbury 3
Para uma mais completa argumentação,
Park, Sage Publications, 1991. consultar Sousa (2000) ou Sousa (2003).
Sousa, J. P., Fotojornalismo 4
Para uma melhor compreensão deste fenó-
Performativo. O Serviço de Fotonotícia da meno, consulte-se a tese doutoral de José
Agência Lusa de Informação, Porto, Edições Rodrigues dos Santos (2001).
5
Universidade Fernando Pessoa, 1997. Alguns semióticos dizem mesmo simular.
6
Sousa, J. P., As Notícias e os Seus Efeitos, Recorre-se aqui à clássica divisão dos sig-
nos estabelecida por Peirce.
Coimbra, Minerva Editora, 2000. 7
Também pode funcionar como símbolo, mas
Sousa, J. P., Teorias da Notícia e do esta discussão já transcende os objectivos da
Jornalismo, Florianópolis, Letras Contempo- presente definição de notícia.
râneas, 2002. 8
Para efeitos deste artigo, é estéril debater
Sousa, J. P., Elementos de Teoria e as fronteiras do jornalismo, o que é e não é
Pesquisa da Comunicação e dos Media, jornalismo, quem é e quem não é jornalista, o
Porto, Edições Universidade Fernando Pes- que é ou não é um meio jornalístico.
9
soa, 2003. Para sustentação e aprofundamento deste
argumento, consulte-se Sousa (2000; 2002).
Traquina, N., As notícias, Comunicação 10
Para sustentação e aprofundamento deste
e Linguagens, 8: 29-40, 1988. argumento, consulte-se Sousa (2000; 2002).
Traquina, N., As notícias, in 11
Ou seja, há notícias produzidas pelo sis-
TRAQUINA, N. (Org.), Jornalismo: Ques- tema jornalístico a partir de referentes reais.
80 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 81

Análise quantitativa sobre os espaços noticiosos da Internet


e as consequências para os atores do processo informativo
Juçara Brittes1

A convergência entre os aportes das para um modo de comunicação que já não


Tecnologias da Informação e da Comunica- obedece mais à lógica que direciona os fluxos
ção (TIC) com os que se processam nas informativos de um para muitos.
estruturas sociais, trazendo revisões de con- As especificidades da comunicação de
ceitos e de paradigmas, produzem alterações massa, a relação desta com os meios de
significativas no processo comunicativo, com comunicação que a veiculam, o modo de
conseqüências importantes para o campo do processar informações, os elementos da
jornalismo. Ambas vertentes promotoras de cadeia informativa e todo universo de fenô-
mudanças ainda não estocaram conhecimen- menos que a circundam não se aplicam ao
tos suficientes para precisar, com exatidão, modo de comunicação ciberespacial. Também
as origens e as conseqüências de tais mu- se alteram os sistemas de comunicação
tações, e nem tentaremos seguir este cami- determinantes das políticas de usos e acessos
nho. Preferimos alinharmo-nos a Octávio aos meios. Podem, ainda, estimular formas
Ianni (1999), quem já alertou para o fato de de interação social inéditas e potencializar
não estar muito claro se a era que estamos tendências, tais como as que vemos nascer
vivendo se caracteriza melhor pelos mitos e no jornalismo praticado no ciberespaço.
metáforas construídas para descrevê-la (so- Temos, hoje, a presença de uma estrutura
ciedade da informação, sociedade cabeada, virtual, transnacional de comunicação
sociedade em rede, sociedade globalizada, interativa, que é a Internet, a qual represen-
aldeia global, civilização da informação) ou taria, nas palavras de Eugênio Trivinho, um
pelas crises que suscita, levantando polêmicas terceiro processo de comunicação - o
sobre rupturas e erradicação de paradigmas, ciberespacial. Seria “a modalidade mais
surgimento e exumação de utopias. Serão os avançada de teletransporte individualizado,
interesses teóricos que sugerirão a metáfora por mediação de máquinas informáticas
mais cômoda para identificar a novidade, pois capazes de redes interativas”. Antes desse
muitas vezes só ela, tomada enquanto um processo viria o interpessoal, que se efetiva
mecanismo cognitivo de transposição de uma em encontros in loco ou à distância e se
realidade à outra, e de estabelecimento de desenrola no tempo ordinário da vida coti-
algo quase equivalente entre uma e outra diana, com a mediação da linguagem verbal
realidades, será capaz de explicar os hori- ou não verbal. Na continuidade, surge o
zontes que se descortinam neste momento. processo de comunicação de massa, que
Estes argumentos justificam tratarmos o pressupõe a transmissão e a recuperação à
tema apenas em seus aspectos mais gerais, distância de produtos imagéticos e informa-
atendo-nos às conseqüências para o jorna- tivos, em geral de uma via apenas, com a
lismo. Vamos perceber que se trata de algo mediação de formas culturais (telenovela,
que mobiliza países e continentes e enseja jornalismo, programas de auditório) e má-
projetos como o Programa Sociedade da quina eletrônica (rádio, tv). O processo de
Informação (Socinfo)2, tutelado pelo Minis- comunicação atual, portanto, seria o
tério da Ciência e Tecnologia brasileiro. ciberespacial. O trecho a seguir expressa bem
Estimula vários autores a se debruçar sobre o que o autor identifica como um mal-estar
essas mudanças, seja para explica-las, da teoria neste momento de transição:
descrevêlas ou para oferecer-lhes visões
proféticas. Nesse quadro, o que é válido para Um balanço teórico sensato [...]
explicar os fenômenos decorrentes de uma constata [...] que, no contexto do
comunicação massiva não é mais suficiente ciberespaço, todos os elementos
82 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

convencionais do esquema comunica- do processo. No caso do receptor, seu papel


cional, assimilando inéditas caracte- ora se mescla à figura do emissor, ora na
rísticas, experimentam um processo própria mensagem, tornando-se um novo
imanente de inflação e de elemento. Trivinho (2000) sugere a existên-
comutabilidade de funções antes ja- cia de um “indivíduo teleintegrante
mais observado. Na situação on line, ciberespacial”, cujo traço marcante seria a
o princípio de realidade interna de capacidade de participar e, ao mesmo tem-
cada um adquire, por assim dizer, um po, intervir nos conteúdos. Ele verá sua
mais-volume funcional inesperado, participação no processo comunicativo au-
uma elasticidade pragmática radical mentar, dada sua condição de pesquisador
que obriga seus representantes compulsório, e capacidade de penetrabilidade,
conceituais à prova de um excesso de pois é competente para acessar sempre novos
si mesmos, ou melhor, a uma expan- conteúdos por meio do hipertexto. Mas ele
são e redimensionamento semântico- também pode confundir-se com o emissor,
epistemológico compulsórios tais que, ao ver-se acolhido pela rede, ou com as
em reverso, minam o significado dos fontes, produzindo e distribuindo informações
próprios conceitos até um ponto sem que para tanto necessite estar vinculado
irreversível em que, na impossibili- a uma instituição jornalística.
dade de o processo comunicacional ser Os conteúdos das mensagens veiculadas
mais abarcado, eles se deparam, fa- pelas PCMC, principalmente os de natureza
talmente, com seu próprio colapso. É informativa, estão entre as variáveis do
bem um desmoronamento em cadeia processo informativo mais atingidas. As
por inchaço inadministrável. PCMC libertam-na da rigidez das formas, da
(TRIVINHO, 2000:187) camisa de força dos gêneros informativos
encapsulados pelos MCM. Os conteúdos,
Vamos nos deparar, neste universo, com anexados a e-mails, editados em jornais
um modelo de comunicação mediada pelo online, nas mais variadas formas (as quais
computador, o qual se concretiza em pla- nos referiremos mais adiante) ficam libera-
taformas ciberespaciais, onde aqueles que dos dos constrangimentos editoriais e das
estiverem habilitados para navegar podem rotinas jornalísticas, alterando sobremaneira
comunicar-se utilizando recursos próximos os fluxos informativos.
aos convencionais, como o correio eletrônico, No modo de comunicação massivo os
até formatos inéditos de oportunidades co- conteúdos partem de uma fonte em direção
municativas, como os babbles, frutos de a seus destinatários. Ainda que respeitadas
programas complexos que passam a oferecer as particularidades das segmentações e con-
experiências cada vez mais completas para sideradas as teses que revelam situações
comunicação online. Aqui os Meios de atenuantes dos efeitos desse fluxo sobre os
Comunicação de Massa dão lugar às Pla- públicos, os meios de comunicação de massa
taformas Comunicativas Multimidiáticas não estão dotados de mecanismos que favo-
Ciberespaciais (PCMC).3 Elas surgem da reçam a participação equilibrada dos atores
convergência de habilidades próprias a este implicados no processo. O que poderá ga-
novo médium (hipertextualidade, sincronia, rantir esta posição serão as políticas públicas
assincronia, interatividade, conectividade, disciplinadoras dos usos dos media. Mas o
dinamismo, velocidade)4 com as ferramentas modelo predominante no modo massivo é o
oferecidas nos espaços ciberespaciais, as comercial. Está edificado em forma de rede,
quais, por sua vez, são geradas pela astúcia envolve todos os continentes e engloba
e criatividade de uma verdadeira falange de interesses que extrapolam as fronteiras da
designers surgida no alvorecer do século XXI. comunicação em seu aspecto informativo. O
Em tal situação vamos observar radical fluxo informativo massivo, apesar do cres-
alteração em todos os elementos do processo cimento quantitativo surpreendente, não
informativo: do emissor ao receptor, passan- mudou de direção. É vertical. De cima para
do, necessariamente, pelos conteúdos e pelos baixo. De um para muitos. A rede mundial
fluxos que percorre para abranger os atores de computadores tem outro formato e o novo
JORNALISMO 83

conferirá um caráter multidirecional ao per- dor ligado à Internet será cada vez
curso dos conteúdos. Peter Dahlgren (2000) mas imprescindível na profissão. Em
acrescenta o fato de um usuário poder rede um computador acede a fontes
comunicar-se com muitos ao mesmo tempo de informação, diversas e longínquas,
(one-to-many), por meio de sites que, em que contextualizam as informações
princípio, cada um pode criar para si. O obtidas de fontes directas e próximas.
usuário aqui não é uma instituição midiática, Receber notícias directamente das
mas um indivíduo. Além disso a Internet agências noticiosas, buscar informa-
oferece a possibilidade de uma pluralidade ção na Internet é algo trivial que um
de usuários comunicarem-se mutuamente computador possibilita, trivialidade
(many-to-many) por meio de fóruns de que, no entanto, altera radicalmente,
debates e outras formas de comunicação em a forma de investigar, tratar e redigir
rede, que estão nas Plataformas Comunica- as notícias próprias.” (FIDALGO,
tivas Multimidiáticas Ciberespaciais (PCMC). 2002:2)
Como já ficou bem acentuado, as con-
seqüências para o campo da comunicação são A definição indica que JAC se refere ao
intermináveis e atingem em cheio o jorna- modo sui generis de fazer jornalismo com
lismo. Passa a haver dúvida se os textos os recursos da Internet e, obviamente, do
informativos que encontramos na rede mun- computador, o que se estende, também, às
dial de computadores podem ser classifica- novas formas de distribuição. Há, ainda,
dos nesta rubrica dos gêneros narrativos. carência de paradigmas para estes estudos e
Muitos pesquisadores vêm se dedicando a o denominado JAC situa-se na esfera da
sistematizar tais espaços, sem que haja emissão, considerando o público leitor como
consenso a respeito. um destinatário mais exigente, tendo evolu-
Podemos citar, entre os primeiros estu- ído pelo poder que a Internet lhe confere.
dos classificatórios no jornalismo no Outros autores sugerem a palavra
ciberespaço, os de Mannarino (2000) o qual webjornalismo para expressar as alterações
analisou 147 jornais com edições na Internet, estruturais no jornalismo que encontramos na
publicados por 16 países, tendo detectado, Internet, argumentando ser um conceito mais
à época, 22 características próprias à versão completo por incluir outros elementos do
online. Para ele essas publicações têm em processo jornalístico. Assim defende
comum um Sistema de Recuperação de Canavilhas, afirmando que o jornalismo na
Informação (SRI), correspondente ao arse- web, ou o webjornalismo pode ser muito mais
nal teórico que a Ciência da Informação do que o atual jornalismo online.
utiliza para disponibilizar pesquisas cientí-
ficas, sendo este o principal diferencial entre “Com base na convergência entre
as publicações informatizadas e as impres- texto, som, imagem em movimento,
sas. Seu trabalho referiu-se aos jornais o webjornalismo pode explorar todas
impressos da grande mídia mundial com as potencialidades que a Internet
versões online. oferece, oferecendo um produto
Estudos mais recentes referem-se a essas completamente novo: a webnotícia”
publicações como Jornalismo Assistido por (CANAVILHAS, 2002: 1)
Computador (JAC), a partir de contribuição
inglesa de Computer Assisted Journalism Nilson Lage aborda a questão do ponto
(CAJ), buscando traduzir as inovações e de vista do profissional referindo-se à
alterações que o computador veio trazer ao reportagem assistida por computador (RAC)5,
jornalismo nas suas diferentes vertentes, desde que conferiria um grau maior de precisão nas
a captação de notícias até o respectivo tra- informações, principalmente no atinente a
tamento e distribuição das mesmas. coleta de dados.

“O computador por si representa já “A RAC baseia-se no emprego de


um instrumento extraordinário de técnicas instrumentais: a navegação e
fazer Jornalismo, mas um computa- busca na Internet, a utilização de
84 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

planilhas de cálculo e de bancos de leitores, que escolhem a notícia,


dados. Trata-se de colher e processar apresentam os factos e as opiniões
informação primária ou, pelo menos, relevantes. De preferência, deve ser
intermediária entre a constatação feito num fórum aberto em que todos
empírica da realidade e a produção os leitores têm as mesmas oportuni-
de mensagens compreensíveis para o dades de expressar opiniões, mas em
público” (LAGE, 2001:156) que as opiniões e os factos mais
pertinentes tenham visibilidade. A
Trata-se de um texto absolutamente escolha dos artigos que merecem mais
enriquecido pela convergência de linguagens, visibilidade deve ser feita pelos lei-
somando aquelas anteriormente exclusivas de tores que no passado tenham mostra-
outros meios como o rádio e a televisão tendo, do que merecem mais confiança pra
ainda, outros acréscimos. Acrescente-se realizar esta tarefa” (http://
mudanças na forma de ler as notícias, pois explicaoes.com)
o jornalista tem agora o desafio de levar o
leitor a quebrar o hábito de uma leitura linear No ponto de vista de Catarina Moura a
que lhe foi imposto pelo antigo suporte, filosofia peer-to-peer (a partilha de recursos
respondendo, também, ao desafio de encon- e serviços através de troca direta entre sis-
trar uma linguagem que responda às exigên- temas) associada ao sistema operacional open
cias de um público que deseja maior rigor source6 é responsável pelo aparecimento deste
e objetividade na redação dos textos infor- processo totalmente novo de praticar jorna-
mativos. Tal comportamento é explicado, lismo. A autora prefere a denominação “jor-
entre outras razões, pela disponibilidade que nalismo open source” para identificar o
o internauta tem de acesso a outras fontes fenômeno que implica permitir que várias
de notícias, consultando as próprias agênci- pessoas (não apenas os jornalistas) escrevam
as, o que antes era privilégio dos profissi- e, sem a castração da imparcialidade, dêem
onais do ramo. sua opinião, impedindo assim a proliferação
O jornalismo colaborativo é outro con- de um pensamento único, como pode ser
ceito que começa a ser construído para dar aquele difundido pela maioria dos jornais,
conta das transformações em curso desses cuja objetividade e imparcialidade são mui-
modos de mediar informações tendo como tas vezes máscaras de um qualquer ponto de
plataforma física o computador ligado à vista que serve interesses mais particulares
Internet, a qual origina as PCMC. Identifica que apenas o de informar com honestidade
mais do que recursos tecnológicos para e isenção o público que lê. (MOURA, 2002:2)
enriquecer um noticiário, tratando-se de um A partir destas considerações, bem como
novo processo jornalístico, se comparado ao da análise qualitativa de espaços informati-
convencional. Neste jeito de fazer jornalis- vos divulgados pela Internet, detectamos
mo prescinde-se de organizações formais nos alguns modelos recorrentes, que podem ser
moldes das empresas jornalísticas que se classificados em três grandes grupos de
estabeleceram desde o século XVII, jornalismo praticado na Rede Mundial de
estruturando-se como as conhecemos hoje, Computadores: Jornalismo Assistido por
a partir do século XX, até chegar às mega Computador; Jornalismo Colaborativo e
corporações jornalísticas mundiais como a Jornalismo Segmentado. O esquema a se-
CNN. Organizados em torno de moderado- guir demonstra as subdivisões classificatórias
res, que podem ser comparados a editores, que propomos:
muitas vezes anônimos, os internautas são,
ao mesmo tempo, repórteres, editores e 1. Jornal Assistido por Computador
leitores. A definição ao seguir ajuda a en- (JAC)
tender este novo formato de jornalismo: 2. Jornal Colaborativo
2.1 Multimidiáticos
“Jornalismo colaborativo é uma for- 2.2 Referenciais
ma de jornalismo em que o processo 3. Jornal Segmentado
noticioso é distribuído pelos próprios 3.1 Crítica de mídia / mídia-watching
JORNALISMO 85

3.2 Organizacionais / House organ referenciais são periódicos que apresentam


4. Outros formatos regularidade em suas edições, incluem no-
4.1 Temáticos tícias, manifestos, convocatórias e
4.2 Científicos abaixoassinados de Movimentos Sociais
4.3 Pessoais Organizados. Configuram-se como um fórum
4.4 E-newsletter por onde esses temas, de pouca repercussão
nos jornais convencionais, são expostos.
Reservamos a denominação Jornal Assis- Outro modelo recorrente de jornal na
tido por Computador às edições online de Internet é o que classificamos como Jornal
jornais já estabelecidos em plataformas Segmentado, isto é, que dirige seus conteú-
impressas, com todas as variantes que a dos a grupos de interesse específico. Tais
tecnologia pode oferecer. Seus conteúdos são interesses podem ser temáticos, científicos ou
de natureza generalista, cuja eleição obedece assumir aparência de houseorgans, aquelas
ao modo convencional de agendamento. publicações organizacionais, provenientes de
Os jornais Colaborativos, referem-se às instituições, dirigidas a seu público alvo. A
publicações pela Internet que apresentam alto relativa facilidade de distribuição favoreceu
grau de interatividade, de modo que os o surgimento desses jornais na rede. Sepa-
conteúdos são construídos em parceria entre ramos neste estudo os jornais segmentados
editores (ou moderadores) e os interessados. que praticam crítica de mídia, os house-
Percebemos níveis distintos de colaboração organs, os temáticos e os científicos. Os
entre editores, fontes e público, podendo house-organs ou jornais organizacionais
variar de acordo com cada publicação, con- assim são identificados porque pertencem
forme já explicado. Diferente dos jornais a uma instituição e objetivam ser um elo de
impressos, onde o leitor tem direito a ex- ligação com os públicos com os quais esta
pressar-se na seção de cartas, ou participa se relaciona. Nesta rubrica também podem
do processo de agendamento por mecanis- inserir-se jornais oficiais de órgãos públicos,
mos tais como as medições de opinião como os ligados a Prefeituras Municipais.
pública, aqui a interatividade é a razão de Estes sites costumam oferecer serviços aos
ser do espaço. Sites ou páginas da natureza habitantes daquela região, integrando, na
a qual nos referimos só têm sentido com a maioria dos casos, o rol de iniciativas dos
intervenção direta do usuário. Caso contrário chamados e-governs. Não confundir com a
poderá ser identificado como mais um feixe presença dos municípios na Internet, pois esta
de dados e informações a disposição na participação pode, ou não, incluir Platafor-
Internet. Nesta fronteira estão os Wikies, mas Comunicativas Multimidiáticas
sistemas de páginas web usados para projetos Ciberespaciais (PCMC). Temáticos são os
colaborativos, que tanto podem ser jornais segmentados cujo elo entre seus
jornalísticos quanto ter outro interesse qual- leitores é o assunto. Os jornais científicos
quer. aqui considerados não são exatamente as
Encontramos basicamente dois formatos versões eletrônicas de revistas científicas, que
de jornal colaborativo, os quais denomina- publicam artigos e pesquisas. Têm o formato
mos multimidiátícos e referenciais. Os pri- jornalístico porque se servem de linguagem
meiros estampam os conteúdos em suas acessível a leigos interessados em temas
próprias páginas, utilizando linguagens escri- ligados à ciência. Inovam por fazer uso de
tas, televisivas ou radiofônicas. Os outros habilidades próprias aos fóruns de debate
remetem o leitor aos sites de origem da público para difundir temas ligados à ciên-
notícia, sendo que, na maioria dos casos, trata- cia. Por esta razão estão alinhados na rubrica
se de convites à participação em alguma ação jornal segmentado, pois se dirigem a um
(engajar-se em uma campanha, integrar um público específico, o interessado naquele
abaixo-assinado, inscrever-se em evento etc). ramo da ciência.
Ambos são colaborativos porque, ainda que Na fronteira entre jornais e agrupamento
em graus distintos, emissor e receptor mudam de informações variadas está a experiência
radicalmente de status, passando a construir que vem sendo chamada de Jornais Pessoais.
o texto em conjunto. Os jornais colaborativos Denominadas em inglês self-journalism, como
86 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

o nome indica, nem sempre são espaços pelos jornais colaborativos, por exemplo,
noticiosos, mas costumam ser providencia- traz indagações pertinentes para a profissão.
dos por pessoas privadas, podendo assumir Nossa sugestão classificatória para os jor-
o formato de um weblog. Estão mais para nais editados nas PCMC tem o propósito
registros publicados na Internet do que para de demonstrar as alterações no jornalismo
jornalismo. As E-newsletters também são enquanto parte de um processo comunica-
textos informativos online, que circulam, em tivo em mutação.
geral, por ocasião de eventos, desaparecendo Os formatos discriminados, os que aqui
assim que estes se realizam. Assumem, tam- não foram contemplados, e os que surgi-
bém, o aspecto de manifesto de determina- ram e surgirão desde então, importam menos,
dos grupos, quase sempre de ativistas polí- no processo de mudança que ora nos ocupa,
ticos que vivem na clandestinidade. Adver- do que a aproximação que promovem entre
timos que a classificação proposta é de os núcleos de emissores e os usuários.
natureza qualitativa, tendo sido criada a partir Merece destaque a ampliação do leque de
do congelamento fictício deste momento da informações que a rede propicia, assim como
Internet, cujo dinamismo não permite mais a profunda alteração nos fluxos informati-
que a indicação de tendências. vos, constrangidos, no modo massivo de co-
municação, por processos de agendamento
Conclusão obedientes a interesses políticos e
econômicos, favorecendo, em geral, seg-
O espaço de um artigo não é suficiente mentos historicamente bem sucedidos naque-
sequer para arrolar todos os questionamentos les setores. O modo de comunicação
que a aplicação das TIC provocam nos ciberespacial, que dá nascimento a formatos
processos informativos, os quais têm no inéditos de jornalismo, permite aos usu-
jornalismo a principal fonte de interação ários conectarem-se instantaneamente entre
social. Há polêmicas desde o papel que a si, produzir seus conteúdos, acessar outros
tecnologia desempenha neste universo, até a tantos, distribuir, rápida e gratuitamente, in-
respeito da identidade do profissional de formações de todos para todos os quadrantes,
imprensa no modelo jornalístico praticado no leva a uma reviravolta nos processos de
ciberespaço. Se é possível detectar-se com- agendamento, que ditam, no modo massivo,
petências reservadas a um segmento profis- os temas sobre os quais formam-se opini-
sional para o exercício de certas rotinas no ões. No ciberespaço há influências recípro-
âmbito de uma organização jornalística cas mais contundentes e as habilidades (ver
convencional, a permissão de participar da nota 3) potencializam a autonomia dos
elaboração de notícias, oferecida ao leitor, públicos.
JORNALISMO 87

Bibliografia jornalismo na web. Capturado em 16/11/2002


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88 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

3
Em tese de doutorado (Internet, Jornalismo novas concentrações de atores. A conectividade
e Esfera Pública. Estudo sobre o processo infor- distancia-se sutilmente da interatividade por ser
mativo do ciberespaço na formação da opinião- a tendência de juntar entidades separadas e sem
ECA/USP- 2003) a autora defende que no modo conexão prévia, através de redes, mediadas por
de comunicação ciberespacial não existem Meios softwares e hardwares. O dinamismo é a capa-
de Comunicação de Massa (MCM), mas Plata- cidade que cada unidade de rede tem de alargar-
forma Comunicativa Multimidiáticas Ciberespa- se e reduzirse o tempo todo, impossibilitando a
ciais, abarcando mais do que veículos de comu- quantificação dos espaços de interlocução na
nicação, mas espaços complexos de troca de Internet. A velocidade é responsável por uma das
opiniões, com habilidades tanto para o convívio principais distinções entre o modo de comunica-
entre os usuários quanto para o surgimento de ção massivo e o ciberespacial, alterando profun-
formatos inéditos de jornalismo. damente os esquemas distributivos de informa-
4
As habilidades funcionam como traços ções.
sensoriais dos espaços de convivência na Internet, 5
S.Squirra se referiu a esta prática adotando
produzidos pela evolução dos softwares. A a expressão em inglês Computer-assited reportimg
sincronia permite que os interlocutores se comu- (Car). SQUIRRA.S. Jornalismo online. São Paulo:
niquem em tempo real. Na assincronia, a comu- CJE/ECA/USP, 1998, p 83 e seguintes)
nicação se dá sem que os atores estejam conectados 6
Termo aplicado ao software que algumas
à rede ao mesmo tempo. A Interatividade, que pode pessoas criam e disponibilizam gratuitamente na
englobar as outras habilidades, leva a uma relação rede, com qualidade semelhante aos serviços
das pessoas com o entorno digital, cuja extensão oferecidos por grandes empresas. (MOURA,
leva a formação de redes, nas quais formam-se 2002:1)
JORNALISMO 89

Internet como fuente de información especializada


Leopoldo Seijas Candelas1

Introducción es aproximadamente 500 veces mayor que


la visible y sobre todo, de una mayor calidad.
Ramón Salaverría, director del A la hora de enfrentarse a este mar de
Laboratorio de Comunicación Multimedia de información disponible en Internet, el
la Universidad de Navarra, suele emplear la periodista debe tener un buen conocimiento
siguiente metáfora a la hora de definir los de los distintos recursos de búsqueda que le
buscadores en Internet, que ilustra ayudarán a alcanzar su propósito y de cómo
acertadamente la tarea de los mismos: realizar dicha búsqueda.
“Imaginemos un pajar del tamaño de un Según el periodista Miguel Ángel Díaz
gran estadio de fútbol, repleto de pequeñas Ferreira, existen cinco formas diferentes de
briznas de heno hasta diez metros de altura, localizar recursos por Internet3:
y lancemos desde el aire una aguja de coser. a) Por medio de publicaciones impresas
A continuación, pidamos a alguien que que recogen direcciones de la Red. Puede
encuentre esa aguja. Ese desventurado tratarse de trabajos de investigación, artículos
individuo estará perdido si pretende hallar de publicaciones especializadas o incluso de
la aguja revolviendo desordenadamente la periódicos o revistas de información general
paja. Invertirá horas y horas en vano, hasta y, sobre todo, de libros escritos ad hoc para
la desesperación. Por el contrario, si emplea las búsquedas. Pueden ser manuales sobre la
el utillaje adecuado – un gran imán, por Red o las “ Páginas Amarillas” de Internet.
ejemplo- encontrar la aguja puede ser cuestión Sus dos principales desventajas son las
de segundos”. siguientes:
Internet es, en la actualidad, una fuente • Su temprana obsolescencia.
esencial para el trabajo de los periodistas dado • La necesidad de introducir los datos
el volumen de información que contiene y necesarios a mano (por tratarse de
general diariamente, además de por su utilidad publicaciones impresas), sin aprovechar la
potencial para facilitar el contacto con fuentes utilidad del hipertexto para moverse por sus
personales (como pudieran ser expertos o páginas.
testigos de una información) a nivel, mundial. b) A través de los directorios de recursos
La llamada World Wide Web contiene y clasificaciones temáticas, que recogen y
aproximadamente mil millones de documentos organizan los recursos de la Red sobre la base
y crece a un ritmo diario de 1,5 millones de de un ordenamiento previo. Su problema es
páginas 2. Los motores de búsqueda más que no siempre están suficientemente
avanzados no llegan a alcanzar más que una actualizados y que no recogen todos los
ínfima parte del contenido de esta Web. recursos de la Red, sino tan sólo los que los
Específicamente cabe reseñar, que los autores de la información hayan dado de alta
buscadores que más páginas tienen indexadas en el servicio. Su ventaja es su propia
son Fast (http://www.alltheweb.com) 300 organización que ayuda a localizar las
millones de documentos y Northern Light direcciones con mucha facilidad y de forma
(http://www.northernlight.com)con 218 muy esquemática.
millones. Además hay que tener en cuenta c) Utilizando los motores de búsqueda e
que la World Wide Web, o la Web accesible indización automáticos, que pueden localizar
mediante buscadores, es solo una parte de cualquier recurso de la Red. Éstos tienen la
Internet. Existe también la llamada Web desventaja de que, si no acotamos mucho
profunda o Internet Invisible, a la que se nuestra búsqueda, nos pueden proporcionar
puede acceder mediante los buscadores, que demasiados en laces, la mayoría de ellos
90 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

irrelevantes para nosotros. Su gran ventaja mayoría de ellas, aproximadamente un 86%,


consiste en que la información no necesita se encuentran escritas en inglés.4
ser dada de alta para que el motor la localice, Pero esto no es todo, la World Wide Web
por lo que están más actualizados y suelen es únicamente una ínfima parte de los
ser más completos que los directorios y contenidos que hallan y que se vuelcan
clasificaciones temáticas. realmente en Internet a través de bases de
d) Consultando los enlaces que ponen a datos, listas de distribución ( news groups),
disposición del internauta otras páginas correo electrónico, etc, que pueden ser hasta
relacionadas con el tema de nuestra búsqueda. 500 veces mayor que el contenido de la Web.
Una vez localizada cualquier página relativa Los documentos “Web” que se van
a la materia que se pretende encontrar, bastará creando son accesibles a cualquier usuario
con conocer esa dirección, porque es casi de la Red gracias a las llamadas “arañas”,
seguro que esa página contará con una tecnología de los buscadores cuyo
interesantes enlaces que llevarán a los puntos cometido es leer cada página que encuentran
más importantes donde localizar toda la en su camino, y mandar las palabras que
información necesaria. El problema es que contiene, junto con la información de su
no todas las páginas cuentan con esos enlaces. ubicación a enormes bases de datos. A
e) Preguntando a los propios usuarios de continuación, estas arañas siguen los enlaces
la Red. Ellos son, sin duda, los que están que se encuentran en esta página hasta llegar
mejor informados, los que conocen las últimas a un nuevo sitio, y así sucesivamente. Sin
páginas aparecidas no accesibles mediante embargo, según afirma Search Engine Watch5,
buscadores. Su información es siempre la más ningún buscador indica más del 50% de la
actualizada y suele ser pertinente. El éxito Red. Según un estudio de la revista Nature6
de la búsqueda es precisamente encontrar a de febrero de 1999, entre todos los buscadores
algún internauta dispuesto a ayudarnos y que no se cubría más que el 42% de la Red. A
además esté interesado o conozca el asunto pesar de que la tecnología avanza y de que
sobre el que buscamos información. Hay cada vez se amplía más esta cifra, continúa
diversos métodos para localizar a entablar habiendo una cierta tendencia a indizar sobre
conversación entre los internautas: listas de todo sitios de EEUU, principalmente los más
distribución, grupos de noticias, IRC, Chats, visitados y los sitios comerciales más que
etc. relacionados con la educación. También son
En la World Wide Web los buscadores poco privilegiados en este aspecto los
los podemos dividir en buscadores documentos escritos en lenguas minoritarias
automáticos, o motores de búsqueda, y que podemos encontrar en la Red en una baja
directorios o índice temáticos. Dentro de los proporción.
motores de búsqueda podemos encontrar, a Según la empresa Wordtracker, los
su vez, buscadores automáticos generales y usuarios realizan diariamente un total de 250
especializados por campos del conocimiento, millones de consultas a los buscadores. La
y lo mismo ocurre con los directorios palabra más buscada ha sido hasta hace poco
(generales y especializados). Asimismo, la palabra “ sex” desbancada por el formato
existen además webs de motores de búsqueda de comprensión musical “mp3”. Gracias a
que han incorporado directorios en su página estos buscadores no es tan difícil encontrar
y al revés. El principal objetivo es facilitar algo en la Web, tan sólo hay que saber cómo
la búsqueda de información al usuario, aunque utilizarlos adecuadamente, usar los llamados
como hemos visto, todavía queda mucho por operadores booleanos, combinando palabras
hacer. – y, o, no – para definir la búsqueda e intentar
que la palabra clave a utilizar no pueda
Los contenidos en la World Wide Web hallarse en otro campo.
A la hora de analizar el contenido
En la actualidad la World Wide Web disponible en la Red debemos tener también
contiene cerca de 5 millones de sitios web, en cuenta lo efímeros que son algunos
que haría un total de 1.000 millones de enlaces. La media de cualquier enlace, hace
páginas que aumentan cada día más. La algunos años, era de 44 días. En febrero del
JORNALISMO 91

2000, según un estudio de Inktomi, frente El papel del periodista digital


a 4,2 millones de sitios accesibles que se
examinaron, o,7 millones eran inalcanzables En la actualidad, el papel del “periodista
debido a la desaparición de su servidor o a digital” es fundamentalmente de gestión de
su traslado. Con el propósito de preservar contenidos, de coordinación con los otros
la mayor parte de la Web posible, incluyendo medios, aunque todavía se observa un cierto
a los grupos de discusión, en 1995 Brewester recelo por Internet.
Kahle comenzó a desarrollar el proyecto – Experiencias como las últimas elecciones
“ The Internet Archive”7. Hasta el momento en EEUU son las que marcan las pautas del
lleva almacenados 15,5 terabytes. La mayoría futuro papel de los periodistas de medios
de las webs que contiene son, obtenidas digitales. El hecho de que la CNN en Internet
mediante arañas aunque también se aceptan tuviera 10 millones de visitas por hora durante
páginas cedidas por sus propietarios. la jornada de votación de estas elecciones,
Para facilitar aún más la búsqueda, según significa que ahí se estaban dando contenidos.
el artículo de Juan José Millán “El libro de Esa demanda que está siendo generada por
medio billón de páginas8”, se ha creado cierto la propia audiencia va a tener que ser
satisfecha de algún modo, lo que va a
software que permite ampliar el campo
significar elaboración de contenidos. Por lo
morfológico y semántico de las búsquedas;
tanto, cuando se establezcan las rutinas de
por ejemplo preguntando por dirigir, se
trabajo de los medios digitales, la
accederá también a dirigido, dirigiendo y a
potencialidad de creación de información va
guiar, conducir, etc. Del mismo modo, existen
a ser mucho mayor. El papel del periodista
también buscadores que rompen la frontera
será entonces coordinar todos esos materiales,
de la lengua incorporando a la búsqueda sus contextualizarlos y mantenerlos perfectamente
traducciones en otros idiomas (conducir, actualizados.
drive, conduire). Entre sus funciones el periodista digital
Por lo tanto a la pregunta de qué contiene tendrá que elaborar mucha mayor cantidad
la World Wide Web, la respuesta es una y calidad de información que ha utilizado
infinidad de información que el usuario tiene para su trabajo. Los profesionales de la
que aprender a encontrar. Que no se encuentre información tienen que intentar buscar nuevas
lo que se busca, no significa necesariamente formas de narrar que se ajusten a las
que no esté ahí. En este mismo artículo, Juan necesidades y capacidades del medio,
José Millán identifica a los buscadores como manteniendo como punto esencial de partida
intermediarios, es decir, como el filtro por la interactividad con la audiencia.
el que los contenidos de las webs llagan al Es tal la velocidad a la que ocurre todo
público. “Imaginemos que la única vía de en el mundo, y es tal la velocidad con que
acceso a todas las publicaciones mundiales el periodista debe trabajar con los nuevos
fueran los ficheros de una decena de medios, que esta nueva situación acarrea una
bibliotecas. En la web estamos así, con la sucesión de avances y riesgos que pueden
diferencia de que en los buscadores no ha derivarse de la implantación de las nuevas
habido bibliotecarios que apliquen sus saberes tecnologías, especialmente “Internet” y el
clasificadores: sus programas actúan llamado “Sistema Digital” en los
ciegamente, analizando el código de la Departamentos de Noticias, sobre todo de las
página, y clasificando los sitios según criterios compañías de televisión, que pueden traer
formales. Este último aspecto es básico: algunos problemas a los profesionales de la
cuando puede haber cientos o miles de sitios información.
que responden a una determinada búsqueda, Dimos la bienvenida a este siglo hablando
figurar en los primeros puestos de la lista el inglés y de “Internet”. No cabe la menor
de respuestas de un buscador puede ser la duda, de que la televisión que difunda la
diferencia entre existir o no. No extrañará, noticia llegará hasta los confines del planeta
por tanto, que haya quien lo intente por todos mediante una señal visual comprimida, una
los medios”, afirma. señal “digital” de la que habrá sido eliminada
92 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

toda aquella información que resulta la idea de que el acceso a la información


redundante y por lo mismo permite ahorrar equivale ya al conocimiento. Craso error que
en las transmisiones todos aquellos datos que al tiempo que instala a nuestra profesión en
superan la capacidad del ojo humano. Se estadios de pedantería nunca antes conocidos,
tratará, pues de una noticia cuya difusión- limita cotidianamente con el ridículo cuando
antes de emplearse la técnica “digital”- habría resulta que por la “Red” se cuela algún
ocupado por sí sola todo un segmento de un gazapo y la ignorancia, acrecida por la
transportador de satélite, mientras que gracias prepotencia del “redactor digitalizado”,
a este procedimiento, de hecho, puede impide advertir el error. Pondré un ejemplo:
coexistir con otras siete u ocho. Un gran hace un tiempo, en la ciudad de Atenas, en
progreso, sin duda. el transcurso de unas excavaciones para
“Progreso” sería también la palabra más construir un aparcamiento fueron
recomendable si hubiera que elegir la más desenterrados algunos restos murados del
capaz para adjetivar el sistema de información Liceo de Aristóteles. En pocas horas, la
y comunicación a distancia que conocemos noticia del hallazgo dio la vuelta al mundo
por el nombre de “Internet”. Procedimiento y una titulación errónea, hizo fortuna: “
de archivo, información y comunicación de Descubiertos en Atenas – decía – los restos
datos o noticias cuya utilidad está fuera de de la Academia de Aristóteles”. El despacho
duda. Como red de ordenadores que a su vez fechado en Atenas fue repetidamente
está compuesta de otras miles de redes difundido durante toda una mañana por
regionales y locales, “Internet” anticipa el numerosas emisoras de radio y también por
futuro en el mundo de la distribución de los canales de televisión que emiten
información. Más aún, este sistema es ya el programaciones informativas ininterrumpidas.
embrión de “algo más”, - otro procedimiento- En España llegó, incluso, hasta más allá de
de morfología todavía imprecisa pero cuyo los telenoticiarios de las tres de la tarde.
concepto está ya a nuestro alcance. Podemos Diferentes medios –todos ellos conectados
ya vislumbrar un nuevo sistema de a la “Red” - repitieron de manera irreflexiva
comunicación, un sistema integrado o “total” una noticia que servida como tal, como
y tal vez único, capaz de reunir la televisión, ustedes habrán podido apreciar, falseaba la
la radio, los periódicos y el teléfono. Todo realidad histórica confundiendo el Liceo en
en uno. El sistema integral de comunicación el que enseñaba el filósofo de Estagira con
de este siglo. De ser así, la aventura de la Academia de Platón, su maestro.
“Internet” que como saben se iniciaba hace Un error, se dirá, lo comete cualquiera.
apenas una generación, en 1969, va camino Cierto. Pero, a mi juicio, éste no es fruto
de convertirse en edificio. Curiosa aventura, exclusivo de la mala memoria o la falta de
desde luego, la de esta criatura nacida de los cultura de los redactores de la agencia que
miedos de la llamada Guerra Fría. difundió la noticia del hallazgo. También
Nos encontramos, como quien dice, quedaron implicados las decenas de
dentro de una nueva revolución, de la que periodistas que en los diferentes medios- radio
todavía no somos conscientes de sus y televisión- a lo largo de toda la mañana
consecuencias, porque no vemos el final del no advirtieron el error y fueron, a su vez,
túnel en el que estamos inmersos. De ahí la repitiéndolo hasta que alguien se percató de
incertidumbre que pesa todavía hoy en la pifia.
periodistas, productores, guionistas, ¿Dónde estuvo el fallo? Para cualquiera
realizadores, en fin en todas aquellas personas de cuantos trabajamos en este mundo de la
que de alguna manera se encuentran información tiranizado por el reloj, el
comprometidas con el mundo de la problema reside en el tiempo. El problema
comunicación en alguna de sus facetas, es la falta de tiempo. Todo el proceso de los
porque quizá no todos sus frutos son medios de comunicación modernos se resume
recomendables. De hecho, el sistema también en una carrera enloquecida contra el tiempo.
es fuente de riesgos. Todo está sometido a este condicionamiento
Creo que el primero de ellos tiene que básico: hay que informar con rapidez y
ver con la confusión que crea al difundirse encima hay que hacerlo antes que la
JORNALISMO 93

competencia. Para eso disponemos – quizá Ignacio Ramonet, director de “Le Monde
sería más exacto decir que padecemos- de Diplomatique” dice que “vivimos la paradoja
las nuevas tecnologías de información de de un mundo en el que nunca como en
transmisión veloz. Por eso tendemos, de nuestros días la gente tuvo a su disposición
manera no siempre consciente, a fiarnos de tanta información y, sin embargo, nunca fue
lo que leemos en la pantalla del ordenador, tan grande y evidente, la desinformación de
de lo que nos llega por la “Red”. A identificar, tantos”.
en suma, el acceso a la información, con el Las máquinas con su aparente infabilidad
conocimiento. nos trasladan esa falsa idea de un mundo
La informatización de las redacciones, las hiperinformado. El error, a mi juicio, reside
impresoras acopladas a los ordenadores, el en lo que podríamos llamar la tecnolotría,
uso constante de los enlaces de microondas, en la confianza casi irracional en el futuro
las transmisiones por satélite, la conexión con que puede desprenderse del empleo de las
“ Internet” y los teléfonos móviles son los nuevas tecnologías aplicadas a la información.
útiles de trabajo que conforman la manopla Es verdad que los ingenieros han hecho su
de los periodistas de nuestros días en los trabajo y lo han hecho bien y, técnicamente,
medios de comunicación y sobre todo en los nunca antes fueron tantas ni tan versátiles
audiovisuales. las posibilidades para transmitir imágenes o
Seres, créanme, y no exagero, agobiados palabras o una combinación de ambas. Pero,
por la dictadura del tiempo y la tensión que como decía, la inmediatez sin el
impone el mundo cibernético que si bien por conocimiento, no es garantía de nada. Va por
una parte está a nuestra disposición – vendría delante la técnica y se nota. Hace tiempo que
a ser el ilota de la cuestión – por otra, nos las matemáticas, la electrónica y la
presiona, y agobia exigiéndonos rapidez y informática aplicada a los procedimientos de
reflejos que constantemente pone a prueba transmisión están en el siglo XXI, mientras
la prepotente superioridad de la memoria que los periodistas y los programadores no
artificial de las nuevas máquinas. siempre disponen, no siempre tenemos,
En resumen, no disculpo el error cometido conocimientos y talento suficiente como para
al devolver de nuevo a Aristóteles a la crear contenidos capaces de aunar el interés
Academia, como en sus años mozos, pero con el rigor, lo informativo como lo
comprendo por qué errores como éste pueden formativo. Esa limitación, por mucha
producirse y repetirse simultáneamente en informática, “Internet” o “ sistema digital”
diferentes emisoras de radio y televisión. que queramos, no menguará hasta que venga
Llamo la atención acerca del que preñada por el conocimiento.
podríamos denominar “culpable emboscado”, A este respecto, creo que la recomendación
que en este caso sería el sistema informático que se puede dar es bien sencilla: primero
utilizado para recibir las noticias en unas cultura, formación del redactor, y después,
Redacciones en las que la diaria y prometéica bienvenidas sean las nuevas tecnologías.
tarea de contar lo que pasa en lo que en la Invertir los parámetros- tentación que se
jerga del oficio se denomina “tiempo real”, advierte en nuestros días, a mi juicio,
es decir, al instante en honor del diosecillo conduciría ineluctablemente al desastre.
de la nueva cultura informativa de la noticia Desastre que por ejemplo, se insinúa ya
servida en directo propicia este tipo de en la deriva equivocada que adquiere el
errores. Que seguiremos cometiendo, no les lenguaje, en este caso el español, por
quepa duda. contaminación del inglés. La primera
Entre otras razones porque en el mundo manifestación del problema aparece en la
nuevo que conforman ya las “Redacciones propia jerga tecnolingüistica de la que se ha
digitalizadas”, no anida sosiego. Apenas resta dotado el gremio. Argó que, pongo por caso,
espacio para “pensar” la noticia. Para nos hace hablar de “programaciones
distanciarse del procedimiento y reflexionar generalistas”, mediante un término que en
acerca de lo que vamos a contar. Tiempo para lengua española carece de significado.
– y pido disculpas por la palabra – Dicho todo lo anterior, añadiré que, pese
contextualizar las noticias. a todo, soy optimista. Creo en el progreso
94 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

y confío en las nuevas tecnologías que de todas las cosas que aspiren a ser tenidas
aplicadas a la transmisión de noticias, allanan por razonables.
no pocos tramos del camino que nos acerca Porque no hace falta ser Diógenes para
a los ciudadanos interesados en conocer qué saber que en nuestros días la televisión tiende
es lo que está pasando en el mundo. Fijaría, a reemplazar a la escuela y para millones de
si acaso, una cautela. Dado que la ciencia ciudadanos los programas y los presentadores
y sus aplicaciones técnicas están cambiando ocupan el lugar antes reservado a las aulas
nuestro mundo y nuestras formas de vivir, y a los maestros. Ese sería el perfil del más
convendría que no perdiéramos el sentido inquietante de cuantos riesgos acompañan a
común. Que por muy modernos y cibernautas los medios de nuestros días y en especial a
que podamos sentirnos, no olvidemos que las la televisión. El riesgo de no estar – por falta
máquinas no son más que instrumentos. Y de preparación de quienes en ella trabajan –
que lo único que nos pondrá a salvo de la a la altura de lo exigible, ni aún contando
confusión es no perder vista que frente a las con las ventajas evidentes de las nuevas
nuevas tecnologías y sus apabullantes tecnologías. Pero hablar de este aspecto de
posibilidades, el hombre debe permanecer en la cuestión sería tanto como abrir otro debate
el centro del escenario como medida última que nos llevaría lejos del tema que nos ocupa.
JORNALISMO 95

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JORNALISMO 97

O que o jornalismo pode aprender com a ciência:


Objetividade na perspectiva do racionalismo crítico de Karl Popper
Liriam Sponholz1

O tema deste artigo é como e até que para produzir notícias4 é muito mais forte do
ponto as regras que guiam os métodos uti- que na ciência. Como ambas as formas de
lizados pelos cientistas para organizar, clas- conhecimento apresentam semelhanças, a
sificar e traduzir a realidade poderiam con- ciência tem o potencial de oferecer novas
tribuir com o jornalismo. O objetivo é for- linhas de reflexão para o jornalismo.
necer um modelo teórico de objetividade Tanto a ciência como o jornalismo são
jornalística para futuros estudos empíricos. tipos de processos de conhecimento. Tal
Para isso, devem ser analisadas semelhan- processo pode ser identificado tanto na
ças e diferenças entre jornalismo e ciência. produção quanto na recepção de estudos
No momento seguinte, pretende-se analisar científicos e de notícias. Objetividade se
um determinado conceito de ciência que refere somente à produção como processo de
parece especialmente apropriado para uma conhecimento, ou seja, como jornalistas e
comparação com o jornalismo, o do cientistas trabalham e estruturam as informa-
racionalismo crítico de Karl Popper, e a sua ções que recolhem da realidade, através da
possível aplicação nesta área. Por último, comparação destas com aquilo que eles já
pretende-se apresentar um modelo de sabem5.
objetividade jornalística, que tem como ponto Tanto jornalistas quanto cientistas utili-
central a produção de uma correlação entre zam um método para conhecer a realidade.
realidades social e midiática. Ambos têm suas idéias, opiniões pré-forma-
das, suspeitas ou suposições sobre aquilo que
Ciência e Jornalismo observam. Algumas delas são tidas como
certas, outras precisam ser testadas.
A idéia de objetividade jornalística está As suposições dos cientistas vêm de uma
ligada à de ciência desde a origem daquela teoria científica, uma série de afirmações não
nos Estados Unidos, na década de 20. Se- contraditórias. Essa teoria é o resultado de
gundo Streckfuss2, objetividade significava um saber acumulado, do que outros estudos
originalmente encontrar a verdade através do sobre o mesmo tema já mostraram. No caso
método rigoroso do cientista. De acordo com do jornalista, as suas suposições vêm das
Streckfuss3, objetividade não foi fundada em informações que ele acabou de reunir sobre
uma idéia ingênua de que os seres humanos um determinado assunto. Daí advém uma
podem ser objetivos, mas sim no fato de que outra diferença: o cientista é um especialista,
eles não podem. Esta deveria ser portanto o jornalista, não.
alcançada através do uso de um método O cientista não tem só um tema, mas
científico, ou seja, um procedimento também um problema para resolver. Já o
intersubjetivamente aplicável, comparável jornalista não tem necessariamente um pro-
com os das ciências sociais. Influenciados blema, algo para explicar ou para descobrir,
pelo movimento cultural do naturalismo mas sim um tema. O jornalista só vai for-
científico, os mentores da idéia utilizaram a mular hipóteses quando tiver que noticiar
ciência como exemplo de como um jorna- sobre um problema ou quando problematizar
lismo objetivo deveria ser. a sua pauta. Se o jornalista escreve uma
Como jornalistas trabalham sob muita notícia sobre o reinício das aulas nas escolas,
pressão, suas chances de refletir sobre os seus ele tem um tema. Se a pauta incluir as
métodos é extremamente reduzida, a sua condições que os estudantes vão encontrar
tendência a adotar uma rotina como garantia no recomeço das aulas (por exemplo, a
parcial de sucesso e a repetir a mesma fórmula situação precária do prédio da escola, o
98 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

número excessivo de alunos por sala ou o A ciência do racionalismo crítico


número reduzido de professores), então ele
tem um problema a esclarecer ou a desco- Numa comparação entre as duas formas
brir. de conhecimento citadas, uma determinada
Os dois tipos de profissionais tentam concepção de ciência parece especialmente
testar suas hipóteses. O cientista tenta con- apropriada, a do racionalismo crítico, desen-
firmar ou derrubar suas hipóteses através de volvida pelo filósofo austríaco Karl Popper.
procedimentos aplicados a eventos que po- Isto porque o jornalismo, embora não seja
dem ser repetidos em um médio ou longo ciência, aproxima-se sobretudo daquilo que
prazo e dentro de um campo de ação rela- se define como ciências sociais empíricas.
tivamente autônomo. O jornalista precisa Segundo Popper, o que define a ciência
testar suas hipóteses num curtíssimo prazo como tal é a falseabilidade de suas hipóteses.
(até o fechamento da próxima edição) sobre Só uma suspeita ou suposição que é passível
acontecimentos que na maior parte das vezes de ser testada pode ser refutada. E só se ela
não podem ser repetidos nem estão sob seu for refutável pode ser considerada científica8.
controle e sob a pressão do público-leitor, A frase “A temperatura vai subir” nao é
da organização jornalística, do seu chefe, dos falsificável, porque não pode ser testada. Ela
seus colegas de trabalho. O cientista escreve só pode ser utilizada em um estudo científico
para os seus colegas, o jornalista, para um como provocação, como motivação para uma
público não-especializado. pesquisa. Já a afirmação “A temperatura em
De acordo com Genro Filho6, pode-se Covilhã vai subir dois graus por ano a cada
caracterizar os tipos de conhecimento de verão” poderia ser uma hipótese científica,
acordo com as categorias de universal, par- porque é falsificável.
ticular ou individual. O jornalismo produz Segundo Popper, hipóteses devem ser
conhecimento sobre a feição singular da falsificadas, e não confirmadas. Se o pesqui-
realidade, enquanto a ciência se ocupa com sador parte do pressuposto que todos os cisnes
categorias lógicas universais7. O cientista são brancos, ainda que ele encontre só cisnes
procura aquilo que se repete, ou seja, leis ou brancos, não significa que cisnes pretos não
regularidades com relação ao objeto que existem. Por isso, o cientista que acredita que
observa. O jornalista procura fatos singulares. todos os cisnes são brancos deve procurar
O jornalismo se interessa por exemplo por cisnes pretos. Além disso, pode-se aprender
João da Silva, motorista de caminhão, 35 muito mais com a falsificação desta hipótese
anos, quatro filhos, que trabalha 16 horas por do que com a sua confirmação, já que atra-
dia e se acidentou na Rodovia XYZ, que se vés daquela é possível descobrir a existência
encontra em péssimo estado e não sofre de cisnes pretos, onde e como vivem cisnes
reparos desde 1985. Para a ciência, este pretos e onde vivem cisnes brancos, se há
evento só é relevante dentro de uma série outros fatores que os diferenciam e assim por
de acidentes com caminhões ou num levan- diante.
tamento dos acidentes na rodovia XYZ. Só O princípio da falsificação, que a priori
os aspectos particulares ou universais deste se referia a uma questão lógica, adquiriu uma
caso despertam o interesse da ciência. Já o feição política depois da publicação do livro
jornalismo se preocupa exatamente com a sua “A sociedade aberta e seus inimigos” em
singularidade. 19459, tornando-se uma espécie de mecanis-
O fato de o jornalismo se concentrar nos mo antidogmático:
eventos singulares significa que este tipo de
processo de conhecimento pode revelar as- Once your eyes were thus opened you
pectos da realidade que a ciência não con- saw confirming instances everywhere:
segue. Quando um jornalista mostra o co- the world was full of verifications of
tidiano de um morador de rua ou de um the theory. Whatever happened always
prisioneiro, ele pode transmitir informações confirmed it. Thus its truth appeared
relevantes para entender o problema. Como manifest; and unbelievers were clearly
a ciência ignora estes aspectos individuais, people who did not want to see the
cabe ao jornalismo mostrá-los. manifest truth. (Magee: 1975, 45)
JORNALISMO 99

O princípio da falsificação permite uma mativo se ocupa com este tipo de hipótese,
aproximação da realidade exatamente atra- o racionalismo crítico pode oferecer uma
vés da negação de verdades manifestas. alternativa para os jornalistas sobre como lidar
Nenhum conhecimento, inclusive o da ciên- com os seus pressupostos ou convicções. Para
cia, deve ser tratado como verdade absoluta, isso, é preciso entender no que e até que ponto
mas sim como hipotético, já que não é o racionalismo crítico pode contribuir para
possível conhecer a realidade de maneira o jornalismo.
absoluta e segura. Para Popper, o objetivo maior da ciência
O teste das hipóteses deve seguir deter- é aproximar-se da realidade através da re-
minadas regras na ciência. Os pesquisadores futação do que se sabe até o momento. No
devem testar suas hipóteses através de jornalismo, há diferentes objetivos. Um deles
métodos transparentes, que possam ser re- é mediar informações reais e, através disto,
petidos por outros (intersubjetividade). Se oferecer modelos de orientação prática para
outros pesquisadores repetirem o experimen- o seu público14. Mas o jornalismo também
to sob as mesmas condições, devem chegar pode contribuir para uma aproximação da
ao mesmo resultado que o primeiro. Os realidade através da refutação do que se sabe
instrumentos utilizados devem ser adequados até o momento. No entanto, o jornalista não
para medir o que se pretende medir. refuta necessariamente o conhecimento que
A ciência deve tentar ser objetiva, o que foi acumulado sobre um tema, mas sim as
significa para Popper que o seu método deve informações que se têm até agora sobre um
ser passível de ser testado intersubjetiva- acontecimento. Portanto, a observação da
mente. Ou seja, objetividade de acordo com realidade, ou seja, a pesquisa ou investiga-
o racionalismo crítico não se refere ao teor ção jornalística tem uma função central neste
de verdade das afirmações, mas sim ao conceito de objetividade.
método utilizado. Segundo o racionalismo crítico, a obser-
A ciência que Karl Popper propõe une vação da realidade deve obedecer regras para
percepção e teoria. Se uma teoria é empírica evitar uma percepção falsa15. Por isso, o
(e só teorias empíricas podem ser testadas), cientista deve seguir um determinado méto-
então ela precisa ser acoplada à experiência do, que por sua vez deve respeitar regras de
e à percepção10. Ao mesmo tempo, a teoria observação e de intersubjetividade. O uso de
pode controlar e corrigir a percepção11. um método em jornalismo também pode
contribuir para evitar a formação de imagens
O jornalismo e o racionalismo crítico falsas sobre o que se observa.
Como objetividade para Popper se refere
Quando jornalistas noticiam sobre proble- a uma questão de método, a sua utilização
mas, ou seja, sobre temas ou eventos nos no jornalismo se restringe à fase de repor-
quais há algo para descobrir ou para expli- tagem. No entanto, se objetividade for re-
car, desenvolvem hipóteses. Hipóteses duzida a uma questão de método, o objetivo
jornalísticas podem ser classificadas em três do jornalismo deixa de ser uma correlação
categorias: descritivas, evaluativas e com a realidade primária. Segundo
prescritivas12. Descritivas são afirmações do Neuberger16, o racionalismo crítico pode até
tipo “O presidente renunciou ao cargo hoje atrapalhar, já que ignora regras já
à tarde”. A suposição “A renúncia do pre- institucionalizadas. Ao mesmo tempo, pode
sidente foi melhor para o país” é do tipo contribuir para encontrar novas regras e para
evaluativa e a hipótese “O presidente deve melhorar o processo de conhecimento
renunciar nos próximos dias” se insere na jornalístico. O racionalismo crítico, portanto,
categoria prescritiva. não esgota o problema da objetividade.
A maior parte das hipóteses jornalísticas Além disso, é preciso distinguir entre
são do tipo descritiva, ou seja, passíveis de objetividade em jornalismo e objetividade
serem testadas empiricamente13.O que não se jornalística17. A contribuição popperiana se
enquadra nesta categoria não pertence ao restringe às normas ou regras que jornalistas
jornalismo informativo, mas sim ao jorna- devem utilizar para garantir uma conexão
lismo opinativo. Como o jornalismo infor- entre a realidade social e a realidade
100 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

midiática, ou seja, à objetividade jornalísti- Grau de Abrangência: levantamento pre-


ca. Esta concepção não oferece nenhuma ciso de informações, resposta a todas as
resposta ao problema da objetividade textu- perguntas do lide, levantamento de mais de
al, ou seja, à questão da veracidade das uma linha de interpretação, seleção de todos
informações contidas na notícia. os envolvidos ou afetados pelo acontecimen-
Evidentemente há a possibilidade de que to como tipos de fontes;
uma notícia seja verídica, ainda que o jorna- - Liberdade de juízo de valor: seleção de
lista não tenha agido de forma objetiva. Um informações e fontes que possam derrubar
texto jornalístico pode ter um grau elevado a hipótese do jornalista sobre o problema.
de correlação com a realidade, embora o No caso da verificação intersubjetiva, o
jornalista só tenha reescrito um press release. jornalista deve respeitar:
Neste caso, entretanto, a veracidade da notícia Transparência do processo de conheci-
não se deve ao jornalista. mento: levantamento de informações preci-
Uma aproximação da realidade só pode sas, citação completa das fontes, desenvol-
ser verificada se for possível averiguar as vimento de hipóteses passíveis de serem
informações e criticar as explicações testadas e preenchimento de “protocolo” sobre
fornecidas em uma notícia. Objetividade o método utilizado.
jornalística é portanto uma condição para Estes são critérios que devem ser con-
objetividade em journalismo. siderados na produção de notícia para evitar
Neuberger18 reinterpretou as regras de uma percepção falsa da realidade e garantir
Popper para o jornalismo e propôs que um grau de correlação entre realidade social
jornalistas pesquisem, utilizem métodos e realidade midiática.
adequados e registrem o que escrevem, para O que significa seguir este conceito de
que outros possam repetir o mesmo proce- objetividade no dia-a-dia das redações? Em
dimento e chegar aos mesmos resultados. termos práticos, pesquisa ou investigação
Uma possível aplicação do racionalismo própria significa que se o jornalista ambi-
crítico no jornalismo não pode no entanto ciona ser objetivo não pode se limitar a
se limitar à idéia de intersubjetividade do reescrever ou mesmo entrevistar só as fontes
método. Bentele19 sugere três características que são citadas no press release. O profis-
centrais como critérios essenciais para sional precisa ouvir fontes e levantar infor-
objetividade em jornalismo: utilização de mações que não foram consideradas no press
afirmações corretas, integridade das informa- release ou na entrevista coletiva.
ções com relação ao acontecido e, como Com relação à verificação, o que foi
metacritério, intersubjetividade. citado no press release deve ser confrontado
Baseando-se na reinterpretação das regras com depoimentos de fontes de tipos diferen-
científicas do racionalismo crítico realizada tes, que possam trazer outras informações ou
por Neuberger e no conceito de objetividade mesmo dados que contradigam o que foi dito.
em jornalismo desenvolvido por Bentele, uma A expressão “tipos diferentes” se refere não
concepção racionalista crítica de objetividade somente a fontes que tenham uma opinião
deveria seguir as seguintes regras de obser- diferente sobre o assunto, mas também que
vação: ofereçam outras perspectivas. Não basta ouvir
Pesquisa e investigação própria: jornalis- um representante do governo e outro da
tas devem levantar informações e ouvir fontes oposição sobre um projeto de lei, é preciso
que até então não foram consideradas; ouvir também o especialista, o cidadão que
Verificação das informações: comparação pode ser afetado pela nova legislação ou as
de afirmações de diversas fontes sobre o organizações que o representam. Ao mesmo
mesmo acontecimento, através de fontes de tempo, a verificação de informações precisa
diversos tipos e com opiniões diferentes; necessariamente abranger entrevistados que
Uso de técnicas de observação e de representem pontos de vistas contraditórios.
protocolo adequados: o método utilizado pelo O uso de métodos de observação adequa-
jornalista e as informações que ele levanta, dos significa que as informações levantadas
devem mostrar aquilo que o jornalista pre- pelo jornalista devem ter uma correlação com
tende comprovar; aquilo que ele pretende descobrir ou expli-
JORNALISMO 101

car. O mesmo princípio vale para a seleção prefeito” não podem ser testadas
das fontes. O fato de o entrevistado ser intersubjetivamente e, portanto, não perten-
advogado não o credencia para comentar o cem ao jornalismo informativo.
projeto de reforma tributária, mesmo que ele
seja o presidente da Ordem dos Advogados. Falsificação em jornalismo
Para analisar este assunto, seria mais ade-
quado ouvir um professor de direito tribu- A idéia de que jornalistas devem obser-
tário, que certamente já trabalhou com o tema. var a realidade de acordo com algumas regras
O modo como o jornalista levanta as para garantir objetividade no seu trabalho não
informações também deve ser apropriado para é nova. A contribuição do racionalismo crítico
investigar ou explicar o fato sobre o qual pode no entanto ultrapassar esta fronteira.
se noticia. Se ele investiga o estado precário A característica principal do racionalismo
das escolas públicas, é mais adequado falar crítico é o princípio da falsificação. É esta
com os professores ou alunos de uma escola norma que determina o tipo de hipótese que
nestas condições e depois ouvir o secretário deve ser formulada, o método e até mesmo
de Educação, e não o contrário. o resultado do trabalho do cientista. Através
O grau de abrangência deve contribuir disso, o pesquisador se “previne” de
para que o acontecimento a ser noticiado seja dogmatismo, seja o seu próprio ou não.
apresentado num contexto mínimo. Isto sig- No jornalismo, a busca por uma liber-
nifica que não basta responder a perguntas dade do juízo de valor tem sido marcada pelo
como o quê, quem, quando e onde. É preciso princípio da neutralidade. O conceito tradi-
levantar os comos e porquês. Também não cional de objetividade como neutralidade nega
basta ouvir uma explicação para o problema, aos jornalistas a possibilidade de desenvol-
já que o objetivo do método é exatamente ver idéias sobre aquilo que eles observam.
evitar uma percepção falsa da realidade. Quando jornalistas têm idéias, suspeitas,
Parte-se do pressuposto de que o levantamen- suposições ou opiniões, então não são mais
to de mais de uma explicação pode contri- objetivos.
buir para evitar isto. No caso de dados Como avaliar, desenvolver idéias sobre
estatísticos, devem ser levantados o universo aquilo que se observa é inerente ao processo
de pesquisa, o método utilizado, o período de conhecimento, neutralidade mostra-se
em que o estudo foi realizado e quem o então um mecanismo incapaz de garantir a
produziu. liberdade dos jornalistas perante juízos de
Para garantir a transparência do processo valor. O problema não é ter opiniões, supo-
do conhecimento, é preciso que outras pes- sições ou pré-conceitos, mas sim o que se
soas possam ter acesso às informações que faz com eles.
o jornalista levantou, bem como ao método Jornalistas tendem fortemente a confir-
utilizado para levantá-las. Os depoimentos mar suas hipóteses, o que Stocking (1989)
prestados bem como dados sobre as fontes chama de confirmation bias. Isto não signi-
(nome, cargo ou função) devem ser gravados fica que estes profissionais inventam fatos
ou anotados de tal forma que outra pessoas ou explicações, mas sim que eles só inves-
(por exemplo, o editor) possa reconstruir o tigam ou pesquisam em uma direção, indi-
processo da reportagem através destas ano- ferente se depois da pesquisa eles ouvem os
tações. dois lados do problema ou não. Jornalistas
Se o jornalista produz uma reportagem se tornam prisioneiros não necessariamente
sobre o projeto de preservação do meio- das próprias convicções, mas também da
ambiente de uma determinada multinacional obrigação de produzir histórias com valores-
através de uma viagem às instalações indus- notícias elevados.
triais paga por ela, esta informação precisa O que estes profissionais devem fazer com
ser colocada à disposição daqueles que le- as suas inevitáveis hipóteses, para que elas
rem a notícia. não atrapalhem uma aproximação da reali-
O princípio da verificação intersubjetiva dade? O princípio da falsificação poderia ser
só funciona para hipóteses descritivas. Afir- aplicado no jornalismo? Deveria? O que o
mações do tipo “João da Silva foi um bom jornalista deve tentar falsificar?
102 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

As condições necessárias para a falsifi- determinado patamar na discussão sobre


cação na ciência não existem no jornalismo. objetividade, através da concretização de uma
O jornalista desenvolve hipóteses a partir das concepção baseada na teoria do conhecimen-
informações reunidas e não a partir de um to em um modelo teórico. Também se pre-
saber acumulado, ele também nao é espe- tende fornecer através deste modelo novos
cialista. Ou seja, no caso do jornalista, é critérios para estudos comparativos entre
preciso primeiro que o que se sabe até agora coberturas jornalísticas e realidade social,
seja levantado. Depois, ele pode tentar fal- centrados na relação entre estes dois tipos
sificar este conhecimento. Este princípio de realidade, e não mais em noções tradi-
precisa, portanto, ser reinterpretado. cionais de objetividade que se concentram
O que o princípio da falsificação signi- em outras funções da mídia, como por
ficaria para o jornalismo? Este princípio exemplo as concepções de relevãncia,
poderia garantir liberdade de juízos de valor. pluralismo ou fairness, entre outras 20
Ao mesmo tempo, exigiria mais tempo para (Sponholz, 2003).
pesquisa. Jornalistas precisariam primeiro Uma das vantagens de uma “tradução”
levantar um nível de informações mínimo, dos métodos científicos para o jornalismo é
“provas” que comprovem sua hipótese, e a possibilidade de oferecer modelos de ação
depois pesquisar ou investigar contra sua que orientem futuros jornalistas. Através
própria hipótese. Isto significa a substituição disto, pode-se superar a noção de que jor-
de uma fairness passiva (ouvir os dois lados nalismo se produz com feeling, de que não
de uma questão) por uma outra ativa, em que há possibilidade de aprendizado ou conhe-
se pesquisa em ambas as direções, pró e cimento sistemático em jornalismo. Embora
contra a própria hipótese. Outra consequência existam jornalistas que não precisem de um
seria que jornalistas teriam que ser abertos método para alcançar os mesmos objetivos,
o suficiente não só para deixar suas hipó- a falta de sistematização leva novos repór-
teses, como também suas pautas caírem. teres a freqüentemente “reinventarem a
Critérios para avaliação de liberdade do roda”21.
jornalista frente às suas próprias convicções Ao mesmo tempo, exigir que jornalistas
de acordo com este princípio seriam a es- pesquisem e até mesmo procurem derrubar
colha de fontes bem como o levantamento suas pautas parece ir contra o processo que
intencional e planejado de informações que se observa nas redações. Redução de custos
possam derrubar suas hipóteses. através da diminuição do número de jorna-
É preciso sobressaltar que o princípio de listas nas redações, da produção de mais
falsificação não significa que jornalistas matérias com menos pessoal, menos inves-
deveriam tentar derrubar suas hipóteses a timento em investigação e tempo, têm leva-
qualquer custo, mas sim que suas suspeitas do a um alto grau de utilização de press
devem passar por um teste de falsificação. releases e a menos investigação/pesquisa no
Caso elas não sejam refutadas, isto fala a jornalismo.
favor da sua relação com a realidade primá- A utilização de um método em jornalis-
ria. mo que possa garantir um determinado grau
Diferente dos outros critérios citados, a de objetividade poderia hipoteticamente le-
adoção do princípio de falsificação precisa var a um conflito com as condições em que
ser examinada não só do ponto de vista da jornalistas trabalham ou a uma otimização
sua plausibilidade, mas também da sua dos poucos recursos dos quais jornalistas
aplicação prática. dispõem para pesquisar22. Ambas hipóteses
exigem investigação para que se possa de-
Conclusão terminar empiricamente a contribuição do
racionalismo crítico para o jornalismo. O
O modelo apresentado aqui tem o pro- potencial que esta perspectiva oferece, en-
pósito de contribuir para ultrapassar um tretanto, é concreto.
JORNALISMO 103

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15 21
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16
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17 22
Günter Bentele, Objektivität und Reyes, op. cit., p. 2.
JORNALISMO 105

A ‘explosão’ dos weblogs em Portugal:


percepções sobre os efeitos no jornalismo
Luís António Santos1

A ‘explosão’ dos weblogs em Portugal, a gratuitidade dos serviços, terá começado


ocorrida a partir de meados de 2003, foi por ser a fidelização de clientes, mas a
objecto de intensa cobertura jornalística e de perspectiva de uma utilização comercial terá
amplo debate nos próprios weblogs. Entre o estado, por certo, presente na elaboração da
fervor tecno-optimista de alguns e o opção estratégica destas empresas. Um sinal
contrastante cepticismo de outros foi possí- emblemático do despertar desse interesse
vel identificar algumas questões interessan- comercial pelos weblogs – e do eventual fim
tes sobre a natureza específica da novidade, do ‘carácter puritano’ da actividade, com
sobre a sua relevância para o jornalismo e escrevem os autores da AlwaysOn3 - terá sido
mesmo sobre o seu eventual potencial para a publicação, em meados de Agosto, de um
vir a constituir (ou, pelo menos, acrescentar artigo na secção ‘Business’ da conservadora
valia a) uma nova forma de fazer e de revista britânica The Economist, com o título
entender a profissão. A discussão portuguesa “Blogging, to the horror of some, is trying
replica temas igualmente em debate noutros to go commercial”4.
países, embora as particularidades, tanto da A visibilidade dos weblogs aumentou na
blogosfera como do jornalismo nacionais lhe proporção directa do seu impacto na agenda
aportem alguns traços distintivos. informativa e sub-categorias como os
Este texto, produzido no âmbito de um warblogs, por exemplo, conseguiram mesmo
trabalho do Mediascópio sobre os casos em concentrar em si volumes significativos de
que o jornalismo foi notícia, propõe-se atenção em momentos muito específicos da
apresentar uma reflexão sobre um debate que guerra no Iraque. As ferramentas de indexação
está longe de estar encerrado e lançar pistas (Technorati, Blogdex, Daypop, Popdex) afir-
sobre tendências emergentes no processo. maram-se como indicadores do início de um
O ano de 2003 foi o ano da emancipação processo de sedimentação estrutural do fe-
do weblog como protagonista autónomo de nómeno e evoluções tecnológicas permitiram
mais uma das potenciais áreas de expansão o aparecimento de variantes como os moblogs
da já de si tão vasta invenção de Tim-Berners- ou os videoblogs.
Lee, a Internet. A recolha feita por Eszeter Hargittai5, com
A mais popular ferramenta, Blogger, base no aparecimento das palavras ‘weblog’
anunciou, logo em Janeiro, ter atingido o e ‘blog’ em 47 jornais diários (incluindo 24
primeiro milhão de utilizadores e um estudo norte-americanos) é muito clara’ – a partir
desenvolvido pela Perseus, estimava que até do ano 2000 o número de referências cresceu
ao Verão de 2003 teriam sido criados 4,12 sempre a um ritmo muito próximo da du-
milhões de weblogs em todo o mundo, dos plicação e os dados de 2003 indicam que,
quais apenas 1,4 milhões poderiam ser em média, cada um dos diários analisados
entendidos como activos (com, pelo menos, falou no assunto 23 vezes (ver quadro página
uma actualização no espaço de dois meses)2. seguinte).
A AOL começou a oferecer a possibilidade Em Portugal, 2003 terá também sido o
de ‘blogar’ aos seus clientes a partir de ano da grande (a uma outra escala) afirma-
Agosto, ao mesmo tempo que a Yahoo fazia ção dos weblogs. A primeira tentativa con-
uma experiência piloto similar no seu site sistente de elaborar uma listagem, iniciada
coreano. Ambas as empresas seguiram os em Janeiro, referenciava 174 entradas. Em
passos de dois outros gigantes, que abriram Maio os weblogs portugueses eram já 400,
portas aos weblogs logo no início de 2003 em Junho mais de 600 e, no princípio de
– Google e Lycos. O interesse imediato, dada Julho, 9056. Neste momento não existe uma
106 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

única listagem de todos os weblogs escritos um conjunto de trabalhos sobre a


por portugueses, sendo certo porém que massificação dos weblogs, tendo um dos
deverão exceder já os dois milhares. textos o sugestivo título: “Jornalismo desa-
O directório — ‘ptbLOGGERS’, criado fiado por um novo formato”. Seis dias depois,
em Julho de 2003, registava, no dia 20 de o Diário de Notícias anunciava que o euro-
Abril de 2004, 1757 weblogs7. Um outro deputado do PSD, José Pacheco Pereira, havia
directório, o ‘Apdeites’, acolhia, na mesma aderido à blogosfera (com o seu ‘Abrupto’).
data, referências da 2045 weblogs8 e um No mesmo texto, a um passo listava-se o rol
outro, o ‘weblog.com.pt’, incentivador da de ‘famosos’ já aderentes enquanto a outro
utilização da ferramenta Movable Type, passo se dava conta da variedade de temas
registava 1120 entradas9. À semelhança do que eventuais novos interessados podiam
que aconteceu à escala internacional, tam- encontrar: política (com campos opostos bem
bém o maior motor de busca/prestador de marcados), literatura, comunicação ou humor.
serviço nacional, o Sapo, passou a Umas semanas depois, o Diário Económico
disponibilizar, a partir do início de Novem- titulava já: “Portugal adere em força aos
bro de 2003, a possibilidade de criação de weblogs”, acrescentando que a política seria
weblogs. o tema mais discutido “devido à liberdade
A aparente irrelevância, em termos ab- de expressão”. Nesse mesmo texto, António
solutos, destes números é mitigada por um Granado (que tem o seu ‘Ponto Media’ activo
ritmo de crescimento assinalável e, sobretu- desde Janeiro de 2002) fazia declarações no
do, no que nos diz respeito, por uma expo- sentido de que se estaria a entrar numa nova
sição mediática muito significativa e pela fase – a fase da descoberta pelos media
emergência, desde cedo, de espaços (ou tradicionais – e que, naturalmente, a cada
momentos) de constante auto-questionamento. nova notícia deveria corresponder a criação
de “mais umas dezenas” de weblogs 10.
Os weblogs nos media Curiosamente, no mesmo dia, o suplemento
Computadores, do Público, apresentava tex-
Sendo 2003 o ano da entrada em força tos de um enviado a Viena, Pedro Fonseca,
dos weblogs em Portugal, foi-o de forma não para cobrir o primeiro encontro europeu sobre
muito progressiva. A mudança radical na weblogs, o BlogTalk.
evolução desse crescimento aconteceu a partir Uma semana depois, o mesmo suplemen-
de Junho e terá sido, em grande parte, um to voltava a dar atenção especial ao mesmo
reflexo da atenção mediática que lhes foi encontro e já em meados de Junho, o di-
dedicada. O interesse dos órgãos de comu- rector do Público, José Manuel Fernandes,
nicação tradicionais identifica-se, aliás, logo dedicava um editorial ao fim de um weblog
a partir de Maio; no dia 4 desse mês, o jornal (‘Coluna Infame’). Até mesmo aos que não
Público apresentava na sua página de Media, sabiam ainda da existência do novo formato
JORNALISMO 107

se dizia, logo na segunda frase: “A blogosfera “o ‘depósito obrigatório’ da Internet portu-


está mais pobre”. Ao todo, nesse mês de guesa”, dando assim uma expressão mais
Junho, o Público apresentaria 18 textos sobre abrangente a preocupações apontadas em
ou com referências a weblogs, em espaços posts no Abrupto, quase desde o seu início,
editoriais diferenciados (páginas de Media, relacionadas com a reflexão sobre a própria
Suplemento Computadores, Destaque, Edi- blogsofera.
torial, Opinião) e envolvendo jornalistas Uma reflexão presencial - anunciava o
ligados às áreas da comunicação e da Diário de Notícias do dia 19 de Julho -
tecnologia, a uma correspondente no estran- aconteceria em Setembro, na Universidade
geiro, a um enviado especial, ao director e do Minho, com o primeiro encontro nacional
a um dos seus principais cronistas. A crónica de weblogs. O mesmo jornal dedicou ao
em questão – a de Pacheco Pereira, em 19 assunto outros dois trabalhos, nesse mesmo
de Junho, sob o título “Espelho Meu, Es- mês, tendo a provedora do leitor, Estrela
pelho Meu” – terá, pela abrangência da Serrano, também aflorado a questão num dos
análise, pelo peso mediático do cronista e seus textos, a propósito do crescente – na
pelo seu próprio empenho pessoal no tema, sua opinião – acesso dos cidadãos ao espaço
constituído um dos marcos mais relevantes público. O mês terminaria com Eduardo Prado
na construção da imagem mediática dos Coelho a falar, no Público, do “Blogue,
weblogs em Portugal. Blogue” como uma das duas realidades que
Na semana seguinte, a revista Visão teriam emblematizado o Verão e a elaborar
apresentaria um extenso trabalho, intitulado, sobre a novel ausência da “complexa malha
“Bem-vindo à blogosfera”. Dois dias depois, de legitimações” para o acesso ao espaço
José Mário Silva escreveria, no suplemento mediático14 e com Paulo Mendo, no Primeiro
do Diário de Notícias, DNA, sobre a sua de Janeiro, a tecer elogios ࣓abençoada
experiência e sobre as valências dos weblogs, invasão”15.
sendo que na revista do Expresso, Única, O uso dos weblogs para o ensino do
desse mesmo dia, 28 de Junho, Paulo Que- jornalismo – uma experiência iniciada, em
rido entrevistava o responsável por um dos Portugal, por Manuel Pinto, na Universidade
weblogs que, na altura, mais atenções do Minho – foi o ponto de partida para um
centrava, tanto dentro como fora da comu- extenso trabalho, no jornal Público, no início
nidade, ‘O meu pipi’. Reforçando um fim- de Agosto. O Público e o Jornal de Notícias
de-semana repleto de referências, o Correio continuaram a fazer referências periódicas ao
da Manhã do dia 29, apresentou também o assunto e o mês terminou com uma notícia
tema aos seus leitores, como sendo “a nova sobre o que weblogs de lisboetas diziam das
moda cibernética”. Fez ainda questão de políticas do responsável pelo município16. É
enunciar alguns dos ‘blogotugas’ e de apon- por esta altura que surge um weblog anó-
tar o que considerava serem as ‘blogopérolas’. nimo, que viria a durar pouco mais de um
O mês de Julho foi marcado pelo anún- mês, mas que teve um impacto assinalável
cio de que a Assembleia da República tinha – o ‘Muito Mentiroso’.
aprovado, para aplicação a partir da O primeiro encontro nacional de weblogs
legislatura seguinte, a criação de weblogs dos centrou as atenções dos media, em meados
deputados (o que levou até João Paulo Guerra de Setembro, com a particularidade acresci-
a opinar, no Semanário Económico, sobre o da de que o assunto mereceu, pela primeira
‘Blogociclo’). Miguel Esteves Cardoso escre- vez e de uma forma simultaneamente robus-
via, no DNA, que os weblogs eram uma ta, lugar de destaque na Rádio, Imprensa e
“aragem nervosa e boa que não se respirava Televisão. Com efeito, o encontro teve di-
desde os tempos do Punk e da New Wave”11, reito a figurar nos noticiários de várias rádios
Ana Sá Lopes, no Público, dizia-se atraída nacionais, a uma ligação em directo durante
pela “blogodependência”12 e Francisco José o Telejornal, da RTP1, e ao destaque de
Viegas, no Jornal de Notícias, dizia estar em primeira página de um dos diários de maior
curso uma “batalha pela voz”13. Pacheco expansão, o Jornal de Notícias.
Pereira, na sua coluna semanal no Público, A partir desse mês – altura em que um
mostrava-se, nessa altura, já preocupado com outro cronista, Eduardo Prado Coelho, anun-
108 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ciou ter aderido aos weblogs, através da uma mais efectiva expressão. Os weblogs
participação numa iniciativa do Partido tornaram-se espaços alternativos de comuni-
Socialista de Lisboa, o–‘Forum Cidade’’– os cação, onde cada um pode ter a tal ‘voz’ que
weblogs começaram a deixar de ser apenas tantas vezes lhe foi prometida. Sendo certo
espaços virtuais com cobertura mediática; a que poderá existir, na participação efectiva
SIC Radical anunciou que o humorístico na blogosfera, tanto de projecção do ego
‘Gato Fedorento’ passaria a ser um programa como de voyeurismo, parece-nos não menos
televisivo e, pouco tempo depois, seria feito verdade que, apesar disso, as tais ‘vozes’ estão
o lançamento de um livro com uma recolha lá, no mais dos casos abertas à discussão e
de posts do anónimo ‘O meu pipi’ (que em todos eles disponíveis para escrutínio.
acolheria, na altura, cerca de 100 mil visitas Como nos diz Tim Jarrett, “um blogger cria
por mês). uma voz online com história, cronologia,
evolução e contexto”. Mais importante ain-
Apontamentos de análise da, adianta Jarrett, o acto de publicar num
weblog (por oposição a um documento
Ainda que este seja apenas o momento privado) permite que outros escutem a tal
do lançamento de um primeiro olhar sobre ‘voz’: “Se as palavras de um blogger são
esta relação entre os media portugueses e os ouvidas e outros entram no diálogo o blogger
weblogs, haverá ideias que importa deixou de ser um observador passivo da
esquematizar em algum detalhe. internet para se tornar num criador dela. Isto
Em primeiro lugar, parte substancial do permite que pessoas – desde adolescentes
apelo dos weblogs resulta das suas caracte- confusos a programadores de software, a
rísticas intrínsecas. Ferramentas fáceis de tradutores iraquianos em Bagdade e a avós
utilizar por pessoas com poucos conhecimen- com uma paixão pela política – que nunca
tos técnicos, conjugam uma estrutura formal tenham escrito um texto antes sejam lidos
rígida como a possibilidade da abertura a uma em todo o mundo”17. Mesmo aceitando que
míriade de conteúdos, comportando-se aqui esta asserção final da frase denota alguma
a blogosfera como uma espécie de um novo fragilidade, sobretudo em face de um cres-
‘ambiente de trabalho’, não já instalado no cimento naturalmente desregrado e natural-
computador de cada um, mas disponível, para mente pouco inventariado da blogosfera18,
partilha, na web. Uma vez familiarizado com isso não põe em risco o seu principal ponto
um weblog, qualquer internauta pode, sem de ancoragem e de atracção – os weblogs
grande esforço, procurar informações num são espaços pessoais e interpretativos, mar-
outro ou desenvolver o seu. Mesmo tendo cados, em simultâneo, pela subjectividade e
em conta as especificidades das diferentes por um certo grau de responsabilização.
ferramentas disponíveis, a lógica subjacente Em segundo lugar, uma parte significa-
ao formato é a mesma e o conforto que deriva tiva da implantação, da visibilidade e da
dessa constância é, por certo, factor de expansão dos weblogs em Portugal terá
simultânea tranquilização e de renovada resultado do estabelecimento de uma relação
confiança, tão necessárias à manutenção de privilegiada com os media tradicionais. Assim
um outro traço distintivo destas novas pá- como resulta claro, da pouco exaustiva análise
ginas web – a frequência de actualização. À acima apresentada, que um número signifi-
semelhança do que aconteceu noutros países, cativo dos jornalistas envolvidos na escrita
com mais ou menos encorajamento dos media dos textos sobre weblogs partia de uma
tradicionais, o sucesso quase exponencial dos posição de alguma cumplicidade com o
weblogs deve-se, em grande parte, a esta sua formato (seja porque eles próprios eram
potencialidade de abertura a quem nunca bloggers, seja porque eram observadores à
antes teve possibilidade de avançar reflexões, distância), parece também evidente que a
comentários ou informações para além do seu entrada na blogosfera de ‘famosos’, o apa-
círculo restrito de conhecimentos pessoais. recimento de weblogs polémicos e as dis-
A ‘publicação pessoal’, conceito que já cussões internas geradas a propósito destes
havia servido para atrair as pessoas para a dois factores e ainda de um terceiro - a
própria internet, alcança, com os weblogs, distinção entre ‘novos’ e ‘velhos’ bloggers
JORNALISMO 109

portugueses - tenha sido responsável pela crítico de grande parte dos posts publicados,
manutenção do interesse jornalístico no tema. quando aliados a uma multiplicação de fontes
A cumplicidade de que se fala deverá ser razoavelmente bem informadas sobre áreas
entendida como resultante das afinidades e muito específicas poderá estar, ou vir, a
das vantagens percebidas no formato, tanto induzir alguns efeitos no jornalismo portu-
em termos técnicos como de conteúdos. Se guês.
pensarmos na vertente técnica, os weblogs Não teremos ainda chegado a uma fase
parecem encaixar na perfeição com as exi- em que os weblogs dão início a um qualquer
gências do tempo jornalístico presente, movimento com repercussões nos media
potenciam um espaço de sinergias multimé- tradicionais e, em última análise, com efeitos
dia e corporizam um novo conceito de na vida política (como aconteceu com o caso
produção de texto apelativo e adaptável às Trent Lott, ou com a campanha eleitoral de
exigências formais do jornalismo. Se olhar- Howard Dean, nos Estados Unidos), mas os
mos para os aspectos de conteúdo, percebe- sinais de penetração do efeito blogosfera no
mos nos weblogs menos pontos de contacto espaço comunicacional são já alguns. Assi-
com o jornalismo do presente, mas talvez uma nale-se o exemplo de um post que levou a
eventual visualização do que se lhe pode vir uma reacção de um ministro na imprensa,
a pedir: texto cuidado, ligação às fontes, as acções de pendor político que influenci-
formatação menos rígida, estilo mais próxi- aram o debate sobre actos de gestão
mo da’‘voz humana’, maior personalização autárquica (em Lisboa, por exemplo) e os
e menor intermediação. cada vez mais comuns sinais de que os
comentários na blogosfera são usados pela
Publicação individual e jornalismo imprensa de forma idêntica aos produzidos
no contexto dos media tradicionais.
A expansão da blogosfera nacional, no ano A consciência de que a blogsofera existe
de 2003, despoletou discussões acesas sobre e é particularmente atenta aos que se produz
o valor acrescentado dos weblogs para o ou veicula nos media poderá funcionar como
jornalismo, muitas delas replicando debates um motivo adicional de pressão sobre o
semelhantes noutros países. Também aqui se jornalismo, no sentido da actualização da
perceberam excessos de fé nas potencialidades linguagem, de um maior rigor na abordagem
do novo formato para, quase que por si só, dos temas e, sobretudo, de uma mudança de
abrir caminho a um novo tipo de jornalismo atitude perante a sociedade. Os bloggers (que
e, por contraponto, exageros condenatórios, são também leitores/ouvintes/telespectadores)
edificados em torno de noções de que a questionam formas de actuar, perspectivas,
blogosfera seria, sobretudo, espaço de partilha apontam falhas, avançam alternativas e le-
de intimidades e, em muitos casos, lugares vantam novas dúvidas. Isso, se entendido por
de oposição ao jornalismo estabelecido. todos os jornalistas como uma oportunidade
Afigura-se-nos seguro indicar que, mes- para produzir trabalho mais honesto, consis-
mo no presente, a blogosfera portuguesa tem tente e em contacto com as pessoas, pode
a sua quota de weblogs sobre jornalismo e dar-nos uma indicação mais correcta do
de weblogs feitos por jornalistas profissio- eventual novo caminho do jornalismo.
nais 19, mas continua a ter muito poucos Os weblogs serão, assim, neste momen-
exemplos de uma postura próxima da adop- to, muito mais reflexos críticos da actividade
tada, noutros países, pelos chamados weblog- jornalística e potenciais fornecedores de
jornais. Ou seja, serão muito poucos os que, informação adicional específica do que con-
via weblog, produzem, de forma consistente correntes em pé de igualdade. A seu favor,
e com carácter de permanência, trabalho estes espaços de publicação pessoal terão,
jornalístico reconhecido como tal20. naturalmente, o facto de integrarem, sem
Ainda assim, parece-nos relevante apon- qualquer adaptação, uma lógica de entendi-
tar que a grande visibilidade de alguns mento da comunicação baseada no indivíduo,
weblogs, o activismo militante de outros, a como nódulo de redes múltiplas e flexíveis,
qualidade formal de muito do texto que é e não como membro de um qualquer grupo
produzido e o carácter social e politicamente facilmente caracterizável (Wellman e Hogan,
110 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

2004). Se mantivermos presente que este company”. Witt aconselha as empresas


modelo serve apenas para explicar o funci- jornalísticas a aproveitarem o contacto com
onamento de um número muito restrito de os weblogs para reformularem as regras da
indivíduos, mesmo em sociedades ditas aproximação às suas várias audiências. Se-
desenvolvidas, conseguimos identificar nos gundo o autor, as empresas deveriam: reciclar
weblogs (como no webmail, nos fotologs, ou todo o material informativo que recebem (por
nos moblogs) o potencial para funcionarem via de uma mais maleável indexação, por
como ferramenta de ligação do indivíduo às exemplo), apostar”– em colaboração com
suas próprias redes, em situação de absoluto universidades – na criação de centros de
controlo e independentemente da localização cidadania para os media (potenciais berços
espacial onde se encontrem21. Talvez por isso dos chamados jornalistas hiperlocais) e
faça sentido, neste contexto, citar uma das encontrar formas eficientes de fazer uso da
propostas provocatórias lançadas por Jay enorme quantidade de informação que cir-
Rosen na reunião BloggerConII: “Blogar não cula nos weblogs (14.04.2004).
é jornalismo mas enquanto que o jornalismo Uma nota final sobre a publicação pes-
está na web, o weblog é profundamente da soal enquanto indicador de uma progressão
web, estando os bloggers muito à frente dos no sentido de uma cidadania mais
jornalistas na percepção das vantagens da web participativa. Parece-nos demasiado ambici-
e da sua própria ecologia” (16.04.2004). osa a ideia de que esta assumpção de poder
Parece distante o tempo em que optimis- comunicacional por parte de um grupo cres-
tas como John Pavlik nos falavam dos cente de ‘utilizadores-tornados-criadores’ da
weblogs como “uma melhor forma de jor- internet apontaria, desde já, para algo de tão
nalismo”, graças à sua ligação “a uma substancial, com a eliminação de algumas
audiência cada vez mais desconfiada e ali- barreiras de definição valorativa de conteú-
enada” (2001: 5). Essa antevisão não terá, dos (gatekeeping) a sinalizar uma alteração
até agora, encontrado concretização genera- da unidireccionalidade dos fluxos e, por
lizada – nem em Portugal nem mesmo em consequência, uma democratização da infor-
países com uma blogosfera muito mais forte mação. Parece-nos, por oposição, demasiado
e activa – sobretudo por questões que se redutor focar atenções nas desvantagens de
prendem com o próprio exercício do jorna- uma pulverização de conteúdos, nas fraque-
lismo e não com as potencialidades do novo zas de uma postura ‘amadora’ dos novos
formato. Os weblogs podem – na feliz criadores e ainda no carácter precoce de
expressão de Rebecca Blood – “cometer qualquer avaliação que retire demasiado peso
ocasionalmente actos de jornalismo”, mas isso à ainda esmagadora unidireccionalidade dos
dependerá mais das circunstâncias particu- fluxos informativos.
lares dos seus responsáveis do que do pró- Aceitando que muito do que se produz nos
prio meio em si (2003: 62). A actividade jor- weblogs é ainda reactivo – seja comentário,
nalística continuada necessita de algum opinião, ou até mesmo apresentação de novos
suporte financeiro e, fundamentalmente, de factos que contrariem algo inicialmente dado
uma prática de trabalho que passa pela a conhecer através de um dos canais de
entrevista de pessoas, pela investigação de comunicação mais tradicionais - parece-nos
fundo sobre um tema e, finalmente, pela claro que a blogosfera se afirma, sobretudo,
apresentação desapaixonada, com o auxílio por ser um espaço de ruptura: há lugar para
de argumentos substantivos (MacDonald: ideias mais marginais (sobretudo porque a ideia
18.04.2004). é, ainda assim, mais valorada do que a sua
Mais do que debater se, ainda assim, os fonte), há sinais de um novo processo de
weblogs devem ou não aproximar-se do estilo criação de conhecimento partilhado, há uma
e das práticas do jornalismo (por forma a maior descentralização na produção e distri-
granjearem respeitabilidade e credibilidade), buição de conteúdos e há uma reformulação
parece sensato, nesta fase, avançar no cami- das concepções tradicionais sobre audiência/
nho de uma colaboração entre as duas ac- destinatário/receptor. Isso poderá não ser
tividades, como preconiza Leonard Witt, no jornalismo, mas é certamente uma nova for-
seu texto “Citizens can improve your media ma de interagir com a actividade.
JORNALISMO 111

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JORNALISMO 113

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http://alwayson-network.com/
discuss.jarretthousenorth.com/2003/10/10?print-
printpage.php?id=840_0_2_0 (10.09.2003).
4
friendly=true
The Economist (14.08.2003). 18
Apesar de alguns esforços, como é o caso
5
http://campuscgi.princeton.edu/~eszter/ do motor de busca bloogz (www.bloogz.com).
weblog/archives/00000275.html (13.04.2004) 19
Em Abril de 2004 surgiu até um weblog
6
Altura em que Pedro Fonseca anunciou ser- que se intitula ‘Diário de uma jornalista no
lhe impossível continuar com a tarefa. http:// desemprego’.
blogsempt.blogspot.com (17.10.2003). 20
Uma das excepções, embora produzida num
7
http://www.omeudiario.net/ptbloggers ambiente escolar, é o ‘Jornalismoportonet’.
21
(20.04.2004). A este propósito assinale-se o aparecimen-
8
http://apdeites.cedilha.com/numeros.html to, em Abril de 2004, de um espaço, sediado na
(20.04.2004). Galiza, que se propõe ser isso mesmo – o local
9
http://weblog.com.pt (17.10.2003). onde os indivíduos, podem, a partir de qualquer
10
Diário Económico (Media e Pub), lugar, aceder ao seu correio, aos seus weblogs
26.05.2003. e fotologs (www.intper.es).
114 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 115

A impiedade das críticas ou a consciência da auto-regulação?


O processo Casa Pia e o julgamento metajornalístico
Madalena Oliveira1

«Transformados em heróis por uns, informação e da comunicação estão em plena


excomungados por outros, expansão no plano mundial. Finalmente, a
os media evitam, por via da investigação afirmação dos jornalistas no meio cultural e
jornalística, que os responsáveis pelos político, pela sua omnipresença em todos os
aparelhos político e judiciário adormeçam domínios da vida pública.
e fechem os olhos, por ignorância ou Por tudo isto, e certamente também pelo
cumplicidade, a condutas que, noutras papel que dizem ter assumido de vigilância
eras, ficariam para sempre na impunidade do funcionamento da democracia, os jorna-
das zonas sombra da sociedade.» listas são, para o investigador francês, os
Mário Mesquita2 heróis dos tempos modernos. Porém, como
bem reconhece Wolton, são heróis frágeis:
heróis pela visibilidade que conquistaram;
Jornalistas: heróis frágeis da modernida- frágeis pela legitimidade que mantêm em
de permanente crise.

Na sua justa e verdadeira atitude, o A encruzilhada de poderes e o equívoco


jornalismo aspira acima de tudo à procura dos jornalistas
do verdadeiro e do justo. É sua vocação
primeira informar, revelar a genuinidade da Designado classicamente por “quarto
vida. Mas a informação não existe jamais em poder”, o poder dos jornalistas é, no entanto,
si. Ela resulta, segundo Dominique Wolton, para Mário Mesquita, uma fonte de equívo-
de uma construção de homens que tentam cos. Segundo o autor, a designação carece
compreender o mundo para o dizer a outros de rigor analítico e só pode ser entendida
homens. A informação funda-se, pois, no em sentido hiperbólico. Na verdade, acres-
pressuposto de um poder, aparentemente centada à trilogia dos poderes republicanos
exclusivo dos jornalistas: o poder de olhar de Montesquieu, a denominação “quarto
o mundo e dizer dele o que se espera que poder” está desactualizada e compromete «a
todos devam saber. Este poder, que uns legitimidade da presença do jornalista no
designaram por quarto (vigilante dos três espaço público» (Mesquita, 2003: 72). Nesta
poderes fundacionais do Estado democráti- abordagem, estariam seguramente em causa,
co-liberal) e que outros3 entenderam sobre- como afirma o autor, as questões de
por-se veemente às autoridades executiva, representatividade e de mandato dos jorna-
legislativa e judicial, é para Dominique listas. Ou, por outras palavras, seria iminente
Wolton a prova de que os jornalistas são os a existência de um quinto poder, responsável
grandes vencedores do último meio século. pela eleição expressa dos jornalistas para o
Na introdução ao número 35 da Revista governo da informação. Consentidos tacita-
Hèrmes, dedicado ao “Poder do Jornalismo”, mente pelo direito dos cidadãos à informa-
Wolton aponta quatro motivos para a vitória ção e à expressão livre, os jornalistas detêm,
dos jornalistas: primeiro, o facto de a liber- contudo, um poder «condicionado e contro-
dade de imprensa se ter tornado o horizonte lado por todos os outros, ou seja, pelos centros
da comunidade internacional. Por outro lado, de decisão política, económica, tecnológica
a certeza de que a mundialização da infor- e militar» (Mesquita, 2003: 74).
mação é uma das mudanças mais especta- Apelidado por outros de “contra-poder”,
culares dos últimos trinta anos. Em terceiro o jornalismo é também entendido como o
lugar, a constatação de que as indústrias da “cão de guarda” das instituições democráti-
116 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

cas. A representação do jornalismo como organizativos que determinam a selecção da


“poder do contra” é, provavelmente, a reve- realidade empreendida pelos editores da
lação da sua faceta mais heróica. Para Mário informação. Inevitavelmente associada a esta
Mesquita, ela «corresponde às mitologias teoria, a pesquisa sobre o “newsmaking”
glorificantes da acção dos jornais e dos sublinhou o papel de seleccionador do jor-
jornalistas» (Mesquita, 2003: 74). Não menos nalista. A actualidade, entendida como uma
hiperbólica do que a designação anterior, produção determinada pelos valores-notícia,
também esta é, para o autor, dúbia, na medida reveste assim os jornalistas do poder de
em que constrangimentos há que limitam a fragmentar a informação e determinar a
concepção do jornalismo como um poder, seja noticiabilidade dos acontecimentos.
ele o quarto, o primeiro, ou o do contra. Reconsiderar o poder do jornalismo e dos
Na história dos media, são inúmeras as jornalistas pressupõe, hoje, reequacionar o
teorias que fundamentam o poder da comu- papel que desempenham na sociedade con-
nicação social. Percorrendo as teorias temporânea. Para Nelson Traquina, o jorna-
inventariadas por Mauro Wolf4, identificamos lismo define-se «como um serviço público
várias concepções que reconhecem aos media que fornece aos cidadãos a informação de
(e neles ao jornalismo em particular) um que precisam para votar e participar em
poder incontornável. A teoria hipodérmica é democracia, e age como guardião de defesa
disso bom exemplo, na medida em que dos cidadãos contra eventuais abusos de
encerra a relação entre os jornalistas e o poder» (Traquina, 2002: 15) Dispensada
público na simplicidade do modelo Estímu- definitivamente a ideia ingénua de jornalis-
lo-Resposta. Defendendo uma relação direc- mo como “espelho da realidade” e ultrapas-
ta entre a exposição às mensagens e o sada a concepção meramente determinista do
comportamento, os autores ligados a esta jornalismo como o manipulador único das
corrente autenticavam assim aos media o massas receptoras, a discussão centra-se hoje
poder de controlar, manipular e impelir à na redefinição do lugar que a sociedade
acção o conjunto dos cidadãos. Das aborda- concede aos jornalistas.
gens sobre a manipulação, a persuasão e a Estimulados pelo poder da imagem e pela
influência, a pesquisa sobre os mass media versatilidade das inovações tecnológicas no
depressa se alargou ao espectro das funções campo da informação, os media ganharam
exercidas pelos sistemas de comunicação de uma inesgotável visibilidade. Deles espera-
massas. vam os liberais que se consolidassem como
A análise dos efeitos dos media não adjuvantes da cidadania. O pacto com os
ficaria, porém, por aqui. Concepções poste- cidadãos valeu-lhes o reconhecimento públi-
riores vieram, na verdade, sustentar novamen- co e a pseudo-notoriedade de um poder que
te a força do jornalismo e dos jornalistas. lhes é permanentemente cobiçado. O aval
A hipótese do agenda-setting ocupa ainda tácito que os cidadãos lhes concedem para
hoje lugar de destaque na discussão acerca investigar todos (ou quase todos) os domí-
do papel dos jornalistas. Segundo a formu- nios da vida pública, com vista ao conhe-
lação clássica desta hipótese, a compreensão cimento da verdade e à rigorosa informação
que as pessoas têm de grande parte da de factos que a todos parecem dizer respeito
realidade social é-lhes cedida por emprésti- propiciou ao longo da história do jornalismo
mo pelos media. O que seria o mesmo que um reconhecimento de mérito invejável.
dizer que aos media cabe o papel de dizer Movimentando-se numa encruzilhada de
às pessoas sobre o que devem pensar. Por poderes, os jornalistas defenderam ao longo
outro lado, a concepção do jornalismo como da breve história do jornalismo moderno a
“gatekeeper” (conceito elaborado por Kurt imagem de cidadãos destacados, com capa-
Lewin), confere aos media um papel de cidade de aceder a círculos que pareciam
“seleccionador”, de “porteiro” que define demasiado distantes do cidadão comum.
quem ou o que pode ou não passar pelos Apesar de incómoda aos diversos sectores da
meios de comunicação social. Implícitos nesta vida pública, a ideia do jornalismo como
concepção estão o conjunto de valores so- poder é hoje fonte de todas as suas virtudes
ciais e de critérios profissionais e e causa de todos os seus pecados. Fortale-
JORNALISMO 117

cidos pelos fracassos do liberalismo político ameaça que pesa sobre o jornalismo. Ope-
e económico, os jornalistas contribuem, na rários de um oficio controverso, os jorna-
verdade, permanentemente para o agravamen- listas, que, para o investigador canadiano,
to da crise em que mergulharam as institui- têm um poder cuja importância é incontes-
ções da modernidade. No início do século tável (Bernier, 1995: 26), os jornalistas
XX, Karl Kraus, um dos mais notáveis minam a legitimidade da sua profissão por
críticos do jornalismo, reconhecia que o jornal recusarem sistematicamente o princípio de
(hoje acrescentaríamos os outros media) tinha imputabilidade. Para Bernier, o cumprimen-
um poder considerável e perigoso. Para o to íntegro da função social do jornalismo,
autor austríaco, ele podia transformar não só ou seja, de «informar de maneira honesta e
a insignificância objectiva em importância imparcial os cidadãos de uma democracia
reconhecida por todo o mundo, como tam- acerca de pessoas, instituições e fenómenos
bém a mentira em verdade5. Céptico em que podem influenciar objectivamente o curso
relação às virtualidades da imprensa, Kraus das suas vidas» (Bernier, 1995: 25), não pode
temia mesmo que ela se tornasse o único significar a impunidade sem limites do tra-
poder realmente absoluto. balho dos jornalistas. Especialista em ética
Há quase um século, Karl Kraus avaliou e deontologia, Bernier defende que os jor-
notavelmente os perigos do jornalismo. nalistas devem justificar-se perante os cida-
Temendo que ele se prestasse apenas ao dãos que, em sua opinião, têm o pleno direito
serviço dos interesses políticos e económicos, de poder julgar com conhecimento de causa
Kraus alertou incansavelmente a sociedade a qualidade do trabalho e dos comportamen-
austríaca para o poder, que ele considerava tos daqueles a quem entregam a tarefa da
devastador, dos jornalistas. Quase cem anos informação.
mais tarde, vemos confirmarem-se algumas Instância última de legitimação do jor-
das suas mais arrepiantes suspeitas. Com nalismo enquanto actividade social reconhe-
abalável desconfiança, olhamos hoje para os cida, o público tem o direito de estar ha-
jornalistas ora como heróis incansáveis na bilitado para julgar e criticar o trabalho
busca insistente da verdade ora como figuras jornalístico produzido em seu nome. Falta,
diabólicas, merecedoras do purgatório, por pois, aos heróis do nosso tempo a fortaleza
causa da distorção da realidade. do consentimento esclarecido dos receptores
A redefinição do jornalismo parece, pois, das suas mensagens. Porém, segundo Bernier,
viver o dilema entre o mérito e a excomunhão. para que o consentimento dos cidadãos não
Considerado indispensável ao funcionamen- seja ignorante é preciso o conhecimento de
to pleno da democracia, o jornalismo per- dois tipos de práticas jornalísticas: por um
manece, porém, na angústia do seu firme lado, as práticas que dão lugar às notícias
reconhecimento. Vive da agitação dos pode- e às reportagens e, por outro, as práticas que
res que governam a vida social e padece da concernem à ocultação ou à censura de factos
afronta das críticas a que o ofício inevita- importantes. (Bernier, 1995: 53).
velmente o condena. Sofre hoje com todas Com Marc-François Bernier, somos im-
as instituições modernas de uma crise de pelidos a procurar na crítica do jornalismo
legitimidade. Aflige-se na afirmação dos a sua própria salvação. A submissão a um
ideais de onde se erradicou e naufraga nos princípio de imputabilidade afigura-se assim
cabos de tormentas da realidade. Vive o como a forma mais democrática de devolver
permanente sobressalto dos equívocos da ao jornalismo e aos jornalistas a legitimidade
imagem “todo-poderosa” que a sociedade por de configuração do espaço público. Na
momentos prometeu reconhecer-lhe. verdade, a insistência no julgamento público
dos jornalistas afigura-se doravante a promes-
A condenação do jornalismo e o princípio sa redentora do ofício que Gabriel García
da imputabilidade Marquez disse ser o melhor do mundo. Por
isso, o jornalismo vive hoje a duradoira
Crentes de uma certa imunidade à crítica surpresa da crítica a que leitores e telespec-
e ao escrutínio público, os jornalistas são, tadores o sujeitam diariamente. Também ele
para Marc-François Bernier, a principal está cada vez mais exposto ao escrutínio das
118 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

audiências. A cobertura mediática de acon- empreendem entre si, o metajornalismo


tecimentos sociais marcantes, complexos, possui, no âmbito desta função, «a vantagem
chocantes e escandalosos está a pasmar o de responder a uma exigência de equidade».
jornalismo diante da sua própria crítica. Em síntese, diríamos que o
Agitado na corda bamba das suas pró- metajornalismo se afigura como o mais
prias páginas, o jornalismo e os jornalistas recente esforço para recuperar a genuinidade
acham-se agora no altar do sacrifício, imo- do jornalismo. Dispersando-se pela publica-
lados como cordeiros, em nome de um desejo ção de cartas de leitores, de críticas de
altruísta de informar, denunciando e anun- editores e directores de informação, bem
ciando, sistematicamente posto em causa. A como de cidadãos do espaço público com
aparente imunidade aos olhares ferozes do responsabilidades sobretudo políticas, como
povo soberano desvanece-se assim, multipli- ainda pelos trabalhos de reportagem sobre o
cando-se os espaços dedicados à informação modus operandi dos profissionais da infor-
sobre o próprio campo mediático e à crítica mação. A própria opção pela contratação de
e análise da acção daqueles que se habitu- provedores dos leitores é disso bom exem-
aram a cobrar condutas dignas e justas a todos plo. Apesar de se circunscrever quase exclu-
menos a eles próprios. sivamente ao plano da imprensa (e mesmo
O metajornalismo, como proponho cha- nesta, só a alguns jornais, tidos curiosamente
mar ao esforço do jornalismo para discursar como de referência), a actividade dos pro-
acerca de si próprio, é, pois, um discurso vedores manifesta inequivocamente a preo-
segundo. Reflectindo acerca das circunstân- cupação de discutir o mito fundador do
cias de actuação dos jornalistas, o jornalismo: a tendência para a objectividade,
metajornalismo não se confina à confronta- que parece pertencer bem mais ao universo
ção das práticas jornalísticas com os impe- das ideologias do que à realidade.
rativos de ordem ética. Mais do que uma Este meta-discurso demonstra, em última
preocupação com o âmbito transcendental, o análise, que os media perceberam a particu-
metajorna-lismo afigura-se como a oportu- laridade dos acontecimentos a que fazem face
nidade de os jornalistas se precipitarem na e ressentem as dificuldades e os limites aos
imanência do seu trabalho para aí discutirem quais a prática jornalística pode ser confron-
a legitimidade das suas condutas. tada. O meta-discurso confirma, pois, a ideia
Consistindo, segundo Bernier, no trata- de que a profissão está a perceber que
mento jornalístico das práticas jornalísticas6, problemas se manifestam no tratamento da
o metajornalismo desempenha, na concepção informação e concede, por motivos talvez
de Mário Mesquita, três funções fundamen- pouco explícitos ainda, espaço para a auto-
tais: primeiro, uma função estratégica inti- reflexão (Grevisse, 1999: 20-24). Finalmen-
mamente ligada à concorrência entre as te, o meta-discurso consolida a constatação
empresas jornalísticas. Consonante com um de que o jornalista de hoje é muitas vezes
uso estratégico da ética, o metajornalismo é, um homem doente, por vezes desorientado,
na perspectiva desta função, «um instrumen- frequentemente desmotivado, surpreendido de
to de competição entre os diferentes actores uma anomia que, segundo Frédéric Antoine
do espaço público»7. Por outro lado, de acordo e Laurence Mudschau, definem em quatro
com uma função autopromocional, a domínios. Por um lado, uma relação ao “ser”
autocrítica do jornalismo revela-se de algum jornalístico, na medida em que os que pra-
modo narcisista. O jornalismo visto ao es- ticam a profissão a consideram geralmente
pelho é, para Mário Mesquita, uma forma atípica; vêem-na como mais próxima do
sofisticada de autocontemplação que se pro- sacerdócio ou da vocação do que da acti-
cessa por via da crítica. Finalmente, uma vidade lucrativa. Por outro, em questões
função reguladora que, segundo o autor, se ligadas ao estatuto do jornalista na socieda-
exerce «de um modo informal, disperso e de. Em terceiro lugar, relativamente ao
irregular»8. Exercendo-se nos moldes de uma fundamento das regras que regem a profis-
auto-regulação, em nome da deontologia, e são e, em último, pelos imperativos sócio-
de uma hetero-regulação, em nome do mútuo económicos. Reinventar o jornalismo é, para
controlo que as empresas de comunicação os autores, a solução para lutar contra a
JORNALISMO 119

anomia. Promover as práticas metajorna- quer intenção altruísta no seu [do escândalo
lísticas é, para nós, a solução para reinventar Casa Pia] tratamento comunicacional»10. No
o jornalismo, na medida em que lhes cumpre mesmo artigo, o euro-deputado dizia mesmo
o mandato de desmistificar a profissão junto que «hoje não é o poder político o principal
do público. mecanismo de impunidade dos poderosos e
dos criminosos – é a comunicação social e
O acto de contrição dos jornalistas os seus métodos».
Desdobrada em espectáculo11, a crise da
Consistindo em assegurar o conhecimen- Casa Pia alastrou-se aos media, ferindo-os
to sobre os métodos e as finalidades da de uma aparentemente injusta condenação.
produção informativa, bem como em apurar Especialmente incomodados com a exposi-
os seus efeitos, o metajornalismo tem tido, ção e o escrutínio público permanente, os
entre nós, o seu expoente máximo na cober- jornalistas não apreciam, segundo Estrela
tura mediática do processo de pedofilia na Serrano, «discutir o seu trabalho com pes-
Casa Pia. O tratamento informativo deste soas de fora do seu “campo profissional”»12.
affaire serviu de pretexto à questionação total No entanto, o feitiço virado contra o feiti-
do jornalismo. Nele se explicitaram os de- ceiro sentou os jornalistas no banco dos réus
sígnios e a perversidade do poder dos jor- e subjugou-os aos argumentos de acusação
nalistas. A propósito deste escândalo voltou da opinião pública. Segundo Francisco José
para a ordem do dia a discussão acerca da Viegas13, manifestaram-se sobre a conduta dos
legitimidade do jornalismo. jornalistas três tipos de opiniões: «os que
Se, por um lado, é verdade que a pro- pensam que a imprensa fez o seu trabalho;
jecção pública do escândalo assegurou aos os que pensam que a imprensa exagerou,
jornalistas, com acento particular à jornalista cometeu erros, cedeu à tentação de se es-
Felícia Cabrita do jornal Expresso, elogios candalizar; finalmente, os que acham que a
cerrados ao papel que desempenham de imprensa devia ter sido mais monigerada e
vigilantes atentos, por outro, também o é que sensata – não se escandalizando.»
os desenvolvimentos entretanto conhecidos Assombrado pelo alvoroço e o tumulto
pelas páginas dos jornais desmistificaram a causado pela revelação de factos chocantes,
ideia romântica, como a classificou Joaquim o público oscilou entre elogios e acusações
Vieira, director do Observatório da Imprensa ferozes à comunicação social. Desfez-se em
portuguesa, do jornalismo como inteiramen- abraços aos jornalistas que tornaram público
te dedicado à causa social. Tendo contribu- um escândalo ocultado há mais de vinte anos,
ído para confirmar o verdadeiro poder dos para logo depois lhes voltar as costas, jul-
media nas sociedades contemporâneas, a gando-os pelos excessos permanentes.
mediatização do processo Casa Pia acabou Agoniada pela desfaçatez dos criminosos, a
por condenar o jornalismo português a uma sociedade portuguesa descobriu-se encoberta
das suas mais constrangedoras exposições por uma nuvem feia. «Como aquelas que,
públicas. a princípio, a gente julga que traz notícia de
Segura de que «o lugar do jornalismo é um fogo ao longe, enfarruscada de fumos e
o da procura da verdade», Estrela Serrano fuligens. Depois, vê-se que é espessa como
foi firme, logo no início do processo, em chumbo, avoluma-se, aproxima-se e parece
Dezembro de 2002, a garantir que «a liber- que é a única coisa que se move, porque o
dade de imprensa e o dever de informar não ar está parado, ameaça desgraça.» (Ivo, 2003:
autorizam tudo»9. Apesar de reconhecer que 14) A nuvem de chumbo que se abateu sobre
«uma das funções mais nobres do jornalismo os portugueses, carregou de cinzento o
é fazer funcionar a democracia», a ex-pro- horizonte do jornalismo.
vedora dos leitores do Diário de Notícias não Acusados de terem deixado de «apenas
poupou críticas à actuação dos jornalistas. “reportar” os acontecimentos, para passarem
Também José Pacheco Pereira se mostrou, a formatá-los»14, os jornalistas foram acusa-
desde o início, muito céptico em relação ao dos de tentação pelo sensacionalismo, de
papel desempenhado pelos jornalistas dizen- exploração despudorada da intimidade, da
do que não acreditava «um átomo em qual- dignidade, de exacerbação das emoções, de
120 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

fomento da indignação e de obscenidade e Uma boa parte das questões permanece


violência da intimidade. Foram-lhe dirigidos ainda sem resposta. O “affaire Dutroux” que
apelos ao bom senso, à exigência e à con- manchou a Bélgica no Verão de 1996 parece
servação das distâncias relativamente a quem não ter servido de lição aos jornalistas
compete julgar. Pediu-se-lhes um trabalho portugueses. Embora com amplitude
atento e vigilante, mas feito de bom senso eventualmente mais reduzida15, o “affaire
e serenidade. Exigiu-se-lhes cuidado e pon- Casa Pia” proporcionou, em termos gerais,
deração, em vez do delírio exibicionista, o mesmo debate. As apreciações ao trabalho
disfarçado de imperativo ético de informar. dos jornalistas concerniram, como na Bél-
Apelidado de “jornalismo de sarjeta”, o gica, aos seguintes assuntos: o papel e a
jornalismo português nunca antes tinha sido função do jornalismo, a pertinência do tra-
tão humilhado. Rebaixados pela confusão que tamento mediático, os princípios de base que
geraram entre o acessório e o essencial, os regem o jornalismo e as questões ligadas à
jornalistas foram envergonhados nas páginas liberdade de imprensa e à democracia. Tal
dos seus próprios jornais e nos espaços de como na Bélgica, também os meta-discursos
antena das suas rádios e televisões. Acusa- produzidos e publicados nas páginas dos
ram-nos de sobrepor o interesse comercial jornais tiveram, e têm ainda, a missão de
de maximizar audiências ao desejo de jus- localizar a fronteira da escolha da informa-
tiça, desprestigiaram a função investigadora ção, ou seja, os critérios que estão na base
do seu trabalho, questionada até à exaustão. da noticiabilidade (Grevisse, 1999: 20-21).
Serão os jornalistas portugueses bem forma- A exigência de transparência dirigida aos
dos para investigar um processo com a jornalistas obrigou-os a repensar a profissão
dimensão do da Casa Pia? É legítimo que e a criticar o seu funcionamento. Mas, para
os jornalistas se sobreponham às autoridades Estrela Serrano, «é significativo e impor-
ou investiguem paralelamente assuntos judi- tante que sejam os jornalistas a analisar cri-
ciais para poderem falar do que estaria ticamente o seu próprio papel e as suas res-
protegido pelo segredo de justiça? Que valor ponsabilidades, não deixando a terceiros (…)
têm os depoimentos de fontes anónimas as decisões sobre as atitudes e os critérios
abusivamente citados e exibidos? que os devem nortear na selecção da infor-
Desde Novembro de 2002, os jornalistas mação e que relevam, antes de tudo, de
vivem açoitados pelos mais diversos actores compromissos de natureza ética e
sociais. As suas relações com a Justiça de- deontológica com os cidadãos».16 Oscilando
sencadearam um debate sem precedentes. entre o temor face ao poder dos jornalistas
Enunciados por jornalistas (alguns com res- e a crítica à sua impotência, o escrutínio
ponsabilidades editoriais), por comentadores, dos jornalistas parece ser hoje incontornável.
críticos de televisão, provedores dos leitores, Inevitavelmente frágil, porque composta de
leitores e colunistas indiferenciados, os arti- indivíduos, a profissão do jornalismo está
gos de opinião que ameaçaram degolar o sobre o fio da navalha. Mas, como diz
jornalismo levantaram, por inúmeras vezes, a Dominique Wolton, na introdução a que nos
discussão em torno da liberdade de imprensa referíamos no início deste texto, «defender
e dos seus limites, bem como do direito ao a fragilidade e o carácter indispensável do
segredo profissional, em nome da protecção jornalista num universo saturado de infor-
das fontes de informação. Alguns quiseram mação, é uma das batalhas culturais mais
mesmo matar o mensageiro, prestes a ser importantes a travar». À grandeza do ofício
decapitado por transportar uma mensagem falta ainda da parte dos jornalistas um
tantas vezes incómoda e inconveniente. Inter- pouco mais de reflexão, pois, não só não
rogou-se o tipo de regulação ou de vigilância fazem a auto-crítica que reclamam aos
a que os jornalistas deveriam ser sujeitos. outros, como se arriscam a ser rejeitados,
Ordem? Sindicato? Entidade independente? como o são hoje os homens políticos, por
Quem deveria, no fundo, vigiar o cão de guarda incapacidade de compreender o mundo de
da democracia? Quem deveria zelar pelos que falam. Além disso, como remata o
leitores quando o jornalismo se revela ofen- investigador francês, «é distinguindo cla-
sivo, mais do que aliado do público? ramente as três lógicas fundamentais, a
JORNALISMO 121

informação, a comunicação e a acção, que assim uma categoria de reflexividade, pro-


se pode também contribuir para defender missora do restauro das tarefas de onde o
e refundar o ofício de jornalista, tão in- jornalismo verdadeiramente se reclama. Dele
dispensável à democracia.» depende, em nosso entender, o triunfo do
A nossa proposta é, pois, que a inten- jornalismo numa sociedade em agonia pro-
sificação da prática metajornalística se insur- funda. Sendo um discurso ambicioso, o
ja como o lugar de restabelecimento da moral metajornalismo é uma categoria crítica por
do jornalista. Permitindo ao mesmo tempo excelência e promete responder aos perigos
a defesa e a acusação do profissional da do jornalismo, sobretudo ao da inquietante
informação, o metajornalismo afiança ser acusação de impunidade.
122 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia “A caminho do terceiro mundo” – Pú-


blico – 5 de Dezembro de 2002
Bernier, Marc-François – Les Planqués– Mário Mesquita
– Le journalisme victime des journalistes– “Quem não salta é… pedófilo” – Públi-
– Quebéc, VLB Éditeur : 1995. co–– 8 de Dezembro de 2002
Bouveresse, Jacques - Schmock ou le “O ‘Ballet’ cinzento da democracia” –
Triomphe du Journalisme – La grande Público–– 8 de Junho de 2003.
bataille de Karl Kraus, Paris, Éditions du
Seuil: 2001.
Ivo, Nuno e Mascarenhas, Óscar ––O _______________________________
1
Processo Casa Pia na Imprensa – A Nuvem Universidade do Minho (projecto financiado
de Chumbo – Lisboa, Publicações D. Quixote: pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e
orientado pelo Professor Doutor Moisés de Le-
2003.
mos Martins).
Grevisse, Benoît – L’affaire Dutroux et 2
“Quem não salta é… pedófilo”, Mário
les Médias – Une révolution blanche des Mesquita, in PÚBLICO de 8 de Dezembro de
journalistes ? – Louvain-La-Neuve, Acade- 2002.
mia Bruyant : 1999. 3
Nomeadamente Augusto Santos Silva, em
Mesquita, Mário – « Metajornalismo ou artigo publicado no jornal PÚBLICO de 8 de
auto-regulação informal?», in Revista Jorna- Novembro de 2003 (página 5).
4
lismo & Jornalistas, nº 7, Julho/Setembro de Wolf, M. –– Teorias da Comunicação -–
2001 p. 14-16. Lisboa, Editorial Presença: 1995.
5
Bouveresse, Jaques ––Schmock ou le
Mesquita, Mário – O Quarto Equívoco
triomphe du journalisme .
– O poder dos media na sociedade contem- 6
citado por Mário Mesquita no artigo “O
porânea – Coimbra, Minerva Editora: 2003. metajornalismo ou a auto-regulação informal”, na
Traquina, Nelson – O que é Jornalismo revista Jornalismo e Jornalistas, nº 7, Julho/Se-
– Lisboa, Quimera: 2002. tembro de 2001, página 14.
7
Wolf, Mauro – Teorias da Comunicação Mário Mesquita, no mesmo artigo, página
– Lisboa, Presença: 1995. 15.
8
Wolton, Dominique – “Journalistes, une Mário Mesquita, no mesmo artigo, página 16.
9
Estrela Serrano, coluna da Provedora dos
si fragile victoire…”, in Revista Hèrmes, nº
Leitores do Diário de Notícias, 2 de Dezembro
35, 2003 p. 9-21. de 2002.
10
José Pacheco Pereira, “A Caminho do
Referências na imprensa (apenas as cita- Terceiro Mundo”, in Público de 5 de Dezembro
das no texto): de 2002.
11
Assim a classificou Mário Mesquita num
Augusto Santos Silva artigo intitulado “O ‘Ballet’ cinzento da demo-
“O primeiro poder” – Público – 8 de cracia”, in Público de 8 de Junho de 2003.
12
Novembro de 2003 Estrela Serrano, coluna da Provedora dos
Leitores do Diário de Notícias, 9 de Junho de
Estrela Serrano
2003.
“O lugar do jornalismo” – Diário de 13
Francisco José Viegas, “Sociedade de
Notícias – 2 de Dezembro de 2002 Cavalheiros, in Jornal de Notícias, 12 de Dezem-
“O sentido das palavras” – Diário de bro de 2002.
Notícias – 9 de Junho de 2003 14
Estrela Serrano, coluna da Provedora dos
“O escrutínio dos media” – Diário de Leitores do Diário de Notícias, 13 de Outubro
Notícias – 13 de Outubro de 2003 de 2003.
15
Francisco José Viegas N o caso belga há a considerar o assassínio
de quatro crianças.
“Sociedade de cavalheiros” – Jornal de 16
Estrela Serrano, coluna da Provedora dos
Notícias – 12 de Dezembro de 2002 Leitores do Diário de Notícias, 2 de Dezembro
José Pacheco Pereira de 2002.
JORNALISMO 123

Ventos cruzados sobre o campo jornalístico.


Percepções de profissionais sobre as mudanças em curso
Manuel Pinto1

O jornalismo está a mudar. Diante do visões partilham a ideia de uma mais ou


panorama da mudança, nem sempre clara- menos acentuada crise do jornalismo, tal
mente caracterizada, são múltiplos como é praticado nos nossos dias. Conside-
econtraditórios os sentimentos, os discursos remos algumas dessas posições.
e os comportamentos. Os cenários da crise A posição tecnofóbica e nostálgica– Um
– assumida ou prenunciada - vêem-se povo- exemplo é-nos fornecido por Martínez
ados de lógicas de sinal diverso, sendo, por Albertos, em El Ocaso del Periodismo (1997),
vezes, difícil de distinguir entre o saudosis- obra da qual o próprio autor considera trans-
mo mitificador e o exercício da crítica pirar “uma visão amarga e decepcionada”
consistente. Neste texto, assumimos a mu- (p.17). Segundo ele, “os jornalistas perderam
dança como situação crítica e, naturalmente, o rumo do seu ofício e cada vez sabem menos
evolutiva, cujos contornos e desenvolvimen- qual o papel que lhes cabe no grande teatro
tos não se encontram ainda bem recortados do mundo” (p.18). Mais grave ainda, para
e definidos. o autor, é o facto de as sociedades já não
O desenvolvimento do webjornalismo2 precisarem do jornalismo para sobreviverem.
não veio senão baralhar ainda mais uma Profetizando o desaparecimento dos di-
situação já de si complexa e constitui-se hoje ários impressos em papel até ao fim da
como um dos mais poderosos e estimulantes segunda década do presente século3, frente
desafios com que o jornalismo se debate. De à “avalanche electrónica” (p.26), Martínez
resto, entendemos que as novas modalidades Albertos introduz um tom apocalíptico no seu
de jornalismo ligadas aos novos media di- discurso ao ver neste processo inexorável uma
gitais podem ser tomadas como revelador de luta entre a cultura e a tecnologia, podendo
posicionamentos, atitudes e expectativas dos esta última vir a tornar-se “uma ameaça grave
jornalistas face ao quadro de condicionamen- para as liberdades da cidadania” (p.31). “A
tos e potencialidades que têm de enfrentar. mentalidade pós-moderna está a minar seri-
Foi isso mesmo que procurámos apurar, amente os fundamentos ideológicos que
através de um conjunto de opiniões recolhi- tornaram possível tanto o nascimento, como
das junto de algumas dezenas de profissio- o desenvolvimento e impulso posterior desta
nais do jornalismo português, que trabalham forma de trabalho social a que chamamos
em meios tradicionais e em novos meios, com jornalismo”, espécie que se encontra, de facto,
distintos estatutos na profissão. É de uma “em vias de extinção” (p.42). Neste quadro,
parte da informação recolhida que se procura os jornalistas, que se foram constituindo, ao
dar neste texto os principais traços e algumas longo dos séculos XIX e XX, “quase como
notas de leitura crítica. uma verdadeira profissão” (ibid.), tenderão
a incorporar-se cada vez mais no indistinto
1. Discursos e posicionamentos em torno e extenso oceano dos database producers, dos
da “crise do jornalismo” information providers. Em suma, deixarão
cada vez mais de ser jornalistas para pas-
O meta-discurso sobre o jornalismo define sarem a ser “fornecedores de conteúdos”.
um arco em cujos extremos reside a afirma- Um quadro de tons semelhantes, embora
ção de uma degenerescência galopante desta não especificamente centrado na análise do
actividade social e, opostamente, uma posi- campo jornalístico, transparece de alguns
ção utópica e de encantamento perante os escritos de Neil Postman, um autor ameri-
novos horizontes que se desenham para um cano recentemente falecido, cujo pensamen-
futuro que se diz estar próximo. Ambas as to tem conhecido um assinalável sucesso
124 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

internacional. Ainda antes da “explosão” da nas suas categorias de notoriedade pública


Internet, sublinhava ele no texto Informing (cf. especialmente pp. 52-54).
Ourselves to Death (1990), desenvolvido, dois Este tema da censura jornalística sobre
anos depois na obra Technopoly – The o sistema social é retomado em trabalhos de
Surrender of Culture to Tecnhology, a pro- Patrick Champagne (1998) e de Ignacio
pósito das incidências culturais do compu- Ramonet (1999), entre outros. Mas surge, no
tador: “Os elos entre a informação e a acção caso destes dois autores, uma atenção par-
desfizeram-se. A informação é hoje uma ticular às transformações e contradições do
mercadoria que pode ser comprada e ven- campo profissional dos jornalistas. Na sua
dida, usada como forma de entretenimento análise, tem-se vindo a aprofundar um fosso
ou exibida como ornamento potenciador do cada vez mais acentuado entre um reduzido
status de cada um. Aparece indiscrimina- grupo de vedetas e nomes consagrados e uma
damente, dirigida a ninguém em particular, maioria subalternizada e em situação laboral
desligada da respectiva utilidade; vemo-nos de maior ou menor precaridade, facilmente
afogados em informação, não temos controlo controlável e manipulável pelas hierarquias.
sobre ela e nem sequer sabemos o que fazer Para Ramonet” – divergindo aqui sensivel-
com ela (...) Não sabemos qual a informação mente da leitura de Bourdieu – a partir dos
que é relevante e qual a que é irrelevante anos 60, os jornalistas foram perdendo–“o
para as nossas vidas”. Seria uma injustiça monopólio que detinham nas sociedades
catalogar o rico e denso contributo de democráticas”, num processo que passou por
Postman e de Martínez Albertos em catego- uma crescente diluição das fronteiras que os
rias tão redutoras como “tecnofobia” ou separavam das lógicas da publicidade e das
“nostalgia”. Mas é legítimo anotar que num relações públicas. Foram-se transformando
e noutro dos discursos transparece um em simples media workers, perdendo a sua
referencial que deixou de existir e que é visto “singularidade” (p.55). Por outro lado, e na
como uma perda e, eventualmente, como o medida em que a Internet e os novos media
prenúncio de um desastre. permitem a cada indivíduo “não apenas ser,
Uma certa perspectiva da economia à sua maneira, um jornalista, mas até colo-
política – Pierre Bourdieu e, com ele, outros car-se à cabeça de um medium de dimensão
autores como Ignacio Ramonet ou Serge planetária”4 (p.56), passa a fazer sentido
Halimi, por exemplo, não se têm cansado de interrogar-se sobre o futuro do jornalismo.
propor uma reflexão sobre o jornalismo em Do seu ponto de vista, os jornalistas “estão
tons de forte pendor crítico. em vias de extinção”, uma vez que “o sis-
Partilham a ideia de que o jornalismo se tema já não os quer”, podendo “funcionar
encontra dominado pela lógica de mercado sem eles”. (p.51).
e de que a informação é cada vez mais uma Posição tecnófila e messiânica – Mostra-
mera mercadoria, sendo os jornalistas, ou pelo nos a história do aparecimento e difusão das
menos a elite deste grupo profissional tecnologias que, a cada novo meio de co-
compósito, “os novos cães de guarda” do municação, se verificam de forma recorrente
pensamento único de matriz neoliberal atitudes e discursos ora de medo e de re-
(Halimi,1997). Mas é possível identificar, sistência, ora de euforia e de adesão. O
numa análise mais atenta, diferentes leituras mesmo tem ocorrido nos últimos anos com
sobre o papel dos jornalistas e do jornalismo a Internet e os novos media, tanto mais que,
na sociedade. Em Sur la Télévision, Bourdieu neste caso, não se trata apenas de um novo
(1996) atribui aos jornalistas e, de forma mais meio de informação e comunicação, mas de
ampla, ao campo jornalístico, “um monopó- uma rede de redes à escala global, que
lio de facto sobre os instrumentos de pro- configura um ecossistema informativo mul-
dução e difusão em grande escala da infor- timédia, interactivo e dinâmico, em que se
mação”, controlando, desse modo, o acesso acentua a convergência de meios, tradicio-
dos cidadãos ao espaço público, impondo “ao nais e recentes.
conjunto da sociedade os seus princípios de Assim, com a World Wide Web e, mais
visão do mundo” e exercendo “uma censura especificamente com a Internet, são postas
formidável” relativamente ao que não cabe em destaque as rupturas operadas relati-
JORNALISMO 125

vamente aos quadros e paradigmas pré-exis- tem sido característico do jornalismo, levan-
tentes e, sobretudo, as possibilidades e ce- do à emergência paulatina de uma outra
nários que se poderão abrir com o acesso realidade radicalmente distinta da anterior. Em
à rede e a respectiva utilização. Nesta linha, qualquer dos casos, torna-se relevante saber
enfatiza-se a quantidade e diversidade de -de que modo é que um dos principais actores
informação disponível, a multiplicidade de deste processo percepcionam e avaliam as
formas e de serviços, as diversas modalida- mudanças em curso.
des de utilização e de relacionamento, as
inúmeras possibilidades de definir menus in- 2. Percepções de jornalistas portugueses
dividualizados de informação e de aceder sobre as mudanças no campo jornalístico
directamente às fontes (Hume, 1995), entre
muitos outros aspectos. A informação disponível sobre a pesqui-
De uma forma mais ou menos expressa, sa em torno da profissão jornalística em
porém, alguns dos discursos sobre as Portugal é, em termos gerais, escassa e, até
potencialidades da Internet tendem a alimen- ao presente, centrada sobretudo na caracte-
tar a crença na possibilidade de, com os novos rização sóciodemográfica (Pais, 1998; Sub-
media, se concretizar a “aldeia global” til, 2001). Em particular sobre o jornalismo
anunciada por McLuhan, marcada por um online, os estudos são ainda mais escassos,
regime comunicacional entre as pessoas e os embora com sinais de atenção progressiva nos
grupos sociais de natureza mais horizontal vários centros universitários que se dedicam
e democrático. Como observa Klinenberg a investigar este campo.
(1999), referindo-se ao campo jornalístico, O assunto foi objecto de debate no úl-
os novos media são apresentados como timo Congresso dos Jornalistas Portugueses,
abrindo aos jornalistas a possibilidade de realizado em 1998, tendo os congressistas
produzir uma informação “mais completa e manifestado, relativamente às novas tecno-
mais fiável”. logias, jornalismo tal como até hoje tem sido
Não iremos ao ponto de afirmar, como entendido e praticado”. Estas novas tecno-
James Fallows (1999), que a 13nternet “mu- logias “não devem ser encaradas como uma
dou mais o comércio do que qualquer outro sentença de morte imediata para as formas
sector”. Em qualquer caso, importa conside- tradicionais de jornalismo e para os seus
rar como convivem e se relacionam os princípios essenciais (...) mas sim como uma
discursos encantatórios sobre as tecnologias maneira diferente de fazer jornalismo, tão
com as práticas empresariais e de gestão que legítima como as outras, desde que igualmen-
procuram tirar partido dessas mesmas tecno- te sujeita a esses princípios” (1998: 17).
logias, designadamente no caso do jornalis- Considerando o polissémico tema do
mo, analisando a esta luz, por exemplo, as congresso, “Jornalismo real, jornalismo vir-
experiências de “fiasco” de finais dos anos tual”, de cerca de uma centena de comuni-
90 e princípios desta década. Assim como cações nele apresentadas, apenas cinco se
importa analisar em que medida novos for- debruçarem sobre a Internet e o jornalismo
matos e modalidades de uso da internet, online e mesmo estas predominantemente
nomeadamente no plano da edição persona- voltadas para a apresentação da novidade e
lizada de informação, configuram lógicas dos medos, expectativas e questões a ela
diferenciadas ao nível da produção, circula- associadas.
ção e utilização ou não passam de “expe-
riências” marginais e, finalmente, inconse- Nota metodológica
quentes.
As mudanças que têm vindo a ocorrer Foi com esta tela de fundo que procu-
nos últimos anos no campo jornalístico rámos ir um pouco mais longe. Dirigimos,
justificam a interrogação sobre se estaremos na primeira metade de Abril de 2001, 285
perante simples desenvolvimentos cartas a outros tantos jornalistas através de
configuradores de cenários novos ou, pelo correio electrónico, contendo em anexo um
contrário, diante de uma ruptura ou mesmo questionário intitulado “Mudanças na prática
de uma revolução relativamente àquilo que do jornalismo”. Os critérios de selecção dos
126 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

destinatários foram vários, a saber: existên- o da crescente tendência para o sensaciona-


cia de endereços de e-mail disponíveis na lismo na informação jornalística. Agrupando
ficha técnica dos órgãos informativos5; di- as respostas por grandes categorias, aquela
versidade de profissionais, considerando que surge com mais expressão é, porém, a
designadamente o sexo, o tempo de profis- que foca a concentração de empresas de
são e a função exercida); diversidade de comunicação social e a contaminação da
suportes, contemplando meios impressos, informação pela lógica comercial. Logo a
radiofónicos, televisivos e online. Foram seguir, e em relação estreita com este ponto,
obtidas 42 respostas, abarcando 23 homens surgem aspectos como a precarização das
e 19 mulheres, distribuídos, do ponto de vista condições laborais, questões ligadas à for-
do meio em que exerciam a profissão, do mação dos jornalistas e a derrapagem ao nível
seguinte modo: 12 na imprensa, três na rádio, dos valores ético-deontológicos.
seis na televisão, nove online, quatro com- As virtualidades e potencialidades con-
binando mais de um dos meios atrás refe- centram-se, de forma claramente maioritária,
ridos (oito não indicaram o meio em que nas vantagens que advêm ou advirão dos
trabalhavam). Cerca de três quartos trabalha- desenvolvimentos ao nível das tecnologias.
vam como jornalistas há mais de cinco anos. A grande distância seguem-se as expectati-
Relativamente ao estatuto na profissão, dois vas ligadas à informação (multiplicação de
exerciam funções de direcção, oito eram fontes, crescimento da informação, maior
editores e os restantes repartiam-se pelos intervenção dos públicos, maior necessidade
vários escalões da ‘carreira’ de jornalista. da intermediação) e às atitudes e práticas dos
Importa referir que o objectivo deste jornalistas (o acordar e arrepiar caminho dos
questionário se destinava a obter informação profissionais; expectativa de afirmação da
pertinente de interlocutores diversificados, exigência de mais qualidade na informação,
tendo em conta as variáveis referidas. Não etc). A esperança numa nova geração de
se pretendeu, nesta fase, obter uma carac- jornalistas, com outra formação e a crença
terização global desta actividade profissio- em atitudes mais exigentes da parte do
nal, pelo que não se pode, do apuramento público são outros aspectos sublinhados nas
das respostas, inferir outras conclusões que respostas.
não indicadores, sugestões e hipóteses de Em que é que o online faz a diferença
trabalho que possam orientar estudos de “Parece-lhe haver características do jornalis-
espectro mais largo e representativo. Por essa mo online que sejam intrinsecamente dife-
razão, mais do que proceder a um tratamento rentes das do jornalismo tradicional?”, era
estatístico dos dados, procurámos, relativa- outra questão colocada. Note-se, em primei-
mente a parte das questões apresentadas, ro lugar, que apenas dois profissionais con-
inventariar as respostas e analisá-las. sideraram não conhecer ou conhecer mal o
jornalismo online. Entre os restantes, regis-
Problemas e potencialidades do jornalis- tou-se um acentuado consenso no sentido de
mo na actualidade afirmar que, no essencial, as regras e normas
deontológicas e as exigências de verificação
Duas questões de carácter geral foram e filtragem são comuns a todas as modali-
colocadas na parte inicial do questionário. dades do jornalismo.
Uma solicitava que os interlocutores iden- Foram manifestadas opiniões que com-
tificassem os problemas mais relevantes do param o jornalismo online com o jornalismo
jornalismo, tendo como referência os últimos praticado no âmbito de outros media. Assim,
dez anos. Outra inquiria sobre as o online assemelhar-se-ia ao jornalismo
potencialidades ou virtualidades que o jor- radiofónico no estilo de linguagem e na
nalismo poderá conter, tomando como refe- rapidez exigida. Já nas possibilidades de
rência o próximo futuro. Em ambos os casos, contextualização e na ênfase na linguagem
a resposta era aberta, solicitando-se que a escrita, as semelhanças seriam mais com a
opinião fosse dada de forma sumária e tópica. imprensa. O estilo sucinto e factual aproximá-
Relativamente aos problemas identifica- lo-ia, por sua vez, do das agências noticio-
dos, aquele que foi mais vezes nomeado foi sas.
JORNALISMO 127

Todavia, a maioria dos respondentes des não confinadas a um único meio do


considerou que, não existindo diferenças de mesmo grupo.6 Tendo isto em consideração,
fundo, tal não significa que não existam foi colocada aos inquiridos a seguinte per-
diferenças assinaláveis a vários outros níveis. gunta: “Que comentários lhe suscitam desig-
O mais sublinhado diz respeito às incidên- nações e conceitos como ‘produtores de
cias na prática do jornalismo, matéria sobre conteúdos’ ou ‘jornalistas polivalentes’, que
a qual se observam algumas inquietações e começam a surgir e a ser postos em prá-
perplexidades. tica?”. Pretendia-se, com este ponto, não
As opiniões dividem-se entre aspectos apenas captar a representação dos profissi-
positivos (o online favoreceria um jornalis- onais consultados sobre esta matéria, mas,
mo mais contextualizado e apoiado na pes- mais basicamente, apurar em que medida este
quisa; estimularia o tratamento multimedia tópico é percepcionado como relevante e é
dos factos reportados; permitiria a correcção objecto de acompanhamento.
in situ dos trabalhos disponibilizados, uma A análise das respostas leva a concluir
vez verificada a existência de erros) e igual- que, pelo menos parcialmente, o registo
mente diversos riscos e debilidades (a ve- diverge da (e recoloca a) problemática le-
locidade exigida vantada pela pergunta. Ou seja, para grande
prejudicaria o cruzamento de fontes, o parte dos respondentes, “jornalistas
aprofundamento e a filtragem dos assuntos; polivalentes” e “produtores de conteúdos”
o jornalismo online seria “stressante” no que remetem para matérias relativamente autóno-
se refere a “breaking news” e não favore- mas, que merecem, por conseguinte, apre-
ceria a investigação e o investimento em ciação distinta.
géneros nobres como a reportagem). Relativamente à polivalência dos jornalis-
A diferença instaurada pelo jornalismo tas, encontrámos três tipos de sensibilidades.
online estende-se, entretanto, a outros domí- Uma delas, com uma expressão quantitativa
nios, segundo vários dos inquiridos. O importante, tende a contrapor polivalência a
imediatismo é especialmente destacado, especialização, re-introduzindo, por esta via,
recobrindo este conceito quer a noção de um debate já antigo, na comunidade dos
instantaneidade, de ausência de profissionais. Sublinha, por conseguinte, que
distanciamento por parte do informador um”“verdadeiro jornalista” é ou deve ser
relativamente à matéria difundida, quer, numa polivalente. A especialização que se acentuou
perspectiva de cunho mais positivo, embora sobretudo nas últimas duas décadas pode não
bastante menos referida, a agilidade e o ter sido necessariamente um recuo em si
dinamismo exigidos neste quadro. Outras mesma, mas terá ido a par de uma perda
dimensões igualmente anotadas com algum profissional, traduzida numa visão e atitude
destaque dizem respeito às virtualidades do menos abertas e de um maior acantonamneto
multimedia e da interactividade, à universa- nos âmbitos especializados de actuação.
lidade do acesso à informação, à ausência Como se torna notório, a pergunta que
de limites de espaço e de tempo (pelo menos havíamos colocado apontava para um outro
do ponto de vista técnico), mas também universo e para um modo diverso de con-
àquilo que alguns respondentes consideraram ceber a polivalência. A perspectiva de boa
ser um empobrecimento do estilo e da cri- parte das respostas não deixa, no entanto, de
atividade da escrita jornalística. suscitar problemas da maior relevância para
a análise do jornalismo actual.
Jornalistas polivalentes e produtores de Há, depois, quem manifeste uma opinião
conteúdos: realidades a distinguir favorável à polivalência, por motivos que
poderíamos designar como pragmáticos: “é
Têm-se multiplicado nos meios de difu- fundamental que o jornalista saiba fazer um
são colectiva as declarações de dirigentes de pouco de tudo”; ou: “a polivalência é uma
alguns grupos de comunicação acerca de mais-valia”; ou ainda: ela “é admissível se
novas tendências e experiências na prática o profissional tiver capacidade de resposta”
do jornalismo e de cenários em que os e “se não puser em causa a sua dignidade
jornalistas passariam a desenvolver activida- e estatuto profissional”.
128 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Entre os que se insurgem contra a de- jornalista ligado a um jornal diário. E outro,
signação detectam-se igualmente sensibilida- com funções de direcção num semanário de
des e níveis diversos de resposta. Também informação geral, acrescenta: “o jornalista é
aqui pode encontrar-se o lado pragmático: mediador de factos e não produtor de con-
“vejo mal que um jornalista seja simultane- teúdos. Este conceito de ‘produtor’ leva à
amente redactor, fotógrafo, radialista, actual tendência de ajustar os factos ao que
cameraman: não dominará bem nenhum”; é e não é vendável”.
“se for levado a fazer tudo, não fará nada
bem feito”. Isto porque a polivalência con- 3. Comentários e problematização
figura uma “usurpação de funções”.
Mas é a lógica económica e o impacte Pode dizer-se que os jornalistas que
de estratégias empresariais que transparece participaram nesta recolha de opiniões ex-
de forma clara noutras opiniões: a primem, nas suas respostas, uma ideia forte
polivalência “é uma designação das entida- de que um dos grandes focos problemáticos,
des patronais para pagarem menos e redu- no actual quadro do jornalismo, deve ser
zirem os custos””e revela que a informação colocado nas empresas e nos grupos de
“é apenas mais uma mercadoria disponível”. comunicação, nas lógicas comerciais que cada
Ou: trata-se de uma “expressão inteligente- vez mais as orientam e que fazem sentir
mente usada por quem pretende reduzir o progressivamente os seus efeitos nas redac-
trabalho dos jornalistas a meros obreiros de ções. O sensacionalismo, a “tabloidização”,
produtos vendáveis”. o infotainment e a superficialidade são ao
No que respeita à expressão “produtores mesmo tempo característica e consequência
de conteúdos”, as opiniões pautam-se por daquele quadro de concorrência exacerbado.
idênticos padrões, com a diferença de que No terreno laboral, os sinais do mesmo
quase não há quem aceite ou justifique tal fenómeno seriam a precarização dos víncu-
conceito: apenas um jornalista refere que os los laborais, o fosso crescente entre uma elite
seus pares nunca foram outra coisa e outro jornalística e o grosso dos titulares de car-
observa que este tipo de designações expri- teira profissional, e a degradação da profis-
me uma tendência de futuro: indica o que são em termos retributivos.
os jornalistas virão a ser. Globalmente, pode detectar-se, no tom
Vários respondentes patenteiam clara geral das respostas, a afirmação mais ou
aversão relativamente à expressão “produto- menos clara do jornalismo como um serviço
res de conteúdos”. Consideram-na “pouco à colectividade, como uma alavanca e um
feliz”, “absurda”, “irritante” e até mesmo revelador fundamentais do espaço público.
“um perigo” e “a negação do jornalismo”. Em sintonia, de resto com o teor geral dos
Das respostas infere-se que os produtores de discursos que a “classe” produz acerca de
conteúdos existem, mas não são jornalistas, si própria, quando se reúne nos seus con-
uma vez que “o jornalismo é mais do que gressos, por exemplo. No entanto, aquilo que
isso””e misturar ou indiferenciar as duas surge como possível manifestação de um ideal
realidades constitui uma “forma de desvir- nobre pode também recobrir uma visão
tuar a profissão, de banalizá-la”. É uma mitificada e romântica dos jornalistas e do
expressão de estratégias empresariais para jornalismo ou, em todo o caso, exprimir uma
criar sinergias e reduzir custos. “Tem a ver dificuldade de reflectir de forma mais com-
com a crise do conceito de jornalista”, plexa e menos dicotómica a relação da
resume um dos inquiridos. Interessante é a actividade profissional com as condições
ênfase que duas das respostas recebidas concretas do seu exercício, hoje e aqui. De
colocam não tanto no conceito de conteúdos, resto, os factores problemáticos referenciados
mas no de produtores. “Os conteúdos podem são sempre exteriores à iniciativa ou respon-
ser jornalísticos, ainda que presentemente sabilidade dos próprios jornalistas: cabem,
tenham uma conotação de infotainment; a antes, às empresas, aos directores, ao mer-
palavra ‘produtore’ remete o jornalismo para cado, etc.
a produção industrial, orientada apenas para Poderia ser lido a esta luz um certo
o mercado, para o lucro”, considera um paradoxo que se apura das respostas rece-
JORNALISMO 129

bidas entre um quadro geral pintado com que pelo fundo. Isto é: não representa uma
tonalidades bastante escuras e, por outro lado, ruptura com as normas, exigências e missão
as esperanças e expectativas depositadas nas que se considera caracterizarem a profissão,
inovações tecnológicas e, em geral, nas embora implique mudanças profundas no
tecnologias. Ou seja, as mesmas tecnologias, modo de praticar o jornalismo. Em todo o
cuja sofisticação e facilidade de uso permi- caso, os vários tipos de riscos, perplexidades
tem às empresas impor aos jornalistas uma e expectativas formulados pela generalidade
efectiva polivalência, vêem-se simultanea- das respostas tornam, pelo menos, evidente
mente investidas de um poder simbólico e um aspecto: o jornalismo online, pelo leque
material profundamente transformador. de questões que levanta e pela complexidade
Nem a dimensão do grupo de profissi- de situações em que está implicado, pressu-
onais inquiridos nem a diversidade das res- põe desafios ainda mais exigentes e profun-
postas obtidas permitem avaliar em que dos aos profissionais e à prática profissional.
medida estas percepções e hipóteses corres- Está longe, por conseguinte, de ser um mero
pondem a movimentos generalizados ou se problema tecnológico e de supor, para ser
fazem sentir de modo especial em determi- bem realizado, uma mera “capacitação ins-
nados contextos. É, porém, saliente uma
trumental”.7
preocupação repetidamente reiterada com os
Em termos gerais, e retomando agora as
rumos que o jornalismo está a trilhar, con-
orientações dos discursos sobre o jornalis-
siderando as condições concretas do seu
mo, a que aludíamos no início deste texto,
exercício.
não é difícil encontrar, nas percepções e
A polivalência, apesar de se inscrever
discursos dos jornalistas aqui inquiridos,
numa lógica que serve em primeiro lugar a
posições influenciadas pela economia polí-
racionalidade económica das empresas, pa-
tica dos media (denunciados como global-
rece constituir uma matéria relativamente à
qual as posições se dividem mais do que mente funcionais à estratégia neoliberal)
relativamente à concepção dos jornalistas coexistentes com posições tecnófilas (ou, em
como “produtores de conteúdos”, a qual conta alguns casos, tecnófobas).
com uma oposição quase generalizada. Não Algumas perguntas que permitiriam in-
é de todo improvável que, no cenário da terrogar o alcance e significado desta con-
polivalência, confluam visões e interesses clusão: em que medida a coexistência subli-
diversos (uma certa imagem da profissão, o nhada constitui de facto uma contradição?
prestígio associado ao uso de certos equi- Que variações é possível captar, tendo em
pamentos, a mira de fontes complementares conta posições diferenciadas na profissão e
de retribuição...). Já a produção de conteú- distintos media ou grupos mediáticos? Que
dos é entendida como uma estratégia de grau de coincidência ou divergência existe
indiferenciação e de retrocesso em termos de entre os discursos produzidos e as experi-
estatuto profissional. É, por conseguinte, ências vividas? Tanto a conclusão referida
sentida como ameaça à própria profissão. como as questões formuladas carecem de
O jornalismo online constitui uma mo- estudos complementares com vista à sua
dalidade cujos desafios se impõem, para a validação e matização. Importa, por isso,
maioria dos inquiridos, mais pela forma do prosseguir as pesquisas.
130 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia ~ c s 1 4 2 / a r t i c l e s / M I S C /
informing_ourselves_to_death—postman]
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2
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and the Future of News : Technology’s Impact webjornalismo, jornalismo digital e de jornalismo
on Journalism’. The Annenberg Washington online como equivalentes. Estamos, no entanto,
Program in Communications Policy Studies conscientes de que continua a existir alguma
indefinição conceptual, dada a diversidade de
of Northwester University, Washington DC
situações que muitas vezes se confundem: jorna-
[www.annnenberg.nwu.edu/pubs/tabloids] listas que utilizam a Internet como ferramenta de
(24.3.2001) apoio ao seu trabalho quotidiano; jornalistas que
Klinenberg, Eric (1999) ‘Journalistes à elaboram para media tradicionais peças que são
Tout Faire de la Presse Américaine’, in’Le transpostas para a edição online; jornalistas que
Monde Diplomatique,Fevereiro (http:// trabalham apenas no online, procurando, em grau
w w w. m o n d e d i p l o m a t i q u e . f r / 1 9 9 9 / 0 2 / maior ou menor, tirar partido do multimédia e da
KLINENBERG/11643) interactividade (para a discussão deste problema,
é útil a consulta de Bastos, 2000: 120-129).
Martínez-Albertos, José L. (1997) El 3
O Presidente do Americam Press Institute,
Ocaso del Periodismo. Madrid: CIMS William L. Winter, no discurso “Our Readers of
Pais, J. Machado (1998) Inquérito aos the Future”, antecipa o horizonte temporal de
Jornalistas Portugueses – Resultados Preli- Martínez Albertos: “Creio que o salto dos vossos
minares–(documento policopiado apresenta- negócios de jornais para ‘empresas de informa-
do no 3º Congresso dos Jornalistas Portu- ção’ chegará muito mais rapidamente do que
gueses) supõem muitos editores. Acredito, por exemplo,
Pinto, Manuel (2001) “Fontes que, pelo ano 2005, vários jornais americanos terão
anunciado a intenção de eliminar as suas edições
Jornalísticas: Contributos para o Mapeamento
impressas para aderir a mais amplos, criativos e
do Campo”. Comunicação e Sociedade/ úteis pacotes de notícias, informação e publici-
Cadernos do Noroeste, nº1 dade na world wide web”. Lida à luz do que se
Postman, Neil (1990) Informing passou entretanto, tão optimista declaração não
Ourselves to Death. [http://cec.wustl.edu/ pode fazer senão sorrir.
JORNALISMO 131

4
Como Matt Drudge, que revelou no seu Meios, o presidente do grupo Media Capital,
boletim electrónico o caso Clinton-Lewinsky. Miguel Pais do Amaral, considerava que “algo
5
Na altura, os media jornalísticos publicitavam como um jornalista polivalente” é o futuro da
os mails individuais dos jornalistas, uma prática profissão (in Abreu e Cabral, 2001).
7
que sofreu um retrocesso nos anos mais recentes. Cf, a este propósito, as questões sugeridas
6
A título de exemplo, numa entrevista à revista no texto de Salaverría (2000).
132 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 133

A presenza da lingua galega na prensa diaria de Galiza.


Mínima, de baixa cualidade e sen xustificación
Marcos Sebastián Pérez Pena1, Berta García Orosa2,
José Villanueva Rey3, Miguel Túñez López4

Introdución e metodoloxía Estrutura sociolingüística de Galiza

A presenza da lingua galega na prensa de Sete de cada dez galegos maiores de cinco
Galiza é moi reducida, pois só está presente anos (o 68,66%) saben ler en galego. Esta
en cinco de cada cen páxinas publicadas. Esta medición da capacidade de lectura en lingua
situación é paradoxal, se temos en conta que galega amosa uns resultados positivos, aínda
a práctica totalidade dos cidadáns galegos que lonxe dos de comprensión do idioma,
entende e fala esta lingua e que máis de dous practicamente unánime (99,16%) e dos de
terzos lena sen dificuldade. Se analizamos con fala, que indican que máis de nove de cada
detemento os datos, advertimos que situación dez galegos (91,05%) dominan oralmente a
é aínda máis grave, pois a proporción de galego súa lingua 5 . Así pois, non existe un
na superficie redaccional (os textos propios do impedimento estrutral para que os xornais que
xornal) é mesmo menor (non chega ao 4%) editan en Galiza poidan publicar as súas
e nos xéneros informativos (agás a entrevista) páxinas en lingua galega, xa que a maioría
aínda descende máis (tres por cento). Ademais, de poboación pode ler en galego.
a lingua galega fica excluída de determinadas En canto ao uso real da lingua, os datos
seccións e temáticas “duras”, como a galegos reflicten unha sociedade
información política española e mundial ou a galegofalante, monolingüe, mais con
economía, quedando reservado o seu uso case tendencia a descender. En concreto, case seis
exclusivamente a seccións e temáticas máis de cada dez galegos (56,85%) son
“brandas”: cultura, sociedade..., e máis locais. monolingües en lingua galega, tres de cada
A situación é semellante en todos os dez (30,29%) son bilingües (empregan cada
xornais, salvando a excepción do Galicia día as dúas linguas) e menos do trece por
Hoxe, integramente redactado en galego, pero cento son castelanfalantes. En cambio, se nos
de escasa in incidencia social dado a súa referimos tan só ás oito cidades nas que se
limitada distribución e o seu carácter editan xornais diarios, os seus habitantes
institucional. Nos últimos 25 anos, o emprego decláranse maioritariamente bilingües,
do galego na prensa foi medrando, mais moi atopando máis castelanfalantes que
de vagar, unha situación significativamente galegofalantes. Por cidades, destacan en
contraditoria non só co dominio e o uso da primeiro lugar Santiago de Compostela, Lugo
lingua galega por parte dos habitantes da e Ourense, pola súa elevada proporción de
Galiza, senón coa reivindicación social latente galegofalantes (entre 38 e 44 por cento) e
(mais demostrada por varios estudos e reducido número de monolingües en castelán
pesquisas) dunha maior presenza da lingua (11 e 14 por cento). Nun nível intermedio
propia de Galiza na prensa do país. atopamos a a Vilagarcía de Arousa, cunha
Para a realización deste estudo, levouse maioría de bilingües (44,5%), pero case a
a cabo un baleirado dos doce xornais galegos mesma cifra de galegofalantes (36,8%); e a
de información xeral durante seis meses Pontevedra, cuxos habitantes divídense
(xaneiro a xuño de 2003), mediante a escolla practicamente en tres terzos segundo a súa
dunha mostra de 22 días, cun intervalo de lingua de uso cotián, (aínda que se inclinan
oito xornadas entre cada unha, para recoller lixeiramente en favor do galego). As outras
como mínimo tres exemplos de cada día da tres cidades (Vigo, A Coruña e Ferrol)
semana. Ademais, realizáronse entrevistas aos caracterízanse polo seu bilingüísmo (arredor
responsábeis de todos os medios escritos do 55% dos seus habitantes), cunha maior
estudados, así como aos dun grupo dunhas proporción de cidadáns que falan en castelán
trinta emisoras galegas de radio e TV. (entre o 25 e o 30 por cento)
134 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura nº 1. Lingua habitual dos habitantes das oito


cidades galegas nas que se editan xornais e total galego

Datos xerais nos datos xerais, sumando publicidade e


redacción en galego, o xornal que máis
Cinco de cada cen páxinas publicadas pola superficie en galego ten é o o Diario de
prensa editada en Galiza están en lingua Arousa co 7,72%, seguido do Diario de
galega, unha proporción que é maior na Pontevedra, co 7,5%. El Correo Gallego e
superficie publicitaria (supera o dez por cento La Voz de Galicia superan lixeiramente a
sobre a superficie publicitaria total) que na media e El Progreso rolda igualemente o
redaccional (non chega ao catro por cento). cinco por cento. No punto oposto, El Ideal
Ningún xornal (salvando a excepción do Gallego, La Opinión, Atlántico Diario e Faro
Galicia Hoxe, xa comentada) emprega o de Vigo publican unha proporción moi escasa
galego en proporcións moi superiores á de contidos en lingua galega, situándose por
media, mais si hai diferenzas. Se nos fixamos debaixo do catro e mesmo do tres por cento.

Táboa nº 2. Presenza proporcional da lingua galega nas superficies


redaccional e publicitaria dos xornais, sobre a superficie total publicada
% de redacción en % de publicidade en
% de galego sobre
Xornal galego sobre galego sobre
a superficie total
a superficie total a superficie total
La Voz de Galicia 2,62 2,94 5,56
Faro de Vigo 1,44 2,45 3,89
El Correo Gallego 3,03 2,79 5,82
La Región 3,35 3,05 6,4
El Progreso 2,32 2,68 5,01
La Opinión 1,98 1,24 3,22
Diario de Pontevedra 4,67 2,83 7,5
El Ideal Gallego 1,66 1,1 2,75
Diario de Ferrol 3,47 1,62 5,08
Diario de Arousa 5,13 2,59 7,72
Atlántico Diario 2,50 1,26 3,76
Galicia Hoxe 89,23 4,85 94,1
Media sen GH 2,9 2,26 5,15
Media con GH 8,33 2,42 10,74
JORNALISMO 135

Polo que atinxe aos contidos propios do xornais é de 11,56%, unha de cada dez
xornal, á superfice redaccional, o que máis páxinas. Se non temos en conta a Galicia
emprega a lingua propia de Galiza é o Diario Hoxe a media baixa até o 10,44%, xa que
de Arousa, co 6,17%, seguido moi de cerca este xornal presenta unha proporción do
polo Diario de Pontevedra co 6,02%. Os 45,1%, moi por riba do resto. Os medios que
outros xornais que pasan por riba da media teñen unha maior proporción de publicidade
(3,69%) son El Correo Gallego co 3,73%, en galego son o Diario de Arousa (15,32%),
Diario de Ferrol co 4,39% e La Región co El Correo Gallego (14,76%), Diario de
4,45%. Pola contra, os xornais que menor Pontevedra (12,62%) e La Región (12,29%).
espazo lle dedican á redacción en galego son El Ideal Gallego é o xornal que publica
o Faro de Vigo (1,9%), El Ideal Gallego menos publicidade en galego, tan só o 4,45%
(2,2%) e La Opinión (2,23%). El Progreso do total e a seguir atopamos o Diario de
de Lugo, Atlántico Diario e La Voz de Galicia Ferrol, co 7,69% e o Atlántico Diario, co
están por riba do 3% pero sen chegar á media. 9,6%. Os outros dous xornais por debaixo
A media de superficie de publicidade en da media son El Progreso e Faro de Vigo,
galego sobre o total de publicidade dos doce con algo máis do 10%.

Táboa nº 3. Presenza proporcional da lingua galega nas superficies redaccional e


publicitaria dos xornais, sobre o volume total de cada unha das superficies

% de redacción % de publicidade
en galego sobre o en galego sobre o
Xornal
total de superficie total de superficie
redaccional do xornal publicitaria do xornal
La Voz de Galicia 3,55 11,17
Faro de Vigo 1,9 10,25
El Correo Gallego 3,73 14,76
La Región 4,45 12,29
El Progreso 3,17 10,06
La Opinión 2,23 11,27
Diario de Pontevedra 6,02 12,62
El Ideal Gallego 2,2 4,45
Diario de Ferrol 4,39 7,69
Diario de Arousa 6,17 15,32
Atlántico Diario 3,07 9,6
Galicia Hoxe 100 45,1
Media sen GH 3,69 10,44
Media con GH 10,53 11,56

Visualmente, os doce xornais diarios das que case catro (3,76) están en galego
de Galiza publican cada día máis de 855 e o resto, máis de 69 (69,15), edítanse en
páxinas (exceptuando suplementos), das castelán. Imprime case 16 páxinas de
que unhas 92 (91,95) están en lingua publicidade (15,76) e máis de 57 (57,15)
galega. Non obstante, desas case cen de información. Dentro desta superficie
páxinas, máis da metade (50,63) redaccional, dúas páxinas están en galego
corresponden a Galicia Hoxe e pouco máis (2,11) e 55 (55,04) en castelán. E en canto
de 41 aos outros once xornais. Sen ter en á publicidade, case dúas páxinas son en
conta ao Galicia Hoxe, o xornal medio galego (1,64) e as restantes 14 (14,11)
galego publica cada día 73 páxinas (72,9), publícanse en castelán.
136 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Proporción de galego en cada día da crónica...), que ocupan as dúas terceiras partes
semana da superficie total (65,85%). A gran distancia
se atopan os artigos de opinión, que acadan
A proporción de galego publicada polos o quince por cento dos módulos (15,39%).
xornais cada día da semana mantén un grande Son menos habituais as informacións de
equilibrio de luns a venres, roldando o catro servizo en galego (sete por cento da
por cento (entre o 3,83 e o 4,55%), para subir superficie) e as entrevistas, que representan
lixeiramente os sábados, nos que acada o seis de cada cen módulos
cinco por cento e dispararse os domingos, Nas noticias publicadas en galego
nos que supera o sete. O último día da semana predomina a temática “social” (case tres de
desequilibra de tal forma a tendencia, que cada dez), agrupación moi heteroxénea que
eleva a media semanal até o 5,15, deixando aglutina dende novas do corazón, sucesos,
os restantes días por debaixo desa cifra medio ambiente ou saúde. Case cos mesmos
(Táboa 4). módulos atopamos as informacións de tipo
A proporción de textos en galego sobre cultural, que representan máis de unha de
a superficie redaccional total do xornal segue cada catro (27,56%). A outra gran temática
unha dinámica moi semellante á xa explicada é a política, que suma máis do vinte por cento
sobre a superficie total publicada na nosa dos módulos (22,12%) e se converte no único
lingua e mesmo se acentúan algúns dos seus espazo de información “dura” no que o galego
riscos. Máximo equilibrio, pois, de luns a ten unha presenza algo significativa (aínda
sábado (este día, referíndonos aos datos totais, que a maior parte corresponde a temas de
destacábase un tanto co respecto aos demais ámbito local ou galego); a economía non pasa
gracias á publicidade), superando por pouco do catro por cento e apenas se atopan dezasete
o tres por cento. E gran diferenza en relación pezas de información marítima. Si acadan
ao domingo, que cun 6,07% de galego certa importancia, en cambio, as noticias de
practicamente duplica os datos das demais comunicación, próximas ao oito por cento
xornadas. (7,77%), gracias sobre todo á información
En canto á publicidade en galego, a sobre os programas e actividades da CRTVG
distribución é máis complexa. O primeiro que (Compañía de Radio Televisión de Galicia)
se advirte é unha importante diferenza entre Figura 2.
a fin de semana e os demais días. Sábados Dous ámbitos sobresaen por riba dos
(sobre todo) e domingos exceden con folgura demais: o local e o galego, pois entre os dous
o dez e medio por cento de publicidade en suman máis de tres de cada catro módulos
galego sobre a superficie publicitaria total. publicados en galego.‘A información sobre
Mentres, os restantes días con dificuldade se Galiza rolda o 43% da superficie total e a
achegan ao nove por cento (martes e local supera o 32%. Entre os demais ámbitos,
mércores) ou mesmo baixan do oito (venres). ningún chega ao dez por cento e só o
Por último, hai que salientar a baixa comarcal e o internacional acada cifras
porcentaxe que rexistran os luns, próxima ao significativas, moi superiores ás dos ámbitos
seis por cento. español e provincial (Figura 3.
As seccións nas que os xornais publican
Tipoloxía dos contidos inseridos maior cantidade de contidos en galego son
Local, Cultura, Opinión e Galiza, que suman
O galego, na redacción, é usado sobre entre as catro máis dun 55 por cento dos
todo no humor (16,38%), algo menos nas contidos publicados en galego. Xa por
cartas (11,69%), artigos de opinión (10,81%) debaixo do dez por cento, outros espazos dos
e entrevistas (9,65%) e moi escasamente nos xornais onde é menos difícil atopar
restantes xéneros informativos (3,04%) e nas informacións en galego son Comarcas e
informacións de servizo (2,35%) Táboa 5. Sociedade, ambas as dúas con máis dun oito
A superficie redaccional publicada en por cento cada unha. A moita distancia, con
lingua galega, con todo, corresponde en maior porcentaxes moi baixas, atopamos as distintas
medida a pezas informativas (sen facer seccións de servizos (axendas, guías, grellas
posteriores delimitacións: noticia, reportaxe, de programación televisiva...), que acadan o
JORNALISMO 137

Táboa nº 4. Evolución diaria da proporción da lingua galega


sobre o volume total publicado pola prensa galega

LU MA ME XO VE SÁ DO MEDIA

MEDIA (sen
computar o 3,83 4,37 4,44 4,55 3,92 5 7,18 5,15
Galicia Hoxe)

Táboa nº 5. Presenza proporcional da lingua galega en


cada un dos xéneros da superficie redaccional da prensa galega

Inform. Entrvst Opinión Humor Cart. Serviz.


% en lingua galega 3,04 9,65 10,81 16,38 11,69 2,35

Figura nº 2. Publicación en galego, por temas,


sobre o total publicado en lingua galega

Figura nº 3. Publicación en galego, por ámbitos,


sobre o total publicado en lingua galega
138 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

sete por cento, a sección de comunicación, castelán. Isto representa que máis de tres
con especial protagonismo para a CRTVG, cuartas partes (78,34%) da publicidade do
e as contraportadas dos xornais, xa por consistorio herculino están en castelán e o
debaixo do cinco por cento. Pola contra, 21,66% en galego.
aquelas seccións nas que é moi complicado Por último, están as tres Universidades
atopar a lingua galega son Mundo (0,53%), galegas que publicaron no período analizado
Economía (1,87%), Deportes (1,84%), as un total de 276 módulos de publicidade en
portadas (0,09%) e a sección de España, na galego. Neste apartado está á cabeza a
que, en todas as mostras do noso estudio, Universidade de Vigo, con 130 módulos, case
non demos con ningún módulo en lingua a metade (o 47,10%) do publicado polas
galega. Universidades, despois está a de Santiago de
Compostela, que publica 80 módulos (o
Publicidade 28,99%) e por último a Universidade da
Coruña, con 66 módulos (o 23,91%). A
Case a metade das insercións publicitarias Universidade coruñesa publicou tamén 24
en galego (47%) teñen como orixe algunha módulos en castelán, o que equivale a unha
administración pública, nomeadamente a cuarta parte da súa publicidade na prensa
Xunta de Galicia ou os Concellos. Polo súa galega (26,66%).
banda, as Empresas privadas contratan ao Dentro das Empresas privadas as que máis
redor de dous de cada dez módulos publican son as dúas principais caixas de
publicitarios en galego (20,40%). Séguenlles aforros, Caixa Galicia e Caixanova, e máis
as asociacións e as fundacións, cun 16,63%, os centros comerciais, como Área Central
os partidos políticos (sete por cento) e as (Santiago), o Odeón (Narón) ou o Centro
autopromocións dos xornais, que rozan o seis Comercial A Barca (Pontevedra). Caixa
por cento (5,9%). As necrolóxicas e outros Galicia publica un total de 666 módulos en
anuncios contratados por particulares (como galego, que equivale ao 17,68% do publicado
os clasificados) non chegan ao tres por cento polas empresas privadas, mentres que
(Figura 4). Caixanova queda no 14,38%.
A Xunta publica máis de catro de cada A lingua galega é usada en maior medida
dez módulos de publicidade con finanzamento na publicidade nas autopromocións, máis do
público, os Concellos case o 25%, a TVG vinte por cento e, escasamente, nas
(Televisión de Galicia) o 16% e a porcentaxe necrolóxicas. Hai que salientar que a
restante repártese entre as universidades, as proporción (22,2%) duplica á existente para
deputacións provinciais e outros organismos toda a superficie publicitaria. O xornal que
públicos. A Xunta de Galicia publica 3260 máis emprega o galego como ferramenta para
módulos en galego e 267 módulos en castelán, a súa propia promoción (aínda que despois
o que representa case o dez por cento de toda o uso que faga da lingua á hora de informar
a publicidade inserida pola Xunta na prensa sexa testemuñal) é La Voz de Galicia, que
galega (8,19%). usa o galego en máis da metede das súas
En canto aos Concellos, o que máis autopromocións (52,34%).
publica é o de Vigo, con 412 módulos en El Progreso achégase ao cincuenta por
galego (case o vinte por cento -17,44%-, de cento (46,34%) e o Diario de Pontevedra
toda a publicidade contratada polos concellos rolda o corenta (39,06%). Faro de Vigo, La
galegos). Séguelle o concello de Santiago de Opinión, Diario de Ferrol e Atlántico Diario
Compostela con 270 módulos (o 11,43%), apenas usan o galego para autopromocionarse
o concello de Pontevedra con 217 módulos (Figura 5).
(o 9,18%), o de Ferrol, con 178 módulos, A sección onde máis publicidade en
e o de Lugo, con 41 módulos. Estas catro galego se edita é a de Local con máis de
cidades contratan toda a súa publicidade en dous de cada dez módulos (22,03%) da
galego. Non fan así nin o Concello de superficie publicitaria total en galego. Tamén
Ourense, con 73 módulos en galego e 10 en é frecuente a inserción de publicidade en
castelán, nin sobre todo o da Coruña, que galego nas seccións de Comarcas, co doce
publicou 60 módulos en galego e 217 en por cento (12,06%), Galiza con case dez
JORNALISMO 139

Figura nº 4. Publicidade inserida en galego, por tipo de anunciante,


sobre o total de publicidade en lingua galega

Figura nº 5. Proporción de lingua galega nas autopromocións dos xornais de Galiza

(9,79%) e Servicios, co 7,53%. Fóra das que reúnen máis do dezasete por cento do
seccións habituais, son particularmente total (17,26%). Pola contra, hai seccións nas
elevadas as proporcións de publicidade en que rara vez se insire publicidade en galego,
galego inseridas nos chamados “especiais”, como España, Mundo, Sociedade ou as
superior ao cinco por cento e, sobre todo, portadas e contraportadas, cada unha delas
nas páxinas marcadas como “publicidade”, por debaixo do dous por cento.
7. Estudos precedentes: comparación6

Táboa nº 6. Evolución da proporción de lingua galega nos xornais do país,


segundo diversos estudos

Xornal 1977 1982 1987 1990 1993 2003


La Voz de Galicia 4,59 3,11 3,56 5,39 4,13 5,56
Faro de Vigo 1,7 3,17 4,43 2,98 2,47 3,89
El Correo Gallego 3,25 2,36 6,18 9,07 5,08 5,82
La Región 3,85 2,25 4,79 3,61 2,97 6,4
El Progreso 2,1 1,89 4,85 2,63 3,42 5,01
La Opinión - - - - - 3,22
Diario de
1,03 0,76 1,8 2,96 2,34 7,5
Pontevedra
El Ideal Gallego 3,06 1,88 2,45 3,01 1,35 2,75
Diario de Ferrol - - - - - 5,08
Diario de Arousa - - - - - 7,72
Atlántico Diario - - - 4,2 2,62 3,76
Diario 16 - - - 3,24 2,76 -
Media 2,8 2,2 4,01 4,12 3,02 5,11
140 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Nos últimos trece anos o galego aumentou informacións que se publicaban en galego,
lixeiramente a súa presenza na prensa escrita, unha porcentaxe que só se incrementaba
en case un punto porcentual, pasando do 4,12 significativamente entre os maiores de 55
ao 5,11, se ben a subida é maior se anos (47%) e de 65 (39%). De igual xeito,
comparamos o dato máis recente co de 1993, máis do oitenta por cento dos enquisados
que baixaba até o 3,02 por cento. Por xornais, aseguraba ler as informacións que se
soben a maioría, nomeadamente La Región, publicaban en galego nos xornais. Outra das
El Progreso e Diario de Pontevedra, que grandes conclusión que se podían tirar do
case dobran os seus datos. Pola súa banda, estudo era unha reivindicación xeral a prol
La Voz de Galicia e o Faro de Vigo soben dunha maior presenza do galego na prensa.
menos que a media, mentres que El Ideal Así, máis de dous terzos (70%) consideraban
Gallego, o Atlántico Diario e, sobre todo, que había “pouca” ou “moi pouca”
El Correo Gallego, baixan con respecto a información en galego na prensa do país,
1990. fronte a un 24 por cento que consideraba
Redacción e publicidade en galego seguen “suficiente” a presenza da nosa lingua e a
tendencias semellantes nas tres medicións: un anecdótico 3,3% que consideraba que se
baixan entre 1990 e 1993 e soben, acadando publicaba “moito” ou “demasiado” en galego.
o seu máximo, no 2003. Case tres de cada dez galegos (26,5%)
O ascenso é maior na redacción, se consideraban que os xornais do país deberían
tomamos como referencia o ano 1990, en ser redactados integramente en galego ou
cambio, se comparamos os datos do noso cunha maioría de espazos na nosa lingua,
estudo cos de 1993, crece máis a publicidade. fronte a unha porcentaxe lixeiramente
E é que as cifras de 1993 amosaban unha superior (31,3%) que avogaba pola situación
gran desproporción en favor da superficie actual (monolingüísmo castelán ou, como
redaccional en galego (aproximábase a dous pouco, predominio) e unha maioría de case
terzos de todo o publicado no noso idioma), o corenta por cento (38%) que apostaba por
mentres que en 1990 e 2003 redacción e unha igualdade (50-50), en todo caso moi
publicidade iguálanse bastante. afastada da actual situación. Por grupos de
idade, os máis novos afirmaban preferir unha
Opinión dos lectores de prensa prensa maioritariamente en galego (48,1%,
os menores de 25 anos, e 40,9%, os menores
¿E que opinan os lectores dos xornais? de 35), as xeracións maduras defendían a
O estudo A información en galego incluía igualdade entre as dúas linguas (aínda que
unha enquisa realizada a unha mostraxe de cunha maior preferencia cara ao castelán que
400 lectores de prensa diaria de toda Galiza. cara ao galego) e os maiores de 55 anos
Menos de tres de cada dez (28,2%) afirmaban defendían o mantemento da actual
ter problemas para comprender as distribución lingüística.
JORNALISMO 141

Bibliografía Perfil do xornalista galego, Santiago,


Edicións Lea, 1996.
Álvarez Pousa, Luis, Os medios de Túñez, Miguel, A Situación Laboral dos
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2
Consello da Cultura Galega, Actas dos Universidade de Santiago de Compostela.
3
Universidade de Santiago de Compostela
III Encontros de Normalización Lingüística, 4
Universidade de Santiago de Compostela.
Santiago, Consello da Cultura Galega, 2000. 5
Táboa nº1. Aptitutes lingüísticas dos cidadáns
Consello da Cultura Galega, Actas dos de Galiza na lingua galega. Fonte:
IV Encontros de Normalización Lingüística.
Entenden Falan Len escriben
Santiago, Consello da Cultura Galega, 2002.
TOTAL: 2.587.407 2.565.728 2.355.834 1.776.401 1.491.429
Consello da Cultura Galega, Sobre a %: 100 99,16 91,05 68,66 57,64
situación da lingua, Santiago, Consello da
Cultura Galega, 1990. Censo 2001. INE
6
Ramallo, Fernando, Vender en galego, Os tres primeiros datos corresponden aos
estudos elaborados por Víctor M. Rico mediante
Santiago, Consello da Cultura Galega, 1997.
a análise de todos os números publicados nos meses
Ramallo, Fernando, O Galego na de xaneiro de cada un dos anos. Debido a que
publicidade, en Actas dos IV Encontros de seguen metodoloxías moi distintas aos estudos
Normalización Lingüística. Santiago, posteriores (non analiza superficie, senón o número
Consello da Cultura Galega, 2002. de pezas publicado), só o tomamos como referencia.
Ramallo, Fernando e Rei Doval, Gabriel, Os datos de 1990 e 1993, en cambio, están
Publicidade e lingua galega, Santiago, recollidos no estudo A información en galego, que
Consello da Cultura Galega, 1995. ao seguir unha metodoloxía de traballo semellante
á presente investigación pódenos servir para medir
Túñez, Miguel, Da teoría á práctica.
a evolución da presenza do galego nos medios.
142 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 143

Los medios como protagonistas de la noticia


Marina Santín Durán1

Introducción los intereses del medio. Es entonces cuando


la frontera entre publicidad y periodismo
En los medios de comunicación conviven puede quedar difuminada por los propios
dos fenómenos distintos: el periodismo y la intereses del medio. Y es que, frente a la
publicidad. Ambas actividades persiguen profesionalidad, objetividad, neutralidad y
objetivos diferentes, por ello deberían demás principios éticos que debe regir el
funcionar de forma independiente marcando trabajo de los periodistas, en las redacciones
claras fronteras entre una y otra actividad. de los medios se barajan los intereses
En esta línea la Federación de Asociaciones empresariales, ideológicos y económicos a
de la prensa de España (FAPE) entiende que la hora de establecer qué es noticia y qué
es éticamente incompatible el ejercicio no lo es. Pues bien, una situación en la
simultáneo de las profesiones periodísticas que pesan más los intereses particulares que
y publicitarias. De igual manera, el Código los profesionales es cuando los medios
deontológico del Colegio de Periodistas de producen y difunden informaciones en las
Cataluña establece que no se puede que ellos son además los protagonistas
simultanear el ejercicio de la actividad porque, y esta es la hipótesis de partida,
periodística con otras actividades los medios utilizan su labor informativa
profesionales como la publicidad, las para favorecer a su empresa,
relaciones públicas y las asesorías de difuminándose, en esas ocasiones, las
imagen. fronteras ente información y publicidad.
Este principio ético del periodismo tiene En esta línea el periodismo, al igual que
su reflejo también en los Códigos y Libros la publicidad, desarrolla fórmulas de
de Estilo de los diferentes medios de persuasión. El presente estudio analiza en la
comunicación. El País en sus inicios impuso prensa los relatos periodísticos en los que
rígidamente el principio de que todo espacio son los medios los protagonistas.
publicitario debía quedar suficientemente
diferenciado de las informaciones para evitar Metodología
toda posible confusión en los lectores,
estableciendo que cuando un anuncio Para proceder a este estudio se ha aplicado
publicitario tenga las características de un la técnica del análisis de contenido,
texto debería llevar necesariamente, en este cumplimentando un protocolo de análisis para
periódico, el epígrafe “Publicidad”.2 cada texto que permite cuantificar no sólo
El grupo Vocento, al que pertenece ABC, la presencia de estos relatos sino también qué
en su libro de estilo también hace referencia noticias protagonizan los medios y qué
a esta cuestión estableciendo que “la importancia otorgan los diarios a esas
publicidad debe separarse de la información noticias. Se plantea el interrogante de si está
e identificarse siempre claramente, de manera justificada la presencia de estos relatos,
que no se mezcle con aquella ni pueda comprobando si realmente en estos casos se
confundir al lector sobre el origen e intención aplican criterios periodísticos para valorar si
de los datos y puntos de vista expuestos.”3 esos acontecimientos son noticiables o si por
Además establece que rechaza las formulas el contrario su labor de mediación está al
híbridas en las que se borran los límites entre servicio de sus deseos o intereses.
lo que es información y lo que es publicidad. Para la realización de este estudio se han
Pero esta exigencia ética a veces no se seleccionado tres diarios: ABC, El País y El
cumple, sobre todo cuando están en juego Mundo del siglo XXI (en lo sucesivo El
144 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Mundo) Esta selección se justifica porque son protagonistas los medios pues en más de la
los tres periódicos nacionales de información mitad de los días (62%) los medios cubren
general de mayor tirada y representan informaciones sobre sí mismos y sólo en el
tendencias comercialmente enfrentadas dentro 38% de los ejemplares no contenían esos
del panorama español. De estos diarios se relatos sobre los medios.
analizan las secciones de sociedad, Se cuestiona el gran protagonismo que
comunicación, cultura y espectáculos porque asumen los medios en las páginas de los
se considera que son esas secciones en las diarios y más cuando se advierte que es
que con más frecuencia los diarios informan frecuente que los ejemplares en los que se
sobre sí mismos4. contabiliza autorreferencia se encuentran
Los años de estudio son el año 2001 y varios relatos sobre medios. De hecho los
2002. Se realiza una selección aleatoria de noventa y ocho ejemplares que contenían este
cincuenta y tres días. Y por lo tanto se revisan tipo de relatos generaron casi doscientas
en total 159 ejemplares de diarios. En esos noticias sobre medios.
ejemplares se encuentran 197 relatos en los Se aprecia que el protagonismo que
que los tres diarios o medios de los grupos asumen los medios en las páginas de los
a los que pertenecen son protagonistas. diarios no es siempre el mismo. De los tres
diario objeto de estudio es El Mundo (88%)
Resultados: La cobertura periodística de el que más relatos pública sobre medios, ABC
los medios. (34%) el que menos, situándose en este
aspecto El País (64%) en una posición
El protagonismo de los medios en los intermedia.
medios Se comprueba que es más frecuente que
los diarios hagan referencia a medios que
Se plantea determinar, en primer lugar, pertenecen a su grupo que a los medios que
cual es la presencia en prensa de los relatos pertenecen al grupo de la competencia.
que protagonizan los medios concretamente Cuando ABC, El País y El Mundo deciden
en el periodo 2001-2002. Se puede suponer escribir sobre algún asunto mediático
que los medios, en cuanto a actores sociales, normalmente son ellos o medios de su órbita
pueden ser protagonistas de las noticias con los protagonistas de la noticia. En el 85%
total pertinencia. Pero, teniendo en cuenta que de los relatos analizados los protagonistas son
los actores sociales son muchos y que los el propio diario y medios de la órbita del
principales agentes, protagonistas de la grupo al que pertenece el diario que genera
actualidad, no son presumiblemente los que la información (Gráfico I). Tal cantidad exige
tienen la misión de contarla; es relevante el que se haga un análisis más profundo de estas
número de noticias de las que son informaciones.
JORNALISMO 145

Este análisis de los relatos en los que los en las que se regala o se ofrecen a un precio
diarios cubren informaciones sobre medios inferir junto con el periódico productos de
que están bajo el mismo paraguas corporativo diversa naturaleza como vídeos, DVD, libros,
concluye que estos textos se distribuyen de coleccionables, láminas…, se dan a conocer
la siguiente manera: En un 48% el propio no sólo a través de campañas de publicidad
diario o su empresa editora son los sino también elaborando informaciones. El
protagonistas. Es por lo tanto el periódico 17% de los relatos analizados informan al
quién produce y distribuye la información y lector sobre las promociones que el diario
a la vez actúa en los hechos relatados. En tiene en marcha. Se encuentran dos tipos
un 35% el diario se refiere a los medios de distintos de relatos en lo referente a informar
la órbita de su grupo mediático. Y en un 17% al lector sobre promociones. Por un lado
comparte el protagonismo el propio periódico relatos en los que se da a conocer en qué
con medios de su órbita o grupo. Aunque consiste la promoción, cómo se puede
a este respecto cabe advertir que también adquirir, cuánto tiempo va a durar. Y otros
existen diferencias entre diarios. Pues es El relatos son de seguimiento de la promoción.
País el que más se refiere a medios de su Si se considera que “la promoción comprende
órbita. Ello puede obedecer a que Prisa, el el conjunto de las actividades orientadas a
grupo al que pertenece El País, es el de comunicar a la clientela real o potencial las
mayores dimensiones y más empresas filiales características de un bien o de un servicio,
tiene y puede utilizar este tipo de relatos para con la intención de predisponer a favor de
dar a conocer o potenciar medios o productos ese producto o servicio, o bien de mover
del grupo. directamente a su compra o a su uso”5 es
correcto y acertado que para promocionar sus
Temática productos los periódicos inserten publicidad
en las páginas de sus diarios con el objetivo
Otro aspecto relevante de este trabajo es de persuadir, pero que se promocionen en
determinar qué tipo de noticias son las que la superficie redaccional no está justificado
suelen protagonizar los medios, en definitiva, ni ética ni profesionalmente. En este caso
qué se publica sobre los medios porque este estamos ante informaciones en las que el
análisis determinará hasta qué punto es medio se convierte interesadamente en
pertinente desde el punto de vista del interés protagonista de la noticia.
periodístico la selección de esos asuntos para Y es que se presupone que los textos
constituir noticias. periodísticos tienen como primer objetivo
Aunque la temática de las informaciones informarnos de lo que sucede en el mundo,
que protagonizan los medios es muy variada darnos información de actualidad. Sin
se aprecia que hay temas que destacan por embargo en esos textos, cuando el tema
encima de otros. La mayor parte de las central es dar a conocer un producto o una
noticias que protagonizan los medios tienen promoción que llevan a cabo los medios,
como temas más recurrentes, entre otros y tienen como objetivo principal predisponernos
por este orden: promociones, presentación de a favor de un producto o servicio o incitarnos
libros, encuentros y conferencias, contenido hacia la compra, es decir, dar prioridad a la
de suplementos, medición y difusión de persuasión.
audiencias. Lo mismo sucede en los relatos en los
El tema que más relatos sobre medios que los diarios dan a conocer cuál va a ser
genera es el de las promociones. Las el contenido de los suplementos o dominicales
promociones en prensa se han convertido en que se entregan con el periódico. El 9% de
algo frecuente, la empresa periodística busca las noticias analizadas perseguía este objetivo.
con ellas no sólo captar nuevos clientes sino Otro tema muy recurrente en este tipo
también evitar que los lectores habituales de relatos es el de la presentación de libros
abandonen el diario y acudan a otro rotativo en los que o bien participan las firmas del
de la competencia. Muchas veces estas periódico o bien son productos de las
promociones que llevan a cabo los diarios compañías afiliadas.
146 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

El apoyo de la empresa multimedia a El valor informativo


productos editoriales suyos es una práctica
bastante habitual, La investigación realizada no sólo ha
como señala Vila-Sanjuán “las revistas y analizado cuánto nos informan los medios
periódicos del grupo Zeta (...) apoyaban los de sí mismos o sobre qué temas nos
libros de Ediciones B, que pertenecían al informan sino también como materializan
grupo, y lo mismo hacían los diarios del grupo esa información. En la actualidad no sólo
Prensa Ibérica con las obras de Editorial Alba, es relevante lo que se publica, también tiene
que les pertenece. (...) La cuestión de las especial importancia dónde se pública y
sinergias entre“El País y Alfaguara ha coleado cómo se publica. El espacio impreso que
durante todo el decenio de los 90”.6 Pues bien, ocupa una noticia dentro de un periódico
esas sinergias entre este tipo de empresas no suele ser casual sino que suele responder
tiene una cifra: un 14%. a una intencionalidad. Las noticias que se
Los medios también son protagonistas en consideran más importantes se seleccionan
un considerable número de relatos (11,2%) para la primera página del periódico. La
que tienen como tema central la celebración portada es el escaparate del diario y por
de algún encuentro, conferencia en el que ello debe recoger las informaciones más
participan con mayor o menor grado. Cierto importantes del día.
que estos actos formarían parte de la A este respecto se debe indicar que
actualidad, pero junto con otros muchos; y aunque no es frecuente que el tipo de
frente a otros acontecimientos similares, los informaciones que se estudian se lleven a
medios priorizan dar cobertura a los actos portada, sí se han llevado a primera el 11%
que ellos patrocinan o en los que ellos de los relatos analizados. Cifra, sin duda,
participan, poniendo en duda su propia significativa y más si se tiene en cuenta
neutralidad tanto en la selección como en el que normalmente los temas que se llevan
tratamiento. a portada tienen que ver con las
Otro de los asuntos que suelen informaciones que el diario elabora sobre
protagonizar los medios es el que se refiere las promociones que tiene en marcha.
a la medición y control de las audiencias y Sobre la extensión de las informaciones
la difusión (el 6% de los relatos). El se puede indicar que la mayoría de los
incremento de la oferta de medios conlleva relatos que se han analizado no son
en la prensa una lucha por obtener el mayor “grandes noticias” que llenen páginas y
número de lectores y ocupar los primeros páginas del periódico. La mitad de estos
puestos en el ranking de difusión. Los buenos relatos no superan las cuatrocientas
resultados se los dan a conocer a sus lectores palabras 8 , una cuarta parte tiene entre
no sólo a través de campañas de publicidad cuatrocientas una y seiscientas palabras y
sino también, y una vez más, haciendo uso el resto más de seiscientas. Por tanto por
de la superficie redaccional. Los tres diarios lo general no se les concede a este tipo
suelen ofrecer a sus lectores los datos de informaciones gran extensión. De nuevo
auditados por empresas como OJD, EGM… hay que destacar las informaciones sobre
resultando en estos casos muy significativo promociones por ser las más extensas.
la falta de coincidencia en el enfoque desde Ahora bien, por lo que respecta a dónde
el cual se elabora la información, pues cada se publican estos relatos, si se considera
uno destaca los datos que les son favorables. que la superficie superior de la página es
El análisis de las informaciones sobre preferible a la inferior, se puede concluir
mediciones de audiencia que protagonizan los que se suelen ubicar en lugares
medios viene a demostrar lo que ya señalo privilegiados en la doble página pues el
el Comité of Concerned Journalists (Comité 39% de los relatos se ubican en la mitad
de Periodistas Preocupados) que es “un gesto superior de la página impar, el 47% en la
de arrogancia (…) y autoengaño, pensar que mitad superior de la página par y sólo el
en efecto se puede informar de una noticia 15% se ubican en la parte inferior de la
al tiempo que se forma parte de ella”.7 página.
JORNALISMO 147

A modo de recapitulación los relatos analizados podrían calificarse de


pseudoacontecimientos. En estas informaciones,
Los medios, conformados en la actualidad especialmente cuando tienen como tema central
como grupos de comunicación, tienen cada alguna promoción, se hace evidente que la
vez más poder y presencia en nuestras vidas redacción del periódico está al servicio del
y con mayor frecuencia se convierten en departamento de marketing o de relaciones
protagonistas de los hechos que relatan. Este públicas del medio al utilizar el espacio
protagonismo de los medios conlleva a que, informativo, y no precisamente poco, para
a veces, los periodistas cuando tienen que persuadir al público.
informar de sus directivos se resistan a Se concluye, pues, que sobre todo cuando
hacerlo.9 el medio es protagonista de la noticia, la toma
Si esto es cierto también lo es que de de decisiones responde más a intereses
un tiempo a esta parte cada vez más páginas empresariales que a intereses periodísticos.
de periódicos están dedicadas a ellos mismos La selección de los acontecimientos no
de forma poco justificada desde el punto de responde tanto a la objetividad de los hechos
vista periodístico. Estas informaciones que como a los deseos e intereses de la empresa
protagonizan los medios no suelen tener un periodística que poco o nada tienen que ver
gran valor informativo, como se ha visto en con la redacción y, sobre todo, con los valores
la investigación, ya que más de la mitad de éticos de la profesión.
148 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografía _______________________________
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Aznar H., Ética y periodismo. Códigos, Ciencias de la Comunicación. Madrid (España)
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Ediciones El País, 2002. Gijón, Trea, 2003, p 43.
4
Se excluye la sección de televisión porque
Iglesias F., Marketing Periodístico.
en ella se considera justificado el contenido
Barcelona, Ariel Comunicación. 2001.
autorreferencial de las informaciones que se
Kovach, B. y Rosentiel, T., Los elementos
publican. Son normalmente relatos que dan a
del periodismo. Madrid, Ediciones El País, 2003. conocer la programación más destacada, haciendo
Krippendorff, K., Metodología del especial referencia a los estrenos.
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Una visión critica desde el Periodismo. 7
Kovach, B y Rosentiel, T, Los elementos
Sevilla, Centro Andaluz del Libro, 2002. del periodismo. Madrid, Ediciones El País, 2003,
Tuchmann, G., La producción de la p. 135.
8
noticia, Barcelona, Gustavo Gili, 1983. El 20% no supera las 200 palabras y el 30%
Vila-Sanjuán S., Pasando página. tiene entre 201 y 400 palabras.
9
Autores y editores en la España democrática. Tuchmann, G. La producción de la noticia,
Barcelona Destino, 2003. Barcelona, Gustavo Gili, 1983, p 17.
JORNALISMO 149

Periodismo y literatura, relaciones difíciles


Moisés Limia Fernández1

Relaciones históricas entre periodismo y hojas) eran textos literarios, histórico-


literatura literarios o periodístico-literarios que fueron
pregonados por truhanes y mendigos en ferias
Las afinidades (más o menos reconocibles y mercados3. El Poema de Mío Cid es un
y reconocidas) entre el periodismo y la reportaje, en tono didáctico, con una plausible
literatura son innumerables y se remontan carga informativa.
muy atrás en la historia. En una suerte de En toda Europa, en los siglos XIII, XIV
prehistoria del periodismo podríamos y XV aumentó la demanda de noticias debido
considerar a Homero como el primer gran a la necesidad de saber lo que ocurría en
periodista conocido. La Odisea es de un modo las muchas guerras que se produjeron en esa
bien evidente una suerte de reportaje época. De 1440 a 1605 el noticierismo se
periodístico, mientras que La Ilíada es una extiende por toda Europa, sobre todo en Italia,
composición a través de crónicas. con las gacetas4.
Flavio Josefo nos habla de los Faltaban, sin embargo, en ese tipo de
historiógrafos de Babilonia, encargados de publicaciones dos rasgos esenciales:
escribir día a día cuanto acontecía. En el periodicidad y continuidad, características
mundo heleno Alejandro Magno llevaba ya estas que no hicieron su aparición hasta el
en el año 325 a.c. cronistas a sueldo en sus siglo XVIII. Incluso los historiadores más
expediciones. La propia Anábasis de rigurosos apuntan al Nievwe Tijdigan (Últimas
Jenofonte son una serie de crónicas, a veces Noticias) como el primer periódico regular
reportajes, sobre la retirada de los diez mil. del que se tiene constancia, editado en
Incluso se ha postulado a Tucídides, con sus Amberes ya en 1605. Sin embargo, el primer
relatos en torno a la guerra del Peloponeso, periódico diario fue el inglés Daily Courant,
como el primer reportero de guerra de la aparecido el 11 de marzo de 1702.
historia. En España, el punto de partida en las
Le Cler sitúa en Roma el nacimiento del relaciones entre literatura y periodismo
periodismo con la “Acta diurni populi podemos situarlo en el año 1737, con el
romani”, creadas por Julio César, de cuya Diario de los literatos de España (1737-
redacción se ocupaba un magistrado, y que 1742), que a pesar de su título poca literatura
contenían multitud de noticias relacionadas ofrece, salvo poesías. En el siglo XVIII
con los negocios, la vida social romana, las asistimos a la publicación en periódicos y
fiestas, el circo o sucesos extraños. Según revistas de obras narrativas y de
Acosta Montoro, aquello era “una especie de composiciones líricas. Mientras los géneros
agencia de noticias” 2 . El mismo César y los modos de hacer propios de la literatura
emprendió una iniciativa semejante a la de se adaptaban a las especiales condiciones de
Alejandro Magno, convirtiéndose en cronista la prensa de periodicidad, espacio y estilo;
de sus propias gestas en De bello gallico. las obras literarias obtuvieron el mismo eco
Cuentan también los historiadores que de popularidad y rapidez de difusión que las
Cicerón tenía contratados cronistas a sueldo noticias.
en toda Roma. Ya en el siglo XIX podemos afirmar sin
Los orígenes del periodismo se encuentran temor a ruborizarnos que el principal canal
en el mundo de la literatura. En la E. M. de propagación y difusión de la literatura es
no eran sino los juglares y trovadores los la prensa, muy por encima del libro. Es la
encargados de transmitir las noticias. Los primera mitad de este siglo la época dorada
pliegos sueltos (cuadernillos de dos a cuatro de la prensa de opinión, denodadamente
150 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ideologizada y politizada. Son también los destrucción y del tiempo, porque hace
años de pujanza del folletín en la prensa, de volver el que pasó y resucita el alma
las novelas por entregas como clara muestra de las edades muertas; es género
primigenia de la interrelación entre literario la novela, que narra lo que
periodismo y literatura. Es muy extensa la nadie ha visto, de suerte que a todos
nómina de escritores dedicados al periodismo, nos parece verlo; es género literario
como Benito Pérez Galdós (cronista de su la crítica, que pesa y mide la belleza
época, tanto en los diarios escritos como en y tasa el valor y contrasta la verdad
su obra narrativa) como Pedro Antonio y las mentiras artísticas; es género
Alarcón (director de El Látigo) o Leopoldo literario la dramática, que crea de la
Alas Clarín, una de las puntas de lanza del nada hombres mejores que los vivos
periodismo de tono didáctico. Sería un y hechos más verosímiles que los
sacrilegio no mentar a Larra, testigo crítico reales; no ha de serlo el periodismo,
de su tiempo y genio que consagró el artículo que lo es todo en una pieza: arenga
periodístico como género literario. Otros escrita, historia que va haciéndose,
escritores-periodistas españoles destacados efemérides instantánea, crítica de lo
fueron Valera, Unamuno, Azorín, Baroja o actual y, por turno pacífico, poesía
Cela, entre otros muchos. idílica cuando se escribe en la
El siglo XX es, sin duda, el del auge del abastada mesa del poder y novela
ensayismo en la prensa. Ortega y Gasset fue espantable cuando se escribe en la
un activo colaborador de periódicos y en mesa vacía de la oposición?”5
periódicos. La España invertebrada es una
recolección de artículos publicados con No fueron pocos los escritores que
anterioridad en prensa, y La rebelión de las pusieron en duda la condición del periodismo
masas fue apareciendo por entregas en el de género independiente como por ejemplo
diario El Sol. Eugenio D´Ors también recurrió Juan Valera, para quien lo que distingue al
a diarios y revistas para difundir su obra y periodista de cualquier otro escritor poco o
su pensamiento. nada tendría que ver con la literatura. El
propio Azorín, que tantas páginas llenó en
Polêmica entre periodismo y literatura multitud de diarios negaba tajantemente
cualquier relación, y se manifestaba además
Polémica esta que se antoja sin solución totalmente contrario a la existencia de centros
evidente o satisfactoria, que convenza a todas especializados en la formación de periodistas.
las partes implicadas. La susodicha polémica La Real Academia Española terminaría
entre periodismo y literatura, entre sus zanjando de un modo contundente e
semejanzas evidentes y sus diferencias inequívoco esa polémica con la incorporación
patentes, se planteó en España en el año 1845 a uno de sus sillones inmortales del periodista
cuando Joaquín Rodríguez Pacheco se refirió Mariano de Cavia.
al periodismo como género independiente, en
su discurso de recepción en la Real Academia. Los teóricos y el asno de Buridán
Cincuenta años más tarde, el escritor-
periodista Eugenio Sellés, también en su Sin que con ello trate de menoscabar
discurso de ingreso en la docta casa afirmaba (nada más lejos de la intención del autor de
la condición del periodismo como género este trabajo) las teorías del periodismo y el
literario independiente: trabajo infatigable de los teóricos de la
comunicación, sus escritos, hipótesis y
“Es género literario la oratoria, que creencias sobre las relaciones entre el
prende los espíritus con la palabra y periodismo y la literatura se asemejan
remueve los pueblos con la voz; es peligrosamente a la parábola del asno de
género literario la poesía, que aloja Buridán 6. La mayoría de estos teóricos
la lengua de los ángeles en la boca coinciden en considerar el significado del
de los hombres; es género literario la periodismo, strictu sensu, como “información
historia, enemiga triunfante de la de actualidad”.
JORNALISMO 151

“Periodismo, en su sentido estricto y expresiva en absoluto constituye óbice para


exacto equivale a información de la labor periodística. Envuelto (¡no
actualidad. Es decir: que en un solapado¡) el mensaje informativo en un
periódico, o en un medio de colorido manto de riqueza expresiva, se
comunicación social no escrito, cabe conseguirá además de una noticia más
casi de todo, pero no todo es atractiva un periodismo más efectivo.
periodismo en el sentido exacto de la Resulta obsoleta la creencia de que la
palabra, porque no todo es hermosura de un texto envilece la tarea
información de actualidad. Los fines comunicativa. Además, un texto redactado
del periodismo son específicamente en base a la teoría de los géneros
informativos u orientadores. De ahí informativos o construido en forma de
que los mensajes periodísticos puedan pirámide invertida o según la ley del interés
reducirse a tres: el relato informativo, decreciente no garantiza per se eficacia, y
el relato interpretativo y el comentario. la “economía expresiva” se puede tornar en
Y, como es lógico, para la elaboración excesiva “economía” y ser muy poco
de esos tres tipos de mensajes, existe “expresiva”.
una técnica y un lenguaje propios, que Una de las razones aportadas para la recta
difieren de los puramente literarios”7 separación entre periodismo y literatura es
la mera alusión a la función no poética del
Disiento abiertamente de esta concepción periodismo, función que sí distingue a la
totalitaria y fallidamente aglutinadora de la lengua literaria, de acuerdo con Roman
elaboración de mensajes comunicativos. Jakobson. Para Luis Núñez Ladevéze no es
Puede que en relación a la información esa la convergencia sobre el mensaje lo que puede
teoría subyacente de los géneros tenga una definir funcionalmente al lenguaje
cierta razón de ser, pero en los otros dos tipos periodístico9. Nada por nuestra parte que
de relatos se hace necesaria una mayor objetar a la pulcra teoría explicitada por
libertad creadora y creativa, una liberación Jakobson; es evidente que la función poética
de corsés opresivos en forma de obsoletas es distintiva de la lengua literaria. Pero hemos
estructuras prefijadas. de recordar que en cualquier mensaje no se
Los argumentos esgrimidos para produce o se vehicula tan sólo una función,
diferenciar de un modo diáfano periodismo hay mezcolanza. En un escrito literario,
y literatura no se nos antojan convincentes además de la función poética, puede hallarse,
ni necesarios. Veamos lo que dice Aguilera por ejemplo, la función referencial.
de la relación entre lenguaje periodístico y Hay un grupo homogéneo de teóricos del
lenguaje literario: periodismo, cuya cabeza bien visible es el
profesor Martínez Albertos, y entre los que
“(...) La eficacia y la economía se encuentra entre otros Octavio Aguilera, que
expresiva son las coordenadas dentro separa claramente la literatura del periodismo,
de las que podríamos inscribir las a los escritores de los periodistas:
características propias del lenguaje
utilizado en los géneros estrictamente “(...) El periodista adopta
de información de actualidad. Por el normalmente al codificar sus mensajes
contrario, la lengua literaria aparece uno de los géneros en que se plasman
vinculada al hecho de que el escritor el estilo informativo, o en ocasiones,
utilice un registro nuevo, diferente del el estilo editorializante o de
ordinario”8 solicitación de opinión; mientras que
lo habitual en el escritor para
No es cierta la creencia de que el escritor periódicos es desenvolverse dentro del
aleja de la correcta transmisión de la denominado estilo ameno o
información de actualidad al utilizar un folletinista. Es decir: hacen literatura
registro “diferente del ordinario”. ¿No será para ser publicada en periódicos. Su
más bien al contrario? El utilizar un registro lenguaje es más o menos literario,
distinto y planteado en términos de belleza pero no periodístico”10
152 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

El equívoco radica, a mi entender, en la Desde la explosión y difusión, sobre todo,


asunción de que literatura y periodismo son del movimiento conocido como Nuevo
contrarios irreconciliables. Usar un lenguaje Periodismo parece contraproducente no
con cierto adorno estético no es equivalente solamente oponer literatura y periodismo, sino
a literatura, y por tanto a “no periodismo”. también no reconocer su complementariedad.
A lo largo de la historia de la literatura y Esta afinidad ha fructificado en multitud de
del periodismo hay innumerables ejemplos obras maestras, deudoras a partes iguales tanto
de reportajes literarios informativamente de la narrativa como del periodismo. De entre
exquisitos (cualquiera de Ryszard ellas destaca sobremanera A sangre fría (1965),
Kapuscinski), incluso de novelas reportaje o de Truman Capote, narración sobre hechos
reportajes novelados, precursores evidentes reales pero realizada con las técnicas y la
del periodismo de investigación. estética de la novela realista del siglo XIX.
Tan sólo hemos de apuntar a lo dicho por
Periodismo y literatura. Literatura y Delibes que la objetividad que presuntamente
periodismo. debe presidir todo relato noticioso no
constituye más que apariencia. El dogma
Extraordinario, revelador y visionario son anglosajón de la objetividad es un
los calificativos que mejor pueden definir el desideratum, no una realidad. Hasta el relato
ensayo escrito en 1958 por el profesor y más “objetivo” que nuestra mente sea capaz
periodista brasileño Alceu Amoroso Lima, O de imaginar está constreñido por una
jornalismo como género literario. El profesor manipulación, una elección consciente o
Amoroso Lima divide en su libro la literatura inconsciente del periodista.
en prosa en: literatura de ficción, literatura
de apreciación y literatura de comunicación; “Toda realidad no puede convertirse
en la apreciación estaría la disciplina más que en una ficción porque la
periodística como modo de apreciación de Realidad ya es de por sí una ficción,
“acontecimientos”; la crítica literaria como una selección y una ordenación de
la apreciación de “obras”; y la biografía sería elementos, que ha abandonado
la apreciación de”“personas”. La literatura necesariamente una posible
como comunicación abarcaría la epistolar, ordenación primera que sólo se
oratoria y la conversación. apreció como caótica”11
Resulta paradójico que sean (algunos)
escritores-periodistas los que mejor sepan Además, aun dando por cierta la
definir la particular relación existente entre existencia de una objetividad entendida como
literatura y periodismo. Por ejemplo el una actitud coherente y profesional del
vallisoletano Miguel Delibes en su discurso periodista e intentando no ofrecer una visión
de investidura de Doctor Honoris causa de sesgada e interesada de los acontecimientos,
la facultad de Ciencias de la Información de ni este concepto de objetividad, ni la exactitud
la Universidad Complutense: ni la precisión están necesariamente reñidas
con lo literario:
“Hoy en día se estima la sobriedad
en literatura tanto como pueda hacerse “El buen periodista sabe demasiado
en periodismo y se acepta que una bien que la concisión se consigue
y otra puedan ser muy bien actividades mediante el hallazgo de la palabra
complementarias. ¿Después de todo, precisa y del giro justo, y que sólo
qué hace el periodista que narra un un dominio cabal del idioma permite
suceso sino narrar? ¿Qué diferencia dar una idea exacta y sucinta de lo
hay entre el diálogo de una entrevista que se trata”12
y el que se entabla en una novela,
aparte de la objetividad que debe La fidelidad absoluta a los rígidos
presidir este último? ¿No traza esquemas del periodismo decimonónico se
esbozos descriptivos el periodista que antoja insuficiente. En palabras del periodista
ambienta una crónica o un reportaje?” y escritor Manuel Rivas:
JORNALISMO 153

“Cuando tienen valor, el periodismo A lo largo de la historia no han sido pocos


y la literatura sirven para el los escritores que en su obra consiguieron
descubrimiento de la otra verdad, del aunar armónicamente periodismo y literatura.
lado oculto, a partir del hilo de un Uno de los que han conseguido tal mérito
suceso. Para el escritor periodista o ha sido Gabriel García Márquez, que elimina
el periodista escritor la imaginación de un plumazo con logros igual de destacables
o la voluntad de estilo son las alas para uno y otro campo, la débil y borrosa
que dan vuelo a ese valor. Sea un frontera existente entre periodismo y
titular que es un poema, un reportaje literatura.
que es un cuento, o una columna que
es fulgurante ensayo filosófico. Ése Relato de un náufrago y el coronel no tiene
es el futuro. Paradójicamente, muchos quien le escriva
profesores siguen cortando alas,
matando al escritor que debe anidar La mezcolanza entre periodismo y
en cada periodista. La literatura, la literatura en García Márquez es algo
metáfora, la mirada personal, es fácilmente comprobable y plausible en toda
hermana de la precisión”13 su producción, y con ello me refiero a sus
piezas literarias y periodísticas. En su caso,
Una perfecta ejemplificación de la esa ruptura de fronteras entre literatura y
relación entre el periodismo y las técnicas periodismo, ese solapamiento y
narrativas propias de la novela realista es Los resquebrajamiento de las estructuras y modos
ejércitos de la noche, de Norman Mailer, obra de hacer clásicos no sólo no perjudican los
publicada en 1969, y caracterizada por su fines primigenios de una y otra actividad sino
perfecta mezcolanza de historia, reportaje y que dan un resultado tremendamente
novela. La protesta contra la guerra de beneficioso y enriquecedor.
Vietnam se convierte en una narración. Llegados a este punto conviene hacer la
Muchos escritores han contemplado el salvedad de que en el caso de Gabriel García
periodismo como sub-literatura o género Márquez (como en el de tantos otros) no
menor. Ernesto Sábato hablaba de la podemos referirnos a él solamente como
perversión estilística e ideológica del periodista o como escritor. Se trata de un
periodismo hacia el escritor. No son pocos NARRADOR, un hombre excepcionalmente
los literatos que se suman a esta postura, dotado para la escritura, alguien para el que
pero de seguro que si afirman tal cosa es la realidad “no termina con el precio de los
bien por un desaforado complejo de tomates”, y que considera a la literatura no
superioridad, bien por desconocimiento de como evasión de la realidad en mera búsqueda
la actividad periodística y de sus de goce estético, sino como una
posibilidades ilimitadas. “transposición poética de la realidad”. Y lleva
Tras todo lo expuesto no se debe a cabo una y otra actividad desde la
considerar arriesgado afirmar que periodista tranquilidad que otorga la conciencia
y escritor, que el periodismo y la literatura tranquila, desde el sosiego calmante que le
han ido, van e irán de la mano en muchos otorga el compromiso con el hombre y con
momentos. La razón principal de esta la verdad.
convivencia es que comparten el mismo Para la ejemplificación de esa mezcla
instrumento que es la lengua. armónica entre periodismo y literatura se han
escogido dos obras de García Márquez:
“Periodismo y literatura son dos Relato de un náufrago y El coronel no tiene
modos de hacer paralelos – algunas quien le escriba. En principio, nadie tendría
veces convergentes- cuya coincidencia dudas a la hora de calificar Relato de un
fundamental radica en utilizar la náufrago como un reportaje periodístico de
palabra como utensilio de trabajo y gran calidad, y a El coronel no tiene quien
la frase como vehículo de le escriba como una pieza literaria. Sin
pensamiento”14 embargo, un análisis profundo de ambas obras
154 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

demuestra que se trata de dos producciones objetividad ritual; por ejemplo, en vez de
narrativas cuya fuerza expresiva e impacto decir lo pobres que son el coronel y su esposa,
es mucho mayor merced al empleo de las se limita a describirlo. Con eso huye de la
técnicas narrativas de la literatura y del ambigüedad propia de las obras estrictamente
cumplimiento de los requisitos básicos de literarias y ficcionales. Es una narración
todo texto periodístico, respectivamente. construida con frases cortas y sencillas, con
Relato de un náufrago se trata de un una genial economía de recursos. Todas estas
reportaje aparecido originariamente en 14 características son propias del lenguaje
entregas en el diario El Espectador. Es un periodístico 15. Profundiza en los hechos
perfecto ejemplo de reportaje novelado, históricos de la realidad objetiva a partir de
deudor en parte del nuevo periodismo elementos ficticios, con lo que se consigue
norteamericano y de piezas como Los una visión mejor y más completa sobre la
ejércitos de la noche, de Norman Mailer o época de la violencia que con miles de
A sangre fría, de Truman Capote. Cumple páginas del periodismo decimonónico. Por
de hecho muchas de las características de los todo ello convenimos en calificar a esta obra
textos nuevoperiodísticos, como la narración como una ficción de base realista.
en primera persona, la realización de una gran La interrelación entre periodismo y
tarea documental o el detallismo, que otorga literatura, entre realidad y ficción incluso, se
una gran verosimilitud a la narración. Se trata da en estas dos joyas narrativas. Si a Relato
de un relato que toma los hechos sucedidos de un náufrago le quitáramos el nombre del
en la realidad y los engarza de una manera marinero Luis Alejandro Velasco, toda la
artística y atractiva. Usa técnicas narrativas narración semejaría más un cuento marino
como el clímax y momentos de tensión y que un reportaje; por el contrario si el inefable
suspense al final de cada entrega diaria. Se coronel protagonista de El coronel no tiene
produce una interrelación entre periodismo quien le escriba tuviera nombre, nos daría
y literatura. De tal modo que si en el momento la impresión de ser un personaje real.
de su publicación nadie dudaba de que se
trataba del más auténtico periodismo, esta Conclusiones
obra (como A sangre fría, por ejemplo) ha
logrado trascender al tiempo. En suma, García Sería un pretencioso (y no deseo tal cosa)
Márquez le da una envoltura literaria a unos si creyera que lo aquí expuesto va a zanjar
hechos reales, otorgando así a todas luces de un modo definitivo la consabida polémica
a sus lectores un conocimiento más completo entre periodismo y literatura. El periodismo
de la realidad del naufragio. se desarrolló en su momento gracias a la labor
Por su parte, El coronel no tiene quien que realizaron en las páginas de los diarios
le escriba, obra maestra de la literatura, sería escritores de los más diversos pelajes. En esa
encuadrada por cualquiera (como ya misma época, en el siglo XIX-XX, la prensa
señalamos anteriormente) como una pieza se convirtió en plataforma y escenario de
narrativa ficcional, exclusivamente. El análisis difusión de las creaciones de novelistas,
exhaustivo de la obra nos conduce a la ensayistas o filósofos. Fue entonces cuando
conclusión inequívoca de que se trata de algo se fraguó la mayor interinfluencia entre estos
más que eso: es literatura que es periodismo. dos campos hermanos.
Soy consciente de lo arriesgado de tal Por razones inciertas ha habido quien ha
afirmación, pero El coronel no tiene quien querido diferenciar y separar
le escriba cumple con las características contundentemente al escritor del periodista.
básicas que todos los teóricos del periodismo Dice Aguilera que “quizás por un residual
señalan como básicos para un trabajo sentimiento posesivo el escritor se niega a
periodístico. A lo largo de las menos de cien reconocer que el periodismo se ha
páginas García Márquez despliega un profesionalizado” 16. Es cierto, pero si le
lenguaje conciso y sobrio, dominado por una damos la vuelta a ese argumento también se
preocupación de eficacia, tomada del cumple una verdad cuasi tautológica: quizás
periodismo. Los adjetivos están contados y por un residual sentimiento posesivo, el
además es reseñable que cuida una cierta periodista se niega a reconocer que la
JORNALISMO 155

literatura también puede ayudar a un mejor periodismo y la literatura han sido


conocimiento del mundo que nos rodea. demostradas empíricamente por Mario Castro
También ha habido escritores que han Arenas en El periodismo y la novela
denostado la práctica periodística, contemporánea. Y muchos de esos ejemplos
considerándola un arte menor o como un son obras nuevoperiodísticas o influidas por
género inferior al arte literario. Esta ese movimiento (la razón de que no me
concepción del periodismo como perversión extienda en las características, principales
estilística e ideológica parece responder a una figuras y trabajos de esta corriente es que
trasnochada creencia del arte de escribir como solamente para ello necesitaría un trabajo
un acto divino fraguado por la inspiración entero). Tomo prestadas las palabras de
de cada cual. En todo caso se halla fuera Manuel Rivas :
de la realidad, o cuanto menos de espaldas
a ella. Ya que como opina Martín Vivaldi “Escritor y periodista siempre fueron
muy acertadamente, el buen periodismo es, el mismo oficio. Periodista es un
como ejercicio mental, tan difícil o más que escritor que trabaja con palabras.
la literatura. Busca comunicar una historia y lo
No todos los escritores, por fortuna, hace con voluntad de estilo. La
piensan igual. Muñoz Molina, quien no realidad y parte de mis colegas se
distingue entre escribir para el periódico y empeñan en desmentirme. Pero sigo
hacer una novela, ha afirmado que aunque creyendo lo mismo”17
sean géneros diferentes (es obvio), en la
redacción de ambas tipologías de escritura Tampoco tiene sentido, hablar de buen
ha de enfrentarse a exigencias técnicas o mal periodismo o de buena o mala literatura.
parecidas, a la necesidad de describir lo que Aparte de la puerilidad maniquea de la
sucede, de captar las sensaciones y las aplicación de los contrarios bueno y malo,
imágenes, de indagar en el alma de la gente. concluimos que se trataría de buena o mala
Y esto es así porque escritores y periodistas escritura, sin más. No se trata de hacer un
usan el mismo instrumento: la lengua. Lo periodismo más o menos literario, sino de
único que les diferencia, como dijo Camilo hacer un periodismo mejor. O como solía
José Cela, es el reloj. decir Gonzalo Torrente Ballester: “Uno, que
La relación e influencia mutua con ha sido siempre periodista, es a veces
resultados enormemente provechosos para el literato”.
156 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

3
Bibliografía Félix Rebollo Sánchez, Literatura y
periodismo hoy, Madrid, Fragua, 2000, p. 11.
4
Acosta Montoro, Jose, Periodismo y Gaceta fue el primer nombre que se le dio
a los periódicos. Gazzeta es diminutivo de gazza,
literatura, Madrid, Guadarrama, 1973.
que significa urraca, ave vocinglera. Por un
Aguilera, Octavio, La literatura en el proceso de asimilación, los venecianos habrían
Periodismo y otros estudios en torno al denominado así a las hojas impresas con noticias.
mensaje informativo, Madrid, Paraninfo, 5
Cit. en José Acosta Montoro, Periodismo
1992. y literatura, Madrid, Guadarrama, 1973, p. 82.
Ayala, Francisco, La retórica del 6
Buridán fue un filósofo francés, discípulo
periodismo, Madrid, Espasa Calpe, 1985. del nominalista Guillermo de Occam. El asno de
Garcia Márquez, Gabriel, El coronel no Buridán plantea el caso del asno que estando entre
tiene quien le escriba, Barcelona, Bruguera, dos haces de heno, enteramente iguales en bondad,
no se inclinará a ninguno de los dos y morirá
1985. [12ª edición]
de hambre. Los teóricos de la comunicación se
Garcia Márquez, Gabriel, Relato de un hallan en esa coyuntura, entre el periodismo y
náufrago, Barcelona, Tusquets, 1970. la literatura.
Martin Vivaldi, Gonzalo, Géneros 7
Octavio Aguilera, La literatura en el periodismo
Periodísticos, Madrid, Paraninfo, 1993. [3ª y otros estudios en torno a la libertad y el mensaje
edición]. informativo, Madrid, Paraninfo, 1992, p. 18.
8
Nuñez Ladevéze, Luis, El lenguaje de Octavio Aguilera, op. cit., p. 24.
9
los media, Madrid, Pirámide, 1979. Luis Núñez Ladevéze, El lenguaje de los
Rebollo Sánchez, Félix, Literatura y media, Madrid, Pirámide, 1979, p. 267.
10
Octavio Aguilera, op. cit., p. 25.
periodismo hoy, Madrid, Fragua, 2000. 11
Jorge Urrutia, La verdad convenida.
Rivas, Manuel, El periodismo es un Literatura y comunicación, Madrid, Biblioteca
cuento, Madrid, Alfaguara, 1997. Nueva, 1997, p. 112.
Urrutia, Jorge, La verdad convenida. 12
Francisco Ayala, La retórica del periodismo,
Literatura y comunicación, Madrid, Madrid, Espasa Calpe, 1985, p. 54.
Biblioteca Nueva, 1997. 13
Manuel Rivas, El periodismo es un cuento,
Madrid, Alfaguara, 1997, p. 23.
14
Octavio Aguilera, op.cit., p. 25.
15
_______________________________ Vid. Gonzalo Martín Vivaldi, Géneros
1
Universidade de Santiago de Compostela. Periodísticos, Madrid, Paraninfo, 1993, pp. 29-35.
16
2
José Acosta Montoro, Periodismo y Octavio Aguilera, op. cit., p. 22.
17
literatura, Madrid, Guadarrama, 1973, p. 147. Manuel Rivas, op. cit., p. 19.
JORNALISMO 157

Noticiabilidade no rádio em tempos de Internet


Nelia R. Del Bianco1

Muito se discute sobre a reconfiguração resultado do processo de interação social não


da produção do jornalismo condicionada pela s entre os jornalistas e as fontes, mas também
adoção de tecnologias digitais da informação entre os próprios jornalistas vistos como
e comunicação. Sem dúvida, as novas membros de uma comunidade profissional.
ferramentas digitais colaboram para Os jornalistas são agentes possuidores de um
reestruturar o exercício da profissão, a certo grau de autonomia na ação em relação
produção industrial da notícia, as relações aos poderes constituídos, e têm papel
entre as empresas de comunicação com as relevante nos processos de construção
fontes, a audiência, os concorrentes, o negociada de sentidos quando elaboram seu
governo e a sociedade. Trazem, portanto, relato sobre os acontecimentos a partir de
implicações de ordem técnica, ética, jurídica dados fornecidos pelas fontes (Traquina,
e profissional para o jornalismo. Embora as 2002: 114-26). Em interação com o ambiente
mudanças sejam abrangentes há uma organizacional, as rotinas produtivas, a cultura
tendência corrente em estudá-las como se profissional e a estrutura de valores–notícia
fossem de caráter meramente operacional. dominante, os jornalistas atuam como sujeitos
Ressaltam-se como um dos seus efeitos, a no domínio de operações lógicas produtivas
readaptação legitimadora das rotinas e fazem a mediação dessa estrutura com as
produtivas e de linguagens às exigências da ações objetivas, a realidade social e a própria
instantaneidade e da visualidade do subjetividade.
jornalismo online. No entanto, um aspecto
tem merecido pouca atenção: a influência da Para entender a noticiabilidade
Internet nos critérios de noticiabilidade da
mídia tradicional eletrônica, em especial no A notícia é uma representação social da
radiojornalismo. realidade cotidiana produzida institucional-
A presente comunicação é uma síntese mente que se manifesta na construção do
de um estudo sobre noticiabilidade no rádio mundo possvel (Rodrigo Alsina, 1989:185).
a influência tecnológica e cultural da Internet Caracterizada pela atualidade, a notícia é um
na reorganização das rotinas produtivas e seu bem altamente perecível. Velocidade e
potencial de condicionar mudanças nos renovação são signos fortes da notícia (Sousa,
referenciais que balizam os critérios que 2000: 16).
presidem a seleção de notícias. A investigação Não sendo a realidade em si, mas a
realizada em emissoras brasileiras realidade construída, a notícia é um meta-
especializadas em jornalismo – Jovem Pan acontecimento, segundo Adriano Rodrigues
AM e Bandeirantes AM – segue a perspectiva (1993: 27-34), é um acontecimento que se
teórico-metodológica norte-americana de debruça sobre outro acontecimento. Verdade
estudo dos emissores, newsmaking, que que o acontecimento – algo notável, singular,
analisa a construção da noticiabilidade dentro imprevisível e de natureza especial – o
de dois limites: a cultura profissional dos referente do discurso jornalístico. Porém, ao
jornalistas e a organização do trabalho e dos registrar acontecimentos notáveis, o
processos produtivos.2 jornalismo faz desse dispositivo um
Essa perspectiva teórica vincula-se ao acontecimento susceptível de desencadear
paradigma construcionista e privilegia o papel novos acontecimentos.
das práticas profissionais e as rotinas criadas A notícia não emerge naturalmente dos
para levar a cabo o processo de produção acontecimentos. Acontece na conjunção de
de notcias. Entende que as notícias são o acontecimentos e textos. É a narrativa
158 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

utilizada pelo jornalista que dá forma e os valores estão introjetados no cotidiano da


organiza o relato do acontecimento. No redação sem que os profissionais discutam
entanto, a escolha do modo como a narrativa seu valor, muita embora estejam sujeitos a
do acontecimento será focada não é interpretações individuais dentro do contexto
inteiramente livre, segundo Traquina (1993: da organização e da cultura organizacional.
169): No entanto somente adquirem sentido e
significado quando são analisados a partir das
“Essa escolha é orientada pela rotinas produtivas, ou seja, nas suas relações
aparência que a realidade assume para recíprocas, em ligação uns com outros, por
o jornalista, pelas convenções que conjuntos de fatores hierarquizados entre si
moldam a sua percepção e fornecem e complementares, e não isoladamente ou
o repertório formal para a individualmente (Wolf, 1987: 192-93)
apresentação dos acontecimentos, Esse caráter fluído reflete o fato de a
pelas instituições e pelas rotinas.” notícia ter origem num processo negociado
que combina os interesses de diferentes
De fato, a produção da notícia pelas grupos, das empresas de comunicação, dos
empresas jornalísticas ocorre de forma jornalistas, das fontes, do público e as
rotineira e estandardizada dentro um ciclo condições técnicas em que se produz a
produtivo constituído para facilitar o processo notícia.3
e tornar viável o trabalho cotidiano. Os Considerando esse caráter negociado,
jornalistas empregam uma série de critérios Jorge Pedro Souza (2000: 39-101) identifica
e procedimentos para atribuir a qualidade de seis fatores ou níveis que influenciam a
noticiável a um acontecimento. Segundo Wolf produção da notícia. São eles: ação pessoal,
(1987: 173), o conjunto de critérios, operações social, ideológica, cultural, histórica, meio
e instrumentos com os quais os órgãos de físico e tecnológico.
informação enfrentam a tarefa de escolher, Em geral, os estudos sobre a produção
cotidianamente, dentre um número de notícia enfatizam a influência dos fatores
imprevisível e indefinido de fatos uma ligados à ação social, histórica, ideológica
quantidade finita e tendencialmente estável e cultural dos jornalistas. No entanto, um
de notícias é denominado de noticiabilidade. aspecto tem ficado em segundo plano: a ação
A noticiabilidade está relacionada à do meio físico e tecnológico. Há uma carência
probabilidade de um fato ser divulgado. de estudos mais elaborados sobre esse tipo
Para ganhar o status de notícia, o fato de ação. De acordo com Sousa (Idem: 96),
deve possuir atributos compatíveis com os os poucos existentes fornecem exemplos
valores-notícia. Componentes fundamentais apenas “intuitivos” sobre o condicionamento
da noticiabilidade, os valores-notícia desse fator na produção da notícia e nos
constituem regras que guiam o trabalho do valores que presidem sua escolha.
jornalista, sugerindo o que deve ser recolhido, Entre pesquisadores como Michael
omitido ou realçado. Revelam as linhas guias Kunczik (2001), Bill Kovack e Tom Rosentiel
para apresentação do material jornalismo, as (2003), Ignácio Ramonet (1999) e Dominique
regras práticas referenciais que balizam Wolton (1999) há um certo consenso quanto
escolhas, as qualidades atribuídas aos à influência das tecnologias da informação
acontecimentos, aquilo que fica e o que sai, na reestruturação da organização jornalística
o que classificar como importante, a lógica e de suas rotinas de trabalho. A informática,
da tipificação do material informativo, entre especialmente, trouxe agilidade e qualidade
outros aspectos (Wolf, 1987: 171-73). no processamento da informação, ao facilitar
Os valores-notícia surgem não apenas no o trabalho de rever, corrigir, alterar e atualizar
momento da seleção da notícia, mas, como textos. No entanto, os pesquisadores
destaca Wolf, um pouco antes, ou seja, mencionados duvidam que as tecnologias
durante o processo de produção, inclusive nas digitais tenham provocado mudanças
fases de elaboração e apresentação das profundas na concepção de jornalismo a ponto
notícias, quando são destacados os elementos de alterar valores consagrados. Na avaliação
que condicionam a noticiabilidade. Em geral, de Wolton (1999: 268-9), por exemplo, a
imprensa continua a mesma, ou seja, a
JORNALISMO 159

mudança foi apenas de forma, de linguagem, transformou-se num espaço social e cultural
que em nada abalou os princípios basilares que permite estabelecer a comunicação entre
do jornalismo. Por mais forte que seja, uma distintos tipos de rede. Constitui a base
inovação tecnológica não leva consigo material da vida e das formas de relação com
mecanicamente uma transformação profunda a produção, o trabalho, a educação, a política,
do conteúdo das atividades. a ciência, a informação e a comunicação. É
Esse argumento pode ser considerado o coração do novo paradigma sócio-técnico
parcialmente válido. No entanto, necessário de acordo com Castells (2001: 15):
considerar para melhor compreensão que a
essncia da natureza das tecnologias da “Se a tecnologia da informação é o
informação de hoje, especialmente a Internet, equivalente histórico do que foi a
difere radicalmente de outras do passado, e eletricidade na era industrial, em nossa
sua influência pode carregar transformações era poderíamos comparar a Internet
de valores e conceitos. Para o jornalismo, com a rede elétrica e o motor elétrico,
a adoção dessas tecnologias da informação dado sua capacidade para distribuir o
sinaliza mudanças que não ficam apenas no poder da informação por todos os
nível da troca de roupagem, sendo bem mais âmbitos da atividade humana”.
profundas do que muitos costumam analisar,
podendo até mesmo solapar valores Como epicentro do sistema sócio-técnico
fundadores dessa práxis social. emergente, a Internet é um ambiente e sistema
de informação e comunicação (Palácios, 2000
Internet como fator de mudança e Lemos, 2002). Por natureza é multifacetada,
podendo ser um ambiente onde convivem e
A essência das mutações na combinam entre si várias formas. Isso
contemporaneidade tem relação com a significa que pode funcionar num ambiente
natureza diferenciada das tecnologias da compartilhado simultaneamente como
informação e da comunicação em comparação suporte, meio de comunicação que se presta
a outras do passado. Distinguem-se por à expressão e, muitas vezes, como sistema
ampliarem a capacidade intelectual do tecnológico ou ambiente de informação e de
homem, pois permitem transformar a comunicação. A definição de função depende
informação. O que mudou não foi o tipo de em muito do uso que dela se faz em
atividade em que a humanidade está determinado contexto, circunstâncias,
envolvida desde a era industrial, mas sua objetivos, finalidade e aplicação social seja
capacidade tecnológica de utilizar, como força por interesse, atividade específica ou mesmo
produtiva direta, aquilo que caracteriza a por fruição.
singularidade do homem: a capacidade Como criação do homem, entidade real
superior de processar símbolos (Castells, e material da existência, essa tecnologia
1999:78). integra-se a conjuntos culturais existentes, e,
De fato, a revolução tecnológica de hoje portanto, está sujeita aos usos que dela se
muda a experiência de mundo, assim como fazem. Como espaço simbólico de interação
aconteceu na Revolução Industrial, quando e de cognição, gera novas formas e
surgiram novas relações técnicas de produção, possibilidades de comunicação, de trocas
relações sociais e de poder baseadas na significativas e sociabilidade que constituem
propriedade privada dos meios de produção em si uma cultura específica.4
e no tipo de superestruturas características Por tal condição, Castells (2001:51)
do capitalismo. “A mudança é tão cultural acredita que a Internet carrega em si os
e imaginativa quanto tecnológica e valores e a cultura de seus criadores. A cultura
econômica”, segundo Johnson (2001:35) da Internet é caracterizada por uma estrutura
Neste contexto, a Internet adquiriu formada por quatro estratos superpostos: a
importância estratégica no modelo social cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker,
forjado pela revolução das tecnologias da a cultura comunitária virtual e a cultura
informação e da comunicação. Mais do que empreendedora. Juntos esses estratos
um protocolo informativo, a Internet contribuíram para que a Internet fosse
160 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

construída e sustentada com base em valores Na pesquisa realizada junto a duas das
tais como o de liberdade individual, de principais e mais tradicionais emissoras
pensamento independente, da idéia de brasileiras dedicadas ao jornalismo – Jovem
cooperação entre usuários, de comunicação Pan AM e Bandeirantes AM – constatou-se
horizontal, conexão interativa, informal e que a Internet hoje parte da realidade do
cooperativa entre usuários. modo de trabalhar do jornalista de rádio e
está integrado às suas rotinas produtivas.
Internet e as rotinas produtivas do Exerce influência em todas as fases das
radiojornalismo rotinas produtivas, desde a recolha da
informação, seleção, redação, edição e
Como instrumento básico do jornalismo, veiculação da notícia. Ao fazer parte da rede
a Internet oferece multiplicidade de conteúdos informatizada local das emissoras, a Internet
armazenada em computadores remotos e constitui o meio ambiente no qual os
ferramentas que permitem acompanhamento jornalistas se movem e exercem a tarefa de
interativo de qualquer área temática por meio escolher entre centenas de acontecimentos
de grupos de discussão, listas de correio aqueles que merecem o status de notcia.
eletrônico, entre outros. O processo de Nesse ambiente, a Internet funciona como
pesquisa e recolha de informações na rede canal de acesso e contato com múltiplas
apresenta inúmeras vantagens para a produção fontes, agências de notícias e jornais online.
da notícia. Permite aos jornalistas se Por essa condição, o ambiente da redação
inteirarem rapidamente sobre o que já foi hoje é sobre-informado. Há mais informação
escrito sobre determinado assunto; torna os disponível para ser processada se comparado
contatos com as fontes interativos; possibilita aos tempos em que a emissora de rdio
a ampliação e seleção de fontes de assinava, no máximo, três agências de
informação; agiliza a busca de dados, notícias, e recebia material informativo por
pesquisa e consulta a arquivos públicos, telex, teletipo, fax ou telefone. O acesso a
bibliotecas, órgãos públicos; facilita a coleta fontes sem limites temporais contribui para
de maior quantidade de informação num manter o nível de atualização no fluxo
menor espaço de tempo; além de aumentar informativo contínuo do rádio. A lógica da
o potencial de reportagem à distância e do programação de fluxo contínuo aproxima-se
trabalho fora das redações em locais remotos. da eterna renovação do tempo “intemporal”
Ao integrar a rede informatizada da da Internet (Castells, 1999).
redação, a influência da Internet pode ser O ambiente sobre-informado condiciona
percebida na reorganização de funções, também a postura dos jornalistas frente busca
distribuição de tarefas, fixação de rotinas; no de notícias. Deixam de lado a posição de ficar
processamento de textos, coleta de espera de informação para assumirem uma
informação e recepção; na forma de embalar postura ativa de busca orientada na rede com
o produto, armazenagem, manejo do texto; o intuito de recolher e selecionar notícias.
na relação com as agências de notícias, na Obter material de divulgação na rede acabou
checagem da produção do concorrente; no por converter-se num fim em si mesmo.
modo como possibilita corrigir e se certificar A situação não deixa de representar um
quanto veracidade de uma informação; na acréscimo de stress para os jornalistas de
organização das mesas de trabalho na redação rádio na hora de selecionar o que notícia,
a partir de pontos de conexão com a rede; além de colocá-los diante do problema da
no acesso individual do computador e rede avaliação da veracidade e a credibilidade da
interna de dados; no tráfego e transporte de fonte. Na tentativa de se precaver contra
dados no ambiente da redação. Sob o suporte informação incorreta, acabam por restringir
digital, a Internet trouxe rapidez e o campo de pesquisa a jornais e agências
racionalidade ao fluxo de produção. Sem online oriundos da mídia tradicional pela
dúvida, ajudou a constituir uma estrutura credibilidade que construram ao longo dos
organizativa que garante a efetividade e a anos. Os jornalistas recorrem estratégia de
padronização de rotinas de trabalho. comparação de relatos entre duas ou três
JORNALISMO 161

agências para dali extrair o que consensual. redação do rádio assume os valores-notícia
Neste contexto, consolida-se a prática da das fontes pesquisadas.
verificação endógena, ou seja, dentro dos A função de seleção representa um
limites da rede Internet. O que não deixa de recorte, um filtro. Esse recorte hoje se dá
enfraquecer a disciplina da verificação pela moldura constituída pelo ambiente de
essencial ao jornalismo que pretende ser informação e comunicação da Internet.
objetivo. Resulta, portanto, numa relação de Funciona como moldura, uma vez que
dependência de fontes de informação contribui para o corte e focalização, ou seja,
secundária, que trazem em si um certo grau permite capturar, no espaço digital, a cena,
de distorção involuntária no relato dos um fragmento do tempo dentro da pluralidade
acontecimentos. de acontecimentos disponibilizados.5
Ao contribuir para o corte e focalização
Uma nova percepção dos valores dos acontecimentos que serão transformados
noticia em notícia, a Internet coloca nas mãos dos
jornalistas a possibilidade de obter
A Internet é hoje uma referência essencial rapidamente a informação necessária para
na redação do radiojornalismo para avaliar complementar suas matérias, contribuindo
os acontecimentos quanto atualidade, para contextualização e aprofundamento dos
novidade, interesse e importância. O valor temas abordados. Ao mesmo tempo, esse
de atualidade passou a corresponder ao tempo procedimento traz implícito também a
real, ou seja, o processamento da informação padronização do conteúdo porque é comum
se dá num ambiente onde não há o uso freqüente das mesmas fontes. Todos
diferenciação do tempo. O reflexo disso pode- bebem da mesma fonte na hora de compor
se constatar no aumento do ndice de seu noticiário, reproduzindo o mesmo
atualidade na redação. As fronteiras dos discurso. Muito da tendência à
deadlines tornaram-se mais elásticas. As homogeneização deve-se ao comportamento
decisões sobre o que entra ou não no dos jornalistas de atribuírem maior grau de
noticiário da emissora de rádio são tomadas credibilidade às agências de noticias oriundas
cada vez mais em tempo real. Muitas vezes, da mídia tradicional.
a competência em dar a notícia é medida pela Nesse aspecto, a Internet um instrumento
capacidade de lançá-la o mais rapidamente utilizado na redação para acompanhar e
possível, em primeira mão, de modo a superar supervisionar o trabalho do repórter na rua,
em velocidade o concorrente. de modo que poder ser cobrado a ajustar o
O ritmo da informação com o tempo real enfoque de sua cobertura àquele oferecido
muda a lógica do tempo informativo no rádio pelas agências e jornais online. A pressão pela
para entrar numa era de quase “imediaticidade homogeneização dos conteúdos no rádio
absoluta” (Nogueira, 2003), uma vez que os acentuada porque se pode acompanhar em
ciclos esto cada vez mais curtos. Resulta num tempo real a cobertura do concorrente. A
encurtamento do ciclo da informação no situação leva a questionar se observação e
radiojornalismo que na era analógica já era percepção do repórter no local do
considerado elevado e agora ganha maior acontecimento já não são mais suficientes,
aceleração em função da compressão do sendo necessrio recorrer mediação da
tempo. tecnologia para apreender o real. No limite,
Do mesmo modo, os valores-notícia, pode-se criar uma dependência da tecnologia
interesse e importância passaram a ter como para confirmar o que se viu na rua.
referência os acontecimentos pautados pela O ambiente da Internet acrescenta
Internet no último instante. A frequência e percepção dos jornalistas também a noção de
a repetição com que um determinado liberdade de ação sobre a informação. Quando
acontecimento abordado pelas agências e os despachos das agências aparecem na rede
jornais online sinalizam para os jornalistas como se fosse um produto de livre circulação
a exata medida de sua importância e a que qualquer um pode ter acesso. E quem
necessidade de selecioná-lo. Ao recorrer os utiliza, apropria-se desses textos como
Internet para colher notícias prontas, a sendo seu e não de outro. Segue assim um
162 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

dos valores culturais da Internet: o que est se reencontrar na sua própria esfera. O
na rede não de ninguém. Esse sentimento conhecimento realiza-se, por assim dizer, em
está presente no processo de produção do três tempos: o sujeito sai de si, está fora de
radiojornalismo, onde a informação que jorra si e regressa finalmente a si.
na tela do computador a base para a Segundo Kant (citado por Savater, 1999),
composição de boa parte dos noticiários. conhecimento é uma combinação do que a
A liberdade de ação na busca e realidade traz ao sujeito com as formas da
apropriação da informação traz para o campo sensibilidade e o entendimento desse sujeito.
da produção da notícia a percepção da total Esse conhecimento sobre o real é verdadeiro,
transparência da realidade. Na raiz dessa porém não chega senão até onde permitem
percepção est a crença de que a verdade a as faculdades humanas. Significa dizer que
informação, segundo Philippe Breton (2000): o que se conhece não é a realidade pura, mas
apenas como é o real para o sujeito que o
“Esta noção de transparência é conhece. Portanto, se existem condições a
consubstancial ao culto da priori, isto implica que o sujeito desempenha
informação. Ela é sua tradução um papel ativo no processo do conhecimento,
imediata. Ela tem implicações traz algo para esse conhecimento e não se
práticas e espirituais: ela condiciona limita a receber passivamente o que percebe.
a atividade concreta daqueles que É na relação diária com a Internet que
realizam as técnicas ao mesmo tempo os jornalistas aprendem sobre dessa natureza
em que ela constitui o ideal de um tecnológica, a manusear seus recursos para
mundo luminoso, sem manchas, sem obter informação. Os jornalistas não s
entropia. Nesta nova mística, a aprendem, mas são afetados por ela. Esse
transparência um estado que se conhecimento transcende ao nível operacional
procura alcançar. A transparência de entrar e extrair da rede. Envolve a forma
associada a um ideal de luz, harmonia de construção do conhecimento a partir dessa
e êxtase. Ela dá a impressão de passar experiência diria. Nesse aprendizado acaba
do outro lado do espelho.” por constituir novas formas de percepção do
mundo e do processo comunicativo. Na
É nesse contexto que os valores-notícia sociedade da informação não se imagina mais
adquirem sentido e significado, ou seja, no o aprendizado em cima de saberes estáveis,
conjunto de procedimentos que caracteriza a herdados pela tradição. A forma do saber-
ação do jornalista no campo da produção, fluxo, por natureza caótico e sujeito a
seguindo regras específicas de seu modo de flutuações. São mutações cognitivas
funcionamento. A Internet contribui para igualmente velozes, às vezes pouco
moldar crescentemente as formas como se perceptíveis, que ocorrem no ambiente da
vive e experimenta a produção da notícia. redação jornalística, cujos sinais podem ser
O que mudou foram os horizontes desse evidenciados no modo como os jornalistas
mundo e os paradigmas da sua experiência interagem com a rede.
perceptiva (Fidalgo, 2002). Um componente dessa análise a percepção
No processo de conhecimento, um sujeito que os jornalistas têm dos valores que
e um objeto encontram-se face a face. A presidem as escolhas. Essa percepção
relação que existe entre os dois é o próprio construda, em parte, no profissionalismo, ou
conhecimento. A oposição dos dois termos seja, na cultura profissional. O profis-
não pode ser suprimida. Mas um não está sionalismo traduz um conjunto de
separado do outro. O sujeito só é sujeito em conhecimentos relativos atividade profis-
relação ao objeto, e o objeto em relação ao sional e que tem aceitação pblica. De certo
sujeito. A função do sujeito consiste em modo, o profissionalismo controla o
apreender o objeto; a do objeto em poder comportamento dos jornalistas ao estabelecer
ser apreendido pelo sujeito. O sujeito não padrões e normas de comportamento, e ao
pode captar o objeto sem sair de si (sem se determinar o sistema de reconhecimento
transcender); mas não pode ter consciência profissional (Soloski, 1993:95). Esse conjunto
do que é apreendido, sem entrar em si, sem de conhecimento se traduz numa cultura
JORNALISMO 163

profissional aceita no contexto da organização sujeitos a interpretações individuais dentro


e exercitada no momento da seleção da do contexto da organização e da cultura
notícia. organizacional. No entanto, ao contribuir para
A questão saber até que ponto a mutação o corte e focalização dos acontecimentos que
nas rotinas produtiva contribui para minar, serão transformados em notcia no rádio, a
paulatinamente, os fundamentos básicos do Internet condiciona novos parâmetros
jornalismo, defendidos na cultura profissional referenciais para os valores-notícia e da
como a imparcialidade e a busca da verdade, noticiabilidade.
considerando que na base do processo de Diante das mutações em curso legítimo
produção adquire cada vez mais importância afirmar que os aspectos centrais do paradigma
um dispositivo técnico de acesso não somente jornalístico estão sendo conquistando uma
a informação em estado bruto como também nova referencialidade baseada nos valores
a dados de segunda ou terceira mão. A visão culturais da sociedade informação, quais sejam:
de mundo natural confronta-se com a a matéria prima e força motriz do sistema
intencionalidade. As notícias não aparecem produtivo a informação; as redes
de forma natural, mas se fazem como informatizadas são instrumentos de
consequência da vontade humana, da história, comunicação e ferramentas organizativas
das circunstâncias sociais das instituições e fundamentais, cujos efeitos atravessam e
das convenções da profissão, e agora também moldam todas as esferas da atividade humana;
sob influência das tecnologias da informação. predomínio da lógica da flexibilidade nos
sistemas técnicos e organizacionais de modo
Conclusão a contribuir para sua integração e convergência
numa estrutura de comunicação em rede digital
É certo que a mudança na percepção dos mundial; e a interativa capaz de disponibilizar
jornalistas sobre os valores-notícia está sendo informação em grande escala e alta velocidade.
condicionada pela convivência e coexistncia É bem verdade que as mutações de
com o ambiente tecnológico e cultural da valores baseadas nessa referencialidade em
Internet. Nesse aspecto, Van Dijik (1990: 173- construção ainda são pouco perceptíveis no
5) aponta correspondência entre os valores presente. Na mutação, tem-se a impressão que
jornalísticos e a cognição social. Quer dizer, a mnima flutuação de nossa percepção visual,
os valores que guiam os jornalistas na seleção provoca rupturas na simetria do que se v.
dos acontecimentos são reconhecidos pelo Ao lançar o olhar sob esses fenômenos, tem-
público como legítimos, porque fazem parte se a sensação que faltam elementos teóricos
do conjunto dos processos mentais, de e conceituais suficientes para compreend-los.
pensamento e da percepção social sobre o As análises parecem precárias, parciais.
que notícia. De fato, os valores jornalísticos É uma situação típica da transição, como
refletem os valores econômicos, sociais e identificou Boaventura de Sousa Santos
ideológicos na reprodução do discurso sobre (1997:58):
a sociedade através dos meios de
comunicação. Se os valores-notícia “Duvidamos suficientemente do
representam a forma como os jornalistas vêem passado para imaginarmos o futuro,
o mundo no se pode desconsiderar que esse mas vivemos demasiadamente o
mundo passa por uma mutação de valores.6 presente para podermos realizar nele
Integrantes da noticiabilidade, os valores- o futuro. Estamos divididos,
notícia são de alguma forma uma resposta fragmentados. Sabemo-nos o caminho,
organizacional necessidade de produzir mas não exatamente onde estamos na
diariamente informação. claro que estão jornada”.
164 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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JORNALISMO 165

_______________________________ tecnologia. Para além de visões que apregoam o


1
Professora da Universidade de Brasília, caráter autônomo da técnica a ponto de determinar
doutora em Comunicação pela Universidade de processos históricos e sociais em última instância,
São Paulo, Mestre em Comunicação pela Castells acredita que, ao contrário de determinar,
Universidade de Brasília. Endereço eletrônico: a técnica potencializa as transformações na base
nbianco@uol.com.br. A participação da social.
5
pesquisadora no VI Lusocom teve apoio e “... um corte porque separa um campo e
patrocínio da Finatec – Fundação de aquilo que o envolve; uma focalização, porque
Empreendimentos Científicos e Tecnológicos interditando a hemorragia do sentido para alm da
conforme edital nº 001/2004. moldura, intensifica as relações entre os objetos
2
A pesquisa realizada parte integrante da Tese e os indivíduos que estão compreendidos dentro
de Doutorado “Radiojornalismo em mutação – a do campo e os reverbera para um centro. O produto
influência tecnológica e cultural da Internet na do corte e da focalização institui o que se chamar
transformação da noticiabilidade no rádio” de cena. A cena o local nativo do acontecimento.
realizada pela autora na Escola de Comunicações (...) A moldura, isolando um fragmento da
e Artes da Universidade de São Paulo, sob experiência, separa-o do seu contexto e permite
orientação da professora Elizabeth Saad Corrêa. sua conservação e seu transporte. Enquanto que
As emissoras analisadas têm em comum uma slida a ação, no campo, perde sua identidade e
base de atividade centrada no radiojornalismo metamorfoseia-se em efeitos que a tornam
tradicional, além de terem sido pioneiras no Brasil irreconhecível, a informação conserva sua
na criação sites dedicados ao jornalismo online identidade ao longo de seus deslocamentos, eis
com uso de áudio. A programação dessas emissoras a uma propriedade fundamental do
segue o estilo talk and news com divulgação enquadramento.” (Mouillaud, 1997:61-62)
6
notícias 24 horas dia em fluxo contínuo. Essa referencialidade em construção tem como
3
As contribuições de Hall (1993) e Tuchman parâmetros o fato de que na sociedade emergente
(1983), especialmente, foram decisivas para a informação a matéria prima e força motriz do
mostrar que as notícias não são espelho da sistema produtivo; que as redes informatizadas são
realidade, mas sim um processo de construção instrumentos de comunicação e ferramentas
negociado passo a passo e orientado segundo organizativas fundamentais; que h um predomínio
interesses e valores que colocam em jogo a luta da lógica da flexibilidade nos sistemas técnicos e
pela construção de sentidos, de interpretação da organizacionais de modo a contribuir para sua
realidade, de sobrevivência econômica das integração e convergência mundial; e por fim que
empresas. h predominância de uma estrutura de comunicação
4
Na raiz desse argumento está a visão integrada em rede, digital e interativa capaz de
multidimensional de Castells (1999) que disponibilizar informação em grande escala e alta
reconhece a mútua interação entre sociedade e velocidade (Castells, 1999: 78-9).
166 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 167

A imprensa na Velha Província 170 anos do “Monitor Campista”.


O terceiro jornal mais antigo do país e a morte misteriosa
do jornalista Francisco Alypio
Orávio de Campos Soares1

Campos dos Goytacazes, o maior muni- “As luzes vão se propagando rapi-
cípio em densidade geográfica do Estado damente por todo o Brasil, graças ao
do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros do benéfico influxo de uma Constituição
Brasil a possuir sua imprensa e isso se deve Liberal. A Vila de Campos possui hoje
a diferentes fatores, sendo o mais importante um periódico, o “Correio Campista”,
o nítido desenvolvimento econômico promo- escrito no sentido nacional, e que
vido pela agroindústria açucareira. No livro aparecerá duas vezes por semana.
“Movimento Literário em Campos” Vimos o primeiro número desta fo-
(Typografia do Jornal do Commércio, de J. lha, que contém alguns artigos muito
Rodrigues & C., Rio de Janeiro, 1924), o bem escritos (...)”
escritor Múcio da Paixão2 assinala que ainda
era a Vila de São Salvador dos Campos dos O escritor (op.cit.), também dramaturgo
Goytacazes, quando aqui se publicou seu e crítico literário contemporâneo, na impren-
jornal – o “Correio Constitucional Campis- sa brasileira, de Artur Azevedo, depois de
ta” -, fundado pelo português Antonio José alinhavar que a partir de 1830 Campos
da Silva Arcos, que saiu do prelo nos fins publicou, até 1924, mais de 500 jornais, “o
de l8303. Sobre o assunto, antes relevando que devia de provar o nosso culto pela
que “a propulsão em favor das letras, em imprensa”, diz que memoráveis são os ser-
Campos, para bem dizer caracterizou-se, ini- viços que a civilização deve ao maravilhoso
cialmente, no campo das actividades jorna- invento de Gutenberg. E enfatiza: “D. João
listas, porque a primeira phase da cultura V, Rei de Portugal, assim, porém, não o
literária entre nós foi exercida no jornal”, entendia, tanto que despótica e violentamen-
descreve: te mandou fechar a primeira typografia que
Antonio da Fonseca fundou, no Rio de
“(...) A typografia em que se impri- Janeiro, em 1747, e na qual se imprimiram
miu essa primeira folha campista, foi algumas obras consideradas, hoje (1906),
trazida da França por um professor curiosos exemplares bibliographicos, crian-
que os ilustres fazendeiros campistas do um grande período de obscuridade no
Manoel Pinto Netto da Cruz (poste- país”.
riormente Barão de Muriaé) e O rei, segundo Paixão (apud Evaristo da
Gregório Francisco de Miranda (de- Veiga), ficou com receio da dinastia dos
pois Barão da Abadia) mandaram resultados que traria aos espíritos a fácil
contratar na Europa, para o fim de vulgarização do pensamento e das idéias. De
ensinarem a língua francesa às suas forma que somente depois da chegada de D.
filhas.” João VI e seu séquito ao Brasil é que foi
fundada uma outra tipografia, trabalho cre-
Quando surgiu o primeiro jornal da pla- ditado a Rodrigo Coutinho, o Conde de
nície, o jornalista Evaristo da Veiga, do Linhares, surgindo, em decorrência, a “Ga-
“Diário Mercantil”, do Rio de Janeiro - zeta do Rio de Janeiro”, iniciando o
naquela época intemerato agitador das mas- “periodismo” nacional.
sas, nos dias sombrios que precederam a Dá para se entender, portanto, porque só
Regência e a quem o Brasil muito deve pelos depois de 22 anos da chegada da Família Real
seus grandiosos serviços, segundo as anota- ao Brasil, fugindo do bloqueio continental
ções de Paixão, (p.11) - fez o seguinte estabelecido na Europa por Napoleão
comentário: Bonaparte, Campos editou o seu primeiro
168 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

jornal impresso, através da tecnologia de de Campos dos Goytacazes. fronteiras da


Gutenberg. Paixão (p.13), descreve os resul- pátria o fenômeno se manifestou...4”.
tados iniciais da imprensa: De conformidade com o pensamento de
cada intelectual (jornalista), o debate seguia
“(...) Foi ai o campo onde se exer- a tendência política da época, inexistia
citaram as nossas primeiras inteligên- qualquer bandeira de luta e não se cuidava
cias, reveladoras de tendências lite- do desenvolvimento regional, bem como os
rárias. Certamente que não eram jornais não registravam questões que
muitos os que no começo do século permeassem as idéias libertárias, comuns no
passado (Século XIX) podiam servir “Correio Brasiliense”. Nem mesmo se fala-
às batalhas do pensamento, numa vam nos meios de produção capitalista e na
pequenina vila do interior, como, presença dos escravos nas lavras de ouro,
então, era Campos3. Apenas cortado canaviais de cana de açúcar e nos bangüês
o cordão umbilical que nos ligava à esmagando a cana para transformá-la no
metrópole, mal começávamos a bal- mascavo e na aguardente. A imprensa, dessa
buciar as nossas primeiras idéias forma, nasce como tribuna da intelectualidade
nacionais, ensaiando os nossos pas- e do interesse econômico da aristocracia
sos de povo emancipado; por este fato, rural, sem se preocupar com problemas mais
o nosso atraso intelectual corria pa- graves da sociedade, como desmatamentos,
ralelo à nossa insipiência política. poluição ambiental, despejo de excrementos
Conquanto a grandiosa claridade da no leito do rio Paraíba do Sul e os gravíssimos
instrução jorrasse apenas sobre algu- efeitos das epidemias num tempo em que a
mas classes privilegiadas, todavia, em ciência não tinha, ainda, dominado a produ-
nossa terra, que acompanhou sempre ção de antibióticos.
de perto os progressos da Corte, havia O mais curioso era o fato de as notícias
o seu núcleo de homens que peleja- locais terem menos importância do que as
vam afoitamente pela nossa emanci- nacionais e estrangeiras. Noticiário sempre
pação mental, travando renhidos muito pobre, em termos de conteúdo, artigos
prélios pela justiça e pela liberdade intimistas, mas muito bem escritos, e longas
e daí a necessidade, que se fez sentir, transcrições de matérias internacionais, quan-
da fundação da imprensa campista do, naquele tempo, não tinham muito a ver
(...)”. com a realidade de quem vivia segregado em
sua aldeia5.
A imprensa, desse modo, inicia, para- As matérias eram trazidas pela “Mala da
lelamente, o movimento das letras em Cam- Corte”, que chegava a Campos pelo correio
pos dos Goytacazes, porque as atividades de terrestre, de 15 em 15 dias. As notícias eram
narrar os fatos sociais couberam aos intelec- sempre assim: os terremotos das Antilhas, as
tuais: escritores, poetas, advogados, artistas, insurreições na China, os massacres dos
médicos e outros profissionais liberais afi- cristãos na Armênia, os incêndios nos quar-
nados com a atividade informacional. O teirões americanos, os nascimentos, casamen-
jornal, antes de ser arauto da sociedade mais tos ou falecimentos de príncipes europeus,
aquinhoada constituiu-se num canal de co- tudo isso tinha maior valor e interesse para
municação dos letrados. Todavia, a maioria os nossos jornalistas (?) do que os assuntos
dos trabalhos literários divulgados pela genuinamente nacionais, quer fossem agrí-
imprensa continha, também, condimentos de colas, mercantis ou industriais.
participação social e política, como aconte- Sobre o surgimento da imprensa campis-
cia na capital do Império. O escritor salienta ta, Júlio Feydit (“Subsídios para a História
que “o jornal serviu para proliferação de de Campos dos Goytacazes”, Editora Esqui-
idéias e dos sentimentos, mesmo de fora das lo Ltda. Rio de Janeiro, 2ª Edição, 1979),
3 A Vila de São Salvador dos Campos dos lembra que antes do advento da imprensa em
Goytacazes data de 29 de maio de 1677 e Campos, os jornais eram escritos a mão e
a sua elevação à categoria de cidade acon- redigidos por alguns escritores dos mais
teceu em 28 de Março de 1835, com o nome inteligentes e desses jornais, que saiam em
JORNALISMO 169

dias indeterminados, muitas cópias eram no que estiver ao seu alcance e lhe
tiradas para serem distribuídas. Mais adiante, determina a Lei do seu Regimento,
descreve, por exemplo, a maior barriga da fazendo imprimir pela nova
“imprensa” manuscrita daquele tempo: tipographia por elle estabelecida as
actas, ordens e papeis dos seus tra-
“Graças à gentileza do sr. Barão de balhos municipaes, que vai dar as
Miracema, tivemos em nosso poder providências para lhe serem enviadas
um jornal manuscrito do ano de 1826, a comissão, que em consequencia
com o título “O Espelho Campista” desta proposta, trate sem perda de
o qual dava a notícia de um alvoroço tempo o secretario de enviar ao Pro-
causado por ter Manoel Alves de curador não só extractos das actas do
Jesus, em 1822, a horas noturnas, feito presente anno, como também das
tocar a rebate os sinos da cadeia e contas do anno passado de 1829
das igrejas, os tambores e as cornetas cumprindo-se dessa forma os artigos
dos dois batalhões de milicianos, sob 46 a 62 da Lei de 1º de Outubro de
o falso pretexto dos escravos se te- 1828. Sala da Câmara Municipal, 4
rem revoltado e quererem atacar a vila. de novembro de 1830. a) Andrade,
O jornal referido era redigido por Bettancourt”.
Prudêncio Joaquim da Bessa6”.
Monitor Campista - O fato da cidade
de Campos dos Goytacazes - uma homena-
Feydit (p.397) cita que em sessão da gem tardia aos bravos guerreiros que ha-
Câmara Municipal, de 3 de novembro de bitavam a planície, que se estende da Cadeia
1830, Antonio José da Silva Arcos7 partici- do Mar às lonjuras da Barra do Furado –
pou àquela casa ter publicado na Vila um manter, ainda, o terceiro mais antigo jornal
periódico – “Correio Constitucional” – cujo em circulação ininterrupta do país, abre
prospecto remetia oferecendo o mesmo para perspectivas para se pensar em sua impor-
publicação das ordens e atos oficiais. Às tância social, política e econômica durante
folhas 47 do Livro de Atas daquele ano, acha- os períodos marcados pela Colônia e pelo
se o parecer sobre o assunto: Império do Brasil, percorrendo por toda a
história republicana até os dias atuais, mesmo
“(...) Antonio José da Silva Arcos com as mudanças circunstanciais nas áreas
participa a esta Câmara que estabe- econômicas, com ênfase para o surgimento
leceu nesta Villa huma tipographia, na da prospecção e exploração do petróleo na
qual tem proposta á publicar hum Bacia Continental de Campos8.
Periódico, logo que saia a luz o O “Monitor Campista” é, sem dúvida,
primeiro periódico, cujo prospecto uma marca do clamor social da cidade, que,
remete, offerecendo-se á publicação no final do século XIX, era considerada uma
das ordens e actas desta Câmara no das principais produtoras de açúcar e álcool,
dicto Periódico, logo que saia o responsável pelo desenvolvimento da Velha
primeiro número. A comissão he de Província, assinalando-se que, no eito dos
parecer que o secretario responda por meios de produção, prosperava, infelizmen-
parte da Câmara agradecendo ao dito te, o trabalho escravo.
Arcos a sua participação, como tam- O jornal, segundo Feydit (p.398) foi
bém aceitando com agrado os seus fundado por José Gomes da Fonseca
dezejos de ver prosperar o sistema Parahyba, em 4 de janeiro de 1834, com o
Monarchico Constitucional por huma nome de “Campista”, tendo sido um de seus
medida de maior vantagem para os mais importantes colaboradores e sócio o dr.
povos, como seja a da imprensa para Francisco José Alypio, provavelmente um dos
a publicação dos sentimentos livres primeiros jornalistas vitimados pela prática
de cada hum cidadão, cuja liberdade do direito de opinião, numa terra eivada por
amoldada a Constituição do Império. fazendeiros e latifundiários altamente radi-
Que a Câmara concorrerá da sua parte cais com relação ao uso dos escravos como
170 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

um bem (deles) de produção capitalista. No João e Anita Alvarenga, demonstrando ser


bojo de suas citações sobre os jornais da antiga a prática de famílias de empresários
época, há um registro do mais importantes: dirigindo meios de comunicação. Souza
pontua, referindo-se a 1935, data do cente-
“No sábado, dia 4 de janeiro de 1834, nário da cidade de Campos dos Goytacazes,
apareceu o primeiro número do “Cam- pelas páginas do Monitor cintilaram as penas
pista”. Este jornal publicavase às do dr. Antunes Guimarães, dr Hemetério
quartas e sábados e era impresso na Martins, dr. Abelardo de Mello, dr. Ramiro
tipografia Patriótica, estabelecida na Braga, dr. Luiz Antonio Neves (polemista
rua do Conselho 94. Pagavase pela católico), Theophilo Guimarães9, Lyndolpho
assinatura 2$000 por trimestre (...). O de Assis e João Barreto. Hoje “(referindo-
Monitor saiu à luz pela primeira vez se ao mesmo ano) cintila pelo acrisolamento
na quarta-feira, 4 de julho de 1838; do dr. Antonio Joaquim de Mello, dr. Américo
era impresso na tipografia Imparcial, Vianna, José Vianna de Castro e Prisco de
de Bernardino José Maciel. Antes do Almeida (maestro e poeta nascido na vizinha
Monitor, publicavase o “Goytacaz” e cidade de São Fidélis).
o “Campista”. Do último era o Fica muito difícil, no entanto, registrar
principal colaborador o dr. Francisco nomes de importância para o jornalismo
José Alypio, que foi assassinado em nacional que passaram pela redação do
21 de dezembro de 1834”. “Monitor Campista” a partir do século XX,
embora Paixão (p.15) tenha elogiado a edição
Quem bem define a junção das em- diária do jornal creditando este avanço ao
presas dos jornais “Campista” “Monitor” é trabalho de Alvarenga Pinto e, também, ao
o escritor Horácio Souza (“Cyclo Áureo”, fato do surgimento do serviço telegráfico, o
Artes Graphicas da Escola de Aprendizes que “ofereceu uma verdadeira revolução na
Artífices, Campos, 1935). Ele registra o imprensa”. Sobre a questão técnica, explica:
negócio, mas determina uma outra data de
fundação para o “Monitor Campista” e não “A última conquista, já nas proximi-
a comemorada por ocasião dos 170 anos (4 dades da República, foi a abolição das
de janeiro de 1834), tendo como origem a notícias começadas por gordinho
edição do “Campista”. Eis o que ele diz (refere-se ao corpo do tipo), e a
(p.300), sem muitos rodeios: criação das noticias com títulos.
Poderá parecer sem importância facto
“O Monitor” fundado por Bernardino tão simples, mas o que é certo é que
José Maciel, apareceu em 4 de julho elle reflecte a ansia moderna de bem
de 1838, tendo a geri-lo e norteá-lo, servir ao leitor, com um jornal inte-
em 1840, o bom suíço Eugéne ressante e attrahente.”.
Bricolens e o ótimo campista Thomé
José Ferreira Tinoco. Já falamos do Dentre outros destaques que atuaram
“Recopilador Campista” que se no “Monitor Campista”, constam nomes como
metamorfoseara (sic) do “Campista”. o do próprio Múcio da Paixão, Francisco
Da “filtragem” dessas primeiras flo- Portela (que saiu da direção do jornal para
res do jornalismo goytacaz, obteve- ser o governador da Velha Província). O
se, a 31 de março de 1840, a mag- escritor (p.18) salienta que em 1879, con-
nífica essência jornalística que ainda vidado por Alvarenga Pinto, Portela assumiu
hoje se denomina “Monitor Campis- o cargo de chefe da redação, posto em que
ta”. se conservou por um espaço de 10 anos, até
que, com a proclamação das novas institui-
Somente em 1875 o “Monitor Campista” ções políticas, foi chamado a governar o
passou a ser editado diariamente, já então Estado do Rio de Janeiro. Também escreve-
sob a direção do dr. Domingos de Miranda ram Prudêncio Bessa, J. Magalhães Jr.,
Pinto que, em 1879, lega a administração do Miguel Herédia, Viveiros de Vasconcelos,
denominado “velho órgão”, aos seus filhos Laerte Chaves, José Cândido de Carvalho
JORNALISMO 171

(autor do livro “O Coronel e o Lobisomem” cita-o, ainda, como redator do “Correio


e imortal da Academia Brasileira de Letras)... Constitucional Campista”, saído à luz em
Depois, numa lista mais contemporânea, 1830 e do “Goytacaz”, de 1831, para depois
pode-se enfatizar a participação de Oswaldo falar sobre seu infortúnio, vítima de um crime
Lima, Everardo Lima, Luiz de Gonzaga Balbi, covarde até hoje insolúvel.
José Carlos Cardoso de Melo Tinoco (este Assassinado a 21 de dezembro de 1834,
foi secretário do jornal durante muitos anos), no mesmo ano da fundação do jornal,
Vilmar Ferreira Rangel, Hervé Salgado Francisco Alypio faleceu, segundo comen-
Rodrigues (proprietário do Jornal “A Notí- tários da época, “por causa de problemas
cia”, depois de Sylvio Fontoura), João amorosos”. Feydit, que em suas atividades
Rodrigues de Oliveira (o “João Grilo”, fun- de homem público foi industrial, delegado
dador, no final dos anos 40, do Jornal “Folha de polícia, vereador à Câmara Municipal e
do Povo”), Avelino Ferreira, Giannino Sossai, prefeito, no período de 1908/1910 (pp. 421-
Aloísio Balbi... Da nova geração, José Carlos 425), fez uma reportagem (inquérito) sobre
Nascimento, Cilênio Tavares, Ana Ruth os fatos, a partir da tradição oral e, também
Manhães, Alicinéia Gama, Nágyla Barreto, através de retalhos publicados, escassamen-
Angélica Paes, Márcio Fernandes, Patrícia te, pelos historiadores da época:
Bueno, Paula Virginia Oliveira, Flávia
Barreto, Antonio Fernando Nunes, Carla “Em 1824 morava em Campos o
Cardoso, Ricardo André Vasconcelos e ouvidor Cabral, no sobrado que faz
Mariane Pessanha, como fruto do trabalho frente ao rio e canto à rua do Ouvidor,
do Curso de Comunicação Social, da Facul- hoje Marechal Floriano, em frente ao
dade de Filosofia de Campos, fundado em porto chamado do Fragata. Pouco
1965, sendo um dos mais antigos cursos do tempo fazia que o ouvidor se mudara
país, consubstanciando o sonho de Teophilo da travessa chamada do Cabral. Em
Guimarães que, pelo grande número de épocas determinadas, ia o ouvidor
jornais circulando na cidade, havia proposto levar as rendas do município à pro-
um curso de jornalismo no início do Século víncia do Espírito Santo. Campos
XX. pertencia então àquela província, da
qual foi desanexada e unida ao ter-
A Morte de Francisco Alypio ritório do Rio de Janeiro, pela lei de
31 de agosto de 1832. O ouvidor era
O assunto mais intrigante, no entanto, muito rico e a ele pertenciam as
que envolve os primórdios do “Monitor fazendas Grande e Barra da Lagoa de
Campista” (com o nome de o “Campista”) Cima, confinando uma com a outra.
é, sem dúvida, o assassinato de seu principal Por estas duas fazendas transitavam
redator e um dos sócios, de forma estranha os carros com madeiras que vinham
e não explicada pelos jornais da época, da Lagoa de Cima, antes de ser aberto
embora, como tradição, circulassem pelo o canal de Campos a Macaé. (...) O
menos quatro periódicos e nenhum deles ouvidor era casado com uma mulher
resolveu levar as investigações às últimas de uma beleza pouco comum. Com
conseqüências. A bem da verdade, não exis- o ouvidor morava no sobrado o padre
tem números acessíveis do “Campista”, bem José do Desterro, que era tio de Maria
como fica mais difícil até mesmo saber o Custódia Cabral. O ouvidor voltando
que o jornalista de 27 anos escrevia, a ponto de uma viagem a Vitória, um preto
de justificar um ato truculento contra sua velho, que lhe servira de pajem havia
pessoa. muitos anos e no qual depositava a
Paixão (p.17) cita-o como “médico, maior confiança, lhe relatou que o
homem de talento e espírito progressista (...) padre com sua mulher estavam pra-
dotado de um temperamento fogoso e arre- ticando atos que não deviam praticar.
batado, colocado à frente dos movimentos (...) Algum tempo durou aquela es-
políticos e sociais do seu tempo”. Teixeira pionagem, sem resultado, até que quis
de Melo, autor da obra “Campos em 1881”, certificar-se e, para isso fez uma
172 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

viagem simulada e, voltando logo foi o tratava com o maior desprezo. Na


encontrar o padre em flagrante delito fazenda de Barra da Lagoa de Cima
de adultério. O ouvidor ficou trabalhavam dois moços: um serrador
alucinado: em vez de atirar com o branco, e outro pardo, de nome Rosas,
padre da sacada à rua, tresvariou e o mateiro. A esposa do médico,
atirou-se pela janela, fraturando uma despeitada com o marido, tratou de
perna. A mulher tentou explicar às vingar-se tornando-se infiel; princi-
pessoas que visitavam o doente que piou a tratar com um amor mais que
estando ella se confessando com o fraternal ao moço serrador, que se
padre, o ouvidor tivera um ataque de chamava Manoel Francisco da Silva,
loucura. Agravando a moléstia do vulgarmente o Neco, como era conhe-
ouvidor, foi ele para a casa do cor- cido. Dessa falta começou dona
respondente, no Rio de Janeiro, se- Jacintha a sentir as conseqüências. Ela
guindo de Campos em liteira. Havia sentia que uma nova vida se movia
em frente à casa do correspondente, em seu seio e a sua vida dependia
que no Rio de Janeiro recebia o açúcar daquela vida (...)”
do ouvidor, um armazém de molha-
dos, pertencente a uma viúva que há O escritor deixa antever, por opinião
pouco tempo se havia casado com um própria e sem outros Orávio Soares
médico chamado Francisco José embasamentos, que dona Jacintha pretendia
Alypio, o qual desde o tempo de fazer um aborto, para não se expor diante
estudante ali morava (...)” do marido médico e da sociedade. Depois
coloca em cena um outro personagem, o
Feydit continua, como se estivesse ins- doutor José Gomes da Fonseca Parahyba,
truindo um processo na delegacia, e descon- segundo ele “colegas formados pela Acade-
fia de que o jovem médico poderia ter mia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro”:
encomendado a morte do negociante para
logo após casar-se com a viúva rica. E todo “Ambos clinicavam em Campos e eram
preâmbulo foi para que o escritor explicasse os redatores e proprietários do “Cam-
que o citado jovem médico fora chamado para pista”, jornal que em 1834 se publi-
cuidar do ouvidor que, no entanto, não cava na Tipografia Patriótica de
suportando a grave enfermidade, acabou Parahyba & Alypio, na rua do Con-
falecendo. E cita: “Não podendo salvar o selho 94. No dia 21 de dezembro de
marido, procurou consolar a viúva e veio com 1834, o dr. Alypio vai à fazenda da
ela para Campos, trazendo também a famí- Barra da Lagoa de Cima ver a mulher
lia, composta de mulher e dois filhos”. Eis e os filhos; ai esteve até as 4 horas
o relato: da tarde; sentado no eixo de um carro
que, com uma só roda, estava para
“(...) Chamava-se a mulher do doutor, consertar; à porta do engenho, conver-
dona Jacintha. A viúva do ouvidor sava com o feitor sobre negócios da
coloca a família do médico na lavoura, enquanto esperava o cavalo
Fazenda da Lagoa de Cima e ele na que um moleque havia ido pegar.
fazenda Grande. Passa escritura da Tardando este, o feitor o foi chamar.
metade da fazenda da Barra da Lagoa O doutor ficou só. Junto ao engenho
de Cima ao doutor Alypio, com havia uma estacada ou cerca de paus
condição verbal tratada entre ambos, a pique que servia para resguardar o
de ele não ir à fazenda onde se achava terreiro, onde se secava o milho, feijão
a esposa, senão de passeio e sempre e açúcar. Essa cerca era toda coberta
em sua companhia. O médico concor- de maracujazeiros. O assassino, por
dou pensando poder facilmente infrin- detrás dela, dá-lhe um tiro à queima
gir este pacto. A mulher do médico, roupa; as buchas e a bala atravessaram
não querendo sujeitarse a essa humi- a espinha e o doutor Alypio deixou em
lhação, começou a odiar o marido, e poucos instante de existir (...)”.
JORNALISMO 173

O corpo foi levado para a vila e depois lhe dar mais um sitio, o que cumpriu
das providências e autópsia foi o cadáver dando-lhe o dinheiro para o comprar.
enterrado. Dona Maria Custódia Cabral Que Rosas foi o assassino, não resta
mandou fazer ao morto grandes exéquias e a menor dúvida, mas que Neco por
cobriu-se de luto e a mulher do médico sua conta lhe desse cinco contos, isso
assassinado, dona Jacintha, foi presa por não é crível. (...) Que necessidade
alguns dias na cadeia, sendo libertada logo tinha ele de assim proceder? Como
após por falta de provas. Mas, pouco tempo crer que um pobre serrador braçal, que
depois, segundo Feydit, ela se casava com em 1834 ganhava no máximo 500 réis
o serrador Manoel Francisco da Silva, o Neco. por dia, tivesse cinco contos para
O interessante é que dona Maria Custódia pagar ao mandatário? Seria a mulher
Cabral, logo depois do crime, viajou ao Rio do doutor Alypio que dera os cinco
de Janeiro em companhia do doutor José contos para ser assassinado o mari-
Gomes da Fonseca Parahyba e voltam de lá do? Não, porque Alypio não era rico
casados. O escritor fala sobre os boatos: e até a metade da fazenda, depois de
sua morte fora arrematada em praça
“(...) Os contemporâneos davam a pública para pagamento de dívidas. É
autoria do assassinato de formas de se supor que outra pessoa mais
diversas: uns diziam que dona Maria abastada fosse a fornecedora dessa
Custódia fora a mandante; outro, que soma e, querendo arredar de si a
fora o doutor Parahyba, para casar- autoria desse fato delituoso, pagasse
se com esta, o que se efetuou pouco ao assassino para vir em juízo lançar
dias depois da morte de Alypio. De sobre outro o labéu de mandante de
combinação com o moço serrador, o um crime que, por muito tempo,
Neco, mandaram o mateiro, de nome trouxe suspenso o espírito público, e
Rosas, executar o crime. Esses eram ainda hoje é um enigma não decifra-
os boatos que com insistência circu- do”.
lavam entre os campistas e tal corpo
tomaram que, tendo o Imperador D O jornalista e escritor Gastão Machado (“Os
Pedro II de vir a Campos, o doutor Crimes Célebres de Campos”), Ind. Gráficas
Parahyba fez preparar o palacete, onde Atlas, Campos dos Goytacazes, 2ª Edição,
hoje se acha estabelecido o Hotel 1965), segue o mesmo eito dedutivo de Feydit,
Gaspar para recebê-lo; mas o Impe- só que, como teatrólogo, procurou romancear
rador, sendo avisado do que constava as relações entre os personagens, inclusive
em relação ao assassinato do doutor criando diálogos. Só que, no capítulo da
Alypio, não quis se hospedar naque- participação do doutor José Gomes da Fonseca
le palacete no ano de 1847 (...)” Parahyba, ele deixa antever que este mantinha
um romance com a mulher de seu sócio
Todos os mistérios, no entanto, sobre as Francisco José Alypio, antes de sua morte.
causas da morte de Francisco Alypio, nunca Gastão (pp.103-113) amplia a suspeita de
foram dissipados, segundo relata o autor de que Parahyba poderia ser o mandante da
“Subsídios...”, para quem, em 1856, 22 anos morte do sócio por dois motivos: para ficar
depois do crime, quando se apresentou ao com parte da sociedade na tipografia e no
juiz municipal João de Souza Nunes Lima, jornal e, também e, sobretudo, com sua
o indigitado assassinado, Rosas, o mateiro, mulher, “traindo o melhor amigo, já que
requerendo para que o juiz mandasse julgar foram colegas do curso feito na Academia
a sua prescrição, visto fazer mais de 20 anos Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro”. Outro
que havia feito o assassinato. Nesse ponto suspeito, que praticamente desaparece da
o escritor faz suas considerações finais: história é o padre José do Desterro, jovem
teólogo de 28 anos de idade à época e tio
“(...) Declarou: que Neco, o serrador, de Maria Custódia Cabral que, depois do
fora quem lhe mandara fazer o crime escândalo, segundo o escritor, “desapareceu
dando-lhe 5:000$000 e prometendo- da Vila e nunca mais foi visto”.
174 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Múcio (p.18), no entanto, deixa antever fuligem como o confete enegrecido do pro-
que o repórter e sócio do “Campista” fora gresso.
vitimado por causa de suas opiniões polí- Está no “Monitor” o instante especial da
ticas, porque muitos gostariam de pôr termo inauguração da energia elétrica, no dia 24
à vida de “um valoroso jovem voltado para de Junho de 1883, a primeira comunidade
a medicina e para as lides jornalísticas”. da América Latina a obter esta inovação
Polêmicas à parte, o bom é sentir que, tecnológica, antes mesmo que a maioria das
desde o início de sua história, o “Monitor” cidades americanas e européias. Tudo como
faz parte do contexto de defesa do direito frutos do desenvolvimento e porque os
de expressão, embora, em alguns momentos, engenhos tocados a vapor precisavam ser
fosse claramente favorável às classes domi- substituídos por alguma coisa que lhe asse-
nantes, principalmente nos embates da abo- gurasse o aumento da produção.
lição da escravatura, quando se colocou ao O “Monitor” informou, embora com
lado dos escravocratas. dificuldades, as questões da primeira guerra
Foi, inclusive, o único jornal a publicar mundial, a queda da bolsa de Nova Iorque,
notas de fugas e vendas de escravos e, a queima dos cafezais e os investimentos de
também, abrir espaços para o escravocrata uma sociedade que não obteve a moratória
Raimundo Alves Moreira, o famigerado para pagamento de suas dívidas. Abriu
Barbaça, ao se colocar contra a 2ª Confe- manchete para anunciar o fim da II
rência Abolicionista, no Teatro Empyreo, a Grande”Orávio Soares Guerra Mundial e a
27 de jJunho de 1884, promovida pelo hegemonia do capitalismo nas mãos insen-
abolicionista Luiz Carlos de Lacerda, pro- síveis do Tio Sam. O “Monitor Campista”
prietário do Jornal “25 de Março”10, bem foi adquirido pelos Diários Associados, em
como contra as conferências de José do 1936, expressando o desejo do seu então
Patrocínio, nos dias 13 e 15 de Março de presidente, Assis Chateaubriand, de possuir
1885, no Teatro São Salvador. os três mais antigos jornais em circulação
Tudo isso, no entanto, não desmerece a no Brasil – o “Diário”, de Pernambuco; o
grandeza do jornal, ressalvando-se sua po- “Jornal do Commércio”, do Rio de Janeiro;
lítica editorial como reflexo do tempo, pelo e o “Monitor Campista”, de Campos dos
registro histórico do Brasil nos últimos 170 Goytacazes.
anos, marcando, de forma decisiva, suas O jornal realizou várias campanhas de
transformações, com destaque para Campos nível nacional, como “O Petróleo é Nosso”
dos Goytacazes, presente, em termos de e o “Dê Asas ao Brasil”, estimulando o
avanços e recuos no desenvolvimento, em desenvolvimento da aviação civil, redundan-
suas páginas, sendo importante ressalvar do na criação de vários aeroclubes no país,
algumas instâncias. inclusive o de Campos, inaugurado no dia
O “Monitor” marca as lutas abolicionistas, 10 de junho de 1941, com o apoio do Rotary
os crimes célebres do município, a passagem, Club de Campos, durante a gestão dos
várias vezes, do Imperador Pedro II, da presidentes drs. Camilo de Menezes (1940-
Princesa Isabel e do Conde D’Eu. Os gestos 41) e Mário Ferraz Sampaio (1941-1942),
de bajulamentos da aristocracia rural para ainda em funcionamento e prestando relevan-
com a família imperial, os desatinos das elites tes serviços à sociedade. Nesse sentido, por
com a perda da mão obra escrava, a Repú- ser muito difícil enumerar seus melhores
blica e o renascimento da cidade sob o signo momentos nestes 170 anos, pode-se afirmar
do verde dos canaviais e das chaminés que as páginas do “Monitor Campista”
fumegando e derramando na planície sua encerram a própria história do Brasil.
JORNALISMO 175

Bibliografia política editorial era voltada para a Independência


do Brasil.
5
Paixão, Múcio, “Movimento Literário em Uma referência ao canadense Marshal
Macluhan, o primeiro cientista a falar dos efeitos
Campos”, Rio de Janeiro, Typ. Do Jornal do
da globalização. mercantis ou industriais.
Commércio, de Rodrigues & C. 1924. 6
Nascido em Porto (Portugal) nos fins do
Mendonça, Alceir Maia, “História da século XVIII, era professor e advogado. Mas,
Eletricidade em Campos”, Gráfica Editora segundo Teixeira de Melo, a imprensa foi sua
Lar Cristão, Campos, 1993. paixão. Fez parte dos primeiros momentos do
Carvalho, Waldir Pinto de, “Campos Monitor, de Eugéne Bricolens, atuando ao lado
Depois do Centenário”, Edição Particular, do brilhante Dr. João Francisco da Silva Ultra,
considerado este como o fundador do teatro não
Campos, 2000.
empresarial em Campos.
Souza, Horácio, “Cyclo Áureo”, Artes 7
O atual Museu Barbosa Guerra, proprie-
Gráficas da Escola de Aprendizes Artífices, tário dos primeiros números de vários jornais
Campos, 1935. editados em Campos dos Goytacazes, homena-
Soares, Orávio de Campos, “Muata geia hoje seu criador. Originalmente, o museu
Calombo – Consciência e Destruição”, dis- tinha o nome de Silva Arcos, em honra ao
sertação de mestrado, UFRJ, Rio de Janeiro, fundador do primeiro jornal impresso da cidade.
O segundo jornal foi o “Pharol Campista”,
2002.
dirigido por Prudêncio Bessa.
Feydit. Júlio, “Subsídios para a história 8
Embora o escritor e geólogo campista Alberto
de Campos dos “Goytacazes”, Editora Es- Ribeiro Lamego, em seu livro “A Bacia de
quilo Ltda. Rio de Janeiro, 1979. Campos na Geologia Litorânea do Petróleo”
Guimarães, Theofilo, “Subsídios para a (Boletim da Divisão de Geologia e Mineralogia),
história do jornalismo em Campos”, Rio de tenha, nos anos 30, confirmado, cientificamente,
Janeiro, 1927. a existência de petróleo na região do Farol de
Lamego, Alberto Ribeiro, “Planície do São Tomé, o óleo somente jorrou no dia 22 de
novembro de 1974 e a concessão dos royalties,
Solar e da Senzala”, Rio de Janeiro, 1937. base do desenvolvimento da cidade nos últimos
Rodrigues, Hervé Salgado, “Campos - Na 20 anos, aconteceu em 27 de dezembro de 1985.
Taba dos Goytacazes”, Imprensa Oficial, O então presidente José Sarney esteve em Campos
Niterói, 1988. dos Goytacazes, juntamente com o senador Nelson
Machado, Gastão, “Os Crimes Célebres Carneiro, para anunciar a boa nova. A produção
de Campos”, Ind. Grágicas Atlas Ltda. de mais de um milhão de barris/dia representa
hoje mais de 90% de todo petróleo produzido no
Campos dos Goytacazes, 2ª Edição, 1965.
Brasil.
9
Autor do livro “Subsídios para a História
do Jornalismo em Campos”, editado em 1927.
_______________________________ Em 1900 ele lançou a idéia da criação de uma
1
Faculdade de Filosofia de Campos Escola de Jornalismo em Campos, considerando
2
Manoel Múcio da Paixão Soares, filho de o grande número de jornais circulando na cidade.
portugueses, nasceu em Campos dos Goytacazes “A cogitação não teve em mira outro escopo senão
em 15 de abril de 1870 e faleceu em 23 de fazer de cada diretor de jornal“– dentro da
Dezembro de 1926. Foi professor de História do Constituição e sem abdicar de sua razão – um
Liceu de Humanidades de Campos, primeiro regulador moral das questões que se
deputado estadual na primeira Constituição Re- deblaterassem nos entrefios de sua gazeta (...)
publicana, pelo Partido Operário, e fundador da De qualquer forma, porém, a tentativa visava um
Associação Caixeiral de Campos (hoje Sindicato bem comum, pela pressuposição de que os
dos Empregados no Comércio de Campos). diplomados por aquela escola procurariam
3
Guimarães, Theofilo, (“Subsídios para a His- manter, por todos os meios e modos, a honra e
tória do Jornalismo de Campos”, Rio de Janeiro, a moral de seus títulos (...)
1927) assinala, no entanto, que o Correio Cons- 10
O Jornal – “25 de Março” era abolicionista
titucional Campista é de 1831 e que antes dele e opositor da política editorial do “Monitor
já existiam os jornais “O Goytacaz” e “Pharol Campista”. Os escravocratas, por diversas vezes,
Campista”. determinaram o empastelamento do jornal de Luiz
4
O escritor Múcio da Paixão se refere ao Carlos de Lacerda, cuja importância na abolição
jornalista Hypólito José da Costa, que publicava, dos escravos é considerada igual ou superior a
em Londres, o jornal “Correio Brasiliense”, cuja de José do Patrocínio.
176 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 177

Agenda e Discurso Midiático: quando a minoria é notícia.


O caso indígena na Imprensa em Pernambuco1
Patricia Bandeira de Melo2

Introdução a mobilidade de um mundo que,


embora pertença a todos, transcende
A ideologia é uma força quase impercep- a cada um individualmente relaciona-
tível que permeia as relações sociais, uma do” (JOVCHELOVITCH, 2000, p.
representação de mundo. Esta representação 81).
não abarca a totalidade do pensamento de
uma época, mas parte que é fruto das idéias Conhecimentos fundados na superiorida-
de alguns grupos que detêm o poder. Entre- de da raça, classe ou sexo ou no interesse
tanto, a ideologia faz os membros da soci- de um grupo quantitativamente minoritário,
edade acreditarem que as idéias dominantes mas detentor do poder, tendem a ser
somam os pensamentos dos vários segmen- hegemônicos, favorecendo a instrumenta-
tos, e não o pensamento de grupos que se lização do homem, transformando-se em
sobressaem no poder, constituindo-se numa senso comum.
comunicação distorcida da realidade que se O estudo de Serge Moscovici sobre
propaga através de um texto impregnado de representações sociais indica as três fases de
interesses. Os meios de comunicação são evolução da ideologia: a fase científica, de
maculados pelo embate de forças entre os criação da teoria; a fase representacional, da
segmentos sociais, entre eles o indígena. A difusão através da sociedade e a criação de
mídia, em certa medida, reforça a ideologia representações sociais; e a fase ideológica,
dominante, ajudando a assegurar uma har- caracterizada pela apropriação da represen-
monia, às vezes tensa, entre as classes e o tação por algum grupo e sua reconstrução
poder estatal, contribuindo na coerção das como conhecimento criado pela sociedade e
classes subalternas, estabelecendo a ideolo- legitimado como científico (SAWAIA, 1993)
gia dominante como senso comum. A ideologia, através do discurso, ganha o
O controle do discurso que circula é feito caráter científico previsto por Moscovici e
a partir da autoridade que é investida àquele manipula a história. Para Chauí,
que fala: quando se fala, fala-se de um lugar
social. O índio, ao falar, não se despoja de “compreende-se por que a história
sua origem. Assim, a crença no despojamento ideológica (aquela que aprendemos na
do sujeito de suas condições sociais privi- escola e nos livros) seja sempre uma
legiadas não se concretiza na hora em que história narrada do ponto de vista do
se expressa na esfera pública: o discurso é vencedor ou dos poderosos” (CHAUÍ,
marcado pelo lugar social de onde fala o 1980, p. 123).
sujeito. Apesar de Pernambuco possuir a
quarta população brasileira de índios, este O “vencedor” faz prevalecer seu discurso
grupo não consegue se expressar ativamente no momento em que a história é contada e
através da imprensa. dificulta a existência da “história dos ven-
As representações sociais têm como base cidos”, pois sua ação consiste em tentar
a existência da comunicação, uma vez que eliminar a memória desses perdedores, que
existem para simbolizar, através do discurso, apenas emergem em ações de resistência
uma dada realidade. Para Jovchelovitch, O discurso sobre a origem do Brasil se
inicia com a chegada do branco e o processo
“as representações sociais são uma de catequização dos índios, que nada mais
estratégia desenvolvida por atores foi do que sua subjugação. O discurso que
sociais para enfrentar a diversidade e se projetou na época foi o discurso das
178 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

conquistas e da dominação, quando a cultura real, mas não da sua totalidade. Recolher
indígena foi suplantada pela língua e cultura dados e hierarquizá-los segundo critérios de
européia. A busca por terras, a ocupação importância consiste no processo de produ-
predatória e a subjugação dos povos indíge- ção do texto jornalístico. Tendo como pano
nas acontecem sob a justificativa do discurso de fundo a ideologia inerente à sua formação
religioso: coexistindo com a dominação, a discursiva, o jornalista faz do texto
religião tenta “salvar” os índios da sua “falta jornalístico, além de representacional da
de Deus”. Este contato fez com que os realidade, um texto autoral, apesar das ten-
indígenas passassem de maioria para minoria tativas de se camuflar sua presença subjetiva.
étnica, correspondendo hoje a 0,2% da A mídia impõe uma ordem ao tempo,
população brasileira. fazendo um agendamento do cotidiano, ten-
A representação da identidade do brasi- tando capturar os fatos de modo a reduzir
leiro se constrói a partir da perspectiva do os riscos de imprevistos. O planejamento e
branco europeu. O discurso dominante a previsibilidade resultantes norteiam a coleta
enaltece representações sociais tais como a de informações para a produção do texto
de que “somos uma mistura de raças”, no jornalístico. Daí a Teoria do Agenda-Setting,
qual o “descobridor” é o responsável por definida por McCombs e Shaw, paradigma
trazer à terra um padrão de cultura e que situou o processo de seleção de notícias
tecnologia considerado superior. A valoriza- pela mídia. A imprensa define o que é e o
ção desta mistura não se concretiza. O que não é notícia a partir de um temário
brasileiro não se identifica com o negro, com preestabelecido, o agenda-setting, termo que
o índio e não se vê igual ao branco europeu: se refere a “uma lista de questões e acon-
é uma cópia, e uma imitação nunca se tecimentos que são vistos num determinado
equipara ao original. Somos o “outro” do ponto no tempo e classificados segundo uma
europeu, “outro” que é apagado através do hierarquia de importância” (ROGERS &
discurso do colonizador. O europeu é o centro, DEARING, 1988, 565, apud TRAQUINA,
o início da construção de nossa história. 1999, p. 15).
Para ser índio, é preciso uma legitimação As fontes jornalísticas possuem influên-
oficial e a partir dela é que se recupera uma cia sobre os meios de comunicação em virtude
memória e se reconstrói a simbologia do do lugar social que ocupam, podendo dar mais
grupo. Esta “legitimação” é feita por antro- visibilidade a determinados discursos e agir
pólogos da Fundação Nacional do Índio, onde na formação do agenda-setting da imprensa:
funcionários admitem não acreditar na legi- o conteúdo da mídia depende do jogo de
timidade da identidade indígena no Nordes- interesses dos meios e dos vários setores da
te. O processo de formação das comunidades sociedade. A imprensa, mesmo dando espaço
indígenas no Nordeste passa pela definição às vozes de grupos subalternos, acaba legi-
de “remanescentes de índios”, caboclos que timando o quadro dominante ao fomentar
reivindicaram a condição de índio e lutaram algumas idéias e rechaçar outras, deixando
para garantir o direito à terra. Essa idéia que os assuntos excluídos só entrem através
de”“remanescente” é até certo ponto pejo- de concessões: o exótico, em momentos de
rativa; passa uma idéia de ser “aquilo que protesto ou como parte de outro temário do
restou” A resistência dos indígenas é que tem agenda-setting.
garantido a sua sobrevivência e o Para a Análise do Discurso (AD), o
reaparecimento de povos considerados extin- discurso é uma manifestação da ideologia e
tos. o sujeito é aquele que enuncia de um de-
terminado lugar social. Se o sujeito é o locutor
As Teorias do Agenda-Setting e da Análise de um discurso, se o índio é o locutor do
do Discurso discurso de seu grupo, o jornalista idem. Para
a AD, nenhum sujeito é totalmente livre no
O texto jornalístico é uma organização momento em que faz escolhas discursivas.
discursiva onde são expressas diversas ver- O indivíduo está inserido num contexto
sões sobre um fato. Deve-se compreender a histórico e social que norteia sua fala. Embora
notícia como um relato de fatos do mundo o sujeito pense ser capaz de fazer opções na
JORNALISMO 179

seleção do que diz, para a AD o indivíduo A fonte ativa é a fonte jornalística que
está assujeitado a um contexto que limita o tem papel fundamental na produção do texto,
seu discurso: quem se expressa em sua fala pois, ao prestar informações, tem sua voz
é uma ideologia e a língua é um produto marcada e reproduzida com verbos
histórico e social introdutores de opinião que dão força à sua
O processo de formação do homem argumentação. A fonte ativa determina o tom
determina que seu discurso é o amálgama do discurso do jornalista, que mistura sua voz
de vários outros discursos que circularam na com a da fonte. Isso ocorre de modo
sociedade. O discurso é do outro, somos subliminar e até imperceptível pelo jornalis-
marcados pela presença da fala do outro que ta. A fonte ativa enuncia a partir de uma
contamina nosso dizer. A polifonia é posição social e da qual não pode ou não
constitutiva dos discursos, onde fica registrada quer se afastar: são fontes institucionais,
uma memória discursiva que traz uma carga consideradas mais confiáveis, representantes
de ideologia e história. O jornalista, ao fazer de segmentos de poder.
seu texto, ora marca o discurso da fonte, ora Se há quem tenha “autoridade” para falar,
absorve parte do enunciado do outro como há os que porque ocupam uma posição sem
sendo seu, relatando-o de modo consciente significância. Este espaço é ocupado por
ou não, uma vez que se encontra assujeitado integrantes de segmentos menos expressivos
como qualquer sujeito. As marcas da social e economicamente. O discurso segue
heterogeneidade podem ser vistas a partir de uma ordem que expressa de que posição fala
indicadores: os verbos introdutores de opi- este sujeito. Estratégias discursivas acabam
nião e o uso de aspas em citações. por silenciar ou marcar a voz de certas fontes,
Como por trás de qualquer dizer há um enfraquecendo o seu discurso. Este sujeito
sujeito (o repórter, o editor) apesar da ten- silenciado tem seu discurso rebaixado pelo
discurso do outro: alguém fala em seu lugar,
tativa da imprensa de apagá-lo – numa
diz o que o sujeito poderia ou não quereria
estratégia de legitimar o discurso midiático
falar O sujeito passivo, dado o seu
como objetivo – verificamos a presença
assujeitamento, reproduz o senso comum e
autoral do jornalista. O mito da imparciali-
fortalece os sentidos do discurso dominante
dade vem permitindo à midia camuflar a
como literais, contrapondo-se ao sujeito ativo
tendenciosidade das notícias divulgadas e uma
por sua incapacidade de ser uma fonte ativa
das formas de dar credibilidade à escolha do
no espaço midiático. São fontes passivas,
fato noticiado é o emprego de aspas na sujeitos de proeminência desconhecida ou
apresentação de opiniões. O jornalista, ao citar considerada irrelevante, cuja representação
fontes consideradas de alto nível, exime-se tem acesso restrito à mídia.
de expressar sua opinião abertamente, fazen- A tentativa de dar visibilidade aos dis-
do isso de modo encoberto pela opinião cursos dos vários segmentos é que confere
alheia. A citação é precedida ou sucedida de legitimidade à imprensa, por sua função
verbos introdutores de opinião, quando o mediadora de discursos. As características do
jornalista insere a fala da(s) fonte(s), colo- processo produtivo da notícia – classificação
cando-a(s) em evidência das interferências de ordem pessoal, ideoló-
Apesar do assujeitamento às questões gica e histórica e formação do agenda-setting
ideológicas e estruturais, há espaço para a – constituem-se em elementos de uma dada
inscrição do indivíduo no discurso, onde formação discursiva. Fica claro que o dis-
o sujeito pode deixar sua marca. O sujeito curso jornalístico é polifônico, com a pre-
tem “uma certa competência” na escolha sença das “vozes” da fonte e do emissor (o
de seu material discursivo. Esta concepção jornalista, que camufla sua presença autoral
de sujeito ativo pressupõe que o indivíduo por trás de uma pretensa objetividade). Este
faz algumas escolhas, embora seja afetado discurso tenta se fazer imparcial, deixando
pelo discurso. Segundo Possenti, “a pre- de marcar “vozes” de alguns enunciadores
sença do outro não é suficiente para apagar e do autor do texto, prevalecendo a voz do
a do eu, é apenas suficiente para mostrar discurso dominante na sociedade como sen-
que o eu não está só” (POSSENTI, 2002, do o de consenso. Orlandi (1996) e Marcuschi
p. 64/65). (1991) definem alguns tipos discursivos:
180 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Discurso Popular –. O discurso de acreditar; verbos introdutores do discurso


populares pensado por Marcuschi é produ- popular – contar, confessar, dizer.
zido por pessoas anônimas ou de grupos de Além dessa classificação, uma opinião
pequena representação no poder ou na opo- pode ser expressa na imprensa através de:
sição ao poder. É precedido ou seguido por • Nominalizações de verbos (a declara-
reduzido número de verbos introdutores de ção, o argumento), procedimento considera-
opinião. A maior incidência é do verbo–dizer do incisivo. A nominalização é a conversão
e de construções adverbiais que possuem de uma oração em um nominal (ao invés de
caráter de confissão. É comum a opinião vir dizer que “x criticou y”, coloca-se que “houve
sem o uso de um verbo introdutor; crítica contra y”). Isso permite omitir o sujeito
Discurso Polêmico – os sentidos do da ação, tendo um aspecto ideologicamente
discurso são geridos de modo a disputar o significativo;
sentido que se quer fazer prevalecer. Neste • Mediante construções adverbiais que
caso, há confronto entre formações tentam dar neutralidade, mas que transferem
discursivas diferentes. A relação é tensa e este a responsabilidade da opinião a quem a emite,
tipo é a marca da resistência nas relações como na nominalização. É diferente quando
de poder. Em alguns momentos, também se antecede uma opinião que vem entre aspas.
pode encaixar o Discurso Popular como As expressões mais freqüentes são “segundo
polêmico. Este tipo discursivo se caracteriza fulano”, “de acordo com”, “para fulano”.
por expressar a retórica do oprimido (resis-
tência); A representação do índio na mídia
Discurso Autoritário (ou do Poder) –
tenta fazer prevalecer um sentido uno, a Em nove meses de pesquisa, observamos
verdade é imposta. O sentido dominante é uma evolução aleatória, sem uma linearidade
reforçado como literal e histórico. É o caso que aponte para a presença do tema índio
do discurso religioso e o do governo. Este de modo regular, indicando que o tema surge
tipo se caracteriza por expressar a retórica de modo ocasional, provocado por uma
da dominação (opressão). Em Marcuschi, temática maior. Verificamos que predomina
encontramos uma divisão do Discurso do o senso comum sobre o indígena como
poder - subdividido em oficial, para-oficial selvagem pacificado, evidenciando que o
e da oposição. O primeiro trata do discurso índio entra na pauta dentro de um temário
representado pelos poderes Executivo, mais amplo, a violência, que há muito é
Legislativo e Judiciário e pelas Forças Ar- constitutivo do agenda-setting da imprensa
madas. O segundo reúne a opinião oficial brasileira. Dentro do tema violência, como
mais abaixo na hierarquia (universidades e vítima, não é qualquer um que é agredido,
instituições governamentais) e outras entida- mas o integrante de um grupo em extinção
des. O terceiro é originário da oposição ao e tutelado pelo poder, quase um “monumen-
governo. Incluímos aqui o discurso to tombado”; como autor da violência, entra
jornalístico, que, no relato do discurso do na pauta pelo inesperado, pois mesmo que
outro, tenta se aproximar do discurso da a “maldade natural” lhe ocorra, a civilização
autoridade. branca o converteu no “bom selvagem”, não
Os verbos introdutores de opinião mar- se esperando mais dele uma atitude agres-
cam o limite do discurso citado (normalmen- siva. Passemos para um texto analisado:
te aspeado). A partir de Marcushi (1991) e Índio Xucuru assassinado em Pesquei-
de Maingueneau (2002), apresentamos cate- ra (24.08.2001) – a violência, tema
gorias de verbos introdutores de opinião: constitutivo do agenda-setting da mídia,
verbos indicadores de posições oficiais e aparece nesta matéria com o assassinato do
afirmações positivas - declarar, anunciar, líder indígena Chico Quelé, tratando do
informar; verbos de força argumentativa - conflito entre fazendeiros e índios no mu-
frisar, ressaltar, destacar; verbos indicadores nicípio de Pesqueira. Mesmo sendo um crime
de emocionalidade circunstancial - desaba- contra uma liderança indígena, ocupa o
far, apelar, ironizar; verbos indicadores de espaço de uma coluna de jornal. Ao relatar
provisoriedade argumentativa - achar, julgar, o assassinato, o jornalista joga a responsabili-
JORNALISMO 181

dade da narração ao Cimi, dando margem à CONSTRUÇÃO ADVERBIAL – SEGUN-


dúvida sobre o fato: “segundo a versão DO A VERSÃO DIVULGADA PELO CON-
divulgada pelo Conselho Indigenista Missi- SELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
onário (Cimi), Chico Quelé, que não possuía (CIMI), CHICO QUELÉ....
registro de nascimento e tem a idade es- FONTE A – FONTE ATIVA
timada em 50 anos, seguia para uma reunião FONTE B – FONTE PASSIVA
do Conselho de Lideranças....foi assassinado”.
Se é uma versão, há espaço para outras, Conclusão
enfraquecendo a tese de homicídio. Claro que
é preciso uma investigação para a conclusão A análise de 127 textos jornalísticos
de que foi um crime, mas o índio morreu permitiu visualizar elementos indicadores do
vítima de um tiro de espingarda de calibre discurso que nos leva a afirmar que os
12, o que torna praticamente impossível não grupos minoritários – no caso específico, os
ser assassinato. A construção adverbial (“se- indígenas – ocupam a posição de fonte
gundo a versão...”) é um recurso que transfere passiva na imprensa. Toda fonte jornalística
para o Cimi a responsabilidade da afirmação ocupa uma posição na ordem da fala: fa-
de que foi um homicídio, eximindo o jornal
lando deste lugar, não consegue se afastar
e o repórter pelo dito. O discurso indígena
do segmento ao qual está inserido. O su-
(popular) é reduzido e substituído por outro
jeito tem seu discurso impregnado pela ide-
mais forte (para-oficial, do Cimi). A opinião
ologia, seja ele integrante de um grupo do-
do índio Marcos Luidson aparece seguida dos
minante ou excluído. A pesquisa nos per-
verbos denunciar, afirmar. O primeiro aponta
mite dizer que a representação social do
o discurso de oposição, mas a declaração é
enfraquecida mais adiante: “muitos deles índio na mídia pernambucana se dá através
(fazendeiros) não querem sair (das terras do discurso popular, enfraquecido por ver-
demarcadas) e prometem matar a mim e outras bos introdutores de opinião que não impõem
lideranças”, afirmou Marcos Luidson”. Isso força argumentativa ao discurso indígena,
é uma ameaça de morte, mas o verbo introdutor assumindo a condição de fonte passiva na
afirmar não dá o valor devido. A preocupação imprensa. O senso comum que prevalece é
com a falta de registro de nascimento enfra- de que os índios precisam da tutela do
quece a identidade indígena da vítima, reto- Governo e da Igreja, representando o dis-
mando o senso comum do índio como sel- curso do poder. Há notícias veiculadas sobre
vagem. o índio onde não há espaço para a
TEMA – VIOLÊNCIA CONTRA O ÍNDIO verbalização do discurso indígena. O índio
TIPO DE DISCURSO A – A VOZ DA não é sujeito de seu discurso nem tem poder
AUTORIDADE–– DISCURSO DE OPOSI- para construir sua história. Quem tem poder
ÇÃO/POLÊMICO (CIMI) para fazer declarações é a Funai, o Governo
TIPO DE DISCURSO B – A VOZ DO e a Igreja, reforçando o discurso oficial e
ÍNDIO – DISCURSO POLÊMICO/POPU- retirando dos índios o direito de ocupar
LAR (RETÓRICA DO OPRIMIDO) espaço na imprensa de modo ativo. Isso nos
A AÇÃO DO TEXTO EM A – VERBOS leva a concluir que o espaço midiático
EMPREGADOS: QUERER, PONDERAR reproduz as relações sociais da sociedade,
A AÇÃO DO TEXTO EM B – VERBOS com a classe dominante mantendo a força
EMPREGADOS: DENUNCIAR, AFIRMAR, de seu discurso e os grupos subalternos
DIZER mantendo-se à margem.
182 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Sawaia, Bader Burihan. Representação e


ideologia – o encontro desfetichizador in
Chauí, Marilena. O que é Ideologia. São SPINK, Mary Jane Paris (org). O Conhe-
Paulo, Brasiliense, 1980. cimento no Cotidiano – As representações
Jovchelovitch, Sandra (2000). Vivendo a sociais na perspectiva da psicologia social.
vida com os outros: intersubjetividade, es- São Paulo, Brasiliense, 1993.
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Vozes, 6ª edição, 2000, pp. 63-85. lução Histórica do Paradigma do Agenda-
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Textos de Comunicação. São Paulo, Cortez, nicação), nº 1, vol VIII, São Luís, 1999, pp.
2002. 14-37.
Marcuschi, Luiz Antônio. A ação dos
verbos introdutores de opinião in INTERCOM
(Revista Brasileira de Comunicação), nº 64. _______________________________
1
São Paulo, ano XIV, 1991, pp.74-92. Este artigo um recorte da dissertação de
Orlandi, Eni P. A linguagem e seu fun- mestrado “Sujeitos sem Voz: Agenda e Discurso
sobre o Índio na Mídia em Pernambuco”, defen-
cionamento: as formas do discurso Campi-
dida no Programa de Pós-graduação em Comu-
nas, Pontes, 1996. nicação da Universidade Federal de Pernambuco
Possenti, Sírio. Os Limites do Discurso. (UFPE) em outubro de 2003.
Curitiba, Criar Edições, 2002. 2
PPGCOM/UFPE.
JORNALISMO 183

El Prestige en los medios. Las claves de una gran confusión


M. Pilar Diezhandino Nieto1

Los Hechos El Faro de Vigo y La Voz de Galicia, editados


Noviembre de 2002 en Vigo y La Coruña, respectivamente,
principales periódicos del ámbito local y
Día 13. En tierra, el mal tiempo había regional de la Comunidad Autónoma de
cortado autopistas, carreteras, vías Galicia y tres televisiones dos de titularidad
férreas, y prácticamente incomunicado pública, TVE, TVG, de ámbitos estatal y
los aeropuertos. En mar: vientos de 90 autonómico, respectivamente, y una privada,
kms. por hora y olas de 9 metros. A Tele 5.
las tres de la tarde la tripulación del Se analizaron los días que transcurren
Prestige escuchó un ruidoso golpe en entre el 3 y el 13 de diciembre de 2003. El
el costado derecho. Se había abierto análisis se inicia el 3 de diciembre, 20 días
una grieta en el casco. A las 15:15 el después de producirse la catástrofe, porque
buque lanzó el S.O.S. Se encontraba a en ese momento ya todos los elementos de
28 millas (unos 50 km) al oeste del cabo la historia estaban sobre el escenario:
Fisterra. Una vía de agua en el costado personajes, instituciones, impresiones
de estribor amenaza al buque con irse generales, sospechas, críticas, acusaciones,
a pique, con las 77.000 toneladas de posturas ante el devenir de los hechos... hasta
fuel en sus tanques, que pueden reventar. los vacíos informativos quedaban bien
Los equipos de Salvamento Marítimo patentes.
se ponen en alerta. En el momento del Ya era más que evidente la
accidente, el barco llevaba los tanques desinformación que caracterizó a esta
de carga llenos y los de lastre vacíos. catástrofe: la constante del control, o
Día 19. Tras siete días de una descontrol, según se mire, de la información.
incontrolada travesía, y más de 242 Para entonces, en fin, ya se tenían claras
millas recorridas de norte a sur, de este (siempre por lo que contaban los propios
a oeste, (el doble de lo que pretendía medios) las características que estaban
el Ejecutivo español) A las 8 de la definiendo este desastre medioambiental,
mañana el Prestige se partió en dos, económico, político e informativo.
a 130 millas (234 kilómetros) de Esas características podían resumirse así:
Fisterra, a la altura de las islas Cies. 1.Oscurantismo, desinformación y
Unos minutos después, la proa y la popa falseamientos permanentes de la situación
comienzan a hundirse. No se cumplió consecuencia de un pretendido (no logrado
lo que había sostenido Marina del todo) control de la información y desvío
Mercante, que, de partirse en dos, “se de la atención. Razones por las cuales el
remolcarán de forma independiente la desconcierto definió las líneas de la gestión
proa y la popa, que deberían informativa de la catástrofe.
mantenerse durante un tiempo a flote, 2. Contrainformación. Despliegue de
hasta alejarlas lo máximo posible de mensajes informativos y de denuncias lanzados
Galicia en la Red, voces individuales y colectivas
reclamando atención, impresionantes
Lo que voy a exponer a continuación es, respuestas a las llamadas a la movilización
en una muy breve síntesis, el fruto de un ciudadana. Internet en su papel de gran
trabajo de investigación cuyo corpus se ha movilizador general, inductor del activismo y
circunscrito a seis periódicos: El País, El gran exponente de la información de servicio
Mundo, ABC y La Razón, editados en Madrid; .Muy por encima de ningún otro medio..
184 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

3. La información oficial (Gobierno en El País crítica, ni indagaciones especiales,


central y Xunta de Galicia), de espaldas a en unos momentos en los que de haberlas
la voz de los expertos, científicos, habido quizá pudieran haber tenido alguna
especialistas, bajo dos aparentes lemas que influencia para la toma de decisiones.
podrían reflejarse con dos frases extraídas Ninguna petición de intervención de expertos
del refranero español: 1: “A mal tiempo buena y científicos. Fue la cobertura mínima
cara”, 2. “No hay mejor defensa que un buen obligada por un acontecimiento noticioso, in
ataque”. crescendo, que fue cubriéndose con las
4. Las contradicciones entre expertos y informaciones de las fuentes recurrentes...
científicos, para agravar más la situación de No así La Voz de Galicia. La cercanía
desconcierto. como gran valor noticioso. Que una marea
5. La confrontación política entre negra, un desastre ecológico de tan gran
gobierno y oposición, situada en el lugar que calado, se trate, aunque sea en el primer
debería haber ocupado la búsqueda conjunta encuentro con ella, como noticia casi-local,
de soluciones. demuestra la existencia de un sistema
6. Diferencias apreciables en cuanto al informativo cuando menos falto de reflejos.
tratamiento de los hechos entre medios Luego, por supuesto El País se involucra
públicos y privados, prensa nacional y de lleno. No podía ser de otra manera, cuando
regional/local, y entre prensa y TV. el desastre ecológico se hizo patente, cuando
En esta situación lo que se intentó fue, el debate político- partidista estaba en plena
desde el método del análisis de contenido, ebullición, cuando el tema es de interés
introducir la variedad de los contenidos de internacional2, cuando interviene la U.E. y
una historia en desarrollo y en un contexto la prensa extranjera se hace eco. Cuando el
complejo. No interesaron aisladas las desastre, en fin, ya se había producido.
variables clásicas (tema, fuentes, personajes,
tiempos/espacios, géneros, relevancia, etc) El proceso informativo de la catástrofe
sobre el campo de análisis, sino que se
sumaron, con todos sus inconvenientes Es cierto que no fue fácil informar en
metodológicos, 18 claves para adentrarse en medio de la permanente contradicción, el
además del genérico “de qué” se informa, ocultamiento de datos y la multiplicidad de
en el “sobre qué aspectos” se contempla la voces que se lanzaron a la palestra
explicación de una información, y por tanto, comunicativa. Sin olvidar la dificultad de
a qué dan preponderancia los medios entender y explicar las múltiples aristas de
Como información de crisis, el del un acontecimiento con derivaciones tan
Prestige es un ejemplo del doble balance de variadas.
intereses: lo que pasa y se tiene que saber, Todo el mundo hizo, en efecto, su propia
y lo que se ofrece, teniendo en cuenta, el aportación y denuncia en esta catástrofe:
papel que jugaron las fuentes oficiales, como marineros, pescadores, alcaldes, voluntarios,
voz dominante tratando de ocultar o al menos partidos políticos, gobiernos y medios de
retardar el efecto social del desastre. comunicación extranjeros, Confederaciones de
En una previa lectura comparada entre empresarios, organizaciones ecologistas (Adena
El País -periódico de alcance nacional- Greenpeace y Sociedad Española de
y La Voz de Galicia de Galicia -local y Ornitología…), vecinos, investigadores, expertos...
regional-, del 14 al 20 de noviembre de 2002, Y luego estaba el escenario de una
resultó evidente que mientras El País, hasta realidad tozuda, desde lo que se podía apreciar
después de una semana, fue aséptico, no se a simple vista el tamaño de la catástrofe en
involucró en el acontecimiento, La Voz de las zonas afectadas o a través de las imágenes
Galicia lo hizo desde el primer instante. La que se iban obteniendo gracias a los sistemas
noticia fue inicialmente gallega. de detección por satélite.
De los contenidos de El País no se Los medios tecnológicos y científicos, y
dedujeron las contradicciones y direcciones cientos de voces, empezaron a desdecir a una
erráticas que iba tomando la catástrofe del “oficialidad” obstinada en llamar a la marea
Prestige. De La Voz de Galicia, sí. No hubo negra, derrame o manchas o galletas de
JORNALISMO 185

chapapote, o a los borbotones de fuel, de crisis de Xunta de Galicia y Gobierno


“hilillos de plastilina”. Central.
Ha sido crucial el papel cumplido, en El tema se mantuvo como absolutamente
primer lugar, por el Instituto Hidrográfico prioritario durante semanas.
de Portugal, al que han prestado mucha Desde luego, en primer lugar por su
atención, fundamentalmente El Faro de Vigo inevitable carácter noticioso, porque
y La Voz de Galicia, y Cedre, Instituto francés respondía a todos los ingredientes de atención
de Prevención y Control de Vertidos de de los medios: un acontecimiento fuera de
Hidrocarbuiros. Y fuentes como la todo control, motivo de impacto por su propia
Federación Gallega de submarinismo, naturaleza, y, por si fuera poco, que suscita
Instituto Oceanográfico de Vigo, equipos de un movimiento ciudadano sin precedentes. No
investigadores universitarios gallegos, y hay que olvidar que en esta catástrofe se
hasta, como decía La Voz de Galicia, demuestra el poder movilizador de la red,
filtraciones de los propios asesores de los sin perjuicio de considerar el hecho claro del
cerrados gabinetes de crisis...Y siempre con propio proceso de actuación de la sociedad
la ayuda inestimable de Internet y las webs civil, organizada sobre un mayor dominio de
de todos los organismos con algo que decir. las claves mediáticas.
Por eso, en esta catástrofe no puede decirse
de ningún medio que no haya ofrecido Resultados
información. Y mucha. Podrá eso sí considerarse
más o menos acertada, mejor o peor utilizada. Tanto en extensión como en número de
El despliegue de voces, sin embargo, no informaciones, y en la relevancia dada a la
hizo mella en los mal planteados Gabinetes información, los datos hablan por sí solos:

Tabla 1 - Número de informaciones publicadas


La Voz
El La Faro
ABC El País de Tele 5 TVE 1 TVG
Mundo Razón de Vigo
Galicia
Total 123 156 144 140 358 271 139 83 222
Media 12,3 15,6 14,4 14 35,8 27,1 13,9 8,3 22,2

Tabla 2 - Espacio dedicado a la información

Espacio / Tiempo ABC EP EM LR FV LVG TVE T5 TVG


Número de
9,9 10,2 9,7 10,9 20,7 16 — — —
páginas por día
Minutos emitidos por día — — — — — — 22 27 59
Número de
12,3 15,6 14,4 14 35,8 21,7 8,3 13,9 22,2
informaciones por día

Tabla 3 - Relevancia de la información (1)

Prensa ABC EP EM LR FV LV G M
Noticia de portada 9% 6,55 6,9% 6,6% 4% 3,8% 6%
En portada 11,5% 20,65 13,2% 13,2% 5,4% 16% 13%
En contraportada 0,8% 0,6% 1,4% 1,5% 2,8% 5,3% 2%
Páginas interiores 77,9% 72,3% 75,7% 75% 87% 74,5% 77%
En suplemento 0,8% — 2,8% 3,7% 0,8% 0,3% 1%
186 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Tabla 4 - Relevancia de la información (2)

Televisión TVE T5 TVG M


Noticia del día 34,1% 2,2% 26,7% 21%
Sumario de apertura 8,2% 19,4% 16,3% 15%
Sumario de cierre — — — —
Sólo en desarrollo 57,6% 78,4% 57% 54%

En el centro de la polémica política concretos reduce la visión de la relación que


el contexto social y las condiciones políticas
Patrick Daley y Dan O´Neill, que tienen sobre las conductas individuales,
analizaron la catástrofe del Exxon Valdez en Sotirovic afirma que las presentaciones de
aguas de Alaska (1989) en tres medios: los media, pueden contribuir a encontrar
Anchorage Daily News, Boston Globo, y causas personales a lo que son problemas
Tundra Times, concluyeron que el carácter sociales.4 O dicho de otra manera: deducir
discursivo de la esfera pública-mediática es un juicio equivocado, desviar la atención del
variado, abierto y complejo: numerosas voces, centro del problema.
posiciones encontradas, de políticos, En el tratamiento del Prestige, la
científicos, ecologistas, pescadores, focalización, la abundante personalización
ciudadanos... Pero, observaron que “la (pescadores, cofradías, voluntarios,
preponderancia de la cobertura claramente ecologistas, etc), no fue lo que desvió la
favoreció al estamento gubernamental e atención del centro del problema. Muy por
industrial”, que “el relato del desastre el contrario, ayudó a reconocerlo.
abiertamente alejó el discurso de la arena Pero, en cambio, es cierto que el marco
política y lo introdujo en el dominio de la general de la catástrofe, sus causas, cómo
inevitabilidad tecnológica”3. afrontarla, como evitar otras nuevas, teniendo
En el caso del Prestige, ocurrió en cuenta esa trágica historia de los últimos
exactamente lo contrario. 30 años de las tan castigadas aguas gallegas,
La preponderancia de la cobertura, o más no quedó suficientemente planteado. Y ello
bien el fondo del relato excesivamente porque, junto al rostro humano de los afectados
enmarcado en un escenario político lleno de más directos, los medios situaron el centro
confusión, unido al gran volumen, podríamos del problema en la catástrofe ... pero vista
decir, en bruto, de información ofrecida, hizo desde la perspectiva de la mala gestión política.
que fuera más fácil afirmarse en una postura Se buscaron voces múltiples para reforzar
crítica que extraer conclusiones sobre la posiciones y lamentos, el interés humano de
verdadera dimensión del problema. Los la noticia, pero no para la búsqueda, exigencia
medios se preocuparon acaso más en acusar podría decirse, de soluciones en un marco de
(o apoyar) al Gobierno (persistente en su referencia con los antecedentes de Galicia. No
insistencia en el ocultamiento de los hechos), puede olvidarse que siete de los once accidentes
que en esclarecer responsabilidades, más allá marítimos más graves ocurridos en los últimos
de las políticas. La catástrofe (o las sucesivas 30 años han azotado las costas gallegas5.
catástrofes), y sus motivos y consecuencias, Algunos son éstos: 1970: el Polycommander;
se cruzaron en protagonismo con el elemento 1976: el Urquiola; 1978: Andros Patria; 1992,
noticioso sobrevenido a la marea negra: la el Mar Egeo; 1997 el Casón...
actuación del gobierno y la desinformación Los medios analizados siguieron el rastro
de las fuentes oficiales. del barco, el chapapote y las duda sobre la
Basándose en la teoría de la atribución información que iba ofreciendo el gobierno,
(el uso de la información para llegar a una pero su cobertura fue corta de miras.
atribución causal, Kelley, 1967) y en las Y, pese al deseo de minimizar el daño,
investigaciones que deducen que el enfoque del control de la información desde las fuentes
de las noticias sobre el interés humano y la oficiales, curiosamente el gran volumen de
personalización en casos e individuos la información se debió a ellas.
JORNALISMO 187

Hasta con un caso como el del Prestige Una de sus tablas planteaba estas
se demuestra que el análisis de Sigal de los diferencias:
dos grandes periódicos americanos, The New Rutinarios: 74,6%
York Times y Washington Post -de 1949 a Informales: 18,7%
1969-, publicado en 1973, sigue vigente. Individuales: 6,6%
Entre lo que él llamó “canales rutinarios” o Por eso dijo: “La elaboración de las
procedimientos oficiales, “canales noticias ha sido atrapada por las prácticas
informales” o procedimientos no oficiales y burocráticas”6.
“canales individuales”, a iniciativa del No han cambiado especialmente las cosas.
reportero, el predominio claro estaba en los Los resultados sobre el uso de fuentes
primeros. en el caso del Prestige son éstos:
Tabla 5 - Fuentes

Fuentes* ABC EP EM LR FV LVG TVE T5 TVG M


6
Institucionales 53% 53 45 48 36 38% 61 37 59% 48

% % % % % % % % % %
No institucionales 18 22 17 16 33 26 27 35 26 24
Informes y
5 8 7 3 5 5 1 1 1 4
documentos
Otros medios 8 9 9 8 3 5 0 1 1 5
Sin referencia
16 8 22 25 23 26 11 26 13 19
a fuentes

Hay que tener en cuenta que las cifras • El periodismo televisivo es más pasivo
relativas a ‘Sin referencia a fuentes’, en un que el impreso8.
porcentaje elevado habría que sumarlas a las • Epstein en 1981: “En televisión el centro
‘Institucionales’, dada la coincidencia de de atención está puesto en qué ocurre no en
muchos datos informativos con los contenidos por qué ocurre”9,
en las Notas de Prensa emitidas por el Gobierno • Mira Sotirovic 10: diferencias entre
y que se han utilizado sin citar la fuente. televisión y periódicos en cuanto a presentar
El contrapunto a este tan instalado las noticias con significados contextuales
burocratismo excesivo de la información, lo (periódicos) y sin ellos (televisión).
ponía Gans en el tiempo que dediquen los En el análisis del Prestige, se confirman
periodistas al trabajo de investigación. La las tres.
cuestión, decía, es convencer a los periodistas Se podría añadir que en este caso, frente
de buscar las fuentes autorizadas de varias a los medios escritos, las televisiones
posiciones.7 Resulta bastante evidente que aún estuvieron más centradas en el interés humano
no están convencidos. de la catástrofe -fundamentalmente TVE y
TVG- y en las contradicciones de las fuentes
Televisión frente a medios escritos oficiales (Telecinco).
Se puede apreciar en los resultados de
Parto de estas tres ideas: las Claves informativas:
Tabla 6 - Claves
Las claves ABC EP EM LR FV LVG TVE T5 TVG Media
La marca negra 12,4% 11,7% 12,5% 15,45 12,9% 13,6% 23,7% 26,6% 17,0% 16,20%
Actuación
del Gobierno 19,1% 13,7% 18,0% 16,4% 12,6% 10,6% 20,4% 14,5% 18,5% 14,16%
y de la Xunta
Actuación
3,7% 2,8% 2,7% 3,3% 1,2% 1,8% 3,7% 1,3% 2,8% 2,59%
de la UE
188 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Actuación de
gobiernos de 6,0% 5,45 4,7% 2,8% 3,7% 5,0% 3,0% 1,3% 4,9% 4,09%
otros países
Actuaciones
de la oposición,
6,0% 6,0% 9,4% 7,0% 7,1% 4,8% 4,4% 5,3% 6,2% 6,24%
CCAA y
Ayntamientos
Actuaciones
de asociaciones, 1,1% 1,4% 2,4% 0,9% 3,45 2,5% 0,7% 1,0% 1,6% 1,67%
y ONG's
Actuación
6,7% 4,8% 3,9% 5,6% 10,5% 7,5 17,0% 14,5% 23,0% 10,39%
ciudadana
Actuación
de los medios — 1,4% 0,8% 0,5% 0,2% 1,5% 0,7% 1,0% 0,4% 0,72%
de comunicación
Solidaridad con
0,7% 1,4% 1,6% 3,3% 4,4% 4,5% 1,9% 4,6% 2,8% 2,80%
los afectados
El debate /
enfrentamiento 11,6% 14,0% 13,3% 14,5% 5,7% 10,3% 6,7% 4,6% 4,2% 9,43%
político
Críticas y
protestas contra 8,6% 13,1% 11,0% 10,3% 14,7% 13,1% 2,2% 5,6% 4,9% 9,28%
la Administración
Consecuencias
1,5% 1,1% 1,6% 1,9% 0,9% 1,0% 0,7% 1,3% 1,4% 1,27%
políticas
Consecuencias
4,5% 2,0% 2,4% 4,7% 5,0% 4,3% 5,9% 4,6% 5,1% 4,28%
económicas
Consecuencias
3,7% 1,7% 2,0% 2,3% 5,9% 6,0% 6,7% 2,6% 3,5% 3,82%
medioambientales
Consecuencias
2,6% 0,6% 1,6% 2,3% 3,0% 2,3% 0,4% 4,3% 2,6% 2,19%
sanitarias
Explicaciones
5,6% 4,8% 2,7% 5,1% 2,5% 4,5% — 3,3% 0,5% 3,22%
técnicas
Antecedentes 1,1% 2,8% 1,2% 0,9% 0,5% 1,8% 0,7% 2,3% 0,4% 1,30%
Normativas y
4,1% 8,3% 3,9% 2,8% 2,0% 2,5% 1,1% 1,3% 0,2% 2,91%
sanciones
Humor 0,7% 2,8% 4,3% — 3,9% 2,5% — — — 1,58%

Basta observar los resultados de las siguientes claves:


• Marea negra: destacan de manera Pero los medios analizados, en general,
notable las televisiones, en las que fue el siguieron el día a día de la noticia sin
núcleo central de su información. plantearse iniciativas especiales. Ni especial
• Actuación del Gobierno central y de preocupación en el contexto de antecedentes
la Xunta de Galicia: sdistinguen El País, La y consecuencias, a menudo tan crucial para
Voz de Galicia, y Faro de Vigo, que se alejan la previsión ante posibles nuevas catástrofes.
del resto en una proporción apreciable. Lo que hubiera sido una información efectiva
• Críticas y Protestas contra la y desde luego constructiva. Un sentido
Administración: nuevo, pero en sentido imprescindible en la información periodística
contrario El País, La Voz de Galicia y Faro hoy.
de Vigo, difieren del resto. Fueron los medios El chapapote que embadurnó casi
más críticos con la Administración. 2.890 kms de costa, desde la
• Actuación ciudadana: Destacan las desembocadura del Miño hasta la frontera
televisiones, de manera notable TVG (televisión francesa 11 manchó también la credibilidad
de Galicia), como no podía ser de otra forma. de las televisiones públicas, aunque es
• El debate. Enfrentamiento político: El cierto que no dieron como promedio
País y La Razón. Ambos naturalmente, con informativo un resultado muy distinto de
posiciones opuestas. la televisión privada.
JORNALISMO 189

La diferencia estuvo marcada en el lenguaje TVE:


y en el tono (que, por supuesto, cambia el • Se puede decir que la práctica totalidad
sentido del mensaje) de la información, crítico de este primer Parque Nacional de Galicia,
en el caso de Telecinco y prudente y que forman tanto las islas Cíes como las Ons
escudriñando el posible aspecto positivo en el y Sálvora, está contaminado.
caso de TVE y TVG: la búsqueda de minimizar
el impacto de los daños. Día 9
No tanto en la información y el
conocimiento. Telecinco:
Sirvan estos ejemplos. Versiones diferentes sobre la calidad y
cantidad de los vertidos. Según el gobierno
Día 4 (diciembre 2003):
español, hay dos manchas, una de 10,4 km.
Y otra de 14/… Según la versión portuguesa,
Telecinco:
sobre el Prestige avanza una única mancha
• Lo que dice la Xunta es un discurso
diferente al de días atrás. Ya no le queda más de 50 kms. De largo por 20 de ancho
remedio que reconocer el avance y los
terribles efectos del fuel. TVG:
• Lo que dice el Gobierno y lo que dice • Hay tres manchas. Una a unas 47 millas
Portugal siguen siendo cosas diferentes. de Ons (son unas 25 manchas de distinto
tamaño y grosor), otra a unas 20 de la Costa
TVG: da Morte y otra en la zona comprendida entre
• La marea negra ha llegado ya a las Rias Baiona y A Guarda….
de Arousa, Pontevedra y Vigo. En el Norte, • Las playas de la Mariña amanecían hoy
muchas manchas van a la deriva hacia limpias. El viento del sueste está beneficiando
Finisterre y comienzan a detectarse nuevos a esta comarca, alejando restos de fuel que
restos… este fin de semana sí llegaban a las playas.

TVE: TVE:
• El Nautile no ha encontrado de momento • Según Rajoy, la principal amenaza en
nuevas manchas ni grietas importantes en la Galicia se encuentra a unas 50 millas de Cabo
estructura de los restos hundidos… Silleiro, donde se han localizado varias placas
• Manchas frente a la Isla de Sálvora, de fuel.Además hay una gran mancha en la
a 10 millas de la ría. zona en la que se hundió el Prestige. El Nautile
ha dtectado otras tres grietas más…
Día 6
Los géneros y formatos de la información
Telecinco:
• “Auténtico desastre ecológico en el
Parque Natural de las Islas Atlánticas”. Las iniciativas se detectan también desde
• De los hilos detectados por el submarino la perspectiva de los géneros. En los
ha hablado el presidente del Gobierno. Se resultados del análisis es clara la diferencia
mantiene en lo dicho ayer por Rajoy entre la información y el reportaje (a pesar
–“hilillos de plastilina”- , dice que son de ser éste el género de los informativos con
solamente eso, hilos de fuel valores más amplios). La razón es sencilla,
las diferencias en cuanto a iniciativa del
TVG: medio las marca el valor añadido que
• Cerca de un millar de personas trabajan representan los géneros que exigen la
para que el fuel no dañe el interior de la presencia del periodista en la escena de los
ría de Vigo y por salvar las Islas Cíes, el hechos, el contacto con fuentes directas, la
único parque Nacional de que dispone Galicia tarea de interpretar e investigar, el trabajo,
a día de ho. en fin, fuera de la redacción.
190 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Tabla 7 - Periódicos-Géneros

Géneros
ABC EP EM LR FV LV G Media
periodísticos
Información 66,4% 65,8% 45,8% 50,7% 48% 49,8% 54%
Reportaje 9% 17,4% 12,5% 12,5% 19,8% 12,2% 14%
Entrevista 2,5% 0,6% 2,8% 2,9% 4,2% 3% 3%
Crónica 1,6% 3,2% 4,2% 2,2% 1,7% 1,5% 2%
Artículo
14,8% 5,8% 18,8% 21,3% 18,9% 24,3% 17%
de opinión
Editorial 3,3% 1,9% 4,2% 8,1% 0,3% % 3%
Tira cómica 1,6% 2,6% 7,6% — 5,9% 3% 3%
Otros géneros 0,8% 2,6% 4,2% 2,2% 1,1% 6,1% 3%

Un dato significativo es el valor que se no dedicaron. En este caso, estamos hablando


concede a la opinión. Y en este sentido, hay sólo de los medios escritos.
que dejar constancia de que los artículos de Puede repetirse para el caso del Prestige
opinión han representado un espacio lo que entonces decía para la Guerra de
importante. Yugoslavia: “Muchas claves para la
Como constataba en un análisis sobre la interpretación, pero pocas iniciativas para
guerra de Yugoslavia, 1999, los espacios de la eficacia de la información, pensando en
opinión de los medios ofrecen muchas más una opinión pública desorientada, en un
claves que los de información. Claves que ciudadano sorprendido. O en inducir a la
hubieran necesitado la explicación y el clase política a una actuación mejor
seguimiento de la redacción que los medios definida.”

Tabla 8 - Formatos de televisión

Formatos televisos TVE T5 TVG M


Pieza12 22,8% 44,3% 30,7% 33%
Cola 6,3% 2,6% 5,6% 5%
Sólo presentador 10,6% 6,8% 13% 10%
Sólo imágenes % 0,4% % 0%
Declaraciones 35,6% 23% 39,6% 33%
Corresponsal 23,8% 22,1% 10,4% 19%
Entrevista % 0,9% 0,7% 1%
Sólo en desarrollo % % % 0%

No hay duda de que en general hicieron claro que dio a los informativos el tono, el
un esfuerzo en informar con una viveza, color y el olor de la calle.
agilidad y recursos poco habituales. En este
sentido, el hecho de que se sigan Para concluir
considerando a las televisiones más pasivas
que a los medios escritos hace referencia alos Un posible interrogante final es: ¿qué
contenidos más que a los formatos. Se sacaron influencia tuvo esa información en los
las cámaras a la calle, se dio voz a los receptores?.
habitualmente ´sin voz´. Ese periodismo de The Wall Street Journal presagiaba el 11
interés humano que responde a la clave ya de diciembre 2002 que la crisis podría
citada de las actuaciones ciudadanas, quedó amenazar la reelección del gobierno del PP
JORNALISMO 191

en 2004 dado que “este incidente ha puesto resultado de las elecciones municipales del
en evidencia la falta de habilidad de Aznar”. 25 de Mayo de 2003 en uno de los pueblos
Sin embargo, no ocurrió así. más afectados de la Costa da Morte gallega:
Un ejemplo simplemente gráfico fue el Muxía.

Muxia Censo PP PSOE BNG EUIU


3948 1918 1182 265

Recojo dos ejemplos de la información El del Prestige, en fin, es un ejemplo de


que ofrecen La Voz de Galicia y El País la fuerte politización de los medios españoles.
sobre los resultados: De cómo a menudo en lugar de centrarse en
ofrecer conocimiento relevante -con información
La Voz de Galicia, .5.2003:13: contrastada y verificada- sobre el problema
• “El PP logra un triunfo histórico en O motivo del interés público, los medios actúan
Grove mientras el PSOE de Gago cae en de manera tal que se sitúan. en el fragor de la
Vilagarcía” polémica e incluso la protagonizan. Y así,
• “La división interna castiga más al PP desfiguran el problema, invalidan la formación
de una opinión pública informada y dificultan
en la costa que el chapapote”
la toma de decisiones, o la búsqueda de
soluciones. Se hace un periodismo de corto
El País: 26.5.2003:38
alcance. Y quizá el del Prestige es un buen
• Galicia. “El PP retrocede pero no se ejemplo también de que cuando la información
hunde”. planea sobre la arena de la confrontación política,
• “El PP gallego , que se sometía en las ni es más efectiva a la hora de cambiar la actitud
urnas a una especie de veredicto por el caso de los públicos, aún en casos que parecen no
Prestige, retrocedió en las principales ser dudosos de afectarles, ni beneficia la
ciudades de la comunidad autónoma, pero percepción del problema en su conjunto, ni aporta
evitó el descalabro” al debate nuevos argumentos para la acción
política (o prevención de futuro). En el primer
Si fuera cierto que los periodistas asumen caso porque, se pone de manifiesto que la crítica
qué esperan y desean las audiencias13, aquí, mediática es fácil de ser contrarrestada con
todos debieron pensar que lo que interesaba acciones políticas a favor de los afectados (la
a las audiencias era la controversia. Sin duda fuerza de las condiciones sociales externas de
se equivocaron. las que hablaba también Gans14.
192 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

8
_______________________________ Wolf, Mauro, La Investigación en
1
Universidad Carlos III de Madrid. Comunicación de Masas, Crítica y Perspectivas,
2
El mundo estaba prestando atención a lo que Piados, 2000: 249.
9
iba pasando, dado que este era un caso claro de Citado por Wolf, M. op. cit.
10
catástrofe con “dimensión internacional”, un Sotirovic, M. op.cit, 124.
11
suceso “globalizado de verdad”, como dijo The Según el documento presentado en febrero
Independent,19.Nov.2002. 2003 por España en el Fidac (Fondo Internacional
3
P Daley, Dan O´Neill, “Sad is Too Mild a Word”: de Indemnización por Contaminación de
Press Coverage of the Exxon Valdez Oil Spill, Journal Hidrocarburos).
12
of Communication, 1991, 41, 4: 42-55. Diezhandino M. Pilar, La Guerra de las
4
Sotirovic, Mira, “How Individuals Explain mil claves. La oportunidad perdida de los medios.
Social Problems: The Influences el Media Use, Estudios de Periodística VIII. Diputación de
Journal of Communication”, March, 2003: 132-33. Pontevedra, 2000: 17-53. Tanto en el término
5
La Voz de Galicia, 26.11.02:11. televisivo llamado “cola” como “pieza” existe
6
Sigal, Leon V., Reporteros y Funcionarios, un video montado y una voz que comenta las
Ed.Gernica, 1978: 20. imágenes. La diferencia es que en la “cola” es
7
Las fuentes que llamamos “institucionales” el propio presentador el que habla en directo y
hacen referencia a las instituciones públicas y en la “pieza “ se trata de una voz en off ya
políticas: desde Gobiernos (central y autonómico), grabada.
13
ayuntamientos, partidos políticos, sindicatos, hasta Mira Sotirovic, “How Individuals Explain
instituciones como el C.S.I.C.; las”“no Social Problems: The Influences of Media Use”,
institucionales”: instituciones privadas, Journal of Communication, Mars, 2003.
14
movimientos de la sociedad civil y órganos que Gans, Herbert. “Reopening the Black Box:
los representan, y voces individuales que sólo son Toward a Limited Effects Theory”, Journal of
portavoces de sí mismas. Communication, Otoño, 1993.
JORNALISMO 193

Alberto Bessa e a sua história do jornalismo – uma memória de cem anos


Rogério Santos1

No presente trabalho, parte-se da análise gem inflamada, levantando-se contra a cen-


de um livro de Alberto Bessa sobre a história sura de imprensa no final do regime
do jornalismo (O jornalismo. Esboço histó- monárquico. Por essa altura, Lisboa tinha
rico da sua origem e desenvolvimento até mais de uma vintena de jornais diários, muitos
aos nossos dias), editado em 1904 – há deles com tiragens bastante reduzidas e
precisamente um século. Dividiu-se o texto pagando mal, quando pagavam, aos seus
em duas partes, sendo a primeira a apresen- colaboradores.
tação do livro, enquanto na segunda se faz O êxito da sessão levou o autor a pu-
uma reflexão sobre o trajecto profissional do blicar o texto, ainda nesse ano. No livro, há
jornalista e o surgimento da Associação da referências a salários e estatuto dos jorna-
Imprensa Portuguesa, a que ele ficou ligado listas, à divisão entre jornalistas especialistas
profundamente. e generalistas, com apresentação dos prin-
cipais jornais por país e o carácter literário
A história do jornalismo de muitos deles. Não se trata de uma pers-
pectiva científica como a dos manuais de
Foi a 9 de Março de 1904 que Alberto jornalismo de hoje ou de um trabalho prático
Bessa deu uma conferência pública sobre a de como fazer reportagens ou notícias, mas
origem do jornalismo e o seu desenvolvimen- mais um reportório histórico de tendências
to. A ocasião seria a cerimónia de inaugu- da actividade em países como os Estados
ração da Sociedade Literária Almeida Garrett, Unidos, Inglaterra e França, sem esquecer
grémio de escritores, literatos e artistas, em Portugal.
Lisboa, de que o orador foi animador. Nos O tema mais reflectido seria o da relação
comentários à conferência, escrevia o entre intelectual e repórter no jornal, demons-
Diário de Notícias (10 de Março de 1904) trando que, no começo do século XX, o
que “Alberto Bessa manifesta não só grande jornalista ainda estava dividido entre as duas
investigação de notas e de factos notáveis profissões. Bessa deu exemplos como o
no jornalismo de quase todo o mundo, como L’Echo de Paris, surgido em 1884, ao preço
também um grande estudo sobre a especi- de 10 cêntimos, mais barato 50% que outros
alidade”. A peça noticiosa, seguindo as ideias jornais: “O novo jornal veio democratizar a
do conferencista, destacava a imprensa como literatura, espalhando-as entre todas as clas-
“palavra organizada em instituição, tornada ses sociais, atingindo mais de 150 mil exem-
eco da multidão anónima, obscura, desvali- plares”. Na lista dos seus colaboradores
da, paciente, irresoluta e murmurante, ser- figuravam nomes como Edmond de Goncourt,
vindo, com a sua voz, de válvula de segu- Alphonse Daudet e Anatole France. Logo a
rança providencial”. seguir vinha o Le Journal, saído em 1892,
Vivia-se um período de confluência da que também unia a faceta literária à da
imprensa política com a informação mais informação e onde se publicavam “números
neutral, de carácter levemente sociológico, especiais consagrados aos grandes aconteci-
em que era ainda notório o peso dos escri- mentos artísticos ou desportivos, teatros,
tores na confecção de artigos de fundo e na salões, corridas, etc., números profusamente
produção de folhetins, o repórter nascia como ilustrados”. Já nos Estados Unidos, os jor-
informador que procura os factos na rua e nais eram “mais feitos com os pés do que
o noticiário se apresentava como matéria com as mãos”, significando que o profissi-
distinta das gazetilhas poéticas e dos artigos onal tem de “andar muito, de correr à caça
de fundo, muitos deles escritos em lingua- da notícia, esteja ela onde estiver, de ser muito
194 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

activo e muito rápido”2. Os jornalistas pre- começo de carreira podia ganhar apenas 500
cisavam de réis diários4.
Alberto Bessa explicava o sucesso dos
“demonstrar que estão alerta, que tudo jornais americanos – as verbas angariadas
ouvem, que tudo vêem, que se não pela publicidade. Para o autor, “Sem a re-
fatigam […]. O que se quer é que o ceita dos anúncios e reclames, as edições dos
público seja informado de tudo no domingos dariam enorme prejuízo às respec-
menor espaço de tempo possível. Para tivas empresas”. É que as edições dos do-
isso, as notícias têm de ser breves, mingos na América, cujo elevado número de
sérias e secas, a não ser que se trate páginas causava assombro,
de casos verdadeiramente sensacio-
nais”. “variam entre 30 e 140 páginas, com
sete colunas de leitura em cada pá-
O mesmo ocorria com os jornais ingle- gina. Atingem cinquenta páginas de
ses: o Times dedicava “uma insignificância anúncios, quatro páginas de histórias
à parte que pode chamar-se intelectual, mas cómicas, coloridas para crianças, um
faz pagar por bom preço a parte destinada trecho de música para cortar e colar,
ao negócio ou a interesses meramente par- um quebra-cabeças que entretém uma
ticulares”. As remunerações e as mordomias meia hora, cinco ou seis páginas
dos correspondentes foram assunto a mere- ilustradas para senhoras com todas as
cer muito destaque no livro, até pelas com- modas da semana, cinco ou seis
parações com a realidade jornalística naci- páginas consagradas ao teatro com a
onal. Para Bessa3, o crítica das peças novas, reproduções
das cenas principais e retratos dos
“correspondente inglês em Berlim artistas”5.
ganha mil libras por ano, tem casa
paga e quinhentas libras para despe- Isto além de duas páginas de correspon-
sas de expediente e de representação. dência estrangeira e vinte consagradas aos
O de Paris, a quem os colegas cha- Estados Unidos.
mam o príncipe dos correspondentes, Das rotinas produtivas dos jornalistas
recebe duas mil libras por ano, habita pouco escreve o autor. Mas refere, embora
uma casa magnífica, tem carruagens sem o designar deste modo, o “faro” para
e cavalos à sua disposição e recebe as notícias:
ainda mil libras por ano para gastos
extraordinários”. “Um dos correspondentes – cita Bessa
– dizia aos jovens jornalistas: «sem-
O autor destacou também os directores pre que logrem apanhar uma indis-
e diferentes níveis hierárquicos dos jornais. crição ou uma informação […] mu-
O New York World, pertencente a Joseph dem logo de assunto, mas não se
Pulitzer, com tiragem diária de um milhão despeçam bruscamente, porque o
de exemplares, tinha um “serviço de infor- interrogado pode reflectir no que disse
mação” com 50 repórteres para os casos de de importante e pedir-lhes que não
Nova Iorque, 30 para Brooklin e 30 para Nova façam uso das suas palavras»”. E
Jersey. Em simultâneo, tinha dez correspon- salienta a realidade portuguesa, onde
dentes em Washington, um nas principais toda a gente preferia estórias de
cidades americanas e um em cada capital da facadas ou adultérios a um artigo de
Europa. Em média, um redactor principal jornalista ou escritor consagrado6.
ganhava de 7 a 9 contos de réis por ano,
o noticiarista (news editor) à volta de 2 contos O mesmo receio tinha sido expresso por
de réis, o redactor dos telegramas de 900 réis outro jornalista, pouco anos antes7. O sen-
a 1,8 contos de réis e o encarregado da secção sacionalismo tomava conta dos jornais. Mas,
desportiva de 2 a 2,5 contos de réis. Isto por apesar destas contrariedades e de os perió-
oposição a Portugal, onde um jornalista no dicos se estarem ainda a libertar dos
JORNALISMO 195

directórios partidários, o autor defendia o vez o exemplo vinha dos Estados Unidos.
jornalismo do nosso país, não “inferior ao Como muitos dos jornalistas possuíam uma
das restantes nações da Europa, pelo que cultura intelectual limitada, o proprietário do
respeita ao seu pessoal que chamarei gradu- World, Joseph Pulitzer, concebeu a ideia de
ado e tratando-se, como é claro, dos jornais uma escola de Jornalismo, anexa à Univer-
verdadeiramente independentes”. Havia ou- sidade de Columbia. Para dotação dessa
tra pecha: o anonimato, o “pior mal de que escola, Pulitzer atribuiu dois milhões de
enferma o jornalismo”. Se, em França, a dólares, garantindo aumentos caso o sistema
colaboração anónima, mais barata ou gratui- funcionasse bem. O programa dos cursos da
ta, ocupava três quartos do texto dos jornais, escola de Jornalismo incluía administração
entre nós, tal situação servia para atrasar a e direcção de um jornal, elaboração material
censura da imprensa imposta por sucessivos do jornal, direito jornalístico, moral do jor-
governos. nalismo, história do jornalismo e forma li-
No momento em que deflagrara a guerra terária do jornal, numa clara aposta inicial
entre a Rússia e o Japão (1904) era obri- para formar gestores de empresas
gatório o tema dos correspondentes de guer- jornalísticas. A escola deveria começar nesse
ra. De acordo com o autor, o Times foi o mesmo ano de 1904. Concluiu Bessa: “Se
primeiro jornal a enviar correspondentes para escrever nos jornais se exigisse um título
especiais aos campos de batalha na guerra de habilitação, seguramente que os autores
da Crimeia: “Calcule-se o sucesso quando o de tais escritos [incorrectos] não poderiam
Times e o Daily Telegraph deram, numa conquistá-lo, por incapacidade; e a imprensa
manhã, a notícia sensacional da tomada de teria lucrado com isso”. Recorrente na his-
Sebastopol, num telegrama dos seus corres- tória do jornalismo português, o tema da
pondentes”. Esse sucesso serviu para os formação própria do jornalista havia sido já
proprietários dos outros jornais criarem encarado por Alberto Bramão, numa confe-
serviços telegráficos. A concorrência a isso rência que realizou em 1899, em Lisboa.
obrigava.
Um ângulo analisado pelo autor foi o da 2. Do percurso profissional de Alberto Bessa
tecnologia. Quando destacou o jornal inglês à Associação da Imprensa Portuguesa
Times, salientou as suas secções: numa delas,
“está o aparelho telegráfico privativo, que liga Alberto Bessa, escritor e jornalista, nas-
com Paris. […] Noutra sala está o aparelho ceu no Porto (29 de Setembro de 1861) e
telefónico [onde] se recebem as transmissões morreu em Lisboa (27 de Janeiro de 1938).
dos debates do parlamento”8. Deste modo, Principiou a sua carreira de jornalista como
o discurso de qualquer deputado seria do redactor principal do jornal socialista O
domínio público uma hora depois de profe- Operário, do Porto, que, mais tarde, se fundiu
rido. Na já referida guerra entre a Rússia e com O Protesto, de Lisboa, chamando-se O
o Japão, um jornalista destacado transmitia Protesto Operário, com redacção nas duas
mensagens através de telégrafo colocado num cidades. O primeiro artigo em O Protesto
navio, para escapar à censura japonesa. Do Operário, que assinou com A. B. (iniciais
mesmo modo, o autor concedeu grande do seu nome, empregues em toda a vida
entusiasmo à maneira como os jornais eram jornalística), saiu na primeira página da
transportados ao longo dos Estados Unidos: edição de 14 de Janeiro de 1883. Depois,
às duas e meia da madrugada, formava-se o jornalista fundou e dirigiu publicações no
um comboio na gare central de Nova Iorque, Porto como A Semana, Miniaturas, Novida-
recebendo volumes de jornais que chegavam des, Velocipedista, Revista Luso-Espanhola,
em vários carros. Transportados para o in- Galeria Portuguesa e Crónica.
terior do vagão de mercadorias, e ao longo Para o segundo número da Galeria
da própria viagem, os empregados dividiam Portuguesa (Natal de 1892), Alberto Bessa
os maços de jornais conforme as localidades escreveu um poema. A seguir, com regula-
e atiravam-nos para as gares das estações. ridade, assinou pequenos textos sobre per-
Outro assunto abordado por Alberto Bessa sonagens do Porto, nomeadamente jornalis-
foi o da formação dos jornalistas. Mais uma tas – acompanhados por gravuras representan-
196 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

do os mesmos. Por seu lado, O Velocipedista, dinheiro, câmbios e bancos, teoria do juro,
surgido em 1893, a defender o ciclismo, a associações comerciais, pesos e medidas,
ginástica e a natação como meios para o proteccionismo e livre-câmbio, marinha mer-
desenvolvimento físico, contaria com a cante, serviço de correios, serviço de telé-
colaboração de Alberto Bessa um ano depois. grafos, contribuições comerciais e industri-
A ligação tornou-se mais íntima até o seu ais. Assumindo querer ligar o nome “de
nome aparecer como director (15 de Outubro modesto e obscuro trabalhador da imprensa
de 1894). Nessa altura, a publicação osten- a uma obra que tivesse utilidade prática”, da
tava já a designação de revista internacional bibliografia consultada Alberto Bessa enume-
de sport-literária, noticiosa e profissional. No raria 53 obras, sendo 33 francesas e quatro
seu percurso portuense, Bessa trabalhou ainda italianas.
nos diários A Discussão, Dez de Março, Voz Quando chegou a director do Jornal do
do Povo, República Portuguesa, Jornal da Comércio e das Colónias, em 1921, com as
Manhã, Província e nos jornais humorísticos iniciais A. B., Alberto Bessa escreveu o
Zé-povinho, Tam-tam e Pimpolho. editorial “De um ano a outro. O que é urgente
O jornalista mudar-se-ia para Lisboa em fazer-se”. Aí podia ler-se: “Não há revulsivo
1896, aos 35 anos, para trabalhar em O social de mais tremendo abalo como o das
Século, a convite do seu director Silva Graça. cóleras ateadas e desenvolvidas pelos gritos
Mais tarde, saiu para fundar o Diário, em da fome. E o problema das subsistências não
1902, com mais nove redactores efectivos do só não está resolvido, como nem sequer se
Século, em conflito com as posições do jornal encontra simplificado”. A esta ideia, contra-
na questão dos tabacos. Em 1906, tornou- pôs uma segunda, no mesmo editorial:
se redactor efectivo do Diário de Notícias.
No ano da implantação da República, trans- “Urge que nos entendamos todos para
feriu-se para o Jornal do Comércio e das o bem comum, com a mesma férrea
Colónias. A morte de representante da vontade potentíssima e com a mesma
empresa e director, a 12 de Julho de 1917, alma empreendedora e crente, que
levou Alberto Bessa ao desempenho das trazíamos a bordo das armadas des-
funções de redactor principal e, a 1 de Janeiro cobridoras, para arrancar da terra –
de 1921, o seu nome aparecia, na cabeça do desta nossa boa terra portuguesa – a
jornal, como director. Ficou nesse cargo até prosperidade que outrora íamos pro-
1932, quando o conselho de administração curar nos mares”11.
passou a dirigir o jornal9. O jornalista atingia
os 70 anos de idade. Em pano de fundo, estava a questão dos
Numa altura em que já pertencia aos jornalistas, a caminho de uma greve, que se
quadros deste jornal, em 1912, escreveu a desencadeou logo no começo de 1921 e se
Enciclopédia do comerciante e do industrial, prolongou por 104 dias.
um volume com 690 páginas voltado objec- Já quando saiu, em 1932, escreveu o
tivamente para o ensino e para os leitores editorial “Ao render da guarda. Entregando
do periódico. Como se observa no frontispício o posto”, tema significativo de todo o seu
do livro, tratava-se de “obra indispensável percurso. Para o jornalista,
a quantos se dediquem ao comércio e à
indústria – repositório de conhecimentos úteis “não desrespeitei as gloriosas tradi-
e necessários a comerciantes e industriais – ções do velho órgão jornalístico. […]
livro de educação teórica e de utilidade sempre procurei servir honestamente
política”. Mais à frente reafirmava tal po- a imprensa sem a desprestigiar ou
sição: “Não é […] um livro para eruditos: conspurcar, não tolerando sem os
é um livro para os que fazem do trabalho meus protestos – um dos quais teve
comercial ou industrial timbre e brasão”10. mesmo certa retumbância – que outros
Os capítulos do livro versam sobre influên- a deslustrassem ou envilecessem, pois
cia do comércio na civilização, história do que, modesto como sou, zelei sempre
comércio, legislação comercial, escrituração a honra do meu nome e a dignidade
comercial, abreviaturas e frases comerciais, da minha profissão”12.
JORNALISMO 197

Acompanhando a saída “da antiga gerên- ca, assim como que não havia fun-
cia da empresa, cuja retirada eu quis acom- dada qualquer agrupação onde os
panhar”, Alberto Bessa recordava não cer- nossos camaradas pudessem encontrar
tamente um protesto mas dois, o primeiro desde logo o auxílio, que tantas vezes
dizendo respeito à posição assumida por ele, lhes escasseia, em casos de doença
Alfredo Cunha, Tito Martins, Manuel Gui- ou inabilidade; e onde as viúvas e
marães, Aníbal Soares e outros responsáveis órfãos dos que fossem seguindo para
dos jornais de Lisboa e Porto, com excepção a sepultura pudessem encontrar, até
de”O Mundo, após reunião no seu Jornal do certo ponto, os recursos que lhes
Comércio e das Colónias, em defesa pela faltassem ao descansar para sempre
liberdade de expressão, silenciada pela en- o braço amigo e protector de seus
trada de Portugal na guerra, em Outubro de maridos e pais, pensara o jornalista
191713. O segundo protesto era mais recente, José de Lemos, da redacção
e também pelo mesmo motivo: a censura de do“Repórter, desde havia muito, em
imprensa estabelecida a 22 de Junho de 1926 convidar os colegas que aderissem à
obrigou a nova reunião no seu jornal, resul- sua ideia a congregarem-se para a
tando no envio de emissários ao quartel do levar a cabo e neste sentido havia até
Carmo. Desta vez, porém, a censura vinha mandado imprimir, à sua custa, uma
para ficar por quase cinquenta anos, obrigan- circular de convite que não chegou,
do-se os jornais a inserirem a frase “Este porém, a fazer seguir”15.
número foi visado pela Comissão de Cen-
sura”14. A José Lemos e Alberto Bessa juntaram-
Alberto Bessa, que começara na impren- se outros jornalistas do Século, Vieira Cor-
sa republicana radical aos 16 anos, justifi- reia e Ludgero Viana.
cara com o muito prestígio alcançado na sua José Carlos Valente, historiador do
longa vida profissional a ocupação dos ele- sindicalismo dos jornalistas portugueses,
vados cargos no Jornal do Comércio e das considera que a criação da Associação da
Colónias, de onde saiu reformado. A sua Imprensa Portuguesa foi feita por oposição
liderança no jornal foi contemporânea do à Associação dos Jornalistas16. Esta última
começo e fecho de um ciclo: do estertor da resultara do trabalho desenvolvido por
Primeira Guerra Mundial e do assassinato do Magalhães Lima, Brito Aranha, Trindade
Presidente Sidónio Pais (1917) à consolida- Coelho, Alves Correia, Cândido de
ção da Ditadura e advento do Estado Novo Figueiredo, Fernando Pedroso, Alfredo da
(1932). Uma vida activa de observação de Cunha, Lourenço Cayolla e Alfredo Gallis,
grandes transformações sociais – para não no começo de 1896. Da associação podiam
relevar as políticas – e a que o profissional, fazer parte escritores ligados à imprensa
desde há muito, também emprestara o seu periódica17. Ao invés, a Associação da Im-
comprometimento em campanhas de apoio prensa Portuguesa tinha uma quotização mais
social aos jornalistas (montepio, socorros económica e um recrutamento mais demo-
mútuos), praticamente logo depois de ingres- crático de sócios, aceitando a presença de
sar em O Século. repórteres (ou informadores), grupo já nu-
Nesse momento, em 1897, tornar-se-ia meroso e que não tinha entrada na associ-
secretário da comissão instaladora da Asso- ação dos jornalistas. Mas parece-me existir
ciação da Imprensa Portuguesa. Em relatório uma demarcação mais fina entre as duas
de actividades, a comissão considerava que, associações. Primeiro, de distinção: enquan-
to a Associação dos Jornalistas (de Lisboa)
“Vendo, com desgosto profundo, que visava pugnar pela qualidade dos textos
não existia em Lisboa nenhuma as- literários nas folhas e pela afirmação, em-
sociação jornalística onde pudessem bora ainda frágil, da emancipação dos jor-
ter livre ingresso todos os trabalha- nais face aos partidos, a Associação da
dores, embora modestos, que se Imprensa Portuguesa tinha preocupações de
empregam na inglória e, por vezes, índole social e reivindicativa (leis laborais
bem rude faina da imprensa periódi- e assistenciais), que estarão na origem do
198 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

movimento sindical no séc. XX, como ob- “A liberdade de consciência, a mais


serva a historiadora Rosa Sobreira18. Segun- bela e mais pura de todas as liber-
do, de semelhança: a luta pela liberdade de dades, ainda não é um princípio
informação seria um elo comum aos dois universalmente admitido, e a liberda-
movimentos, detectável quer no jornal que de de escrever e de falar, que dela
serviu de motor à criação das duas associ- derivam, sofre ainda as consequênci-
ações (Repórter) quer no peso assumido por as de regulamentações por vezes
Alberto Bessa (um dos promotores da asso- absurdas, injustas ou anacrónicas. […]
ciação operária e o anfitrião dos directores Ao mesmo tempo, vemos que, em
de jornais por alturas da censura de imprensa muitos países, os jornalistas, persegui-
em 1917 e 1926). dos impiedosamente pela lei, expiam,
Uma das principais realizações da Asso- sob o peso das mais rigorosas sen-
ciação da Imprensa Portuguesa foi a Expo- tenças, o crime de terem livremente
sição da Imprensa, em Maio de 1898, por exposto o seu pensamento, e quase
ocasião do centenário da descoberta do sempre na intenção, louvável e digna
caminho marítimo para a Índia. De um dos de respeito, de defender a liberdade
textos extraídos do número único de jornal e a justiça. É o que acontece ultima-
que acompanhou a exposição, escreveu mente, sobretudo em Itália, Espanha
Bessa19: e mesmo Portugal”22.

“desde muito que o meu espírito Contudo, e apesar da distribuição de


acariciava a ideia de promover como cópias pelos congressistas, a mensagem não
que a realização de uma parada das seria admitida pela mesa.
forças jornalísticas no nosso país, de Sobre as leis da imprensa, o relatório
refere que 1898 foi o ano das querelas por
modo a deixar ver, aos que a desco-
delitos de imprensa, por requerimentos de
nhecem, qual a importância entre nós
delegados do Ministério Público ou de par-
adquirida por essa instituição”.
ticulares. Em 1898 seriam querelados muitos
jornais. A lei desse ano era mais liberal mas
O próprio jornalista ficara surpreendido
não impedia os intentos repressivos do poder
pela enorme quantidade de publicações
executivo23. As penas eram exclusivamente
expostas e que se haviam reunido em pouco
as da lei geral, terminando as multas, a
tempo. A venda do jornal renderia 23$100
suspensão temporária da publicação e a
réis, proporcionando a exposição um saldo
supressão definitiva do jornal, mas pratica-
positivo. Outras bandeiras de acção da as- va-se sem disfarce a censura prévia, o que
sociação foram as tomadas de posição nas levou os dirigentes da associação a procu-
“querelas” resultantes das leis de imprensa rarem o Primeiro-Ministro e os deputados.
e os subsídios concedidos a viúvas e órfãos Para estes, num texto cheio de recorte
de associados, bem como outros apoios na literário, a petição de 18 de Fevereiro de 1899
doença e no desemprego20. O relatório do apontava:
segundo ano de actividades referia que era
de louvar “o comportamento desses órfãos “Assim é que, ao passo que nós vemos
[apoiados pela associação] no colégio e o seu a absorção da justiça na polícia e um
aproveitamento nos estudos”21. simples artigo de regulamento passar por
Pela mesma ocasião, a Associação da cima da lei fundamental, que não
Imprensa Portuguesa fez-se representar no autoriza a censura prévia, vemos tam-
congresso internacional da imprensa, reali- bém que uma lei especial, preparada
zado em Lisboa em Setembro de 1898. contra os inimigos da sociedade, leva
Apesar de não filiada no Bureau Central das o seu desprezo pela imprensa até ao
Associações de Imprensa, promotor e ponto de permitir que uma das suas
organizador do congresso, pôde assistir e malhas colha o jornalista inofensivo que
projectou ler uma mensagem na ocasião, que no ardor do seu entusiasmo profere, sem
dizia: a menor intenção criminosa”24.
JORNALISMO 199

A vida da Associação da Imprensa Por- 1895; Quem foi Almeida Garrett, 1903).
tuguesa decairia na passagem para o século Consagrou grande actividade à vida
seguinte, dando sequência a outra instituição, associativa da classe, na antiga Associação
a Associação da Classe dos Trabalhadores da da Imprensa Portuguesa e na Associação dos
Imprensa de Lisboa, fundada em 190525, com Jornalistas e Homens de Letras do Porto, bem
igual espírito democrático e génese do futuro como a homenagens a vultos do jornalismo,
movimento sindicalista nacional dos jorna- como Rodrigues Sampaio26. Representaria
listas. ainda o Instituto de Coimbra, a Associação
Além de uma vida dedicada ao jornalis- de Escritores e Jornalistas de Lisboa, a Real
mo, Alberto Bessa escreveu teatro (O Academia Galega da Corunha e a Real
cabecilha), poesia (Ondeantes, 1883), opereta Academia de Buenas Letras de Barcelona27.
(A reviravolta), colaborou com Guedes de O jornalista anunciara a publicação de outro
Oliveira na imitação da opereta O moleiro livro, Os bastidores do jornalismo, mas não
de Alcalá, Espanhóis em Melilha e Rebenta há indicação em nenhuma biblioteca, o que
a bexiga e fez crítica (Palavra dos Lusíadas, pode significar não o ter concluído.
200 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia _______________________________
1
Universidade Católica Portuguesa
2
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Bessa, Alberto, A Associação de Impren- 3
Alberto Bessa, O jornalismo. Esboço his-
sa Portuguesa. Sua fundação e actos da tórico da sua origem e desenvolvimento até aos
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de socorros desde Setembro de 1897 a Março p. 61
4
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de 1898, Lisboa, Imprensa de Libânio da
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Silva, 1898a. República, Lisboa, Parceria António Maria Perei-
Bessa, Alberto, A exposição da impren- ra, 1940, p. 73
sa. Número único, Lisboa, Associação da 5
Alberto Bessa, O jornalismo. Esboço his-
Imprensa Portuguesa, 1898b. tórico da sua origem e desenvolvimento até aos
Bessa, Alberto, A Associação da Impren- nossos dias, Lisboa, Viúva Tavares Cardoso, 1904,
sa Portuguesa no segundo anos da sua p. 219
6
Alberto Bessa, O jornalismo. Esboço his-
existência. Relatório elaborado para ser
tórico da sua origem e desenvolvimento até aos
presente à assembleia-geral, Lisboa, Tipo- nossos dias, Lisboa, Viúva Tavares Cardoso, 1904,
grafia de O Expresso, 1899. p. 178
Bessa, Alberto, O jornalismo. Esboço 7
Alberto Bramão, O jornalismo, Lisboa,
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8
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ciante e do industrial, Lisboa, Livraria 9
Jornal do Comércio e das Colónias, 29 de
Central, 1912. Janeiro de 1938
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Alberto Bessa, Enciclopédia do comercian-
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11
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O Jornal do Comércio e das Colónias, 10
Tipografia Rua da Barroca, 1899. de Abril de 1932
Carvalho, Arons, A censura à imprensa 13
Graça Franco, A censura à imprensa (1820-
na época marcelista, Coimbra, Minerva, 1999 1974), Lisboa, Imprensa Nacional, 1993, p. 49;
Fernandes, Eduardo, Memórias do Arons de Carvalho, A censura à imprensa na época
“Esculápio”. Das mãos da parteira ao ano marcelista, Coimbra, Minerva, 1999, p. 18
14
Arons de Carvalho, A censura à imprensa
da República, Lisboa, Parceria António Maria na época marcelista, Coimbra, Minerva, 1999, p.
Pereira, 1940. 29; Graça Franco, A censura à imprensa (1820-
Franco, Graça, A censura à imprensa 1974), Lisboa, Imprensa Nacional, 1993, p. 70
15
(1820-1974), Lisboa, Imprensa Nacional, Alberto Bessa, A Associação de Imprensa
1993. Portuguesa. Sua fundação e actos da comissão
Sobreira, Rosa Maria, Os jornalistas instaladora e da comissão especial de socorros
desde Setembro de 1897 a Março de 1898, Lisboa,
portugueses, 1933-1974. Uma profissão em Imprensa de Libânio da Silva, 1898a, pp. 6-7
construção, Lisboa, Livros Horizonte, 2003 16
José Carlos Valente, Elementos para a
Tengarrinha, José Manuel, História da história do sindicalismo dos jornalistas portugue-
imprensa periódica portuguesa, Lisboa, ses, Lisboa, Sindicato dos Jornalistas, 1998
17
Portugália, 1965. José Carlos Valente, Elementos para a
Valente, José Carlos, Elementos para a história do sindicalismo dos jornalistas portugue-
ses, Lisboa, Sindicato dos Jornalistas, 1998, p. 33
história do sindicalismo dos jornalistas 18
Rosa Maria Sobreira, Os jornalistas por-
portugueses, Lisboa, Sindicato dos Jornalis- tugueses, 1933-1974. Uma profissão em constru-
tas, 1998. ção, Lisboa, Livros Horizonte, 2003
JORNALISMO 201

19
Alberto Bessa, A exposição da imprensa. Relatório elaborado para ser presente à
Número único, Lisboa, Associação da Imprensa assembleia-geral, Lisboa, Tipografia de O Expres-
Portuguesa, 1898b so, 1899, pp. 21-22
20 23
Alberto Bessa, A Associação de Imprensa José Manuel Tengarrinha, História da
Portuguesa. Sua fundação e actos da comissão imprensa periódica portuguesa, Lisboa, Portugália,
instaladora e da comissão especial de socorros 1965, p. 23424 Alberto Bessa, A Associação da
desde Setembro de 1897 a Março de 1898, Lisboa, Imprensa Portuguesa no segundo anos da sua
Imprensa de Libânio da Silva, 1898a; Alberto existência. Relatório elaborado para ser presente
Bessa, A Associação da Imprensa Portuguesa no à assembleia-geral, Lisboa, Tipografia de O
segundo anos da sua existência. Relatório ela- Expresso, 1899, pp. 28-29
25
borado para ser presente à assembleia-geral, Rosa Maria Sobreira, Os jornalistas por-
Lisboa, Tipografia de O Expresso, 1899 tugueses, 1933-1974. Uma profissão em constru-
21
Alberto Bessa, A Associação da Imprensa ção, Lisboa, Livros Horizonte, 2003, p. 37
26
Portuguesa no segundo anos da sua existência. Brito Aranha, Factos e homens do meu
Relatório elaborado para ser presente à tempo. Memórias de um jornalista, Lisboa, Par-
assembleia-geral, Lisboa, Tipografia de O Expres- ceria António Maria Pereira, 1907, p. 120
27
so, 1899, p. 30 Alberto Bessa, 100 anos de vida. A expan-
22
Alberto Bessa, A Associação da Imprensa são da imprensa brasileira no primeiro século da
Portuguesa no segundo anos da sua existência. sua existência, Lisboa, Livraria Central, 1929.
202 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 203

Os Temas da Guerra.
Estudo exploratório sobre o enquadramento temático
da Guerra do Iraque na Televisão
Telmo Gonçalves1

A Guerra do Iraque foi o conflito inter- Foi na madrugada desse dia que o presidente
nacional mais mediatizado dos últimos tem- norte-americano e os media nos deram conta
pos. Cidadãos de diferentes pontos do globo «em directo» do começo do conflito, que
seguiram de perto, nomeadamente através das vimos deflagrar diante dos nossos olhos
televisões, a evolução de mais um conflito através dos ecrãs de televisão. Uma estação
nas areias do deserto iraquiano, que rapida- de televisão portuguesa, a RTP, teve mesmo
mente se transformou num hiperaconteci- a «felicidade» de ser a primeira a transmitir
mento mundial. Os media prepararam com em directo o início dos bombardeamentos
tempo a grande cobertura mediática de um sobre Bagdade, antecipando-se em poucos
conflito anunciado. Em finais de Janeiro de minutos às grandes cadeias de televisão
2002, no seu discurso do Estado da União, globais.
celebrizado pela metáfora do «eixo do mal», Uma dupla de reportagem, formada por
George W. Bush deixou claro que as ope- Carlos Fino e Nuno Patrício, da janela de
rações em curso no Afeganistão constituíam um quarto de hotel estrategicamente
apenas a primeira fase de uma estratégia posicionado com vista sobre o rio Tigre, fez
global mais vasta. «Aquilo que encontrámos o relato dos primeiros bombardeamentos à
no Afeganistão confirma que, longe de acabar capital iraquiana. As imagens do relato trans-
aqui, a nossa guerra contra o terror está mitidas através de videofone dificilmente
apenas no início»2, declarou o presidente dos deixavam perceber aquilo que se estaria a
EUA, apontando a Coreia do Norte, o Irão passar: pontos de luz a piscar no ar, a imagem
e o Iraque como os pólos da grande ameaça pouco definida do repórter na varanda, uma
terrorista à paz mundial. A administração vista quase imperceptível sobre uma parte da
norte-americana foi deixando perceber que cidade... No entanto, são estas imagens de
o Iraque constituiria a fase seguinte da Guerra fraca definição que povoam a nossa memória
ao Terrorismo. como marco simbólico do início deste con-
No dia 20 de Março de 2003, poucos flito. A própria RTP não se cansou de re-
minutos depois das 2.30h da madrugada, forçar o simbolismo do momento, difundin-
mostraram-se em directo na televisão os do insistentemente um «spot»
primeiros sinais da guerra. As operações autopromocional a recordar o feito excepci-
militares terrestres já tinham começado pelos onal de ter transmitido «em exclusivo» - três
menos um dia antes 3. Mesmo antes da minutos antes da CNN !(cf. Santos, 2003:
apresentação do problema do Iraque ao 26) – os primeiros bombardeamentos da
Conselho de Segurança, em Setembro de Guerra do Iraque.
2002, que conduziu à Resolução 1441, os
EUA já tinham decidido intensificar os Da «comunicação estratégica» à «guerra
bombardeamentos aéreos sobre a zona de em directo»
exclusão aérea, de forma a destruir os sis-
temas de comunicações e de defesa aérea As primeiras bombas sobre Bagdade
iraquianos, preparando assim o «campo de iniciaram uma outra guerra, paralela àquela
batalha» para uma ofensiva terrestre (Clark, que se travava no terreno, mas com efeitos
2004: 41). Terá sido esta a primeira fase da decisivos na condução político-estratégica das
guerra, discreta e invisível, mas extraordi- operações. Os media constituem, com as suas
nariamente decisiva e também letal. possibilidades tecnológicas de mediatização,
Será, no entanto, o dia 20 que ficará na parte integrante dos conflitos internacionais
história a marcar o início da Guerra do Iraque. e das equações estratégicas dos contendores.
204 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Pelo papel que desempenham na construção valores da concorrência, da emoção, do


da realidade da guerra, são elementos deci- predomínio da imagem televisiva e da infor-
sivos na evolução das opiniões públicas, que mação em tempo real. O rescaldo da cober-
funcionam, sobretudo nos regimes democrá- tura jornalística da Guerra do Golfo estimu-
ticos, como uma categoria estratégica fun- lou uma atitude crítica face ao papel dos
damental, modificando a liberdade de acção media e do jornalismo nas sociedades con-
de que dispõem os actores políticos na temporâneas (Mesquita, 2003: 71-88).
prossecução dos seus objectivos político- A Guerra do Iraque surge como uma nova
estratégicos. A acção estratégica sobre os oportunidade para os media noticiosos cum-
media tem como principal objectivo influ- prirem as promessas frustradas em 1991.
enciar a evolução da narrativa mediática da Encontravam-se reunidas condições que
guerra, tentando impor nos enquadramentos prometiam um desfecho diferente, começan-
mediáticos as concepções da realidade que do, desde logo, pela vulgarização de algu-
melhor servem os seus interesses estratégi- mas inovações tecnológicas - de onde se
cos. Inicia-se, assim, paralelamente à guerra destaca o videofone – , que permitiram de
do terreno, uma guerra virtual, que disputa forma mais fácil e económica aumentar as
a construção das imagens públicas da guerra. potencialidades de transmissão em directo das
A acção estratégica através dos media televisões.
processou-se durante o conflito do Iraque num Outra das grandes novidades na
clima de «guerra em directo». A expressão mediatização deste conflito foi a presença de
não é nova no mundo jornalístico, se nos mais de 500 jornalistas «incorporados» em
lembrarmos que a cobertura da Guerra do diferentes unidades das forças da coligação
Golfo de 1991 também recebeu idêntico anglo-americana, o que não constitui, em si,
título. No entanto, a grande cobertura um facto novo, pois encontramos aplicações
mediática deste conflito frustrou as expec- do «jornalismo embedded» na Segunda
tativas iniciais, transformando-se num episó- Guerra Mundial e na Guerra do Vietname.
dio de má memória para o jornalismo. A grande novidade consiste no diferencial
A investigação sobre a actuação dos media tecnológico com que os media podem actu-
no primeiro conflito do Golfo veio demons- almente operar, com possibilidades de
trar que não foi por contarem com mais transmitissão em directo da frente de bata-
possibilidades de mediatização, nomeadamen- lha.
te com uma maior vulgarização da transmis- A opção pela «incorporação» de jorna-
são em directo via satélite, nem com a listas é resultado de uma nova doutrina militar
presença de equipas de jornalistas nos dois americana para as relações com os media,
lados do conflito, que os media conseguiram desenvolvida a partir das experiências dos
satisfazer melhor a «necessidade de saber» conflitos internacionais anteriores, onde se
dos seus públicos. A operação de comuni- destaca o trauma do Vietname. Perante as
cação estratégica montada pela então «coli- actuais capacidades tecnológicas dos media
gação multinacional» revelou-se eficaz, com noticiosos, esta nova doutrina estratégica
o controlo da liberdade de acção dos jorna- norte-americana defende uma maior proxi-
listas no terreno através do sistema de «pools» midade controlada dos jornalistas, de forma
e a criação de uma máquina de comunicação a divulgar o «seu lado da história», aspiran-
oficial constituída pelos serviços de relações do assim a uma maior identificação dos
públicas dos gabinetes políticos e militares públicos norte-americanos com os seus
a funcionar em permanência para alimentar militares em acção.
e condicionar as aspirações de uma «guerra Confiantes numa vitória rápida, os res-
em directo» (Cf. Taylor, 1993; Bennett e ponsáveis políticos e militares da coligação
Paletz, 1994). No balanço da grande opera- decidiram participar mais pró-activamente no
ção mediática, surgiu uma literatura variada espectáculo da «guerra em directo», sem
revelando não só as várias manobras de correrem à partida grandes riscos, pois os
manipulação de que os públicos tinham sido repórteres «embedded» estariam limitados a
alvo, mas também as próprias fragilidades uma percepção episódica da guerra, escapan-
de uma lógica informativa dominada pelos do-lhes inevitavelmente o quadro geral, tal
JORNALISMO 205

como sucede com os militares envolvidos nas esta guerra foi tematicamente enquadrada.
missões operacionais4. A opção pela incor- Pretendemos, mais precisamente, demonstrar
poração de jornalistas também se justificava quais as problemáticas que, numa perspec-
para evitar as críticas recorrentes dos media tiva macro do fenómeno da guerra, foram
à Administração norte-americana e ao privilegiadas nas opções editoriais da RTP1,
Pentágono, como aconteceu nos conflitos de uma das cadeias de televisão nacionais que
Granada, Panamá, primeira Guerra do Golfo mais investiram e se destacaram na cober-
e Afeganistão. tura deste conflito.
Estima-se que terão sido mobilizados no A hipótese que submetemos aqui a um
total mais de 3000 jornalistas para a região primeiro teste é a de saber se os
durante o conflito, alguns deles a trabalhar enquadramentos mediáticos da Guerra do
numa espécie de versão «embedded» junto Iraque privilegiaram essencialmente os fac-
das autoridades iraquianas. Foram, no entan- tores relacionados com a dimensão estraté-
to, as televisões árabes Al-Jazeera e Abu gico-militar do conflito, anulando outras
Dhabi TV, reportando a guerra através do seu problemáticas importantes para a construção
enquadramento sócio-culutral e usufruindo de de uma percepção multidimensional de um
maior liberdade de acção no lado iraquiano, dos fenómenos sociais mais complexos e
quem terá causado mais problemas à estra- dramáticos que qualquer sociedade pode
tégia da coligação, divulgando as primeiras conhecer.
imagens de soldados americanos mortos e de
vítimas civis dos bombardeamentos sobre «Framing» e enquadramentos temáticos
Bagdade.
O cenário de comunicação da Guerra do A abordagem do framing, que conta com
Iraque foi significativamente diferente, mas mais de duas décadas de evolução nos es-
a questão central que se levanta no estudo tudos do jornalismo, apresenta-se-nos como
do fenómeno de hipermediatização dos con- um bom quadro teórico de referência para
flitos permanece a mesma. Em síntese, trata- o desenvolvimento da nossa problemática.
se de saber de que forma os actores político- Esta corrente de investigação vai buscar as
estratégicos e os media interagem na cons- suas bases teóricas à sociologia de Erving
trução da percepção pública da guerra. Goffman, transpondo para a análise do dis-
Responder a esta questão implica, por um curso jornalístico a noção de «frame» desen-
lado, investigar em que medida as concep- volvida pelo sociólogo na sua obra Frame
ções das elites políticas e militares influen- Analysis (1974). Na tese de Goffman, os
ciaram os enquadramentos através dos quais enquadramentos surgem como princípios
os media foram construindo a narrativa básicos de organização das nossas experiên-
mediática da guerra, e, por outro lado, tentar cias, que operam uma espécie de «corte»
conhecer de que forma os constrangimentos artificial sobre a realidade de forma a con-
de mediatização de uma realidade tão com- ferirem-lhe um sentido, definindo não só a
plexa como é uma guerra, associados a uma forma como interpretamos as situações, mas
certa mitificação que o jornalismo de guerra também como interagimos com os outros. «[A
recebe na cultura jornalística, concorrem para definição de uma] situação é construída em
a definição dos enquadramentos que definem concordância com princípios de organização,
em grande medida a construção da nossa os quais governam os acontecimentos – pelo
percepção da realidade. menos os sociais – e o nosso envolvimento
O trabalho que aqui trazemos não tem subjectivo neles... ‘frame’ é a palavra que
propósitos tão ambiciosos. Trata-se de um utilizo para me referir a tais elementos
estudo exploratório que concorre para esse básicos...», explica Goffman (1974: 10 e 11).
grande objectivo último, mas que se circuns- Em síntese, os enquadramentos apresentam-
creve apenas a um aspecto particular dos se como os processos através dos quais as
enquadramentos mediáticos operados por um sociedades reproduzem sentido, estruturando
canal de televisão nacional durante a primei- a nossa experiência individual da realidade.
ra semana do conflito no Iraque. O que É com base nesta proposta que se vão
pretendemos dar a conhecer é a forma como desenvolver os estudos pioneiros da aborda-
206 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

gem do «framing», de onde se destacam a mediáticos a perspectiva temática através da


obra clássica de Gaye Tuchman (1978) sobre qual se tenta conferir um sentido coerente
as notícias como construção social da reali- a uma dada realidade, que necessariamente
dade e a tese de Todd Gitlin (1980) sobre a assume um carácter multidimensional, ofe-
forma como os media influenciaram a cons- recendo-se ao discurso jornalístico sempre
trução histórica do movimento estudantil da com diferentes hipóteses de selecção e ên-
«nova esquerda» norte-americana nos anos 60. fase. Um dos primeiros dispositivos dos
A evolução da aplicação do conceito de enquadramentos mediáticos processa-se, pre-
«frame» nos estudos jornalísticos, devido a cisamente, ao nível do enquadramento
vários factores que não vamos aqui analisar, temático que um dado assunto acolhe no seu
trouxe a esta corrente uma conceptualização processamento jornalístico.
difusa, dificultando a possibilidade de se A própria estrutura editorial de uma
estabelecer um quadro teórico comum às publicação, mesmo que não denote no pro-
pesquisas do «framing» (Cf. Entman, 1993; duto final uma organização temática muito
Scheufele, 1999). Nos últimos anos, esta explícita - como podemos encontrar em
abordagem tem vindo a afirmar-se como um alguns noticiários televisivos -, é regra geral
paradigma promissor no estudo da proble- pensada segundo um critério prévio sobre a
mática dos efeitos dos media (Cf. Scheufele, forma como o meio de comunicação preten-
1999), sendo, por vezes, apresentado como de enquadrar tematicamente a narrativa glo-
uma evolução complementar da conhecida bal do mundo para os seus públicos. Os títulos
abordagem do «agenda-setting» (McCombs das editorias de um jornal (Nacional, Inter-
e Shaw, 1993; Iyengar, Simon, 1993). Não nacional, Sociedade, Economia...), por exem-
é, obviamente, com essa orientação que plo, espelham, entre outros factores - como
invocamos aqui o conceito. Utilizamo-lo com a especificidade editorial do meio de infor-
o objectivo de conhecer o discurso jornalístico mação -, uma concepção sobre a forma como
e seus mecanismos de produção de sentido, o discurso jornalístico se propõe organizar
e não com o fim de perceber quais os efeitos o discurso do mundo.
directos que os enquadramentos mediáticos Uma das principais dificuldades da uti-
poderão provocar nas audiências. Situamo- lização da noção de tema consiste no facto
nos, assim, no quadro mais específico das de encontrarmos sempre, como nota Patrick
teorias da notícia. Charaudeau et al., «temas de diversas dimen-
Fazendo referência a Goffman (1974) e sões: ‘macrotemas’ e ‘microtemas’» (2001:
a Tuchman (1978), Todd Gitlin define 32). Prosseguindo a analogia com a estrutura
enquadramentos mediáticos como «princípi- editorial de um jornal, como sugere este autor
os de selecção, de ênfase e de apresentação (Idem), os «macrotemas» que encontramos
compostos por pequenas teorias tácitas sobre identificados nos títulos das editorias tam-
o que existe, o que ocorre e o que é rele- bém se podem subdividir noutros
vante. (...) Os enquadramentos mediáticos são «microtemas», que apresentam uma maior ou
padrões persistentes de cognição, interpreta- menor permanência nas edições do jornal.
ção e apresentação, selecção, ênfase e ex- Toda esta estruturação temática desempenha
clusão, através dos quais os manipuladores a montante a dupla função que Gitlin atribui
de símbolos organizam rotineiramente o aos enquadramentos mediáticos, conferindo
discurso, seja verbal ou visual» (1980: 6 e sentido não só à organização do discurso
7). Os enquadramentos desempenham uma jornalístico, mas também à forma como os
dupla função: organizar o mundo para os públicos processam a realidade que ele tenta
jornalistas que o reportam - são eles que reproduzir.
permitem aos jornalistas operacionalizar o Patrick Charaudeau et al sugere em
processamento de grandes quantidades de alternativa à operacionalização da noção de
informação - e para as audiências que con- tema na análise do discurso jornalístico o
fiam nos seus relatos. conceito de «domínio cénico»:
Com base na definição de Gitlin, con-
sideramos como um dos componentes bási- «Se o macro-tema se define como o
cos da definição dos enquadramentos campo da notícia que é delimitado por
JORNALISMO 207

crítérios de actividade social no es- com o mínimo de prejuízos, no mais curto espaço
paço público (...), o domínio cénico de tempo. É neste contexto que surge a noção
constitui a estruturação desse campo de estratégia integral, que estende a reflexão
como o ‘universo referencial’ que o do fenómeno da guerra muito além do estrito
media constrói. Este universo domínio da aplicação do potencial militar.
referencial não corresponde por isso De acordo com o que sugere a noção de
a um corte apriorístico do conteúdo, estratégia integral, podemos analisar o fenó-
ele depende do papel que jogam os meno da guerra segundo as diferentes for-
actores implicados no acontecimento mas de coacção que um actor político pode
relatado: seja um papel de acção, seja mobilizar na resolução de um conflito:
um papel de palavra. (...) O critério coacção militar, coacção político-diplomáti-
para definir o domínio cénico é, assim, ca, coacção económica e coacção psicológi-
um critério de’actancialização (quem ca. A cada uma destas formas de coacção,
faz o quê sobre quem?), descrevendo corresponderá um domínio específico de
os «actantes», os processos nos quais acção estratégica. Teremos, assim, uma es-
eles se encontram implicados e as tratégia psicológica – responsável pela ac-
finalidades que é suposto prossegui- ção dirigida às opiniões públicas e às forças
rem, e de declaração (quem fala a morais (civis e militares) do campo do
quem a propósito do quê?), descre- adversário (propaganda, contrapropaganda e
vendo os sujeitos da palavra, o valor informação); uma–estratégia político-diplo-
discursivo desta e a finalidade que eles mática – centrada na acção dos actores
visam.» (2001: 33). políticos e diplomáticos (política interna e
política externa); uma estratégia económica
É através da forma como os actores – responsável pela criação e rentabilização
intervêm no discurso jornalístico, das qua- de recursos económico-financeiros para a
lidades em que participam (políticos, mili- prossecução dos objectivos político-estraté-
tares, diplomatas, agentes humanitários, ci- gicos e pela redução das capacidades eco-
vis...) na acção e dos seus actos de discurso nómicas das forças adversas (produção, fi-
que se define em grande medida o enqua- nanceira, comércio externo...); e, por fim, uma
dramento temático dos acontecimentos. É, estratégia militar – responsável pela com-
neste sentido, centrado na forma como o binação dos diferentes recursos do potencial
discurso jornalístico reproduz as acções e militar (terrestre, marítimo e aeroespacial)
apresenta os seus actores, bem como as (Cf. Couto, 1989: 227-239).
selecções que opera dos seus actos de pa- É com base neste quadro de referência
lavra, que pretendemos operacionalizar neste que os actores políticos e militares conce-
estudo o enquadramento temático como bem uma manobra estratégica integrada,
categoria analítica. reflectindo cada domínio de acção uma
problemática particular em que se pode
a) Macrotemas subdividir a análise do fenómeno da guerra.
Propomos a utilização deste racional para a
As teorias da estratégia, que têm por definição dos macrotemas da análise da
objecto central o estudo das situações reais guerra, acrescentando-lhe a dimensão civil,
e potenciais de conflito com que uma «uni- que, naturalmente, ele não integra. Conside-
dade política» se pode defrontar (Cf. Couto, ramos, assim, cinco enquadramentos
1989: 195), oferecem-nos um quadro macrotemáticos na nossa análise:
multidimensional para reflectirmos sobre o - estratégico-militar: todas as acções que
fenómeno da guerra. As concepções estra- representem opções da condução da estraté-
tégicas contemporâneas adoptam uma visão gia militar da guerra e/ou operações milita-
integrada de todo o processo de conflito, res efectivas (terrestres, aéreas, marítimas) –
sugerindo que a boa acção estratégica é aquela (p. ex., análises de especialistas sobre a
que consegue rentabilizar com eficácia os condução da estratégia da guerra, actores
diferentes recursos de uma «unidade políti- políticos ou militares a comentar a evolução
ca» com vista a atingir objectivos políticos das operações, tropas em combate);
208 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

- político-diplomático: todas as situações Definimos como temas pró-coligação as


que representem acções de agentes do campo problemáticas da existência de armas de
político e/ou diplomático de diferentes pa- destruição maciça (ADM) no Iraque; da
íses ou das organizações internacionais (p. ligação do regime de Saddam Hussein ao
ex., comunicação ao país de um chefe de terrorismo de grupos fundamentalistas
governo, negociações no seio da ONU ou islâmicos e da diabolização do então presi-
noutras organizações internacionais, debate dente iraquiano e do seu regime, que cons-
num parlamento nacional sobre a guerra); tituíram, na nossa perspectiva, os temas
- psicológico: todas as acções apresen- centrais da comunicação estratégica desen-
tadas na perspectiva da sua produção de volvida pelos actores políticos da coligação
efeitos sobre as opiniões públicas, sobre o e dos seus apoiantes.
moral das populações civis ou sobre o moral Como temas adversos aos objectivos
dos militares (p. ex., manobras de propagan- político-estratégicos da coligação, considerá-
da ou de contrapopaganda desencadeadas mos as problemáticas da legalidade interna-
pelos partidos beligerantes, reacções de fa- cional para desencadear uma acção militar,
miliares das tropas, manifestações públicas); da prossecução de interesses económicos de
- económico: todas as situações que re- elites políticas e empresariais dos países da
levem finalidades ou consequências económi- coligação e, por fim, da interpretação desta
cas do conflito (p. ex., preços do petróleo, «guerra preventiva» como um ataque do
custos das operações militares, efeitos para as ocidente contra o Islão - que classificamos
economias internacional ou nacionais); genericamente recorrendo ao conhecido
- civil: todas as acções que representem conceito huntingtiano de choque de civiliza-
os efeitos directos e indirectos da guerra sobre ções (Cf.Huntington, 1999); pensamos que
as populações civis, tanto nos países em foram estes os três principais temas presen-
conflito como nos restantes, incluindo as tes nas acções e palavras dos actores que se
acções de organizações de apoio humanitário opuseram às intenções da coligação anglo-
(p. ex., situação humanitária das populações, americana, tanto nas daqueles que adopta-
efeitos da guerra sobre o quotidiano, vítimas ram uma posição anti-coligação, como nas
civis de erros militares); dos partidários de uma visão pró-iraquiana
Uma peça jornalística pode ser rica na (inclusive o próprio regime), embora sejam
exploração de várias destas temáticas, em- duas posições distintas, que utilizam estes
bora na maioria dos casos, sobretudo na temas com modalidades e finalidades dife-
mediatização televisiva, tenda a focalizar-se rentes.
numa delas. Não propomos, portanto, a A categorização apresentada é, como
utilização destas subcategorias seguindo um referirmos, restrita ao âmbito da controvérsia
critério exclusivista, razão pela qual proce- em torno da legitimidade da intervenção
demos a uma classificação gradativa dos itens militar, tentando a essa luz dar conta apenas
de análise, como explicamos na apresenta- dos temas que se nos apresentaram como mais
ção dos aspectos metodológicos do estudo. recorrentes. Ficam de fora muitos outros
microtemas surgidos no decurso da narrativa
b) Microtemas mediática da guerra, muitos deles estimula-
dos pela acção directa dos contendores em
A controvérsia gerada em torno da prosse- interacção com a acção dos media. Da
cução do conceito de «guerra preventiva», observação das imagens da primeira semana
adoptado pelos actores políticos da coligação de conflito, poderíamos destacar, por exem-
anglo-americana e seus aliados na justifica- plo, as dúvidas levantadas pela administra-
ção da intervenção militar, forneceu-nos os ção norte-americana em relação à identidade
«microtemas» da nossa análise, que subdi- de Saddam Hussein, a questão dos prisio-
vidimos em dois grupos, considerando os neiros de guerra iraquianos ou o problema
principais argumentos dos dois lados que dos militares capturados por iraquianos. O
alimentaram a esfera da controvérsia na fase aprofundamento da nossa análise no sentido
pré-guerra e que se mantêm bem vivos no das problemáticas sugeridas ao longo da
debate público pós-guerra convencional. construção mediática da narrativa da guerra
JORNALISMO 209

será certamente interessante num estudo mais ção do pivô e qualquer outro elemento de
global, que não teríamos hipótese de desen- mediatização introduzido pela sua «voz». Esta
volver no contexto de um trabalho opção justifica-se porque é o «lead» do pivô
exploratório. que tem como objectivo conferir um primei-
ro sentido de enquadramento ao conteúdo de
Aspectos metodológicos outros géneros jornalísticos. Considerámos,
assim, diferentes formatos da mediatização
Os dados apresentados neste estudo são que utilizámos também como indicadores
resultado do desenvolvimento de uma aná- complementares para análise. No conjunto
lise quantitativa dos telejornais da RTP1, dos sete programas, foram analisados 199
emitidos entre os dias 20 de Março de 2003 itens, cujo conteúdo se encontrava ligado ao
e 26 de Março de 2003. Para a cobertura conflito no Iraque, e classificados 37 itens
da Guerra do Iraque, este canal de serviço referentes a outros assuntos.
público de televisão adoptou um modelo de Na análise dos enquadramentos
informação em contínuo, com a abertura na macrotemáticos, procedemos, como referimos
grelha de emissão de espaços informativos anteriormente, a uma classificação gradativa,
especiais («Jornal da Guerra», «Diário da segundo a qual todos os itens eram anali-
Guerra»), tentando dar aos seus telespecta- sados em quatro níveis: sem significado,
dores a sensação de cobertura em tempo real significado mínimo, significado moderado e
da evolução do conflito. A grelha de alinha- significado acentuado. Na análise dos resul-
mento global da estação ficou, assim, subor- tados finais, concluímos que os níveis inter-
dinada às expectativas de evolução dos médios («significado mínimo» e «significa-
acontecimentos, o que lhe permitiu, por do moderado») não apresentavam relevância
exemplo, emitir em directo o início dos estatística, pelo que optámos por agregar os
bombardeamentos sobre Bagdade. seus resultados aos outros dois níveis (res-
Apesar desta opção editorial, segundo a pectivamente, «sem significado» e «signifi-
qual as exigências da informação ultrapas- cado acentuado»).
sam qualquer lógica de programação pré- Para análise dos enquadramentos
definida, ocupando espaços que tradicional- microtemáticos, uma vez que poderiam surgir
mente são designados para o entretenimento, numa forma afirmativa, negativa ou neutra,
este canal da RTP manteve no mesmo ho- optámos por considerar esses três campos de
rário o programa Telejornal, aproveitando este classificação, o que se revelou infrutífero
momento tradicional de encontro com o seu neste estudo, pois todos os itens com refe-
público para dar as últimas novidades sobre rência a microtemas apresentaram-se-nos
a evolução do acontecimento e fazer um ponto sempre na forma «afirmativa». Pensamos, no
de situação sobre a cobertura geral da guerra entanto, que as três possibilidades de clas-
durante o dia, além de apresentar ainda outros sificação poderão fazer sentido em análises
assuntos que marcavam a actualidade. A futuras.
manutenção do formato habitual deste pro-
grama de informação facilitou a constituição Resultados
do corpus de análise do nosso estudo, pois
seria praticamente impossível não só obter O período analisado coincide com a fase
registos completos de todos os especiais de inicial da ofensiva terrestre da tropas da
informação realizados sobre a guerra, como coligação em território iraquiano, que pode-
também conseguir em pouco tempo, sem uma mos considerar «a primeira fase da guerra»
equipa de investigação, analisar um volume (cf. Clark, 2004). Nos primeiros três dias (20
de elementos tão vasto. Partimos, assim, do a 22), assistimos aos bombardeamentos sis-
pressuposto de que as edições do Telejornal temáticos sobre a capital iraquiana (à ten-
constituem uma «amostra» substantiva da tativa de «capitulação» de Saddam Hussein
cobertura geral da Guerra do Iraque reali- e à campanha «Choque e Pavor», como
zada pela RTP1. anunciou o secretário da Defesa norte-ame-
Como unidade de análise básica utilizá- ricano), aos confrontos entre tropas terrestres
mos o conjunto constituído pela apresenta- e à sua progressão no terreno em direcção
210 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

a Bagdade, às rendições de soldados O enquadramento político-diplomático é


iraquianos. Surgem, a partir do quarto dia, o que se aproxima um pouco mais dos índices
as primeiras notícias mais desagradáveis para da cobertura centrada nas questões militares,
a coligação: as imagens de soldados ame- embora se situe sempre abaixo destas (Ane-
ricanos mortos em combate e feitos prisio- xo – Gráficos 3c e 3d). Este resultado tem
neiros, as primeiras imagens de civis atin- de ser analisado tendo em conta o facto de
gidos nos chamados «efeitos colaterais», o em muitos casos se cruzarem as duas dimen-
abrandamento da progressão no terreno sões pelo duplo sentido em que os principais
devido a uma tempestade de areia que asso- actores e os seus actos de discurso podem
lou a região e os confrontos pela tomada de surgir no discurso jornalístico. Em estudos
Umm Qasr e Bassorá. As tropas da coligação futuros, a criação de um indicador sobre os
encontram-se no chamado «círculo vermelho», diferentes tipos de actores (políticos, mili-
a poucos quilómetros da capital iraquiana. tares, civis...) de ambos os lados beligerantes
Começa a especulação sobre se a «batalha de poderá ajudar a uma análise mais aprofundada
Bagdade» não poderá tornar-se uma «batalha dos resultados desta subcategoria.
de Estalinegrado», fazendo assim apelo a um As implicações económicas do conflito, tanto
dispositivo de enquadramento histórico (Cf. no campo da acção estratégica como no da
Modigliani e Gamson, 1995: 3). vida das comunidades, foram as problemá-
ticas menos exploradas nos Telejornais da
a) Focalização macrotemática

Da análise dos enquadramentos primeira semana de conflito. É puramente


macrotemáticos, sobressai uma atenção fo- residual a percentagem de itens que se
calizada sobretudo nos aspectos estratégicos dedicam de forma moderada ou acentuada
e militares que envolveram o acontecimento. a esta dimensão (Anexo – Gráfico 3e), que
Quase três em cada quatro unidades de análise se encontra ausente da maioria dos progra-
dedicam-se, de forma moderada ou acentu- mas analisados (Anexo – Gráfico 3f). Os
ada, às problemáticas militares da «primeira aspectos relacionados com a manobra psico-
fase da guerra» (Anexo - Gráfico 3a). Esta lógica sobre as opiniões públicas (propagan-
tendência mantém-se constante durante toda da, contrapropaganda ou «guerra de infor-
a semana – sempre destacada das restantes mação») e os efeitos da guerra sobre as forças
subcategorias consideradas –, mas atinge os morais (civis e militares) surgem como a
seus picos máximos nos três primeiros dias segunda dimensão da guerra menos destaca-
de conflito, em que o Telejornal foi extra- da, mas a um nível superior ao do enqua-
ordinariamente dedicado ao início dos dramento económico. Um em cada cinco itens
bombardeamentos a Bagdade e à explicação analisados apresenta esta problemática com
da manobra estratégica das forças da coli- um significado «moderado» ou «acentuado»
gação (Anexo - Gráfico 3b). (Anexo – Gráficos 3g e 3h).
JORNALISMO 211

Os efeitos directos e indirectos da guerra a acção dos media durante as várias fases
sobre as populações civis encontram-se pre- da crise iraquiana, que aponta para a existên-
sentes com um significado «moderado» ou cia de uma diferença substantiva no destaque
«acentuado» em cerca de um terço dos itens que a imprensa (Sun, Daily Mirror, Daily
dos telejornais (Anexo – Gráfico 3i). É, assim, Telegraph, Guardian) e as televisões (BBC,
a terceira dimensão da problemática geral da ITN) conferiram às justificações da guerra
guerra mais destacada, registando uma ten- durante a fase de invasão. A investigação de
dência estável ao longo de toda a semana, Howard Tumber e Jerry Palmer constata a
com uma excepção no 3º dia, em que ganha existência de uma desproporção drástica entre
maior destaque (Anexo – Gráfico 3j). a atenção conferida pelas televisões aos
aspectos relacionados com a condução da
b) Onde estão os temas da controvérsia? guerra e a atenção prestada às justificações
e consequências políticas a longo prazo
Tabela 1 - Enquadramentos (2004: 96-113). A partir do momento em que
Microtemáticos Bagdade passa a ser dominada pelas forças
da coligação, segundo o mesmo estudo,
Temas Coligação Temas Adversos verifica-se uma mudança dramática do focus
Armas de atenção das televisões, que passa a con-
Legalidade
de Destruição 10
Internacional
7 centrar-se mais nas consequências da guerra
Massiva
do que na sua condução, enquanto a impren-
Interesses
Ligação Terrorismo 1
Económicos
0 sa mantém uma tendência mais equilibrada
Diabilização Choque
entre as duas dimensões (2004: 102).
4 1
Regime Iraquiano Civilizacional
Total 15 Total 8 Conclusão

O dado mais surpreendente com que nos As conclusões que podemos extrair de um
fomos deparando ao longo do estudo foi a estudo exploratório terão de ser sempre
constatação de uma quase ausência dos sujeitas a uma interpretação ainda mais atenta
microtemas mais recorrentes que alimenta- e rigorosa do que as das investigações aca-
ram – e que ainda alimentam – a esfera de badas, sobretudo quando se trata de análises
controvérsia gerada em torno do debate empíricas exclusivamente quantitativas, ex-
público sobre a intervenção militar no Iraque. traordinariamente úteis como ponto de par-
Apenas 10 por cento dos itens do conjunto tida, mas que tendem a deixar de lado
dos telejornais apresentaram alguma ligação pormenores importantes que só uma análise
com pelo menos um dos seis temas que qualitativa poderá relevar.
definimos no nosso modelo de análise (Ane- Realizámos este trabalho com a intenção
xo – Gráfico 4a). de testar conceitos, um modelo de análise
Nos poucos casos identificados, os temas e a razoabilidade de algumas hipóteses, na
da coligação anglo-americana representam expectativa de encontrarmos caminhos mais
quase o dobro dos temas adoptados pelas seguros para progredirmos na investigação
visões anti-coligação ou pró-iraquianas. No da sua problemática central. A evolução desta
conjunto de todos os temas, a questão das investigação deverá passar não só pelo alar-
armas de destruição maciça foi a mais fre- gamento do seu corpus, tanto no tempo como
quente, enquanto a problemática da falta de nos sujeitos analisados, mas também pela
legitimidade internacional surge em segundo concepção de um modelo de análise quali-
lugar. A questão das possíveis motivações tativa, que contemple outros dispositivos de
económicas por detrás do conflito não é enquadramento mediático, além dos
colocada; a ligação do regime de Saddam a enquadramentos temáticos. Permitimo-nos, no
grupos terroristas e a visão do problema pelo entanto, sublinhar uma conclusão no contex-
prisma do modelo «choque de civilizações» to do nosso corpus, que é limitado, mas
aparecem uma vez. espelha parte significativa da atitude edito-
Estes resultados vão ao encontro das rial de uma estação de televisão num período
conclusões apuradas num estudo recente sobre crucial da Guerra do Iraque.
212 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Se as notícias são, como descreve to, ofereceu aos seus telespectadores uma
Tuchman, «uma janela para o mundo», que versão essencialmente unidimensional do
«pretendem dar-nos aquilo que queremos fenómeno da guerra, com uma excelente vista
saber, necessitamos de saber e devemos para a «frente de combate», mas de costas
saber» (1978: 1), a janela dos telejornais da voltadas à controvérsia sobre a sua existên-
RTP1, durante a primeira semana de confli- cia.
JORNALISMO 213

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214 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Anexo

1. Agenda Geral

2. Modalidades da Mediatização
JORNALISMO 215

3. Enquadramentos Macrotemáticos
216 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 217
218 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

4. Enquadramentos microtemáticos
JORNALISMO 219

Weblogs y Periodismo Participativo


Tiscar Lara1

Introducción Los weblogs, blogs o bitácoras

La evolución de nuevas tecnologías Un weblog, también llamado blog o


aplicadas a internet y el deseo de los bitácora se define, según los investigadores
usuarios de ser parte activa en los procesos Jaime Alonso y Lourdes Martínez, de la
de comunicación están dando lugar a nuevas siguiente manera:
formas de participación que exigen una
reformulación del rol del periodismo, así “Un medio interactivo definido por
como una mayor integración de los cinco rasgos: es un espacio de
ciudadanos en la construcción de los comunicación personal, sus
mensajes de la realidad social. Los weblogs contenidos abarcan cualquier
son probablemente la forma de Periodismo tipología, los contenidos presentan
Participativo más desarrollada en internet. una marcada estructura cronológica,
Sus particulares características hacen que el sujeto que las elabora suele
contribuyan a la democratización de los adjuntar enlaces a sitios web que
medios de comunicación, dotándolos de tienen relación con los contenidos
que se desarrollan y la interactividad
transparencia y facilitando la incorporación
aporta un alto valor añadido como
de nuevas voces al entorno mediático.
elemento dinamizador en el proceso
de comunicación”5.
Periodismo Participativo
En otras palabras, podríamos decir que
En julio de 2003 la organización NDN
un weblog es una página web personal,
New Directions for News2 publicó el estudio
donde la información es actualizada
We Media donde se analizaba la forma en frecuentemente y presentada en un orden
que las audiencias perfilaban el futuro de cronológico inverso, de tal manera que la
las noticias y de la información. Más publicación más reciente se sitúa al
concretamente, el concepto We Media 3 comienzo de la página. También se puede
explora la idea de la participación del entender como un diario de apuntes, donde
público en la construcción de la información se comentan noticias o se hacen reflexiones
y la comunicación frente a los grandes personales. Normalmente, cada “post”, que
grupos mediáticos. Según este estudio, el podríamos traducir como nota, artículo,
Periodismo Participativo se define como: comentario o entrada, contiene una serie de
hiperenlaces a las páginas que se citan en
“El acto de un ciudadano, o grupo el texto.
de ciudadanos, desempeñando un rol Así definidos, los weblogs no parecerían
activo en los procesos de aportar nada nuevo al panorama de internet.
recopilación, cobertura, análisis y Sin embargo, lo que les distingue de meras
difusión de noticias e información. páginas webs personales es la evolución
El objetivo de esta participación es técnica que se ha venido desarrollando en
proporcionar la información los últimos años y que ha contribuido a
independiente, fidedigna, precisa, su rápido crecimiento. La evolución de los
completa y relevante que requiere lenguajes de programación 6 y de los
una democracia”4 programas de autoedición ha permitido que
220 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

un usuario medio pueda publicar su propio en la comunidad universitaria. De estas


proyecto de “revista”, “diario”, etc. en internet sesiones de trabajo surgió la celebración del
sin necesidad de conocimientos previos de primer congreso sobre weblog, BloggerCon,
lenguaje HTML o diseño gráfico. Y todo esto que tuvo lugar en la Universidad de Harvard
bajo la estructura weblog. Tampoco es en octubre de 2003 y que ya cuenta con una
necesario disponer de un servidor en internet, segunda edición en abril de 200411.
puesto que algunas webs como Blogger.com
ofrecen espacio gratuito y asesoramiento en Momentos clave de la expansión de los
la publicación de weblogs, de forma que weblogs
cualquier persona con una dirección de email
puede comenzar a publicar su weblog en Los conflictos bélicos han supuesto
pocos minutos. tradicionalmente un elemento dinamizador en
La mayor atención mediática sobre la la profesión periodística. Si bien la guerra
importancia de los weblogs surgió a raíz de del Golfo de 1991 fue considerada como la
la compra en febrero de 2003 del portal primera guerra en directo y la guerra de
Blogger.com por parte de Google, hasta Kosovo supuso un salto cualitativo en los
entonces el mayor motor de búsqueda en la diarios digitales online, el fenómeno weblog
web 7 . En el momento de la venta, se vio impulsado por los sucesos del 11 de
Blogger.com contaba con más de un millón septiembre de 2001 y se afianzó como medio
y medio de usuarios registrados con weblog en la guerra de Iraq de 2003.
propio dentro de su dominio. Para hacernos Según un estudio del Pew Internet
una idea de la dimensión de la blogosfera, Project12, los acontecimientos del 11 de
podemos citar la cifra de más de cuatro septiembre generaron el mayor tráfico de
millones de weblogs alojados en los ocho visitas a webs de noticias en la historia de
servidores de weblog gratuito estudiados por internet. Muchos de estos sitios no pudieron
el informe Perseus8 de octubre de 2003. No absorber toda la demanda y eso hizo que la
obstante, hasta el momento y mientras los gente se dirigiera a buscarla a través del
buscadores no alcancen métodos de búsqueda email, los foros y los incipientes weblogs que
más sofisticados9, es difícil aproximarse a empezaban a surgir en esa época. La respuesta
una cifra real puesto que gran parte de los de internet dio lugar a una nueva proliferación
weblogs no están alojados en servidores del “haz tu propio periodismo”. De aquella
gratuitos, sino que son instalados por los época son las primeras incursiones en la
usuarios en su propio servidor. Esta producción de weblogs de personas
instalación es posible gracias al desarrollo reconocidas hoy dentro de este campo, como
de aplicaciones weblog de software libre y es el caso del periodista Jeff Harvis, en la
gratuito a disposición de cualquier usuario, actualidad director de Advance.net, división
como son Movable Type (http:// en internet de la editorial Condé Nast y una
movabletype.org) y Greymatter (http:// de las empresas pioneras en ofrecer espacio
noahgrey.com/greysoft). a sus lectores para la publicación de sus
El mundo de la Universidad tampoco ha propios artículos.
sido ajeno al auge de este fenómeno. A lo 2003 fue el año de la consolidación de
largo del año 2003, dos de las instituciones los weblogs como forma de comunicación
más importantes en el estudio del periodismo en internet. La invasión de Iraq en marzo
han dedicado sus últimas publicaciones al de ese año generó la proliferación de los
análisis del fenómeno de los weblogs: la llamados “warblogs” por parte de autores muy
Fundación Nieman de la Universidad de distintos entre sí: desde corresponsales de
Harvard y la Columbia Journalism Review guerra y periodistas freelances en el frente
de la Universidad de Columbia. Por otro lado, hasta ciudadanos iraquíes y testigos directos.
también en 2003 la Universidad de Harvard Este fue el caso de uno de los weblogs más
contrató los servicios de Dave Winer10, uno visitados en aquellos días y que llegó a tener
de los más conocidos creadores de software 20.000 usuarios: el weblog de Salam Pax13.
weblog, para experimentar con la utilidad Desde el anonimato, Salam Pax era el
de la implantación de los servicios de weblog pseudónimo de un joven iraquí estudiante de
JORNALISMO 221

arquitectura que escribía desde Bagdad su Dentro de la relación entre weblogs y


propia visión del conflicto. Actualmente este periodismo, la explosión de los weblogs en
joven escribe regularmente una columna para la guerra de Iraq también puso de manifiesto
el diario inglés The Guardian y ha publicado l conflicto latente entre la línea editorial de
en julio de 2003 un libro sobre su un medio de comunicación y los weblogs
experiencia. particulares de sus periodistas. Así lo prueba
Por otra parte, cabe destacar la el caso de Kevin Sites, cuyo weblog fue
experiencia del periodista Chris Allbritton censurado por la cadena CNN para la cual
que acudió a Iraq como enviado especial trabajaba como enviado a Iraq. En sólo dos
de su propio weblog y demostró la semanas, su weblog particular
rentabilidad de este tipo de iniciativas. www.kevinsites.net estaba entre los 100
Allbritton, ex periodista de Associated Press weblogs más enlazados y había logrado la
y freelance en Iraq se destacó como el primer atención de diarios como el New York Times,
corresponsal independiente de internet. Este el Washington Post y el Wall Street Journal.
periodista fue financiado por los lectores de Finalmente, el 20 de marzo, la cadena CNN
su weblog www.back-to-iraq-com a cambio le pidió que dejara de publicar en su weblog
de información de primera mano. Allbritton a fin de mantener su contrato, aduciendo que
recaudó 14.000 dólares de sus cerca de “trabajar para la CNN y sus 35 filiales es
25.000 lectores diarios durante el conflicto, un trabajo a tiempo completo” 15. Glen
contando técnicamente tan sólo con un Reynolds, profesor de derecho en la
ordenador portátil prestado y un teléfono Universidad de Tennessee y popular por su
satélite de alquiler. La relación de Allbritton weblog www.instapundit.com ha criticado el
con sus lectores hizo que escribiera sobre suceso de Kevin Sites como un “posible caso
temas a petición de los mismos, de tal forma de monopolio” por parte de la CNN. Según
que pasaron de ser lectores a ser editores él, la cadena no vería la página de Sites como
y dando lugar a reportajes de temas competencia directa sino que temería que su
originales no cubiertos por los grandes corresponsal se hiciera una estrella, pidiera
medios, como fue la vida de los turcomanos más dinero o fuera fichado por otra cadena16.
en la zona. Actualmente, Kevin Sites trabaja como
Chris Allbritton demostró también que periodista freelance para NBC, trabajo que
los principios éticos y las normas estilísticas compatibiliza sin problema con la
del periodismo no están reñidos con la reanudación de la publicación habitual en su
publicación en un weblog. Por una parte, weblog.
este periodista no ocultó en ningún momento
su posición contraria a la guerra, pero esto El 11 de marzo de 2004 en Madrid
tampoco le impidió intentar ser lo más
objetivo posible: Los atentados del 11 de marzo de 2004
en Madrid tuvieron una gran repercusión en
“Cuando no era capaz de conseguir la demanda de información en internet, cuyo
una fuente directa para un artículo, tráfico aumentó en un 800% durante las
no lo escribía [...] Creo fervientemente primeras horas del día17. Los principales
que si los blogs quieren ser tomados diarios de información tuvieron que lanzar
en serio por el medio periodístico, sus portadas más ligeras para atender a la
autores tendrán que ser tan demanda creciente, como la de Elmundo.es
meticulosos en la forma de tratar las que superó en tres veces a la de un día
noticias como cualquier empresa normal18.
periodística [...] Esto no quiere decir Los weblogs, por su parte, también
que los weblogs reemplazarán al New acogieron gran parte de la necesidad de
York Times. En lugar de eso, los informaciones puntuales y sirvieron como
blogs serían como el aliño o la altavoz para el encuentro de las víctimas y
guarnición en una dieta mediática los ciudadanos. Algunos weblogs se abrieron
equilibrada para el lector”14. inmediatamente como espacios monográficos
222 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

dedicados exclusivamente a este tema, como No obstante, aunque la práctica de los


la página http://11demarzo.blogalia.com y la weblogs tiene cada día más adeptos, no toda
iniciativa Quienmeayudó http:// la comunidad periodística se muestra
www.quienmeayudo.com, una página entusiasta ante el peso que están adquiriendo.
dedicada a poner en contacto a las víctimas Algunos escépticos como Leslie Walter22 del
y a las personas anónimas que las Washington Post dudan de que los lectores
socorrieron. Este lado más humano se puedan confiar en un medio que no se ajusta
aprecia también en los sobrecogedores a los principios establecidos de precisión,
testimonios de algunas personas que objetividad y verdad del periodismo
sobrevivieron al atentado y se volcaron en tradicional. En realidad, el Periodismo
sus weblogs personales pocas horas después Participativo y concretamente los weblogs
del suceso, como es el caso de la joven Ari exigen reconsiderar el paradigma de la
http://ari28.blogspot.com/: objetividad en el periodismo. Estas nuevas
formas de participación pública funcionan con
“El atentado de esta mañana en Atocha sus propios métodos de calidad,como son los
me ha pillado en el mismo filtros de reputación -la persona que publica
anden......para venir a trabajar he de un weblog se va haciendo un nombre en la
coger el tren q va por la via 1 y la comunidad en función de la calidad de sus
bomba la han colocado en el tren de publicaciones- y los círculos de confianza -
la via 2.......Via 1 y 2 comparten anden a través de las referencias cruzadas que
asi q, no quiero ni pensar q habria proporcionan los links, algo parecido a cómo
pasado si el tren hubiera estallado funcionan las referencias bibliográficas en
dentro de la estacion......”19 una publicación académica.

Sin poder desligar la relación entre Funciones de los weblogs en el periodismo


los atentados del 11 de marzo de la Aportar transparencia a los medios de
reacción ciudadana en los días comunicación
siguientes y previos a las elecciones
generales del 14 de marzo, hay que Los weblogs pueden ser considerados
destacar también que los weblogs se como un medio ideal para potenciar la
conviertieron en un medio alternativo relación entre la prensa y los ciudadanos. Para
de movilización ciudadana y cobertura ello es necesario que los medios de
informativa de la misma20. comunicación hagan saber a su audiencia
cómo trabajan, cuáles son las informaciones
Weblogs y periodismo de las que parten y en base a qué criterios
deciden seleccionar una parte en función del
La mayor parte de los autores que estudian todo. Los weblogs, por su propia naturaleza,
el fenómeno weblog prefieren no definir de están dando un ejemplo de transparencia a
forma genérica los weblogs como “una nueva los medios de comunicación tradicionales, ya
forma de periodismo”, puesto que, aunque que gran parte de su fuerza radica en el uso
algunos weblogs sí se dedican a funciones extensivo de los hiperenlaces y del
básicas del periodismo, no todos están comentario abierto. Este tipo de medidas
orientados a funciones periodísticas. El podrían haber evitado, o al menos detectado
investigador J.D. Lasica considera que los con mayor antelación, escándalos de
weblogs son un periodismo de distinta manipulación como el del reportero Jayson
naturaleza, un periodismo no ligado Blair del New York Times en mayo de 2003
estrictamente a los valores del periodismo y recientemente el de Jack Kelley del USA
tradicional. Según Lasica, “los bloggers Today23. En este sentido cabe mencionar la
valoran la conversación informal, el labor del blogger Tim Blair al destapar una
igualitarismo, los puntos de vista subjetivos manipulación en un reportaje del periodista
y escribir sobre beneficios, control central, Uli Schmetzer del Chicago Tribune en febrero
objetividad y contenidos filtrados”21. de 200424.
JORNALISMO 223

De entre las posibles adaptaciones, los periodismo es la de actuar como


medios podrían incorporar los links a las observatorio de los propios medios de
fuentes de las noticias que tengan presencia comunicación, lo que se viene denominando
online, aportar los textos originales de los como watchblogs. En los últimos meses se
que se hayan seleccionado fragmentos -por ha puesto en marcha un proyecto en Estados
ejemplo, la trascripción completa de una Unidos denominado “Adoptar a un
entrevista editada-, pedir la opinión de los periodista”28, que anima a los ciudadanos
lectores en temas de su especialidad, escribir a escribir un weblog analizando de cerca
reportajes de acuerdo a las sugerencias o el trabajo de un determinado periodista en
pistas de los lectores, ofrecer el material en su seguimiento de la campaña electoral en
bruto de los artículos en los que se esté Estados Unidos. Uno de estos bloggers es
trabajando e 10 Tíscar Lara invitar a los Tim Withers, quien en su weblog http:/
lectores a contribuir al mismo. /wilgorenwatch.blogspot.com/ se dedica a
analizar y contrastar las columnas que la
Favorecer el debate público periodista Jody Wilgoren escribe en el New
York Times sobre la campaña de Howard
Los weblogs son una herramienta de gran Dean a la presidencia de la Casablanca. Esta
utilidad para generar debate y comentarios iniciativa ha sido seguida por otros bloggers
sobre las noticias. Así lo considera Paul anónimos que hacen lo propio con periodistas
Grabowicz, director del programa de New de otros medios como The Washington Post
Media en la Universidad de Berkeley: y Associated Press. Para Mark Glaser,
columnista de OJR, esta práctica se podría
“Los weblogs son con gran diferencia considerar como un avance en la crítica y
mucho más animados que los foros análisis de medios, así como un gran potencial
complacientes de las webs de noticias. en la mejora del trabajo periodístico29.
Estos evitan conversaciones más Otros ejemplos, fuera del contexto de
extensas donde lo que la gente tiene campaña electoral, demuestran también su
que decir sobre lo que se ha escrito utilidad. Aquí habría que mencionar el caso
se considera de igual importancia”25. de Ira Stoll, una mujer de 29 años,
responsable del weblog Smartertimes.com
El secreto puede estar en el propio diseño donde diariamente comenta las imprecisiones
de las herramientas de weblog, que permiten y erratas del diario New York Times. Además
escribir comentarios directamente, sin filtrado de las mil visitas diarias que suele tener su
ni formularios previos, y ligados físicamente página, Stoll envía sus artículos por email
a la noticia comentada. Algunas publicaciones a más de 5.500 subscriptores30.
como la Columbia Journalism Review en su
weblog de análisis de la campaña electoral Mostrar los métodos del periodismo
200426 no permiten el comentario abierto, lo
cual es criticado por Dan Gillmor, quien La utilización de métodos periodísticos
apunta que “en lugar de hacer en los weblogs contribuye a un mayor
pronunciamientos, CJR y sus colaboradores conocimiento de la propia naturaleza del
deberían promover la conversación” y añade periodismo. Quienes lo practican se
“serían mucho más creíbles si confiaran en convierten de esta manera en ciudadanos más
que sus lectores podráin tener algo inteligente críticos y demandantes de un periodismo de
que añadir” 27 . Este podría ser un buen calidad. Así lo creen algunos investigadores,
indicador del grado de apertura de un medio como el profesor Jay Rosen quien destaca
de comunicación que quisiera integrar los la función educadora de los watchblogs:
weblogs en su estructura.
“La observación es disciplina.
Observatorio de los medios Incorpora la cautela. Se mejora con
la práctica. Hace que te fijes en los
Una de las funciones más desarrolladas detalles (por ejemplo, en el tono del
por algunos weblogs con respecto al periodista). Analizar un reportaje será
224 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

educativo para aquellos que lo “Los periodistas están siendo


hacen”31. destronados de su torre de marfil.
Muchos periodistas querrían creer que
Otros autores defienden esta idea, como su reportaje sobre una guerra, unas
el periodista Matt Welchen, quien en su elecciones o un partido de béisbol es
artículo “El peso de los nuevos periodistas la última palabra. Pero cuando el
amateurs” en la Columbia Journalism email del reportero empezó a ser
Review, reconoce que los weblogs no sólo publicado al final del artículo en
aportan nuevas fuentes de información a los prensa, la dinámica cambió. Entonces,
lectores sino que permiten a sus propietarios los foros online y las respuestas dieron
actuar como periodistas: a los lectores más presencia y condujo
a una mayor interacción [...]
“Seleccionando las noticias, valorando proporciona una voz mucho mayor a
la credibilidad de las fuentes, los lectores no periodistas dando
escribiendo títulos, tomando opciones para atacar, contraatacar y
fotografías, desarrollando estilos de corregir artículos de maneras que no
escritura, relacionándose con los habían existido antes”.
lectores, construyendo audiencia,
sopesando los sesgos ideológicos y Archivo y documentación
ocasionalmente llevando a cabo
investigaciones propias” La estructura de los weblogs,
caracterizada por las entradas cronológicas
y añade y los sistemas de búsqueda de los artículos
en la propia web, los convierten en útiles
“miles de amateurs están aprendiendo fuentes de información y consulta para los
cómo hacemos nuestro trabajo periodistas. Ello se ve ayudado por la propia
convirtiéndose en el proceso en vocación de permanencia y de interconexión
lectores más sofisticados y críticos de la naturaleza de los weblogs. Así lo
más agudos”32. recogen los investigadores Torill Mortensen
y Jill Walker, quienes han escrito un artículo34
Aportar pluralismo al entorno mediático sobre la utilidad del weblog en la
investigación académica, con la que
La proliferación de weblogs incrementa comparte, según ellos, características propias
el número de voces en la esfera de los medios como el placer por el debate y la atribución
de comunicación. Para el profesor de de las citas.
Columbia, Eric Alterman, se trata de un soplo
de aire fresco al entorno mediático: Conclusión

“La concentración de la propiedad de La aparición de formas de Periodismo


los medios de comunicación y el Participativo en internet y la popularidad de
incremento del conservadurismo de los weblogs abren un camino a la
esas instituciones periodísticas abren incorporación de nuevas voces en el
una clamante necesidad de fuentes panorama mediático. Con el uso eficaz de
alternativas de información y opinión estas herramientas, el ciudadano puede, de
que no encuentran un espacio en esta manera, reivindicar su espacio como
ningún lugar de los medios”33. comunicador en una democracia. En este
entorno, el nuevo periodista habrá de
En este nuevo paradigma, el periodismo reconducir su labor social y ayudar a los
deja de participar en los procesos de ciudadanos a desarrollarse creativamente en
comunicación desde sus posiciones la sociedad de la información. Es tarea de
privilegiadas. Mark Glaser reconoce que uno todos nosotros, ya sea desde el campo de
de los principales cambios tiene que ver con los medios de comunicación, como desde la
la forma de concebir al propio periodismo: escuela y la universidad favorecer el uso
JORNALISMO 225

crítico y creativo de los medios a nuestro dando lecciones de ética, saber hacer,
alcance. confianza y proximidad que deberían ser
Si bien hay iniciativas de medios que adoptadas por los medios de comunicación
están incorporando weblogs a sus tradicionales. Tomemos sus elementos
redacciones35, éstas no deben quedarse en el positivos como una motivación para el
simple exotismo formal de dar una apariencia aprendizaje continuo en la práctica de un
de modernidad. La evolución de los weblogs periodismo de calidad, un Periodismo
está suponiendo algo más que la mera Participativo como no podría ser de otra
proliferación de páginas personales: están manera en una sociedad democrática.
226 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

13
_______________________________ http://dear_raed.blogspot.com/ Para más
1
Universidad Complutense de Madrid. información, consultar la entrevista con Salam
2
We media. How audiences are shaping the Pax en el foro interactivo de BBC News: http:/
future of news and information. http:// /newsvote.bbc.co.uk/mpapps/pagetools/print/
w w w. h y p e r g e n e . n e t / w e m e d i a / d o w n l o a d / news.bbc.co.uk/2/hi/talking _point/3116344.stm
14
we_media.pdf Formato html disponible en: Allbritton, C. Blogging from Iraq. Harvard
www.hypergene.net Nieman Report. Otoño 2003. Pág. 84 http://
3
El movimiento We Media es también el título www.nieman.harvard.edu/reports/03-3NRfall/
del libro que uno de sus mayores precursores, Dan V57N3.pdf
15
Gillmor, está escribiendo sobre Periodismo Mernit, S. “Blogging sites and the blogging
Participativo. Gillmor propone en su página web controversy”. Declaraciones de la portavoz de
h t t p : / / w e b l o g . s i l i c o n v a l l e y. c o m / c o l u m n / la CNN Edna Jonson. Online Journalism Review.
dangillmor/ la discusión de los capítulos que tiene 03/04/2003. http://www.ojr.org/ojr/workplace/
proyectados para su libro y se compromete a p1049381758.php
16
incorporar las contribuciones de los usuarios. Outing, S. Journalists debate closure of
4
We media. Pág. 6. another blog. Online Journalism Review. 29/04/
5
Díaz Noci, J y Salaverría, R. Manual de 2003. http://www.ojr.org/ojr/glaser/
Redacción Ciberperiodística (2003). Barcelona, 1051593413.php
17
Ariel. Capítulo 6. Pág. 296. Datos del Observatorio Español de Internet.
6
Las tecnologías propias del formato weblog http://www.obsinternet. com/
18
son principalmente los sistemas de Trackback y El tráfico en Internet se dispara. Elmundo.es
RSS. Gracias al sistema Trackback podemos seguir http://www.elmundo.es/navegante/2004/03/11/
el rastro del impacto que nuestra publicación haya esociedad/1079024472.html
19
podido tener en otras webs, por medio de un Ari. Espejito, espejito.
link automático a esas referencias. Por su parte, http://ari28.blogspot.com/
la tecnología RSS o Really Simple Syndication 2004_03_01_ari28_archive.html [11/03/2004]
20
se basa en el lenguaje XML y nos permite Ejemplos de ello están disponibles en las
subscribirnos -y ser susceptibles de subscripción siguientes direcciones: http://www.esfazil.com/
por parte de otros- a aquellas webs de noticias kaos/noticia.php?id_noticia=1312 y http://
y weblogs que publiquen en ese formato -por manipuladores.webcindario.com/
21
ejemplo, el New York Times-, de tal manera que Lasica, J.D. “Blog and journalism need each
podamos recibir regularmente sus titulares. other”. Harvard Nieman Report. Otoño 2003. Pág.
7
Gillmor, D. Google Buys Pyra: Blogging 71 http://www.nieman.harvard.edu/reports/03-
Goes Big-Time. 15/02/2003 3NRfall/V57N3.pdf
22
http://weblog.siliconvalley.com/column/ Lasica, J.D. “Blog and journalism need each
dangillmor/archives/000802.shtml other”.Harvard Nieman Report. Otoño 2003. Pág.
8
Los servidores de weblog gratuito estudiados 72 http://www.nieman.harvard.edu/reports/03-
son Blog-City, BlogSpot- Blogger, Diaryland, 3NRfall/V57N3.pdf
23
LiveJournal, Pitas, TypePad, Weblogger y Xanga. El diario ‘USA Today’ acusa a su ex
Informe Perseus. The blogging iceberg. [Consulta: reportero estrella de inventar y plagiar sus
08/10/2003]. http://www.perseus.com/blogsurvey mejores historias.
9
Para localizar un weblog se puede emplear El Mundo. http://www.elmundo.es/elmundo/
un buscador especializado como el Blogdex http:/ 2004/03/19/comunicacion/1079705712.html 19/
/blogdex.media.mit.edu desarrollado por el MIT 03/2004
(Massachussets Institute of Technology) en 2001 24
Le Net épie l’éthique de la presse.
que permite la búsqueda por la dirección web o Liberation.
por texto. También resulta útil la búsqueda a través http://www.liberation.fr/
de los directorios, donde los weblogs vienen page.php?Article=187702 20/03/2004
listados en función de su tema, idioma, etc. Entre 25
Paul Grabowicz, “Weblogs bring journalists
ellos cabe destacar www.bitacoras.net y into a larger community”. “Harvard Nieman
www.blogalia.es como referente en castellano. Report. Otoño 2003.
10 26
Winer, D. http://blogs.law.harvard.edu http://www.campaigndesk.org/
11 27
BloggerCon. Dan Gillmor en declaraciones vía email a
http://blogs.law.harvard.edu/bloggerCon/ Mark Glaser.
12
Pew Internet & American Life Project. One http://ojr.org/ojr/glaser/1076465317.php 10/02/
year later: September 11 and the Internet. 5/09/ 2004
2002. http://www.pewinternet.org/reports/ 28
Adopt-A-Journalist.
toc.asp?Report=69 http://www.scribestalker.com/watch/
JORNALISMO 227

29
Glaser, M. ‘Watchblogs’ Put the Political Researching_ICTS_in_context_ch11_Mortensen_Walker.
35
Press Under the Microscope. 11/02/2004 http:// Algunos periódicos han optado por
ojr.org/ojr/glaser/1076465317.php incorporar a bloggers populares a sus redacciones
30
Baum, G. Tweaking The Times Nose. Online como colaboradores habituales. Es el caso del
Journalism Review. 27/03/2002 http://www.ojr.org/ iraquí Salam Pax y sus artículos en el diario The
ojr/workplace/1017265278.php Guardian y el de Den Beste, un ingeniero
31
Jay Rosen. Why I Love the Adopt-a-Reporter desempleado de San Diego que después de dos
Scheme. Why I Dread It. http://journalism.nyu.edu/ años escribiendo sobre análisis internacional en
pubzone/weblogs/pressthink/2004/01/14/ su weblog ha pasado a ser colaborador de The
watch_site s.html 14/01/2004. Wall Street Journal. Entre los medios que han
32
Welch, M. The new amateur journalists apostado por la incorporación de weblogs dentro
weigh in. Columbia Journalism Review. 2003. de sus páginas, cabe destacar el portal de internet
Septiembre-Octubre. Volumen 5. http:// MSNBC y los medios británicos The Guardian
www.cjr.org/issues/2003/5/blog-welch.asp (http://www.guardian.co.uk/weblog) y BBC News,
33
Glaser, M. The infectious desire to be linked que habilitaron weblogs para sus corresponsales
in the blogosphere. Harvard Nieman Report. Otoño durante la guerra de Iraq. Concretamente, la
2003. Pág. 88 http://www.nieman.harvard.edu/ cadena BBC mantiene un weblog donde invita
reports/03-3NRfall/V57N3.pdf a sus lectores a enviar fotografías y vídeos
34
Tory Mortensen y Jill Walker. Bloggin personales sobre eventos periodísticos que son
Thoughts: personal publication as an online planificados con anterioridad, como por ejemplo
research tool. Artículo académico. material de una manifestación contra la guerra
http://www.intermedia.uio.no/konferanser/ (http://news.bbc.co.uk/1/hi/talking_point/
s k i k t - 0 2 / d o c s / 2780295.stm).
228 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 229

O Jornalismo de Informação Sindical no Brasil:


atores, práticas, mecanismos e estratégias de produção jornalística
Vladimir Caleffi Araujo1

Introdução2 fazer crer os profissionais que oficiam nesse


tipo de imprensa ? Para responder , foi pre-
O presente estudo tem como objeto de ciso abordar com um olhar crítico tanto a
análise a prática jornalística no contexto das postura desses profissionais face às questões
redações da imprensa sindical. Assim, pare- pertinentes à prática jornalística, como o
ceu-nos indispensável interrogarmo-nos so- trabalho que desenvolvem em sala de redação.
bre o significado de “ser jornalista” em órgãos Procuramos, assim, apontar as contradições
de imprensa ditos politicamente engajados, do espaço jornalístico em que figuram as
como é o caso das publicações sindicais. redações sindicais, evidenciar o caráter equi-
Concentramos, nesse sentido, nosso interes- vocado da legitimidade que essas redações
se nos próprios atores do jornalismo de pretendem atribuir às suas práticas e, sobre-
informação sindical, isto é, nos profissionais tudo, relevar a incompatibilidade das visões
incumbidos de fornecer ao militante a infor- da informação e do jornalismo que co-ha-
mação que ele utilizará em suas ações. bitam no universo das organizações, repre-
Retomando os termos de um dirigente sin- sentadas, de um lado, pelos jornalistas e, de
dical, o jornalista é aquele que forja a “arma” outro, pelos dirigentes e militantes sindicais.
(a informação) que o combatente (militante) Uma questão serviu-nos de guia ao longo do
utilizará na “batalha sindical”. Pelo fato de trabalho, a saber: até que ponto é possível
o jornalismo que praticam se revestir dessa atribuir à atividade que se exerce nas redações
especificidade, os profissionais da imprensa sindicais o status de prática jornalística ?
sindical padecem de uma imagem de “pro- Nessa perspectiva, procuramos saber as
pagandistas” das organizações, espécie de condições em que se desenvolvem as
correia de transmissão das opiniões e das atividades do jornalismo de informação sin-
ambições políticas de seus dirigentes. Por essa dical e seus modos de operar, resgatando, a
razão, a profissão hesita em considerá-los partir daí, seus particularismos.
como journalistes à part entière. Eles pró-
prios, aliás, nutrem esse sentimento de que Metodologia
atuam à margem do espaço jornalístico
dominante. Neste trabalho, tratamos, portan- Esta pesquisa apoiou-se sobre diferentes
to, de verificar se essa reputação correspon- métodos de recolhimento de dados, que de-
de à realidade, se esses jornalistas pecam sempenharam, cada qual, um papel comple-
realmente pela ausência total de mentar indispensável, tendo em vista a
distanciamento frente aos interesses político- abordagem que adotamos e os objetivos
ideológicos de seus empregadores, isto é, as fixados neste trabalho. À exceção de um
organizações e seus dirigentes. estudo estatístico sobre os conteúdos da
Nosso objetivo na pesquisa foi o de tentar imprensa sindical (que utilizamos em um dos
identificar manifestações que, no processo capítulos da tese), os diferentes instrumentos
informativo do jornalismo sindical, pudessem aos quais recorremos para a coleta de dados
efetivamente ser associadas à prática jorna- se inserem nos métodos qualitativos. Para
lística, distinguindo-as de procedimentos que obter o material do qual nos servimos nas
conviria classificar em outros registros, alhei- descrições e análises conduzidas ao longo do
os ao processo informativo. A questão que trabalho, entrecruzamos nossas observações
nos pareceu apropriada e que deveria ser de campo com a série de entrevistas que nos
colocada foi a seguinte: trata-se realmente concederam os diferentes atores que fazem
de jornalismo, como apregoam e pretendem parte desse universo. A participação, desde
230 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

que passamos a nos interessar por esse tema, dos pelo político, na medida em que o poder
em discussões e o intercâmbio com os pro- sindical subordina esses instrumentos à es-
tagonistas da informação sindical – em reu- tratégia sindical (o projeto sindical). Essa
niões, debates, conferências e seminários lógica impõe um controle mais ou menos
promovidos em torno de temas relacionados rigoroso por parte das direções sindicais sobre
à imprensa dos sindicatos – permitiram que a produção redacional e sobre os conteúdos
resgatássemos, ainda, um certo número de editoriais das publicações sindicais. As
elementos de análise bastante úteis à nossa redações são, assim, na maior parte das vezes,
empreitada. impelidas a fazerem escolhas informativas de
A observação direta do campo de pes- acordo com as orientações determinadas pelo
quisa foi facilitada graças à nossa experiên- poder sindical. Não raramente, decisões
cia de cinco anos como redator chefe de uma redacionais são operadas à total revelia dos
publicação sindical, o que possibilitou que jornalistas, cabendo ao dirigente responsável
“freqüentássemos”, durante todo esse tempo, pela imprensa – ou ao próprio presidente da
as práticas e os discursos do jornalismo de organização – a decisão, em última instância,
informação sindical. São justamente essas sobre o que deve ou não ser publicado no
práticas e esses discursos que tentamos, acima jornal do sindicato. Colocada sob a vigilân-
de tudo, descrever e compreender neste cia direta da direção sindical, a redação e
trabalho. A observação dos atores no próprio seus jornalistas deparam-se com um certo
campo de ação permite, de fato, melhor captar número de obstáculos que restringem sua
as verdadeiras manobras subentendidas nas margem de manobra e sua capacidade de
estratégias de cada indivíduo ou grupo e as iniciativa no que concerne tanto às suas
relações de interdependência que se estabe- escolhas redacionais como a seu modo de
lecem entre eles – nesse caso, entre jorna- operar jornalístico.
listas, dirigentes e militantes sindicais – em A denominação de “árbitros” que Paillet4
função dos objetivos que perseguem esses utiliza para designar aqueles que verdadei-
atores no contexto da produção e da difusão ramente decidem nas redações (diretores de
da informação sindical. Nesse sentido, pro- publicação, redatores chefes, articulistas bem
curamos – sempre que possível durante a colocados, editorialistas cotados, etc.) pode,
pesquisa de campo – direcionar ao máximo de certa maneira, ser atribuída aos dirigentes
nossa atenção para as práticas em curso nas que orientam a informação sindical, mesmo
redações sindicais, o que nos possibilitou que esse paralelo pareça um tanto temerário,
confrontar os resultados da observação com haja vista as diferenças significativas que se
os discursos emitidos pelos próprios atores podem observar entre o universo da impren-
sobre suas práticas (quando das entrevistas sa sindical e o de outros meios de comu-
que realizamos no âmbito deste trabalho). O nicação. A comparação, no entanto, parece
material recolhido a partir da observação de apropriada no sentido de mostrar o poder de
campo foi, portanto, enriquecido por uma decisão dos dirigentes sindicais quanto à
série de entrevistas não somente com os definição da informação veiculada na mídia
agentes diretamente envolvidos na produção sindical. Os fatos estão aí, dificilmente
da informação sindical (jornalistas e dirigen- refutáveis: a determinação dos conteúdos
tes), mas também com pessoas mais ou menos informativos, as prioridades editoriais, os
ligadas a esse universo, graças aos quais pontos de vista – em resumo, todos os
obtivemos informações complementares elementos que compõem, por assim dizer,
importantes.3 uma política editorial – são, em boa medida,
Do papel destinado à imprensa dos tributários das decisões desses–“árbitros” que
sindicatos e das contradições que vivem as representam os dirigentes sindicais na rea-
redações sindicais lidade quotidiana das redações. Investidos de
um poder concreto que lhes confere a po-
Ao longo desse trabalho de investigação, sição que ocupam no seio da estrutura, eles
foi possível observar que o papel da infor- correspondem, nesse sentido, ao que Paillet
mação e a “missão” dos meios de comuni- nomina as “camadas superiores” de uma
cação sindicais são amplamente determina- estrutura redacional, enquanto os jornalistas
JORNALISMO 231

(que, segundo sua visão, são simples técni- (...) Os atores dispõem de uma
cos) se enquadram, por sua parte, na cate- margem de liberdade que eles utili-
goria de “proletários”, condenados que são zam de maneira estratégica em suas
a executar o que decidem os primeiros (se- interações com os outros”6.
guidamente, sem muito se interrogar sobre
suas motivações)5. Encontramos, fundamentalmente, duas
Se os dirigentes dispõem, desse modo, de situações que se apresentam ao jornalista
uma latitude de intervenção que lhes permite sindical como possibilidade de ampliar sua
agir tanto sobre as determinações prelimina- margem de manobra no dia a dia de uma
res relacionadas às tarefas da redação (defi- redação. A primeira tem a ver com a natu-
nição da pauta, indicação das fontes, etc.), reza do tema a ser tratado em seu artigo ou
como sobre o enfoque a ser dado às infor- com a seção do jornal para a qual escreve.
mações coletadas (maneira de tratar a infor- A segunda tem origem no abrandamento
mação), o mesmo não se pode dizer da suscetível de intervir na vigilância que exerce
capacidade de decisão e de ação dos jorna- o sindicato sobre o trabalho da redação,
listas sindicais. É falso, no entanto, pensar que ocasião em que esta pode se (re)apropriar do
a margem de manobra das equipes redacionais controle sobre sua produção. Tomemos o
se reduz às operações técnicas de produção exemplo do primeiro caso: a autonomia e a
das notícias, portanto, à execução de tarefas margem de manobra do jornalista sindical
práticas. Em nosso trabalho, exploramos jus- serão, em larga medida, tributários da natu-
tamente a hipótese de que, apesar dos modos reza do tema constituindo o objeto de seu
de estruturação e das regras de funcionamento trabalho redacional. Isso quer dizer, funda-
das redações sindicais que tendem a mentalmente, que, quanto mais ele tratar
obstaculizar a atividade jornalística – em temas não prioritários aos olhos da institui-
função, fundamentalmente, dos objetivos que ção, menos forte será a vigilância desta. Um
impõem os sindicatos à informação e à sua jornalista a quem será confiada a tarefa de
imprensa –, esses fatores não eliminam por escrever um artigo sobre um assunto caro à
completo a capacidade de ação dos jornalis- organização (uma greve por exemplo), terá
tas. Na realidade, eles conseguem, a partir de mais chances de ver seu texto submetido ao
estratégias próprias, construir um certo grau controle da direção. Em contrapartida, a
de autonomia e de liberdade, transformando cobertura de uma manifestação cultural é
as salas de redação sindicais em espaços onde muito provável que não seja submetida a
as práticas jornalísticas permanecem viáveis. outro que não o (a) redator (a)-chefe do jornal.
E é nessa perspectiva que eles pensam e
enquadram suas ações. Concepções diferentes da informação como
Apoiamos nossa demonstração nas noções fonte principal de conflitos
contidas na “análise estratégica” de Crozier
e Friedberg, destacando, em particular, seu As concepções diferentes, muitas vezes
postulado sobre a liberdade relativa dos atores divergentes, que têm dirigentes e jornalistas
e a idéia do poder enquanto jogo central de sindicais dos fatos e da informação e as
uma coletividade organizada. Nossa escolha implicações dessas diferenças no trabalho da
está fundamentada no fato desse modelo redação constituem um parâmetro também
privilegiar os atores e sua capacidade de se importante a ser levado em conta na análise
movimentar no interior das estruturas em que das relações entre esses dois grupos de atores.
atuam (no caso, as organizações sindicais) As “diferenças de percepção da realidade”7
na busca incessante de espaços de liberdade são, de fato, uma das primeiras fontes po-
e de autonomia de ação, a fim de atingir seus tenciais de conflitos entre os diversos grupos
objetivos. Isto apesar dos obstáculos que constitutivos de uma organização.
pesam sobre suas ações. De acordo com a No caso que analisamos, temos, de um
idéia-chave da análise estratégica: lado, o profissional da redação, que parte do
princípio elementar segundo o qual jornal
“(...) não existem sistemas sociais algum, inclusive uma publicação militante,
inteiramente regulados e controlados pode fugir da regra que requer, para que ele
232 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

seja realizado, a matéria-prima que é a Nesse sentido, a informação é um:


informação; partindo desse princípio, para
o jornalista, significa que o jornal deve “(...) conjunto de notícias, de dados,
relatar os fatos conforme eles realmente de explicações ou de relatos aos quais
aconteceram (ao menos tentar reproduzi-los foi dado um sentido, através de uma
o mais fielmente possível), o que implica apresentação, de uma colocação em
adotar como norma da prática jornalística perspectiva a fim de ser acessível a
o respeito absoluto aos fatos e à verdade. um determinado público”10.
O trabalho de coleta e tratamento da infor-
mação requer certas noções e métodos que Pode ocorrer, portanto, que informações
são inerentes à atividade jornalística: pre- que a redação julgará significativas no plano
ocupação com a atualidade, importância a jornalístico poderão não o ser para os diri-
ser atribuída ao fato, tratamento o mais gentes, sob o ponto de vista sindical. Como
objetivo possível da informação, seriedade conciliar os interesses da ação político-sin-
e honestidade nos procedimentos, etc. Do dical, campo de preocupação das organiza-
outro lado, encontra-se o líder sindical, que, ções, com as obrigações dos jornalistas,
na maior parte do tempo, se coloca numa levados a agir em função de certos princípios
lógica de comunicação e de persuasão; desse próprios da informação e da prática jorna-
ponto de vista, ele alimenta uma concepção lística? O dilema tende a perdurar enquanto
fundamentalmente instrumental da informa- o problema de fundo não for resolvido, a
ção, tendo esta sentido, na sua visão, so- saber: a definição da informação e dos
mente à medida que for útil ao trabalho de conteúdos que pretende a imprensa sindical.
convencimento e mobilização dos efetivos Sem esse passo, a co-habitação entre jorna-
sindicais, enquanto motor da ação sindical. listas e dirigentes restará problemática e
Resulta que um determinado dado ou in- marcada por desavenças.
formação não terá o mesmo valor para ele
e para o jornalista, podendo as divergências Ausência de mecanismos de regulação nas
se revelarem ainda mais profundas quando redações
estiver em questão o tratamento a ser dado
a essa informação. As fontes de conflitos entre jornalistas e
Em outros termos, podemos dizer que o dirigentes sindicais são múltiplas. Elas se
dirigente sindical se coloca na perspectiva originam, primeiramente, da concepção di-
de uma função de persuasão ou de propa- ferenciada de informação existente nesses
ganda, enquanto o jornalista pretende assu- grupos e na incidência dessas diferenças sobre
mir uma função de caráter informativo. A o trabalho da redação; elas são, igualmente,
primeira consiste em: resultado da competição que se instaura entre
eles em torno do controle dos conteúdos das
“(...) uma ação desencadeada publicações sindicais e da definição do papel
deliberadamente tendo por único e das responsabilidades de cada um na
objetivo fazer pensar, fazer acreditar estrutura redacional. Nesse contexto, diver-
ou fazer agir um indivíduo ou um gências tendem a se agravar e a eclodir em
grupo de indivíduos em um sentido conflitos (latentes ou abertos), na medida em
e com uma intenção determinada”8. que as redações da imprensa sindical não
dispõem, em geral, de nenhum instrumento
A segunda remete à: interno de regulação da atividade jornalística
e das relações entre seus membros e o poder
“(...) missão do jornalismo, com seus sindical. As regras gerais da organização (seus
ofícios, suas disciplinas, suas especi- estatutos, normas de funcionamento de seus
alidades; da mídia, quando ela se serviços, etc.) não são de utilidade alguma
dedica à atualidade primeiro que à nesse caso, pois elas não têm por objeto
ficção, a esclarecer ou informar antes específico a produção da informação e as
de divertir ou educar”9. atividades de redação. Um instrumento pró-
JORNALISMO 233

prio relacionado aos jornalistas e à sua da informação. Tudo indica, porém, que o
atividade – definindo normas redacionais, caminho a ser percorrido ainda é longo.
direitos e deveres da redação – teria, pro- Durante nossa pesquisa, foi possível obser-
vavelmente, um efeito positivo na regulamen- var, por exemplo, a existência de uma grande
tação desse setor no interior das organiza- indiferença de parte dos principais interes-
ções, prevenindo conflitos e regulando as sados na questão (os próprios jornalistas), no
diferenças existentes entre as expectativas de que diz respeito às preocupações
uns e de outros (isto é, de jornalistas e deontológicas relacionadas à atividade. As
dirigentes) no que diz respeito à produção conseqüências desse – “descaso” – simbo-
e à difusão da informação sindical –11. lizado na recusa das redações de colocar o
No contexto particular do jornalismo problema, de estimular uma reflexão e de
sindical, os códigos ou cartas que regem o tomar iniciativas nesse sentido – parecem
exercício da profissão de jornalista (como o evidentes e não poderão resultar em outra
Código de Ética dos jornalistas brasileiros) coisa que não seja exatamente o que as
também não são de grande utilidade, na redações sindicais mais dizem querer evitar:
medida em que seus princípios e orientações a tentação do poder sindical de se imiscuir
dão conta de outra realidade, que é a atividade nos assuntos da redação. Face à ausência de
jornalística praticada no ambiente de traba- uma regulamentação específica da atividade
lho do universo jornalístico convencional. jornalística sindical e à inexistência de um
Para que seja eficaz na definição de prin- estatuto regulando as relações entre redação
cípios e regras capazes de fixar linhas gerais e direção sindical, a integração entre esses
de conduta aos jornalistas sindicais e de dotá- dois grupos de atores passa essencialmente
los de meios práticos para regular as ques- por um processo permanente de negociação.
tões conflitantes, é necessário que um tal
instrumento esteja apoiado nas condições de Quais as orientações possíveis para o
trabalho próprias desse universo, que leve em jornalismo de informação sindical?
consideração as práticas específicas em curso
nas redações sindicais. Para isso, ele deve A imprensa sindical já demonstrou toda
engajar não somente seus integrantes, mas sua importância e necessidade como meio de
também todos aqueles implicados na vida da os sindicatos se dirigirem à massa de sin-
redação – os dirigentes sindicais, em espe- dicalizados e/ou assalariados em geral. Ela
cial o diretor de imprensa, que são os par- tem, no entanto, potencial para ampliar seu
ceiros por excelência dos jornalistas no horizonte de ação, embora a comunicação
processo de construção da informação sin- com os sindicalizados consista em sua pri-
dical. No limite, um tal dispositivo represen- meira e fundamental missão. Pode, por
taria uma tentativa de acomodação desse tipo exemplo, representar um papel importante na
de jornalismo e de suas particularidades às institucionalização de uma “contra-informa-
regras e princípios deontológicos mais rele- ção” nas disputas políticas e sociais que se
vantes da atividade jornalística 12. travam no âmbito da sociedade, contrapon-
Para que se estabeleçam, de fato, con- do-se ao espaço mediático dominante, con-
dições e relações de trabalho estáveis na testando as versões e os pontos de vista
imprensa das organizações, é conveniente oficiais. No que se refere especificamente ao
abrigar as ações da redação sob um instru- campo da informação que interessa
mento que as legitime frente aos que deci- diretamente as organizações sindicais (eco-
dem nas instâncias sindicais. Para isso, faz- nomia, questão social, direito do trabalho,
se necessária uma etapa preliminar aberta a etc.), a imprensa sindical pode fazê-la emergir
amplas discussões, reflexões e análises das sob uma perspectiva diferente daquela pri-
práticas – envolvendo não somente os jor- vilegiada pelas outras categorias de imprensa
nalistas, mas também os responsáveis sindi- (generalista, especializada, econômica, em-
cais –, a fim de balizar conceitos, princípios presarial, etc.). Com esse enfoque, a impren-
e regras de trabalho, além de direitos e sa sindical” – representante legítima de um
responsabilidades de uns e de outros; em campo constituído de meios político e so-
suma, tornar clara as condições de produção cialmente engajados – terá assegurado seu
234 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

lugar num espaço jornalístico que se institui solidados) e do qual ele sofre forte “pressão”
enquanto alternativa ao campo mediático e um outro no qual está inserido – cuja
dominante. Todavia, para atingir tal estágio, característica principal é a ausência de re-
precisa agir de forma resoluta no sentido de ferências que lhe permitam assentar sua
construir e de afirmar sua credibilidade, sem prática –, o coloca em situação de profunda
a qual a ampliação de sua missão estará ambigüidade. A ausência de um corpo mí-
irremediavelmente comprometida. O jorna- nimo de princípios éticos e normas técnicas
lismo sindical será pouco eficaz na instau- adaptadas às condições específicas nas quais
ração de uma contra-informação – que possa ele exerce seu–métier faz com que, se, por
ser útil ao vasto universo dos assalariados um lado, reivindique para si uma “prática
– se não mudar de registro e não abandonar universal”, por outro, a maneira pela qual
em definitivo práticas pouco rigorosas na é levado concretamente a exercer a profissão
apuração e no relato dos fatos. está longe de corresponder à representação
Cabe ao jornalista uma parcela importan- que faz da prática jornalística “ideal”. Por
te de responsabilidade no processo de rea- outro lado, se pretende aderir à prática
bilitação da imprensa sindical, direcionando dominante, terá que adotar pontos de refe-
todos seus esforços no sentido de assegurar rência profissional que lhe serão de utilidade
sua autonomia de trabalho e de reconstruir duvidosa, visto que pouco se adaptam às
suas práticas no interior das redações. Mas particularidades que marcam seu ambiente de
a independência de seus profissionais, em trabalho. Esta é, portanto, a situação do
menor ou maior grau, não será suficiente por jornalista sindical: privado da legitimidade
si só para colocar o jornalismo de informa- que somente é conferida àqueles cujas prá-
ção sindical no caminho da reabilitação que ticas se inscrevem nos preceitos do modelo
a situação requer. Será preciso, para isso, dominante de jornalismo, encontra-se, por
assentá-lo sobre novas perspectivas, especi- assim dizer, diante de um “vazio”. Isso
almente a partir de uma definição menos acontece em razão dessa dificuldade de
equivocada do tipo de informação a ser encontrar em seu próprio campo de atuação
tratada e das práticas redacionais que ela deve profissional, referências que lhe permitam
induzir. O jornalista sindical opera, de fato, preencher esse “vazio”, servindo-lhe de base
em uma zona bastante nebulosa, que se situa sobre a qual assentar suas ações, defender
entre a concepção dominante de informação um tipo particular de prática jornalística e
e das práticas profissionais vigentes na construir, em conseqüência, uma legitimida-
imprensa convencional e uma concepção de profissional.
“particular” da informação e do jornalismo
próprias do universo da imprensa dita Um estatuto para os jornalistas sindicais?
“engajada”, representada, no caso, pelo jor-
nalismo sindical. Ao mesmo tempo em que Essa legitimidade implica a tentativa de
sofre as influências dos valores profissionais reabilitação da prática jornalística em redação
dominantes, do ponto de vista tanto técnico sindical, dando-lhe utilidade e eficácia no
como deontológico (através da formação em exercício quotidiano da profissão. Esse pro-
uma escola de comunicação, de experiência cesso deve iniciar por uma reflexão autocrítica
passada na grande imprensa, da utilização de das práticas vigentes nesses espaços, envol-
manuais de redação dos grandes jornais, etc.), vendo os principais interessados (jornalistas
o jornalismo sindical esbarra em dificulda- e dirigentes sindicais), e culminar na insti-
des próprias ao seu universo. Resulta que está tuição de um corpo de princípios – aceitável
continuamente se defrontando com as con- para uns e outros – aptos a regular a atividade
tradições existentes entre suas práticas espe- jornalística em redação sindical. Os códigos
cíficas e àquelas legitimadas pelo meio de ética da profissão poderiam servir como
profissional jornalístico. importante fonte de referência nesse proces-
Essa posição-limite do jornalista sindical so, e as orientações resultantes poderiam se
entre um universo de contornos mais ou materializar numa espécie de “estatuto” dos
menos definidos (com suas normas técnicas jornalistas e de colaboradores da imprensa
e um corpo de princípios profissionais con- sindical, o qual garantiria condições mínimas
JORNALISMO 235

de trabalho a esses profissionais e regularia Essa ambigüidade que impregna o com-


as relações entre equipe redacional e direção portamento das redações sindicais tende a
do sindicato. As redações em geral têm aumentar à medida que “novas posturas
consciência das conseqüências que acarretam profissionais” – com o engajamento, por
para seu trabalho a ausência de um instru- exemplo, de jornalistas oriundos da dita
mento definindo sua posição no interior da “grande imprensa” – integrem as redações
organização; sabem, por exemplo, que a falta da imprensa sindical. Esses profissionais não
de clareza nas suas funções e nas suas só poderão dar prova de maior autonomia
relações com a instituição se presta mal à em relação às direções e aos militantes
legitimidade que aspiram obter. Por sua sindicais, como poderão induzir uma concep-
condição militante - traço marcante, até aqui, ção da prática jornalística mais “em confor-
da identidade desse grupo profissional -, o midade” com os métodos consagrados pela
jornalista sindical é levado a renunciar, quase profissão. Isso terá, inevitavelmente, reper-
permanentemente, aos princípios éticos da cussão na maneira de pensar e de fazer
profissão. A “cultura militante”, a qual banha jornalismo nas redações sindicais 13. Assim,
o meio sindical, impregna suas práticas, é possível acreditar que certas noções que
impondo-se ao jornalista mais fortemente que historicamente estruturam o “saber” e o
a deontologia profissional. Por isso, num “fazer” jornalísticos terão, ainda que timida-
conflito entre os interesses da organização mente, direito de existência nas redações
sindical e a ética profissional jornalística, não sindicais, onde sempre foram rejeitadas em
resta dúvida de que o vencedor será sempre nome de uma idéia que as associa à pura
a primeira. Um “estatuto” do jornalista sin- expressão do jornalismo convencional, a um
dical poderia ser uma forma de regular simples subproduto ideológico do jornalismo
problemas dessa natureza. próprio das sociedades capitalistas. Se essa
Nas redações sindicais, os princípios idéia cair em desuso, os jornalistas sindicais
éticos raramente constituem objeto de pre- poderão passar a considerar com outros olhos
ocupação concreta, evocá-los não faz parte os princípios da deontologia profissional,
dos hábitos ali estabelecidos. Até o momen- integrando-os à realidade de seu dia a dia
to, o jornalismo sindical parece ser imper- de trabalho.
meável ao gênero de inquietações que o A deontologia, observa Daniel Cornu é
problema ético profissional tende a provo- o que incita o jornalista a:
car; o simples fato de abordar tal questão
parece-lhe insignificante, tende a ser asso- “Defender sua própria liberdade de
ciado a uma “quimera intelectual”, distante informação, de comentário e de crí-
de toda a realidade e estrangeira a toda prática tica, a se proteger das pressões, a não
habitual desse meio. Todavia, ao mesmo aceitar nenhuma ordem direta e
tempo em que o jornalismo sindical acredita indireta que faria dele um publicitário
estar livre dessa preocupação – consideran- ou um propagandista e que o exporia
do-a, talvez, incompatível com o gênero de à tentação militante, pela passagem do
prática difundida nas redações sindicais –, papel de observador ao de ator”14.
ao mesmo tempo em que pactuam com certos
procedimentos dos quais se pode questionar Em suma, ela age no sentido da afirma-
a legitimidade (tanto no que concerne aos ção da independência do profissional, pro-
aspectos técnicos quanto aos deontológicos), tegendo-o dos “monitores” e das “tutelas do
seus profissionais reivindicam para si uma pensamento”15. Evidentemente que será di-
“autêntica” prática jornalística e afirmam fícil para um jornalista atuando no meio
preocupar-se com sua credibilidade e legi- sindical, haja vista as suas características
timidade profissional do mesmo modo, di- particulares, construir uma independência
zem eles, que seus colegas que oficiam em profissional que possa ser a expressão desse
outros setores da imprensa. É, ao menos, o ideal que descreve Cornu. No entanto, é
que se pode depreender do discurso de boa possível para ele definir seu campo de ação,
parte deles. conferindo-lhe um mínimo de autonomia que
236 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

o colocará ao abrigo das fortes pressões (do que se desenvolvem continuamente, que
poder sindical, dos militantes, dos sindica- sofrem – bem ou mal – as mutações do
lizados), permitindo-lhe estabelecer e preser- tempo e se apresentam ao futuro como
var as condições mínimas de exercício de suas espaços alternativos possíveis. Trata-se,
funções. Ele estará, assim, em condições de portanto, não somente da expressão de uma
premunir a informação contra os desvios que “outra” informação, de idéias, debates,
sofre correntemente nesse meio. conflitualidades, mas, ainda, de uma opor-
A informação sindical tem sua própria tunidade real de trabalho que concerne
especificidade, segue sua própria lógica, importantes efetivos da profissão, cada vez
mobiliza meios que lhe são particulares e mais excluídos do mercado convencional do
inscreve suas práticas em um amplo uni- jornalismo, em função da difícil situação de
verso composto de experiências jornalísticas emprego no setor.
JORNALISMO 237

Bibliografia16 français, Grenoble, Presses Universitaires de


Grenoble, 1993.
Accardo, Alain (sous la direction de), Traquina, Nelson, O estudo do jorna-
Journalistes au quotidien – outils pour une lismo no século XX, Novo Hamburgo, Edi-
socioanalyse des pratiques journalistiques, tora Unisinos, 2001.
Bordeaux, Le Marcaret, 1995. Travancas, Isabel Siqueira, O mundo dos
Balle, Francis, (sous la direction de), jornalistas, São Paulo, Summus Editorial,
Dictionnaire des médias, Paris, Larousse, 1992.
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organisations, Paris, Éditions du Seuil, 1985. _______________________________
1
Bohere, G. (de), Profession journaliste. Centro de Pesquisa e Documentação da
Étude sur la condition du journaliste en tant História Política do Rio Grande do Sul/CPDHPRS.
que travailleur, Genebra, Éditions Bureau Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande
international du travail, 1984. do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil.
2
Charon, Jean-Marie, Cartes de presse. Este texto é uma apresentação resumida de
alguns dos pontos abordados na tese de
Enquête sur les journalistes, Paris, Stock,
doutoramento em Ciência da Informação e da
1993.
Comunicação ( Le journalisme d’information
Charron, Jean, La production de syndical au Brésil: pratiques et enjeux ), defen-
l’actualité - une analyse stratégique des dida em novembro de 2003, na Universidade
relations entre la presse parlementaire et les Panthéon-Assas Paris II/Institut Français de Presse
autorités politiques, Québec, Les Editions du e que teve como membros do júri os Professores
Boréal, 1994. Rémy Rieffel (Université Paris II, orientador do
Cornu, Daniel, Journalisme et vérité. trabalho), Denis Ruellan (Université de Rennes
Pour une éthique de l’information, Genebra, I), Michel Mathien (Université Robert Schuman
Labor et Fides, 1994. de Strasbourg) e Luiz Busato (Université Stendhal
Crozier, Michel, L’acteur et le système, Grenoble III). Os pontos aqui abordados nos
Paris, Éditions du Seuil, 1977. pareceram os mais propícios no sentido de fo-
Filho, Clóvis de Barros, Ética na comu- mentar o debate sobre aspectosque consideramos
cruciais para o futuro dessa categoria de imprensa
nicação: da informação ao receptor, São
e de seus profissionais.
Paulo, Editora Moderna, 1995. 3
Ao total, visitamos 16 redações da imprensa
Filho, Adelmo Genro, O segredo da sindical de São Paulo e da região do ABCD
pirâmide. Para uma teoria marxista do paulista e realizamos 69 entrevistas, todas gra-
jornalismo, Porto Alegre, Ortiz editora, 1989. vadas e com duração de uma hora a uma hora
Friedberg, Erhard (ver Crozier, Michel). e meia em média - em alguns casos, um pouco
Lemieux, Ceril, Mauvaise presse: une mais, quando o interlocutor apresentava uma
sociologie compréhensive du travail trajetória particularmente rica em vista dos
journalistique et de ses critiques, Paris, objetivos de nosso trabalho. Classificamos as
Éditions Métailié, 2000. pessoas entrevistadas em cinco grupos: (1) os
Mathien, Michel, Les journalistes et le jornalistas da imprensa sindical, que constituem
système médiatique, Paris, Hachette, 1992. o segmento principal de nosso universo de es-
Melo, José Marques (de), A opinião no tudo; (2) os dirigentes sindicais responsáveis pela
jornalismo brasileiro, Petrópolis, Editora comunicação em suas respectivas organizações e
que, juntamente com os jornalistas, são os prin-
Vozes, 1994.
cipais animadores da imprensa sindical; (3) ex-
Neveu, Érik, Sociologie du journalisme,
jornalistas da imprensa sindical em atividade em
Paris, La Découverte, 2001.
outros setores do jornalismo; (4) jornalistas res-
Paillet, Marc, Le journalisme – fonctions ponsáveis pela cobertura dos sindicatos nos gran-
et langages du quatrième pouvoir, Paris, des diários de São Paulo; e, finalmente, (5)
Denoël, 1974. pesquisadores e professores universitários.
Rieffel, Rémy, L’élite des journalistes, 4
Marc Paillet, Le journalisme – fonctions et
Paris, PUF, 1984. langages du quatrième pouvoir, Paris, Denoël,
Ruellan, Denis, Le professionnalisme du 1974, p. 33.
flou: identité et savoir-faire des journalistes 5
Ibid.
238 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

6
Michel Crozier/Erhard Friedberg, L’acteur tecimentos e sua correta divulgação; Art. 9: É dever
et le système, Paris, Éditions du Seuil, 1977, pp.29- do jornalista: a) Divulgar todos os fatos que sejam
30. de interesse público; b) Lutar pela liberdade de
7
C. Benabou/H. Abravanel, Le comportement pensamento e expressão; c) Defender o livre
des individus et des groupes dans l’organisation, exercício da profissão; d) Valorizar, honrar e
Chicoutimi, Gaëtan Morin, 1986, pp. 371-392. dignificar a profissão; Art. 10: O jornalista não
Citado por Jean Charron, La production de pode: a) Aceitar oferta de trabalho remunerado
l’actualité - une analyse stratégique des relations em desacordo com o piso salarial da categoria
entre la presse parlementaire et les autorités ou com a tabela fixada por sua entidade de classe;
politiques, Québec, Les Editions du Boréal, 1994. b) Submeter-se a diretrizes contrárias à divulga-
8
Francis Balle, (coordenador), Dictionnaire ção correta da informação; c) Frustrar a mani-
des médias, Paris, Larousse, 1998, p. 195. festação de opiniões divergentes ou impedir o livre
9
Ibid., p. 125. debate; Art. 14: O jornalista deve: a) Ouvir sempre,
10
Ibid. antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas
11
A redação da CFDT francesa dispõe, por objeto de acusações não comprovadas, feitas por
exemplo, de um “estatuto” dos colaboradores de terceiros e não suficientemente demonstradas ou
sua revista (Magazine CFDT) e de seu jornal verificadas; Art. 15: O jornalista deve permitir o
(Syndicalisme Hebdo) que “(...) regulamenta as direito de resposta àspessoas envolvidas ou
relações entre a direção da confederação, respon- mencionadas em sua matéria, quando ficar de-
sável política pela imprensa, e os redatores” da monstrada a existência de equívocos ou
casa. Essa regulamentação foi colocada em pra- incorreções”.
13
tica após grave conflito que opôs a equipe de Em outros tempos, os militantes improvi-
redatores e a direção sindical no final de 1968 sados jornalistas admitiam as especificidades do
(VERDIER, E.,”La presse syndicale ouvrière”– meio e reconheciam facilmente o fato de prati-
analyse statistique de contenu, Paris, Cresst, 1981, carem um jornalismo de pouca legitimidade aos
p. 70). No caso da imprensa sindical brasileira, olhos da profissão. Eles careciam das condições
não encontramos experiência alguma nesse sen- objetivas e das motivações necessárias para encarar
tido durante nossa pesquisa. Constatamos, ape- qualquer mudança nos hábitos e nas praticas
nas, algumas tímidas iniciativas, sem grande jornalísticas nas quais estavam inseridos.
14
eficácia, levadas a cabo em um ou outro sindicato Daniel Cornu, Journalisme et vérité. Pour
com o intuito de melhorar as relações entre redação une éthique de l’information, Genebra, Labor et
e direção. Fides, 1994, p.431.
12 15
Citemos apenas algumas das prescrições do Ibid., p. 432.
16
Código de Ética da profissão que os jornalistas Relacionamos aqui apenas algumas das
sindicais poderiam fazer uso para preservar um obras utilizadas em nosso trabalho, priorizando
mínimo de autonomia e de seriedade em seu àquelas que consideramos trazer uma análise
trabalho: “ II – Da conduta profissional do jor- fecunda da profissão e que reconstituem a prática
nalista: Art. 7: O compromisso fundamental do do jornalismo sob seus diversos aspectos, além
jornalista é com a verdade dos fatos, e seu tra- de duas a três referências que nos ajudaram na
balho se pauta pela precisa apuração dos acon- reflexão sobre a questão das organizações.
JORNALISMO 239

A eurorrexión Galicia-Norte de Portugal


a través das páxinas da prensa galega.
Análise do discurso mediático transmitido polos xornais galegos
Xosé López García e Berta García Orosa1

Introducción A partir dos datos recollidos elaborouse


un informe do que destacamos a continuación
O incremento da colaboración de Galicia os resultados que consideramos máis
e Portugal nos diferentes eidos durante as propicios para o contexto deste congreso.
últimas décadas e a constitución e Deste xeito, ó longo das próximas liñas
consolidación da eurorrexión Galicia-Norte describiremos os parámetros máis relevantes
de Portugal sostida nuns lazos de cultura e da presencia de Portugal en tódolos medios
historia comúns, implican a tódolos actores impresos diarios e de información xeral que
das dúas sociedades. Os medios de se editan en Galicia.
comunicación impresos, como transmisores
ou creadores desta realidade, participan no Portugal, na área de Internacional
fenómeno e non pode ser alleo a esta
realidade nen na súa propia estructura nen Portugal inicia a súa presencia paulatina
no seu propio discurso. Consideramos nas páxinas impresas galegas aínda que
necesario o inicio dunha liña de investigación sempre dun xeito paulatino e relegado a
que permita observar cal é a imaxe que determinados temas que teñen importancia
transmite a prensa de cada país do veciño. informativa internacional. A presencia do país
Coa finalidade de coñecer cal era a realidade veciño nas páxinas da prensa galega non está
portuguesa destacada polos xornais galegos xustificada por esta característica senon que
na actualidade iniciamos unha investigación aínda segue a ser considerado na maioría dos
que deu, entre outros, os resultados casos como un país extranxeiro máis que só
presentados na ponencia. acada relevancia informativa cando o feito,
As aportacións presentadas nesta ponencia fonte ou actor así o manifestan.
son froito dunha investigación2 realizada co
Deste xeito, os temas polos que Portugal
obxectivo de identificar e describir as imaxes
aparece nos textos xornalísticos de Galicia
que ofrece a prensa galega de Portugal. O
son puntuais e teñen que adquirir grande
estudo partía da hipótese de que ante a
relevancia xornalística na actualidade a nivel
existencia de converxencia de intereses entre
internacional. Ademais deste primeiro grupo
os dous países, o estreitamento das relacións
de temas que acadan presencia non só na
e o aumento do interese recíproco dos
prensa galega senón nos principais xornais
habitantes das respectivas rexións, os medios
do mundo, os diarios de Galicia recollen
de comunicación deberían actuar, polo menos,
como reflexo desta situación. A partir desta tamén aqueles aspectos da realidade
premisa inicial, deseñáronse diferentes xornalística que implican a axentes
categorías de análise entre as que destacamos económicos, sociais ou políticos da
o rexistro de pezas relacionadas con Portugal, comunidade autónoma.
pezas sobre Galicia e Portugal, pezas sobre A presencia de Portugal nas páxinas
Portugal e outros países, ángulos dominantes impresas galegas se incrementa
das pezas sobre Portugal, xéneros considerablemente cando facemos referencia
empregados, características da información á información mixta, é dicir, aqueles
publicada ou elementos gráficos que apartados nos que se transmiten eventos ou
aparecían nas páxinas impresas. Os datos acontecementos nos que participan os dous
foron recollidos durante o ano 1999 nunha países, Portugal e Galicia. Neste caso, a
mostra que incluía os dez xornais galegos porcentaxe de información aumenta e o abano
de difusión xeral e diaria, publicacións de de temas é máis elevado, aínda que se segue
carácter comarcal3 e os semanarios4. a vertebrar en torno a tres eixes: o fútbol,
240 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

a cultura e a economía. En concreto, contidos Á hora de analizar a importancia


como os proxectos transfronteirizos, as cualitativa concedida á información publicada
infraestructuras, actividades artísticas, sobre Portugal en Galicia tivemos en conta,
encontros políticos, accidentes, literatura e fundamentalmente, tres ítems: a presencia en
turismo relixioso conseguen representar cada portada, os xéneros empregados, os elementos
un un 10% nas pezas nalgúns dos xornais. gráficos e a producción propia.
Dous son, polo tanto, os criterios de En relación coa primeira das categorías,
noticiabilidade que predominan no caso a presencia en portada, como indicador da
concreto dos temas de ou sobre Portugal na relevancia concedida a unha información
prensa galega. incluída dentro do rotativo, debemos sinalar
Concretamente, os temas que acadan unha as seguintes características. En primeiro lugar,
maior presencia son os de deportes – que a presencia na primeira páxina é
fundamentalmente o fútbol-, a cultura e os reducidísima (ningún dos xornais acada no
encontros ou reunións institucionais e/ou período analizado as 10 chamadas sobre
económicas entre institucións ou empresas dos novas de Portugal na portada): a media sitúase
dous países. Como consecuencia, as porcentaxes no 17%, pero, agás o Faro de Vigo –que
más elevadas de pezas informativas están distorsiona a media- o resto dos diarios non
ubicadas nas sección de Deportes, Internacional alcanza o 1%. En segundo lugar, que as
e Economía (varía a súa denominación informacións sobre Portugal que aparecen na
dependendo do diario analizado). primeira páxina ou ben son referidas a feitos
A presencia, ademais de secundaria, é nos que Galicia tamén é protagonista –o que
normalmente plana e neutral. O tratamento denominamos información mixta- ou ben son
concedido á información polos xornalistas noticias referentes a sucesos.
galegos coincide co tinte do noticias-feito, Unha segunda categoría que consideramos
é decir, adopta un aspecto negativo se o feito
para analizar á profundidade e importancia
ten estas connotacións (delitos, accidentes,
dada á información sobre Portugal é a
en xeral, sucesos) e viceversa o que ofrece
medición dos xéneros empregados para o
xa é un primeiro aspecto da ausencia de
tratamento de informacións sobre o país
elaboración e complexidade da información.
veciño. Neste sentido, as conclusión obtidas
Deste xeito, mais da metade dos textos sobre
sinalan que como consecuencia da escasa
Portugal rexistrados na mostra escolmada son
importancia concedida ós temas, o emprego
tendencialmente neutros, é dicir, sinxelos, sen
de xéneros informativos está reducido a
contraste, puramente descriptivos e sen
aqueles que supoñen un tratamento máis
valoración ou interpretación.
directo e sinxelo da información: as noticias
Importancia e os breves. O emprego de noticias supera,
deste xeito, o 50% en tódolos xornais
A presencia analizada cualitativamente analizados. Como consecuencia, os temas son
nas liñas anteriores vincúlase cunha aparición tratados sen demasiada profundización de
cuantitativa moi escasa que non se forma puramente descritiva e informativa do
corresponde polo momento coa proximidade asunto do que se trate ou do acontecemento
xeográfica, económica e cultural que que se relata.
potenciou o incremento de actividades nos As reportaxes está relegadas ós temas
diferentes eidos da vida dos dous países. máis tópicos e lúdicos cunha presencia moi
Soamente os rotativos editados no sur da puntual nos xornais como poden ser os fados,
comunidade autónoma destinan recursos as festas e as feiras que se celebran en
humanos e paxinación propia para a Portugal. As porcentaxes obtidas de presencia
información do país veciño, e polo tanto deste xénero nos diarios galegos son moi
concédenlle unha cobertura informativa escasas e case nunca superan o 10% dos
axeitada no referido ó espacio.A escasa e textos informativos publicados nos rotativos.
puntual presencia provoca a carencia A situación aínda é máis negativa no caso
prácticametne total de infraestructuras dos artigos de opinión xa que na maioría dos
xornalísticas no país veciño. xornais están por baixo do 5%.
JORNALISMO 241

En terceiro lugar, consideramos que unha en relación con aqueles temas ou aspectos
información que conta con elemento gráfico que ponderan interesar máis a Galicia como
–xeralmente fotografía- ten unha maior país próximo.
relevancia que aquelas que non a están A escasa producción propia tamén sinala
acompañadas de este elemento. Como ou está potenciada pola falla de infraestructura
sinalamos anteriormente, a escasa importancia propia no lugar de orixe da noticia da que
concedida ós temas, o emprego maioritario dispoñen soamente dos xornais máis
de noticias cortas e breves provoca que o próximos á Portugal. En relación con este
emprego de elementos gráficos sexa pouco factor, o de proximidade, os xornais de
máis que puntual. En consonancia co descrito carácter autonómico ( O Correo Galego5 e
ata o momento tamén as fotografías que se La Voz de Galicia), os diarios do sur de
publican aparecen preferentemente naquelas Galicia, o semanario nacionalista A Nosa
con informacións mixtas. Sen embargo, se Terra e o diario comarcal Minho Informativo6
ben a información gráfica publicada nos son os xornais galegos que máis interese
xornais galegos é escasa en relación ó amosan polos acontecementos en Portugal.
conxunto do diario, acada unha relevancia A prensa de Lugo e A Coruña vive allea a
moi importante se realizamos a análise en este interese, probablemente por criterios
función da presencia e información sobre xeográficos e de noticiabilidade.
Portugal. É dicir, entre o 20 e o 25 por cento As fontes son escasas e normalmente
do espacio ocupado polo país veciño nos quedan reducidas á unha ou dúas.
xornais galegos son imaxes. Normalmente de axencia ou, no caso dos
A producción e a temática coincide co xornais con traballadores ou enviados
exposto nas liñas anteriores e coas rutinas especiais o país veciño, con dúas fontes. A
productivas estipuladas en xeral pola prensa información sobre Portugal comparte co
galega. Deste xeito, a procedencia maioritaria xornalismo galego en xeral o predominio de
é de axencias de información –agás no caso fontes institucionais e a penas se recurre ó
dos xornais que contan con traballadores en testemuño directo, ós especialistas, as fontes
Portugal-, son normalmente de caracter económicas ou ás organizacións sociais,
complementario e/ou ilustrativo máis que fontes que non acadan ó 7% das empregadas.
informativo e soen reducirse a un determinado O esquema é similar no caso de informacións
número de personaxes públicos relacionados nas que Galicia e Portugal comparten
coa temática habitual (políticos ou protagonismo. Neste caso, de cada dez fontes,
deportistas) e que, ademais, facilitan o só dúas son lusas.
proceso porque permiten o emprego de
imaxes de arquivo. Conclusións
Finalmente, dedicamos un espacio do noso
estudio a analizar a producción da información, A presencia de Portugal nos xornais
é dicir, a infraestructura que teñen os xornais galegos é aínda escasa e relegada a
galegos para a elaboración da información e determinados ámbitos da realidade
a cobertura dos acontecementos ocurridos alén xornalística. Soamente un factor fai
da fronteira do Miño. incrementar a presencia de Portugal nos
As características da presencia de Portugal medios galegos: a proximidade xeográfica.
nos xornais galegos descrita nas liñas A característica de local dos medios de
anteriores denota unhas carencias importantes comunicación impresos provoca que na
no proceso productivo. En primeiro lugar, a escolma das informacións publicadas prime
maioría dos rotativos galegos carecen de o criterio de proximidade, polo que a prensa
producción propia nos temas referidos a soamente fai referencia á realidade do país
Portugal e realizan un uso case exclusivo de veciño cando ou teñen relación con Galicia
material informativo producido polas axencias ou están xeográficamente preto de Portugal.
de noticias galegas, españolas e mesmo Deste xeito, a proximidade do lugar de
internacionais. Este feito provoca a producción do xornal e dos lectores do mesmo
publicación de informacións neutras, comúns provoca un incremento da presencia de
a tódolos xornais e carentes de focalización información sobre Portugal. Durante os
242 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

últimos anos incluso algunhas empresas Pese a pequenos avances, a información


xornalísticas estableceron unha pequena intercambiada entre ambos países aínda é
infraestructura de medios humanos e recursos escasa e, sobre todo, reducida a determinados
materiais que permiten o mantemento dunha eidos da realidade o que provoca unha imaxe
información continua sobre o país veciño. E parcial e distorsionada que non beneficia a
o caso de Faro de Vigo e La Región7. Este potenciación de lazos mutuos que se están
feito tivo as súas consecuencias no discurso afianzando durante os últimos anos en
cuantitativamente: o xornal vigués constituíu ámbitos como o económico ou o social.
unha sección denominada ‘Portugal‘ e edita Consideramos que a comunicación debe
unha media diaria de 3,5 noticias. Do mesmo desempeñar un rol importante na
xeito, as zonas de Portugal que teñen unha conformación da imaxe colectiva sobre
maior presencia en Galicia son as máis Portugal en Galicia durante as próximas
próximas a comunidade autónoma. décadas.
JORNALISMO 243

Bibliografía Sousa, Jorge Pedro, Fotojornalismo


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2
Marques de Melo, José; Fadul, O grupo estaba coordinado por Xosé López
da Universidade de Santiago de Compostela e por
Anamaria; Andrade, António e Gobbi, Maria Jorge Pedro Sousa da Universidade Fernando
Cristina, O Mercosul na prensa do Mercosul, Pessoa de Porto. O grupo de investigación estaba
1999. (Projecto de pesquisa). Texto formado por: Berta García, Rosa Tedín, Belén
policopiado. Puñal e Olalla Sánchez.
3
Pinto, Ricardo Jorge, The Evolution of A comarca é unha división territorial-
the Structure of Political Journalism in Four administrativa propia de Galicia, pero que
propiciou o xurdimento de publicacións propias
“Quality” Newspapers (1970-1995). Tese de que sirven de vehículo de comunicación do medio.
doutoramento non publicada, presentada na 4
O estudio empregou unha mostra formada
Universidade do Sussex, dispoñible para por 26 números (a metade das semanas do ano)
consulta na biblioteca da Universidade de cada xornal diario, por doce números (un xornal
Fernando Pessoa, Porto, 1997. por mes) de cada publicación semanal.
5
Pinto, Ricardo Jorge e Sousa, Jorge No 2003 cambiou por Galicia hoxe.
6
Era unha publicación periódica editada en
Pedro, “Um retrato sociográfico e Tui que se difundía nesta localidade e en Valença.
socioprofissional dos jornalistas do Porto”. Na actualidade non se edita.
En”Cadernos de Estudos Mediáticos I, pp. 7
Faro de Vigo cunha delegación en Valença
9-107, Edições Universidade Fernando e La Región con un correspondente na localidade
Pessoa, Porto, 2000. portuguesa.
244 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 245

O traballo xornalístico de Eduardo Blanco Amor en América:


a divulgación da cultura galega nas páxinas de La Nación
Xosé López García y Marta Pérez Pereiro1

A Sección de Comunicación do Consello ata a Guerra Civil, que operará o seu cambio
da Cultura Galega no seu labor de de condición: de emigrante pasa a se
recuperación da memoria histórica do converter nun exiliado. Nestas primeiras
xornalismo galego, traballa no estudio da décadas, Eduardo Blanco Amor concentra a
obra dalgúns dos nosos máis destacados súa actividade nos medios da comunidade
devanceiros que exerceron como profesionais galega en Bos Aires, non só como colaborador
nos medios de comunicación colectivos. Un habitual, senón tamén exercendo cargos de
deles, aínda que máis coñecido coma escritor, responsabilidade nos xornais e participando
é Eduardo Blanco-Amor, autor de novelas activamente na fundación de distintos
cruciais para a literatura galega como A
proxectos. Por outra banda, o escritor comeza
Esmorga ou Xente ao lonxe e obra en castelán
a formar parte da nómina de colaboradores
na que poden destacarse La catedral y el niño
de La Nación. Podemos dexergar o seu
e Las buenas maneras. Se ben mantivo unha
traballo no diario dos Mitre en dúas etapas,
actividade constante como xornalista, que foi
o seu medio de vida fundamental, existen das que falaremos máis amplamente a seguir:
escasos intentos de compilación dos seus 1925-1932, período no que arrincan as súas
traballos nos periódicos.2 Estes esforzos son colaboración e traballa como correspondente
ata o de agora nulos no caso do seu traballo en España entre os anos 1928 e 1929; e 1932-
como reporteiro en América. 1935, que coincide coa segunda estadía como
Emigrado ós 21 anos, no ano 1919, correspondente do xornal en España.
Blanco-Amor chega a Bos Aires coa única A segunda etapa vai dende o 1936 ata
experiencia como xornalista na redacción do os anos 60, concretamente o ano 1965, no
xornal ourensán El Diario de Orense. O seu que fixa a súa residencia definitiva en
biógrafo, Gonzalo Allegue, apunta que o Galicia. A súa condición de exiliado dificulta
mozo Blanco-Amor exercía de “amanuense” a súa participación en determinados proxectos
no medio, mentres que el mesmo sostiña, en xornalísticos, tanto da comunidade galega,
entrevistas moitas décadas despois, que como no propio La Nación, que adopta unha
traballaba como xornalista e asinaba co posición ambigua en relación ao conflicto
alcume de “Herminia Hernández”. bélico en España. Por isto, e polas continuas
Conta, polo tanto, cunha pequena viaxes que deveñen da diversificación da súa
experiencia na profesión, o que o anima a actividade profesional, comeza a colaborar
participar en distintos medios da comunidade con outros xornais americanos como La Hora
galega na Arxentina, e, posteriormente, en
e El Mercurio, en Chile, e El Nacional e
xornais americanos. Para falarmos da súa
El Universal en Venezuela.
traxectoria como xornalista ten sentido
Finalmente, o retorno a Galicia, onde fixa
facermos un percorrido histórico-cronolóxico
a súa residencia definitiva no ano 1965,
por ela, xa que os distintos acontecementos
políticos en España determinan en boa constitúe a última etapa de traballo nos
medida o tipo de traballo que realizará para medios de Blanco Amor. Nestes anos escribe
uns e outros medios, ademais do acceso ós de maneira esporádica para xornais como
mesmos. Porén, podemos dividir a súa El País, La Vanguardia, La Voz de
actividade como periodista fundamentalmente Galicia, Faro de Vigo ou La Región. Nesta
en tres etapas: etapa o xornalismo é para o autor un medio
Unha primeira etapa que abrangue o de subsistencia, co que manterse e poder
período dende a súa chegada a Bos Aires escribir literatura.
246 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

O traballo nos medios galegos en Argentina linguaxe dos socialistas utópicos, máis que
na vertente marxista”. 3 Estes ideiais
Eduardo Blanco Amor desenvolve unha mantéñense en Galicia, na que traballa ata
actividade case que frenética como xornalista o ano 1950, dirixindo a súa liña nos
nos anos vinte e primeira metade dos trinta momentos máis duros, e defendendo a
nas diferentes empresas galegas radicadas na unidade indisoluble das causas republicana
Arxentina. Trátase dunha actividade e autonomista, os temas máis recorrentes
eminentemente política, xa que o autor dos seus artigos e editoriais.4 Ademais do seu
emprega os medios para defender Galicia e traballo neste xornal, colabora na Fouce e
o seu ideario, que vai evolucionando Alborada, ó tempo que desenvolve unha
conforme se producen acontecementos actividade frenética como voluntario a favor
cruciais para a historia galega. As súas da República, en calquera dos actos nos que
primeiras publicacións son na revista Acción se precisara da súa axuda. Inicia, asemade,
Gallega, pero están constituídas, unha breve actividade diplomática cando é
fundamentalmente, por poemas e nomeado vicecónsul en Bos Aires.
colaboracións literarias. No ano 1921 é Posteriormente, recibe o cargo de cónsul da
nomeado director das páxinas literarias do República en Mendoza, co que abre esta nova
Correo de Galicia, medio con certo pasado fronte de combate que compaxina coa escrita
galeguista no que inicia unha serie de artigos na prensa, tanto galega coma arxentina. Esta
sobre os poetas galegos. Estes traballos actividade nos medios da comunidade galega
inaugurais na prensa galega fan que Blanco non estará exenta de problemas. As loitas
Amor aumente a súa experiencia na profesión, internas polo control da federación fan que
que aproveita cando funda, xunto con Ramilo sexa expulsado da mesma en 1928 e impiden,
Illa Couto, a revista galeguista Terra, que ademais, que escriba nas páxinas de El
se constitúe como o voceiro da “Irmandade Despertar. Será rehabilitado cando, xunto
Nazonalista Galega”, representante do ideario con outros intelectuais e forzas políticas, se
político de Vicente Risco. Terra foi, ademais, integra na ORGA (Organización Galega
a primeira revista escrita por completo en Republicana Autónoma) que financia o 20%
galego na emigración arxentina. Neste do custe da publicación. O traballo no seo
primeiro momento profesional, Blanco Amor da comunidade galega, polo tanto, non sempre
identifícase por completo coa tese nacionalista é ben cpomprendido polo conxunto dos
risquiana, que aprendera nos parladoiros co emigrantes. Isto fai que Blanco Amor se
mestre en Ourense e ía espallar a América, identifique plenamente coa consideración que
pero a súa ideoloxía, tal e como indica o Celso Emilio Ferreiro ten dun grupo dos
profesor Núñez Seixas[2] vai evolucionando galegos de Venezuela: “¿Quen era esa Galicia
cara ó republicanismo, primeiro concibido emigrante? Unha minoría que loitaba aillada
como un galeguismo republicano e, a partir comparado coa gran marea da emigración,
de 1931, como populismo galeguista de unha minoría que facía ás veces milagres
esquerdas. En concreto, os órganos da para manter o lume entre centos de ananos
Federación das Sociedades Galegas, El e as masas indiferentes ou manipuladas (…).
Despertar Gallego, que pasará ser É certo que non todos os emigrantes son
posteriormente Galicia, son lugares ananos, claro que non, pero a meirande parte
privilexiados para esta misión. O xornalista endexamais fixo nada para apoiar ou merecer
dirixe a primeira destas publicacións dende o grande esforzo dos que alá loitaron por
1926 deica a súa desaparición en 1930. En dignificar unha terra e unha cultura diante
El Despertar Gallego mantén a liña editorial do mundo. Estou totalmente de acordo coa
“na defensa da ‘democracia republicana’, idea básica do libro de Celso Emilio Ferreiro
contra a degradación de Primo de Rivera e teño, pola miña banda, unha longa
(…), amosando a súa solidariedade coa pobos experiencia detrás chea de historia
ibero-americanos, ameazados polo xigante significativas”.5 A entrada en La Nación É
norteamericano, ou apoiando as loitas das precisamente para estes “ananos” para os que
clases populares arxentinas, dentro dun emprende boa parte do seu traballo no
internacionalismo socializante que fala na xornalismo: para dignificar a figura do
JORNALISMO 247

emigrante galego, que daquela “era una e, como autor literario que está na procura
especie de primera persona después de nadie. dun espacio, dunha linguaxe, o traballo de
Era un ser estigmatizado de tal manera que investigación cultural que desenvolve para
cuando se quería insultar o menospreciar a o diario é de grande importancia. Ademais,
un español, se le decía gallego”.6 Blanco Bos Aires provócalle a Blanco Amor unha
Amor vive unha contradicción constante entre sensación alienante, de desmembramento. De
os ambientes que frecuenta: se ben alterna feito, el mesmo describía a cidade cunha
coa alta burguesía bonaerense, na que ten imaxe moi poderosa, como “una máquina
aspiracións de integrarse, tamén convive coa de moler café, de la cual se sale fatalmente
base popular da emigración galega. Nesta hecho polvo”9. A imaxe de Galicia que retén
esquizofrenia, como indica Luís Álvarez dende a xuventude e vai recuperando nas
Pousa, desenvolve unha “cuase obsesiva súas viaxes servía como unha protección que
maneira de incrementar o nivel de lle permitirá non entrar nese muíño e
concienciación entre os emigrados, mesmo desfacerse.
acentuando as súas contradiccións e En definitiva, Eduardo pon en
provocando conflictos que sempre acaban funcionamento o que deu en chamar o
rebotando na súa persoa”.7 Ademais de poñer “principio da saudade activa”,10 que o impulsa
en funcionamento diversas empresas no seo a traballar para a colectividade galega cando,
da colectividade emigrante e participar nos como “escritor civil” que era, tal e como
máis diversos actos culturais, outra das vías sostén Xavier Carro,11 puidera ter optado por
de dignificación dos galegos na Arxentina foi escribir sobre a cidade ou seguir a liña que
a entrada como correspondente e colaborador fixara co seu relato inacabado A escadeira
no diario bonaerense La Nación. de Jacob.
Accede a este medio o ano 1925, gracias
ó recoñecemento da súa actividade cultural Correspondente en España. Dez anos
nos medios galegos e da man de dous despois
valedores: dunha banda, conta co apoio do
dramaturgo García Velloso, con quen o autor A misión de Blanco Amor para La
establecera un contacto nos parladoiros do Nación será a de exercer como
Café Armonía; doutra, co do responsable de correspondente en España, como enviado de
La Nación en España, o colombiano Sanín excepción que levaba dez anos sen volver
Cano, a quen entevistara para o Correo de ó país de orixe. É por iso que Blanco Amor
Galicia. desenvolve unha especie de saudade in
Ademais do seu compromiso de demostrar præsentia, xa que está en Galicia cando
que os galegos non eran simplemente forza escribe esas descricións ideais que transmite
de traballo intercambiable, a divulgación e no xornalismo arxentino, que, dende logo,
o traballo “misional” en La Nación, tal e contrastan co mundo descrito na súa
como o denomina Álvarez Pousa, obedece actividade literaria, na que se revela o
a dous obxectivos máis; Blanco Amor escribe universo de Auria, por exemplo, cunha
“para esa gente que no irá jamás y que llora “visión dura e crítica (…), pero non
y se emociona con un verso de Rosalía o caprichosa, senón realista e sobria”12.
una estrofa de Curros (…)”8. Traballa, polo Despois de tres anos de colaboración
tanto, neste equilibro inestable entre a constante en Bos Aires, o escritor é enviado
dignificación dun colectivo ós ollos do seu como correspondente a España en dous
país de acollida e o desexo de que este mesmo períodos que, malia non estar moi afastados
grupo contribúa, dende o coñecemento da no tempo, poden dividirse na producción de
súa herdanza, á destrucción do estereotipo Blanco Amor en dúas etapas ben
que pesa sobre el. diferenciadas. En primeiro lugar, exerce como
Podemos apuntar aínda unha terceira correspondente de La Nación entre os anos
dirección no traballo de prensa do autor en 1928 e 1929. Nesta primeira estadía, e nos
La Nación. Como emigrante, o propio Blanco anos anteriores na Arxentina, hai unha clara
Amor precisa recuperar as orixes, o soño da preferencia polos temas culturais e históricos
infancia no que incidirá con tanta frecuencia, de Galicia.
248 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A súa segunda, e derradeira, viaxe como sobre orixe, vixencia e necesidades da cultura
correspondente a España faina entre os anos galega. Os artigos sobre artistas galegos son
1933 e 1935, nos que a situación política e un espacio preferente dentro do seu traballo
social é moi distinta da que atopara nos anos xornalístico para ir filtrando o seu ideario.
precedentes. Esta realidade transmítese nos Un dos artigos máis reveladores é
seus escritos para La Nación, que deixan de “Alfonso Castelao. Dibujante y escritor
ser culturais para se transformar en artigos humorista” (15/06/1930). Neste escrito
de opinión política. Neles escribe sobre o propugna a necesidade dun “pangalleguismo”
movemento autonomista en Galicia, sobre a que “no quiere significar un aislarse con
República española e sobre o clima de alta hosquedad estéril dentro de lo comarcano y
conflictividade social que deriva na guerra de lo regional”, xa que “en la conciencia de
que o convirte nun exiliado. O contido sus jóvenes está incrustada la firme voluntad
político contrasta coas crónicas sobre cultura de no sentirla, estéticamente, ligada a un
española que tamén aparecen nas páxinas criterio de región o comarca tal como lo
dominicais do diario, -El Greco, escultura enuncia, sin ir más lejos, Ortega y Gasset”.
española, os patios de Toledo…- e que son Blanco Amor, seguindo a teses nacionalistas
froito das chamadas de atención que recibe do seu mestre Vicente Risco, propón volver
por parte da directiva, que lle recomenda que os ollos a Europa, fuxindo dun “cierto
“poña un coidado exquisito en non molestar imperialismo intelectual, frente al que Galicia
o ideario político conservador dos lectores levantó, desde los ‘precursores’ en el siglo
de La Nación”.13 Tamén colabora con textos pasado, una picuda e irreductible rebeldía que
literarios, relatos curtos que serán compilados ha de salvarla (…)”. Propugna, tamén no
como Cuentos de la ciudad, nos que describe seguimento das premisas risquianas, a
as clases sociais de Bos Aires coa súa ironía necesidade de Galicia de se identificar co
característica e se atreve con tramas policiais mar que a separa do resto de nacións celtas:
e psicolóxicas. “Alegría sin esfuerzo, risa de muchacha
A seguir, prestaremos atencións ás deportiva frente a horizontes juminosos como
crónicas e artigos en profundidade que fan dientes sanos: atlantismo”.15
referencia explícita a Galicia, aqueles nos que Para dar unha idea desta ascendencia
se nota a “intención seductora de Eduardo cultural, Blanco Amor fai unha arqueoloxía
Blanco Amor, tanto para convencer sobre a das artes galega, concedendo unha atención
singularidade e a riqueza cultural que especial á expresión literaria. Isto dá lugar
suibxace na personalidade e na obra dos a unha serie de artigos sobre os precursores
clásicos galegos, como para persuadir a que van aparecendo en sucesivas entregas dos
propios – os da comunidade de emigradose “Domingos de La Nación”. Así mesmo,
extraños – a clase ascendente da ilustrada desenvolve un importante traballo de
e cosmopolita Bos Aires- de estaren asistindo investigación no artigo “Lírica gallega. Los
a un outro parto de gran calado cancioneros galaico-portugueses” (18/11/
sociocultural”.14 1934), no que transmite a súa conciencia do
rigor xornalístico: “Dentro de las limitaciones
A divulgación da cultura galega y forma y espacio a que obliga un trabajo
periodístico, no he escatimado esfuerzos para
Dende que desembarca do “Werra” no procurar que sea lo más completo – de un
porto de Vigo, Blanco Amor inicia un periplo modo documental, ya que no
por toda Galicia na procura de material para interpretativoque se haya escrito desde el
as súas crónicas. En calquera medio de ángulo de nuestro tiempo, tanto como es
transporte, e sempre acompañado da súa la primera vez que el tema se trata en lengua
Kodak, -coa que tira as fotos que ilustran castellana”.
os seus traballos-, o escritor desenvolve nas Tamén presta especial atención ás
súas crónicas de viaxes e mini-ensaios sobre manifestacións das artes plásticas galegas, en
temas culturais un estilo persoal e unha especial dos artistas do momento que poden
coidadosa labor de investigación. Cada un ser coñecidos na Arxentina. Así, referencia
destes escritos vai debullando as súas ideas “Una exposición de arte gallego en Buenos
JORNALISMO 249

Aires” (28/07/1929), ou aproveita para difundir Así, para falar da romaxe a San Andrés, cita
o traballo de artistas coma “Santiago Bonome, os cultos celtas, ou sintercala poemas sufís
escultor gallego” (3/11/1929) e Asorey en e suras do Corán para falar das fontes de
“Divagación y paráfrasis. Sobre el escultor Granada.
Asorey” (9/06/1929). Estes textos, entre outros, Podemos falar, no seu traballo xornalístico
serven tamén para difundir as súas dun respecto exquisito pola tradición, o que
consideracións sobre cultura galega. Blanco non impide que divirta ó lector coa mesma
Amor defende que non se estableza unha ironía que demostra coma literato. Non
academia galega, xa que “los profesores percibimos, sen embargo, o distanciamento
impuestos por sistemas burocráticos de do que fala Xavier Carro en relación á súa
ministerio habían de ser fatalmente, y una obra literaria. O Blanco Amor xornalista –
experiencia tristísima en otras actividades del que é, por outra banda, un Blanco Amor que
espíritu abona esta afirmación, personas ajenas escribe artigos e reportaxes vinte anos antes
al asunto y al país, que emprenderían que A Esmorga-, non é un narrador
esterilizante desregionalización que un estado omnisciente, senón un personaxe máis da
centralista, poco o nada comprensivo, ha trama, unha persoa que, case coma un
llevado a cabo durante siglos y que de no haber Hitchcock literario (máis delgado, por
medido la generosa réplica que suponen estos suposto, non soportaría a comparación) se
movimientos autónomos, habrían terminado mestura entre as xentes que retrata. A
por hacer de España un conjunto híbrido y implicación do autor nas súas crónicas é total
desmembrado, sin carácter ni interés”. en dous traballos de especial relevo: “Escenas
Outra das reflexións que fai sobre arte de pesca en la costa galaico-portuguesa” (7/
galega era un tema de total actualidade, a 04/1929) e “Seis días en el mar. Escenas de
expresión enxebre das artes plásticas. Para pesca en la costa galaico-portuguesa” (17/
Blanco Amor, aínda que nunca o puxera e 03/1929). Para escribilos, Blanco Amor
práctica, o enxebre é un específico galego, decide vivir a experiencia, varias décadas
diferente do típico e do castizo pola súa antes de que os xornalistas americanos
condición de espiral creativa, non de círculo iniciaran unha corrente que eles mesmos
sen posibilidade de avance. Galicia,”“un deron en chamar “New Journalism” e que
pueblo que trabaja en el desescombro de si defendía unha posición case protagónica do
mismo”[16], precisa da ética dos seus escritor nos acontecementos que describe. O
creadores, porque aínda non pode permitirse, autor relátao do seguinte xeito: “Por aquel
como sucede noutras nacións, “el lujo de las entón fixen a miña primeira experiencia do
modas y de los malabarismos teóricos”.16 mar. Era un mes de novembre de moi mal
A paisaxe, que relaciona directamente coa tempo e embarqueime no “‘Norita’, matrícula
producción artística,17 e a tradición popular de Baiona, e alá fun baixo o patronato
ocupan boa parte das súas reflexións nos pesqueiro do tío Nartallo ‘O Puto’, de sesenta
artigos sobre Galicia. Algúns dos títulos das anos. ‘Puto’ quere dicir na linguaxe usual
súas colaboracións resultan tan elocuentes de aquela xente ‘listo’, ‘agudo’, ‘asisado’,
como “Romerías gallegas” ou “San Andrés deses que son capaces de albiscar a pesca
de lejos”. Neles procura demostrar a como ao tacto. No outro extremo do rol
especificidade das tradicións galegas, figuraba Pepiño, rapaz de abordo, que por
mostrándoas ós lectores de La Nación como ahí tería uns trece anos. Algúns dos
sucesos marabillosos, ilustrándoos con compañeiros de aquela xeira, moi poucos
cantigas populares, acontecementos históricos meses despois de embarcados nun pesqueiro
e referencias a outras culturas europeas. Estes de Bouzas, morreron afogados”. 18 Estas
mesmos recursos emprégaos cando fala da crónicas literarias son expresión do mellor
Alhambra, dos patios de Toledo, dos xornalismo escrito por Blanco Amor en La
romances de cego cantados nas prazas de toda Nación. O director do diario, Leopoldo
España ou do barrio chino de Barcelona. Lugones, felicitouno con gran cumprido: as
Blanco Amor fuxe do tipismo, dándolle súas crónicas cheiraban a sardiña. Ampliará
trascendencia ós retratos do popular este tema na seguinte viaxe que fai a Galicia
poñéndoos en relación coas artes canónicas. no artigo en profundidade “Glosa del mar
250 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

habitado” (9/12/1934), no que visita a lonxa A aparición de ritos, artistas e xeografía


do Berbés e completa para os seus lectores galega nun dos medios máis prestixiosos de
toda o proceso da pesca e venda do peixe América é un impulso incontestable para o
en Galicia. Dende o inicio da Guerra Civil, desenvolvemento dunha identidade colectiva,
Blanco Amor terá un espacio cada vez máis que ve reflectida nun espacio comunicativo
limitado nas páxinas de La Nación. A falta habitual parte dos seus elementos definitorios.
de coincidencia ideolóxica será o motivo Como parte desta actividade en certa
determinante desta situación. Cada vez con medida propagandística, Blanco Amor escribe
máis frecuencia ve como lle rexeitan artigos crónicas cunha visión certamente positiva de
sobre teatro ou García Lorca e ten que buscar Galicia, nas que se amosa unha gran
novos horizontes xornalísticos. Atoparaos confianza no futuro da cultura galega, debido,
noutros países americanos, como Chile, onde fundamentalmente, á fortaleza dos seus
colabora con La Hora e publica o volume alicerces. Os seguintes relatos sobre Galicia
Chile a la vista, ou Venezuela, onde toma que podemos ler xa son literarios e, dende
parte nas actividades da colectividade galega logo, menos luminosos que estas crónicas,
e escribe para El Nacional e El Universal. tinguidas de entusiasmo, o mesmo
entusiasmo que Blanco Amor sentira polos
Conclusión anos da República española: “(…) fueron
los años más esperanzados, luminosos,
O labor de Eduardo Blanco Amor a favor fecundos y fácilmente profetizables que
da cultura galega traspasa os lindes difusos pueblo alguno haya vivido. Las artes, las
da actividade das agrupacións de emigrantes, letras, la cultural en general, la decencia
onde o seu traballo non sempre foi ben humana y la creencia alucinada, en la Patria
acollido. Neste sentido, as páxinas de La fueron los ingredientes de aquel instante, más
Nación serán a caixa de resonancia perfecta allá de las macilentas y adormecidas
para que, tanto a arxentinos coma a galegos, asignaciones que suelen darse a estas
lles sexa imposible eludir a cultura galega. palabras”.19
JORNALISMO 251

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Blanco Amor”, Vigo, ”Grial, nº 41
F. Freixanes, Víctor: Unha ducia de
galegos, Editorial Galaxia, Vigo, 1982 _______________________________
Lorenzana, Salvador: “Homenaxe a un 1
Sección de Comunicación do Consello da
escritor: perfil biobibliográfico de Eduardo Cultura Galega
2
Blanco-Amor”, Grial, nº 67, 1980, pp.37- As excepcións: as edicións de artigos de La
Región e La Voz de Galicia.
47 3
Riveiro Espasandín, X.: “Eduardo Blanco-
Lueiro Rey, Manuel: “Blanco Amor, o Amor xornalista”, en: Eduardo Balnco Amor
bo... Blanco Amor o malo”, Letra, terra e (1897-1979), Día das Letras Galegas 1993, Xunta
herdade. Eduardo Blanco Amor, A Nosa de Galicia, 1993, pp. 33-34.
4
Terra, Vigo, 1993, p.58. Moitos destes últimos teñen títulos que
Neira Vilas, Xosé: Eduardo Blanco-Amor, revelan de xeito elocuente o ton dos seus escritos:
dende Buenos Aires, Edicións do Castro, “¡Asesinos de España!” (16/07/1936), “La mentira
nazifascista” (17/01/37) OU “Nuestra profunda
Sada, 1995 confianza en la Argentina” (29/11/36).
Núñez Seixas, X. M.: “Eduardo Blanco- 5
En: Fernández Freixanes, Víctor: Unha ducia
Amor no nacionalismo galego (1919-1939). de galegos, Vigo, Galaxia, 1982, p. 96.
Liderato étnico e galeguismo, Grial, Vigo, 6
Ruiz de Ojeda, Victoria A. (ed.): Entrevistas
nº 108, (ano 1990) con Blanco-Amor, Vigo, Nigra, 1994, p. 37.
7
Pérez Prado, Antonio: “Meus dous En: Calvo, T.: “O periodismo no escritor”,
amigos desencontrados”, Galicia. Revista del Homenaxe a Blanco-Amor, Concello de
Redondela, Xerais, 1981, p. 33-34.
Centro Gallego de Buenos Aires, nº 660, 8
En: Calvo, T.: “O periodismo no escritor”,
1993, pp.20-22 Homenaxe a Blanco-Amor, Concello de
Pérez Rodríguez, Luis: Blanco-Amor e Redondela, Xerais, 1981, p. 33-34.
os seus escritos periodísticos, Editorial 9
Op. Cit. Ruiz de Ojeda, p. 30.
10
Galaxia, Vigo, 1993 Blanco Amor describía así este principio:
Pérez, Luís: “As Américas de Blanco “Cuando llegué a Argentina me empeñé y escribí
Amor”, Creatividad cultural en la Galicia bastante sobre esto: que había que estructurar el
sentimiento de saudade como una energética del
exterior, Xunta de Galicia, Compostela, 1998
espíritu. Es decir, si la saudade es la nostoi, es
Riera Llorca, V.; Manent, A.; Ugalde, el sentimiento de morriña, del paraíso perdido en
M.; Martínez López, R.: El exilio español la Tierra, eso hay que estructurarlo en una acción
de 1939. Cataluña, Euzkadi, Galicia, Vol. 6, por Galicia”. En: Op. Cit. Ruiz de Ojeda, p. 114
11
Taurus, Madrid, 1976 Op. Cit. Carro, p. 96.
252 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

12
Op. Cit. Carro, p. 96. es el arte renaciente, en Galicia, una constante
13
Allegue, G.: Eduardo Blanco-Amor, diante y voluntaria sumisión al paisaje”, en”“Elementos
dun xuíz ausente, Vigo, Nigra, 1993, p. 130. del arte gallego. El paisaje” (6/05/1928).
14 18
Op. Cit. Álvarez Pousa, p. 4. Casares, Carlos: “Entrevista con Eduardo
15
“La Coruña de los cristales”, (3/12/1933) Blanco-Amor”, Vigo, Grial, nº 41, p. 339. Na
16
“Alfonso Castelao. Dibujante y escritor memoria destes mariñeiros Blanco Amor escribiría
humorista” (15/06/1930) o libro Poema en catro tempos.
17 19
“Más que un producto libre de la fantasía, Op. Cit. Casares, p. 46.
JORNALISMO 253

A información cultural nos medios de comunicación en Galicia


Xosé López García e Marta Pérez Pereiro1

Medios de comunicación e políticas obrigados, polo tanto, non só a exercer a súa


culturais función de transmisores de contidos senón
que, pola súa propia condición de productos
A Sección de Comunicación do Consello cultural, deben de se converter en
da Cultura Galega, no seu interese pola amplificadores dos fenómenos culturais que
análise dos distintos fenómenos se expoñen nas súas páxinas. En calquera
comunicativos de Galicia, ven traballando caso, os medios, malia contribuír á
dende os últimos tres anos na análise da normalización cultura, reproducirán sempre
información cultural recollida nos medios de a política cultural existente, sexa un concepto
comunicación social en Galicia con cobertura arcaico de política cultural entendida como
nacional. O obxectivo deste traballo é facer a suma de políticas sectoriais (de libros, de
unha aproximación, tanto cuantitativa coma belas artes, de espéctaculos, de museos, etc.)
cualitativa, á información sobre cultura desligadas da política comunicativa”
presente nos medios de comunicación, (Moragas, 1988: 46) ou unha cultura froito
poñendo especial atención á idea de cultura dunha acción conxunta por parte dos distintos
reflectida nos mesmos, así como o tratamento sectores productivos, as institucións e os
que recibe este bloque temático. particulares.
Un dos indicadores da saúde da cultura
dun país ten que ver coa súa proxección e Metodoloxía e corpo da análise
co coñecemento que dela teñen os integrantes
da comunidade na que se produce. Tal e como O presente informe expón os datos tirados
indica Miquel de Moragas, é imprescindible do cuarto estudio realizado pola Sección de
entender que a política cultural ten por Comunicación, correspondente ao segundo
necesidade que ir da man dunha política semestre de 2003. Este traballo iniciouse en
comunicativa adecuada. Ademais, engade que 2001, cunha única cata anual, que abranguía
teñen que ser entendidas como a análise da prensa e radio galegas. Nas
complementarias, en primeiro lugar porque mostras posteriores, -dúas anuais dende 2003-
os medios de comunicación son canles – engadíronse televisión e medios electrónicos,
media- para a difusión de contidos culturais. o que completou o mapa de medios estudiado.
Pero tamén teñen que se entendidos como Expoñemos os resultados que corresponden
complementarios porque os medios de ao máis recente destes estudios pola
comunicación, eles mesmos, actúan como proximidade temporal dos datos analizados
institucións culturais no sentido de limitar ou e porque as diferencias con respecto das
potenciar a participación social e tamén no mostras anteriores non resultan substanciais.
sentido de crear espacios culturais e mercados Podemos afirmar, polo tanto, como unha
para os productos culturais propios (Moragas, primeira conclusión previa á exposición dos
1988: 46). datos, que non hai cambios sinalados na
Aplica esta reflexión ao sistema de medios información cultural recollida nos principais
catalán, entendendo que unha nación sen medios galegos nos tres últimos anos.
Estado precisa un compromiso moi forte A metodoloxía de traballo consistiu no
neste eido. Galicia, posuidora dunha cultura baleirado de contidos dos diferentes medios
e lingua diferenciadas, precisa tamén dunha escritos (prensa tradicional es electrónica) e
relación estreita entre a producción cultural audiovisuais (radio e televisión) levado a cabo
e a súa transmisión por parte dos medios de entre os meses de setembro e outubro. En
comunicación social. Os medios están concreto, escolléronse as seguintes datas:
254 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

venres, 5; sábado, 13; domingo, 21; luns, 29 dedican á temática cultural en exclusiva
de setembro; martes, 7; mércores, 15 e xoves, desvirtuaría os resultados da mostra e, polo
23 de outubro. Recollemos, deste xeito, as tanto, o obxectivo do estudio, que é vermos
noticias de cultura de cada día da semana, como a cultura convive e se organiza co resto
pero non escollemos un tramos continuado. de contidos diarios habituais dos medios de
O motivo principal desta escolla é que non comunicación. Cómpre sinalar que
era a intención do estudio facer un seguimento entendemos o concepto de cultura nun sentido
de determinados temas culturais – que amplo. É dicir, inclúense aquelas
puideran ser especialmente relevantes nunha informacións nas que se trata a cultura como
semana e non destacados noutra- senón arte (literatura, pintura, música, cine,
vermos cal era a producción habitual dos teatro…), a cultura como espectáculo
medios. (festivais, premios, concertos…), noticias
Por medio deste sistema poderiamos así referidas ao patrimonio e a cultura popular
mesmo incluír tódolos suplementos que os (feiras medievais, mostras de artesanía…), e
distintos xornais dedican á información tamén aquelas referentes á industria cultural
cultural. Os medios consultados foron os ou ás políticas culturais (subvencións,
seguintes: os xornais Atlántico Diario, Diario doazóns de libros, actividades de promoción
de Arousa, Diario de Ferrol, Diario de do uso da lingua…).
Pontevedra, El Correo Gallego, El Ideal Unha vez compilada a información,
Gallego, El Progreso, Faro de Vigo, Galicia analizámola en base a cinco eixos, as liñas
Hoxe, La Opinión de A Coruña, La Región principais da investigación desenvolvida:
e La Voz de Galicia; os xornais dixitais foron 1 - A importancia que outorgan os medios
galiciadiario.com, vieiros.com e xornal.com; á cultura. Este dato extráese de variables
polo que respecta ás radios, os estudio como se a noticia está referenciada na portada,
abrangue as emisións da Radio Galega e as tamaño de titulares, ubicación na paxinación
desconexións para Galicia de Cadena Cope, do xornal, se a noticia vai ilustrada, ente
Cadena Ser, Onda Cero e Radio Nacional de outros elementos.
España; Televisión de Galicia, Televisión 2 - O ámbito xeográfico da información
Española en Galicia e Antena 3 Televisión cultural: local, galego, estatal, europeo ou
na súa desconexión para a nosa comunidade, internacional.
completan o mapa de medios. 3 - O tipo de cultura que transmiten os
Coa intención de descubrir a importancia medios e cales son os temas predominantes
que lle dan os medios á información cultural, na prensa galega.
tras baleirar os contidos sistematizamos as 4 - A calidade desa información, que
informacións nunha base de datos que contén devén do tratamento que se lle dá: tipo e
1504 rexistros e que analiza os seguintes número de fontes consultadas na súa
campos (ver ficha da base Access no anexo): elaboración, noticias asinadas polo xornalista
Nome do medio, data, espacio/duración da ou non, noticias de axencia ou elaboradas
noticia 2 , presencia en portada/titulares, no propio medio, etc.
sección, xénero, tema e tipo de acto 3, 5 - A lingua escollida no tratamento da
tratamento gráfico, número de fontes, orixe información cultural, galego ou castelán5. As
da información, ámbito xeográfico, liña de limitacións de espacio e tempo, e a extensión
creto, actualidade, lingua na que está escrita do informe final redactado, obrigan a que
e observacións4. expoñamos as conclusións deste traballo, nas
A busca da información cultural na prensa que, para ratificar determinadas aseveracións
escrita non se centrou exclusivamente na incluímos datos do corpo da análise. Nesta
sección que leva este nome, que tampouco análise fíxose unha distinción entre os días
inclúen tódolos medios, senón que se da semana (de luns a xoves) e a fin de semana
analizaron tódolas páxinas dos diarios, mesmo (venres, sábado e domingo) como unha das
as reservadas á opinión. Polo que respecta hipóteses formuladas, a asociación da cultura
á información radiofónica e televisiva, coas actividades de lecer. Tamén se estableceu
estudiáronse os programas informativos de un apartado especial para a publicación
carácter xeral, xa que analizar os que se semanal A Nosa Terra, xa que a periodicidade
JORNALISMO 255

influír na preparación e presentación do concertos...) que o medio anuncia ou que


producto informativo. A meirande parte dos interpreta por medio de xéneros máis
exemplos tirados da análise cuantitativa opinativos. Se ben arredor do 40% das
tómanse da prensa diaria que, por volume noticias incluídas non están adscritas a un
de noticias, permite facer valoracións máis tipo de acto ou convocatoria determinado,
certeras. Tanto nos xornais dixitais como nos os espectáculos, maiormente musicais,
medios audiovisuais o corpo da análise é supoñen un 21% das noticias de cultura na
limitado e, polo tanto, resulta problemático prensa da semana e un 22’1% nas da fin de
facer interpretacións sobre o contido da semana. Síguenlles as exposicións (12’6% na
investigación. semana e 10’6% na fin de semana), as
presentacións de productos culturais (8’4%;
Conclusións 6%) e os premios ás diversas actividades
culturais (10%; 5’4%).
1 - A actualidade da información é o 3 - Os medios de comunicación galegos
criterio xornalístico que contribúe de maneira enfocan a Cultura preferentemente como
máis firme á construcción da información Lecer ou como Espectáculo. Este é un dos
cultural nos medios de comunicación galegos. motivos polo que a maior parte dos
Deste xeito, as publicacións máis recentes, suplementos dos xornais, receptáculos
as presentacións, a celebración de preferentes destes contidos, se publican na
espectáculos ou a celebración de homenaxes, fin de semana, co que aumenta de maneira
entre outros eventos, son os que supoñen manifesta o número de noticias culturais.
o maior volume de pezas informativas. Así Todos os diarios galegos dispoñen de cando
mesmo, a axenda, un servizo baseado na menos un suplemento de fin de semana no
anticipación do xornalista, que permite ao que se verten distintos contidos relacionados
lector ou espectador coñecer os actos que van
co lecer, moitos deles conectados
celebrarse para programar as súas actividades,
directamente coas artes e a literatura, en forma
ten unha importancia crucial nos medios, en
de grandes reportaxes, críticas ou entrevistas.
especial na prensa diaria, na que se dá conta
Dentro deste conxunto de suplementos
dos principais actos culturais de cada ámbito
atopamos algúns dedicados especificamente
xeográfico. Xunto coa actualidade, outro dos
á cultura e, polo tanto, malia o seu carácter
criterios-noticia fundamentais é o da
divulgativo dado o medio xeralista no que
novidade, aplicada á aparición de productos
se publican, teñen contidos especializados.
das industrias culturais, que son presentados
Este é o caso de “Culturas”, de”La Voz de
co obxectivo de que se faga unha difusión
dos mesmos no mercado. Galicia, “Saberes”, de”La Opinión de A
2 - O medio de comunicación é en Coruña e “Correo das Culturas”, de”El
escasas ocasións o impulsor da noticia. A Correo Gallego.
maioría das noticias pertencen a actos de Deste xeito, a porcentaxe de noticias
axenda: actividades programadas por incluídas nestes suplementos é dun 31’4%
algunha organización, pública ou privada, na fin de semana, mentres que esta proporción
ou particular que o medio de comunicación decrece ata un 2’5% nos días da semana.
simplemente transcribe. Moitas noticias Podemos dicir, á vista destas consideracións,
son compilacións de informacións que a cultura ocupa unha posición non central
ofrecidas en roldas ou notas de prensa que, no discurso informativo, pola súa asociación
en numerosas ocasións, simplemente ás actividades que adoitan empregarse nos
anuncian eventos aos medios. (Resulta, sen medios como contidos de peche, - nos medios
dúbida, curioso que estes anuncios sexan audiovisuais, preferentemente, con música na
cubertos e non as actividades das que dan radio e colas de imaxes na televisión-, ou
noticia). como informacións de ton máis lixeiro, que
Tamén é considerable o número de descargan no medio a tensión de sección de
informacións que proceden de actos máis peso como as de política e economía.
programados (estreas cinematográficas, Non é polo tanto extraño que moitos destes
exposicións, representacións teatrais, contidos se concentren na fin de semana e,
256 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

preferiblemente, nos suplementos. Se ben os Compróbase, polo tanto, que as rutinas


contidos culturais adquiren neles un sesgo laborais inciden fortemente na producción de
máis especializado, polo tipo de temas información cultural, xa que se entende como
escollidos ou os xéneros desenvolvidos, que un traballo secundario, que precisa dunha
requiren dun maior tempo de preparación menor elaboración.
e de maior formación do xornalista, a súa 5 - Tomando en consideración os datos
concentración lles confire ás noticias culturais extraídos sobre a ubicación espacial, en
un aire de excepcionalidade, apartándoas de prensa, e temporal, nos medios audiovisuais
temáticas máis cotiás. da noticia, podemos incidir na idea da
4 - A Cultura transmitida nos informativos posición subsidiaria dos grandes temas dos
dos medios galegos está vencellada á contidos culturais no discurso informativo
información, non á interpretación nin á galego. A maioría das pezas non supera o
crítica. O 66% dos contidos preséntase baixo 25% do espacio da páxina, mentres que só
o xénero de noticia ou de breve.’Como unha das máis de 700 noticias recollidas na
contraste podemos dicir que a crítica, un mostra ocupaba máis dunha páxina. Como
xénero básico para a información cultural, contraste cabe dicir que, malia a brevidade
só supón un 0’6%. ’Polo xeral, os contidos destes contidos, un 65’9% dos mesmos
culturais transmítense sen que se afonde na contaba con algún tipo de tratamento gráfico.
materia tratada e sen deixar espacio á opinión Por outra banda, son contidos que en poucas
ou ao debate. A sección de Opinión representa ocasións chegan a portada, polo que respecta
só un 2,6% do total de rexistros analizados, á prensa na fin de semana, só un 2’1% das
polo que se pode afirmar que os temas informacións trascenden á portada, e un 2’8%
relacionados coa cultura teñen pouca aparecen na contraportada. Durante a semana,
presencia nestas páxinas, nas que se lles dá a prensa diaria abriu cunha noticia de cultura
maior relevancia a temas susceptibles de crear no 1’7% dos casos, mentres que o 3% das
un debate social máis amplo como, por noticias se ubican na contraportada, entendida
exemplo, a política ou a economía. nos medios como un espazo para os contidos
Froito das mostras anteriores máis lixeiros e menos “serios”. Nos medios
comprobamos que o espacio da opinión audiovisuais as pezas sore cultura sitúanse
queda reservado nos temas culturais para ao final dos informativos e adoitan ir detrás
feitos de gran trascendencia como a morte da información política e económica. Se ben
de persoeiros, homenaxes ou premios. Unha os medios impresos recollen maior número
vez máis, a actualidade é o marcador, ben de noticias culturais, á radio e á televisión
para os sucesos imprevistos como para as só chegan as de maior transcendencia
actividades programadas de forte eco social. informativa. Na radio da semana –a mostra
Xunto co xénero escollido para a transmisión é moi pequena no caso da fin de semana-
de contidos culturais, outro dos sistemas de non houbo ningunha noticia que tivera o
medición da elaboración da peza xornalística relevo suficiente como para aparecer en
é a liña de creto. titulares. Ademais, máis da metade das
Nesta análise atopamos unha alta informacións teñen unha duración de menos
porcentaxe de noticias que non son asinadas dun minuto, mentres que só tres pezas tiñan
polo xornalista; en concreto, un 60’3% das unha duración superior a dous minutos, o que
informacións da fin de semana veñen implica a aparición das voces dos
asinadas pola redacción (13’3%), por axencias protagonistas da noticia ou fontes acreditadas
(10’6%) ou non teñen ningún tipo de no tema tratado. Canto á televisión, o mesmo
referencia á súa autoría (26’4%). Durante a que comprobaramos na radio, non é habitual
semana esta porcentaxe aumenta ata un que as noticias sexan mencionadas nos
61’5%, polo que o xornalista encargado da titulares: só o 22% delas aparecía no sumario.
información asina menos do 30% das pezas. Así mesmo, o tempo de transmisión foi
Resulta interesante comprobar que estas inferior a un minuto en algo máis da metade
porcentaxes se invirten no caso de A Nosa das noticias emitidas.
Terra, medio no que o 60’5% das 6 - A información cultural caracterízase
informacións están asinadas polo seu redactor. pola falta de contraste a través da consulta
JORNALISMO 257

de fontes e a pouca profundidade no xornal sen que pese o criterio temático sobre
tratamento dos contidos. A metade das o xeográfico ou viceversa.
informacións, tanto da prensa como dos 8 - Os temas tratados nas noticias culturais
medios audiovisuais non citan sequera unha distribúense arredor de dous eixos
fonte. En concreto, o 48’3% das noticias da preferentes: dunha banda, a meirande parte
fin de semana na prensa non citan ningunha dos contidos teñen que ver coas
fonte, mentres que o 9’2% citan máis dun manifestacións artísticas canónicas, ben sexa
punto de vista. Esta situación mellora durante en forma de presentación, rolda de prensa,
a semana, na que a metade das pezas posúen exposición, reseña de publicación ou de
cando menos unha fonte especificada. A espectáculo. O outro dos ámbitos das noticias
proporción de noticias con máis dunha fonte desta área ten que ver coa cultura popular,
aumenta ata un 16% dos casos. coas festas tradicionais e as celebracións
Polo que respecta aos tipos de fontes colectivas. Ademais da disociación destes
consultadas, a máis recorrida, nun 51’9% dos dous aspectos da producción cultural, non
casos, é a que cualificamos como existen espacios intermedios nos que se
“Individuo”, persoas que non representan a inserten novas produccións nin alternativas
ningunha institución, empresa ou asociación culturais.
e das que parte a información. A Na prensa diaria o tema máis habitual das
administración pública (concellos, Xunta de noticias de cultura é a música (28’4%), en
Galicia, deputacións e Estado) constitúe un calquera das súas manifestacións, seguida
16’7% das fontes, mentres que as asociacións de lonxe polas artes audiovisuais (11’6%) e
de particulares supoñen o 11’5%. as artes plásticas (11’6%) na fin de semana.
7 - Existe un claro predominio da Nos días laborables, sen embargo, as artes
información cultural local. Isto débese, musicais baixan a unha porcentaxe do 19’5%
fundamentalmente, a aplicación dun criterio
e a literatura alcanza o segundo posto
de proximidade no que respecta aos xornais
(16’3%), seguida polas artes plásticas
galegos que, malia dispor de seccións
(12’5%) e as artes da representación (11’4%).
dedicadas a diferentes demarcacións
O semanario A Nosa Terra, sen embargo,
xeográficas, teñen unha forte vocación
presta unha maior atención á literatura
localista. O ámbito local é preferente nun
(33’5%), pola inclusión de reseñas, crítica
41% das noticias de fin de semana en un
literaria e entrevistas. Na rede, as publicacións
47’1% na semana, o que quere dicir que preto
dixitais amosan preferencia polas artes
da metade das noticias están destinadas ao
plásticas (16’7%), as industrias culturais
público máis próximo xeograficamente. Este
dato non ten correspondencia directa coa (16’7%) e a literatura (16’7%), mentres que
ubicación das noticias nas seccións dedicadas nos medios audiovisuais a radio de decanta
á información local, que só recollen o 24’6% polas artes musicais (21’4%), máis
das noticias no caso da fin de semana e aproveitables como recurso para o medio, e
o 34’2% na semana. A excepción, unha vez a televisión, en virtude á crítica literaria
máis, ven da man de’A Nosa Terra’na que incluída nos informativos de mediodía na
as noticias de ámbito galego son maioritarias TVG, a literatura (33’3%) é o tema máis
(o 71’9%) e están concentradas na sección tratado.
de cultura.’Polo que respecta á prensa dixital A cultura popular coma temática aparece
e aos medios audiovisuais o ámbito preferente en todos os medios analizados nunha
é o galego, na metade das ocasións, xa que proporción moi baixa (1’8%). Asociamos este
a propia cobertura dos medios é nacional. concepto á celebración de festas populares
O peso da axenda dentro dos contidos de certa tradición histórica ou a eventos
culturais da prensa diaria xustifica a programados de participación cidadá. É
preferencia por noticias do espacio local, pero lóxico, polo tanto, que a proporción de
denota, ao mesmo tempo, a importancia das noticias con este tema medre
convocatorias aos medios para a construcción considerablemente en determinadas épocas do
informativa e a desorganización dos contidos ano como o entroido ou a Semana Santa, ou
de cultura, que aparecen espallados polo coincidindo con festas locais.
258 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

9 - Canto á lingua, a cultura está Cadena SER e a COPE (só informativo do


vencellada ao castelán na prensa escrita e mediodía). Se ben nos medios audiovisuais
ao galego nos medios audiovisuais. Dos trece podemos observar esta diminución de
xornais analizados, só dous están escritos contidos culturais, na prensa observamos o
integramente en galego (Galicia Hoxe, diario, efecto contrario: a profusión se suplementos
e A Nosa Terra, publicación semanal) e o de lecer, máis ca de cultura incide
resto publica en castelán o 83% das noticias. directamente na cantidade de noticias con
Pola contra, nos medios audiovisuais a lingua contidos culturais recollidas.
preferente de emisión é o galego. Só emiten Podemos dicir que nos medios
en castelán Antena 3 TV-Galicia, a Cadena audiovisuais, nos que non hai unha opción
SER e a COPE o informativo de mediodía. de selección na lectura como acontece na
Vemos, polo tanto, que a escolla da lingua prensa, a cultura adoita considerarse como
para as noticias culturais está directamente un contido especializado e, polo tanto, pasa
vencellada á política lingüística do medio, a constituír unha oferta en si mesma, en
que non fai excepcións no tratamento das programas monográficos. Esta oferta, por ter
noticias con respecto das outras seccións. As un público obxectivo determinado, pasa a ser
rutinas laborais tamén contribúen a que non considerada minoritaria, de xeito que,
haxa habitualmente un traballo de traducción nomeadamente na televisión, fica suxeita a
por parte do xornalista. horarios lonxe do prime-time. Na radio a
10 - A reducción de programas excepción atopámola no Diario Cultural da
informativos para Galicia das canles estatais Radio Galega, un espacio diario que recolle
durante a fin de semana, repercute, a actualidade da cultura galega. Os espacios
loxicamente, na cantidade dos contidos dos medios audiovisuais merecerían un
culturais. O sábado e o domingo só emiten estudio á parte por esa condición de
para Galicia a TVG, a Radio Galega, a excepcionais que teñen.
JORNALISMO 259

3
Bibliografía En tipo de acto, contemplamos as seguintes
categorías: acto conmemorativo, curso/xornada,
Moragas i Spà, Miquel: Espàis de debate/coloquio/conferencia, doazón, espectáculo,
exposición, homenaxe, inauguración, nomeamento,
comunicació O libro este de información
premio, presentación e outros.
cultural da Fundación March 4
Este campo, aberto, permite a inclusión de
comentarios que no encaixan no resto de espacios
nos se organiza a ficha elaborada.
_______________________________ 5
Debido á existencia de Galicia Hoxe e A
1
Consello da Cultura Galega Nosa Terra, nos que toda as información está
2
O espacio mídese na procentaxe de páxina escrita en galego, ou da Radio Galega no medio
que ocupa a información, incluídas as imaxes se radiofónico, os informativos de TVG e TVE-G,
as houber. Polo que respecta á duración, refírese, e Vieiros na rede, as porcentaxes que resultan de
obviamente, os medios audiovisuais e vai medida máis interese son as que se obteñen en medios
en minutos e segundos. nos que a lingua hexemónica é o castelán.
260 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 261

Periodismo de servicio en la prensa local de Galicia


Xosé López1

Introducción afectaron al modelo de empresas del sector


de la comunicación, que incorporaron nuevas
Una mirada rápida a las últimas décadas técnicas de gestión y mostraron una acentuada
del siglo XX, revela que en ese momento hubo tendencia a la diversificación. Otras
importantes cambios en el entorno social, modificaciones estuvieron relacionadas con las
político, económico y cultural de Galicia. La técnicas para mejorar la eficiencia productiva,
sociedad del país de Breogán vivió nuevas con plantas de producción que incorporaron
experiencias en un marco de restauración del tecnologías actuales, y con los procesos de
sistema democrático, que para su consolidación reestructuración en las redacciones, a las que
contó con el apoyo de los medios de se incorporaba gente nueva.
comunicación, y en un escenario de En todos esos procesos de reordenación
descentralización del Estado y de integración se dieron pasos que luego ayudarían a
en una organización supranacional, la Unión incorporar aspectos del periodismo de servicio.
Europea. Fue un proyecto político que se En un primer momento la oferta mejoró y,
debatió en los medios, que sirvieron de aunque la sombra de los poderes locales
referente para el contraste de puntos de vista planeaba sobre esa información, los lectores
y para reflejar las iniciativas de los distintos premiaron con su fidelidad unos productos con
actores y grupos de presión. Estos hechos muchas limitaciones, pero que buscaban contar
contribuyeron a una importante oferta de lo próximo y explicar hechos que afectaban
información política en esos primeros años, a la vida de los ciudadanos gallegos. Los datos
que coincidieron, también, con una fase indican que se produjo este apoyo de los
presidida por la “desregulación” y la lectores, porque mientras los diarios gallegos
liberalización en el hipersector de la de información general controlados por OJD
comunicación en el ámbito europeo en general se aproximaban a los doscientos mil, la
y en el del Estado español en particular. difusión de los diarios de información general
Los vientos de cambio en el entorno social, de Madrid apenas superaba los cuarenta mil
económico, político y cultural también ejemplares2.

DIARIOS DE GALICIA 1999 2000 2001 2002


La Voz de Galicia 108.841 107.850 108.201 110.825
El Correo Gallego 18.126 18.238 22.735 Sin control de OJD
El Progreso 15.104 15.526 15.610 15.086
La Región 12.433 12.844 12.433 12.433
Faro de Vigo 42.278 42.639 42.913 42.794
Atlántico Diario 4.146 4.345 4.146 4.123
Diario de Pontevedra Sin control de OJD 5.582 6.332 6.336
La Opinión
Sin control de OJD Sin control de OJD 6.004 5.866
A Coruña

DIARIOS DE MADRID 1999 2000 2001 2002


El País 16.329 17.147 17.171 16.629
El Mundo 8.587 8.674 18.147 22.552
ABC 5.245 5.430 5.078 4.023
Sin control de OJD
(El periódico No se public
Diario 16 Sin control de OJD 1.169
desapareci en este año
en noviembre)
262 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

El resultado de todo el proceso de rediseño de las principales cabeceras (sobre


transformaciones desemboc en un modelo que todo, de La Voz de Galicia, Faro de Vigo,
mantuvo la propiedad familiar, la El Correo Gallego y El Progreso) hubo
multiplicacin de medios en todos los soportes medidas concretas para que las secciones
y una gran oferta de cabeceras. La dedicadas a las cuestiones cotidianas de los
concentración solo comenz tímidamente y la lectores ganaran espacio. No solo se busc una
entrada de grupos foráneos fue mínima. En lectura más rápida de los productos, una
la industria de medios impresos el Grupo Voz, mejor presentación..., sino que se dedic
la principal empresa, no adquiri cabeceras especial atención a la información de salud,
gallegas y únicamente el Grupo El Progreso a la de viajes, a la de medio ambiente... El
compr Diario de Pontevedra, que era la única periodismo de servicios actu como hilo
cooperativa de producción existente en ese conductor de un cambio que hoy sigue
momento en el conjunto de España. La marcando la línea de los principales diarios
Capital, editora de El Ideal Gallego, cre locales.
Diario de Ferrol, Diario de Arousa y Diario El estudio de la evolución del periodismo
de Bergantiños, al tiempo que compraba gallego durante los últimos veinticinco años
Deporte Campeón, el diario deportivo que muestra que la tecnología permiti mejorar la
existe en el pas gallego. El único grupo de eficiencia productiva – cambi los sistemas
fuera de Galicia, Prensa Ibérica, editor de de producción y los mejor-, contribuy a
Faro de Vigo, puso en marcha un diario en atender la demanda de un cambio en los
la ciudad de A Coruña, La Opinión A Coruña. contenidos – menos política y más periodismo
Donde apenas hubo avances fue en el de servicios-, hizo posible una buena atención
terreno de la independencia del periodismo, a la información local – más páginas y
del marco para un trabajo creativo y crítico, estrategias de multiedición-, pero no consigui
y en la calidad, especialmente en la edición vencer los viejos vicios y ofrecer un
de las pginas, o incremento de fuentes, la periodismo que sintonice bien con las
variedad de modalidades expresivas y la demandas de los usuarios5. El periodismo
riqueza textual. La ausencia de ideas dificult gallego aún busca una vía que lo conduzca
muchas veces tratamientos diferenciados y cara a terrenos más dinámicos, con ms ideas,
con formulaciones de profundidad y utilidad. que aproveche bien el talento de los
El periodismo “acomodado”, poco amigo de profesionales y que ofrezca menos
la búsqueda de noticias en la calle y del interrogantes y más respuestas. Esta lucha por
contraste de pareceres, se impuso en muchos un periodismo que supere la situación actual,
medios como una fórmula cómoda para las en la que, si le ponemos nota, obtiene un
empresas y para los periodistas. notable en tecnología, pero sólo consigue un
aprobado muy justo en calidad.
Transformaciones rápidas Estas cabeceras, en esa busca de nuevas
vías para ofrecer un mejor periodismo y
Durante esa etapa de transformaciones, productos de mayor calidad, experimentaron
los diarios impresos avanzaron cara a importantes mudanzas en la oferta de temas
fórmulas que premiaban a los lectores de a sus lectores durante las últimas décadas del
forma inmediata, con los consiguientes siglo XX. De hecho, los contenidos
beneficios para los balances económicos, evolucionaron de un periodismo
principal preocupación de la mayoría de los eminentemente político, en las dcadas de los
empresarios. En ese camino, el modelo de setenta y de los ochenta del siglo XX, hasta
diario de servicios3, que responde a unas el denominado periodismo de servicios, más
tendencias muy concretas que defienden la preocupado por el ocio, la cultural y la
primacía de la información de utilidad en el sociedad que por el devenir de las
mercado de las publicaciones periódicas4, instituciones y de los actores políticos. La
aparece como uno de los referentes de los información sobre los representantes políticos
diarios de Galicia en esas décadas del siglo y las instituciones autonómicas, que ocuparon
XX y, muy especialmente, en los primeros importantes porcentajes en las fechas
aos del siglo XXI. En todos los procesos de indicadas, se rebaj a la mitad –pas de
JORNALISMO 263

representar el 49% en los años setenta al 24% que se trat de un punto de partida de una
en los años noventa-. nueva etapa8.
El análisis de los datos indica que la
información política sufri cambios Cambiar la piel
importantes cualitativos y cuantitativos.
Después de desempeñar un papel fundamental Las tendencias que descubrimos en los
en la instauración del nuevo sistema estudios9 sobre la prensa gallega en la segunda
democrático –durante los años de la mitad del siglo XX constatamos que, en líneas
transición- y en la consolidación del nuevo generales, se mantienen a comienzos del
sistema autonómico –en la década de los tercer milenio, especialmente en lo tocante
ochenta-, esta información perdi al grado de penetración de las prácticas
protagonismo en todos los diarios gallegos. propias del periodismo de servicio. Los
Este descenso de la información poltica, cambios de diseo hicieron posible que esta
defendida por los responsables de los tendencia encontrase un buen marco. De
periódicos por entender que los lectores hecho, tanto La Voz de Galicia como El
estaban cansados de–“tanta política”, estuvo Correo Gallego, que estrenaron diseño en el
acompañado del aumento de las noticias de año 2002, o El Progreso, que hizo el cambio
carácter social y cultural. en el año 2004, eligieron muchos rasgos del

Fuente: elaboración propia

De los datos de este cuadro6 concluimos diario de servicios para su nuevo producto,
que, como iniciativa propia y atendiendo a como también hizo Faro de Vigo en el año
las demandas de los lectores, los periódicos 2003. Otro tanto hicieron, aunque en menor
gallegos incrementaron la denominada medida, Galicia Hoxe, El Ideal Gallego,
informacin de servicio, es decir, aquella que Diario de Ferrol, Diario de Arousa que en
ofrece datos útiles para la vida diaria del el año 2003 mudaron la piel.
usuario de la información –del lector, en el De todas las cabeceras, La Voz de Galicia
caso de los periódicos-. La búsqueda de esta aparece como la que, tras su rediseño del
utilidad inmediata contribuy al incremento del 25 de julio del año 2002, emprendi un
espacio para la información de “camino sin retorno cara a esa fórmula del
entretenimiento, que destac como la periodismo contemporneo: el periodismo de
triunfadora en el cambio de la oferta servicios” 10 . En esta dirección tambin
informativa de los diarios gallegos en los entraron, como ya dijimos, Faro de Vigo, El
últimos años del pasado siglo. Fue una Ideal Gallego, Diario de Arousa y Diario
renovación de contenidos para buscar temas de Ferrol. Con anterioridad, en el cambio
que interesasen más a la gente, en sintonía de siglo, hiciera lo mismo Diario de
con el periodismo de servicio7. Entendemos Pontevedra. Por lo tanto, la mayoría de las
264 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

cabeceras incrementaron los porcentajes del Por lo de ahora, se conforman con dar
que podemos considerar periodismo de pasos en esta dirección. De hecho, quieren
servicios. El resultado es, en la mayoría de potenciar el eslogan que dice “las cosas de
los casos, una fórmula híbrida entre el aqu, contadas desde aqu” como una
peridico local informativo-interpretativo y el reafirmación diaria en el valor estratgico de
periódico de servicios, un modelo que parece la proximidad 14 y con porcentajes de
responder en el mercado a sus necesidades información local que supera en varios casos
para mantener el atractivo para sus lectores el 50 por ciento de la superficie impresa de
más fieles y para sus principales anunciantes. los contenidos analizados, también se percibe
En definitiva, una frmula ajustada para las una mayor interpretación y como la
necesidades del mercado local actual. jerarquización y la fragmentación se
Estos diarios, en los últimos tres años, incrementan, sobre todo para facilitar la
publicaron servicios de muy diversa eleccin, favorecer la lectura y, sobre todo,
naturaleza, donde podemos diferenciar desde ganar rapidez. Los responsables de los medios
las unidades periodsticas de servicio – presumen que el consumidor contemporáneo
conjunto de textos con relación entre si-, de medios impresos desea tener una visin
servicios al lector – radio, televisión, general del panorama informativo con la
agenda...-, servicios orientados al ocio de la mayor diligencia posible, para con
audiencia –cine, espectáculos...- y servicios posterioridad, ahondar en aquellos contenidos
comerciales –las pginas de esquelas, de que considere de mayor interés.
clasificados...-11. De hecho, los porcentajes Esta tendencia a una mayor presencia de
de informacin de servicios sobre el total de la información local tuvo como consecuencia
noticias dejan a la prensa gallega en un lugar que, aún manteniéndose una gran oficializacin
parejo a la de tirada estatal12. Y, a corto plazo, en las fuentes, aumenta la presencia de las
la tendencia citada parece que no tendr vuelta fuentes de la sociedad civil organizada
atrás. (asociaciones de vecinos, organizaciones no
gubernamentales, fundaciones...). Del mismo
Visualidad e profundidad modo, se constata que cada vez tiene mayor
presencia la información no slo de carteleras
En los años 2002 y 2003, los responsables y cuestiones puntuales de servicios, sino
de los diarios gallegos defendieron mucha información para la acción. Cada vez
públicamente la necesidad de combinar la hay más temas de utilidad y más pistas o
mejora del atractivo visual de sus productos referencias para que puedan actuar por su
con una mayor profundidad y una mayor cuenta15.
calidad13. Como resumen de las declaraciones
de intenciones, concluimos en la investigación A modo de conclusión
que todos defienden
A juzgar por los resultados de las
hacer un periódico atractivo investigaciones realizadas sobre la prensa de
visualmente, con la profundidad que Galicia, podemos afirmar, sin temor a dudas,
no de la a televisión, y contar las que el periodismo de servicio se instal en
historias que más le afectan a los la prensa local del noroeste de la península
ciudadanos del común. Prestémosle Ibérica en los últimos tres años. Durante los
menos atención a los políticos y más últimas dcadas se registraron importantes
a la sociedad civil. Retratemos la cambios en los medios impresos que, aunque
ciudad, comarca o región en la que muchos afectaron a la estructura empresarial
vivimos de manera que nuestros y a las propias infraestructuras – plantas de
compradores se sientan reflejados en impresión, reorganización de las
las páginas del periódico. redacciones..., tuvieron tambin una
contribución decisiva para que en el modelo
Toda una declaración de un modelo al de periódico se incorporasen muchos aspectos
que aspiran, pero que aún no consiguieron. de periodismo de servicio.
JORNALISMO 265

Los últimos cambios en el rediseño de velocidad de lectura contribuyen a favorecer


los diarios de Galicia tuvieron en cuenta esta la lectura de muchos de los consumidores
tendencia y procuraron abrir nuevas ventanas habituales. Y, si a eso añadimos que la
al periodismo de servicio, lo que ya consolid informacin de servicio aporta al receptor la
un modelo híbrido de peridico local posibilidad de la acción o de la reaccin, el
informativo-interpretativo y de servicios. El lector de los diarios gallegos encuentra en
propio diario líder en difusión, un periódico esos productos una doble utilidad, por lo que,
multilocal y regional como–La Voz de al margen de la calidad de los contenidos
Galicia, adopt una estrategia en el mes de y de la mayor o menor dependencia de los
julio del año 2002, cuando present su último poderes de turno, les mantiene su fidelidad
rediseño, que contempl un incremento de las y sigue consumindolos mayoritariamente. De
formulaciones propias del diario de servicio. hecho, no opta por la alternativa, que llega
Esta tendencia no entr en contradicción de la mano de la prensa de Madrid, que, en
con la atención a la información de los casos de los diarios de información
proximidad que caracteriz a la prensa gallega general, no ganan posiciones de manera
durante la segunda mitad del siglo XX. Todo significativa.
lo contrario. Se mantuvo y se adapt al modelo En definitiva, la prensa gallega encontr
de peridico de periodismo de servicio. De una fórmula que, por lo de ahora, parece que
hecho, la prensa gallega sigue le resulta efectiva en el mercado y que no
caracterizándose por prestar mucha atención provoca especial rechazo en los usuarios
a la información local, por mantener una habituales. Al margen de otras
estructura de propiedad basada en el modelo consideraciones, entendemos que el
familiar y por prestar mucha atencin a los periodismo de servicio le dio un respiro,
contenidos claramente de servicio en este cuando menos coyuntural, al modelo de
ámbito de proximidad. medios impresos de proximidad, muy
En una comunidad con bajos índices de fragmentado y de propiedad familiar, que se
lectura como es el caso de Galicia – supera asent en Galicia durante el siglo XX y que
ligeramente el índice de los cien ejemplares se mantiene en los primeros años del siglo
por mil habitantes-, los formatos de doble XXI.
266 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografía Diezhandino comenz los estudios alrededor de


estas cuestiones. De todas las investigaciones
Armentia, Jos Ignacio y Caminos, Jos realizadas en los últimos años, destaca un proyecto
María, Los formatos de lectura rápida como dirigido por el profesor Jos Ignacio Armentia, de
la Universidad del País Vasco, que termin con
seña de identidad visual del diario de
la publicacin de un libro hace dos años (El diario
servicios, en Doxa Comunicación, número 1, de servicios en España, Oviedo, Septem, 2002).
Madrid, Universidad San Pablo-CEU, 2003, En los trabajos citados se utiliza la denominación
pp. 11-33. de periodismo de servicio y periodismo de
Diezhandino, Pilar, Periodismo de servicios, que en este trabajo emplearemos como
servicio. La utilidad como complemento sinnimos sin apuntar las diferencias que algunos
informativo en Time, Newsweek y U.S. News autores apuntan sobre ambas expresiones.
5
and World Report, y unos apuntes del caso El estudio de las caractersticas de la prensa
español, Barcelona, Bosch, 1994. gallega durante veinte años lo realiz el grupo de
investigación en Novos Medios de la Facultad de
López, Xos (Coordinador), La prensa
Ciencias de la Comunicación de la Universidad
diaria en Galicia (1976-2000), Compostela, de Santiago. En sus conclusiones, recogidas en
Universidad de Santiago, 2001. el libro A prensa do terceiro milenio (Santiago
Moragas, Miquel de, Do global local de Compostela, Edicións Lea, 2000), se señalan
como referente mediático. A aposta polos los puntos fuertes y los débiles de los diarios
gratuitos, en gallegos. A pesar de los esfuerzos por cambiar,
VV.AA., Medios locais e prensa gratuita, los diarios gallegos mantenan muchos retos sin
Santiago de Compostela, Xunta de Galicia, resolver para conseguir una mejor sintonía con
2003. los lectores.
6
El gráfico se elabor con los datos de la
investigación Evolución temática da prensa
gallega 1978-1998, realizada por el grupo Novos
_______________________________
1
Medios. Este mismo gráfico ya se public tanto
Universidad de Santiago de Compostela.
en el libro editado con las principales
Departamento de Ciencias de la Comunicación.
2
conclusionescomo en varios artículos publicados
Los datos de la difusión de la prensa en
en distintas revistas científicas.
Galicia desde 1975 al año 2000 se analizaron en 7
Pilar Diezhandino ha analizado a final de
el proyecto do grupo de Novos Medios, que en
la década de los ochenta y comienzos de los
el ano 2001 publicó un libro (La prensa diaria
noventa del siglo XX la utilidad que incorpora
en Galicia 1976-2000) sobre este asunto. El citado
el periodismo de servicio. Sus primeros estudios
estudio formó parte de un proyecto con grupos
se circunscribieron a los grandes newsmagazines
de investigación de Cataluña y el País Vasco, que
norteamericanos, pues Estados Unidos es el
analizaron la evolución de la prensa en sus
referente obligado como pionero de la fórmula
respectivos países. Los cuadros que aparecen en
del servicio.
este trabajo proceden de ese estudio, pero fueron 8
Pilar Diezhandino, Periodismo de servicio.
actualizados. La subida de El Mundo a partir del
La utilidad como complemento informativo en
año 2001 se debe a su alianza con El Correo
Time, Newsweek y U.S. News and World Report,
Gallego, ya que las dos cabeceras se venden
conjuntamente en Galicia y el cómputo de ventas y unos apuntes del caso español, Barcelona, Bosch,
para el control de la difusión por OJD corresponde 1994, p.66.
9
a El Mundo, según lo estipulado en el convenio Nos referimos a los que realiz el grupo de
de colaboración entre los dos medios. Novos Medios, que analiz la prensa gallega desde
3
Jos Ignacio Armentia et al, Los formatos varias perspectivas, especialmente de los aspectos
de lectura rápida como seña de identidad visual formales, textuales y estructurales.
10
del diario de servicios, en Doxa Comunicación, Esta afirmación aparece en las conclusiones
número 1, Madrid, Universidad San Pablo-CEU, de un Trabajo de Investigación Tutelado del
2003, p. 12. doctorando Manuel David Cheda, de la Facultad
4
Este modelo de periódico se consolid en el de Ciencias de la Comunicación de Santiago, en
contexto de unas sociedades occidentales del el que analiz el periodismo de servicio en los
bienestar en el que los ciudadanos muestran mucho medios impresos de Galicia en el año 2003.
11
interés por los contenidos de ocio y por todo lo La identificación de servicios en el estudio
que tiene que ver con la calidad de vida. Varios sobre la prensa gallega diferenci los servicios
estudios analizaron los diarios de servicios en el redaccionales – bloques informativos con
ámbito del Estado español, donde la profesora Pilar elementos gráficos...- y otras tres categorías para
JORNALISMO 267

identificar los servicios por su tema y por su Dirección Xeral de Investigación e


tipología. Desenvolvemento da Xunta de Galicia.
12 14
Los datos proceden del estudio de David Compartimos con el profesor Miquel de
Cheda, ya citado. Para su elaboración, se emple Moragas que el ámbito local ya no es un mbito
la misma metodología que en la investigación de minoritario o marginal en esta sociedad
Jos Ignacio Armentia, Aintzane Alberdi, Jos María mundializada, sino un sector fundamental en las
Caminos y Flora Marín, por lo que después se estrategias de la comunicación moderna.
15
pudo establecer un análisis comparativo entre los Los datos corresponden a los primeros
datos del estudio El diario de servicios en España resultados dados a conocer en diciembre de 2003
y los datos focalizados en el grupo de diarios por el grupo que realiz la ya citada investigación
locales de Galicia. Anlisis de los contenidos textuales y de los
13
Las declaraciones en este sentido las aspectos formales de los diarios gallegos, que tiene
manifestaron en las entrevistas que se hicieron como investigador principal a Xos López y en
para la investigación El anlisis textual y formal la que participan Miguel Túñez, Francisco
de los diarios gallegos en los años 2002 e 2003, Campos, Fermín Galindo, Xos Antonio Neira,
en el marco del proyecto de investigación Berta García, Xos Pereira, Luís Celeiro, Manuel
PGIDT01SCX21201PR, financiado por la Gago y Francisco Seoane.
268 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
JORNALISMO 269

O jornalismo entre a informação e a comunicação:


como as assessorias de imprensa agendam a mídia
Zélia Leal Adghirni1

Os campos da comunicação e da infor- Segundo Luis Martins3 pertenceriam ao


mação são vistos, de um ponto de vista campo da comunicação os esforços
europeu, como duas esferas distintas. O organizacionais, institucionais e mercadoló-
primeiro se situa num contexto de comuni- gicos com vistas a um agendamento interes-
cação social, enquanto o segundo poderia ser sado, ao passo que competiria aos agentes
generalizado no contexto do jornalismo. Ou da informação (jornalismo investigativo)
seja, na produção e distrbuição de notícias resgatar para o espaço público os ‘fatos’
no campo das mídias. Recentemente, alguns jornalísticos verdadeiros, mas, jamais
pesquisadores brasileiros, como Ciro ofertados à luz dos protocolos rotineiros as
Marcondes Filho 2 , apontam para uma assessorias e dos “marqueteiros” da informa-
interpretação de afastamento dos dois cam- ção.
pos como se eles fossem duas realidades Jean-Michel Utard4 parte do pressuposto
dicotômicas. de que existem formações discursivas sepa-
Na referida obra, Marcondes Filho, se- radas, tais como: o jornalismo, a publicidade
guindo a melhor tradição francesa na área e o entretenimento, com os seus agentes
da sociologia da imprensa, apresenta um (atores) das práticas discursivas identificadas
quadro no qual compara como os campos da (jornalista, anunciante, apresentador etc). O
comunicação e da informação encaram o que embaralhamento nos gêneros midiáticos,
é notícia. Para isto, enumera e qualifica sete responsável pelas transformações da informa-
fatores: quanto à origem; as fontes; à notícia; ção midiática, corresponderia à constituição
às formas de divulgação; à concepção de e institucionalização de uma “nova formação
jornalismo; à visão de mundo implícita; e “discursiva” que poderia ser aquela dos
quanto à tendência atual. Em relação ao produtores e conteúdo ou dos mediadores.
primeiro deles, quanto à origem”, no campo
Utard trabalha com a hipótese de uma sín-
da comunicação “O jornalista a recebe gra-
tese discursiva capaz de se erigir em novo
tuitamente a ‘notícia” [sic], enquanto que no
gênero discursivo, resultante do
campo da informação “O jornalista tem de
embaralhamento dos gêneros tradicionais.
buscar a notícia, ela lhe custa trabalho”.
No Brasil, os dois campos se confundem.
Quanto à concepção de jornalismo, por
Jornalismo e comunicação funcionam quase
exemplo, o autor considera que, do ponto de
vista da comunicação, “jornalismo é uma como sinônimos e os protagonistas destes
forma de (se fazer) publicidade disfarçada”, cenários atuam ora num campo ora noutro.
enquanto que, do ponto de vista da infor- Mas todos se auto-definem como jornalistas
mação, “Jornalismo é acima de tudo denún- uma vez que a profisssão é determinada pelo
cia e desmascaramento de escândalos, nego- diploma obtido nas faculdades de Comuni-
ciatas, imoralidades públicas”. Ou seja, o cação, Habilitação Jornalismo, registrado no
verdadeiro jornalismo é aquele investiga e Ministério do Trabalho e exigido pelas
denuncia, que aponta os males da sociedade, empresas para o exercício profissional. Mas
que cobra justiça. E o jornalista é aquele que nos últimos anos, por uma série de razões
sofre do síndrome de Clark Kent, o repórter que ainda estamos investigando, o campo do
do Planeta Diário, que, em caso de perigo jornalismo propriamente dito vem encolhen-
para a humanidade, veste sua capa esvoaçante do em detrimento do campo da comunicação
e se tranforma em Super Homem. É esta a (leia-se assessorias de comunicação, de
imagem que ainda povoa o imaginário dos empresas privadas ou instituições pública).
alunos matriculados nos primeiros anos da O pesquisador francês Erik Neveu5 de-
faculdade de Comunicação. bruçou-se sobre a questão das transforma-
270 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ções no jornalismo nos últimos 25 anos. Sua entre práticas historicamente separadas den-
intenção declarada é oferecer uma contribui- tro da comunicação.
ção que possa ser usada por pesquisadores Nosso cenário de estudo é a capital do
e jornalistas que desejam avançar nos jor- Brasil e nossos personagens são os jornalis-
nalismos nacionais. Para ele, a consequência tas e suas relações com o poder. O objetivo
possível de um jornalismo de mercado nada é desvendar como se operam estas relações
mais é que a disssolução da profissão jor- nas rotinas produtivas do jornalismo a partir
nalística em um amplo amálgama de profis- do conceito de “mídia das fontes6”. Ou seja,
sões na área de comunicação, ilustrado pelo como os órgãos institucionais dos Três
neologismo americano media-worker. Os Poderes interferem (ou tentam interferir) na
índices de tal evolução são perceptíveis no pauta das mídias convencionais para influ-
desaparecimento crescente das fronteiras entre enciar o”agenda-setting. Chamamos de
profissões ligadas à produção da notícias. A mídias convencionais aquelas de caráter
infomatização das redações contribuiu para comercial, tradicionais veículos de empresas
que os jornalistas asssumissem tarefas antes e redes de comunicação instaladas no mer-
reservadas a técnicos. A emergência de um cado para distinguir de mídia das fontes.
“jornalismo sentado” (trabalho limitado ao As instituições criaram seus próprios
tratamento de notícias de agências e”releases serviços de comunicação para falar com
distibuídos pelas assessorias de imprensa), o jornais, rádio, televisão, Internet. Segundo
uso do fax , do telefone e da internet, sem Sant’Anna7
precisar sair da redação, segundo Neveu, foi
determinante para reduzir a autonomia dos novos veículos informativos são
jornalistas diantes das fontes. Diluem-se as ofertados ao público por organizações
fronteiras clássicas entre as funções de fonte profissionais, sociais e inclusive do
e redator, como veremos na pesquisa de segmento público. São mídias
Francisco Sant’Anna sobre as “mídias das mantidas e administradas por atores
fontes”. O desenvolvimento de uma impren- sociais que até então desempenhavam
sa institucional (empresas, administrações, apenas o papel de fontes de informa-
órgãos públicos, ministérios, etc) tem pro- ção
vocado debates sobre a identidade profissi-
onal do jornalista. De acordo com Sant’Anna, a imprensa
Segundo os pesquisadores canadenses tradicionalmente vista como um espectador
Charon e Bonville (1996) estamos diante de externo aos fatos começa a perder a totali-
um fenômeno de emergência de uma nova dade do domínio da cena informativa e a
geração de “jornalistas de comunicação”. Ele opinião pública passa a contar com informa-
surge das lógicas comerciais e de uma ções coletadas, selecionadas, tratadas edito-
hiperconcorrência entre publicações, supor- rialmente e difundidas por entidades ou
tes e mensagens. Este novo profissional não movimentos sociais. Ou seja, corporações que
lida necessariamente com a “notícia quente”, possuem interesses corporativos. Para o
mas com matérias requentadas, informações- pesquisador, essa mídia também poderia se
serviço, conselhos e dicas de auto-ajuda. Não chamar “mídia corporativa”, um meio infor-
há compromisso com os fatos. Este jornalista mativo preocupado não apenas em transmitir
é apenas um intermediário, conselheiro a informações mas principalmente em ocupar
serviço dos mais dieversos públicos. Não a agenda mediática com o ponto de vista
estamos aqui falando de reportagem ou de setorial referente aos fatos gerais
jornalimso investigativo. Capital da República, Brasília é também
Trabalhamos com a hipótese do a capital do jornalismo pois tem a maior
embaralhamento do campo do jornalismo concentração de jornalistas per capita: 6500
(Bourdieu, 1983, 1997) que se fundamenta jornalistas para uma população de dois
sobre um conjunto de observações, mais ou milhões de habitantes, ou seja, um jornalista
menos compartilhados pelos profissionais e para cada 350 habitantes.8
certos estudiosos (Utard, 2003:66) sobre os Nosso objetivo é estudar as relações dos
fenômenos de porosidade e de contaminação atores nas rotinas produtivas do jornalismo
JORNALISMO 271

em Brasília no limite das fronteiras híbridas O campo jornalístico é importante no


dos campos e territórios: jornalista/assessor mundo social porque detém um monopólio
de imprensa /jornalista funcionário público, real sobre os instrumentos de produção e de
junto às esferas midiáticas governamentais difusão em grande escala dos acontecimen-
(Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário). tos suscetíveis de influenciar os demais
Também pretendemos observar o jornalista campos. O campo do jornalismo é um
como ator profissional cuja identidade pa- universo estruturado sobre oposições que são
rece menos estratificada e estável que no ao mesmo tempo objetivas e subjetivas, cada
passado, através de produtos cujos códigos jornal e cada jornalista ocupa um lugar numa
estão mais turvos, mais movediços e sem rede de estratégias
contornos definidos. No caso brasileiro, o campo do jornalis-
Na construção conceitual usamos a no- mo é institucionalizado e legitimado através
ção de campo de Bourdieu9 para analisar as de enquadramentos jurídicos (legislação tra-
interferências e hibridização verificada no balhista sobre o exercício do jornalismo,
campo do jornalismo que nos parece minado diploma universitário, lutas sindicais) e de
de interferências estranhas. As empresas regras pragmáticas, fruto das convenções
jornalísticas perderam o monopólio da pro- estabelecidas nas rotinas produtivas. Em
dução de notícias. As fontes criaram suas Brasília, onde um universo rico de centenas
próprias mídias e tentam interferir nas pautas de profissionais de alto nível, confundidos
da mídia convencional. E quando estas fontes em diversas categorias que se enlaçam e se
jorram do poder político estruturado que cruzam em fronteiras tênues na malha da
governa o país, os gêneros se embaralham, produção jornalística diária, podemos afirmar
as funções se subvertem, os desafios e jogos que eles partilham o mesmo campo.
de interesse tornam-se opacos e Para Bourdieu (1997; 30) o jornalista é
indistinguíveis para a sociedade. Não está uma entidade abstrata que não existe; o que
claro a quem pertence o capital simbólico existe são jornalistas diferentes segundo o
dos diferentes campos em atuação. Se para sexo, a idade, o nível de instrução, o jornal
Bourdieu o capital simbólico é superior aos o meio de informação. O mundo dos jorna-
demais por dar sentido ao mundo e transitar listas é um mundo dividido em que há
por todos os campos, a quem pertence o conflitos, concorrências, hostilidades, mas
“poder de fazer crer” ? As mídias das fontes para o pesquisador francês, na verdade, os
ou aos jornalistas da mídia convencional? E produtos jornalísticos são muito mais
se o poder de “fazer crer” do jornalismo está homogêneos do que se acredita.
diluído em diferentes formas de atividades, Bourdieu se refere às diferenças mais
do repórter de agência ao assessor de im- evidentes no mercado, ligadas sobretudo à
prensa, do jornalista de setor ao jornalista/ coloração política dos jornais que ocultam
funcionário aprovado em concurso público semelhanças profundas, ligadas em especial
que trabalha para o Estado, em quem acre- às restrições impostas pelas fontes e por toda
ditar? uma série de mecanismos, dos quais o mais
O poder de “fazer crer” está ligado a importante é a lógica da concorrência (o
imagem de credibilidade do jornalismo. E este monopólio uniformiza, a concorrência diver-
seria ainda o capital maior do campo do sifica).
jornalismo. Aparentemente todos os segmen- Daí a preocupação dos editores-chefes das
tos dos jornalismos praticados na esfera do sucursais em relação as mídias das fontes.
poder ou das empresas privadas reivindicam Como complemento e subsídio, “sim” elas
a credibilidade mas será que todos têm são aceitas, negociadas e até veiculadas pelas
legitimidade para isso? Embora a Câmara e mídias comerciais. Mas se elas pretendem
o Senado empreguem mais de 200 jornalis- substituir a pauta e o trabalho dos jornalistas
tas, oficialmente eles não recebem e deno- nas rotinas produtivas do poder, os jornais
minação de “jornalistas”. Segundo o Depar- dizem “não” embora admitam que utilizem
tamento de Pessoal eles são “analistas as notícias geradas pelas mídias das fontes
legislativos/ comunicação social”. para elaborar pautas e fazer matérias.
272 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

É através dos jornalistas que os políticos nasce com a transferência da capital federal
atingem a notoriedade pública . Ou seja, sem do Rio de Janeiro.
as mídias, não há visibilidade possível. E o Conforme Venício Lima, a concentração
que buscam as mídias das fontes, de insti- de jornalistas nas capitais, sede da burocra-
tuições públicas ou empresas privadas a não cia governamental, reforça a tendência geral,
ser dar visibilidade a seus atos nem sempre tanto profissional como administrativa do
percebidos de maneira espontânea pelos jornalismo, de se privilegiar as fontes ins-
gatekeepers? Evidente que quanto maior a titucionais e estáveis, isto é, as fontes ofi-
audiência das mídias, maior o efeito da ciais. No Brasil esta tendência foi ainda mais
visibilidade desejada. Sabemos que o campo reforçada durante os 21 anos de regime
do jornalismo está sob a pressão do campo militar, pois a centralização do poder e a
econômico por intermédio dos índices de censura direta ou indireta não deixava alter-
audiência. Mas este campo exerce também nativa para os jornalistas.
forte pressão sobre outros campos, principal- Em Brasilia sempre se fez um jornalismo
mente o campo político, onde nada se faz nacional pois no Distrito Federal concentram-
sem interesses e onde o oculto não existe. se as sucursais dos mais importantes jornais
A não ser que o oculto signifique prevari- do país que funcionam como um vetor de
cação. disseminação de fatos políticos diretamente
Estamos falando de jornais e nos concen- ligados às decisões do poder. Ainda que as
tramos nas sucursais dos grandes títulos do Rio redações das sucursais tenham “encolhido” nos
e São Paulo atuando em Brasília10. Mas nossas últimos dez anos, os profissionais das sucur-
entrevistas e a observação dos telejornais assim sais estão entre os mais bem pagos do país.
que dos sites de notícias confirmam esta hi- A legitimidade do jornalismo como cam-
pótese do alcance social dos atores em cena. po do saber dotado de reconhecimento para
atuar socialmente no sistema operacional no
Pesquisadores do jornalismo on-line já demons-
qual está envolvido tende a se deslocar para
traram diversas vezes o quanto às ações das
o campo do hibridismo comunicacional sem
fontes políticas são determinadas e
contornos nítidos. A extensão das competên-
determinantes em função do “tempo real”.
cias jornalísticas para a área da comunicação
Deputados podem mudar o voto nas comissões
institucional pretende substituir o trabalho
conforme o impacto de suas declarações
do jornalista convencional nas rotinas pro-
medidas na repercussão em tempo real.
dutivas da notícia. É neste espaço que se
O universo judiciário serve-se da mídia
legitimam formas de atuação e de influência
para fazer denúncias e provocar mudanças
sobre o fazer jornalístico, confiada a um
na relação de forças no interior de seu campo sistema de mediação instituciona-lizado.
(campo jurídico) e mexer nas hierarquias Segundo Martins,12
internas. Procuradores tornaram-se capas de
revista devido à denúncias de corrupção a organização de aparatos de mídia
através da mídia”11. para agendar a imprensa, coagi-la ou
O campo político se insinua no campo até substituí-la não é um fenômeno
do jornalismo particularmente pelo poder das novo, embora fosse típico de momen-
instâncias governamentais que tem o mono- tos históricos específicos. O que aqui
pólio da informação legítima (fontes ofici- temos em foco é a organização de
ais). Venício Lima (1993: 15) parte da hi- grandes aparatos de mediação,
pótese que existe uma particularidade na agendamento e advocacy num contex-
prática do jornalismo no Distrito Federal to democrático e para fazer face a
(DF), que tem “rotinas e subculturas própri- mudanças conjunturais.Os poderes
as” e um jornalismo que ele chama de político, econômico e público passa-
“oficial” conseqüência do fato singular de ram a necessitar de esquemas própri-
Brasília sediar os três poderes da República os e profissionalizados para ‘oferecer’
e de não ter tido representação política própria conteúdos às empresas privadas e
até a Constituição de 1988. O jornalismo de interferir diretamente na agenda-
Brasília nasce com a cidade que, por sua vez setting.
JORNALISMO 273

As atividades profissionais de comunica- rando um canal de rádio FM (educativo),


ção no Brasil, devido a um número elevado enquanto que o Poder Judiciário já tem o seu
de regulamentações, sofrem, do ponto de vista próprio canal de televisão. É preciso ressal-
legal, de limitações severas. Estas limitações tar que o programa radiofônico diário. A Voz
profissionais emanam de um modelo de do Brasil (uma hora por dia, entre 19h e 20h)
organização legal do mercado de trabalho é dividido em três partes, uma para cada
brasileiro que, no caso da Comunicação Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Social, deu origem a quatro carreiras distin- A Rádio Senado é transmitida nas
tas: jornalismo, publicidade, radialismo e freqüências FM e Ondas Curtas e atinge dois
relações públicas.13 milhões de ouvintes num raio de 150 km.
A condição profissional portanto é deter- Potencialmente, o seu público ouvinte está
minada pela formação acadêmica e não pelo estimado em 70 milhões de pessoas em todas
perfil do emprego. Desta forma, uma pessoa as regiões. O sinal da TV Senado encontra-
diplomada em Jornalismo pela universidade se disponível em duas bandas do satélite
será sempre jornalista ainda que exerça outra Brasilsat, cobrindo todo o território nacional
profissão. Esta característica, conjugada às e pode ser captada por três milhões de
funções específicas de cada uma das áreas assinantes das operadoras de TV via cabo
da comunicação social, faz com que uma e por oito milhões de parabólicas espalhadas
grande parte da oferta de trabalho nos setores por todo o Brasil. O Jornal do Senado tem
públicos (governos, administração, empresas uma tiragem de 58 mil exemplares e é
públicas ou privadas) seja reservada aos distribuído pelos Correios em 5.539 muni-
jornalistas cípios brasileiros. A Agência Senado de
O desenvolvimento das tecnologias de Notícias cobre as atividades da Casa, dis-
comunicação e o fortalecimento da ação das tribuindo o material para a Imprensa escrita,
principalmente através da Internet. Além do
assessorias de imprensa impõem a
conteúdo jornalístico, a Agência oferece
recontextualização do espaço de competên-
gratuitamente as fotos. No ano de 2002 foram
cias profissionais. O jornalismo é um destes
produzidas e distribuídas 5 375 notícias.
espaços, constituído como uma competência
especializada no campo das narrativas soci-
Radiobrás
ais (Bourdieu e Rodrigues). Produzido den-
tro de um sistema fortemente instituciona-
Com 1.150 funcionários, ao custo de R$
lizado, definido por uma legislação trabalhista
90 milhões por ano na Radiobrás, mais 75
específica e por uma formação acadêmica
profissionais no Palácio do Planalto e um
especializada, o jornalismo está migrando sistema de pronta resposta e de correção das
para um ambiente de mixagem de compe- notícias “equivocadas”, na Secretaria de
tências partilhado por diversos profissionais. Comunicação, o governo do PT adotou uma
nova estrutura de comunicação com preten-
As mídias das fontes sões que vão além do mero aperfeiçoamento
da máquina de divulgação oficial. Trata-se
O setor da comunicação institucional de um projeto montado para alcançar - com
representa hoje mais de 40% do mercado do noticiário oficial e gratuito - um público
jornalismo, estimado em 60 mil jornalistas estimado em cem milhões de pessoas em todo
com registro profissional.14 Apenas na Câ- o País. Esse noticiário chega a uma rede que
mara e no Senado estão mais de 200 jor- historicamente edita seus noticiários com base
nalistas. Sem contar os profissionais de na cobertura das agências de notícias priva-
publicidade e relações públicas que trabalham das, e é composta por mais de mil emissoras
para a Secretaria de Comunicação dos ór- de rádio e retransmissoras de TV e mais de
gãos (SECOM) e que, de certa forma, tem mil jornais. Nos 60 municípios com mais de
impacto na produção das pautas assimiladas 200 mil habitantes, esses distribuidores de
pelas mídias. informação já começaram a receber do
Recentemente, as Forças Armadas entra- governo, gratuitamente, receptores de notí-
ram no ramo da Comunicação Social, inaugu- cias via satélite.
274 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Fonte: O Estado de S. Paulo - 14/09/2003

Segundo o presidente da Radiobrás, ela deveria se ater às notícias do


Eugênio Bucci, a intenção da estatal não é governo. Sua missão é divulgar o
disputar mercado com as agências privadas governo fornecendo matéria gratuita
nem assumir o controle da comunicação no para todos os interessados. O que a
País. “A Radiobrás pode desempenhar papel Radiobrás faz é dumping de Estado.
importante, pelas rádios, pela agência, e A Radiobrás faz concorrência desleal
fornecendo material jornalístico gratuitamente principalmente na área de produção
para os veículos comerciais”. de imagens.

Nas redacões das sucursais Embora Bosco critique o sistema da


Radiobrás e agências oficiais ele admite que
Segundo João Bosco, diretor da sucursal o Grupo Estado mantém parceria com elas.
do jornal O Estado de S. Paulo em Brasília, Atualmente a agência Estado, que atende
a produção das mídias das fontes não tem uma 74% do mercado de informação no Brasil,
relação direta de causa e efeito com a pro- distribui notícias produzidas pelas mídias das
dução jornalística convencional das redações. fontes mediante contrato remunerado. Ou
“As grandes estruturas jornalísticas tem seus seja, as agências oficiais pagam para serem
quadros próprios e utilizam matérias próprias. veiculadas pela maior agência de notícias
As mídias das fontes apenas potencializam comercial. Uma ressalva: os clientes são
as pautas governamentais”. Bosco afirma que advertidos que estão lendo notícias de agên-
é uma tentativa recorrente de todos os gover- cias institucionais. O importante é não con-
nos de utilizar os veículos oficiais, principal- fundir, salienta Bosco deixando claro, em-
mente a Radiobrás para interferir na pauta da bora indiretamente, que a mídia comercial
mídia convencional. Ele considera isso nor- não questiona o direito à existência das mídias
mal desde que o governo não tente ultrapassar das fontes. O que está em questão é a
a fronteira do proibido para querer funcionar concorrência.
como concorrente das mídias. Porque, na sua Pelas entrevistas realizadas e ainda não
opinião, o governo quer fazer jornalismo com computadas metodologicamente, as mídias
o dinheiro público. E usar o dinheiro do convencionais temem pela disputa no es-
contribuinte para isso é ilegal. Bosco se refere paço comercial, ou seja, pela busca do cli-
a política editorial da Radiobrás dirigida por ente. A partir do momento em que a Radiobrás
Eugênio Bucci desde o inicio do governo do instala satélites e equipamentos em todos
Partido dos Trabalhadores (PT), que pretende os municípios com mais de 200 mil habi-
cobrir todas as áreas dos acontecimentos tantes para divulgar notícias gratuitamente
midiáticos, da política ao esporte. está tomando o lugar dos grupos privados
.Um consenso nas redações aponta para uma
Não é normal que a Radiobrás cubra ênfase excessiva no poder. Ricardo Setti15 fala
o treino do Flamengo aos domingos, de uma centena de itens de pauta por dia.
JORNALISMO 275

Quando era editor-chefe do “Estadão” entre a autonomia necessária para praticar o jor-
1990-1992, ele contabilizou, durante três nalismo. Assim entende ainda um julgado do
meses, as pautas que de alguma forma tinham TST [“Assessor de imprensa não exerce
origem no poder ou se destinavam a cobrir atividades típicas de jornalismo...” (Acórdão
alguma de suas múltiplas manifestações e nº 261412 de 15/05/1998, 3ª Turma; relator:
concluiu que 67% das pautas eram assuntos Ministro Antônio Fábio Ribeiro)] que já vem
oficiais: Presidência da República, Minis- orientando a atuação de advogados trabalhis-
térios, Congresso Nacional, Banco Central, tas.
Tribunais, etc. Deixando de lados as inúmeras definições
de jornalismo consagradas, vamos simplifi-
A transição e a hibridação car e dizer que jornalismo é investigativo
e produz notícias para o público consumidor
A migração de jornalistas para o setor das dos veículos comerciais enquanto que o
assessorias e a atração pelos concursos assessor de imprensa produz pautas, na forma
públicos pode ser explicada, em parte, pela de press releases ou não, decorrentes de uma
crise das empresas, quase todas endividadas atividade muito complexa mas pode ser
e pela precariedade das condições de traba- resumida como um trabalho que consiste em
lho oferecidas nas redações. ajudar o cliente a discernir o que é notícia
Diante de jornadas produtivas que se ou não e a se relacionar com a imprensa.
estendem até doze horas, do achatamento dos Segundo Barbara Hartz17, vem daí boa
salários, das falta de contratos estáveis com parte da confusão. A tradição cultural advinda
carteira assinada ( as empresas estão prefe- da formação e alimentada pela continuidade
rindo contratar pessoas jurídicas em vez de da convivência no meio traduz-se, em alguns
pessoas físicas) os jornalistas profissionais, casos, em um orgulho de pertencer à cate-
dos jovens recém formados aos veteranos goria. Em outros, a origem pode servir como
cansados, todos correm para as funções barganha para valorizar-se junto ao cliente.
públicas. Neste momento de transição e E, talvez em alguns, as duas hipóteses es-
migração, torna-se necessária uma investiga- tejam misturadas. Fora o subjetivismo, ela
ção no campo acadêmico sobre os acredita que os sindicatos de jornalistas
tangenciamentos que atingem o jornalismo aumentam a confusão ao querer manter entre
enquanto profissão historicamente construída seus associados os dois tipos de profissio-
em conseqüência das transformações que vem nais.
se produzindo no campo do jornalismo e que Mas devemos a Philip Schlesinger (1992)
vem afetando o status e a identidade do o questionamento da idéia do
jornalista. “midiacentrismo” dos estudos centralizados
O novo jornalista é um profissional sobre visão do jornalista como único prota-
híbrido com perfil de camaleão, ora identi- gonista ativo da produção de informações.
ficado com as rotinas da redação, ora como Schlesinger convida a refletir sobre a
assessor de imprensa, ora como jornalista/ profissionalização das fontes e a capacidade
funcionário. Também pode estar “produzin- destas em desenvolver uma racionalidade
do conteúdos” para um”site na Internet, numa estratégica baseada sobre a antecipação das
empresa privada, numa ONG ou atuando no rotinas e das práticas jornalísticas para for-
contexto da “advocacia” de causas públicas necer material “pronto-a-publicar”.
e/ou sócio-humanitárias. Sant’Anna acredita que a atual situação
Talvez nem exerça mais funções típicas pode ser explicada pelo critério de “mutação
do jornalismo (cobertura, redação, edição e social, uma transformação de perfis e espa-
editoração), mas tenha-se tornado um pro- ços profissionais provocadas por conjunturas
fissional de alto nível e bem remunerado, cuja sócio, econômicas e culturais.”
especialidade é a de ser um ‘articulador’ junto Esta mutação, segundo Sant’Anna, deve
à imprensa. ser apreciada a partir do conceito de fron-
O jornalista Ricardo Noblat16, voltou a teiras, importado por Ruellan ( 2000; 95) da
alimentar polêmica ao afirmar assessor de Geografia e aplicado na análise do processo
imprensa não é jornalista porque não possui de ocupação agrícola e urbana na Amazônia
276 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

brasileira. Num espaço profissional saturado, dentro do campo do jornalismo e das re-
seria normal que os profissionais afetados lações turvas com o campo político orques-
procurassem terras virgens e expandissem o tradas pelas mídias das fontes. Para garan-
território de suas fronteiras ocupacionais. A tir o capital da credibilidade, o bem maior
fronteira, explica o autor, não é um limite do jornalismo, há que se questionar o
formal de um território de um grupo social, princípio da legitimidade dos geradores de
mas sim um espaço novo a ser ocupado e notícias dos Três Poderes. Afinal, o jor-
conquistado. “O nascimento de uma profis- nalista é o mediador do espaço público
são e seu reconhecimento pela coletividade revisitado por Wolton ( 1997: 380) pois ele
deve-se, em primeiro lugar, à sua capacidade tem circulação privilegiada em todos os
de definir um território.”. espaços: o espaço comum (circulação e
As considerações tecidas neste artigo expressão); espaço público (discussão) e
não esgotam o assunto. A pesquisa está em espaço político (decisão). O jornalista está,
desenvolvimento e não podemos avançar portanto, na passagem do espaço comum
conclusões. Mas insistimos na hipótese da ao espaço público e do espaço público ao
hibridização das categorias profissionais espaço político.
JORNALISMO 277

7
Bibliografia «Mídias das Fontes» - O difusor do jorna-
lismo corporativo (texto de tese em elaboração),
Berger, Christa. Campos em Confronto 2004
8
É quase impossivel informar com exatidão
: a terra e o texto., Porto Alegre: Editora da
quantos jornalistas estão em efetivo funcionamen-
Universidade, 1998 to. Pelos números do Sindicato,de Jornalistas em
Bourdieu, Pierre. Sobre a televisão. Rio 25/03/04 foram emitidos no Distrito Federal:
de Janeiro, Jorge Zahar,1997 3.500 registros para jornalista profissional (registro
——————— , Pierre. O campo ci- plenipotenciário) 476 para jornalista -repórter-
entífico. In:ORTIZ,Renato. Pierre Bourdieu. fotográfico, 241 para jornalista repórter-cinema-
São Paulo:Ática,1983 tográfico, 224 para jornalistas diagramadores e 80
Lima, Venício. A Imprensa em Brasília. para jornalistas ilustradores. Total 4.521 registros
In Jornalismo de Brasília, Impressões e emitidos no DF. Pelos menos uns 2 mil a 2,5 mil
profissionais com registro de fora estão no DF.
Vivências. Sindicato dos Jornalistas do DF,
O que dá um total de 6 500 jornalistas
Brasilia, 1993 registrados.Calcula-se que é o elevado número de
Marcondes Filho, Ciro. A Saga dos cães jornalistas que passam a atuar no mercado sem
perdidos. São Paulo, Hacker,2000 qualquer vinculo com o sindicato: free-lancer,
NEVEU,Erik. Sociologie du Journalisme. cooperativa, pessoa jurídica etc, metade da ca-
Paris, 2001. Ed. La Découverte tegoria trabalha para o setor extra-redação.
9
Ruellan, Denis, Le professionnalisme du Segundo Bourdieu com a noção de campo
flou – identité et savoire-faire des journalistes obtem-se o meio de apreender a particularidade
na generalidade, a generalidade na particularida-
français, Grenoble, PUG, 1993
de.
Schleisinger, Philip, Repenser la 10
Sucursais dos jornais: O Estado de S. Paulo;
sociologie du journalisme. Les stratégies de Folha de S.Paulo n; O Globo; Jornal do Brasil
la source d’information et les limites du 11
Revista Época, 25/03/2002, edição 201, traz
médiacentrisme’– Réseaux n° 51, 1992 p. 75- na capa as fotos dos procuradores Mário Lúcio
99 de Avelar, José Roberto Santoro, Luis Francisco
Utard, Jean Michel. O embaralhamento de Sousa e Guilherme Schelb. Título: Caça
nos gêneros midiáticos. Gênero de discurso corruptos.
12
como conceito interdisciplinar para o estudo Martins da Silva, Luis -Texto distribuído
em aula como parte da pesquisa geral sobre
das transformações da informação midiática.
« Jornalismo Híbrido».
In Comunicação e Espaço Público. Ano VI 13
Foi aprovado recentemente, por unanimi-
Brasilia: UnB,2003 dade, pela Comissão de Trabalho e Ação Social
da Câmara dos Deputados, o projeto de lei que
atualiza a regulamentação dos jornalistas. O projeto
_______________________________ é uma iniciativa Federação Nacional de Jornalis-
1
UnB. tas (Fenaj) e estava tramitando na Câmara desde
2
MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos 1995. No início de 2003, foi reapresentado. O
cães perdidos. São Paulo, Hacker-Editores, 2000, projeto de lei 708/03 segue agora para a Comis-
col. Comunicação & Jornalismo. Martins da Silva, são de Constituição e Justiça e, se for aprovado,
Luis -Texto distribuído em aula como parte da para o Senado Federal. O projeto atualiza várias
pesquisa geral sobre « Jornalismo Híbrido ». funções jornalísticas não incluídas na legislação
4
UTARD, Jean Michel. O embaralhamento em vigor, como a função do assessor de imprensa
14
nos gêneros midiáticos. Gênero de discurso como Dados do Sindicato de Jornalistas Profis-
conceito interdisciplinar para o estudo das trans- sionais do Distrito Federal em 2000.
15
formações da informação midiática. - Comuni- www.observatoriodaimprensa.org.br (2/10/
cação e Espaço Público. Ano VI Brasilia: 2004)
16
UnB,2003 Artigo publicado pela revista Comunicação
5
NEVEU, Erik. Sociologie du Journalisme. Empresarial, da Aberje, e pelo portal Comunique-
Paris, 2001. Ed. La Découverte se,
6 17
Termo cunhado pelo pesquisador Francisco Jornalista e diretora da Hartz –– artigo
Sant’Anna que realiza tese de doutorado sob a «Comunicação Corporativa» publicado no site do
orientação de Denis Ruellan ( Rennes 1, França) Observatório da Imprensa em 2/07/2003.
e da autora deste trabalho. www.observatoriodaimprensa.org.br
278 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 279

Capítulo II

COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
280 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 281

Apresentação
Vítor Reia-Baptista1

As sessões temáticas sobre Comunicação De igual modo, merece referência o


e Educação têm marcado presença, por direito trabalho de congregação investigacional e
próprio, em todos os congressos, conferên- editorial que tem sido levado a cabo pelo
cias, jornadas e encontros de maior dimen- Grupo Comunicar da Universidade Huelva,
são sobre as Ciências da Comunicação que dirigido por José Ignacio Aguaded Gómez,
se têm realizado nos últimos anos, pelo menos cujas iniciativas de sistematização e de
em âmbitos de expressão portuguesa e his- estabelecimento de diálogos luso-hispânicos
pânica. Assim sendo, não causará grande nesta área ficaram bem patentes no Congres-
surpresa a constatação de um crescente so Iberoamericano de Comunicación y
número de abordagens reflexivas, críticas e Educación, em Huelva (Aguaded, 2003).
investigacionais sobre os fenómenos que Outras iniciativas afins podem ser encon-
caracterizam o cruzamento dos campos tradas em contextos um pouco mais dispersos,
comunicativo e educativo, à semelhança do tais como os de algumas secções temáticas
que já se verificava noutros contextos trans- no seio de portais e de directórios que tocam
versais de estudo e de investigação em torno de algum modo estas matérias, como é, por
dos problemas da comunicação, designada- exemplo, o caso da Biblioteca On-line das
Ciências da Comunicação (BOCC) e do portal
mente nos países do norte da Europa e da
INFOAMERICA.
América.
Por fim, devem ser referenciadas também
É seguramente difícil e talvez até algo
algumas tentativas de inserção curricular das
arriscado tentar fazer uma sistematização
matérias mais marcantes da intersecção dos
exacta e exaustiva dos estados da arte e da
sectores da comunicação e da educação no
ciência de expressão luso-hispânica nesta área
âmbito de programas de formação inicial, de
do conhecimento, tal a enorme abrangência
investigação e pós graduação em Ciências da
de matérias e de problemáticas que nela se Comunicação em vários cursos e programas
cruzam, mas sobretudo em função da grande de diferentes escolas e universidades, dos
diversidade de perspectivas de enfoque, de quais, sem qualquer pretensão de
pressupostos teóricos e de metodologias de representatividade ou exaustão, se podem
análise que se desenvolvem nesta área. No referir a mero título de exemplo, os casos
entanto, já existem alguns trabalhos que, das universidades Autónoma de Barcelona,
nesse sentido, têm tentado cartografar e de Sevilha, do Minho, do Algarve e o ISCTE,
indicar alguns dos principais pontos de entre tantas outras que oferecem programas
referência a tomar em consideração para específicos de formação em áreas coinciden-
quem se queira orientar nestas matérias da tes com o sector de intersecção entre a
Comunicação, da Educação, dos Media e das comunicação, a educação e os media, ou as
sua mediações entre campos. suas dimensões pedagógicas.
Neste contexto, uma das principais ten- De todas estas abordagens, fica bem claro
tativas de enunciação sistematizada e coe- que a diversidade de perspectivas e de
rente dos trabalhos que têm procurado cruzar abordagens é inevitável, no entanto, a na-
perspectivas comunicativas e educacionais é tureza dessa diversidade é, em si, um factor
a que foi elaborada por Manuel Pinto para de enriquecimento cognitivo que não deve-
a Revista Ibero-Americana de Educação mos descurar de modo algum. É nesse sentido
editada pela Organização de Estados que propomos as abordagens que constituem
Iberoamericanos (Pinto, 2003). esta sessão temática.
282 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia ção, nº 32, OEI, http://www.campusoei. org/


revista/rie32a06.htm
Aguaded, José I. (Dir.), 2003, Luces en
el Laberinto Audiovisual, Libro de Actas do BOCC
Congresso Iberoamericano de Comunicación http://bocc.ubi.pt
y Educación, Grupo Comunicar, Huelva.
Pinto, Manuel, 2003, ‘Correntes da INFOAMERICA
educação para os media em Portugal: retros- http://www.infoamerica.org/
pectiva e horizontes em tempos de mudan-
_______________________________
ça’, em Revista Ibero-Americana de Educa- 1
Universidade do Algarve.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 283

Desenho animado e formação moral:


Influências sobre crianças dos 4 aos 8 anos de idade
Ana Lúcia Sanguêdo Boynard

Introdução dos reproduzem temores que fazem parte do


imaginário infantil de todos os tempos; os
Tivemos como objetivo identificar a temas abordados permitem a intervenção no
compreensão das crianças sobre o significa- real e trânsito pelo imaginário, propiciando
do dos conceitos de bom-mau, bem-mal, a inserção reflexiva da criança naquilo que
certo-errado; verificar a opinião de pais e a vida social aponta como comportamento
responsáveis sobre a influência dos desenhos aceitável; os personagens dos desenhos
animados no comportamento de suas crian- animados estudados, reproduzem comporta-
ças; avaliar se os temas presentes nos de- mentos arquetípicos similares aos que em
senhos feitos para crianças, de fato favore- tempos anteriores eram apresentados nos
cem uma visão acrítica da realidade, a falta personagens de história de fadas.
de valores, sentido para a vida, embotamento O indivíduo-criança no período de seus
de competências para prática da vida adulta. 04 a 08 anos, relaciona-se com o mundo a
Buscou-se aqui aplicar alguns conceitos partir de seu corpo. Surge primeiro um
da midiologia subliminar a desenhos anima- sistema de percepção, capaz de construir
dos cujos efeitos neurofisiológicos possam significações-resultado do relacionamento
ser mensurados, concentrando-se na obser- entre situações que vão permitir construir
vação da signagem subliminar, suas relações conhecimentos. E este sistema de percepção
semânticas e contextuais e possíveis contri- emerge da caleidoscópica relação entre
buições positivas e/ou negativas na adoção poucas regras que já identificou (emanadas
de comportamentos e formação de valores dos adultos que o rodeiam), os gostos que
e atitudes em indivíduos na faixa etária de vai aprendendo em sim mesmo, e a enor-
04 a 08 anos através das interpretações midade de situações que ainda não compre-
apresentadas para o processo virtual, ende. Então, nesta fase destaca-se tudo que
semiótico, midiático da sociedade tecnológica favoreça os sentidos, quer seja uma circuns-
e os efeitos de uma idéia-mensagem sobre tância aterrorizante quer seja um gozo. A
as massas de telespectadores muito jovens, liberdade possível ao telespectador em geral
concentrando-se na investigação da informa- refere-se à diversidade cultural, visões de
ção propagada e na indução de comporta- mundo, diferenças de classes sociais, ou
mento através da mediação da memória. mesmo uma escala mais abrangente, dos
Considerando a reduzida literatura dispo- processos civilizatórios para cada sociedade.
nível, TUGENDHAT foi fundamental na busca Especificamente, no caso da criança, este
da escolha de um eixo ético-moral, necessário estudo busca fundamentar a afirmação de que
para a reflexão sobre o aspecto da liberdade tal qual os contos de fada de antigamente,
possível, que perpassa esse estudo. Foram os desenhos animados da TV, pública ou
preciosos BENJAMIN, PACHECO, FUSARI, privada, devem ser considerados como ins-
DRUMOND DE ANDRADE, MUNIZ trumentos de enorme importância na forma-
SODRÉ, SARTRE, PIAGET, HUME, ção moral. Primeiro por facilitar o desenvol-
DELEUZE, CARNEIRO LEÃO, entre inúme- vimento da personalidade e estimular um
ros outros na elaboração do presente estudo. canal sadio na resolução dos problemas
cotidianos. Depois, como forma de avaliação
Síntese do conceito de moral utilizado e análise dos conteúdos que transmitem. Em
seguida, por obrigar a formação de novos
Destacamos como hipótese de estudo que modos de compreender. Tudo isto, através da
os semas trabalhados pelos desenhos anima- identificação com personagens de desenhos
284 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

animados que notadamente reproduzem em para que servissem de base para estabelecer
seus comportamentos, características o enfoque sobre o assunto, atentos a três
emblemáticas, mesmo que simplistas de bom conceitos básicos: Infância, atividade lúdica
e mau, certo e errado, mal e bem. Esta e imaginário infantil.
dicotomia, repetida exaustivamente, episódio A metodologia empregada consistiu na
após episódio, não é enfastiante para crian- pesquisa de campo aplicada acerca dos
ças de faixa de 04 a 08 anos. Antes, são desenhos animados japoneses – DIGIMON
reconfortantes e predominantemente /POKÉMON /DRAGON BALL Z/ MENI-
prazeirosas. Como nos disse Andressa (seis NAS SUPERPODEROSAS /SAKURA
anos, fã de Dragon Ball Z): A gente aprende CARD CAPTOR- apoiada na metodologia
a lutar para defender o bem, tia, bem na antropológica da observação participante, na
linha de conduta aprovada pela sociedade. qual crianças de quatro até oito anos, em três
grupos de sessenta elementos cada,
A metodologia empregada totalizando inicialmente cento e oitenta
pesquisados, reduzidos afinal para quarenta
Tivemos como principais objetivos iden- e quatro, constituídos de representantes de
tificar a compreensão das crianças sobre o segmentos sócio-econômicos distintos, bem
significado dos conceitos de bom-mau, bem- como seus pais e responsáveis, também
mal, certo-errado; verificar a opinião de pais colaboraram respondendo a questionários e
e responsáveis sobre a influência de dese- dando entrevistas.
nhos animados no comportamento das cri-
anças; avaliar se os temas presentes nos Elaboração da amostra e perfil dos entre-
desenhos feitos para crianças favorecem uma vistados
visão crítica da realidade, a falta de valores,
sentido para a vida e embotamento de com- A pesquisa aplicada no Município de
petências para prática da vida adulta. Campos dos Goytacazes no período compre-
O estudo centrou-se no reconhecimento endido entre 2ª quinzena de Junho de 2000
e na identificação do impacto da caracterís- a 1ª quinzena de Dezembro de 2001 cons-
tica dos enredos e personagens do imaginá- tituiu-se inicialmente na aplicação de 180
rio infantil e talvez em atividades lúdicas tais formulários, 108 para meninas e 72 para
como diversão, lazer, fantasia, competição, meninos, dos quais 51 foram devolvidos
aventuras contidas nas séries selecionadas e incompletos e inutilizados e 63 foram des-
suas possíveis influências na formação moral cartados porque as crianças não assistiam
de crianças. De acordo com as fases da análise nenhuma das séries investigadas. Restaram
de conteúdo, a pesquisa foi organizada em 44 formulários servíveis, sendo o público-
etapas: pré-análise, exploração do material e alvo trabalhado dividido em 15 meninas e
interpretação dos resultados obtidos. 29 meninos e seus pais, respectivamente,
A pré-análise constituiu-se primeiramen- sendo trabalhadas as seguintes hipóteses:
te no contato com as séries, para conhecer a) Identificação do tipo de compreensão
suas histórias, enredos e personagens, a fim que os responsáveis por estas crianças de-
de compor um perfil psicológico mesmo que monstram, com relação aos efeitos que a
tosco: entre Janeiro e Novembro de 2001 programação televisiva e particularmente os
foram assistidos seiscentos episódios, de até chamados desenhos animados japoneses
quatro séries diferentes por dia, com duração provocam no comportamento das mesmas;
média de trinta minutos, resultando numa b) Verificação da existência de evidên-
síntese que permitiu a comparação de enre- cias, além de simplesmente circunstanciais,
dos, características dos personagens e elemen- sobre a nocividade do desenho animado,
tos perenes em cada série. destacadamente os japoneses, no estabeleci-
Em seguida, realizamos um levantamen- mento de conduta de crianças;
to de dados bibliográficos com base histórica c) Elaboração do perfil dos personagens
e contemporânea, bem como, materiais re- mais “queridos” e da influência que possam
percutidos e informativos das séries, encon- exercer, pelas razões que os tornam prefe-
trados em livros, jornais, revistas, internet, ridos.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 285

Pelo método utilizado, admite-se margem dar tratamento ao segundo questionário,


de erro em torno de 5%. Este percentual se quando então, anotaria as respostas das
refere tanto à manipulação e análise dos dados crianças, no caso das mesmas não estarem
para tabulação como, também, em função da em condição de alfabetização que as permi-
necessária intermediação de pais ou respon- tisse responder sozinhas.
sáveis.
Importante ressaltar que o trabalho rea- Novas crianças – seres multitarefas
lizado teve por objeto de análise dois grupos
de crianças cujas realidades sócio-econômicas Inicialmente, é de se registrar a mudança
são completamente distintas. No primeiro no perfil das crianças dos nossos dias, prin-
contamos com a colaboração da coordenação cipalmente no que concerne à capacidade de
geral do Projeto Recreando (PR), desenvol- desenvolver uma série de atividades
vido em Campos dos Goytacazes – RJ, de concomitantemente, o que nos permite cons-
iniciativa da Fundação Estadual do Norte tatar de forma consciente uma situação que
Fluminense – FENORTE, cujo objetivo é o poderíamos chamar de encontro com um ser
resgate de cidadania de crianças com idades multitarefa1 já desde os primeiros anos de
variadas na faixa de sete até quatorze anos, vida. Fazer várias coisas ao mesmo tempo
oriundas de comunidades instaladas em áre- tornou-se naturalmente uma exigência do
as invadidas (favelas) e bairros de baixa mundo adulto após os anos quarenta, acom-
renda. A autorização para que parte destas panhando a aceleração do fazer coisas no
crianças participasse da pesquisa resultou na mundo que a disponibilização de tecnologias
aplicação de noventa questionários e contou modernas permitia, exigia. O que se passou
com a atuação de uma assistente social, dois a fazer naturalmente, respondendo aos
professores de atividades esportivas e dois incontáveis estímulos externos, tornara-se
monitores, todos da própria instituição.
possível na medida em que as experiências
O segundo grupo de crianças consiste em
propostas pelas novas tecnologias impactaram
alunos da Escola Infantil do Centro Educa-
o pensamento e novas formas de pensar,
cional Nossa Senhora Auxiliadora, com idade
produzindo a possibilidade de procedimen-
compreendida entre quatro e sete anos de
tos novos com características tais como
idade, grupo este formado por alunos de
velocidade crescente, não-linearidade,
escola tradicionalmente freqüentada pela elite
interatividade, multiplicidade. Segundo
econômica da região, com as mais altas
JAMES GLEICK:
mensalidades praticadas na cidade, oferecen-
do desde os primeiros períodos, cursos
complementares de língua estrangeira, Hoje em dia é possível dirigir, comer,
informática, teatro-dança, ginástica olímpica, ouvir um livro e falar ao telefone, tudo
bem como todas as demais atividades espor- de uma vez, se você tiver coragem...
tivas convencionais. Trabalhamos com qua- somos conhecedores multitarefas –
tro turmas de vinte e três alunos em média especialistas em aglomerar, pressio-
e nenhuma com número superior a vinte e nar, comprimir e sobrepor afazeres
quatro alunos. distintos em nossos momentos
Os formulários distribuídos eram cons- finitos2...
tituídos de dois questionários: o primeiro, Na medida em que a televisão ganhou
dirigido aos pais ou responsáveis, investiga- vividez e clareza, perdeu a autorida-
va as condições sócio-econômicas da família de sobre nosso primeiro plano... foi
na primeira parte e o grau de informação derrubada de seu pedestal pela
detida pelos pais com referência aos hábitos atividade tranqüila, rápida, fluida e
e preferências das suas crianças enquanto intrinsecamente multitarefa de nave-
telespectadoras. Este questionário carregava gar na Internet... a Web e a televisão
a informação de que era a pesquisa, quais complementam-se à perfeição... esta
os seus objetivos, pedia colaboração e so- se encaixa perfeitamente nos espaços
licitava que fosse preenchido sem o auxílio criados pelo download de páginas na
das crianças e, por isto mesmo, antes de se web3.
286 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Interpretação da opinião e percepção dos que tenham ocorrido adulterações intencio-


pais e responsáveis nais na primeira situação, mas acreditamos
que as crianças de sete e oito anos, que
A partir dos resultados da pesquisa apli- responderam sozinhas, em alguns itens o
cada junto aos pais e responsáveis, conclu- fizeram utilizando frases ouvidas de adultos
ímos que existe um entendimento ambíguo que compõem seu cotidiano. Nesta possibi-
com relação a televisão e a influência que lidade trabalhamos com identificação da
esta exerce sobre as crianças. escolha de termos que não fazem parte do
Observamos que os pais estão cientes de cotidiano de crianças destas idades e que
que há um entendimento no ar, que tenta fazer foram utilizadas, principalmente quando cabia
crer (com sucesso, segundo constatamos) que dar uma opinião; observamos também que
cenas de violência na televisão, acabarão por volta desta idade (sete/oito anos) as
motivando a produção de atos violentos na respostas apresentam com maior clareza,
sociedade. Cientes disto, mas meio desatentos mesmo que de forma rudimentar, a dicotomia
ao resto do cenário, acabaram por acreditar bom x mau, certo x errado, com o reconhe-
que esta seria uma equação automática: o cimento do que seria a expectativa da famí-
discurso do meio de comunicação é de vi- lia, da professora, do amigo.
olência, o telespectador irá se identificar com Outra constatação surpreendente foi o fato
ele (sic) e ato contínuo, sairá por aí praticando de crianças de quatro, cinco e seis anos,
ações semelhantes. Mas a impressão que referenciadas por condições socio-econômicas
restou, foi de que os pais pensam que esta distintas, não terem apresentado diferenças
é uma possibilidade nos filhos dos outros. significativas em suas respostas e porquês.
Solicitamos a emitir opinião sobre os A pré-noção que utilizávamos reconhecia a
efeitos da TV sobre seus filhos, 48% dos pais existência de características individuais, além
manifestaram-se, destes uma mãe diz sentir de sociais e ambientais, que concorressem
o quanto são nocivas as suas representações para moldar a personalidade ou definir
do mundo e que sabe que medidas são comportamentos, sobretudo na qualidade dos
necessárias, mas não sabe quais; outra acha relacionamentos humanos. Nossa pesquisa
que as idéias de que a força sempre vence não corroborou esta tese, pelo menos não em
é ruim para a criança, mas este entendimento relação ao sentido atribuído por crianças de
demonstra que ela entendeu menos do que quatro a seis anos. Chama atenção o fato de
as crianças o enredo dos desenhos, pois parou crianças em ambientes sócio-econômicos tão
no aparente e deu-se por satisfeita; a grande distintos terem a mesma percepção dos
maioria entretanto não está em pânico. Aliás personagens, amando e detestando os mes-
não está mesmo pois os outros pais sequer mos personagens e pelas mesmas razões.
emitiram opinião, ou seja, 52% deixaram em Há um mecanismo psíquico conhecido
branco esta resposta. como mecanismo de identificação que cor-
responde às experiências infantis que propor-
Interpretação das manifestações do públi- cionarão a matéria-prima para a construção
co infantil do indivíduo adulto. Os êxitos e as falhas
no desenvolvimento da criança estão na
A primeira constatação foi resultante do origem do caráter adulto. Assim, dependen-
fato de que as crianças alfabéticas apresen- do de quais estímulos a criança recebeu,
taram respostas mais ordenadas do que as combinados com suas condições genéticas,
crianças já alfabetizadas. Isto foi considera- o resultado será um adulto qualitativamente
do como conseqüência do fato dos pais e mais saudável ou não. Com esta premissa,
responsáveis pelas primeiras, por atuarem na atribuímos previamente à televisão um papel
intermediação e preenchimento dos formu- de destaque, uma vez que a exposição de
lários, acabaram acrescentando uma dose de crianças aos estímulos e à influência dos
tradução às respostas originais; por outro meios de comunicação, especialmente os
lado, as crianças já em condição de ler e eletrônicos, produzem modelos de adultos –
escrever, provavelmente ficaram mais livres pais, professores e outros heróis – com os
para responder. Entretanto, não acreditamos quais a criança se identifica e que poderiam
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 287

impactar seu psiquismo. Nesta equação, sobre as cenas que mais gostam, usaram
erramos ao atribuir peso acima do necessário diferentes maneiras para responder que eram
ou devido ao ambiente material e economi- aquelas em que o bem vencia o mal, nas que
camente constituído para desfrute das crian- ocorriam lutas bem perigosas, ou onde havia
ças partícipes deste estudo que estivessem magia. Totalizando 71% das crianças, e
na faixa de quatro até seis anos. mesmo sobre as demais opções não apontam
A seguir, constatamos que 43% das cri- nada que contradiga seus pais quando estes
anças passam quantidades de tempo diário em afirmam que não há traço de agressividade,
contato com a televisão, iguais ou maiores do diferente do normal em seus filhos. Em
que as quantidades de tempo diário com os seguida, perguntamos o que deveria aconte-
pais ou professores. Isto só confirma a rea- cer com o personagem mau; 52% das cri-
lidade de que pela estrutura do mundo anças responderam em uma única palavra:
moderno, a criança passa muito mais tempo morrer; 7% declararam que deveria se
na companhia de personagens da televisão do machucar muito, muito mesmo; e outros 7%
que com a família ou na escola; segundo acham que uma boa punição seria sair do
inúmeros artigos, científicos ou não, milhões desenho, sair da televisão.
de crianças, em todo o mundo, substituem a Na questão seguinte, 50% das crianças
ausência familiar e compensam a solidão pela dizem que personagem não pode morrer de
companhia de uma tela colorida, ágil, múl- verdade, só de brincadeira, que vida real é
tipla, presente, disponível. Os modelos de diferente de desenho, que é tudo mentira e
identificação acabam surgindo desse conjunto no outro desenho ele volta, só pode morrer
de influências. Suponhamos que quanto menor de mentirinha, é só uma filmagem e outras
a criança mais influência sofreria e mais respostas na mesmo linha. Isto nos pareceu
suscetível seria de encontrar um herói nefasto, bem adequado até nos preocuparmos com a
violento ou mau caráter, para seguir como familiarização do termo morte.
modelo, considerando os exemplos de desres- Acreditamos nas hipóteses elaboradas no
peito às normas ou regras, romper limites início deste estudo, e temos ciência de que
impostos pelo coletivo, iria parecer atraente a influência do desenho animado, exercida
para crianças, numa etapa de suas vidas em através de personagens heróis, que superam
que estão ainda tateando no aprendizado de seus temores, enfrentam adversidades e
milhares de regras adultas. Seguir normas é superam problemas se é positiva no apon-
difícil e cansativo, principalmente quando sua tamento de condutas socialmente aceitáveis
única ferramenta é o próprio corpo, e a forma e nesta perspectiva, moralmente corretas, por
pela qual este vai ordenando informações exige um lado, também carregam em si o contra-
tempo para comparar experiências, classificá- ponto: as crianças trabalham com a idéia de
las, memorizá-las e aprender com elas. Ob- morte como algo muito singelo,
servamos que 100% das crianças deste estudo desmistificado, e sendo crianças muito pe-
escolheram personagens do bem. quenas ainda, acompanhando diariamente
Inúmeros outros aspectos podem ainda ser episódios em que a mágica, a tecnologia, os
explorados, porém optamos por dirigir e seres mitológicos ou os cientistas podem
centrar nosso estudo nos objetivos previamen- desfazer a morte, isto é inevitável. Para elas,
te estabelecidos. Para tal, destacamos os itens os personagens não morrem: digitransformam,
que acreditamos poder apontar como voltam para a pocket-bola; são regenerados
corroboradores de nossas hipóteses. Entretan- fisicamente por um Dragão Sagrado; são
to, uma impressão tornou-se muito intensa, salvos por cartas mágicas, são reconstituídos
preocupando-nos a ponto de merecer espaço por cientistas. A morte no contexto deste
próprio. É o que segue. desenhos animados não é permanente.
Nos desenhos mais antigos, a morte era
Uma impressão sbore a percepção do um tabu, irreversível quando acontecia,
conceito de morte: exemplo do máximo de punição. Em algu-
mas produções mais recentes, a morte é muito
As crianças compreendem a diferença dramatizada e ocorre em conseqüência de
entre mundo real e televisão. Na pergunta violência física, de tal intensidade em cenas
288 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

de crueldade e machismo que a morte torna- analisar os (pré-) conceitos do enunciado


se generosa. Os desenhos animados alvo deste supra. Temos em primeiro lugar uma con-
estudo, no entanto, criaram uma terceira via, cepção de que a recepção só se torna ativa
a impunidade. Por enquanto pensamos que se for analítica, no sentido de uma interpre-
isto pode vir a se tornar um problema uma tação que decomponha dados, relacione
vez que nos desenhos há uma concepção de valores; de fato, considera que a criança tem
justiça do tipo olho por olho e não existe limitadas capacidades de análise e raciocínio
punição para o delito. Até os oito anos, numa formação ainda imatura e conclui que
observamos que a atenção das crianças é a televisão é abusiva naquilo em que a criança
muito pragmática. Se o assunto do episódio impotente é mais vulnerável.
não envolve, ela vai fazer outra coisa, mesmo Contra este entendimento, acreditamos
que deixe – e via de regra é o que acontece– que as crianças estão mental e fisicamente
– a televisão ligada. ativas em relação à televisão. Discutem entre
si na escola sobre os episódios assistidos,
Conclusão dançam os temas de cada série, às vezes
sozinhas, em frente ao aparelho, registram
Aquilo do qual as crianças precisam situações e são capazes de usá-las em ana-
não é de resignação, mas de paixão. logia. Na relação entre televisão e crianças
Elas sonham com um mundo onde os bem pequenas podemos aplicar o conceito
atores possam falar em nome próprio de ambiência conforme nos ensinou MUNIZ
escapando da obrigação de parece- SODRÉ, de forma irretocável. É isto. E assim
rem conformes.4 existe esforço mental investido pelas crian-
ças. Inclusive OROZCO identifica que este
Iniciamos este estudo com a indagação esforço se dá em três níveis, atenção -
sobre a possível liberdade da criança teles- percepção, assimilação - compreensão e
pectadora. Após o levantamento de campo apropriação - significação, e esta não é uma
realizado, acreditamos que sim. Entre o início ordenação seqüencial:
e o agora, passamos a concordar com
BENJAMIN quando nos diz que demorou O fato de que nenhum destes esforços
muito tempo até que se desse conta de que cognitivos necessariamente tenha que
as crianças não são homens ou mulheres em seguir uma seqüência linear, implica
dimensões reduzidas. As crianças criam para que sua articulação não é por lógica,
si, brincando, o pequeno mundo próprio. senão por associação, e por defini-
Apesar de freqüentemente setores acadê- ção as associações são produzidas,
micos ou da imprensa, atribuindo à televisão supõem uma aprendizagem e portan-
uma ascendência ditatorial sobre as crianças, to implicam uma atividade mental
acabarem por vilanizá-la, não encontramos ainda que pareçam automáticas.5
evidências irrefutáveis sobre sua nocividade
sobre crianças muito pequenas. É verdade que Estamos convencidos que o processo
as análises rotineiramente trabalham com receptivo não se esgota no momento em que
hipóteses de como as horas de assistência à se assiste à televisão. Transborda-se em outras
TV tornam as crianças vulneráveis ao con- situações, tais como quando as crianças
sumo, aos conteúdos violentos, a uma for- conversam entre si na escola sobre seus
mação – emocional e sexual – mais precoce, personagens preferidos; quando argumentam
ou de como a televisão através do adestra- com os pais pela busca do conhecimento
mento da criança está garantindo a manuten- necessário para a compra de mais uma coisa
ção do sistema político e econômico qualquer que traga a marca do herói prefe-
hegemônico. rido.
Durante nossa caminhada neste estudo, Concordamos com a primeira afirmação
encontramos autores que consideram que só e apesar de não termos investigado o aspecto
assistir à televisão já favorece na criança uma da publicidade e como ela é recebida pelas
atividade mental passiva, aliás, já tendo crianças, as demais colocações nos parecem
pensado do mesmo modo, permitimo-nos sustentáveis. Hoje supomos exagerada e
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 289

radical qualquer tese reducionista que colo- Se aceitarmos outra hipótese, inevitavel-
que a TV como alienadora, idiotizadora de mente estaremos opondo uma separação entre
criança, fomentadora de dependência, o desenvolvimento da inteligência lógico-
deformadora do desenvolvimento mental e consensual ao da imaginação, estaremos
emocional. Aliás, as crianças identificam subestimando sua capacidade de aprender a
programas inadequados por idiotia ou outra construir, gradualmente, uma ficção sabendo
razão qualquer, mas daí a dizer que os que é uma ficção, de entrar na ficção de outro
conteúdos televisivos (indistintamente) são consciente do que estaria fazendo. Acredita-
idiotizantes é atribuir-lhes uma competência mos que as crianças precisam desta elabora-
que verdadeiramente não possuem. ção, não só para apreciar formas de manifes-
Em favor deste mesmo raciocínio, cons- tações artísticas do espírito humano, mas
tatamos que um programa com cenas de também para viabilizar alternativas científicas
violência, assistido sistematicamente, não fará e tecnológicas. Como Einstein dizia que tudo
inefavelmente da criança que o acompanha, que existe é fruto de mera imaginação, tra-
uma criança violenta. Esta é uma afirmação balhamos com a convicção de que no fomen-
eivada de controvérsias no campo científico. to de imaginações poderosas, a televisão ocupa
Porém nosso levantamento de campo não um papel significativo. Esta certeza decorre
deixa dúvidas sobre a posição e opinião dos do entendimento de que ela [a televisão]
pais: seus filhos não mudam de comporta- participa do mundo infantil através de jogos
mento, tornando-se mais agressivos, porque e brincadeiras, vias pelas quais vai formando
vêem desenhos animados japoneses e suas o conhecimento do meio, de si e do outro.
incríveis lutas de artes marciais. Para os pais Não aceitamos mais (como ocorria na etapa
deste estudo, a violência não provoca de projeto de dissertação) a hipótese de que
agressividade, nem perda de sono, nem medo o mal está na televisão, acreditamos ter evo-
luído para a certeza de que o mal possível
ou ansiedade. A criança sabe que é faz de
está no uso que dela se faz. Anteriormente,
conta, segundo eles.
citamos BENJAMIN e sua idéia sobre o papel
PACHECO, refletindo sobre programação
da brincadeira na formação de hábitos e com-
infantil na televisão e cultura, destaca que:
portamentos na vida de cada um de nós. For-
talecemos a crença nesta interpretação ao longo
É inaceitável acreditar que “...” a
desse nosso estudo. Encerramos por agora,
criança seja passiva e acrítica. É
com VASCONCELOS:
inacreditável pensar que ela confun-
da ficção com realidade. Aliás, eu “...” O brincar é uma das mais
creio que uma não existe sem a outra. requintadas formas de ato poético.
Não há realidade que não seja mes- Brincando, eu me afirmo, eu construo
clada de ficção e esta baseia-se no real. e diviso o mundo com um saber que
A criança “...” transita de uma para só o ato de criação permite. Brincan-
a outra e se diverte. Ela sabe que toda do eu exercito minha imaginação e
história tem um final feliz.6 manipulo os objetos, mudo suas for-
mas, seus significados. A realidade é
Acreditamos que a relação das crianças reinterpretada, adquirindo, a cada
com a televisão constitui-se um espaço para brincadeira, novos valores e sentidos.7
o desabrochar do lúdico, que por sua vez
servirá bem para as interações, descobertas, A Autora é Socióloga e Mestre em
investigações que a televisão como maior Comunicação Social pela UFRJ/BR.
fonte moderna de informação permite mais Resenha da Tese de Mestrado apresen-
democraticamente alcançar, e servirá também, tada junto à ECO/UFRJ/BR, Orientada pelo
através da brincadeira que é para a criança, Dr. Muniz Sodré de Araújo Cabral- Agosto
que esta elabore angústias de perda, de morte, de 2002. O texto completo está disponível
de solidão quando ingressa no mundo da no sitio http://geocities.yahoo.com.br/
fantasia. Muito além de confundir ficção e aboynard e a autora poderá ser contatada
realidade, auxilia a criança no desenvolvi- diretamente pelo endereço eletrônico
mento intelectual e emocional. alsboynard@censanet.com.br
290 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Vasconcelos, Paulo Alexandre C. O Jogo,


O Brincar : criação. In : PACHECO, Elza
Benjamin, Walter. Brinquedo e brinca- Dias (Org.). Comunicação, educação e arte
deira: observações sobre uma obra monu- na cultura infanto-juvenil. SP, Loyola, 1991.
mental. In: ___________ Magia e Técnica,
arte e política. Ged. São Paulo: Brasiliense,
1993, p. 249-253. _______________________________
1
Gleick, James. Acelerado: a velocida- James Gleick, Acelerado. 2000, p. 134-138.
2
de da vida moderna: o desafio de lidar Idem.
3
Ibidem.
com o tempo. Rio de Janeiro: Campus, 4
Maud Mannoni, Carta aberta a todos.
2000. L’Humanité, 12/06/1996.
Orozco, Guillermo. El niño como 5
Guillermo Orozco, El nino como televidente
televidente no nace, se hace. In : CHARLES, no nace, se hace.,1990, p. 85.
Mercedes & OROZCO GOMES, Guillermo. 6
Elza Dias Pacheco. A linguagem televisiva
Educación para la recepción: hacia una e o imaginário infantil., 1995, p. 95.
7
lectura crítica de los medios. México, Trillas, Paulo Alexandre C. Vasconcelos, O Jogo,
1990. O brincar. 1991, p. 72.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 291

A Investigação e o Desenvolvimento da Comunicação Audiovisual na


Universidade: a Universidade Fernando Pessoa como estudo de caso
Aníbal Oliveira1

I. Introdução historia el hombre se ha servido de


instrumentos para comunicarse, la
La Educación en Medios la en- magnificación y universalización de
tendemos como algo más que una los medios y recursos del mundo
propuesta de contenidos que se contemporáneo nos hace a las
sumerge, en la dinámica del proceso generaciones presentes más singula-
investigativo, en una filosofia alter- res.
nativa de escuela en la que
básicamente se forme a los alumnos As Novas Tecnologias colocam por isso
para que se «apropien» integralmente a Escola perante um tremendo desafio. De
de la comunicación. Más que en facto, esta funciona ainda essencialmente
contenidos paralelos, la Educación en segundo os padrões de uma sociedade indus-
los Medios ha articularse alrededor de trializada, valorizando saberes, capacidades
conceptos fundamentales, esto es, e atitudes que já não são os mais importantes
instrumentos de análisis que permitan para a sociedade de hoje.
a los alumnos comprender los medios, A propósito da dimensão comunicacional
ser capaces de enjuiciarlos y de (Roda e Beltrán, 1988:26 e ss.) afirmam que:
generar nuevos mensajes. (Aguaded
Gómez, 2001: 8) a evolução da Humanidade parece
apontar para um maior desenvolvi-
mento das capacidades comunicativas
Esta constatação implica, necessariamen- e para uma regulação da vida social
te, tirar partido dos instrumentos da tecnologia cada vez mais mediatizada, menos
contemporânea, em especial daqueles que vinculada com a actividade primária.
tratam a primeira matéria-prima da civiliza-
ção actual, a informação. Dada a responsa- Por este motivo, (Aguaded Gómez, 2001:
bilidade da escola na preparação das novas 15) citando (Masuda, 1984) diz que:
gerações para a plena inserção na vida activa,
estas tecnologias têm de ter um papel rele- a já chamada «terceira revolução
vante na vida escolar, mas elas são igual- industrial» não é mais que o desen-
mente um importante factor de transforma- volvimento de um também denomi-
ção da escola, proporcionando o surgimento nado «sector quaternário», próprio da
de novos objectivos, novas situações de sociedade já não post-industrial, mas
aprendizagem, novas actividades, novas sim «pós-post-industrial», vinculada
temáticas e novas competências. Impõem com a produção, uso e distribuição
a reorganização dos espaços e a alteração das da informação, dada a importância
relações professor / aluno. cada vez maior destas indústrias e
Neste sentido compreende-se que tecnologias.
(Aguaded Gómez, 2001: 14) afirme:
A partir desta constatação (Esteves, 1988:
O «fenómeno comunicacional» es, sin 159-168) defende uma ideia de:
duda, la nota más trascendental y
significativa que caracteriza la que a restrição da problemática
sociedad del mundo contemporáneo. comunicacional a determinados limi-
Aunque en todos los períodos de la tes impostos nas correntes científicas,
292 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

é um sinal comprovativo da restrição 2. (Morán, 1993: 45) defende a ideia de


analítica ocorrida no campo das ci- que os meios significam deslumbramento,
ências sociais e humanas e, igualmen- novidade, fascínio, ócio, interacção.
te, do seu contributo para uma amnése 3. (Shepherd, 1993: 145) defende a ideia
profunda da dinâmica global da vida de que se torna imperioso a participação e
social. consciencialização dos alunos quando con-
frontados com a comunicação social.
Ou então que: 4. (Area, 1995: 7) defende a ideia de que
existe um elevado índice no que respeita ao
As tecnologias, operacionalizadas consumo da comunicação, existindo por outro
enquanto media, estabelecem-se ao lado uma homogeneização de padrões cul-
nível dos sentidos e incidem no modo turais e uma mediação extrema provocado
de percepção do mundo…, só a um pelas tecnologias.
segundo nível a sua operatividade tem 5. (Cabero, 1997: 40) defende a ideia de
incidências em termos de ideologias que os meios de comunicação são instrumen-
e conceitos…, daí que McLuhan tos modeladores da realidade social e
estabeleça um corte profundo entre o reinventam-na, construindo novas realidades.
real valor dos media e a sua utiliza- 6. (Gonnet, 1995: 35) defende a ideia de
ção. que os meios de comunicação desempenham
papel fulcral na composição e interpretação
A máxima «medium is message» prove- do quotidiano e na participação cívica dos
niente da antropologia e aplicada aos meios cidadãos.
de comunicação social aponta para um Do conjunto destas afirmações sobressa-
hiperdeterminismo tecnológico a todos os em alguns tipos classificatórios da problemá-
níveis do desenvolvimento social. Defendida tica analítica da educação audiovisual, que po-
na obra «Galáxia de Gutenberg», esta tese dem, eventualmente, ser motivo de uma sín-
define que a tecnologia perante hábitos de tese a partir do seguinte pensamento:
percepção ajuda igualmente a definir um novo
meio social. O medium suplanta-se a si a importância de educar os alunos para
mesmo enquanto estrutura tecnológica, na que façam frente às exigências do
medida em que elas implicam um reajusta- futuro, já que desgraçadamente, as
mento da estrutura social. instituições escolares tem ignorado
Assim, os media são parte da estrutura com excessiva frequência a educação
social e seus criadores. Este processo dos factos presentes, as mudanças
evolutivo torna-se um ciclo infinito de culturais, políticas e de toda a ordem
«inflamações»e«neutralizações», propostas do mundo contemporâneo, de forma
pelas inovações tecnológicas. Os processos que muito poucos alunos, receberam,
de aceleração de ritmo situados ao nível dos ao menos, umas orientações rudimen-
sistemas sociais, decidem face á sua função tares sobre a maneira como os meios
sensorial, a incorporação de um medium ou constróiem os seus significados.
tecnologia novas, definindo, também, os seus (Masterman, 1993: 29)
limites e repercussões.
Existem diversos autores que se debru- Ao terminar esta introdução cabe-nos
çam acerca desta problemática da integração lembrar um corrosivo desafio lançado por
dos meios de comunicação no curriculum Masterman e citado por Aguaded Gómez a
escolar, ou mais especificadamente, no âmbito propósito da educação audiovisual:
da educação audiovisual. Vejamos alguns que
se destacaram pelas suas posições ou pelos uma coisa é estar convencido da
seus desafios. importância e da necessidade da
1. (Masterman, 1993: 16) defende a ideia educação audiovisual, e outra muito
de que existe uma contradição entre a re- diferente, desenvolver práticas de
levância social da informação e o seu fraco educação audiovisual satisfatórias.
uso em sala de aula. (Masterman, 1993 : 32)
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 293

II. Desenvolvimento capazes que possam compreender e


apreciar o conteúdo dos meios e os
La Educación en Medios de processos implicados na sua produ-
Comunicación, en el marco de una ção e recepção. Também é sua in-
enseñanza de calidad, tiene como tenção obter utilizadores dos meios,
función básica la formación de la que sejam mais activos e críticos, que
conciencia crítica y el desarrollo de exijam, e quem sabe possam contri-
actitudes activas y creativas en los buir.
alumnos para conocer y comprender
los envolventes procesos de (Duncan, 1989: 6-7) a propósito do Guia
comunicación que vive la sociedad de de Recursos de Alfabetização Audiovisual,
hoy. (Aguaded, 2001: 25) define o ensino dos meios como:

1. Conceito - A problemática conceptual O processo de compreensão e uso dos


da Educação nos Meios de Comunicação, no meios de comunicação compreende,
que à reflexão audiovisual diz respeito, poder- igualmente, a ajuda aos alunos para
se-á pautar por diversas abordagens. Neste que desenvolvam um conhecimento e
contexto, compete-nos realçar as seguintes: compreensão crítica da natureza dos
meios, das técnicas que utilizam e a
1. (Tyner, 1993: 171) defende a ideia de incidência das referidas técnicas. Quer
que na actualidade se verifica um fenómeno dizer, a educação pretende fomentar
de crescente «analfabetismo audiovisual». para que os alunos compreendam
2. (Aguaded, 1996: 8; Pérez Tornero, como funcionam os meios de comu-
1994: 28) defendem a ideia de que o con- nicação, como eles produzem signi-
sumo indiscriminado, sem medida, dos meios ficados, como eles se organizam e
de comunicação produzem uma incapacida- como eles constróiem a realidade e
de de entendimento das mensagens também para que saibam fazer uso de
audiovisuais. tudo aquilo. A alfabetização
Neste sentido, emergem determinados audiovisual pretende igualmente fo-
autores e organizações que se constituem mentar nos alunos a capacidade de
como referência no panorama educacional criar produtos para os meios de
audiovisual, como sejam, o British Film comunicação.
Institute, Bazalgette, Duncan, Unesco, Pinto,
Kumar, Sancho, Margalef, Matilla, entre Poder-se-ia pensar que esta problemática
outros. De seguida propomo-nos destacar os pudesse ser recente. Nada mais falso. Desde
principais contributos conceptuais, dos atrás o longínquo ano de 1979, já a UNESCO se
citados, para o edifício da investigação e preocupava em estabelecer a ideia de edu-
desenvolvimento da comunicação cação entendida à luz da comunicação.
audiovisual, em ambiente educativo. (UNESCO, 1984: 8) Nesta organização
(Bazalgette, 1993: 128) a propósito de defende-se a ideia de que a educação à luz
uma análise acerca da educação audiovisual da comunicação consiste em:
promovida pelo British Film Institute afirma:
Todas as formas de estudar, aprender
A educação audiovisual tem por e ensinar a todos os níveis (. . .)
objectivo desenvolver a compreensão e em qualquer circunstância, a histó-
crítica dos meios. Costuma fazer ria, a criatividade, a utilização e
referência aos modernos meios de educação dos Medios de Comunica-
comunicação de massas, tais como a ção como actividades práticas e téc-
televisão, o cinema e a rádio (...) Tenta nicas, bem assim como o lugar que
aumentar o conhecimento que as ocupam os meios de comunicação na
crianças tem dos meios por intermé- sociedade, a sua repercussão social,
dio de trabalhos críticos e práticos. as consequências da comunicação
Trata de obter consumidores mais mediatizada, a participação, a modifi-
294 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

cação que produzem no modo de (Kumar, 1992: 167) defende a ideia de


entender, o papel da função criativa que:
e o acesso aos meios de comunica-
ção. a Educação para os Meios é uma
prática e um processo educativo,
Em Portugal, também se produziu ma- destinado a permitir aos membros de
téria relativa à problemática da Educação uma colectividade, participar de modo
perante os Meios de Comunicação. A res- criativo e crítico na utilização dos
ponsabilidade administrativa por esta área meios tecnológicos e tradicionais, com
educativa encontrava-se, na alçada do Ins- a ideia de desenvolver e libertar os
tituto de Inovação Educativa, no seio da sujeitos e democratizar a comunica-
Secretaria de Estado da Educação, orgão ção.
responsável pela política educacional no
contexto do Ministério da Educação à data. De modo a concluir esta passagem pela
Neste contexto, foi produzido um docu- análise conceptual, deve-se ressalvar três
mento intitulado «Educar para a Comunica- posições que delimitam, em termos de cam-
ção», abrangendo o universo do ensino po de investigação, o universo da Educação
secundário. A esse propósito afirmou-se: para os Meios. Falamos concretamente de
(Pinto, 1988: 27-28) define que o termo Sancho, Margalef e Matilla. Perdoem-nos se
Educação em Meios de Comunicação é tido outros ficaram por referir mas o espaço deste
numa acepção não reduzível, quer face ao texto assim o exige.
uso dos meios tidos como tecnologias ao (Sancho, 1995: 53) defende a ideia de que:
serviço do processo de ensino-aprendizagem,
quer face à ideia de formação específica a palavra «meios» (. . .) é exces-
profissional, isto no campo da comunicação sivamente ampla quer a nível geral
social. e inclusivé ao nível docente, recolhen-
Assim sendo, para o organismo acima do outros recursos didácticos longe da
citado (IIE) a Educação para os Meios de comunicação social.
Comunicação significa:
(Margalef, 1994: 15-16) defende a ideia
Uma acção pedagógico-didáctica, de que:
adequadamente organizada, de modo
a promover uma atitude crítica face a designação que nos últimos anos se
às mensagens provenientes dos mei- tem vindo a utilizar para identificar
os, uma compreensão da linguagem esta inovação didáctica de integração
audiovisual, da estrutura e função que dos meios no curriculum escolar tem
os meios representam e, finalmente, sido a empregue pelo Ministério da
um incentivo às capacidades e atitu- Educação de Espanha, através dos
des de modo a que os alunos envol- seus materiais curriculares que opta,
vidos no processo possam assumir um (. . .), pelo termo «Educação para
papel mais activo na comunicação e o uso dos Meios de Comunicação»
sejam mais competentes na utilização (. . .).
destas linguagens e das suas possi-
bilidades técnicas. (Matilla, 1993 : 64) defende a ideia de que:

A propósito da formação das pessoas não se pode entender o conceito de


tendo como pano de fundo a sua habilitação Educação em Meios de Comunicação
na descodificação das novas linguagens «sem sem que se tenha falado anteri-
audiovisuais, bem assim, como da sua ca- ormente de Alfabetização Audiovisual;
pacidade de analisar criticamente as mensa- mas, sem dúvida, a Educação em
gens e, quiçá, utilizá-las a partir de uma base matéria de Comunicação (sic) transcen-
criativa, emergem outros autores atrás cita- de o conceito de alfabetização e rela-
dos que importa ouvir. ciona-se directamente com uma con-
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 295

cepção global do fenómeno educativo 2.3. A Educação para os Meios de


na sua dupla interacção com os meios, Comunicação é antes de mais um
como objecto de estudo no interior da processo investigatório sobreposta a
escola e como instrumento ao serviço uma proposta de conteúdos.
de um modelo alternativo de comu- 2.4. A educação para os Meios de
nicação educativa». Comunicação articula-se à volta de
conceitos fundamentais que são ins-
Las estrategias más adecuadas para trumentos de análise mais do que
trabajar con los medios son: «el
conteúdos paralelos. (. . .) As novas
pensamiento crítico, los modelos
tendências europeias (. . .) chegaram
indagadores, los enfoques de estudios
a um relativo consenso para estabe-
culturales, la educación de los valo-
res, las estrategias interdisciplinarias, lecer o marco teórico que enquadre
las experiencias creativas, la semiótica a Educação para os Meios de Comu-
y la pedagogía democrática centrada nicação em redor de uma série de
en el alumno». (Aguaded Gómez, conceitos, tais como: «denotação e
2001: 57) citando (Duncan, 1989) conotação, género, selecção, comuni-
cação não verbal, linguagem
2. Marco Teórico - Qualquer pretensão mediática, ficção e realismo, público,
sistematizadora do universo da Educação em instituição, construção, mediação,
Meios de Comunicação seria demasiadamen- representação, código /codificação /
te extensa e profunda para caber neste descodificação, segmentação do pú-
pequeno texto. Apesar disso, existe uma blico, estrutura do relato, fonte, ide-
possibilidade restringindo a quantidade de ologia, apresentação, retórica, discur-
autores solicitados a apenas um : Masterman, so, subjectividade. (. . .)
tendo como ponto de partida uma obra 2.5. A Educação para os Meios de
emblemática « L‘Education aux Médias dans Comunicação é um processo de lon-
l‘Europe des années 90 ». go prazo, que tem de iniciar-se
(Masterman, 1994 :55 e ss. ;1994 ) inclusivé antes da escolaridade, quan-
defende a ideia de que existem princípios do se começa o consumo de produtos
orientadores da Educação para os Meios de mediáticos e continuar durante toda
Comunicação, os quais se constituem enquan- a vida.
to elementos basilares, a saber: 2.6. A Educação para os Meios de
Comunicação tem de desenvolver por
2.1. O princípio fundamental no qual
sua vez o sentido crítico e a autono-
se centra a Educação para os Meios
mia crítica. (. . .) A importância desta
de Comunicação é o da «representa-
reflexão tem consequências funda-
ção». Segundo ele e passamos a citar
mentais sobre as orientações dos
(Aguaded Gómez, 2001: 58)
Para este autor, é fundamental con- programas, sobre as suas metodologias
siderar que os «meios não refletem e critérios de avaliação (. . .).
a realidade, representam-na, são sis- 2.7. A Educação para os Meios de
temas de símbolos ou signos» Comunicação tem de utilizar critérios
2.2. O objectivo primordial da Edu- de avaliação próprios, baseados na
cação para os Meios de Comunicação capacidade dos alunos para aplicar o
é «desnaturalizar» os meios, «respon- que vierem a «descobrir» dos meios
der» perante o carácter «natural»do em novas situações (. . .).
qual se reveste, analisando a produ- 2.8. A Educação para os Meios de
ção, as suas diferentes técnicas, o seu Comunicação é «oportunista» e fun-
impacto ideológico e a maneira pela damenta-se na actualidade, uma vez
qual o público «lê» o conteúdo que se baseia nas informações dos
mediático e da qual se apropria. meios de comunicação (. . .).
296 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

3. O Caso Português - Em Portugal rio da Educação de Portugal, no que se refere


falarmos em «Educação para os Media», à consecução da Educação para os Media:
expressão pela qual é reconhecida no âmbito
académico e da comunicação social, é abor- 3.1. Conseguir que os alunos na sua
dar uma das áreas com maior desempenho vida quotidiana desenvolvam uma
nos últimos anos, se nos atendermos aos atitude e um comportamento equili-
aspectos relativos à política de inovação brados mediante a análise crítica dos
educativa. meios de comunicação.
Se bem que falar em Educação para os 3.2. Desenvolver, através da reflexão
Media englobe as mais diversas experiências acerca dos conteúdos e dos processos
encetadas no campo da imprensa, rádio e dos meios de comunicação, uma
televisão, e nos mais dispares locais de perspectiva de educação moral e
investigação, como sejam: os centros de cívica.
Educação Primária e Secundária, encontros 3.3. Identificar e compreender as
e jornadas. Os mais destacados foram cer- principais funções e propósitos dos
tamente «A Educação e os Meios de Comu- meios de comunicação, especialmen-
nicação Social» sob a tutela do Conselho te o entretenimento, a informação e
Nacional de Educação, «A Escola e os a formação.
Media» da responsabilidade do Instituto de 3.4. Ajudar os educandos a conhecer
Inovação Educacional, ou outros eventos o funcionamento dos meios de comu-
patrocinados por entidades privadas ou pú- nicação, a maneira como se consti-
blicas, cooperativas ou associações. tuem enquanto indústrias culturais,
(Pinto, 1988: 53 e ss.) dá-nos a conhecer os interesses e os poderes associados
o texto fundamental que serviu de marco e o seu papel na sociedade.
teórico e de análise da situação inicial da 3.5. Educar para o pluralismo e para
educação portuguesa, ou seja, «Educar para a tolerância, através do contacto com
a Comunicação», texto esse que radicava na a diversidade cultural, de expressão
legislação que regulava o sistema educativo e formas de vida (. . .)
português, isto é, a «Lei de Bases do Sistema 3.6. Compreender o desenvolvimento
Educativo»(Lei 46/86). e evolução das sociedades contempo-
O texto em causa concerne à râneas, face às técnicas de comuni-
conceptualização da Educação para os Media, cação.
oferecendo-nos um estudo da existência da 3.7. Desenvolver nos educandos ins-
comunicação nos planos curriculares, trumentos de observação, análise e
centrando-se, fundamentalmente, sobre o seu interpretação das mensagens veicula-
uso na formação de docentes, na investiga- das pelos meios de comunicação.
ção científica e na procura dos recursos 3.8. Incentivar nos educandos a for-
adequados. mação de opiniões próprias, relacio-
O principal organismo público patrocina- nadas com a comunicação social e
dor do incremento da pesquisa, investigação outras fontes de informação.
e desenvolvimento das temáticas afectas à 3.9. Identificar as necessidades e
inovação educativa e, obviamente, a tudo que assimetrias existentes no plano da
se relacionasse com os Media e seus usos comunicação, a nível institucional,
na Educação, era o Instituto de Inovação local e mundial.
Educacional. Neste âmbito, o IIE empreen- 3.10. Facilitar a compreensão e ava-
deu diversos eventos decisivos perante aque- liação do consumo dos meios de
le universo: «A Escola e os Media», «Se- comunicação, potenciando uma abor-
mana dos Media», «Dia da Imprensa», ou dagem das possibilidades e formas de
os «Dias da Imprensa na Escola». intervenção na comunicação.
(Pinto, 1988: 45) citado por (Aguaded 3.11. Desenvolver nos educandos o
Gómez,2001: 33 e ss.) apresenta uma rese- espírito de criatividade, de inovação
nha elucidativa acerca das principais finali- e cooperação, especialmente através
dades, que se pretendem atingir pelo Ministé- da expressão e comunicação com os
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 297

meios, a partir da construção dos seus o caso português, retivemos uma expressão
produtos. de (Aguaded Gómez, 2001: 71):

(Areal, 1995: 17) citado por (Aguaded, A pesar de las interpretaciones, más
2001: 34 e ss.) apresenta um conjunto de o menos alejadas de la
novos objectivos gerais, resultado de um conceptualización que en las páginas
documento posterior intitulado «Educação anteriores hemos esbozado, que se han
para os Media no Ensino Secundário», e que ido realizando de la Educación en
se passa a citar: Medios de Comunicación, hay que
reconocer que el movimiento en fa-
• Utilizar instrumentos de análise e vor de la integración de los medios
reflexão sobre como ler os meios de de comunicación en el marco escolar
comunicação. es ya una realidad, como veremos en
• Estabelecer um distanciamento una breve panorámica de las
consciente e crítico face aos meios de experiencias más significativas (. . .)
comunicação e às suas linguagens.
• Analisar e criticar os valores e
e agora podemos acrescentar, do que se tem
atitudes expressos através dos meios
feito desde 1992 até actualidade, na Univer-
de comunicação.
sidade Fernando Pessoa, o que constitui o
• Desenvolver a expressão de ideias
estudo de caso prático a apresentar em suporte
e a autonomia de pensamento. (. . .)
digital «Live».
• Compreender que os meios de
comunicação oferecem pontos de vista
4. O Estudo de Caso: Universidade
acerca da realidade.
Fernando Pessoa
• Reconhecer que existem distintas
leituras possíveis das mensagens dos
meios de comunicação. 4.1. Supervisão Geral: Aníbal Oliveira.
• Aprender a interpretar a realidade 4.2. Autoria: Alunos do 4ºAno do Curso
através da linguagem dos meios de de Engenharia Publicitária
comunicação. 4.3. Categoria: Publicidade & Media.
• Descodificar mensagens, mitologias 4.4. Ideia: MCA - Uma Agência de
ou estratégias publicitárias. Publicidade que se guia pelos sentidos.
• Analisar mecanismos de manipula- 4.5. Duração: 30‘
ção da opinião pública. (. . .) 4.6. Género Audiovisual: Spot Publicitá-
• Conhecer os «bastidores» da pro- rio TV.
dução mediática. 4.7. Âmbito da Acção: Projecto desen-
• Utilizar técnicas de investigação e volvido no contexto da disciplina de Enge-
documentação, mediante a busca, nharia da Produção Audiovisual 1.
selecção, interpretação e informação. 4.8. Extras: Inclui o Making of.
• Experimentar diferentes técnicas de 4.9. Ano de Produção: 2003-04.
comunicação. 4.10. Budget: Ignorado.
• Desenvolver a expressão através dos 4.11. Mercado-Alvo: Segmento Classe A,
distintos meios de comunicação. B e C, empresários jovens a partir dos 25
anos.
A finalizar esta breve análise problemá- 4.12. Suporte: Projecto e Spot em DVD
tica acerca da Educação para os Media - [Digital Versatil Disk]
298 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 299

Comunicación, Educación y Tecnología


Antonio R. Bartolomé1

En unos estudios realizados a mediados audiovisuales con ayuda de una cámara y un


de los noventa por Joan Ferrés y Antonio camascopio. Evidentemente hay excepciones
Bartolomé encontramos que estos eran los que son vistas así incluso por los propios
usos más frecuentes del vídeo en las escuelas compañeros.
en este país. No eran los usos más valorados, ¿Disponen de equipos los centros? En
más interesantes ni a veces más declarados. general no disponen de equipos adecuados por
Y no lo eran en todas las escuelas. Pero en lo que el montaje y la postproducción en
muchos centros, si apuntabas a qué se general se convierten en tareas tediosas y de
dedicaba el televisor con el magnetoscopio resultados poco gratificantes. Sin embargo las
que, muchas veces, era único para todo el últimas adquisiciones informáticas pueden
centro, el mayor número de horas cambiar esa situación conforme comience a
correspondía a proyectar películas. Respecto trabajarse en sistemas de edición no lineales.
a la videocámara era dedicada en mayor Por otro lado, aunque no baratos (nos
medida, que era poca, muy poca, a filmar movemos en el rango de los 1.000 o 2.000
acontecimientos escolares, y muchas veces Euros), hoy es posible adquirir equipos de
en manos de escolares o padres. edición domésticos que permiten resultados
Pero esas películas no eran visionadas en insospechados hace unos pocos años. Por
el contexto de alguna actividad curricular. ejemplo, es posible encadenar dos planos
Eran utilizadas para: mediante un fundido, añadir títulos, efectos
• cuando imprevistamente (o no tan como solarización o mosaico, imagen parada,
imprevistamente) faltaba un profesor etc. con un equipo de menos de 700 Euros.
• después de comer, hasta la hora de ¿Hay tiempo para esto? Los profesores
entrar, cuando llovía. decididamente no lo tienen. Los alumnos
Respecto a los títulos proyectos eran, su podrían tenerlo si sustituyeran alguna
mayoría, títulos que podríamos calificar de actividad extraescolar. Dentro del horario
cine infantil. Canales como Disney Channel escolar ordinario no parece factible encontrar
posiblemente cubrirían esa faceta con similar un hueco lo suficientemente grande como
o mayor éxito. trabajar en esto.
Y de esta forma, por la puerta trasera, ¿Existen métodos para trabajar con niños?
entra el audiovisual en la escuela. Ya es Sí, así como grupos con una gran experiencia
posible estudiar Comunicación Audiovisual en este terreno. Aunque en muchos casos
en Secundaria pero en la escuela Primaria resulta muy discutible la aproximación. Por
pintar, escribir, o hablar siguen siendo medios ejemplo, el proceso de producción audiovisual
de expresión prioritarios. También en en el cine y la televisión es complejo y pasa
Secundaria la expresión escrita está por muchas etapas que incluyen documentos
priorizada. Y cuando un alumno presenta un escritos (tratamiento, guión, plan de
trabajo en forma de documento audiovisual, producción, vaciado de cintas,...), acciones
el mismo profesor que es tan celoso de los de selección (localización, casting, ...),
errores ortográficos y sintácticos en sus preparación (maquillaje, vestuario,
trabajos escritos, no se preocupa por los decorados,...), producción (iluminación,
errores o aciertos de sintaxis audiovisual y cámara, recogida de sonido...) y
se centra en los contenidos expuestos. postproducción (sonorización y doblaje,
¿Están los profesores preparados? En montaje, efectos, grafismo electrónico,
general poseen conocimientos muy animación...). Pero, ¿enseñamos a escribir a
deficientes sobre como construir mensajes un niño igual que escribe un autor adulto?
300 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Respecto a la “lectura” de filmes, mientras Pero si aquellos cursos les sirvieron para
algunos optan por las obras clásicas como comprender mejor a las máquinas, y para
“Acorazado Potemkin”, otros consideran un desarrollar destrezas en la forma como ordenar
error utilizar estos filmes alejados de la la información, entonces fueron muy
realidad y los intereses infantiles y con un adecuados. Un aspecto básico es entonces
lenguaje (audiovisual) también lejano de lo aprender a ser capaz de organizarse: crear
que es hoy el audiovisual. Preferirían por directorios o carpetas organizadas lógicamente,
ejemplo “El silencio de los corderos” o filmes relacionadas, estructuradas, en donde la
más actuales o incluso series de televisión. información sea fácilmente recuperable.
Es algo así como discutir si enseñar a leer Además, trabajar con diferentes programas y
con el Quijote o con un cuento o con un procesos captando la esencia de los
periódico. procedimientos y los condicionantes técnicos.
Quizás el problema puede residir en que En algunos centros la introducción de la
este tema está todavía demasiado en manos informática personal se realiza justamente al
de amantes del cine y del audiovisual, en revés: a fin de evitar que las manos
vez de haber sido asumido por los profesores, descontroladas de los alumnos alteren nuestra
muchas veces más cercanos a la realidad del configuración equilibrada conseguida con
alumno. El año 72 utilicé con mis alumnos arduos esfuerzos, les negamos cualquier
(12 años) Intolerancia, un filme de Griffith posibilidad de tarea que implique configurar,
del año 1916 de 3 horas de duración. Unos definir, estructurar u organizar. Deben
meses más tarde oí el comentario de un joven limitarse a pulsar ciertas teclas de modo
estudiante de una escuela de cine que en plan automático, siguiendo instrucciones muy
de broma comentaba que, para castigarles, precisas. Me recuerda a un viejo proyecto
les amenazaban con proyectar Intolerancia. de CD-ROM multimedia que teníamos en mi
Comprendí que mi amor al cine me había laboratorio. Se titulaba “El definitivo
llevado demasiado lejos. Todavía hoy no auténtico multimedia” y consistía en una
comprendo como resistieron todo el filme. reflexión crítica y lúdica sobre el multimedia.
¿Existe una demanda social? Al menos El comienzo era así: la pantalla se iluminaba
por parte de los padres, no. Consideran que con mil colores mientras una música
ya ven bastante cine en televisión como para acompañaba el ritmo frenético de unas
ver más en el colegio. Piensan que eso es imágenes que terminaba en un estallido de
algo demasiado atractivo y que por tanto brillo y sonido. Luego se hacía el silencio
siempre habrá tiempo y ocasión para que y la pantalla se volvía azul con un único
aprendan si les gustan. letrero parpadeante:”“Pulse la barra
Pero si no están preparados, si no hay espaciadora”. Esto permanecería hasta que el
medios, si no hay tiempo, si hay discusiones usuario pulsase dicha barra. Entonces
sobre la metodología, si los padres no son aparecería otro cartel: “Vemos que por fin
conscientes... ¿por dónde empezar? ¿Por qué Vd. ha entendido claramente quien manda
empezar? aquí y quien tiene que obedecer. Ahora
podemos continuar con el programa”.
Tecnología Enseñar a los alumnos a controlar
mecánicamente un ordenador no es enseñarles
Aprender a utilizar los ordenadores tiene nada pues seguramente el próximo modelo
un aspecto instrumental, una vertiente que al que accedan funcione de modo diferente.
no debe ser descuidada pero que es Yo ya comprendo que este modelo de
relativamente poco importante. He leído enseñanza responde a los objetivos para los
críticas de profesores hartos de años y años que se creo la escuela con la revolución
haciendo cursos con ordenadores que luego industrial: educar a los futuros trabajadores
hoy ya no les sirven de nada. Si aquellos a realizar mecánicamente tareas diseñadas por
cursos se limitaron a enseñarles cómo abrir otros y cuyo significado ni entendían ni
el MS-DOS o como copiar en un disquete, necesitaban. Pero esas no son las necesidades
su utilidad ha sido realmente baja: hoy no en la época de la revolución en las
hacen falta esas técnicas en absoluto. comunicaciones. Ahora es necesario preparar
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 301

usuarios con iniciativa, capaces de organizar Posiblemente la razón es que tampoco los
su trabajo y tomar decisiones. equipos vienen preparados. Una sencilla
Por esa misma razón es indiferente utilizar recomendación técnica: no se necesita el
uno u otro ordenador, uno u otro sistema último modelo de procesador, ni el más
operativo. Lo importante no son los procesos rápido. La clave es doblar la memoria RAM,
manuales concretos sino la esencia de los lo cual además es una inversión de las más
procedimientos y el desarrollo de destrezas baratas. Hay un viejo consejo que dice que
en el manejo de la información. Crear para hacer un viaje hay que llevar la mitad
carpetas ordenadas por proyectos o facetas de equipaje del previsto y el doble de dinero
de la vida. En muchos casos resulta más del previsto. Pues al comprar un ordenador
adecuado para preparar a los alumnos a hay que adquirirlo la mitad de rápido de lo
utilizar los ordenadores el tener que preparar que es posible y con el doble de memoria
su calendario de deberes que lo que aprenden RAM de la que nos ofrecen (lo cual además
en el aula de informática. Hay personas más normalmente reduce el precio un 20% por
creativas y menos. También hay personas con lo menos). Esta memoria es la que nos va
más o con menos capacidad de trabajar de a permitir tener abiertos varios programas a
modo organizado y ordenado. Pero la invasión la vez.
de la informática exige que todos los alumnos En un curso reciente una profesora se
salgan con destrezas básicas que les permitan quejaba de que con Internet y el ordenador
utilizar estos equipos, al menos, tal como los alumnos copiaban y pegaban un texto sin
posiblemente sigamos concibiéndolos hasta siquiera leérselo y que así presentaban el
bien entrado el siglo XXI. trabajo. Por consiguiente dicha profesora
Claro, el problema es que muchos había prohibido a sus alumnos hacer el trabajo
profesores guardan sus ficheros sin orden, en con ordenador. Eso me recordó dos cosas:
el primer directorio o carpeta que encuentran. a un sobrino mío en COU reescribiendo a
Son ellos los que necesitan una formación máquina el trabajo que había preparado con
en este campo. Y es cierto, volviendo al mito el ordenador porque el profesor no lo permitía
de Frankestein, los ordenadores nos hacen (es obvio que dicho profesor conseguía
cambiar nuestra forma de trabajar. desarrollar destrezas mecanográficas pero
Otra faceta importante en esta dudo que fuera un método inteligente para
introducción al uso del ordenador: la que aprendieran). Otro recuerdo se remonta
capacidad de trabajar con varios programas al comienzo de los setenta: la Ley General
a la vez, la capacidad multitarea del ordenador de Educación introdujo las fichas de trabajo
que debe llevarnos (cuando nuestro equipo personalizado en la escuela, fichas que
lo permita) a también una actividad deberían en parte eliminar los libros de texto
multitarea. También aquí muchos profesores (no lo consiguió por lo que la LOGSE prefirió
piensan que los ordenadores, al estilo de los ponérselo en bandeja a las editoriales de libros
primeros que aparecieron, sólo pueden hacer de texto). Pues bien, en aquella época oía
una cosa cada vez. Dan una orden de imprimir una queja similar: es que los niños se limitan
o de realizar una búsqueda en Internet y a copiar en la ficha lo que pone el libro,
permanecen de brazos cruzados esperando sin estudiar. Así que ahora, treinta años
que se termine la operación. Cuando en después, estamos igual aunque ahora parece
realidad ahora es el momento de seguir con que los estudiantes pierden menos el tiempo
otra tarea, para reanudar la anterior cuando copiando a mano. En ambos casos el
el ordenador haya terminado su trabajo. Cada problema no está ni en las fichas ni en el
vez más tenemos que pensar en ordenadores ordenador: siempre el profesor va a encontrar
que van ejecutando tareas que le enviamos alumnos que tratan de trabajar lo menos
secuencialmente mientras nosotros pasamos posible y de la forma más fácil. Su objetivo
también de una a otra. educativo va a consistir precisamente en
He visto pocas escuelas donde dediquen enseñar a estos niños a aprender y realizar
algún tiempo a este tema. La verdad es que lo mejor posible sus tareas.
muchos profesores a todos los niveles Esto implica que el profesor no debe estar
desconocen como sacar partido al ordenador. tan preocupado por el producto que le
302 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

entregan los alumnos sino por el proceso de interesante. Como el trabajo que le piden es
elaboración de ese producto. Una vieja idea corto, trabajará directamente con el
que no debería olvidarse. Lo que sucede es procesador de textos que abre (ahora tiene
que esto nos lleva a su vez a un cambio en 3 programas abiertos: NetScape, FileMaker
la evaluación: no se debería evaluar sobre y el procesador, por ejemplo el Word). El
productos, sean estos exámenes, pruebas o texto que ha encontrado le parece interesante
trabajos, sino que el profesor debe realizar y copia un fragmento que inmediatamente
un seguimiento durante todo el proceso, pega en Word. Lo selecciona y le asigna la
preguntándole al alumno qué hace y cómo letra cursiva. A continuación vuelve a
lo hace, invitándole a mejorar. Lo cual nos NetScape y selecciona/copia el nombre de
lleva a otro cambio: si dedicamos el tiempo quien ha escrito el texto (afortunadamente
de clase a explicar, no nos queda tiempo para en este caso aparece pues si no, tendría que
observar/evaluar como trabajan, por lo que haber puesto “anónimo”), el título y la URL
es preferible dedicar el tiempo de clase a que (la dirección en Internet donde lo ha
ellos realicen tareas según guías que les encontrado), todo lo cual lo pega a
preparamos y nosotros vayamos pasando de continuación de la cita (lo que requiere ir
persona en persona, de grupo en grupo, y volver varias veces de uno a otro programa).
observando cómo lo hacen. Durante toda la Como no ha encontrado ninguna referencia
mañana no hemos necesitado abrir la boca temporal, no pone el año pero sí añade a
pues los alumnos han buscado sus propias la URL la indicación del día en que la ha
tareas en fichas que habíamos colocado en encontrado. Para terminar añadirá dos líneas
la red. Sólo al final del día en una puesta explicándose A SI MISMO por qué le ha
en común hemos compartido las experiencias parecido interesante la cita.
de ese día. Juan nos ha presentado un elegante El proceso se repite, en ocasiones
y completo trabajo sobre un escritor. Esta era resumiendo algún párrafo, aunque también ha
su historia. seleccionado/copiado/pegado fotos e incluso
Juan abre NetScape y consulta a través un fichero de sonido con la voz del autor y
de la red la tarea que tiene pendiente: tiene una corta secuencia de vídeo que le ha llevado
que entregar un trabajo sobre un escritor media hora durante la que ha seguido
determinado. Mientras mantiene abierto el recogiendo información en las otras ventanas.
programa, abre su base de datos (por ejemplo, Todo esto lo ha colocado en una carpeta/
FileMaker que es muy intuitiva y flexible) directorio que ha creado especialmente.
y busca si tiene direcciones de búsqueda sobre También lo ha ido insertado en el documento
literatura, autores, escritores, etc. Encuentra Word. Con esto ha terminado la primera parte
una dirección de un periódico que está del trabajo.
dedicada al tema y la de un par de editoriales, Ahora aunque mantiene abiertos los
además de un par de librerías virtuales. Con programas, está sentado delante de la pantalla
ayuda del ratón salta rápidamente entre la y releyendo todo lo que ha escrito/copiado.
base de datos y NetScape, copiando en una Reflexiona (dice que espera la inspiración de
las direcciones que luego “pega” en varias los dioses). Abre otro documento Word (que
ventanas que ha abierto en el navegador. redimensiona y resitúa en escalera, igual que
Mientras la segunda ventana de NetScape (la ha hecho antes con las ventanas y los
primera contiene la información sobre el programas) y va construyendo un esquema
trabajo que le piden) está esperando la de lo que quiere poner. Su esquema tiene
respuesta, ha abierto tres ventanas más donde cinco puntos. Copia el esquema y lo vuelve
ha introducido las otras direcciones. Para a pegar a continuación, pero selecciona
cuando termina de abrir ventanas, la del cambiarlo a “todo mayúsculas” para facilitar
periódico ya contiene información y le lleva la tarea. Ahora copia/pega desde el otro
a varias direcciones que explora con ayuda documento fragmentos del material en bruto
de dos ventanas auxiliares. a continuación de cada uno de los cinco
Algunas veces el enlace no lleva a nada apartados. Acaba de “reclasificar” su
y se muere. Pero en algunos casos encuentra información en el marco (esquema) que había
un texto que se refiere al autor y le parece creado. Es importante pues ha buscado,
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 303

encontrado, valorado, recogido información Juan tiene solo 12 años y no ha llegado


y ahora está estructurándola. aquí en un día: durante varios meses el
Abre un tercer documento Word, pega el profesor ha ido mejorando su forma de
título del primer apartado y a partir de los trabajar día a día. Ha tenido que repetir lo
materiales que había introducido en ese punto, mismo muchas veces. Los compañeros
comienza a redactar un texto (unas diez también se han ido ayudando. Y han ido
líneas) con las ideas clave. Algunas ideas las descubriendo progresivamente que también
refuerza reproduciendo documentos originales provoca placer la presentación de un trabajo
(textos, fotos, sonidos...) que inserta, propio, algo que ellos pueden decir que han
incluyendo siempre la referencia del autor creado y que recibe felicitaciones. Esta ha
y donde lo encontró. sido la tarea de una jornada escolar completa
Cuando ha terminado el proceso, relee el y está orgulloso de su trabajo. Entre medio
texto completo para detectar errores y mejorar hay muchas otras jornadas en cada una de
la comprensión mediante una cuidada las cuales ha ido mejorando un poco su forma
redacción. También suprime palabras de trabajar. Ahora lo está haciendo mejor que
repetidas o efectos desagradables (cacofonía muchos adultos, incluso profesores de todos
por ejemplo). Abre simultáneamente otro los niveles.
programa: un diccionario de sinónimos y un
diccionario de castellano (ninguno en CD- Educación
ROM sino ambos instalados en el disco duro)
lo que le permite sustituir algún término por La forma como profesores y educadores
otro equivalente o comprobar que un término actúan en relación a la adquisición y
es correcto. Aplica entonces el corrector organización del conocimiento debe cambiar
ortográfico (que para evitar problemas tenía urgentemente. Los cambios en la enseñanza
desactivado) y detecta nuevas faltas son tan imperiosos que ya en este momento
ortográficas. Como tiene que decidir cuál es se estaría fraguando un desastre a nivel
la forma correcta, se ve obligado en ocasiones mundial si no fuera porque desde fuera del
a consultar en el diccionario. También aplica sistema educativo se están supliendo las
un corrector sintáctico: éste le indica la carencias formativas de éste.
existencia de algunos posibles errores. En Los centros educativos se muestran
general, a los pocos meses de trabajar así, razonablemente eficaces, a diferentes niveles,
los correctores van encontrando cada vez en los procesos de socialización. También
menos faltas. afrontan, aunque con dificultades importantes,
Con el documento terminado, hace una los procesos de educación afectiva y
copia de seguridad y borra algunos materiales formación ética aunque en este caso, la
intermedios aunque conserva las primeras ausencia de cooperación de otras instancias
anotaciones y ficheros de audio/vídeo/fotos sociales, e.g. la familia, reduce en gran
recogidos por si acaso. La última parte del medida la eficacia de esta acción educativa.
trabajo incluye una revisión estética que le Existen otros ámbitos de actuación con
hace introducir un par de fotos, seleccionar resultados varios, como el desarrollo de
un tipo de letra adecuado, reducir un punto destrezas motoras y psicomotoras. Pero la
el interlineado para que le quepa justo en escuela, la enseñanza secundaria e incluso
las dos páginas (también ha reducido un poco la Universidad no están preparadas para
el margen derecho). Ha escogido utilizar dos afrontar el gran reto del final del milenio:
columnas y una letra 10 que da una apariencia el paso de la sociedad industrial a la sociedad
muy periodística, aunque esto le ha obligado de la comunicación está suponiendo un nuevo
a redimensionar las fotos. Finalmente ha modo de conocer.
impreso el documento. Antes de diez años
esta última parte del trabajo se modificará, 1. El volumen de la información
pues no solo no lo entregará en papel (lo
entrega a través del correo electrónico) sino Durante miles de años, la información
que además lo preparará en formato digital acumulada por la humanidad creció a un ritmo
multimedia. lento, casi imperceptible. De aquella época
304 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

todavía nos quedan vestigios en algunas Hoy, 63 años más tarde, la situación es mucho
comunidades donde la palabra del anciano peor.
se respeta como criterio último. Se trata de El incremento del nivel de conocimiento
una situación en la que el incremento de es tan rápido que cada vez resulta más difícil
información en el espacio de dos generaciones escribir un libro y publicarlo sin que haya
es tan lento que el conocimiento acumulado perdido actualidad. Entre 1707 y 1715 Tomas
por la persona de edad era válido para Vicente Tosca publica los nueve volúmenes
resolver los problemas de la comunidad; la de su “Compendio Mathematico”.
sabiduría residía en los ancianos de la tribu. Lamentablemente, lo había escrito entre 1680
El incremento en el volumen de y 1690, unos 25 años antes, inmediatamente
conocimientos de la humanidad se produce antes de la obra de Newton. Así que el autor
de modo irregular, con momentos de gran rehuye considerar como real el sistema
esplendor y avance de las letras y las ciencias, heliocéntrico, aunque acepta que “como
valga la socorrida expresión, y con momentos hipótesis no hay duda ser una de las mejores
oscuros en la historia. que se han discurrido”.
En los últimos siglos, el volumen de Casi tres siglos después no es necesario
conocimientos se incrementa progresivamente tardar tanto en publicar para llegar tarde.
comenzando una curva de despegue con la Berge y Collins publican en Noviembre una
revolución industrial. Podemos encontrar serie de 3 libros sobre comunicación con
numerosos indicadores de como diferentes ordenadores y clase en tiempo real (Berge
personas perciben este desbordamiento del y Collins, 1994). Segun comentaron los
volumen de información disponible, autores (editores) en la conferencia de la
desbordamiento que la hace difícil de manejar AERA, en Abril de 1995, el texto básico
por el hombre. Un indicador muy utilizado (borrador) había sido entregado por los
es la evolución desde el concepto de Homo
autores en Septiembre de 1992, y la versión
Universalis, ingeniero “y” pintor, hacia el
definitiva entregada a la editorial en Julio
especialista, ingeniero “o” pintor, y la alta
de 1993. En definitiva, 10 meses entre
especialización, ingeniero de lenguajes
ambos momentos, y 16 meses más para que
informáticos o diseñador gráfico de portadas
el primer ejemplar pueda llegar a la primera
de libros. Naturalmente, siguen existiendo
librería. Pues bien, de acuerdo con los datos
personas que abarcan varios campos a pesar
disponibles hoy, por cada 10 herramientas
del conocido dicho: “aprendiz de mucho,
(programas) disponibles en Internet a las que
maestro de nada”.
hicieran referencia los autores en su primer
Pero el indicador que más me gusta en
relación a ese desbordamiento de la redactado, había 25 en el momento de
información, es la obra de Vannevar Bush, entregarlo a los editores, y 127 en el
tal como las concibió en 1932 y 1933, las momento de salir el libro a la calle: desde
escribió en 1939 y las publicó finalmente en que el Editor recibió el libro hasta que salió
1945: “As We May Think” (“Tal como el primer ejemplar, parte de la información
debemos pensar”). A quien este autor no le que debía contener el libro se había
diga nada, posiblemente le resulte más multiplicado por 5.
familiar la palabra “hipertexto”. Bush es Algunas estimaciones actuales calculan
considerado el “abuelo” del hipertexto por que en un campo como la ingeniería
el sistema Memex (Nielsen, 1990), informática la cantidad de información
abreviatura de “memory extender” disponible se duplica cada cinco años; en
(“expandidor de memoria”). El siguiente texto el año 2.000 se duplicará cada año. En
de Nielsen, referido a Bush en los años treinta, Estados Unidos, los títulos académicos en ese
es suficientemente ilustrador: “La principal campo deben ser revalidados cada cinco años.
razón por la que Vannevar Bush desarrolló Otros campos de conocimientos con
su propuesta Memex fue su preocupación por velocidades similares de crecimiento son la
la explosión de información científica que Medicina, numerosas ingenierías, varias
hacía imposible, incluso para los especialistas, ramas de la Física y la Química, diferentes
estar al día en el desarrollo de una disciplina”. ciencias medio ambientales, etc.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 305

¿Qué consecuencias tiene todo esto para muchos profesores tendrían serias dificultades
la escuela? En primer lugar existen dos en ayudar a sus alumnos a adquirir unas
consecuencias directas: destrezas de las que ellos mismos carecen.
• la necesidad de una permanente Todo esto nos lleva a una idea clave en
actualización la que insistiré más adelante: la Enseñanza
• la necesidad de diseñar y utilizar nuevos debe cambiar. En este momento nos hemos
modos de organizar y acceder a la fijado en dos aspectos: la menor importancia
Información. que debe darse a la reproducción de
Los hombres y mujeres de hoy y de los conocimientos, y la mayor importancia que
próximos años tropiezan con esa necesidad debe darse al desarrollo de destrezas en el
de actualizar continuamente sus acceso a la información. Pero sigamos con
conocimientos, y esto se traduce en una el análisis.
explosión de la formación continuada,
suficientemente importante como para que la 2. El modo como se codifica la información
Unión Europea haya seleccionado 1996 como
el año de la “formación a lo largo de toda La mayor parte de la información que
la vida”. Pero no es esa la consecuencia hemos recibido a lo largo de toda nuestra
educativa que aquí me interesa resaltar. La vida académica estaba contenida en palabras,
consecuencia que quiero señalar es la en muchos casos escritas. Para nosotros
progresiva disminución de la importancia que resulta habitual pensar en la información en
se da al conocer como acumulación de términos de libros, contenidos en Bibliotecas,
conocimientos. “Conocer” es hoy algo más sedes donde se guarda el conocimiento
que ser capaz de reproducir nombres, hechos humano. Pero no siempre ha sido así.
y conceptos. Pues de día en día crece la Los versos de la Iliada o la Odisea nos
distancia entre lo que somos capaces de hablan de una época en la que la información
“recordar” y el volumen total de información. se transmitía de modo oral, de ahí la
Y pocos años después de terminar los estudios necesidad de utilizar versos que facilitaran
universitarios descubrimos que una parte el recuerdo. Las cristaleras de las catedrales
importante de lo que “estudiamos” ha nos recuerdan una época en la que la imagen
quedado obsoleto. era en gran medida el soporte de la
Y frente a esta realidad, que no suprime información que llegaba a la mayor parte de
la necesidad de poseer una base de habitantes de este planeta. Era una época en
conocimientos sólida, los profesores no han que la gente no necesitaba saber leer.
sabido reaccionar, y continuan en muchos Desde hace unos pocos siglos, la
casos basando su enseñanza en la transmisión Humanidad ha canalizado su necesidad de
de unos contenidos, más o menos almacenar y transmitir la información a través
actualizados. de la palabra escrita en los libros. Y hoy esto
La necesidad de diseñar y utilizar nuevos está cambiando. En el campo profesional y
modos de organizar y acceder a la académico, el soporte de la información
Información es lo que llevó a Bush a diseñar evoluciona hacia los sistemas multimedia, con
su Memex, o a Ted Nelson a utilizar el un elevado peso de la palabra escrita en
término “Hypertexto”. Es cierto que en ciertos algunos casos, pero con un peso creciente
niveles educativos se está produciendo una de la imagen en otros. En el mundo familiar
apertura a este nuevo modo de organizar la y social ya se ha producido la evolución hacia
información. Sin embargo es frecuente una sociedad audiovisual, dominada por los
escuchar quejas sobre los alumnos que “se medios, especialmente por la televisión.
pierden” por ejemplo en Internet. ¡Claro que No entro aquí en una valoración de unos
se pierden! ¿Quién les ha ayudado a hechos sino en su constatación: la imagen
desarrollar las destrezas para este nuevo modo entra con tal fuerza que la mayoría de la
de acceder a la información? Como en tantos población la utiliza como fuente de
otros casos, los alumnos aprenden estas información. Muchos adultos actuales son
destrezas por ensayo y error sin guía ni capaces de reconocer ciertas especies de
tutorización. También hay que reconocer que animales, lejanas de su hábitat, o el contorno
306 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

de países que nunca han estudiado, o la figura síndrome de Frankestein tal como lo define
de personajes residentes en lejanas tierras. Postman: los hombres creamos una máquina
En los países industrializados, ver televisión con un fin definido y concreto, pero una vez
es la tercera actividad en razón del orden de construida descubrimos que la máquina tiene
tiempo dedicado por los ciudadanos adultos; ideas propias, es capaz de cambiar nuestras
las dos primeras son el trabajo y el sueño costumbres y nuestra manera de pensar. Según
(Ferrés,1994a, p. 14). Podríamos seguir Postman este descubrimiento lo realizamos
incluyendo datos sobre el peso de la imagen horrorizados algunas veces, angustiados
en nuestra cultura, pero me parece normalmente y sorprendidos en todos los
suficientemente obvio. casos (Postman, 1991).
Ante esta situación se disparan las Estoy de acuerdo en que la televisión
alarmas. Estas son algunas de las críticas más cambia nuestra manera de pensar,
frecuentes: se produce un descenso en la precisamente esa es la tesis que estamos
capacidad de concentración, se produce un defendiendo. Pero no comparto que este
exceso de información pero ésta es tan descubrimiento me horrorice o angustie.
superficial que más bien hay que hablar de Posiblemente porque la vieja manera de
“saturación de superficialidad, la pasividad pensar no se ha mostrado tan eficaz en
va en aumento, pérdida del espíritu crítico destruir la intolerancia, la opresión, la miseria,
y de la capacidad de razonamiento (Babin el hambre o la guerra. No sé que posibilidades
y Kouloumdjian, 1983). Todas estas críticas de éxito tiene la nueva manera de pensar pero
son analizadas por Babin que nos muestra no parece que lo vaya a hacer peor.
como ante lo que nos encontramos es ante En todo caso, tanto si aceptamos la línea
una “nueva manera de comprender”. de potenciar facetas de la actividad intelectual
Algunas de las nuevas maneras de conocer relacionadas con la imagen, como la analogía,
están relacionadas con la especialización la intuición, el pensamiento global... o
hemisférica. Existe un viejo libro que ofrece potenciar procesos tradicionalmente asociados
ideas sugerentes sobre estrategias y modos al hemisferio derecho (la globalidad, la
de pensamiento visual, metafórico y representación visual, ...), como si aceptamos
multisensorial (VerLee, 1983). Estas ideas nos la línea de interpretar los cambios producidos
permiten avanzar en una línea en relación en su faceta más negativa (superficialidad,
a este nuevo modo como se codifica la irreflexión, dispersión, falta de estructuración
información. Pero existe otra relacionada con del conocimiento,...) lo que sí queda claro
la disminución de la capacidad de atención, es que la Escuela debe cambiar. No puede
la superficialidad de los conceptos, los seguir tratando de transmitir el conocimiento
amplios campos de conocimienots y la como hace 50 años, basados en la palabra,
dispersión y falta de estructuración del especialmente en la palabra escrita.
conocimiento. No creo que se trate de adoptar
una posición de “apocalíptico ante los 3. El modo como accedemos a la
medios”, utilizando el término de Umberto información
Eco, o de seguir los consejos de Jerry Mander
cuando de modo detallado nos expone sus Todavía es posible encontrar en algunos
razones por las que la televisión debería ser edificios antiguos de nuestras más venerables
eliminada (Mander, 1977). universidades aulas al viejo estilo. Ellas nos
No es porque crea que la televisión es dicen mucho sobre cómo se concebía el modo
un tabú. Mander destaca que de 6.000 libros de acceder al conocimiento. Aquí deseo
aparentemente publicados sobre la televisión, resaltar dos características. Una es la seriedad,
sólo ha encontrado uno en el que la idea de la sobriedad, el respeto, el peso abrumador
que la televisión desparezca es considerada de piedras en aulas de techos de altas
de alguna forma, y ante eso decide que nos dimensiones; faltan elementos alegres, faltan
encontramos ante un tabú (Mander, 1977, pg. pintadas, faltan chistes -¿alguien se imagina
357). Mas bien pienso que nuestra cultura a Mafalda en una clase así?. La otra
ha cambiado y ha sido la televisión quien característica es la unidireccionalidad del
la ha cambiado. Aquí podríamos aplicar el discurso: a un lado, en una tarima o, en
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 307

ocasiones, en un púlpito, el lugar del profesor, Y es a través de la diversión como los


del sabio poseedor de grandes conocimientos; niños y los hombres acceden a la mayor parte
al otro lado los asientos o pupitres, muchas de la información y, en muchos casos, a la
veces colocados en filas, fijos, sin posibilidad que consideran más relevante. Varias veces
de interacción entre los estudiantes. ultimamente le he pregunta a mi hija de 8
Y frente a eso el modo cómo hoy se años dónde había aprendido algo que le había
accede a la información se caracteriza por escuchado sorprendido. Y en todos los casos
dos cambios. Uno, un cambio en la actitud su respuesta era siempre la televisión
social que nos lleva a la cultura del (incluyendo aquí ciertos vídeos como las
espectáculo, la diversión, el entretenimiento. colecciones “Erase una vez la Vida”, etc.).
El otro es un cambio, también social y Nunca me ha respondido “en clase”. Es una
fomentado por la evolución de la tecnología anécdota pero que se complementa con otras
(¡otra vez el síndrome de Frankestein!) que como cuando alquien me hizo notar la
lleva hacia la participación, la interactividad, pobreza de la información contenida en los
el diálogo, la búsqueda cooperativa. libros de Naturales de 2º y 3º de Primaria
El primer punto se traduce en que hoy (de una excelente Editorial) comparándolos
se accede a la información de un modo con lo que veían los niños en cualquier
“divertido”. Por un lado, la cultura del reportaje de la televisión.
espectáculo, tal como la define Joan Ferrés: Cuando hablamos de “diversión” y
“Por primera vez en la historia de la entretenimiento, estamos hablando de una
humanidad puede afirmarse que vivimos en triple gratificación (Ferrés, 1994a): la
una cultura del espectáculo. No sólo porque gratificación sensorial por los estímulos
las tecnologías de la comunicación visuales y sonoros, la gratificación mental
audiovisual ponen a disposición de los derivada de la fabulación y la fantasía, y la
ciudadanos toda clase de espectáculos a todas gratificación psíquica provinente de la
las horas del día. También porque acaban por liberación catártica que provocan los procesos
convertir en espectáculo todas las realidades de identificación y proyección.
a las que se aproximan, desde la política, Hemos hablado de la otra característica,
con sus shows electorales, hasta la religión, la participación. En los últimos años he
con sus iglesias electrónicas...” (Ferrés y podido constatar como las nuevas tecnologías
Bartolomé, en proceso). de la comunicación están evolucionando hacia
Otra aproximación a este tema nos la dan sistemas más interactivos y participativos
el papel cada vez más importante de los (Bartolomé, 1995). Vamos a citar rápidamente
videojuegos como instrumentos educativos, algunas de estas tecnologías, Multimedia e
tanto por su capacidad de desarrollo de Internet.
destrezas de trabajo colaborativo, toma de Hablemos de programas Multimedia: “La
decisiones, etc. como por su utilización en mayor parte de materiales informáticos han
marcos educativos más convencionales, en sido preparados como paquetes fijos.
lo que se ha llamado “Edutainment”, Proyectos recientes están haciendo un
combinación de los términos ingleses esfuerzo para dar a los estudiantes un papel
“Education” y “Entertainment”; nosotros creativo; las tareas no consisten simplemente
diríamos “Edutenimiento” (Educación y en reaccionar ante materiales preparados, sino
Entretenimiento) o Eduversión. en crear otros nuevos” (Hodges y Sasnett,
Finalmente podemos realizar una tercera 1993; p.32). Lo más significativo de esta cita
aproximación desde el concepto de cultura es su procedencia, dos investigadores del
del ocio. A pesar de algunos pseudoestudios proyecto Athena del MIT. Hoy los sistemas
que hablan de que el hombre de hoy tiene multimedia se caracterizan por la integración
menos tiempo libre, la verdad es que para de medios y por la interactividad o
la mayoría de población, especialmente las interactuación entre sujeto y máquina
clases más bajas, el tiempo libre se ha (Bartolomé, 1994).
incrementado en los últimos 60 años. Y es La dimensión participativa de Internet es
un tiempo libre dedicado en muchos casos hoy uno de los temas de moda, precisamente
al entretenimiento, al ocio. por la ausencia de controles o límites a esa
308 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

participación. Por primera vez una persona distantes miles de kilómetros. Las redes no
puede distribuir información a nivel de todo sólo proporcionan información al usuario,
el planeta a un costo mínimo. ¡Cualquier sino que este se convierte en sujeto activo
información!. Es cierto que los sistemas de en la construcción de dicha información.
correo electrónico no son nuevos, y por No es posible dedicar mucho más espacio
supuesto, sistemas como el teléfono, etc. Pero pero habría que hablar de cómo también los
lo nuevo es el acceso a través de Internet, medios más convencionales como la radio
una red de costo reducido, a, y la televisión caminan hacia una dimensión
videoconferencias mediante CuSee-Me, más participativa. Y cómo esta evolución
sistemas de aprendizaje gestionado por tecnológica tiene un paralelismo en una
ordenador, forums telemáticos, etc. Y estamos sociedad que podría definirse a través de una
sólo en el comienzo. Existen numerosos “cultura de la participación” (Ferrés y
proyectos en todo el mundo como el KSI Bartolomé, en proceso). Y habría que hacer
(Gaines, 1994) cuyo objetivo es “proporcionar también referencia al hipertexto como modelo
un nueva generación de sistemas de soporte para organizar la información.
al conocimiento basados en una arquitectura Los sujetos de hoy son sujetos que toman
abierta, que permitan la colaboración entre decisiones, que están activos,... y que viven
círculos de estudiosos a través de la inmersos en una cultura del espectáculo y
tecnología de la información, con la intención en una sociedad del entretenimiento. ¿Puede
de conseguir una aceleración sistemática de la Escuela seguir utilizando aquellas viejas
los procesos de conocimiento humano” (p. aulas de piedra?. El modo como accedemos
10). Es el trabajo colaborativo en el seno de a la información ha cambiado, y la escuela
comunidades de investigadores y expertos, debe cambiar.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 309

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310 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 311

Memória e imagem do idoso como experiência pedagógica


Benalva da Silva Vitorio1

A escola deixou de ser o único lugar bios e dos ditos populares, o mundo da
de legitimação do saber, pois existe música popular narrativa e do rap deslocam,
uma multiplicidade de saberes que também, a partir de suas próprias gramá-
circulam por outros canais, difusos e ticas, ritmos e prazeres, o ascetismo triste
descentralizados. Essa diversificação do autismo livresco”.
e difusão do saber, fora da escola, são Mas nem sempre é possível realizar essa
fortes desafios que o mundo da co- tarefa, sobretudo no cotidiano acadêmico.
municação apresenta ao sistema edu- Normalmente, nesse meio, docentes e discen-
cacional. tes se fecham em suas áreas, em suas es-
Jesús Martín-Barbero2 pecialidades (até mesmo no âmbito da
Comunicação Social) e “olham” fascinados
Enquanto se introduzem novas modali- a mídia com seus produtos e atores, procu-
dades no sistema educativo, graças ao avan- rando dar conta, de forma isolada, da com-
ço de tecnologias no campo da Comunicação plexidade desse campo. Esquecem, ou sim-
Social, há professores que permanecem plesmente ignoram, o diálogo necessário entre
estacionados no autoritarismo, “como reação as disciplinas, entre as áreas de conhecimen-
à perda de autoridade”, diante de novos to, para se elaborar, como propõe Baccega5,
saberes que os alunos trazem para a sala de “um aparato conceitual que coloca os meios
aula. Hoje, como afirma Martín-Barbero3, no centro das investigações e procura dar
“diante do professor que sabe muito bem conta da complexidade do campo”.
recitar sua lição, senta-se um alunado que, Daí a pertinência em destacar o alerta feito
por osmose com o meio-ambiente comunicati- por Martín-Barbero6 a respeito do que ele
vo, está embebido de outras linguagens, chama “esquizofrenia cultural”, ou seja, os
saberes e escrituras, que circulam pela dois tipos de saber que dividem os cidadãos,
sociedade”. na sociedade moderna, onde a comunicação
Frente a esse quadro, é preciso rever a se converte em “ecossistema”.7 Por um lado,
Escola para que se transforme em espaço o saber que lhes concede o diploma como
propício à autodeterminação dos sujeitos passaporte ao mercado de trabalho e ascen-
envolvidos, como laboratório a novas expe- são social; por outro, o saber que lhes permite
riências pedagógicas, novas práticas docen- compreender as mudanças do sistema pro-
tes, onde se aprenda a convivência uns com dutivo e inovação da sociedade.
os outros e se harmonizem diferenças. Para A exemplo desse autor, defendemos o
tanto, será preciso romper com o sistema segundo tipo de saber, aquele que promove
educativo centrado apenas na escola e no livro a autodeterminação dos estudantes para que
e enfrentar o desafio de transformar o espaço sejam capazes de respeitar o que está posto,
escolar em “ambiente de informação e de conviver com o novo e harmonizar as di-
conhecimentos múltiplos”, como preconiza ferenças. Para tanto, a Escola precisa traba-
Martín-Barbero4, ao reivindicar a existência lhar com o saber difuso e descentrado que
da cultura oral e audiovisual sem desconhe- circula na sociedade, além dos muros da sala
cer a cultura letrada, mas juntando a ela “as de aula, considerando a cultura oral e a
múltiplas escritas“que hoje conformam o audiovisual, respeitando a leitura e a escrita
mundo da informática e o audiovisual”, como meio de criatividade, procurando
trabalhando também a “oralidade cultural das aproximação com o mundo da imagem,
maiorias”, porque “o mundo das piadas e entendendo a sua língua. Como justifica
das narrativas orais, o mundo dos provér- Martín-Barbero8, “a escola desconhece tudo
312 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

o que de cultura se produz e transcorre pelo Social, que procuraram compreender como
mundo audiovisual e pelo da cultura oral: o idoso apareceu na mdia, entre os meses
dois mundos que vivem, justamente, do de agosto a outubro. Para tanto, cada grupo
hibridismo e da mestiçagem, da mistura de de alunos escolheu meios de comunicação
memórias territoriais com imaginários des- social para acompanhar relatos jornalísticos,
locados. Enfrentemos o mal-entendido”. peças e campanhas publicitárias, programa-
ção de lazer, analisando a mediação do
A experiência pedagógica comunicador social (jornalista, relações
públicas e publicitários) entre o idoso e a
Na trilha desse desafio, elegemos o ido- sociedade.
so, que ganhou a atenção da mídia, da Igreja Participaram do trabalho 260 alunos na
Católica e do Governo, em 2003, como primeira etapa e 200 na segunda, organiza-
temática para o desenvolvimento de pesqui- dos em grupo de estudo, em cada uma das
sa-ação com os nossos alunos em três cursos turmas. No final de cada semestre, os grupos
de graduação da UniSantos, nos quais mi- expuseram os resultados da pesquisa-ação em
nistramos disciplinas relacionadas nossa seminrio, discutindo propostas e refletindo
formação: Comunicação Social, Geografia e sobre a contribuição da atividade para o
Nutrição9. O que pretendíamos, no início do crescimento individual e compreensão da
ano letivo, era somente promover a integra- sociedade11.
ção entre jovens e idosos, em meio disso-
lução dos laços afetivos que caracteriza a Da aproximação à descoberta
sociedade do século XXI. No decorrer do
trabalho, porém, constatamos que poderíamos A história deve reproduzir-se de
estender nossa “viagem” e alcanar resultados geração a geração, gerar muitas ou-
no sentido do que defende Baccega10, ou seja, tras, cujos fios se cruzem, prolongan-
de que as pesquisas resultantes do diálogo do o original puxado por outros dedos.
entre os saberes “permitem apontar os meios Ecléa Bossi12
de comunicação como os maiores produtores
de significados compartilhados que jamais Já se conhece, de acordo com os resul-
se viu na sociedade humana, reconhecendo- tados do censo realizado pelo IBGE (Insti-
se, desse modo, sua incidência sobre a tuto Brasileiro de Geografia e Estatística), em
realidade social e cultural”. 2000, o aumento da população idosa no
A estrutura desse nosso trabalho, portan- Brasil13. Porém, na medida em que aumenta
to, compreendeu duas etapas. No primeiro o tempo de vida dos brasileiros, a idade
semestre, os alunos conversaram com idosos cronológica, diminui o respeito, míngua a
a respeito de problemáticas referentes às suas paciência, esgota a consideração para com
áreas de formação. O roteiro da entrevista aqueles que, não sendo mais jovens, não tendo
mais capacidade plena de produção, vivem
aberta consistiu em indagações por parte dos
à margem do Outro, em estado de exclusão
alunos, o que permitia a organização da
social.
narrativa dos idosos quanto aos assuntos de
Com recursos financeiros reduzidos
interesse nas respectivas áreas de formação, pensão e aposentadoria insignificantes diante
ou seja: fatos/acontecimentos que marcaram, do que precisam para tratamento de saúde,
no passado, a vida dos idosos (jornalismo); alimentação e lazer a que tem direito, no
imagens de pessoas ilustres e instituições tempo em que deveria ser de descanso, os
importantes que ficaram na memória (rela- idosos deixam-se morrer, levando consigo
ções pblicas); produtos e marcas de consumo relíquias da sabedoria. Muitas vezes, como
na juventude (publicidade e propaganda); “estorvo” na vida familiar, são “depositados”
alimentos e refeições na família, em outros em asilos e casas de repouso, onde esperam
tempos (nutrição); transformação do meio o tempo passar até que chegue o seu tempo:
ambiente (geografia). o da morte.
O desdobramento do trabalho, no segun- Bosi 14 descreve esse tempo da vida
do semestre, contou com a participação “natural como a cor da pele”, lembrando os
apenas dos alunos do curso de Comunicação preconceitos que cercam o idoso, as dificulda-
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 313

des que enfrenta “para continuar sendo um Trabalhando com a memória, resgatamos
homem”. Mesmo que não seja castigado por a arte de contar histórias, acolhendo o conselho
alguma falha ou distração, mesmo que não no ato do falar vivo. Isso porque acreditamos
seja atingido por algum infortúnio, ele ge- no que Bosi18 afirma sobre “a arte da narra-
ralmente perde a razão de viver ou descobre ção”, que “não está confinada nos livros, seu
a ausência dessa razão, considera Beauvoir15, veio épico é oral. O narrador tira o que narra
em estudo sobre “a velhice”, justificando o da própria experiência e a transforma em
conformismo do idoso na espera da morte. experiências dos que o escutam”.”
Mas, para manter os projetos vivos e Contudo, na atualidade, neste tempo de
afastar o fantasma da morte, o idoso precisa globalização da sociedade do espetáculo, a
do Outro, da sua atenção, além dos cuidados narração foi substituída pela informação frag-
que a idade avançada carece. Aí está a im- mentada que a mídia difunde enquanto no-
portância da memória como trabalho. Lem- vidade “e só tem valor no instante que surge”.
brando, refazemos, reconstruímos, repensa- Assim a informação “se esgota no instante
mos, “com imagens e idéias de hoje, as em que se dá e se deteriora”. A narração é
experiências do passado”, considera Bosi16, diferente, ela “não se consuma, pois sua força
explicitando a lembrança como sobrevivên- está concentrada em limites como o da se-
cia do passado. mente e se expandir por tempo indefinido”.
A lembrança de uma imagem construída A essa consideração, Bosi19 compara a situ-
pelos materiais que estão, agora, à nossa ação do “receptor da comunicação de massa”
disposição, no conjunto de representações que como “um ser desmemoriado”.
povoam nossa consciência atual. [...] ela não Cabe à Escola, portanto, reverter esse
é a mesma imagem que experimentamos na quadro, trabalhando as competências nos dois
infância, porque nós não somos os mesmos pólos da comunicação (enunciador e
de então e porque nossa percepção alterou- enunciatário), revendo e discutindo histórias,
se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos propondo alternativas que conciliem univer-
de realidade e de valor. O simples fato de sos, linguagens e percepções; ativando, enfim,
lembrar o passado, no presente, exclui a memórias para evitar o que Martín-Barbero
identidade entre as imagens de um e de outro, chama de “esquizofrenia cultural”.
e propõe a sua diferença em termos de ponto Com o propósito de recuperar a capaci-
de vista. dade de escuta dos jovens, procuramos
Ao trabalhar com a memória, no encon- orientá-los como ouvintes que, esquecendo-
tro entre idosos e jovens, reelaboramos o que se deles próprios, pudessem penetrar na
foi com a proposta do que é para se construir história dos idosos, de tal forma que a arte
o futuro. Lembrando o que diz Chau sobre de narrar fosse transmitida de maneira na-
o trabalho de Bosi17, “ler é retomar a re- tural e agradável. Constatamos, com essa
flexão de outrem como matéria-prima para prática pedagógica, que a partir do encontro
o trabalho de nossa própria reflexão”. foram recuperados fios de uma rede artesanal,
Aí está uma das justificativas para a pri- tecida em milénios: a narrativa, forma
meira parte do trabalho que realizamos com artesanal de comunicação.
nossos alunos da graduação, em 2003. Ao No encontro de tempos diferentes, não
convocar a memória de idosos a respeito de houve substituição, mas o complemento do
objetos que constituem a base para a pre- artesanal com o tecnológico: anotação e
paração profissional desses jovens, eles gravação dos relatos: sobre guerra mundial,
procederam a leitura de vozes dos que fa- ditadura militar, racionamento de comida,
laram (como trabalho de lembrar, da memó- censura das palavras; filmagens das rugas
ria) para a construção de objeto simbólico com histórias, das mãos trêmulas a pedir
de análise (discurso de idosos), procurando carinho, do olhar distante recuperando lem-
compreender sentidos possveis a respeito de branças, tecendo caminhos na relação entre
acontecimentos, imagens, produtos, práticas universidade e sociedade.
culturais, meio ambiente, conforme a proble- No cruzamento dos fios de histórias do
mática levantada em cada um dos cursos passado, surgiram novas histórias que os
envolvidos, nas respectivas disciplinas. alunos construíram como artesãos de uma
314 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

sociedade mais justa, onde idosos e jovens levantaram questões pertinentes para a con-
possam conviver, trocando experiências com tinuidade do estudo sobre o idoso e os meios
mútuo respeito, vincadas de solidariedade. Na de comunicação social, como desafios
metáfora da viagem, vencendo distâncias, os aquisição do saber e formação da cidadania.
universitários renovaram suas bagagens, Sobre a escassez de produções voltadas
porque o saber não está somente nos livros. para o idoso, o jornalista e diretor do Centro
No encontro de descobertas, jovens e idosos de Produção de Cinema e Televisão da
teceram a substância social da memória, da Universidade de Brasília, Paulo José Cunha,
lembrança, a fim de não se perderem his- observa o seguinte:
tórias pessoais que ajudam a construir o Emissora alguma se arrisca a colocar no
conhecimento. ar um programa especificamente destinado
ao público da terceira idade, porque teme ser
O idoso na mídia carimbado de “televisão de velho” e, com
isso, perder a audiência das demais faixas
Em 2003, especialmente no segundo etárias. Desde o departamento comercial até
semestre, a mídia destacou o Brasil de cabelos a teledramaturgia, os estereótipos apontam
brancos, e o idoso foi assunto de pauta em para a necessidade de não se mostrar o velho
diferentes situações. Homenageado na Cam- ou, se tiver de mostrá-lo, que se mostre um
panha da Fraternidade da CNBB – Confe- velho que quer ser jovem, que precisa ser
rência Nacional dos Bispos do Brasil –, que jovem, que não pode jamais “sucumbir” à
conclamou Vida, Esperança e Dignidade a própria velhice.
essa população significativa no país, o idoso
conquistou o seu Estatuto, sancionado em 1º Desafios
de outubro pelo presidente Luís Inácio Lula
da Silva. No entanto, foi vítima da medida “A mídia continuará a dar espaço ao
arbitrária do ministro da Previdência, Ricardo idoso, nos próximos anos?”. Essa questão,
Berzoini, que suspendeu o pagamento das no nosso entender, sintetiza a preocupação
aposentadorias aos segurados com mais de levantada pelos alunos no decorrer dos se-
90 anos, até a prova de que estavam vivos, minários. Nas diferentes mídias e tipologias
comparecendo aos postos da previdência. O textuais, os estudantes constataram o que
sacrifício nas filas, registrado pela mídia, afirmou o editor de um jornal local: “o idoso
revoltou os brasileiros. aparece na mídia quando a pauta pede”.
Além dessas e outras pautas nos notici- E a pauta pedia, como apuraram os alunos,
ários, o idoso mereceu destaque na progra- sempre os mesmos assuntos: doença / saúde
mação televisiva de lazer com abordagem / medicamento, aposentadoria, denúncia de
polêmica: a maldade da neta em Mulheres maus tratos e abandono. Informações de
Apaixonadas, novela de Manoel Carlos, problemas descontextualizados, sem apontar
veiculada no horário nobre da Rede Globo; alternativas para solução. Isso no que se refere
o modernismo da Avó Layla, em Malhação, ao cidadão comum, porque o famoso sempre
que passou no vestibular de Direito e assu- tem espaço para ilustrar matérias sobre
miu o cotidiano dos jovens na universidade. esporte, lazer, qualidade de vida, beleza,
E os nossos alunos do curso de Comu- viagem e “outras maravilhas que não fazem
nicação Social deram conta dessa gama de parte do cotidiano da maioria dos idosos
produção da mídia sobre os idosos, contan- excluídos na mídia”, como desabafou uma
do, muitas vezes, com o apoio da família para aluna. Excluídos eles estão também na
a gravação de programas da televisão, seleção Internet, de acordo com o levantamento dos
e recorte de matérias impressas, esclarecimen- alunos em diversos sites para idosos, com
to de fatos do passado, a fim de que pu- predominância de programas para “diversão
dessem estabelecer relação com “o mundo dentro de casa”: jogos de carta, receitas
de hoje”. culinárias, palavras cruzadas etc.
Nos seminários 20, observamos que os Na publicidade, o idoso quase sempre
alunos, além de confirmarem premissas que aparece em situações forçadas para que haja
investigamos em nossa tese de doutorado21, aproximação com o universo dos mais jo-
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 315

vens. Com isso, algumas peças publicitárias mente, no processo de transformação do todo?
ridicularizam a condição de idoso para vender Como explicam Seabra e Muszkat22 a iden-
produtos destinados aos mais jovens. A tificação de si mesmo, que existe no encon-
questão, como enfatizou um dos grupos tro com o Outro, realiza-se sempre num
envolvidos no trabalho, não é o idoso “ser determinado momento histórico-social entre
jovem, mas parecer jovem”. E essa diferença dois seres na luta pela sua existência. E esse
entre ser e parecer não é contemplada de- momento, no nosso entender, começa na
vidamente nas peças publicitárias, em que os Escola, com pedagogia e currículo capazes
idosos aparecem deslocados como protago- de oferecer oportunidades para que os estu-
nistas em situações persuasivas, de forma dantes desenvolvam capacidades de crítica e
grotesca. questionamento dos sistemas e das formas
Na programação de lazer, sobretudo na dominantes de representação da identidade
dramaturgia, a abordagem foi mais convin- e da diferença. “Pedagogia” significa “dife-
cente. Quase todos os alunos fizeram alusão rença”. Assim Silva23 explica o ato de edu-
aos idosos de Mulheres Apaixonadas e car, que “significa introduzir a cunha da
Malhação, estabelecendo relação entre a tra- diferença em um mundo que sem ela se li-
ma desses dois programas televisivos e si- mitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico,
tuações em suas vidas familiares. Exemplo um mundo parado, um mundo morto”.
da aluna que relatou a aproximação com a
avó alcoólatra, enquanto realizava o traba- No país de diversidade como o nosso, a
lho; do aluno que confessou ser “um inútil”, sugestão de Oliveira (2004) complementa o
pois o avô trabalha para pagar a mensalidade que procuramos investigar com os nossos
do seu curso. A idosa Layla, de Malhação, alunos, ou seja: “o que nos une é mais forte
considerada “a avó do sonho” para uns e a do que aquilo que nos separa”. Mas discor-
que envergonharia outros, ganhou mais damos do autor, ao considerar que “a diver-
destaque entre os alunos do que o casal Flora sidade seria a nossa identidade”. Nesse
e Leopoldo, vítima da neta Dóris, em sentido, aderimos à posição de Silva24, que
Mulheres Apaixonadas. Para os jovens, herói aproxima a diferença do múltiplo e não do
não tem idade, principalmente quando desa- diverso, propondo um currículo e uma pe-
fia as regras do jogo, quando introduz o novo, dagogia da diferença e da multiplicidade, com
o diferente, na mesmice do cotidiano. Essa possibilidade de abertura para um outro
“lição” deve ser aprendida em nossas Esco- mundo, o da comunicação, que Martín-
las. Barbero25 aconselha a enfrentar como desa-
Com essa experiência, a questão que fio ao sistema educacional, “desmontando”
colocamos é a seguinte: jovens e idosos estão a “pretensão” da cultura letrada “de ser a
preparados para a alteridade, estabelecendo única cultura digna desse nome e o eixo
a relação do Eu com o Outro, consciente- cultural de nossa sociedade”.
316 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

8
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03 de janeiro de 2004. branças de velhos /, São Paulo, Companhia das
Letras, 1998, 55.
17
Ibid, 21.
18
Ecléa Bosi, / Memória e Sociedade: lem-
_______________________________
1 branças de velhos /, São Paulo, Companhia das
Universidade Católica de Santos – UniSantos
Letraks, 1998, 85.
/ SP / Brasil. 19
Ibid, 87.
2
Jesús Martín-Barbero, / Desafios culturais 20
Como procedimento metodológico do tra-
da comunicação à educação/, São Paulo, Segmen- balho, os seminários consistiram no momento de
to, 2000, 55. exposição sobre os resultados e reflexão a respeito
3
Ibid, 55. da problemática. Portanto, combinamos o seguinte:
4
Ibid, 54-57. a cada falta nas aulas referentes aos seminários,
5
Maria Aparecida Baccega, /A construção do o aluno perderia meio ponto na média entre as notas
campo Comunicação/Educação/, São Paulo, do relatório de pesquisa e a do seminrio.
21
Moderna, 1999, 9. Benalva da Silva Vitorio, /O sentido da TV
6
Jesús Martín-Barbero, / Desafios culturais no cotidiano do idoso: Análise de Discurso como
da comunicação à educação /, São Paulo, Seg- prática teórica transformadora, 2003. 218f., tese
mento, 2000, 55. (doutorado em Comunicação), Escola de Comunica-
7 ções e Artes da Universidade de So Paulo, São Paulo.
Tomando a Colômbia como modelo, Jesús 22
Zelita Seabra, Malvina Muszkat, / Identi-
Martín-Barbero aponta dois tipos de dinâmica que
dade feminina, Petrpolis, RJ, Vozes, 1985, 20.
promovem as mudanças na sociedade latino-ame- 23
Tomaz Tadeu da Silva, /A produção social
ricana: “a de uma comunicação que se converte da identidade e da diferença/, Petrópolis, RJ,
em ecossistema e a de uma forte diversificação e Vozes, 2000, 101.
descentralização do saber”. Para o autor, 24
Ibid, 100.
ecossistema comunicativo “é a relação com as novas 25
Jesús Martn-Barbero, / Desafios culturais
tecnologias, com sensibilidades novas, muito mais da comunicação educação/, São Paulo, Segmen-
claramente visíveis entre os mais jovens” (2000,55). to, 2000, 57.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 317

Magia, luzes e sombras.


Uma Perspectiva Educacional Sobre Vinte Cinco Anos De Filmes
No Circuito Comercial Em Portugal * 1974 – 1999 *
Carlos Capucho1

I – Uma perspectiva educacional sobre o não pode por isso ser negligenciada numa
cinema perspectiva educacional. Este foi um dos
principais objectivos da investigação levada
A investigação realizada em ordem a uma a cabo.
tese de doutoramento teve em conta a defesa José Carlos Abrantes (1992) sublinha as
de um quadro de preparação técnica e ci- virtualidades do cinema não apenas no pro-
entífica que habilite os educadores para a cesso de aprendizagem que envolve os alu-
compreensão dos mecanismos da comunica- nos, mas também na formação de professo-
ção mediatizada no sentido de os dotar com res. A dado passo afirma (pp. 61-62):
capacidade crítica, essencial para o exercício
de tarefas educativas no campo dos media. “[...] o cinema de hoje permite-nos,
Nem sempre uma tal qualificação se veri- com sequências curtas de dois ou três
fica2. Porém, as habilitações que se referem minutos, «dizer» com grande propri-
não respeitam apenas à capacidade de leitura edade e sentido emotivo aquilo que
e interpretação. São exigíveis também para as palavras nem sempre sabem desen-
a compreensão dos efeitos dos media nos cadear. [...] A vantagem do cinema é
públicos a que se dirigem3. No entanto, a que as entradas são infinitas: o que
necessidade de formação dos educadores no é preciso é ter uma preocupação e
campo dos media audiovisuais desde cedo procurar, no filme certo, a resposta
(e podemos considerar os anos 50) levantou mais interessante”.
resistências 4. Hoje, porém, é bem mais
pacífica a aceitação de uma preparação de Este testemunho confirma a experiência
educadores nas diversas formas de comuni- integrada desde há muitos anos no nosso
cação mediatizada5 e, nesse sentido, tentam próprio trabalho, que sempre utilizou o ci-
responder os estabelecimentos de ensino nema (tal como os videogramas), com re-
superior e ainda as múltiplas iniciativas no sultados pedagógicos muito positivos, não só
campo da “educação para os media e da como instrumento lúdico, mas também como
educação pelos media” levadas a efeito pelo fonte de informação e proposta de reflexão
Instituto de Inovação Educacional antes da de questões da sociedade contemporânea. Da
sua infeliz extinção6. forma como o cinema vem sendo referido
Questões da natureza das que se vêm torna-se claro que o tomamos na vertente dita
formulando colocam problemas relacionados comercial e não como um “facto fílmico
com a necessidade de estabelecimento de didáctico” (Jacquinot, 1977), muito embora
bases teóricas e práticas para a utilização – voltamos a sublinhar – nos interessem as
pedagógica do audiovisual, particularmente eventuais valências pedagógicas da produção
do cinema. Ao longo de mais de um século comercial, exactamente porque o nosso olhar
a designada Sétima Arte desenvolve-se em se estabelece dentro de uma perspectiva
múltiplas manifestações de forte impacto e educacional.
popularidade, sobretudo ao nível do entre- Lauro António (1999:23) reforça a ideia
tenimento. No entanto, muitas obras, ao da importância da exploração pedagógica de
cuidarem dos valores estéticos e empenhan- obras cinematográficas num aspecto que vai
do-se em forte intervenção social são, no ao encontro do nosso objectivo, quando nota
campo educativo, uma mais valia. Mas o que os filmes abordam as questões vividas
cinema cedo se constituiu também como na contemporaneidade. Mas o realizador,
poderosa indústria. Uma tão forte presença numa convicção que também perfilhamos,
318 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

coloca a questão de que não basta servirmo- chaves de acesso que lhe permitam a
nos do cinema: descodificação e a interpretação com a
consequente possibilidade de fruírem plena-
“Mas, e o cinema? Raros terão sido mente a obra que lhes é proposta. Pinto &
os professores que se preocuparam em Santos (1996) apelam fortemente para a
mostrar filmes aos seus alunos com necessidade da formação dos espectadores,
a ambição de lhes falar de cinema, desde a Escola, nas regras que enformam a
da sua linguagem específica [...]”. linguagem cinematográfica. Tal conduzirá a
um tipo de espectador mais esclarecido e mais
Porém, se o cinema não se esgota na sua exigente e, consequentemente, mais crítico.
utilização ou na aprendizagem dos seus Só assim o espectador de cinema estará
códigos, também não se reduz ao formato habilitado a Ver, Descodificar e Interpretar.
do televisor, apenas um terminal, um agente E na interpretação o espectador encontra-se
facilitador para a passagem do cinema tal com o autor. Assim se estabelece uma troca.
como o vídeo ou o DVD, a menos que Na história do audiovisual sempre têm
utilizados com projecção, ultrapassando as- surgido analistas que assumem posiciona-
sim as limitações do televisor. Contudo, mentos contraditórios face aos efeitos e às
manda a verdade não esquecermos que esse consequências dos media na vida quotidiana.
é, sem dúvida, o meio mais frequente por Por vezes essas tomadas de posição assumem
onde passam os filmes nas escolas, na for- contornos fundamentalistas sobre a bondade
mação e na animação cultural. Mas o cine- ou a perversidade dos media nas sociedades
ma, durante o século da sua vida, foi criado contemporâneas. Frequentemente posições
para a sala escura e para o grande ecrã, com extremadas são desacreditadas por um maior
tudo o que isso supõe de opções, à partida, rigor da investigação ou pela desmistificação
no que respeita à gramática específica e ao
das premissas que as sustentavam. O estudo
tipo de envolvimento do espectador, como
das teorias da comunicação está aí para o
tão impressivamente refere Edgar Morin. Por
comprovar. Mas do que não resta dúvida é
outro lado, a questão das relações que os
que, na actualidade, a onda – quase diríamos
filmes estabelecem com os diversos tipos de
a moda – que coloca constantemente na
público, com os espectadores concretos, é um
balança as mais triviais abordagens em que
problema complexo que, embora não deixe
a noção de comunicação é agitada como
de estar presente para o visionamento em
bandeira da contemporaneidade, gera
televisor, se coloca certamente de forma
anticorpos que procuram tomar o peso e
diversa quando o filme é visionado em sala.
Sem dúvida que hoje as técnicas digitais, avaliar o significado dessas correntes. As
quer na produção, quer no tratamento, assim conclusões assumidas são umas vezes de
como na distribuição em novos moldes e carácter mais “apocalíptico” outras de sinal
suportes, nos interrogam sobre o futuro mais “integrado”8. Daqui decorre a impor-
próximo da secular Sétima Arte. Mas não tância de um olhar distanciado. No campo
apenas no interior da arte do cinema se educacional existe, por vezes, da parte dos
colocam questões. Também na indústria utilizadores, um deslumbramento acrítico
cinematográfica. Estamos perante uma má- pelas novas tecnologias. Este reparo não
quina produtiva que antecipou – sobretudo contraria a imprescindível atenção dos edu-
no caso americano, pela sua tentacular cadores para a decisiva importância daqueles
hegemonia – o que hoje designamos como instrumentos, apenas sublinha que o novo não
globalização a todos os níveis da rede. poderá fazer esquecer o valor de formas de
Se nos colocamos numa perspectiva comunicação já hoje designadas de tradici-
educacional para encarar o cinema e a uti- onais, uma fórmula, por vezes displicente,
lização de filmes, surge, de forma premente, assumida por alguns que nunca delas sou-
a questão da educação para os media7 con- beram (ou não desejaram) tirar nenhuma mais
ceito e praxis essencial para a formação dos valia de exploração educacional. O cinema
espectadores já que estes, para uma plena poderá ser uma dessas vítimas “tradicionais”.
relação com os filmes, deverão deter as Tal não significa porém que renunciemos a
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 319

interrogar esta forma de expressão audiovisual terem sido incluídas. A operacionalidade da


que envolve Magia, Luzes e Sombras. tarefa a tal obrigou. É nessa selecção que
se encontram os títulos referenciados na
O núcleo da investigação análise pormenorizada que ocupa essencial-
mente o núcleo do Corpus I. O critério
A matéria da investigação é constituída aplicado para a selecção das obras em causa
por dois Corpus complementares. O primei- respeitou uma evidente qualidade da lingua-
ro apresenta dados globais sobre os 6.728 gem cinematográfica, a importância relativa
filmes considerados na exibição comercial em dos realizadores e a pertinência educacional
salas portuguesas9 durante o período em dos conteúdos fílmicos. Muitos desses títu-
estudo. Trata-se de um terreno fértil de los encerram algum grau de construção sim-
pesquisa e a que efectuámos é uma entre as bólica, uma matéria a que atribuímos alto
várias possíveis. A principal fonte que sus- valor educacional, como ficou demonstrado
tenta a observação é o “BC - Boletim na nossa dissertação de mestrado (1994).
Cinematográfico”, uma publicação do Secre- Deveremos também acrescentar que um
tariado do Cinema e do Audiovisual da Igreja número considerável desses filmes apresenta
Católica, fundada em 1951, e que tivemos conteúdos questionáveis. Tal é uma ocasião
ocasião de conhecer de perto ao longo dos para considerarmos como temas ditos difí-
dezanove anos em que integrámos a equipa ceis podem constituir uma oportunidade
de críticos (1974/1993). O encerramento do pedagógica para reflectir sobre problemas e
BC teve lugar em Dezembro de 1998 por situações que questionam as sociedades
razões de ordem financeira. A referência dos contemporâneas. A título de exemplo apon-
filmes estreados em Portugal no período de tamos a questão da violência nos media e,
1999 ainda respeitante ao estudo foi feita com por consequência, também no cinema. Os
recurso a “CINEDOC - Centro de Documen- filmes seleccionados estão concentrados em
tação Cinematográfica”, um serviço consti- duas listagens constantes nos Anexos. A
tuído por uma parte da equipa cessante primeira apresenta os dados referentes à ficha
de”BC. Uma das particularidades da Publi- técnica de cada filme. A segunda, fundada
cação em referência reside na recensão da na primeira, apresenta a classificação de
totalidade dos filmes estreados no nosso país. género atribuída pelo BC aos filmes em
O número acima apontado constitui o causa.
universo básico sobre o qual se efectuaram O Corpus II, intitulado genericamente
todas as contagens globais que traduzem o “Uma Volta ao Mundo Com o Cinema”,”é
estado da situação no que se refere aos constituído por um minucioso estudo de seis
géneros exibidos, aos realizadores e à ori- casos, ou seja, seis filmes produzidos através
gem das produções. O total de filmes apu- dos cinco continentes e a que se junta um
rado com base nas fichas do BC, se envolve caso português. Procurando integrar o fenó-
obras de valia cinematográfica cuja temática meno da multiculturalidade – tópico especi-
não se enquadrará no entanto dentro do ficamente abordado no Corpus I – esta parte
objectivo do estudo, também apresenta, em do estudo debruça-se sobre situações concre-
elevada escala, uma percentagem de tas em ordem a realizar um trabalho aplicado
subprodutos sem quaisquer créditos que os de análise e interpretação fílmica, dentro de
imponham em contexto educacional. Neste objectivos educacionais. O que se pretende
sentido um dos trabalhos que realizámos, – e tal constitui o cume de todo o trabalho
depois de cuidadosa análise de todas as fichas, – é juntar o rigor da condição do olhar do
consistiu na selecção de um conjunto signi- analista ao prazer lúdico do espectador, uma
ficativo de obras, que representam a maior qualidade que se revela essencial não apenas
parte dos géneros em presença. Chegámos no campo do entretenimento, mas também
assim ao apuramento de 733 filmes que da actuação pedagógica. Na verdade, acre-
significam – sobre o universo global – uma ditamos que quanto mais formos capazes de
percentagem de 10,89%. Esta opção não ver e de ouvir os filmes que se nos oferecem,
elimina a consciência de terem ficado de fora maior qualidade de comunicação – logo de
obras que à partida possuíam requisitos para inteligência – se estabelecerá e, em
320 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

consequência, maior será a fruição e a Mas, e uma vez que está em jogo o
compreensão que arrancaremos quer das cinema, não será possível fazer caminho
peças raras, quer das que simplesmente se pedagógico sem o necessário domínio dos
apresentem com a singeleza do objecto constitutivos básicos que sustentam essa
comum. Estas são condições primeiras para linguagem e dão corpo à sua expressão. Esta
aplicações de ordem pedagógica, a partir do é uma condição de partida para que não se
objecto cinematográfico. perca de vista o que está implicado e o que
É neste cruzamento que entendemos a deve ser observado em permanência: a
palavra luminosa do grande cineasta francês imagem, o som, o texto fílmico, a monta-
que foi François Bresson (+1999): “Dirás de gem, os actores e os espectadores. Temos,
um filme que é belo quando te transmitir uma na verdade, ao longo dos anos, na nossa
alta ideia do cinematógrafo”10. Quanto mais actividade docente, sublinhado sempre a
descobrirmos e inventariarmos num filme necessidade de algum domínio da gramática
as riquezas e as subtilezas de expressão – cinematográfica por parte dos educadores. E
no seu conteúdo, sem dúvida, mas sobrema- uma vez que, em última análise, nos inte-
neira na imagem, no som, na montagem ressa o campo educacional, será um corolário
(enfim, trata-se de audiovisual) – mais lógico que um último capítulo se debruce
mergulharemos na beleza daquele cinema que sobre um conjunto de tópicos que relevam
logra ultrapassar a rotina e o lugar comum. da ordem educacional já que o cinema
E essa descoberta e enriquecimento consti- envolve uma matéria prima que, para além
tuirá a alta ideia do cinema. dos aspectos artísticos e dos valores (ou
Uma das linhas de força do estudo que contra-valores) culturais, se manifesta tam-
realizámos alicerça a ideia de que a impor- bém no dia-a-dia como entretenimento e
tância da formação dos agentes educativos como informação. Mas que transporta tam-
(docentes, formadores e animadores culturais) bém, numa outra vertente – de forma ora mais
não pode ser escamoteada nem postergada. subtil, ora mais agressiva –, as ideologias,
Neste sentido estudámos, numa Primeira a propaganda, a aculturação, a violência,
Parte, todo um conjunto de tópicos relaci- estigmas manipuladores que os filmes im-
onados com comunicação e linguagem cine- põem com frequência aos seus espectadores.
matográfica, um todo que culmina num
capítulo onde se relacionam as perspectivas O cinema: um valor no campo da educa-
educacionais que envolvem o cinema. É que, ção
uma vez que estamos no território da edu-
cação para os media, partilhamos da posição Quando antes aludíamos à importância
de Manuel Pinto (1994) quando sublinha que da educação para os media afirmando que
a aquisição de conhecimentos no domínio dos não se poderia reduzir a uma aprendizagem
media não interessará por si mesma mas de elementos de ordem técnica, não pretendí-
apenas na medida em que contribui para uma amos minimizar a importância de tais aqui-
capacidade de descodificação e o estabele- sições. Queremos mesmo sublinhar que será
cimento de uma habilitação crítica11. Assim, mais difícil termos acesso aos valores que
os campos que fomos suscitando e organi- os media encerram – ou assumir uma postura
zando ao longo de seis capítulos assumem crítica – se não estivermos habilitados com
um inventário fundamental para o olhar de chaves para compreender os processos uti-
um educador sobre o cinema, olhar que lizados e para descodificarmos as mensagens
motiva não apenas uma forma de encarar os veiculadas. Na verdade a educação para os
filmes mas também a sua eventual explora- media contraria a posição dos detractores dos
ção pedagógica. Na verdade, o envolvimento meios de comunicação social que denunciam
educacional tece-se numa rede que apela não um estado de coisas frequentemente real mas
só para os aspectos que lhe são específicos, para o qual não apresentam alternativas. Mas
mas passa por outras disciplinas no domínio contraria também o deslumbramento acrítico
da comunicação e não abdica de uma refle- de outros que no campo da educação estão
xão sobre as influências exercidas pelos prontos a receitar como panaceia para todos
media. os problemas a última aquisição técnica
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 321

proposta pelo mercado12. E os media, como para com os outros media, a objecção poderá
bem sabemos, e como aponta Gonnet (1994: ser ultrapassada se nos aplicarmos a uma
45), não são um testemunho transparente da dimensão transversal da educação como a
realidade sendo antes fautores de represen- apresenta o investigador canadiano Michel
tação dessa realidade que pode ser manipu- Pichette:
lada até ao simulacro13. Por isso as mensa-
gens não são neutras. Quando muito os “Nos programas escolares, a educa-
emissores procurarão, eticamente, uma ob- ção para os media deve e pode cobrir
jectividade que nunca é atingida em totali- a totalidade do ensino. Todas as
dade. E os media em geral, particularmente disciplinas são um bom momento para
no audiovisual, com o impacto das imagens tratar dos media [...]. Do ensino da
animadas e o envolvimento dos sons, repre- matemática ao estudo da geografia, da
senta um enorme poder de sedução e de ecologia e da História ou da língua
persuasão. materna, todas as disciplinas podem
Ora o cinema cedo tomou consciência concorrer para uma alfabetização para
desse poder intrínseco aplicado a subtis os media”15.
veículos ideológicos e de propaganda14. Estes
são, no meio de muitos outros, motivos Temos estado a referir-nos à instituição
importantes para que se equipe cada grupo escolar. Não esqueçamos porém que esta
etário, ao longo da vida, com instrumentos formação se impõe para além da Escola. Ela
de descodificação e interpretação dos dispo- deverá estar também presente na animação
sitivos e dos conteúdos. Ora esse conjunto sócio-cultural e na formação profissional.
de capacidades remete, como também lem- Assim os docentes, os animadores e os
bra Gonnet (op. cit.: 49-51), para temas formadores estejam atentos e habilitados.
fundamentais que deverão estar presentes no No caso específico do cinema, compre-
processo educativo. Aí, o autor aponta, tal ender um filme significa não só reconhecer
como também temos feito há três décadas, e identificar os elementos visuais e sonoros
a importância das técnicas não apenas para mas também compreender o discurso fílmico
que se concentra nos códigos cinematográ-
“aprender a utilizar as de uso corren- ficos propriamente ditos que, por sua vez,
te [...] mas sobretudo para compre- também são determinados pelas tecnologias
ender o funcionamento das grandes utilizadas e que se encontram em permanen-
tecnologias mediáticas, dessacra- te evolução. Sublinha-se, portanto, um aspec-
lizando assim esses mesmos utensí- to que a educação de um espectador escla-
lios”. recido terá em conta. Do que vimos dizendo
ressalta a afirmação de Martinez-Salanova
Importante, também, será a compreensão Sanchez (1997: 26):
dos mecanismos da produção. Tal remete para
elementos ligados à economia e ao direito “O cinema é um instrumento impres-
dos media. cindível para analisar a vida humana,
Digamos, de forma pragmática, que os valores e os contravalores. A
preparar as crianças e os jovens para a multiplicidade de significados do
integração destes elementos na sua prática cinema e as possibilidades de trata-
quotidiana é estar a lutar pela dignidade face mento das imagens cinematográficas,
aos usos dos media. Assim acontecerá com convertem a sétima arte num material
o cinema pois que nos encontramos perante didáctico impressionante.”
uma rede de códigos verbais, sonoros,
icónicos, retóricos, estilísticos e outros. Ora, Recordamos que o cinema – que nos seus
na instituição escolar, a recorrente objecção primórdios saltou de feira em feira – ainda
diz-nos que a preocupação com estas ques- durante o período–mudo apresentou, um
tões poderá conduzir a um desvio dos pro- pouco por todo o lado, obras primas hoje
gramas escolares e que nem sequer existe centrais na História do Cinema e objecto de
tempo para tal. Em relação ao cinema, como estudo de várias disciplinas, dentro e fora da
322 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

área da comunicação. Por outro lado o ci- dores presentes o equívoco de que qualquer
nema coisa serve desde que o filme faça uma
aproximação mínima à questão que se pre-
“marca profundamente o repertório tende ilustrar. É nesta incongruência peda-
afectivo da sociedade e dos indivídu- gógica que radica a tendência de muitos
os e, portanto, dos valores que os professores para a utilização ilustrativa de
enformam. [...] O cinema converte-se filmes como 1492: Cristóvão Colombo
em olho fiel e memória crítica do (1992), do britânico Ridley Scott, ou Inês
século XX. Os filmes reflectem situ- de Portugal (1997), de José Carlos Oliveira,
ações e modos de viver e de sentir ou, num outro território, O Clube dos Poetas
que convertem a película em docu- Mortos (1989), do australiano Peter Weir. Os
mento de uma dada época [e assim] educadores terão em devida conta os proble-
determinam uma forma de ver a mas de ordem ideológica, no primeiro caso,
realidade adequando-se em cada e as limitações da narrativa cinematográfica
momento às formas, filosofias e do segundo filme, bem como, no terceiro –
maneiras de pensar de cada tempo” embora num quadro de grande domínio
(Salanova Sanchez, op. cit.: 26-27)16. cinematográfico e na presença de um actor
como Robin Williams –, a facilidade algo
Nesta clara síntese está compendiada a demagógica das propostas pedagógicas. Na
importância educacional do cinema. E quan- voragem da visão utilitarista é mesmo esque-
do alertávamos para que a educação para os cido – como oportunamente recorda Pierre
media não se esgote na aprendizagem téc- Dumont (AA.VV, 1994:160) – que um filme
nica mas, ao mesmo tempo sublinhávamos, não é apenas a–história mas também o seu
que a sua atenção também por aí deverá título, o genérico, o tratamento técnico, bem
passar, isso significa que consideramos fun- como o desempenho dos actores, os cená-
damental o apetrechamento dos espectadores rios, o guarda-roupa, a música... Estas refle-
com os conhecimentos mínimos que lhes xões críticas não devem contudo fazer-nos
permitam analisar a construção do argumen- cair na injustiça de ignorar as experiências
to fílmico. Em segundo lugar – e se for o realizadas no âmbito escolar por iniciativa
caso de estarmos perante um filme construído de tantos professores convictos da importân-
com base numa matriz literária – a habili- cia pedagógica, social, política e artística do
tação para a referência e a abordagem da fonte cinema. São esses professores que – muitas
literária inspiradora terá que existir por parte vezes sem qualquer apoio–– desenvolvem
do professor ou do animador. Depois, e uma actividades de animação cinematográfica e
vez que a maior parte da ficção dos filmes que garantem, em alguns casos, a coorde-
se apresenta – no interior do relato/história nação interdisciplinar do uso do cinema.
– num tempo e num espaço concretos (pas- De algumas das iniciativas de escolas
sado, presente ou futuro), é importante a podem ser encontrados sites na Internet. É
definição do contexto histórico e social em importante também lembrar que Manuel Pinto
que o argumento se concretiza ou a ficção & António Santos (1996) reflectem, com
antecipa o futuro. Não devemos porém actualidade e pertinência, sobre as questões a
esquecer que estamos no interior de um filme. que vimos aludindo referindo concretamente
É que muitos educadores, uma vez termina- experiências existentes ao tempo da redacção
da a projecção, depressa esquecem o filme, da obra (op. cit.: 65-71 e 75-90). Acrescente-
apenas tomado como mero pretexto, dele se que estes mesmos autores não deixam
apenas se servindo para os seus objectivos também de apontar criticamente os escolhos
imediatos. que, na instituição escolar, dificultam, na prática,
Nunca será demais recordar que a uti- todo este processo (pp. 69-70).
lização de um filme – mesmo o especifica- Por outro lado é forçoso explicitar melhor
mente didáctico – nunca dispensará um um outro aspecto, antes referido. A utiliza-
professor ou um animador de chamar a ção de filmes em contexto educacional (na
atenção para os aspectos cinematográficos da Escola ou na animação cultural) não pode
obra. Não deverá alimentar-se nos especta- resultar de uma amálgama indistinta de
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 323

géneros e autores só porque o tema se adapta A forma como vimos suscitando este
aos objectivos a atingir17. O sentido crítico e conjunto de questões arrasta consigo um leque
a contextualização passam também pela com- recorrente de interrogações que, não poden-
preensão do tipo de corrente em que a obra do ser escamoteadas, não encontraram ainda,
se integra. São por isso importantes aspectos no nosso país, uma solução satisfatória. Trata-
que só a História e a Estética do Cinema se de saber quem, quando e sob que formas
explicam. Mesmo na aparente neutralidade se se poderá realizar a formação de professores
exercem as marcas ideológicas, e estas de- – e de outros agentes educativos – em ordem
verão ser explicitadas antes ou depois do a uma iniciação à linguagem cinematográ-
visionamento, conforme a estratégia pedagó- fica e à sua utilização pedagógica. É que
gica o aconselhe18. Será importante lembrar a integração do cinema no processo educativo
ainda que a importância de que se reveste a não pode ser deixada apenas à boa vontade,
capacidade de ler e interpretar os signos por mais meritória que seja. Por outro lado
cinematográficos está intimamente ligada não trata-se de uma forma de comunicação que
apenas à imagem, mas também à destrinça suscita complexas abordagens teóricas, que
dos signos sonoros: ruídos ambiente e música. possui os seus códigos específicos e que é,
Se a existência de um pano de fundo, a nível simultaneamente, uma forma de arte que fez
individual, no campo da cultura, é importante o seu caminho histórico. É claro que uma
para o exercício da descodificação, sem dúvida aproximação a uma tal matéria não se
que será também positivo o treino da atenção improvisa, já que não se pode aceitar a
ao que nos rodeia, no dia-a-dia, e que nos situação que descrevem Pinto & Santos
permitirá ultrapassar a distracção, hoje tão (1996: 70), uma situação onde
persistente pela deseducação televisiva, que
nos impede de ler o conjunto complexo que “o défice pessoal em informação e
um filme nos propõe, ficando apenas na formação sobre o que é o cinema
periferia da história. constitui, frequentemente, uma dificul-
Se a análise de um filme, a que antes dade que só com esforço e
aludimos, é realizada tendo em conta os empenhamento se vai ultrapassando
dispositivos utilizados pela narrativa cinema- [... e] os professores partem do prin-
tográfica, não podemos esquecer que, se na cípio de que o trabalho com este tipo
nossa aproximação temos presentes os va- de recurso é automático, isto é, não
lores educativos, teremos que realizar tam- carece de qualquer aprendizagem
bém, em cada obra cinematográfica, uma específica da sua parte, uma vez que
análise do ponto de vista ético. Tal acarreta os filmes estão ali à mão”.
sem dúvida a emergência dos pressupostos
de carácter ideológico, que estão presentes Ora, perante um tal panorama e frente
no filme, mas também dos que nos foram ao gigantismo das necessidades operatórias
inculcados com a educação e com as opções que temos vindo a referenciar, e sendo o
de vária ordem que fomos assumindo ao cinema “possivelmente o mais poderoso e
longo da vida. E para tal deveremos estar explosivo dos media” tem todo o cabimento
precavidos. Os riscos inerentes (que, a não perguntar, com Reia-Baptista (1995a: 107):
serem tidos em conta, acarretarão preconcei-
tos e interpretações incorrectas) exigem uma “quem transforma o professor numa
clara atitude de abertura para a leitura e a pessoa interessada no cinema, num
interpretação dos dados em presença. Mas sagaz analista dos géneros cinemato-
a necessária tolerância não aliena um sentido gráficos, num competente contextuali-
crítico coerente com os valores que nos zador, num conhecedor da História,
suportam. Ora tal impõe a necessidade (como das técnicas, das teorias e das cor-
preconiza Salanova Sanchez, 1997) de um rentes estéticas, num descodificador
debate onde possa medrar a pluralidade de de mensagens multiculturais, políticas,
abordagens e de juízos em relação às étnicas, éticas, estéticas e poéticas; em
vivências dos participantes e à actualidade suma, num hábil leitor das linguagens
do momento em que os filmes são visionados. do cinema e conhecedor da arte cine-
324 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

matográfica em toda a amplitude dos volvemos no corpus de análise dos con-


seus dialectos?” teúdos da exibição de cinema em Portugal
entre 1974 e 1999. É um desafio realista
Um tal desafio, que também é o nosso, e urgente. Para lhe responder apenas é
não pode ser escamoteado como utópico. necessário empenho científico e coragem
Ele constitui o núcleo da tese que desen- na decisão.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 325

Bibliografia nicação”, in Tecnologias de Informação e


Comunicação na Aprendizagem, Lisboa,
AA.VV. Colóquio/Educação e Socieda- I.I.E./A Escola e os Media, pp. 31-64, 1997.
de, n.º 5, “Escola e Comunicação – Comu- Sánchez, Enrique Martínez-Salanova “El
nicação e Sociedade”, Lisboa, Fundação Valor de la Imagen en Movimiento”, Huelva,
Calouste Gulbenkian, Março, 1994. in Comunicar-Revista de Educación en
Babin, Pierre & Kouloumdjian, Marie- Medios de Comunicación, n.º 9, pp. 23-35,
France Les Nouveaux Modes de Comprendre Grupo Comunicar-Colectivo Andaluz para la
– La Génération de l’Audiovisuel et de Educación en Medios de Comunicación,
l’Ordinateur, Paris, Le Centurion, 1983. 1997.
Abrantes, José Carlos Os Media e a Tardy, Michel Le Professeur et les
Escola, Lisboa, Texto Editora/Educadores Images, Paris, PUF/SUP, 1966.
Hoje, 1992.
Gonet, Jacques, Éducation et Médias,
Paris, P.U.F./Que sais-je?, 1997. _______________________________
1
Moderno, António A Comunicação Universidade Católica Portuguesa.
2
Audiovisual no Processo Didáctico, Aveiro, Ocorrem ainda situações que, embora se
Universidade de Aveiro, 1992. desenrolem num quadro diferente, relevam de
Pinto, Manuel Educar para a Comuni- problemas que já foram reflectidos por pedagogos
como Michel Tardy (1966) ou Louis Porcher
cação, Lisboa, C.R.S.E./G.E.P. -Ministério da
(1974).
Educação, 1988; “Requisitos para a Viagem”, 3
Veja-se Pierre Babin & Marie-France
Lisboa, in”Noesis, Março/Maio, I.I.E., 1994; Kouloumdjian (1983).
A Televisão no Quotidiano das Crianças, 4
Cf. Tardy, op. cit..
Porto, Edições Afrontamento/Biblioteca das 5
Cf. António Moderno (1992).
Ciências do Homem, 2000; “Retrospectiva 6
Extinção ordenada pelo Governo Constitu-
e Horizontes da Educação para os Media em cional empossado em Abril de 2002. Sobre a tão
Portugal”, in Miranda & Silveira importante problemática da formação no campo
(organizadores) As Ciências da Comunica- dos media tenha-se em atenção, Manuel Pinto
(1988, 1994, 2000, 2002, 2003); José Carlos
ção na Viragem do Século (cf.
Abrantes (1992); Jacques Gonet (1997).
AA.VV,; “Correntes da Educação para os 7
Ter em conta os autores referidos na Nota
Media em Portugal: Retrospectiva e Horizon- 5.
tes em Tempos de Mudança”, Madrid, 8
Retiram-se estas caracterizações de Umberto
in”Revista Iberoamericana de Educación, n.º Eco (1989) Apocalípticos e Integrados.
32, Organización de Estados Iberoamericanos, 9
Embora seja tida em conta na abordagem
2003. o género erótico – noção que envolve os filmes
Pinto, Manuel & Santos, António O Ci- – softcore –, foram excluídos, por razões do
nema e a Escola, Lisboa, Cadernos “O Público objectivo do estudo, os filmes pornográficos
hardcore. Os motivos são desenvolvidos no corpo
e a Escola”, Edição Jornal Público, 1996.
da tese. Por tal razão o número total acima
Porcher, Louis L’ École Parallèle, Paris,
apresentado não envolve este último género.
Librairie Larousse, 1974. 10
Robert Bresson, in Notes sur le
Reia-Baptista, Vítor “El Lenguaje Cine- Cinématographe, Paris, Éditions Gallimard, 1975.
matográfico en la Pedagogía de la 11
Convirá aqui alertar, como o faz Jacques
Comunicación”, Huelva, in Comunicar- Gonnet (1997), para o facto de que quando falamos
Revista de Educación en Medios de de educação para os media, não nos estamos a
Comunicación, nº 4, pp. 106-110, Prensa y restringir a um público-alvo infanto-juvenil. Com
Educación – Grupo Pedagógico Andaluz, o autor citado compartilhamos a ideia que face
1995; “Pedagogia da Comunicação, Cinema ao cinema e à televisão os adultos se encontram
frequentemente menos apetrechados que as cri-
e Ensino”, in Biblioteca on-line de Ciências
anças ou os adolescentes e por isso este tipo de
da Comunicação. Publicado originalmente formação deverá ter lugar desde o jardim de
in Educación y Medios de Comunicación en infância e pela idade adulta.
el Contexto Iberoamericano, Universidad 12
Vejam-se a este propósito as considerações –
Internacional de Andalucía, 1995b; que partilhamos – de Vítor Reia-Baptista (1997) in
“Contributos para uma Pedagogia da Comu- «Contributos para uma Pedagogia da Comunicação».
326 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

13
Cf. Léo Masterman & outro L’ Éducation se procura estimular o conhecimento da obra e a
aux Médias dans l’Europe des Années 90, Con- consciência do entrosamento entre o autor, o assunto
selho da Europa, 1994. e a técnica, mas se procura tão só que o filme
14
É esse poder que se pode tornar maléfico ilustre exclusivamente uma alínea do programa”.
18
na magnífica sedução dos documentários de Leni Tem interesse – e reveste-se de utilidade
Riefenstahl - O Triunfo da Vontade (1935) e prática – a taxinomia utilizada por Reia-Baptista
Olimpíada (1938), ou apelar à comoção das (1995b) quando aponta “três grandes tipos de
lágrimas na propaganda de guerra, com os bri- dimensão pedagógica” do cinema: a dimensão
tânicos David Lean e Noël Coward: “Sangue, Suor afirmativa, de matriz sobretudo hollyodiana, e
e Lágrimas” (In Which We Serve [1943]). que desenvolve teses consentâneas com os valo-
15
«Apprendre a vivre avec les médias, une res e as normas dominantes do contexto cultural
urgence pour l’École et la Démocratie», in L’École em que se insere, assente em bases ideológicas
et les Médias, Médias Pouvoirs, hors série, 1995, e éticas socialmente aceites; a interrogativa,
p. 26; referido por J. Gonnet, op. cit.. Manuel surgida sobretudo nas décadas de sessenta e setenta
Pinto & António Santos (1996) apresentam tam- na Europa e no Japão, questionando os principais
bém propostas concordantes com as de Pichette dogmas vigentes e estruturas narrativas pré-
(cf. pp. 75-77). estabelecidas. O próprio cinema americano desig-
16
A nomeação do cinema como olho evoca nado de independente é um pouco fruto da
naturalmente a concepção simultaneamente ide- contaminação desta corrente. Por fim o que o autor
ológica e experimentalista de cinema-olho do designa como dimensão herege: não já o
realizador soviético Dziga Vertov, nos anos vinte questionamento do dogma, mas a sua subversão
do passado século, e de que são testemunho maior por dentro. O exemplo mais claro – patente na
os seus filmes O Cinema-Verdade (1922-1925) e sua passagem pelo surrealismo (Un Chien Andalou,
O Homem da Câmara (1929). 1928 ou L’ Âge d’ Or, 1930) e que se manteve
17
Michel Tardy (1966: 32) refere-o mesmo ao longo de toda a sua obra – é o do cineasta
como uma perversão pedagógica “em que não espanhol Luis Buñuel (+1983).
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 327

Comunicação, Ludicidade e Cidadania,


no Projecto Direitos Humanos em Acção
Conceição Lopes e Inês Guedes de Oliveira1

”Portugal é uma república soberana, sendo, o ataque é uma estratégia de defesa.


baseada na dignidade da pessoa A indiferença é uma recusa ao reconhecimen-
humana e na vontade popular e to do outro. A manipulação é um meio de
empenhada na construção de uma seduzir e convencer. A passividade
sociedade livre, justa e solidária” demissionária e negligente é uma forma de
(Artigo 1º) desresponsabilização e de não aceitar e fugir
“A República Portuguesa é um Es- ao compromisso que qualquer situação de
tado de direito democrático, baseado comunicação envolve. Em consequência disso
na soberania popular, no pluralismo a condição do ser do Humano é hipotecada
de expressão e organização política à consideração de que a cidadania é uma
democráticas, no respeito e na garan- entidade estatística com valor de riqueza que
tia de efectivação dos direitos e li- se manifesta pela participação mais ou menos
berdades fundamentais e na separa- passiva, ou mais ou menos activa no exer-
ção e interdependência de poderes, cício dos poderes instituídos. Deste modo,
visando a realização da democracia o mundo em que nos é dado conviver, tende
económica, social e cultural e o a desqualificar e a fragmentar a cidadania,
aprofundamento da democracia o Homo communicans e Ludicus. A socieda-
participativa” de da comunicação é uma fonte de
(Artigo 2º) incompreensões.
“A soberania, una e indivisível, re- É a sociedade dos sem “tempo”
side no povo”, (In Constituição da (Hall,1983 1994 e1996) para comunicar,
República Portuguesa” Princípios onde se ajuíza que comunicar é apenas
Fundamentais) transmitir informação. A sociedade da comu-
nicação é, ainda, “a sociedade dos
Na actualidade a convivência humana e incomunicados” que Vitória Camps descreve
social está dominantemente subordinada à nos seus paradoxos do individualismo (1996).
lógica do mercado, à eficácia e eficiência do A sociedade da comunicação é, também, “a
negócio que se traduz em interacções do tipo sociedade do espectáculo” (Guy Debord:
o que tu ganhas eu perco, o que eu perco 1991) e, mais ainda, é a “sociedade de
tu ganhas, que Paul Watzlawick define como consumo” (Jean Baudrillard: 2000). Práticas
“jogo de soma zero” (1983:118). de cidadania, como as vivenciadas colecti-
Algumas das características das relações vamente no âmbito do Projecto Direitos
inter-pessoais e das interacções comporta- Humanos em Acção, são alguns dos exem-
mentais são reveladoras dessa lógica. Nem plos que sustentam o confronto dos cidadãos
os países em vias de desenvolvimento como, envolvidos com acções que protagonizam
por exemplo e entre outros, a Índia e a China localmente e que operacionalizam diversos
escapam aos efeitos do frenesim do consumo pontos de vista. Assim, se ensaia a conju-
como um fim em si mesmo, como destaca gação, compondo, recompondo e descobrin-
o relatório da Worldwatch Institute sobre o do a experiência da alegria e o prazer da
State of the woorld – The Consumer Society cooperação da cidadania activa.
(WI: 2004). A comunicação tal como a ludicidade e
Consciente ou inconscientemente os ci- a cidadania são qualidades humanas e estados
dadãos são influenciados e manipulados pelos da natureza. Nesta perspectiva o Ser Huma-
sistemas sociais infectados pelo vírus da no é por condição comunicante, ludicus e
utilidade “mercantológica” dominante. Assim cidadão. Qualquer uma destas três qualida-
328 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

des apresenta diversas consequências que se um são assumidos os efeitos dessas escolhas
manifestam e consequentemente produzem que a todos compromete.
uma diversidade de efeitos. A comunicação, A perspectiva prática exposta é orientada
ludicidade e cidadania colocam em evidên- pelo sentido do humano subjacente à Decla-
cia não apenas o eu/mim, mas também o ele/ ração Universal dos Direitos do Homem
mesmo outro e o nós/ mesmos outros (George (ONU,1948) e pela compreensão teórica sobre
Mead,1934) (Herbert Blumer, 1969). a comunicação, ludicidade e cidadania. O
Condição, manifestação e efeitos que se Projecto Direitos Humanos em Acção pre-
revelam como ecos e espelhos de reconhe- tende ser um contributo para tornar mais
cimento do outro que informa e forma o qualificada a democracia pela prática quo-
conhecimento de si mesmo e produz o social. tidiana dos sentidos do Humano, onde a
Comunicar é cultura e aprendizagem inevitabilidade da influência exige uma ética
(Bateson, 1977 e 1980) Watzlawick et al,1967 e uma estética que têm por base práticas de
e 1976) (Hall, ibid) Ludicidade é comuni- dinamização do desejo, geradoras de confi-
cação e cidadania (Lopes, 1998). Reinventar ança para a decisão da vontade de cooperar/
o mundo é fazê-lo acontecer, praticando. As mudar para o bem comum.
mudanças nas práticas de cidadania come-
çam por cada um. Mobilizando os seus Projectos Direitos Humanos em Acção
próprios recursos, são geradoras de múltiplas
e diferenciadas decisões individuais. Elas Alguns dados: Início – 2000 e em exe-
podem começar em qualquer contexto cução Autor – Conceição Lopes Promotores
situacional (Lopes, ibid) e produzem efeitos Civitas - associação para a promoção e defesa
multiplicadores em outros tantos contextos dos direitos dos cidadãos Civitas Aveiro –
situacionais em que o cidadão participa (em associação para a promoção e defesa dos
casa de cada um, na escola, na rua, na igreja, direitos dos cidadãos (Aveiro) e Universidade
no consultório médico, na loja, no centro de Aveiro/Portugal Financiamento – Comis-
comercial, no cinema, no teatro, no concerto, são Nacional 50 anos da declaração universal
na universidade, numa reunião, numa equipa dos direitos do homem e década das nações
e na sociedade). unidas para a educação em matéria de direitos
O Projecto Direitos Humanos em Acção humanos (1995-2004). Parcerias – Universi-
é uma proposta de intervenção cooperativa dade de Aveiro/Portugal. Comunidades
que visa dinamizar o desejo de cooperar. educativas ligadas aos Jardins de Infância e
Cooperação que se vai construindo em escolas de diversos níveis de ensino. Públicos
pequenas acções de participação conjugada alvo – 25 educadores que integram a rede de
activamente. O Projecto Direitos Humanos dinamizadores locais Crianças e jovens e
em Acção reconhece a importância dos famílias – Cerca de 1200 participantes. Ter-
agentes de desenvolvimento da qualidade ritórios de intervenção: Distrito de Aveiro.
humana e social, na dinamização e Famalicão. Estratégias mediadoras: Caderneta
mobilização dos recursos individuais, na dos Direitos Humanos em Acção. Fórum da
conversa e na negociação que conduzem as cidadania Activa. Curso de formação
decisões, num universo de possíveis escolhas, ludicidade e cidadania. Metodologias: forma-
direccionadas para o bem comum. E como ção-intervenção-investigação.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 329

Bibliografia em Ciência e Tecnologias da Comunicação.


Universidade de Aveiro. Ed. Policopada.
Bateson, Gregory (1977).Vers Une Mead, George (1934). Mind Self and
Écologie de L’ Esprit.’Tome I. Ed Seuil. Society. Chicago, University of Chicago Press.
Bateson, Gregory (1980). Vers Une Miranda, Jorge e Silva, Jorge Pereira da
Écologie de L’ Esprit.’Tome II. Ed Seuil. (2002). Constituição da República Portugue-
Blumer, Herbert (1969). Symbolic sa. 3ª edição revista e acrescentada. Principia.
Interaccionism: Perspective and method. Watzlawick et al, (1977). The Interactinal
Englewood Cliffs Prentice-Hall. View. W.W.W. Norton & Company.
Baudrillard, Jean (2000). A Sociedade Watzlawick, Paul (1983). The Situation
de Consumo. Edições 70. is Hopeless But not Serious. W.W. Norton
Camps, Vitória (1996). Os Paradoxos do & Cª. Watzlawick, Paul e tal. (1967).
Individualismo. Relógio d’Água. Debord, Pragmatics of Human Communication. A
Guy (1991). A Sociedade do Espectáculo. Study of Interactional Patterns, Pathologies,
Hall, Edward (1986). A Dimensão Ocul- and Paradoxes. W.W.W. Norton & Company.
ta. Lisboa. Relógio d’Água. Declaração Universal dos Direitos do Homem
Hall, Edward (1993). A Linguagem Si- (1948). ONU. Worldwatch Institute WI: 2004
lenciosa. Lisboa.’Relógio d’Água. State of the woorld – The Consumer Society
Hall, Edward (1996).’A Dança da Vida.
Lisboa. Relógio d’Água.
Lopes, Conceição (1998). Comunicação _______________________________
1
e Ludicidade. Contributo para a formação do Universidade de Aveiro/Departamento de
cidadão do pré-escolar. Tese de doutoramento Comunicação e Arte.
330 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 331

Memória quotidiana e comunicação: práticas memoriais na escola


Fernando Barone1

Introdução cia para além de autores clássicos e moder-


nos, tais como Henri Bergson do qual se
Este trabalho constitui um estudo tomaram os conceitos fundamentais que de-
interdisciplinar sobre a memória social na ram origem ao modelo de análise.
perspectiva de uma Teoria da Memória Social. O modelo de análise desenvolvido, ob-
Busca investigar e compreender os tipos jectivo principal deste trabalho, baseia-se na
ideais de memória quotidiana inspirando-se, revisão do chamado dualismo bergsoniano
metodologicamente, no conceito de tipo ideal reflectido nos conceitos de espírito e matéria
weberiano. Desenvolve a ideia de que a bem como nas outras dualidades, daí deri-
Sociologia, desde Maurice Halbwachs, afas- vadas, tais como o conceito de duração –
tou-se de um conceito de memória possível opondo-se a uma noção de abstracção – e
/ temporalidade possível, proposto no inte- também ao par de oposição memória hábito
rior da Filosofia por autores tais como e memória lembrança, dentre outros.
Nietzsche, Husserl e Bergson, para reforçar A educação e a escola, enquanto factores
uma representação da memória social adap- de socialização indispensáveis, encontram-se
tada à temporalidade contida nos processos vinculados aos modos de comunicação e
culturais da modernidade e na sua lógica memória na nossa sociedade, exercendo, de
produtiva. forma complexa, contraditória e coincidente,
Destaca-se aqui o nosso interesse pelo que duas tendências de viver a temporalidade no
chamamos de modos de memória e que pode dia a dia: a primeira voltada para a adap-
ser definido, num primeiro momento, como tação ao mundo (objectividade, simplicida-
o conjunto de características fundadoras do de, reprodução, acção, ciência, inteligência
comportamento quotidiano que está associ- e as características temporais abstractas:
ado à temporalidade social: modos de viver linearidade, separação e fragmentação do
o tempo; características da velocidade sócio- mundo) e a segunda dirigida à reflexão e,
corporal no contexto da colectividade; de- particularmente, à reflexão referenciada ao
terminação da finalidade e vivências dos tempo vivido e a viver (subjectividade,
ritmos sócio-culturais; práticas e representa- complexidade, transformação, reflexão, co-
ções das finalidades técnicas ou vitais, prá- nhecimento, intuição e as características da
ticas e representações das funções sociais. temporalidade durável: unidade, continuida-
Essa perspectiva, que queremos fixar e de e simultaneidade).
desenvolver neste trabalho, toma a memória A partir destas referências teóricas, ela-
não apenas como o instrumental cognitivo borou-se um instrumental de análise que
do sujeito, para representar e classificar o associa as características da dualidade
mundo, mas compreende, sobretudo, o con- duração/abstracção aos elementos: o tempo,
junto de elementos sócio-corporais o si-mesmo, o outro e a comunicação,
construídos e disseminados em sociedade – determinando indicadores que analisam e
factores de reprodução e transformação social. classificam um corpus de análise constituído
Apresenta-se como conjunto de referên- por discursos de professores do 1º Ciclo do
cias teóricas deste trabalho a aproximação Ensino Básico obtidos através de entrevistas
à fenomenologia da memória no quotidiano, semi-dirigidas. A aplicação do instrumental
presente nas obras de Paul Ricoeur, Gilles de análise ao corpus permitiu aferir da
Deleuze, Pierre Bourdieu, Paul Connerton e pertinência do modelo e da viabilidade do
autores ligados à Escola de Palo Alto. Este seu desenvolvimento. No presente texto
conjunto constitui a base teórica de referên- apresentaremos, de modo resumido, a estrutu-
332 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ra do modelo de análise e o instrumento de memória, nomeadamente a linearidade, a


observação adaptado para a recolha de dados separação e a fragmentação do mundo tan-
no universo educativo, no caso específico, gível. A este processo estaria ligada uma das
os dados referentes às práticas memoriais de características da memória humana que
docentes do 1º Ciclo. Bergson denominou memória hábito: a res-
posta automática determinada pelo hábito
Fundamentos Teóricos social com seu desempenho repetido de
performances mentais e corporais que envol-
O conceito de memória social tem vindo vem actividades quotidianas, tais como como
a impor-se no âmbito das Ciências Sociais, nadar, andar de bicicleta e responder auto-
principalmente, a partir dos estudos de maticamente a múltiplas solicitações do meio.
Maurice Halbwachs (1990) que, no início do Em oposição à memória hábito, Bergson
Século XX, tomou como objecto, pela pri- concebeu a noção de memória lembrança, ou
meira vez, os fenómenos relacionados com memória verdadeira, que atribui à memória
a memória colectiva propondo o estudo humana a capacidade de suplantar as deter-
científico dos processos sociais que determi- minações do hábito constituindo-se como um
nam a memória dos grupos e da sociedade. factor de consciência e liberdade do sujeito
Até então, este objecto, sob o nome de face ao meio e à cultura envolventes. A este
memória apenas, era explorado pela Psico- conceito estariam associadas as características
logia e pela Psicanálise nascente e apresen- temporais simultaneidade, unidade e continui-
tava uma abordagem do tema marcada, dade exercitadas acerca, e a partir, da reali-
basicamente, pela natureza individual atribu- dade tangível e opostas às da memória hábito.
ída à memória humana. Nessa perspectiva, a filosofia begsoniana
Tanto a Psicologia como a Sociologia associará os pares de oposição, derivados do
exibiam, por esta altura, as marcas positivistas par matéria e espírito-memória, aos seguintes
que, mais fortemente as caracterizaram no pares de oposição: abstracção-manipulação
início. Ao mesmo tempo, no plano do pen- técnica x duração-consciência, memória
samento filosófico, o sentido atribuído à hábito x memória lembrança, ciência x filo-
memória mantinha uma característica menos sofia, acção x conhecimento, inteligência x
instrumental e mais preocupada com a “pos- intuição, adaptação x experimentação, selec-
sível” memória humana. Estamos a referir ção x atenção, além dos pares já citados :
aqui, autores como Nietzsche, Husserl e unidade x separação, continuidade x fragmen-
Bergson que, preocupados com o tema do tação, linearidade x simultaneidade.
tempo e da memória, no mundo contempo- Em resumo, o pensamento de Bergson,
râneo, tentam alertar para os problemas não abre mão de um raciocínio que recusa
relacionados com as ciências positivas e a tomar da realidade apenas a sua materialidade
sua servidão face ao crescimento do objectivável. Ao contrário, pleiteia a contí-
industrialismo e da lógica produtivista nua participação da consciência e do espírito
inibidores da consciência e da reflexão não que criam essa mesma “materialidade”.
instrumental. Lembramos, todavia, que uma leitura actu-
Bergson (1946) – supondo que o homem alizada da filosofia de Bergson deve passar
se afastava cada vez mais de uma vivência pela correcção da inflexibilidade das cons-
temporal integrada e aberta à consciência e truções duais – revisão proposta, por exem-
à reflexão, e se aproximava com rapidez dos plo, por Edgard Morin (1991) na sua teoria
sistemas abstractos e lineares (deterministas/ do pensamento complexo onde as polarida-
mecanicistas) de viver o passado e o tempo des podem ser vistas como entidades, ao
– propôs os conceitos de memória hábito e mesmo tempo, integradas e contraditórias –
memória lembrança que se alinhavam, res- talvez tomando estas forças antagónicas da
pectivamente, ao par de oposição matéria e temporalidade, e da cultura, como
espírito. Este autor apontou, de forma ampla inextricáveis no plano empírico.
e indirecta, para o facto de as práticas Apesar da intervenção histórica de
quotidianas da memória consagrarem as Bergson, e de outros filósofos não
características absolutas do tempo e da racionalistas, ao longo do século XX, o
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 333

desenvolvimento dos estudos sobre a memó- A partir do pensamento de Bergson e do


ria, e particularmente sobre a memória so- conceito de duração (do qual o conceito de
cial, tenderam à manutenção da orientação expansão do presente pode ser sinónimo):
científica em detrimento da filosófica. Isso unidade ou indivisibilidade; continuidade;
significa dizer que tanto a Psicologia como simultaneidade ou mudança, propomos um
a Sociologia, desde Halbwachs, ao investi- conjunto conceptual capaz de descrever ten-
garem a memória em sociedade, mantiveram, dências de acção da memória quotidiana.
em essência, uma perspectiva calcada nos Estas categorias evocam, integradamente,
objectos mais explícitos do real sem consi- formas e práticas de comportamento diante
derar as dimensões do possível ou daquilo do mundo e da temporalidade e referem-se,
que se preserva na sombra das práticas todas, ao conceito duplo de duração/abstrac-
sociais. Neste sentido, Connerton (1993) ção, conceitos que, no plano fenomenológico,
entende que o objecto memória foi coloni- não existem na sua forma pura. De outro
zado por disciplinas úteis aos sistemas so- modo, podemos dizer que os modos de
ciais dominantes tais como, no âmbito da memória variam, fundamentalmente, a partir
Psicologia, a Psicanálise – que explorou a do jogo de equilíbrio e interacção entre a
memória pessoal (memória de si) – e pela duração / abstracção; a memória lembrança
Psicologia Experimental – que explorou a e a memória hábito ou, de modo geral, entre
memória cognitiva (memória dos objectos e matéria e espírito. Designamos tais elemen-
do mundo) – relegando para o esquecimento tos como dimensões e nos propomos a pensá-
a memória hábito (memória corporal e las como base de um modelo de análise em
automática / gestos sociais e de linguagem construção.
adquiridos através dos processos de socia- O conceito de dimensão é aqui utilizado
lização). no sentido de abarcar as características
fundamentais das práticas temporais e de
Pensamos que Connerton (Idem), ao
memória expressas no quotidiano. Acrescen-
propor o estudo extenso, e intenso, da
ta-se que, estas práticas, para nós, operam
memória hábito, reacende teóricamente a
a transferência e consolidação de hábitos de
necessidade de se retomar o conceito de
memória no dia a dia das práticas sociais,
memória lembrança, e de alguma forma, fá-
com especial atenção, para as práticas de
lo, já que a memória hábito não pode existir
educação formal.
como pura matéria objectiva dada no social.
As categorias que constituem os concei-
tos básicos para a unidade conceptual hábito
Em busca de um modelo de análise para
da memória quotidiana são três: a unidade;
a memória quotidiana a continuidade e a simultaneidade. Estes
conceitos, por seu turno, reflectem seus
A partir dos elementos teóricos básicos, contrários complementares, respectivamente:
acima apresentados, concebemos um modelo a separação; a fragmentação e a linearidade.
de análise inspirado, na sua fundação, no par Os conceitos de Si Mesmo, Outro e
de oposição Memória Lembrança/Duração x Comunicação surgem para nós como temas
Memória-Hábito/Abstracção. do sujeito/objecto2 no mundo e seguem o
Uma forma possível de organizar um plano do processo de comunicação como
quadro teórico, que contemple a prática da realidade de interacção comunicativa confor-
memória no quotidiano, será aquela que me proposto pelo Interaccionismo Simbólico
apresente os conceitos constituintes da du- e pela Escola de Palo Alto.O conceito de
ração (unidade; continuidade e simultanei- tempo surge nesse conjunto como síntese dos
dade) e seus contrários (separação; fragmen- outros três conceitos na medida em que
tação e linearidade). Esta elaboração do concentra em si a ideia de duração/ abstrac-
quadro teórico preocupa-se em não se esque- ção e representa genéricamente a essência do
cer do resgate da memória lembrança no ser segundo Bergson.
plano de uma fenomenologia da memória e Tomamos as características gerais do
do acento na construção da temporalidade e tempo organizadas sob os conceitos opostos
do mundo. tempo concreto/tempo abstracto (unidade /
334 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

separação; simultaneidade / linearidade; moral”. A hexis corporal corresponde às


continuidade / fragmentação) e os relacio- posturas, disposições do corpo interiorizadas
namos com os conceitos de si-mesmo; outro; inconscientemente pelo indivíduo ao longo do
comunicação e tempo obtendo assim um novo seu percurso no tempo/espaço. Acrescentamos,
conjunto composto de doze categorias resul- neste plano dos modos gerais de expressão,
tantes do cruzamento entre as características os conceitos de inscrição e incorporação,
temporais e o plano do sujeito/objecto: :uni- presentes em Connerton (1993:87), que indi-
dade/separação do si-mesmo; unidade/sepa- cam, nas sociedades modernas, a predominân-
ração do outro; unidade/ separação da cia dos mecanismos de registo das mensagens
comunicação e assim por diante. O quadro e saberes (inscrição) em detrimento das for-
abaixo representa graficamente o modelo de mas memoriais que constituem a memória habi
análise na sua estrutura básica: tual sedimentada no corpo (incorporação).

Expressão da memória no quotidiano


Abstracção conceitos base Duração
Memória Hábito Memória Lembrança
Memória de
(Memória de adaptação)
Experimentação
modos gerais de expressão
Hexis/Ethos (Bourdieu)

Inscrição/Incorporação (Connerton)
tipos de expressão
Separação Unidade
Linearidade Continuidade
Fragmentação Simultaneidade
sujeitos/objectos de expressão
Tempo
Si-mesmo
Outro
Comunicação

Dentro da perspectiva de Bourdieu Tanto o ethos quanto a hexis referem-se a


(1980:88-9), tomamos os conceitos Hexis e um processo inconsciente, ou automático, de
Ethos que, neste quadro, têm a função de agir no mundo. Revela inteligência adaptativa
caracterizar genericamente aquilo que Bourdieu e a combinação de práticas já incorporadas pelo
chama o habitus: um sistema de disposições indivíduo. Bourdieu, ao montar o seu modelo,
duráveis adquiridas por um indivíduo no privilegia este campo dos movimentos deter-
decorrer do processo de socialização. O habitus minados pelo social como se não pudesse haver
manifesta-se através do que Bourdieu chama hábitos de pôr em causa estas manifestações
de de esquemas (schèmes) ou os modos de exclusivas do ethos e da hexis no quotidiano,
percepção e acção interiorizadas pelo indiví- ou dizendo de outro modo, de pôr em causa
duo ao longo do seu percurso espaço-temporal. o hábito da memória hábito.
Para nós, tanto a memória lembrança como Nessa medida, pensamos que a sociologia de
a memória hábito manifestam-se enquanto Bourdieu só permite uma óptica calcada na matéria
hábito seja sob a forma de hexis, seja sob a ou na inteligência adaptativa o que, por si só,
forma de ethos. O ethos designa os princípios não basta quando se trata de formalizar a con-
ou valores sob a forma de práticas, formas tradição exercida no plano do gesto intuitivo
íntimas e não conscientes dos comportamen- (oposto ao gesto voltado apenas para a acção).
tos morais que regem a conduta quotidiana: O quadro abaixo apresenta a representa-
“a forma interiorizada, não consciente da ção gráfica final do modelo de análise e os
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 335

cruzamentos correspondentes entre os tipos ção (unidade / continuidade / simultaneida-


de expressão da memória quotidiana e os de) apresentam-se os enunciados indicadores
sujeitos/objectos de expressão: subordinados às categorias dos objectos

Quadro do Modelo de Análise


Duração Abstracção
Memória Lembrança Memória Hábito

Unidade Separação
Continuidade Fragmentação
Simultaneidade Linearidade
Do tempo
De si
Do outro / Do mundo (Do Espaço)
Da comunicação (relação/interacção)

UNIDADE SEPARAÇÃO
Unidade do Tempo Separação do Tempo
Unidade de Si Separação de Si
Separação do Outro / do
Unidade do Outro /do Mundo (atenção)
Mundo(selecção)
Unidade da Comunicação Separação da Comunicação

CONTINUIDADE FRAGMENTAÇÃO
Continuidade do Tempo Fragmentação do Tempo
Continuidade de Si
Fragmentação de Si
(Temporalidade alargada de si)
Continuidade do Outro / do Mundo Fragmentação do Outro / do Mundo
Continuidade da Comunicação Fragmentação da Comunicação

SIMULTANEIDADE LINEARIDADE
Simultaneidade do Tempo Linearidade do Tempo
Simultaneidade de Si Linearidade de Si
Simultaneidade do Outro/ do Mundo Linearidade do Outro/ do Mundo
Simultaneidade da Comunicação Linearidade da Comunicação

O instrumental de análise destacados (tempo / si-mesmo / outro /


comunicação). Passamos a discriminar, no
A estrutura do modelo, apresentada aci- interior de cada conceito derivado os seus
ma, permite a organização de indicadores indicadores correspondentes:
relacionados directamente aos traços
empíricos destacados nos discursos. Estes (1). A dimensão Unidade/Separação
indicadores estão intrinsecamente ligados
entre si embora esta divisão os destaque à (A). Unidade/Separação do Tempo
maneira de indicadores mais associados a esta
ou aquela característica genérica dos tempos Enuncia a divisão utilitária do tempo em
durável/abstracto em fusão e/ou contradição. geral: O professor apresenta/não apresenta
Dentro de cada dimensão da duração/abstrac- preocupação3 (intenção de pensamento e
336 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

trabalho) com os modelos temporais mon- Enuncia a corporalidade no plano físico.


tados sobre rotinas de acção. O professor enuncia, no discurso, a
Enuncia tempo de unidade: O professor corporalidade na educação associando-a à
apresenta/não apresenta preocupação com Educação Física.
o tempo que se contrapõe ao tempo das Enuncia o gesto social4 como factor de
rotinas cristalizadas. O professor apresenta/ educação ethos-hexis. O professor apresenta/
não apresenta preocupação com a separação não apresenta preocupação com a educação
do tempo (e das actividades) em blocos para a comunicação5. O professor apresenta
isolados e sem ligação. preocupação com um conjunto mais amplo
Enuncia centralidade do sujeito (aluno/ de aquisições e competências que ultrapassa
professor) como construtor do tempo: O o domínio das disciplinas no 1º Ciclo. O
professor apresenta/não apresenta o sujeito professor apresenta pensamento e prática,
como centro do processo de duração/abstrac- nesta perspectiva.
ção. Nesse caso, o professor enuncia a ideia Enuncia interdependência entre corpo e
de preparar/não preparar o aluno, e a si formação: O professor apresenta/não apresen-
mesmo, para exercer a expansão do presente ta pensamento e prática relativos à questão
(tempo de unidade). Enuncia práticas de interpretação do si-
Enuncia pensamento/prática de equilíbrio mesmo enquanto corporalidade (significados
entre os tempos: O professor apresenta/não sociais dos léxicos e modalidades gestuais
apresenta preocupação em expandir a vivên- face ao si-mesmo): O professor apresenta/
cia do presente como duração ao mesmo não apresenta pensamento e prática relati-
tempo em que prepara a criança para que vos a uma hermenêutica do corpo (da
viva num meio de realidade fragmentada. gestualidade) ou do “meu corpo em soci-
edade”.
(B). Unidade/Separação do Si-Mesmo
(C). Unidade/Separação do Outro
Enuncia a unidade do si-mesmo: O pro-
fessor apresenta/não apresenta preocupação
Enuncia o conceito/hábito de atenção: O
com a consciência do si-mesmo enquanto
professor apresenta/não apresenta preocupa-
objecto passível de ser interpretado e desen-
ção em associar como unidade o si-mesmo
volvido na escola.
de cada um e o mundo (o outro).
Enuncia separação do si-mesmo: O pro-
Enuncia o conceito/hábito de selecção. O
fessor apresenta/não apresenta preocupação
com a questão da construção do si-mesmo professor apresenta/não apresenta preocupa-
apto para adaptar-se ao meio que o cerca. ção com a organização selectiva dos conteú-
Enuncia tentativa de hábito de unidade dos (disciplinas; separação de unidades
na instituição: O professor apresenta/não curriculares) O professor faz a distinção entre
apresenta preocupação com a ligação entre os conteúdos curriculares voltados para a
os vários níveis da formação (emoções, informação cognitiva fundamental (Matemá-
cognição, expressão corporal, matrizes cul- tica, Lingua, Estudo do Meio)
turais, e outros.). Enuncia o conceito de mediação mediatica
Enuncia práticas de equilíbrio unidade/ que faz as representações do outro e do
separação: O professor apresenta/não apre- mundo chegarem até ao indivíduo para além
senta um caminho de meio termo ao tentar dos modelos que são passados através da
dotar o aluno de uma capacidade mista no família, comunidade e da escola. Apresenta/
sentido desta dualidade. não apresenta os media na vida e os inter-
preta como narrativa do passado na perspec-
Conceitos complementares da Unidade / tiva da expansão do presente (unidade do
Separação do Si-mesmo outro)
Enuncia práticas pedagógicas do equilí-
Corporalidade (integração / não-integra- brio atenção/selecção: O professor apresen-
ção do corpo e da gestualidade nos processos ta/não apresenta preocupação em integrar as
de formação/aprendizagem) perspectivas anteriormente citadas.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 337

Conceitos complementares da Unidade/ interacção (sistemas em jogo; interlocutores;


Separação do Outro géneros de comunicação; realidades e pos-
sibilidades no plano da comunicação).
O público e o privado Enuncia a comunicação como espaço de
aprendizagem global. O professor apresenta/
Enuncia o conceito de público/privado. não apresenta preocupação com a unidade
O professor apresenta/não apresenta preocu- entre linguagem e comunicação (linguagens
pação com a questão da formação voltada de comunicação inclusive a lingua; modali-
para a consciência pública do formando. dades de dizer no plano da comunicação não
Enuncia o conceito de privado enquanto linguística).
problema. O professor apresenta/não apresen- Enuncia a noção de uso, e potencialidade
ta preocupação com as tendências de mani- de usos, dos códigos, sistemas e hábitos de
festação descontrolada do privado no ambi- comunicação. O professor apresenta/não
ente escolar. apresenta preocupação com a capacidade de
Enuncia práticas relativas ao problema. domínio de códigos, sistemas e hábitos (do
O professor apresenta/não apresenta propos- seu meio e de outros meios)por parte do
ta de trabalho em relação à formação do formando.
sujeito público face à cidadania e à vida
privada. (2) A dimensão Continuidade/Fragmentação
Enuncia o equilíbrio ou desequilíbrio
público/privado: O professor apresenta/não (A). Continuidade/Fragmentação do Tempo
apresenta o problema de forma a abordar os
dois lados (a questão da unidade público/ Enuncia a consciência da incontorna-
privado). bilidade do tempo concreto: O professor faz/
não faz ênfase no presente (síntese temporal
Práticas mnemónicas na Escola do presente) no sentido de rever-se os gestos
que se praticam como inércia do hábito
Enuncia sistematização das práticas contraído no passado.
mnemónicas: O professor apresenta/não Enuncia pensamento e/ou prática relati-
apresenta pensamento e/ou práticas de sepa- vos à noção pulverizada do tempo. O Pro-
rar e memorizar categorias cognitivas com fessor apresenta/não apresenta preocupação
a finalidade de permitir tarefas activas(por com a ideia de tempo utilitário e dividido.
exemplo, tabuada, sequência de datas ou Enuncia pensamento e/ou práticas com as
eventos distintivos, e outros.). noções de tempo contínuo: O Professor
Enuncia o hábito de compreensão e a apresenta/não apresenta preocupação com a
dispensa das práticas mnemónicas: O profes- formação para o sentido de continuidade: a
sor apresenta pensamento ou justificativa duração do passado e do futuro no presente.
acerca da não utilização das práticas Enuncia o presente como tempo de li-
mnemónicas na Escola. gação entre os passados e o futuro: O Pro-
fessor apresenta/não apresenta pensamento e/
(D). Unidade/Separação da Comunicação ou práticas referentes à consciência de si, do
outro e da comunicação como factores de
Enuncia associação entre os factores compreensão do tempo contínuo.
constituintes dos processos comunicativos: O
professor apresenta/não apresenta pensamen- (B). Continuidade/Fragmentação do Si-
to ou prática que associe a sociedade/meio; Mesmo
os media; a família, alunos e professores
enquanto elementos em comunicação. Enuncia práticas de narrativa do si-mes-
Enuncia trabalho de formação do aluno mo: O professor realiza/não realiza, com os
para a consciência do sistema de comunica- formandos, práticas de narrativa autobiográ-
ção: O professor apresenta/não apresenta fica e auto-compreensiva.
preocupação com pensamento e práticas de Enuncia a noção de História como noção
observar e interpretar sistemas de relação/ integrada à noção de si e do outro em
338 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

processo contínuo e indivisível: O Professor narrativas pessoais e quotidianas do mundo


apresenta/não apresenta preocupação com a e do si-mesmo e as narrativas históricas e
capacitação do formando para a leitura de científicas.
si como um desenrolar contínuo de relações Enuncia práticas de interpretação e lei-
complexas num meio complexo, no tempo. tura da leitura que os media fazem do mundo:
Enuncia a compreensão de si como O Professor apresenta/não apresenta pensa-
contracção e condensação de hábitos de si mento e práticas relativos à formação do
e do outro no tempo. O Professor apresenta/ educando para a capacidade de interpretar
não apresenta a consciência de si como códigos e fenómenos utilizados pelos media.
processo no tempo (o si face ao meio e ao Enuncia o equilíbrio entre práticas de
outro no passado). continuidade e práticas de fragmentação. O
Enuncia a consciência dos laços de Professor apresenta/não apresenta pensamento
passado e da herança do meio como factores e/ou práticas voltadas para a ponderação de
de interpretação de si. O professor apresenta/ factores de continuidade e a sua integração
não apresenta preocupação com a formação diante de um meio marcado pela fragmen-
para a consciência de si, a classificação de tação.
si-mesmo e a identificação do outro através
de narrativas sistemáticas e exercícios sobre (D). Continuidade/Fragmentação da Co-
o tempo passado. municação
Enuncia o trabalho com a noção de morte
como factor de educação. Herança /legado Enuncia um continuum de comunicação
como factores de continuidade. O Professor com base no educando: O professor apresen-
apresenta/não apresenta preocupação com a ta /não apresenta pensamento/prática em
questão da perda, do luto, da melancolia e relação à capacidade do educando de iden-
do perdão. tificar de forma diacrónica o terreno de
comunicação e as suas funções internas /
(C). Continuidade/Fragmentação do Ou- papéis relativos no interior deste terreno
tro (do Mundo) (quem falava/fala; porque falava/fala; como
falava/fala; com quem falava/fala; sistema no
Enuncia a noção de História como factor interior do qual se fala)
de narratividade extensa do real: O professor Enuncia práticas de identificação das
apresenta/não apresenta preocupação com a redes de comunicação e de seus papéis. O
questão da representação do outro no sentido professor apresenta/não apresenta noções das
da memória, da história, dos media, e outros. redes de comunicação relacionadas aos pa-
Enuncia a noção de interpretação do péis que se dão no seu interior e relativas
vivido e a transformação do hábito no social: a todos os agentes: professores, familiares,
O Professor apresenta/não apresenta preocu- comunidade, e outros.
pação com a transmissão dos hábitos e a Enuncia a autonomia do sistema de
participação de alunos e professores neste comunicação em relação aos seus agentes.
processo. O Professor apresenta/não apresenta a pre-
Enuncia a narratividade e práticas éticas ocupação com a centralidade relativa do
de pensar a História: O Professor apresenta/ homem nos sistemas sociais e educacionais.
não apresenta preocupação com a questão dos
silêncios e versões parciais sobre os confli- (3) A Dimensão Simultaneidade/Lineari-
tos humanos. A dinâmica do esquecimento dade
e a sua gestão.
Enuncia práticas de integração entre a (A). Simultaneidade/Linearidade do Tempo
narrativa subjectiva e a histórica: O Profes-
sor apresenta/não apresenta pensamento e/ou Enuncia a multiplicidade como factor de
práticas relativos à ideia de participação do educação: O Professor apresenta/não apresen-
sujeito no processo histórico. O Professor faz/ ta pensamento e/ou práticas pedagógicas
não faz a distinção entre Memória e História. relativas à questão das possibilidades de
O Professor faz/não faz a relação entre as revisão e escolha dos hábitos bem como as
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 339

várias perspectivas de análise de um mesmo (C). Simultaneidade/Linearidade do Outro


objecto.
Enuncia a linearidade como factor de Enuncia o outro possível: O Professor
educação: O Professor apresenta/não apresen- apresenta/não apresenta pensamento e/ou
ta pensamento e/ou práticas pedagógicas práticas onde o exercício de imaginar um
relativos à ordenação linear do pensamento leque de possíveis sobre qualquer tema/
e do trabalho. objecto permanente no quotidiano escolar. O
Enuncia a busca de equilíbrio entre a professor propõe/não propõe abertura de
linearidade e a simultaneidade: O Professor prática pedagógica para o exercício
apresenta/não apresenta pensamento e/ou práti- interpretativo dos tipos de outro existentes:
cas de construção de possíveis outros (modelos, (sociedade; sistema escolar; sistema cultural,
formas, sistemas) ao mesmo tempo em que e outros.).
pondera sobre sua utilidade e possibilidade. Enuncia distinção entre as escolhas de
Enuncia a consciência da velocidade agendas dos media e os temas proscritos/
quotidiana: O Professor apresenta/não apre- silenciados: O professor apresenta/não apre-
senta pensamento e/ou práticas face à ques- senta pensamento e/ou práticas relativas à
tão da linearidade veloz. interpretação crítica dos discursos e lingua-
Enuncia o stress como resultado da gens mediaticas (discurso sobre o outro e o
velocidade: O Professor apresenta/não apre- mundo).
senta pensamento e/ou práticas relativas a Enuncia a relação entre a velocidade
situações de mau aproveitamento do educan- quotidiana e a linearidade narrativa veloz dos
do devido ao stress. media. O Professor apresenta /não apresenta
Enuncia a distinção entre o intervalo pensamento e/ou práticas de associação entre
reflexivo e o intervalo para a retomada da o conteúdo dos media e os ritmos velozes
acção: O Professor apresenta/não apresenta do dia a dia.
pensamento e/ou prática relativos ao inter- Enuncia a integração dos objectos do
valo tomado como descanso da acção disposta conhecimento: O professor apresenta não
linearmente e o intervalo vivido como plano apresenta pensamento e/ou práticas relativos
intuitivo da simultaneidade: o plano do à integração dos objectos: tempo, si-mesmo,
reflectir e do meditar; o repouso como tempo o outro e a comunicação
inútil face à acção.
(D). Simultaneidade/Linearidade da Comu-
(B). Simultaneidade/Linearidade do Si- nicação
mesmo
Enuncia a comunicação como sistema
Enuncia pensamento ou prática de aná- escolhido/construído: O professor apresenta/
lise do si-mesmo na Escola: O Professor não apresenta pensamento e/ou práticas re-
apresenta/não apresenta promoção da análise lativas ‘a consciência da constituição dos
e interpretação dos varios significados de si sistemas de comunicação.
conforme variação de referências. Promove Enuncia a possibilidade de interpretação
revisão dos gestos do si-mesmo como prá- e mudança do sistema de comunicação: O
tica de mudança. professor apresenta/não apresenta pensamento
Enuncia gestos do si-mesmo associados e/ou práticas que incentivam a mudança (no
à linearidade: O Professor apresenta/não sentido de alteração sistémica de Palo Alto).
apresenta pensamento e/ou práticas relativos Para finalizar, acrescenta-se que o instru-
ao acompanhamento do educando no plano mental de observação apresentado deve estar
da manutenção e gestão das sequências li- sempre aberto a todas as transformações que
neares da acção. a investigação continuada do nosso objecto
Enuncia aproximação dos planos simul- puder fundamentar. Por sua vez, as práticas
taneidade/linearidade: O Professor apresen- memoriais na escola devem ser entendidas
ta/não apresenta pensamento e/ou práticas como fluxos complexos e alteráveis e não
relativos à integração contraditória dos pla- dicotomias estáticas como à primeira vista
nos da simultaneidade e da linearidade. se poderia supor.
340 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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busca de valores. Lisboa: Piaget. p. 103-16 e a outro de maneira recíproca e inseparável: o
Halbwachs, Maurice (1990). A memória mundo só pode aparecer enquanto tal, quer dizer
colectiva. São Paulo: Vértice. horizonte de um eco-sistema de eco-sistema,
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 341

horizonte da physis, para um sujeito pensante, guesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
último desenvolvimento da complexidade auto- Ver também os conceitos de ethos e hexis em
organizadora. Mas tal sujeito só pôde aparecer Bourdieu à p. 171 e seguintes.
5
no termo de um processo físico através do qual O termo comunicação, aqui, evoca o sentido
se desenvolveu, através de mil etapas, sempre que possui na Escola de Palo Alto, ou seja, o
condicicionado por um eco-sistema tornando-se sistema que designa a postura, a hierarquia e os
cada vez mais rico e vasto, o fenómeno da auto- movimentos concertados e integrados dos seus
organização. O sujeito e o objecto aparecem participantes e, também, os sentidos que possui
assimcomo as duas divergências últimas quando designa os valores de distinção dos gestos
inseparáveis da relação sistema auto-organizador/ sociais (Bourdieu:1989) e a performance comu-
eco-sistema. nicativa qualitativa e dramática (Goffman:1993).
3
O termo preocupação, aqui, tem o sentido Desta forma, o termo educação para a comuni-
mais associado à ideia de pré-ocupação, ou seja, cação designa a educação que trabalharia com os
intenção prévia de pensamento e trabalho face a sentidos relativos dos gestos sociais, os seus locais
determinada actividade. “pré-ocupação,s.f. ocupa- de origem sócio-culturais e a estrutura de um
ção prévia”. DICIONÁRIO Universal Língua léxico correspondente neste plano da gestualidade.
Portuguesa. (1998) Lisboa: Texto Editora. Neste ponto, podemos nos perguntar sobre o
4
O sentido que este termo tem, aqui, reporta- porque da escola investir com mais ênfase em
se ao sentido figurado de gesto: “Gesto2.[Do fr. conteúdos associados à inscrição do que em
geste.] S.m. Ação, ato (em geral, brilhante): gesto conteúdos associados à incorporação, como su-
de generosidade; gesto de nobreza”. Ferreira, gere Connerton para a esfera sócio-cultural em
A.B.H. (s.d.) Novo Dicionário da Lingua Portu- geral.
342 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 343

Anim(a)ção na Educação
O entre-entendimento na teia da produção do sentido
e sua mediação na educação
Geci de Souza Fontanella*

Entretenimento1 x entre2-entendimento3 processo civilizatório. Também podem difi-


cultar ou possibilitar uma reorganização de
O desenho animado é um instrumento suas reais necessidades.
social, que tem dimensão cultural e estética;
age como ferramenta psicológica - mediado- (...) as condições atuais tornaram-se
ra na percepção da criança entre o imagi- mais agudas com o aparecimento de
nário e a sua história de vida - na produção tecnologias híbridas (conjugam ima-
do sentido e na formação da consciência da gem, som, movimento etc.) que po-
criança. Faz um trabalho de mediação e dem manipular mais intensamente as
interferência. Neste sentido devemos levar em sensações humanas, criando, por
conta que o desenvolvimento de suas fun- exemplo, formas de simulação e de
ções psicológicas é sempre mediado pelo representação da realidade.6
outro, o que contribui para seus processos
de significação da realidade. É importante saber fazer uma leitura
Este movimento pode ser experimentado destes desenhos, trazer seu argumento para
num processo de apreensão e compreensão, discussão e compreendê-lo, a partir da re-
no captar o entre-entendimento4 da mensa- alidade de cada um.
gem, levando em conta, como alerta Baccega,
“a pluralidade de sujeitos que habita em cada Partindo da hipótese de que há dife-
um de nós”.5 Um sujeito que se desenvolve renças individuais e de que os recep-
e se constrói em suas formas de experimen- tores reagem diferentemente à mesma
tar o mundo, no contato com as pessoas, com mensagem, a pesquisa de comunicação,
os acontecimentos, como também através da a partir das contribuições dos teóricos
mediação dos meios de comunicação. da Escola de Frankfurt, passou a se
Quando dizemos entre-entendimento, preocupar com os chamados estudos de
queremos dizer que os desenhos animados audiência e com o caráter sistêmico e
não são só um meio para entreter, nem complexo da indústria cultural.7
somente uma forma de lazer, mas um meio,
um instrumento de mediação, que faz mais Por outro lado são um produto da Indús-
do que isso. Apresenta roteiros com contex- tria Cultural, que interfere na produção dos
tos reais através de imagens, sons e movi- sentidos e na construção da identidade do
mentos, que provocam sensações, que se ser/sujeito-infanto-juvenil/indivíduo e no
assemelham à realidade, mostram suas rup- como este produz sentidos, significados e os
turas, suas complexidades. Ao mesmo tempo res-significa, a partir desta mediação. A
permitem despertar o sonho em forma de filmografia, e em especial os desenhos
fantasia, provocando nas crianças experiên- animados contemporâneos interferem no
cias metafóricas com personagens/sujeitos processo de educação também na escola, lugar
vivos, com os quais se relacionam no co- onde a prática educativa se dá pela razão
tidiano. Facilita a, ou mesmo, interfere na formalizada. Paradoxalmente este é o lugar
compreensão que fazem do mundo e da onde é suposto que ocorra a constituição do
realidade. sujeito, principalmente em sua vivência como
Os desenhos animados agem como fer- sujeito histórico.
ramenta psicológica. Sua montagem permite
uma reflexão sobre a concepção da socie- A educação para a emancipação, no
dade, sua adequação ou inadequação ao atual dizer de Adorno, realiza-se pela capa-
344 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

cidade de fazer experiências que O ser/sujeito/infanto-juvenil/indivíduo


tornem a faculdade de pensar algo que deste século
não se expressa apenas pelo conhe-
cimento lógico formal.8 A criança, da qual falamos, é o ser/sujeito
que nasce, (é formado) cria-se, (é re-criado)
Por que não inserir os desenhos anima- recria-se, (e é recriado), é integrado e interage,
dos em sala de aula de maneira adequada? transforma-se neste mundo e momento pre-
Defendemos que é possível trabalhá-los como sente (séc. XXI) em meio a complexidades,
prática educativa, envolvendo a leitura e rupturas e tensões de toda ordem.
interpretação do contexto, da historicidade, Neste momento o experimento da me-
do conteúdo, das ideologias, dos costumes, diação dos desenhos animados, como ins-
das culturas, que estão contidos em seus trumento pedagógico em sala de aula, é uma
roteiros. São admitidos como um instrumen- possibilidade plausível. Teóricos da Teoria
to do universo midiático9, que funciona como Crítica, como Adorno, Benjamin,
ferramenta psicológica na produção dos Horhkeimer e outros, fazem críticas aos
sentidos, na compreensão do mundo e na produtos da Indústria Cultural como meios
significação. Podem colaborar para um de padronização, que têm como objetivo o
melhor desenvolvimento psíquico e cognitivo valor de troca e o sucesso do mercado.
das crianças, livrando-as da falsa promessa Segundo eles, a Indústria Cultural submete
do “felizes para sempre” ao conviver com o sujeito a uma ideologia intencional, à
o outro, respeitando as diferenças, tornando- alienação. Eles nos instigam com suas
as mais comunicativas, bem humoradas, mais críticas a pensar novas possibilidades para
extrovertidas, mais criativas, articuladoras animar a educação neste ambiente contem-
melhores de seus pensamentos e idéias. porâneo. Prestes contribui, quando afirma
A análise frankfurtiana considera as con- que as reflexões de Horkheimer são inega-
dições de produção dos artefatos culturais e velmente atuais. E que: A educação não pode
o fato de a tecnologia veicular a ideologia constituir-se fora de seu tempo e de sua
sistêmica da sociedade industrial. Não basta história.11
então a exposição destas mercadorias simbó- Todo sujeito deve ser educado de acordo
licas, mesmo com propósitos educativos, mas com este momento histórico, como um sujeito
é preciso configurar aspectos de sua estrutura vivente numa sociedade globalizada,
e ligação com a sociedade, para, na perspec- mundializada, tecnizada, automatizada,
tiva de um diagnóstico, indicar elementos, que digitalizada, onde os meios de comunicação
conduzem à semiformação. e os produtos culturais intervêm aguçada-
mente em sua subjetividade. Podem apren-
Se o professor quiser familiarizar-se der a conhecer os aparatos técnicos, a refletir
com este tipo de saber, tem de lhe sobre eles, a interpretar a sua mensagem, a
prestar atenção, ser curioso, ouvi-lo, ressignificar e a construir pensamentos atra-
surpreender-se e actuar como uma vés de uma liberdade sistêmica.
espécie de detetive que procura des- Considerando o sujeito atual, que se
cobrir as razões que levam as crianças constrói e se transforma em interação con-
a dizer certas coisas. Este tipo de tínua com as condições sociais, as quais, por
professor esforça-se por ir ao encontro sua vez, também estão em constante trans-
do aluno e entender o seu processo de formação. Octávio Ianni descreve como isso
conhecimento, ajudando-o a articular se dá:
o seu conhecimento com o saber
escolar. Este tipo de ensino é uma Hoje passamos da produção de arti-
forma de reflexão-na ação que exige gos empacotados para o empacota-
do professor uma capacidade de indi- mento de informações. Antigamente
vidualizar, isto é, de prestar atenção invadíamos os mercados estrangeiros
a um aluno, mesmo numa turma de com mercadorias. Hoje invadimos
trinta, tendo a noção de seu grau de culturas inteiras com pacotes de in-
compreensão e das suas dificuldades.10 formações, entretenimentos e idéias.12
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 345

Há outro aspecto: significados e as res-significações, manifes-


Vygotsky e Bahktin consideram a impor- tas ou não, em seus educandos. Conforme
tância do sujeito histórico, o sujeito que se Cláudia Santana:
constrói e se constitui por inúmeros “nós”
e inúmeras vozes. Podemos considerar a A experiência sensorial possibilitada
interação do sujeito com o outro (os outros), pela exposição às técnicas cinemato-
como o resultado produzido no entre-enten- gráficas alteraria a percepção do
dimento, na mediação com o outro: locutor, humano do tempo e do espaço, edu-
interlocutor, significado, significação através cando os sentidos a operarem através
da linguagem, da comunicação, e da ima- de descontinuidades.16
gem.13
O ser/sujeito/indivíduo de hoje vive neste
Debemos mencionar, además, al contexto. No contexto das descontinuidades,
lenguaje que al principio es un medio da técnica, da agilidade, da sociedade apa-
de comunicación con los demás, y rentemente democrática. Do lugar onde tudo
sólo más tarde, en forma de lenguaje e todos têm pressa.
interno, se convierte en un medio del Seguindo a BOLZ (1992: apud Santana),
pensamiento, haciéndose así del todo entre as mediações de comunicação de massa
evidente la aplicabilidad de esta ley destacamos os desenhos animados em par-
a la historia del desarrollo cultural del ticular, por suas técnicas alterarem a percep-
niño.14 ção humana do tempo e do espaço, educando
os sentidos a operarem através de fragmen-
Nesse contexto é que penso este indiví- tações e descontinuidades. Conforme Cláu-
duo/criança com todas as suas singularidades dia Santana,
e particularidades; um sujeito/criança enquan-
to ser/sujeito/indivíduo construindo-se e A brincadeira da criança assemelha-
construído numa teia de produção de sen- se aos procedimentos da montagem
tidos, em meio a toda uma multidão de seres/ no cinema: a atenção às possibilida-
sujeitos/indivíduos e mediações sociais em des de sentido que a junção de frag-
uma sociedade globalizada. mentos, a colisão de idéias provocam.
Ao invés de se excluírem acepções
A formação do indivíduo através da conflitantes, observa-se a elaboração
cultura e a reprodução da cultura de conceitos a partir da fricção, do
através do indivíduo fazem parte do choque das idéias. O princípio da
mesmo movimento. Movimento pelo montagem, que se evidencia tanto no
qual o indivíduo se apropria da cul- cinema quanto na brincadeira da
tura, através do processo de sociali- criança, cria possibilidades de asso-
zação, transformando-se, stricto ciações inesperadas, justaposições
sensu, num indivíduo, e pelo qual a lúdicas e imagens carregadas de ten-
cultura se perpetua, reproduzindo-se, sões.17
geração após geração, nas consciên-
cias individuais.15 Criticar e pensar em voltar ao passado
é utopia. Este é o mundo, o momento que
Minha hipótese é a de que os desenhos estamos vivendo. É preciso aprender a en-
animados contemporâneos podem ser utili- tender, a viver, a conviver e a educar o ser/
zados como um instrumento pedagógico sujeito/infanto-juvenil, indivíduo enredado na
transdisciplinar, que poderão ser instrumen- teia da contemporaneidade, enredando-se nela
tos pedagógicos para trabalhar com a histó- e buscando captar e compreender o processo
ria, com a geografia, com a cultura, com os de sua produção dos sentidos, utilizando e
valores, com os costumes, com as ciências, empregando da melhor maneira possível esse
com a educação artística principalmente, para meio com seus aparatos técnicos e
ajudar os educadores a compreender e tecnológicos disponíveis. Guy Debord na
mediarem a produção dos sentidos, dos década de 60 já escrevera que: “na segunda
346 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

metade do século XX a imagem substituiria A aprendizagem não é um amontoado


a estrada de ferro e o automóvel como força sucessivo de coisas que se vão reu-
motriz da economia”. Estamos vivenciando nindo. Ao contrário, trata-se de uma
esta predição. É chegada a hora de o entre- rede ou teia de interações neuronais
tenimento produzido pela técnica da extremamente complexas e dinâmicas,
filmografia com todos seus recursos técnicos que vão criando estados gerais qua-
e digitalizados aplicados na imagem, na lin- litativamente novos no cérebro huma-
guagem, no som, no roteiro, na sonoplastia no.20
e nos seus efeitos, deixarem de ser entrete-
nimento para se tornarem entre-entendimento. Chegou o tempo de fazer uma reflexão
dialética sobre: “Educação e Comunicação
O que determina a sua qualidade é não devem ser dissociadas”. A Comunicação
o uso, o que se pode fazer dela diante serve à Educação, para educar ou (des)educar,
de suas possibilidades pedagógicas e para socializar ou (des)socializar, para inte-
culturais. (...) Nessa perspectiva, a grar ou (des)integrar, para ajudar a entender
indústria cultural, ao ampliar a circu- ou a (des)entender, para ajudar a compreen-
lação de informações e permitir o der ou a (não) compreender; para apreender
acesso a um maior contingente de e internalizar, para desmontar e res-significar
pessoas, possibilitaria uma melhor informações e significados. A partir dessas
compreensão do mundo.18 experiências, o sujeito interage com e em seu
meio.
A utilização de desenhos animados, As crianças já estão nascendo na soci-
desenvolvida e articulada como um instru- edade globalizada. São educadas e integra-
mento pedagógico na formação de educado- das à família, à sociedade, ao grupo através
res na escola, na educação das crianças, da comunicação. Acostumam a sentirem
poderá ser uma alternativa. Poderá dar um necessidade de informação, entretenimento,
“basta” à inércia, à padronização e à raci- envolvimento, dos quais todos somos depen-
onalização dos procedimentos formais do dentes.
ensino e ao desestímulo no aprender. Con- Reflitamos: Comunicação e Educação
forme Wolfgang Leo Maar, estão interligadas através da convivência,
através da linguagem. Sem elas não há
(...) o conteúdo de conhecimento da contradições, assim como não haverá enten-
experiência, no sentido de Adorno, dimento sem diálogo. Não há descobertas sem
experiência formativa – não se esgota informação. Não há questionamentos, nem
na relação do conhecimento formal, reflexões, nem atuação conjunta sem o
tal como só fornecido, por exemplo, entendimento. Não há negócios, conseqüen-
pelo método das ciências naturais. temente, não há mercado. Não há a troca.
Mas implica numa transformação do Não há o conhecimento, nem tão pouco o
sujeito no curso de seu contato trans- reconhecimento do outro.
formador como objeto na realidade,
para o que se exige continuidade e Há como negar?
tempo – isto é, realidade – por opo-
sição à fragmentação e à pressa da Os desenhos animados são uma merca-
racionalidade formal.19 doria palatável, um produto à venda, que dá
prazer a diferentes públicos. Trazem dentro
Introduzir uma boa dose de animação na de si uma intenção, explica Octávio Ianni.
educação possibilitará ao ser aprendente re- O autor também nos alerta, que precisamos
descobrir com a sua fantasia, com a sua lembrar que nesse processo de produção
imaginação; possibilitará aguçar a curiosida-
de e a criatividade. Os desenhos animados Nenhuma mercadoria é inocente. Ela
como instrumento pedagógico poderão devol- é também signo, símbolo, significa-
ver ao ensino e à educação um pouco de gosto do. Carrega valor de uso, valor de
e sabor. Hugo Assmann faz uma reflexão: troca e recado. Povoa o imaginário
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 347

da audiência, público, multidão. Di- É notável a maneira como isso se dá. A


verte, distrai, irrita, ilustra, ilude, comunicação dá o tom da música e a edu-
fascina. Carrega padrões e ideais, cação, o ritmo do processo de globalização.
modos de ser, sentir e imaginar. O ser/sujeito educado nessa sociedade dança
Trabalha mentes e corações, forman- acompanhando o ritmo. Se por um lado este
do opiniões, idéias e ilusões.21 é um processo social, uma relação
interdisciplinar, uma ferramenta para a cons-
Se é assim com o público em geral, “a trução de um mundo mais transparente, mais
fortiori” o será com o público infantil. Os simples, ao mesmo tempo é um instrumento
desenhos animados são um produto vendá- mediador da estrutura transnacional, que
vel, que acompanham as constantes mudan- exerce o poder de influenciar, definir e
ças da sociedade, do contexto histórico do orientar o receptor. Sem dúvida o produto
roteiro pretendido, da pesquisa, do conheci- da Indústria Cultural é ambíguo.
mento, da técnica, da computação gráfica.
Hoje são uma das mais atraentes mercado- Ora, os produtos culturais são
rias: a animação digital. objetivações humanas que devem ser
O desenvolvimento de cada produção conta reapropriados de forma coletiva,
com elementos como: a pesquisa, o trabalho, podem ser utilizados tanto na
a dedicação, a imaginação, as habilidades narcotização, quanto para a emanci-
artísticas e sensoriais. Também conta com pação das consciências.23
experiências vivenciais, para dar vida aos
personagens criados. Os recursos tecnológicos Ambos são mediadores na sociedade em
permitem trazer para a tela amostras da his- que vivemos. O movimento da mídia é
tória, da geografia, da cultura, dos costumes decisivo no processo de globalização. Por isso
e dos valores de determinada região, de a utilização dos meios de comunicação na
determinado povo, do desconhecido, do co- educação e em sala de aula é uma questão
nhecido não tão conhecido. Hão de dizer: “É pertinente. Mas, é preciso saber utilizá-los.
verdade. Essas combinações acrescentadas à É necessário saber ler, compreender, apre-
história e ao roteiro é que fazem a fantasia ender a mensagem e a informação com toda
provocar a sensação de realidade”. Nós di- sua técnica e complexidade. Não basta saber
ríamos que sim e que não. Se têm o poder utilizar os recursos técnicos, é preciso com-
de exercer uma reação aniquiladora do ser, preender que eles incorporam a lógica do
ao transformar a realidade em fantasia, tam- sistema de produção e são reapropriados de
bém podem fazer o contrário. São essas forma desigual, excludente. É preciso
características conflitantes dos desenhos ani- desmistificar a idéia de que basta “boa
mados contemporâneos, que nos fazem acre- vontade”, para que os meios sejam utilizados
ditar que ele pode ser uma das alternativas numa outra conformação. Afinal, pertence-
válidas, para provocar um diálogo entre as mos à era da transição, em que o capitalismo
diversas disciplinas do ensino formal, para dar e o pós-capitalismo se mesclam; à era do
ânimo à educação. marketing, da repercussão, da informatização,
Essa atmosfera é provocante. Mantém o do re-conhecimento, da competição, da
ânimo num constante fervilhar, numa cons- constante “porta aberta” ao mercado. Con-
tante transformação, graças a todos os outros forme Renato Ortiz, esta é a era de processos
seres/sujeitos/indivíduos, que participam. Um globais, que transcendem os grupos, as clas-
ser/sujeito/indivíduo vivo nesta sociedade ses sociais e as nações. Ele tem como hi-
contemporânea, que, a despeito, como expli- pótese a emergência de uma sociedade glo-
ca Octávio Ianni, de tensões internas e bal. Se quisermos ser contemporâneos, tere-
externas, está articulado numa sociedade mos de enfrentá-la. Ortiz salienta:
global: Uma sociedade global no sentido de
que compreende relações, processos e estru- Estou convencido de que, no proces-
turas sociais, econômicas, políticas e cultu- so de globalização, a cultura de
rais, ainda que operando de modo desigual consumo desfruta de uma posição de
e contraditório.22 destaque. Na minha opinião, ela se
348 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

transformou numa das principais ins- Desenhos são produtos da indústria cul-
tâncias mundiais de definição da tural, de uma cultura mundializada, de um
legitimidade dos comportamentos e lugar um tanto distante, mais também fazem
dos valores.24 parte do nosso lugar, do nosso espaço tem-
poral, do nosso mundo vivido. A formação
O cotidiano é constituído e se constitui cultural foi historicamente ofuscada,
nesta era complexa, descontínua, incerta, despontencializada, mas não dizimada. Pode
caótica, contraditória. São mundos diferentes e deve ser resgatada em dimensões novas
no mesmo mundo. Ao mesmo tempo em que e contemporâneas de nosso tempo.26
se vivencia a era da individualidade, do Consideremos os desenhos animados das
egoísmo, da tirania, do sigilo, das mentiras, indústrias filmográficas Walt Disney e Pixar,
dos roubos, e acima de tudo, do cinismo, que têm repercussão global. Eles preenchem
contraditoriamente se vivencia a era da o tempo de lazer, entram no interior das casas
valorização da criatividade, do voltar-se-para e no interior de nossas escolas. É um mundo
si mesmo, da valorização do simples, do imagético, que tem o poder de se fazer presente
trabalho em equipe, da informação permeando no psíquico de crianças do mundo inteiro. Pelas
todos os âmbitos da sociedade, tentando não idéias de Renato Ortiz esta reflexão é ampla
ser excludente, da liberdade de expressão e demais e nos sugestionamos a pensar no todo,
da escolha, do dizer não aos preconceitos, em tudo. Mas, voltando para o cotidiano, é
do reconhecimento dos gêneros, das misci- aí, no dia-a-dia, no bem viver ou mal viver,
genações variadas, das denúncias, da verda- que a mundialização da cultura se revela, na
de “doa a quem doer”. Em meio a todas estas produção dos sentidos, nas significações e nas
contradições e em nome da sobrevivência e representações, frutos de um processo
da cobiça pelo poder, do desenvolvimento inacabado. Li no livro “Mundialização e
Cultura” de Renato Ortiz, que estes elementos
econômico particular, nacional e internacio-
invisíveis expressam um mecanismo, que
nal, é que vivemos. E é aqui que os meios
reorienta a organização da sociedade.
de comunicação, as mensagens altruístas, as
Como amostra, trazemos muito resumi-
informações, os críticos das características
damente alguns dos muitos exemplos de
primeiras e os defensores das segundas
desenhos animados, que tiveram sucesso em
características mais saudáveis, digamos, tran-
bilheteria, em vendas de fitas vídeos e DVDs:
sitam e se instalam.
Mulan, Toy Story 1 e 2, (1995-1999),
É vivendo no agora e refletindo sobre o
Monstros S/A (2001), Shrek (2001), Lilo
ser/sujeito/criança e pensando no momento
Stitch (2002), e o mais atual Procurando
constituído no atual contexto histórico, so- Nemo (2003). Eis produções da Indústria
cial, cultural, que justifico neste estudo a Cultural, que visam lucro. Por exemplo:
utilização dos desenhos animados como Procurando Nemo é uma animação criada em
instrumento pedagógico. Em Belarmino César parceria pela Pixar Animation Studios e Walt
encontro uma explicação: Disney Pictures. Seu orçamento girou em
torno de US$ 94 milhões. Alto investimento.
O que determina a sua qualidade é Mas, só nos Estados Unidos da América em
o uso, o que pode fazer dela diante apenas três dias de exibição sua bilheteria
de suas possibilidades pedagógicas e chegou a US$ 77 milhões, e na terceira
culturais. Daí se pode pensar em semana de exibição arrecadou mais US$ 29
alfabetização, através do rádio e da milhões. Ao mundo inteiro este filme foi
televisão ou de programas educativos distribuído. Como imaginar seu lucro?
informais, mediados pela comunica-
ção de massa. Nessa perspectiva, a Mesmo sendo um produto da indústria
indústria cultural, ao ampliar a circu- cultural…
lação de informações e permitir o
acesso a um maior contingente de Os desenhos mencionados são produzi-
pessoas, possibilitaria uma melhor dos de maneira diferente. Os roteiros não são
compreensão de mundo.25 somente produtos da imaginação, da litera-
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 349

tura, da fantasia, da luta do bem contra o deficiente, aumentou o seu medo de perdê-
mal; da princesa linda e delicada, loura de lo, aumentando o zelo, que se tornou exces-
preferência, que é salva pelo príncipe, que sivo e danoso para seu filho. É um filme
se apaixona perdidamente e a busca para fazê- que trabalha uma questão presente e perti-
la sua princesa, para viverem felizes para nente. Atualmente existem pais, que criam
sempre. e educam seus filhos sozinhos. Quase sem-
Seus produtores e diretores tiveram a pre é problemático para as mães, mesmo para
sobriedade de trazer para a tela questões os pais, deixar o filho na escola em seu
pertinentes ao movimento da geração presen- primeiro dia de aula. Nemo também sofreu
te. Não dão mais ênfase ao herói, à princesa, conseqüências, por ter desafiado seu pai, para
ao príncipe encantado, ao solitário. A soci- provar-lhe que era capaz. Isso o levou a sérias
edade do “politicamente coerente” traz no- complicações. Perdeu a liberdade, que cus-
vas exigências. Estes filmes refletem estru- tou a recuperar. Para Marlín o desafio foi
turas de pensamento e de imaginário, que grande, teve que enfrentar o próprio medo
acompanham as transformações históricas, a do desconhecido por amor ao seu filho.
partir da segunda metade do século XX, Felizmente pôde contar com Dory, sua amiga
dentre elas, a dimensão do gênero, das “esquecida”, e com a comunidade oceânica
disparidades entre processos civilizatórios, da para ajudá-lo. O amor venceu, mas não por
questão da diferença, como em Procurando magia, pelo irreal. Venceu pela persistência,
Nemo27. Neste filme seu roteirista e diretor pela fé, pelo aprendizado dos desafios en-
Andrew Stanton e Lee Unkrich também carados de frente, pelo acreditar e confiar no
diretor da produção, trouxeram para a tela outro.
um pouco do colorido da fauna e flora do Assim como “Procurando Nemo”, outros
misterioso e mágico oceano, criando situa- desenhos podem ser trabalhados, cada um com
ções inusitadas, tensas, emocionantes e sua característica, com seu roteiro, com sua
cômicas também. Tudo num ritmo alucinante. mensagem e com conhecimento da técnica. Na
Seus personagens são “quase” reais. Muitos produção dos sentidos tudo tem que ser levado
tipos de criaturas marinhas. Uma variedade em conta: o sujeito histórico, o seu ambiente,
de peixes, peixes-palhaços, (Marlín e Nemo), o seu cotidiano, as suas experiências, seus
tubarões, tartarugas marinhas, águas vivas, medos, seus preconceitos, suas rupturas vivi-
anêmonas, baleias, corais, recifes, raias, das, sua persistência, mesmo que seja através
pelicanos. Uma aula linda sobre o mundo de um produto da Indústria Cultural.
subaquático. Os desenhos animados citados no desve-
Toda a equipe contribuiu para trazer lar de sua história fortalecem o sentido de
discussões reais da condição de vida dos seres equipe, promovem a valorização da família,
humanos na sociedade. Trabalhou de uma as discussões de gênero, trabalhando e va-
forma real as sensações de perda, de Marlín lorizando as diferenças, que antes não tra-
(pai de Nemo), com todas suas tensões e ziam. Estão acompanhando o cotidiano
frustração, por ter perdido sua companheira contemporâneo, que estamos vivendo. É
e seus outros 400 filhotes. Só lhe restou impossível a Educação em diálogo com a
Nemo, que, nascendo com uma nadadeira Comunicação fazer o mesmo?
350 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Santana, Cláudia da Silva. Narrativa


como ensaio cinematográfico: montagem e
Assmann, Hugo. Reencantar a Educa- estética do fragmento no pensamento de
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n. 14: 7 a 16 jan./abr., 1999. António (coord). Os professores e a forma-
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(org.) et alii. In: Teoria crítica e educação:
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de Frankfurt. Petrópolis: Vozes; São Carlos: * Unimep - Universidade Metodista de
EDUFISCAR, 1994, 197 p. Piracicaba, Piracicaba, São Paulo, Brasil.
1
Morato. Edwiges Maria. Vigotski e a Entretenimento significa: Aquilo que entre-
perspectiva enunciativa da relação entre lin- tém, diverte, distrai. Cf. Aurélio Buarque de
guagem, cognição e mundo social., Revista Holanda Ferreira. Novo Aurélio Século XXI: o
Educação & Sociedade, ano XXI, n. 71, dicionário de língua portuguesa, 3 ed., Rio de
Julho, 2000. Campinas: Instituto de Estudos Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 772.
2
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,. Estado
de Linguagem, Unicamp.
ou espaço que separa pessoas ou coisas. op. cit.,
Ortiz, Renato. Mundialização e Cultura.
p. 770.
São Paulo: Brasiliense, 2000, 234 p. 3
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. O
Prestes, Nadja Hermann. A razão, a alcançar a significação, o sentido, a idéia. op. cit.,
Teoria Crítica e a Educação. In: Pucci, Bruno p. 767.
(org.) et alii. Teoria crítica e educação: a 4
A produção de sentido na intersecção entre
questão da formação cultural na Escola de o entretenimento e o entendimento.
Frankfurt. Petrópolis: Vozes; São Carlos: 5
Maria Aparecida Baccega. A construção do
EDUFISCAR, 1994, 197 p. campo Comunicação/Educação. In: Comunicação &
Pucci, Bruno (org.) et alii. Teoria crítica Educação, São Paulo: (14): jan./abr., 1999, p. 7.
6
e educação: a questão da formação cultural Belarmino Cesar Guimarães da Costa.
na Escola de Frankfurt. Petrópolis: Vozes; Educação dos sentidos: a mediação tecnológica
São Carlos: EDUFISCAR, 1994, 197 p. e os efeitos da estetização da realidade. In:
Tecnologia, Cultura e Formação... ainda
Pucci, Bruno, Lastória, Luiz Antônio
Auschwitz. PUCCI, B., LASTÓRIA, L.A C.,
Calmon e Costa, Belarmino César Guimarães
COSTA, B.C.G. (org.) São Paulo: Cortez, 2003,
(orgs.) Tecnologia, Cultura e Formação... ainda p. 117.
Auschwitz. São Paulo: Cortez, 2003, 192 p. 7
Belarmino Cesar Guimarães da Costa. In-
Rouanet, Sérgio Paulo. Teoria Crítica e dústria Cultural: Análise Crítica e suas Possibi-
psicanálise. Rio de Janeiro: Tempo Brasilei- lidades de Revelar e Ocultar a Realidade, cap.
ro, 1998, 377 p. 8, In: PUCCI, Bruno. (org.). Teoria Crítica e
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 351

20
educação: a questão da formação cultural na Hugo Assmann, Reencantar a Educação.
Escola de Frankfurt. 2ª ed., Petrópolis: Vozes, São Rumo à sociedade aprendente. 4ª ed., Petrópolis:
Carlos, EDUFISCAR, 1994, p. 181. Editora Vozes, 2000, p. 40.
8 21
Belarmino Cesar Guimarães da Costa. Octávio Ianni. A Sociedade Global, 7ª ed.,
Educação dos sentidos: a mediação tecnológica Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p.
e os efeitos da estetização da realidade. In: 49-50.
22
Tecnologia, Cultura e Formação... ainda Octávio Ianni. A Sociedade Global, 7ª ed.,
Auschwitz. PUCCI, B., LASTÓRIA, L.A C., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p.
COSTA, B.C.G. (org.) São Paulo: Cortez, 2003, 39.
23
p. 127. Antônio Álvaro Soares Zuin. In: PUCCI,
9
O conjunto de tudo que se entende por Bruno (org.) e outros. Teoria crítica e educação:
mídia, todos os meios que envolvem a comuni- a questão da formação cultural na Escola de
cação e a informação. Frankfurt. Petrópolis: Vozes; São Carlos:
10
Donald A. Schön, Formar Professores como EDUFISCAR, 1994, p. 155.
24
Profissionais Reflexivos. In: NÓVOA, António Renato Ortiz. Mundialização e Cultura. São
(coord). Os professores e a formação. Lisboa: Paulo: Brasiliense, 2000, p. 10.
25
Publicações Dom Quixote, 1997, p. 82. Belarmino Cesar Guimarães da Costa.
11
Nadja Hermann Prestes. A razão, a Teoria Indústria Cultural: Análise Crítica e suas Possi-
Crítica e a Educação. In: PUCCI, Bruno (org.) bilidades de Revelar e Ocultar a Realidade, cap.
e outros. Teoria crítica e educação: a questão da 8, In: PUCCI, Bruno. (org.). Teoria Crítica e
formação cultural na Escola de Frankfurt. educação: a questão da formação cultural na
Petrópolis: Vozes; São Carlos: EDUFISCAR, 1994, Escola de Frankfurt. Petrópolis: Vozes, São Carlos,
p. 86 EDUFISCAR, 1994, p. 190.
12 26
Octávio Ianni. A Sociedade Global, 7ª ed., Bruno Pucci (org.) e outros. Teoria crítica
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. e educação: In: a questão da formação cultural
48. na Escola de Frankfurt. Petrópolis: Vozes; São
13
A imagem é por conta da autora. Carlos: EDUFISCAR, 1994, p. 55.
14 27
Lev Semiónovich Vygotsky. Génesis de las Sinopse: Premiado com o Oscar como o
funciones psíquicas superiores. In: Obras melhor em animação. Seu roteiro foi escrito por
Escogidas, cap. 5, Madrid: Visor, 1995, p. 146- Andrew Stanton, e sua direção ficou por conta
147. do próprio Stanton e Lee Unkrich. Seu enrêdo:
15
Sérgio Paulo Rouanet. Teoria Crítica e Marlín, um peixe-palhaço que de engraçado não
psicanálise. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, tem nada, vê sua família ser destruída por um
1998, p. 120. peixe-espada (ou algo do gênero) justamente
16
Cláudia da Silva Santana. Narrativa como quando espera, junto à sua esposa Coral pelo
ensaio cinematográfico: montagem e estética do nascimento de seus 400 filhotes. Depois da tra-
fragmento no pensamento de W. Benjamin.[tese gédia Marlín ficou com um só ovinho, Nemo, que
de doutorado em Comunicação em Semiótica,] São criado com excesso de zelo pelo pai que teme
Paulo: PUC, 2002, p. 68. perdê-lo também. Mas, como na vida, inevitavel-
17
Cláudia da Silva Santana. op. cit., São Paulo: mente Nemo precisa enfrentar os perigos do
PUC, 2002, p. 4. oceano para que possa também conhecer suas
18
Belarmino Cesar Guimarães da Costa. maravilhas. O conflito é estabelecido. O adorável
Indústria Cultural: Análise Crítica e suas Possi- peixinho que, tem uma das nadadeiras deficiente,
bilidades de Revelar e Ocultar a Realidade, cap. acaba convencendo ao pai a levá-lo para a escola.
8, In: PUCCI, Bruno. (org.). Teoria Crítica e Lá chegando, querendo desbravar o desconheci-
educação: a questão da formação cultural na do, é reprimido pelo pai na frente dos colegas,
Escola de Frankfurt. 2ª ed., Petrópolis: Vozes, São já no seu primeiro dia de aula. Ele ser revolta
Carlos, EDUFISCAR, 1994, p. 190. e acaba se arriscando, acabando por ser levado
19
Wolfgang Leo Maar. PUCCI, Bruno (org.) do mar por um mergulhador. Seu pai, Marlín, em
e outros. In: Teoria crítica e educação: a questão desespero, vencendo seus próprios temores inicia
da formação cultural na Escola de Frankfurt. uma viagem no oceano em busca de seu amado
2ª ed., Petrópolis: Vozes; São Carlos: filho. Site oficial: www.pixar.com/featurefilms/
EDUFISCAR, 1994, p. 63-64. nemo.
352 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 353

Por dentro do filme – o cinema na sala de aula


Graça Lobo1

Pressupostos retóricos da linguagem visual».2 Depois, diria


eu, “alfabetizadora” no sentido de um “de-
Importa compreender o olhar; importa sacordo de significações”, no que esta ex-
estudar as imagens; importa ensinar o olhar pressão encerra de questionamento, espírito
sobre as imagens, sobretudo se pensarmos crítico e individuação de perspectivas.
na sedução das estratégias de manipulação Se bem que a Escola tenha cada vez maior
do pensamento hoje amplamente associadas percepção de que o “curriculum paralelo” do
aos mass media, desde os dispositivos aluno passa hoje pela imagem (sobretudo
televisivos aos mecanismos da publicidade televisiva), e se bem que existam alguns
ou aos constrangimentos intelectuais de um esforços ao nível da pedagogia dos media,
certo tipo de cinema. A injecção de imagens de uma maneira geral não existem espaços
por segundo em “video-clips”, a profusão de curriculares onde se interroguem as imagens,
painéis publicitários na paisagem humana, o que informações elas veiculam e, principal-
“voyeurismo” instilado em certos “reality- mente, como veiculam elas essas informa-
shows”, a embriaguez de efeitos especiais que ções (“como” que determina o próprio
se torna sinónimo de espectáculo cinemato- conteúdo das informações transmitidas),
gráfico, constituem meros exemplos particularmente no que respeita aos filmes
referenciáveis num imenso conjunto de ca- enquanto corpos de imagens portadoras de
sos. À inflexão civilizacional que constituiu sentido (gramatical, mas igualmente artísti-
a substituição do primado da leitura pelo da co), sejam eles difundidos ou projectados.
imagem correspondeu necessariamente uma Cada objecto fílmico é um microcosmos
outra maneira de o homem se relacionar com no qual toda a história da imagem se com-
o mundo. prime, pelo que para que o olhar se possa
Ora, “viver para ver” - se “ver” for “sem distender a partir dele terá sido necessária
olhar” e se “olhar” for “sem reparar”, como uma aprendizagem prévia específica.
é próprio da indiferenciação que os media Assim, dividirei as possibilidades da
por definição estimulam -, é manifestação de utilização do cinema na escola em três
pensamento domesticado e de inteligência grandes domínios: ensinar com o cinema (o
omissa, pois se as imagens não forem filme como simples ilustrador informativo,
desconstruídas no momento da sua apreen- como, por exemplo, enquanto documento
são serão unicamente acumuladas, e não social ou histórico), ensinar pelo cinema (o
apreendidas, perdendo-se a possibilidade da filme elaborado com propósitos pedagógicos,
memória, sem a qual não há matéria para como é o caso de muitos documentários de
discorrer, e a oportunidade da aprendizagem, criação) e, o que me ocupa aqui, ensinar o
pela qual o indivíduo se transforma em cinema (o filme como resultado de uma
pessoa. linguagem e história específicas).
Desta maneira, poderemos e deveremos Ora, tal aprendizagem exige formação
ter legítimas expectativas sobre o papel da para a imagem em geral e para a imagem
escola enquanto efectiva “alfabetizadora”. cinematográfica em particular («preparar al
Antes de mais, “alfabetizadora” no sentido público al máximo a fin de que su recepción
de tentar garantir um “acordo de significa- de mensajes se haga en las mejores
ções”, fornecendo informação sobre o estudo condiciones de aprovechamiento y en una
«dos mecanismos perceptivos apoiados na posición crítica que desmantele en lo posible
visão, das regras de composição das imagens, el resultado de la invasión audiovisual en la
das possibilidades semânticas e dos artifícios que vivimos»3), o que implica que é ao nível
354 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

da formação de professores que primeiro se por outro lado, pela normalização -


deve e tem que insistir: consequência da “globalização mediática” -
Tal formação será o primeiro passo para do olhar, cercado e manipulado por um
combater o actual alheamento - ou aprovei- único tipo de construção narrativo-dramá-
tamento, que é uma outra forma de tica e uma especial maneira de encenar tal
alheamento - da escola em relação ao cine- construção. Olhar que, inevitavelmente,
ma, que se, desde logo, me parece porque conduzido por generalizações e
preocupante ao nível da formação global do estereótipos, está afastado da diversidade e
indivíduo (se pensarmos, nomeadamente, que da reflexão crítica, da multiplicidade e da
outras artes são objecto de estudo sistemá- atitude problematizadora, em suma, olhar
tico), mais grave é se se considerar que “ver que está arredado do pensamento. O apelo
filmes” é um hábito relativamente comum à sedutor das imagens em movimento é o
população escolar (neste caso, professores e melhor veículo para a manipulação dos
alunos). Fornecer os meios aos docentes para indivíduos, tornados acríticos e com piores
que acedam conscientemente aos filmes é o qualificações para a cidadania. Na Lei de
passo necessário para que eles passem da Bases do Sistema Educativo assume-se como
instrumentalização do cinema à compreen- finalidade primeira a educação para um
são da sua especificidade e importância, o pleno exercício da cidadania, então deverá
que por sua vez será a etapa imprescindível ser a escola a assumir o papel, sobretudo
para que os alunos se relacionem progres- ao nível da escolaridade obrigatória, de
sivamente com um maior grau de domínio reverter e inverter uma realidade tão
e espírito crítico para com os produtos que unidimensional. Um programa consequente
visionam, dada a orientação que o docente e em continuidade pode e deve ajudar a
imprime no momento de tal contacto, pre- “limpar o olhar”, promovendo o
viamente a ele ou logo após ele. visionamento de filmes de diversas prove-
Só assim, e numa fase posterior, se poderá niências e estilos, levando ao conhecimento
ensaiar a formação dos próprios alunos, cujo e análise da imagem, provocando o debate
panorama actual, a esse nível, revela profun- no sentido crítico, fomentando a sensibili-
das deficiências, tanto ao nível de aquilo que dade e a criatividade, alargando horizontes
os alunos consomem quanto ao nível de como e investindo progressivamente no aluno
consomem eles o que vêem. enquanto futuro cidadão do mundo.
De um estudo levado a cabo na região Em síntese, «Trabajar con los alumnos
do Algarve em 1997/98 num universo de la estructuración lógico-explicativa, la
30 escolas retiraram-se algumas importantes atención, las capacidades críticas y reflexi-
ilações, tais como a de que a ausência vas, la construción de valores y actitudes a
curricular do cinema na escola é determinante partir del análisis de ficciones audiovisuales.»,
no que se refere, pelo menos, à aquisição como afirmou Pilar Aguilar4.
de conhecimentos básicos sobre a 7ª Arte ou Donde e em conclusão, para que a real
sobre a diferença que o suporte e as con- comunicação se estabeleça, não só necessi-
dições de visionamento têm no acesso a ela, tamos de receptores providos dos instrumen-
a de que as lacunas culturais do meio fa- tos e dos dispositivos necessários à
miliar são determinantes no modo como o descodificação e interpretação do que vêem,
cinema é encarado ou de que a visão está mas igualmente precisamos de oferecer a tais
maioritariamente condicionada por um único receptores o produto na sua versão original
modelo cinematográfico. e nas condições técnicas ideais – sala do
Há um consumo generalizado de produ- cinema.
tos massificados nos quais, mesmo que se Aliás, até no estrito ponto de vista pe-
não coloque em causa a qualidade das dagógico é útil (dado o carácter do cinema
imagens, poder-se-á questionar a qualidade enquanto espectáculo integrado na “cultura
das mensagens e, mais do que isso, dos quais de saída”, para adoptar a expressão de Pereira
se poderá legitimamente questionar a qua- Marques5) colocar os alunos em situação “fora
lidade da recepção: por um lado, pela de portas” da escola, já que tal constitui um
elucidante realidade do exemplo que citei, trunfo para uma presumível aprendizagem.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 355

Oferecer cinema como factor de entreteni- 1. a globalização mediática traduz-se


mento e como motivo de aproximação ao numa uniformização de gostos e modos de
objecto em estudo é potenciar o êxito de tal ver;
iniciativa, sendo que por “aproximação ao 2. o predomínio de filmes norte-ameri-
objecto em estudo” se deverá entender ape- canos nas salas de cinema estreita e deforma
lar à justa compreensão do que seja um filme a visão do cinema pelo espectador;
e do que o cinema envolve: a concentração 3. as regras de mercado cinematográfico
devida ao filme, num processo individual inviabilizam a construção de uma memória
entre ecrã e espectador e na comunhão mais cinematográfica;
alargada com o “colectivo” de espectadores 4. a estrutura do mercado mediático
da sala; a construção de mitos e o reencontro indiferencia as características específicas - e
com o imaginário e o simbólico (cinema a recepção respectiva - de cada suporte
enquanto conjunto de modelos de referência possível para o cinema (sala, televisão e
que estimulam processos de identificação, video);
distintos daqueles que a televisão fornece); 5. a ausência do cinema ao nível curricular
a recomposição do pensamento, do discursivo não é sequer compensada com acções que
ao intuitivo e vice-versa. possam tentar inverter os prejuízos que daí
Para se aceder à arte do cinema deve- decorrem na formação dos alunos e na sua
remos, então, deslocarmo-nos até ao local preparação para descodificar o mundo
original da sua projecção, providos já com mediático no qual estão imersos;
uma formação que nos permita que tal 6. a ausência do cinema ao nível da
encontro não seja um mero piscar-de-olhos formação dos professores compromete a
ou, ao invés, conscientes de que, a maior hipótese de que ele possa ser conveniente-
parte das vezes, os momentos que julgára- mente abordado na relação “ensino-aprendi-
zagem”.
mos de encontro não foram mais do que
7. o parque de salas no Algarve penaliza
piscar-de-olhos. Quero dizer que a forma-
fortemente grande parte dos seus habitantes
ção deve ser, para os professores, prévia,
e reforça o isolamento sócio-cultural dos
e para os alunos, posterior, no sentido em
concelhos periféricos da região.
que é mais facilmente entendível um con-
Este conjunto de problemas levou a um
teúdo, neste contexto, ao qual se possa
conjunto de hipóteses de trabalho na pers-
associar uma imagem já vista, do que a
pectiva de intervir nesta situação:
situação oposta. Porque ver não é saber, não
1. Aproveitando o refluxo dos especta-
basta ver o filme para o apreender. Assim,
dores jovens ao cinema e o aumento do
após o visionamento há que retomar a sala parque de salas no Algarve, potencializar o
de aula, para que, numa situação mais contacto directo com o cinema no seu local
próxima, os alunos possam vir a aprender original de projecção;
cinema com o filme a que assistiram. Diria 2. Apostando nas consequências a médio
antes: para que os alunos possam vir a e longo prazo da criação do hábito cultural
aprender que o filme que viram é cinema. da ida ao cinema, envolver as empresas de
Para que o olhar passe, provável e distribuição e exibição na potencialização de
tendencialmente, a ser inteligente - e a tal contacto directo
procurar no cinema um interlocutor igual- 3. Reconhecendo a vulgarização do su-
mente inteligente. porte video, dela retirar benefícios enquanto
meio facilitador da aprendizagem do cinema;
O Programa JCE/Juventude-Cinema-Escola 4. Fornecendo a formação necessária,
tanto ao pessoal docente como aos alunos,
Em 1997, analisada a situação do cinema ensaiar uma intervenção mais lata no campo
na região do Algarve e após o tratamento da recepção do cinema:
dos resultados do referido inquérito a 30 4.1. efectuando acções pontuais de carác-
escolas básicas e secundárias, que agora se ter extra-curricular;
detalha, detectou-se o seguinte conjunto de 4.2. elaborando um programa sistemático
problemas: de acção tendencialmente curricular.
356 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Objectivos do Programa JCE Evidentemente que a operacionalização


dos conceitos contidos nestes objectivos são
O grande objectivo deste Programa é desenvolvidos ao longo de um programa em
formar um novo público para o cinema. Este continuidade, partindo do mais genérico para
objectivo divide-se em objectivos específi- o mais particular, do mais simples para o mais
cos de curto, médio e longo prazo, em 3 elaborado e do mais concreto para o mais
diferentes campos de intervenção: professo- abstracto. Evidentemente, também, neles
res, alunos e mercado. estão implícitos objectivos de carácter sócio-

Curto prazo Médio prazo Longo prazo


Professor • Sensibilização para as • Aquisição de • Intervenção autónoma
linguagens mecanismos de análise enquanto utilizadores das
cinematográficas. das linguagens linguagens
cinematográficas. cinematográficas.
Aluno • Conhecer o filme como • Reconhecer o filme • Compreender a
objecto a ver em sala de como objecto a ver em especificidade da
cinema. sala de cinema. projecção
cinematográfica.

• Ser confrontado com a • Explicar a “ilusão do • Compreender a “ilusão


“ilusão do movimento”. movimento”. do movimento” como
específica da arte do
cinema.

• Identificar a matéria • Adquirir noções básicas • Aprofundar


(película) e a unidade da gramática do cinema. conhecimentos sobre a
mínima do filme gramática do cinema.
(fotograma).

• Identificar o Cinema • Compreender o • Compreender o cinema


como meio de Cinema como meio de como veículo transmissor
comunicação. comunicação. de ideologias.

• Adquirir informações • Compreender autoria e o • Conhecer autores de


sobre “como se faz um filme como resultado de cinematografias
filme”. uma equipa. diversificadas.
• Conhecer filmes de • Identificar a importância
cinematografias económica, social e
diversificadas. cultural do cinema.
• Distinguir formatos.
• Distinguir géneros.
• Identificar modos de
produção.

• Conhecer as máquinas • Adquirir conhecimentos • Aprofundar


das “imagens em sobre a História do conhecimentos sobre a
movimento”. Cinema. História do Cinema.

• Recepcionar o filme •Recepcionar o filme, • Recepcionar o filme,


utilizando a linguagem não formulando juízos críticos. formulando juízos críticos
verbal e verbal-oral. e estéticos.

• Interrelacionar temáticas • Interrelacionar temáticas • Interelacionar temáticas


dos filmes com conteúdos dos filmes com conteúdos dos filmes com conteúdos
deste nível programáticos das das disciplinas.
disciplinas. Sensibilizar • Reconhecer o cinema
para o cinema enquanto como arte.
arte. • Fomentar a criação de
pequenos filmes.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 357

afectivo, isto é, de uma aprendizagem do Não tendo este Programa uma atitude
espectador enquanto cidadão com hábitos de directa para com o mercado, penso que o
civilidade, livre, consciente e crítico nos seus influencia: numa 1ª fase, através de uma
hábitos culturais. aproximação que se traduz principalmente

Curto prazo Médio prazo Longo prazo


Mercado • Sensibilização para o • Intervenção nos hábitos. • Aumento da oferta e da
Programa. procura.

através de beneficios para o próprio JCE, ao integradas no Programa) -, o que potencializa


conseguir uma diminuição nos seus custos; um aumento da afluência de público infanto-
numa 2ª fase, com a introdução de uma nova juvenil às salas, ainda que com resultados
modalidade de entrada no cinema - o “bi- económicos difíceis de avaliar; numa 3ª fase,
lhete JCE”, com desconto para os alunos de com a já previsível mudança ao nível da
todos os níveis de ensino no Algarve ou, pelo procura – mais espectadores para as salas de
menos, para os portadores do cartão “Rede cinema, mas, simultaneamente, espectadores
JCE” (escolas de 2º e 3ºciclos e secundárias com outros critérios de exigência.

Organização esquemática do Programa JCE


358 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Programação tipo e estratégias de inter- • Criação de arquivos escritos e audio-


venção visuais nas escolas (quer da Rede JCE, quer
nas restantes) sobre as várias vertentes do
• Gratuitidade do Programa JCE - as Programa.
sessões de cinema promovidas são sempre • Publicação de um anuário que dá conta
de entrada gratuita, tanto para alunos como da actividade realizada e dos melhores tra-
para professores. balhos realizados pelos alunos sobre os fil-
• Divisão do âmbito do Programa JCE mes e/ou o cinema.
em dois: em sessões pontuais de sensibilização • Contar com convidados especiais para
e na criação da Rede JCE onde os objectivos animar sessões especiais (realizadores, acto-
já descritos são concretizados através de um res, técnicos…).
programa o mais possível fixo de filmes (4 • Organização de debates, cursos e
sessões anuais, no caso das escolas secundá- “workshops” para escolas/alunos interessados
rias com a exibição igualmente de uma curta- por temáticas específicas (animação,
metragem portuguesa por sessão). guionismo, história do cinema…).
• Sublinhar o carácter tendencialmente • Promoção de intercâmbios entre pro-
curricular do Programa JCE nas escolas jectos/actividades de outras áreas dentro da
da Rede, onde a sessão só termina na sala própria escola, entre escolas, a nível naci-
de aula, dividido que está nas seguintes onal e internacional.
etapas: sensibilização prévia à sessão na sala • Organização de visitas de estudo a locais
de aula por parte do professor; ida à sala de interesse no âmbito do cinema (ANIM,
de cinema para visionamento do filme, Cinemateca Portuguesa, Tóbis, Escola Supe-
apresentado pela coordenadora JCE (ou da rior de Cinema…).
Direcção Regional ou da própria Escola); • Realização no final de cada ano lectivo
retorno à sala de aula para preenchimento
a “Festa do Cinema”, onde são entregues
de inquérito sobre o filme (questões de ordem
prémios aos melhores trabalhos de recepção
temática, técnica e de avaliação qualitativa
sobre os filmes vistos ou o cinema em geral.
e quantitativa do/s filme/s); correcção do
Exposição de trabalhos. Concursos tipo “quiz
inquérito através de vários materiais, inclu-
show”.
indo o dossier gráfico e temático sobre o filme
• Realização de um programa de rádio
e montagens video com extractos do filme
quinzenal numa rádio local de Tavira sobre
e/ou outros. Como em qualquer disciplina,
as actividades da Rede JCE com a presença
no final do ano elabora-se uma ficha sumativa
de convidados do Algarve ligados ao cinema
global simplesmente orientada para a avali-
ação dos conhecimentos técnicos (linguagem, e/ou ao Programa JCE (alunos e professo-
técnicas, profissões e História) leccionados res).
ao longo do ano lectivo. É de acentuar que
em certas escolas o trabalho do/a aluno/a na Medidas paralelas em implementação
Rede JCE, incluindo os resultados destes
testes, é inlcuído, com uma percentagem que • Criação de uma página na Internet sobre
normalmente ronda os 10%, na classificação o Programa JCE e igualmente com links para
final da disciplina do professor que integrou sites ligados ao cinema.
a/s sua/s turma/s na Rede JCE. • Assinatura de protocolos com exibidores
• Investimento na formação de uma que permitam a criação de bilhetes com
“bolsa de professores” à qual é fornecida desconto, para filmes aconselhados previa-
formação (específica, para o Programa, e mente pela coordenação do Programa, para
geral, sobre o cinema). todos os alunos da região ou só, numa
primeira fase, para alunos da Rede JCE.
Medidas paralelas implementadas • Promoção de uma iniciativa designada
por “Vou levar os meus pais ao Cinema!”,
• Criação de clubes de cinema, aos quais em que se pretende que os pais tenham uma
será dado todo o apoio a nível da organi- participação mais activa na Educação em
zação, programação e documentação. geral e neste programa em particular.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 359

Conclusão apresenta no contacto com o cinema, isto é,


ser material de apoio didáctico e não estra-
O Programa JCE é um projecto que tégia pedagógica para “entreter crianças”), está
trabalha não ao nível das imediatas conse- presente na sala de aula. Envolvendo os
quências mas sim dos frutos a médio e longo professores das escolas em que trabalha,
prazo. Aproveitando as “brechas” existentes fornecendo-lhes a formação indispensável ao
no sector do mercado, isto é, conseguindo domínio da linguagem e da história do cine-
a colaboração dos distribuidores nacionais ma (por forma a que eles mesmos, por um
(comerciais ou não-comerciais, como a lado, interiorizem a necessidade de investir
Cinemateca e todas as entidades de teor na formação dos alunos neste campo e, por
cultural que detenham filmotecas - Inatel, outro lado, possam ter uma percepção correc-
embaixadas, institutos similares), construin- ta das características - industriais, artísticas e
do, em teia, uma “rede de cumplicidades” estéticas - do cinema), orienta o adequado uso
(para utilizar a justa e belíssima expressão do cinema na escola. Abrangendo alunos dos
de João Mário Grilo6) entre salas de cinema 6 aos 18 anos, educando-os progressivamente
locais (comerciais ou de entidades públicas), em duas vertentes umbilicalmente ligadas -
exibidores alternativos (projeccionistas am- a do hábito cultural de ver cinema no seu local
bulantes e cineclubes), autarquias e delega- próprio e original de projecção, a sala de
ções regionais dos diferentes Ministérios ou cinema, e a da aprendizagem sobre a lingua-
Secretarias de Estado abrangidos, por voca- gem e a história do cinema -, ajuda, estou
ção, pelo Programa (educação, cultura e certa, um número significativo de “homens
juventude), e as escolas, apresenta uma de amanhã” a tomar consciência de quanto
maneira diferente de facultar o cinema. Sendo o gosto pode ser manipulado e a ignorância
“tendencialmente curricular”, optando por fomentada se o indivíduo se demitir do seu
uma programação consistente, numa perspec- esforço de conhecimento e consequente es-
tiva didáctica, tanto aos nível dos conteúdos pírito crítico. Ao estar “por dentro do filme”,
a ministrar quanto à diversidade dos filmes o Programa JCE ajuda a formar espectadores
a apresentar (e recorrendo ao suporte video para além dele, tornando os alunos cidadãos
unicamente pela principal utilidade que ele atentos às realidades que os cercam.
360 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Saberes, nº 8, 1994, p. 71. Cf. id., «O alfabetismo


implica que os membros de um mesmo grupo
Aguilar, Pilar, Manual del espectador atribuam os mesmos significados aos mesmos
inteligente, Madrid, Ed. Fundamentos, Col. signos. É esta partilha de significados que tem
de ser aprendida, pois ler é aqui diferente de ver.»,
Arte, Serie Imagen, nº 114, 1996.
p. 49.
António, Lauro (coord), O Ensino, o Ci- 3
Porter-Moix, apud Javier Gonzaléz Martel,
nema e o Audiovisual – Comunicações do 1º El cine en el universo de la ética. El cine-fórum,
Encontro Nacional “O Ensino do Audiovisual, Madrid, Ed. Alauda-Anaya, 1996. p. 136.
o Audiovisual no Ensino”, Porto, Porto Editora, 4
Pilar Aguilar, Manual del espectador inte-
Col. Mundo dos Saberes, nº 21, 1998. ligente, Madrid, Ed. Fundamentos, Col. Arte, Serie
Calado, Isabel, A Utilização educativa Imagen, nº 114, 1996, p. 50.
5
das imagens, Porto, Porto Editora, Col. Fernando Pereira Marques, De que falamos
Mundo dos Saberes, nº 8, 1994. quando falamos de Cultura?, Lisboa, Ed. Presen-
Marques, Fernando Pereira, De que ça, Col. Pontos de Referência, s/nº, 1994, p. 60.
Quer o autor incluir nesta expressão todas as
falamos quando falamos de Cultura?, Lis-
manifestações culturais que exigem ao consumi-
boa, Ed. Presença, Col. Pontos de Referên-
dor a “saída” de sua casa para as poder usufruir
cia, s/nº, 1994. - cinema, teatro, ballet, ópera, etc.
Martel, Javier Gonzaléz, El cine en el 6
João Mário Grilo, “Carta” in Lauro António
universo de la ética. El cine-fórum, Madrid, (coord), O Ensino, o Cinema e o Audiovisual
Ed. Alauda-Anaya, 1996. – Comunicações do 1º Encontro Nacional “O
Ensino do Audiovisual, o Audiovisual no Ensi-
no”, Porto, Porto Editora, Col. Mundo dos
_______________________________ Saberes, nº 21, 1998, p. 53: «A divulgação do
1
Direcção Regional de Educação do Algarve cinema nas escolas (…) deve nascer de cumpli-
2
Isabel Calado, A Utilização educativa das cidades pontuais, articuláveis numa rede progres-
imagens, Porto, Porto Editora, Col. Mundo dos sivamente maior.»
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 361

Internet, alguns desafios:


a representação que os jovens revelaram da Internet
José Carlos Abrantes1

“Internet est un réseau de componente nacional e uma outra componen-


communication planétaire, mais sa te internacional, comparativa, dada a parti-
pratique, sa réalité en pleine évolution cipação de vários países.
sont, (…), les produits de l’action A investigação foi conduzida por três
humaine dans des conditions questões centrais:
historiques données.” Qual a representação que os jovens têm
Manuel Castells da Internet? Importa avaliar a imagem da
Internet, quer os jovens sejam utilizadores,
O que é a investigação “Os jovens e a quer não. A investigação procurou medir o
Internet”? impacto do discurso social, escolar ou fami-
liar na representação que o jovem tem da
Em Outubro de 1998 o Instituto de Internet e nos seus modos de utilização.
Estudos Jornalísticos (IEJ) da Faculdade de • Qual a utilização efectiva que os jovens
Letras da Universidade de Coimbra partici- fazem da Internet? Tratou-se de verificar as
pou numa reunião realizada no Centre de condições concretas de utilização (frequên-
Liaison des Moyens d’Information et de cia, duração, lugar, enquadramento, condições
l’Enseignement (Clemi), em Paris, sobre o de acesso, etc) bem como determinar as
projecto de investigação “Os jovens e a modalidades e tipos de utilização.
Internet.” A investigação, que nascera na • Como é que se verifica a apropriação
Universidade de Sherbrooke, no Canadá, da Internet, pelos jovens? Trata-se de pre-
estava a ser alargada a outros países cisar o grau e tipo de integração nos hábitos
francófonos: França, Bélgica e Suíça. de vida dos jovens. Em que medida, por
A presença de Portugal levantou a ques- exemplo, o acesso à Internet modifica, en-
tão da eventual extensão da investigação a riquece ou altera comportamentos sociais,
alguns países latinos (Portugal, Itália e modos de aprendizagem, hábitos de consu-
Espanha) tendo os elementos presentes mo mediático e cultural, expectativas.
(Jacques Piétte, da Universidade de Um dos elementos de recolha de dados
Sherbrooke/Canadá), Évelyne Bévort, do foi um inquérito cuja matriz tinha sido tra-
Clemi/França e Thierry De Smedt, da Uni- balhada inicialmente no Canadá e já então
versidade Católica de Louvain/Bélgica) acor- havia sido aplicada a cerca de mil alunos
dado nessa extensão. canadianos. Esta matriz foi discutida na
Em Maio de 1999 veio a realizar-se nova reunião de Maio de 1999, tendo sido feitas
reunião, em Paris, em que estiveram presen- algumas adaptações e modificações para ter
tes, além do autor deste documento, os mesmos em conta especificidades de cada país. A
participantes, bem como o investigador ita- versão final, enviada por Jacques Piette a
liano, Pier Cesare Rivoltelle, da Universidade todos os investigadores, foi traduzida em
Cattolica di Milano, e ainda dois investiga- português (Documento 2. Inquérito). Uma
dores da suíça francófona. O investigador versão foi depois testada com um grupo de
espanhol, Mariano Sanchez, da Universidade jovens da Escola Maria Veleda, antes de ser
de Granada, não esteve presente mas veio aplicada no terreno.
posteriormente a ter contactos, no Canadá, com A investigação foi realizada em escolas
a equipa orientadora da investigação. de Lisboa, Coimbra, Vila Real, Miranda do
O objectivo do projecto foi o de traçar Douro, Beja e Moura. No entanto, embora
um retrato dos jovens face ao desenvolvi- os questionários tenham sido passados em
mento da Internet. Esse retrato inclui uma todas essas localidades no meses iniciais do
362 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ano 2000 (em Janeiro e Fevereiro), apenas guião para as entrevistas, bem como uma lista
foi possível, para a análise, ter em conta os de entrevistados segundo certos critérios).
dados de Lisboa e Coimbra pois, nos outros Importa ainda precisar que a investiga-
países, escolheram-se apenas duas cidades ção que apresentamos não se refere à ob-
para a análise da situação. servação de práticas dos jovens mas sim às
Depois de ponderação, optou-se por praticas declaradas pelos jovens, no inqué-
Lisboa e Coimbra pois uma das obrigações rito e nas entrevistas.
comuns a todos os países era a de não fazer
incidir o estudo em escolas com uma inte- Contexto da Investigação
gração das tecnologias extremamente avan- A Internet em Portugal e na União
çadas nem em escolas de potencial Europeia
tecnológico muito fraco. A opção escolhida,
embora discutível, procurou olhar para aqui- Os indicadores estatísticos publicados pelo
lo que considerámos então como pólos Observatório das Ciências e das Tecnologias
aceitáveis para uma investigação que não em Março de 2002 dão 14% de lares equi-
pode considerar-se, uma investigação quan- pados com computadores em 1997, 27% em
titativa com pretensões de representatividade 2000 e 39% em 2001. Também nas ligações
nacional. Esta escolha pode explicar alguns à internet a percentagem de utilizadores seria
dados que poderão estar inflacionados, dado de 2% em 1996, 6% em 1997 mas em 2000
a análise se ter situado apenas em Lisboa a percentagem de utilizadores sobe para 22%
e Coimbra. e em 2001 seriam já 30% (Mata, 2002). Estes
Os alunos deviam ser escolhidos entre os números parecem querer dizer que uma ex-
que tivessem entre 12 e 17 anos, o que, no pansão continuada da utilização das tecnolo-
caso português, implicou a escolha de tur- gias da informação e da internet, em parti-
mas do 7º, 8º, 9º e 10º, 11º anos. cular, se verifica no ano em que o trabalho
Constituíram-se assim 5 níveis: de campo se realiza.
Nível 1 - 13 anos Se compararmos com a União Europeia
Nível 2 - 14 anos (embora em 2001, por não dispormos de
Nível 3 - 15 anos dados para 2000) vemos que apenas um dos
Nível 4 - 16 anos países que entrou na investigação – a Bél-
Nível 5 - 17 anos gica – ultrapassa a média da União Europeia,
Ficaram assim de fora os jovens de 18 na percentagem da população que utiliza a
anos ano isto dada também a exigência de Internet, sendo que a França iguala essa
comparação internacional. média. Também se reproduzem, no interior
Outro instrumento de investigação utili- da União Europeia, as desigualdades Norte-
zado destinado a captar, de forma mais fina, Sul apontadas a nível mundial.
a realidade que se pretendeu investigar, foi
a entrevista semi-estruturada com alguns dos Tabela 1
alunos que responderam aos inquéritos. Nos Utilização da Internet
anexos encontra-se um guia para a realiza- na União Europeia, 2001
ção das entrevistas que foi preparado por % da população que utiliza
Jacques Piette e utilizado por todos.
Os dados quantitativos dos inquéritos de
%
todos os países foram tratados na Universi-
dade de Sherbrooke com evidentes vantagens Dinamarca 71,2
de economia de custos e de aplicação de Bélgica 49,0
critérios comuns.Esses dados, bem com os União Europeia 40,6
dados qualititativos, foram depois objecto de França 40,6
análise e interpretação em cada país. A
Espanha 36,6
Universidade de Sherbrooke enviou também
a todas as equipas documentos para Itália 35,4
normalisar a pesquisa (instruções de preenchi- Portugal 30,3
mento dos inquéritos, a já referida sugestão de Fonte: Eurobarómetro, Flash 103, Junho 2001
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 363

Já para a Internet que se utiliza em casa tas foi-nos possível verificar ser muito gran-
os dados disponíveis apontam em geral para de a pressão que os jovens que não dispõem
a mesma tendência, embora Espanha e de Internet em casa faziam sobre as famílias
Portugal se equivalham na consulta domés- para estas se equiparem, quase sempre com
tica. argumentos de necessidade para os estudos.
Isto quer dizer que pode pôr-se como hipó-
Tabela 2 tese que o crescimento de utilização da
Utilização da Internet Internet no domicílio se esteja a verificar
em casa na União Europeia, 2001 sobretudo nos lares com jovens, sendo por
% da população que utiliza isso o crescimento geral do país bastante
menor do que o que se revela na faixa etária
% dos jovens estudantes.
Suécia 55,0
Tabela 3
União Europeia 30,9
Evolução dos utilizadores da Internet
Bélgica 49,0 em Portugal por escalão estário
França 22,0 % da população que utiliza
Itália 30,3
Espanha 18,7 2000 2001
Portugal 18,7 15-19 anos 54 72
Fonte: Eurobarómetro, Flash 103, Junho 2001 20-24 anos 45 58
25-29 anos 34 45
Os dados de utilização de que dispomos 30-39 anos 17 26
são bastante mais elevados para a consulta
40-49 anos 10 16
domiciliária pois os jovens que declaram usar
+ de 50 anos 4 7
Internet em casa ultrapassam os 40%. Lem-
bremos que tratámos dados apenas em es- Total 22 30
colas de Lisboa e Coimbra, escolas com Fonte: Mata, 2002
algum equipamento informático, sendo pro-
vavelmente também a sua localização no 3. Representação
interior das cidades explicativa de um pre-
domínio de classes medias, mais estáveis Este aspecto da investigação procurou
economicamente e, por isso, mais predispos- verificar quais as representações que os jovens
tas a investigar no computador e na internet têm da Internet. Mesmo os jovens que usam
como equipamento doméstico. No entanto, pouco constróem as suas representações sobre
nas entrevistas, ouvimos alguns casos de a Internet: o que é, como funciona, como
jovens com famílias operárias ou de serviços os colegas e amigos a utilizam, que efeitos
pouco qualificados revelarem terem já com- pensa que terá. Podemos dizer que procu-
putador e, nalguns casos, terem mesmo acesso rámos saber qual o “espírito da Internet”
à internet ou terem uma expectativa forte de existente nos jovens inquiridos (Flichy, 2001:
a vir a ter em breve. Trata-se de um sector 10). Para isso utilizámos não apenas os dados
que revela uma expansão fortíssima: basta quantitativos como também as opiniões
acentuar que os utilizadores da internet, em expressas nas entrevistas.
1999, seriam 2% e em 2001 seriam já 30%.
Por outro lado, se analisarmos a evolução O que pensam os jovens da Internet
de utilização segundo os escalões etários,
podemos perceber que 54% dos jovens entre Setenta e nove por cento dos jovens
os 15 e os 19 anos utilizavam a internet em inquiridos concorda com a ideia de que a
200o (subindo para 72% em 2001). Na faixa Internet é revolucionária e destes, 48% afir-
dos 40-49 anos apenas 10% utilizava em 2000 ma estar completamente de acordo com essa
ou apenas 4% dos mais de 50 sabiam o que ideia. Apenas 7% dos jovens afirma discor-
era utilizar a internet nesse ano. Nas entrevis- dar da afirmação.
364 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Durante as entrevistas, alguns jovens São os jovens que dispõem de uma liga-
justificam este carácter revolucionário com ção à Internet quem mais afirma estar “par-
a proximidade que a Internet permite face cialmente de acordo” com o carácter revolu-
a outras pessoas e com a espontaneidade cionário da Internet – 34% dos alunos que
de acesso à informação. Importa precisar exprimem esta ideia tem uma ligação no lar.
que a qualificação de revolucionária tal- A opinião que exprime o total acordo com
vez não fosse muito adequada pois no o carácter revolucionário da Internet não
modo de pensar dos jovens, este qualifi- regista grandes alterações entre quem possui
cativo introduzirá um universo de referên- e quem não possui uma ligação à Internet.
cia muito diversificado, conteúdos semân-
ticos muito contrastados e nem sempre Tabela 6
compatíveis com a ideia do romantismo Não se pode passar sem a Internet?
ou da profunda alteração de estruturas que (Opinião; percentagem total, segundo
a revolução sugere para as gerações mais género, segundo posse de Internet
velhas. A Internet, sendo revolucionária no lar e faixa etária)
para os jovens inquiridos, não põe a vida
do avesso: antes a faz continuar de modos Total Raparigas Rapazes
Com Sem
Internet Internet
aqui e além mágicos, extraordinários,
Discorda 45 44 46 50 43
imprevisíveis.
Discorda
21 20 21 19 22
totalmente
Tabela 4 Discorda
24 24 25 31 21
A Internet é Revolucionária? em parte
Concorda 45 46 44 43 51
(Opinião; percentagem)
Concorda
29 30 29 27 32
parcialmente
Discorda 7 Totalmente
16 17 14 16 19
de acordo
Discorda totalmente 3
Discorda em parte 5
Concorda 79 Tabela 6A
Concorda parcialmente 31
Total + Velhos * Novos
Totalmente de acordo 48
Discorda 45 41 47
Discorda
21 20 21
É entre os que não possuem qualquer totalmente
ligação à ‘Web’ no lar que a ideia da re- Discorda
24 22 26
em parte
volução é menos partilhada embora com
Concorda 45 52 41
pouca diferença (85% para os que têm Concorda
29 33 27
Internet, 79% para os que não têm). parcialmente
Totalmente
16 19 14
de acordo
Tabela 5
A Internet é Revolucionária?
(Opinião; percentagem segundo posse Mas se o aspecto revolucionário da ‘Web’
de acesso à Internet no lar) reúne o consenso de grande parte dos inqui-
ridos, 45% acha que, após experimentar não
se pode passar sem ela, sendo igual em
Com Sem
Internte Internet
número os que pensam exactamente o con-
trário. Ou seja, cerca de metade dos jovens
Discorda 4 11
inquiridos rendem-se ao potencial inovador
Discorda totalmente 1 5 da Internet mas um numero igual considera,
Discorda em parte 3 6 mesmo assim, que pode passar sem ela.
Concorda 85 79 De salientar que a afirmação Não se pode
Concorda parcialmente 34 26 passar sem a Internet pode ter uma inter-
pretação pejorativa, uma vez que tem uma
Totalmente de acordo 51 52
dimensão de dependência, sem a qual o adicto
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 365

não pode viver, condicionando, eventualmen- destes, 66% declaram mesmo estar “totalmen-
te, as respostas de alguns dos adolescentes te contra”). Apenas 8% concordam que o
nada inclinados para caucionarem tal depen- tempo passado na Internet não é útil e desses,
dência. uma percentagem mínima de 2% diz “con-
Dos que concordam com a ideia de que cordar completamente” com a ideia de que
é impossível passar sem a ‘Web’, 29% estão navegar na Rede é um desperdício de tempo.
parcialmente de acordo. O grande grupo dos Ou seja, os jovens inquiridos não se sentem
que transmite a ideia com toda certeza, isto a perder tempo quando estão ocupados com
é, estão “totalmente de acordo”, são, sem a Internet. A Internet parece ser uma exten-
dúvida os utilizadores frequentes 36%), são da vida e, nessa medida, uma aplicação
enquanto que os ocasionais se ficam pelos proveitosa do tempo que se lhe dedica.
13% e os regulares pelos 11%. Estes resul- Assinale-se que entre os que têm Internet
tados fazem-nos reflectir acerca dos efeitos em casa é maior a percentagem dos que
que os cibernautas regulares sentem em consideram perder tempo (8% contra 3% nos
relação à sua própria utilização da Internet. que não dispõem de Internet). Possível
De facto, quanto mais se usa a Internet mais explicação: a maior disponibilidade dos
se parece ter a consciência da imprescindibili- primeiros permite-lhes uma maior divagação
dade da rede. nas utilizações aumentando assim esta sen-
Também os mais velhos estão mais no sação de desperdício de tempo.
campo da concordância do que os mais novos.
Terão estes mais consciência de que há O que pensam os jovens sobre a tecnologia
medida que se utiliza um utensílio técnico da Internet
mais este integra o nosso ser social?
Nas entrevistas, existem também depo- Tabela 8
imentos contraditórios pois alguns jovens É fácil aprender a utilizar a Internet?
utilizadores, com e sem ligação em casa, (Opinião; percentagem total
confessavam que tinham ideia de que a Rede e segundo género)
seria completamente “viciante”, por ser algo
tão agradável. Mas, por outro lado, alguns
%
confessavam que a ideia de deixar de poder
utilizar a Internet não era muito agradável, Discorda 11

embora não a considerassem “viciante”, pois Discorda totalmente 2


conseguiam passar alguns dias sem utilizar. Discorda em parte 9
Concorda 74
Tabela 7
Concorda parcialmente 45
A Internet é uma perda de tempo?
(Opinião; percentagem total, segundo Totalmente de acordo 29

perfil de utilizador de Internet no lar)


Quase três quartos (74%) dos jovens
Muito Sem Com
inquiridos estão convictos que é fácil apren-
Total Ocasional Regular
frequente Net Net der a usar a Internet. Só 11% dos inquiridos
Discorda 86 94 86 84 94 86 estão em desacordo com a afirmação da
Discorda
66 67 69 75 72 70 aprendizagem fácil.
totalmente
Discorda
No entanto, a convicção da facilidade do
21 26 17 9 22 17
em parte uso deve relativizar-se, uma vez que apenas 29%
Concorda 8 3 6 9 3 8 destes estão totalmente de acordo com a afir-
Concorda
5 2 6 6 2 7 mação, enquanto 45% afirmam estar “parcial-
parcialmente
Totalmente
mente de acordo”. Esta hesitação em concordar
2 1 2 1 1 totalmente na facilidade de uso poderá residir
de acordo
no facto de 44% dos adolescentes julgarem ser
Quanto à utilidade da Rede, 86% dos necessário saber informática e 63% considera-
inquiridos discordam da ideia de que a rem o conhecimento da língua inglesa essencial
Internet seja uma perda de tempo (sendo que para as navegações na ‘rede’.
366 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Tabela 9 Os alunos mais velhos afirmam ter mais


Para utilizar a Internet conhecimentos da língua e são também eles
é preciso saber inglês? que estão mais de acordo com a ideia de que
(Opinião; percentagem total, o inglês é essencial para se poder navegar
segundo género) na Internet.

Total Raparigas Rapazes Tabela 10


Discorda 28 30 24 Para utilizar a Internet
Discorda é preciso saber informática?
8 9 7
totalmente (Opinião; percentagem total,
Discorda
20 21 18 segundo género)
em parte
Concorda 63 61 67
Concorda Total * Velhos * Novos
47 46 48
parcialmente
Discorda 45 55 38
Totalmente
17 15 19 Discorda
de acordo 13 15 12
totalmente
Discorda
63% dos jovens inquiridos considera ser 31 40 26
em parte
preciso saber inglês para navegar na Internet. Concorda 55 40 47
Apenas 28% dos jovens inquiridos considera
Concorda
que a falta de conhecimento desta língua não parcialmente
32 32 33
é impeditiva da utilização.Quanto ao conhe- Totalmente
cimento da língua inglesa, verifica-se que a 12 9 14
de acordo
grande maioria (entre 76 e 78%) assegura
ter bastantes, ou mesmo muitos, conhecimen- O mesmo já não é tão visível no que
tos de inglês oral e escrito. Embora as diz respeito à necessidade de saber
raparigas sejam mais contidas e apresentem informática para poder utilizar a ‘Web’, pois
índices mais baixos no que diz respeito à 45 por cento acham que não é preciso saber
auto-avaliação do conhecimento da língua: informática e 44 por cento acham que sim.
29% dos rapazes afirma “falar muito bem A idade parece jogar como factor de
inglês” - a percentagem das raparigas fica- tranquilização pois são os mais novos que
se pelos 19%. O mesmo se verifica na leitura: estão mais de acordo com a necessidade
27% das raparigas garantem”“ler inglês muito destes conhecimentos.
bem”, nos rapazes a percentagem sobe aos
42%. Serão as raparigas mais exigentes na Tabela 11
auto-avaliação ou corresponderão estes da- Para utilizar a Internet
dos a uma real diferença? Verificamos tam- é preciso saber informática?
bém que as respostas que indicam um bom (Opinião; percentagem total,
conhecimento da língua, mas com algo ainda segundo género)
a melhorar, traduzidas pela expressão “bas-
tante bem” têm percentagens de respostas de Muito
indivíduos do sexo feminino mais elevadas: Total Ocasional Regular
frequente
50% das raparigas contra 37% dos rapazes Discorda 45 42 56 46
a dizer o mesmo. A percentagem de jovens Discorda
a dizer que não lêem ou falam inglês é muito 13 12 15 19
totalmente
reduzida pois apenas 2% afirma nada ler de Discorda
31 30 41 27
inglês, e 12% dizem ler apenas um pouco). em parte
A língua dos principais”sítios utilizados é, Concorda 44 52 35 46
sem dúvida, o inglês, com 85% dos inqui- Concorda
32 41 24 30
ridos a admitir navegar em ‘sites’ cuja língua parcialmente
é o inglês, com apenas 3% a afirmarem nunca Totalmente
12 11 10 16
o fazer. de acordo
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 367

Os cibernautas muito frequentes divi- Tabela 12


dem-se também entre a afirmação de ser Confio no que encontro na Internet?
preciso e não ser preciso saber informática. (Opinião; percentagem total, segundo
São os cibernautas ocasionais que apre- distribuição geográfica e género)
sentam os índices mais altos de respostas
que implicam o conhecimento de Total Lisboa Coimbra Raparigas Rapazes
Discorda 17 15 18 14 20
informática. A regularidade na utilização
Discorda
parece ser o estado de espírito que mais totalmente
3 1 5 3 3

se coaduna com uma utilização indepen- Discorda


14 14 13 11 17
em parte
dente dos saberes sobre informática. Aqui
Concorda 69 69 70 71 67
também deveremos compreender que, por
Concorda
vezes, a necessidade de conhecimentos 45 46 43 47 41
parcialmente
referida pode ser muito ligeira. De facto, Totalmente
25 23 27 24 26
de acordo
alguns entrevistados mencionam que as
necessidades de conhecimento se referem
unicamente a utilizar o rato e o teclado. As raparigas confiam mais no que encontram
na Internet do que os rapazes (71% das ra-
O que pensam os jovens dos conteúdos parigas confiam contra 67% dos rapazes). É
da Internet também entre os jovens que não possuem
ligação à Internet que o índice de confiança
Sessenta e nove por cento dos adoles- é mais alto (30% diz estar totalmente de
centes assegura confiar nos conteúdos da acordo, enquanto a percentagem dos que
Internet. Isto significa que a Rede é vista possui ligação no lar se fica pelos 23%).
pela maioria dos jovens como uma fonte
Tabela 13
segura de informação, o que foi confir-
É preciso controlar os
mado nas entrevistas. Este pode ser um
conteúdos da Internet?
dos elementos importantes para elaborar
(Opinião; percentagem total, segundo
uma estratégia de educação para os media
distribuição geográfica e género)
centrada na Internet. Nas entrevistas, os
jovens, partindo frequentemente de uma Total Lisboa Coimbra Raparigas Rapazes
Discorda 35 29 41 23 51
posição de confiança, chegavam, instan-
Discorda
tes depois, a matizar a confiança inicial. totalmente
17 12 23 9 29

Alguns entrevistados lembram que as Discorda


17 17 18 14 22
em parte
páginas têm diferentes graus de credibi-
Concorda 56 58 53 67 40
lidade. Em geral, mencionam as páginas
Concorda
pessoais como sendo as menos credíveis 26 26 26 28 24
parcialmente
e as páginas oficiais de jornais e insti- Totalmente
30 32 28 40 16
de acordo
tuições aquelas em que confiam mais.
Talvez a pensar nisso, 45% afirmem estar Um total de 56% dos inquiridos concor-
“parcialmente de acordo” e somente 25% da com a perspectiva de se controlarem os
afiancem confiar “totalmente” nas infor- conteúdos da Internet. Dos 56% que admi-
mações encontradas. tem alguma forma de censura à ‘net’, 30%
Segundo os resultados do inquérito, não demonstram qualquer hesitação e afir-
quanto mais se navega mais se confia na mam estar “totalmente de acordo”. Nas
informação. Confie-se parcial ou totalmen- entrevistas alguns jovens lembram que o que
te nos conteúdos da ‘net’, os cibernautas se considera conteúdos “potencialmente
que mais navegam confiam sempre mais perigosos” está também disponível noutros
nos conteúdos ‘on-line’ do que os outros, suportes, como as revistas e os jornais. Talvez
embora não se verifiquem fortes por isso, a percentagem dos que apenas está
disparidades percentuais. “parcialmente de acordo” com o controlo
368 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

efectivo das informações que percorrem a frequentes, enquanto os ocasionais e os


Rede atinja os 26% e os que “discordam regulares se ficam pelos 24%. Nas posições
totalmente” com qualquer forma de controlo globais verificamos serem os utilizadores
sejam na ordem dos 17%, com uma forte ocasionais quem mais se manifesta pela
incidência na cidade de Coimbra. necessidade de controle (58%), seguidos pelos
Em qualquer dos casos: parcial ou total- utilizadores frequentes (51%) e muito fre-
mente em desacordo, é na cidade de Coimbra quentes (48%). Verificamos também que se
que encontramos as mais elevadas percen- 58% dos inquiridos concordam com esse
tagens dos desacordos: 41% dos estudantes controle e 33% manifestam a sua
de Coimbra “discorda totalmente” deste discordância. Trata-se de um terreno em que
controlo, em Lisboa a percentagem fica-se se chocam as representações da Internet como
pelos 29%. No entanto, nos resultados das expressão de liberdade e a necessidade de
respostas que indicam uma aceitação de protecção dos mais novos, dos mais “fracos”
alguma forma de controlo não se registam ou dos mais sensíveis. Por outras palavras:
diferenças significativas entre os jovens a Internet foi concebida como uma tecnologia
inquiridos em Lisboa e Coimbra. As rapa- de comunicação livre – e os jovens inqui-
rigas estão mais de acordo com esse controlo ridos têm alguma percepção desse pressuposto
pois 40% a ele adere contra apenas 16% dos - mas não resulta disso que sejamos, enfim,
rapazes. livres graças à Internet (Castells, 2001: 10).
Durante as entrevistas foi também visível Durante as entrevistas, os jovens manifes-
alguma indefinição relativamente à entidade taram especial preocupação pelos sítios racistas,
a quem caberia gerir esse controlo no caso não dando tanta importância aos sítios porno-
de ele ser instituído. gráficos. Muitos dos entrevistados alegavam a
necessidade de controlo, não por eles, dizem,
Tabela 14 mas devido aos mais novos, não manifestando
É preciso controlar os
qualquer receio em relação à si próprios. Sa-
conteúdos da Internet?
bemos, no entanto, como na recolha de opinião
(Opinião; percentagem
muitas vezes os problemas sentidos pelo inqui-
segundo perfil de utilizador)
ridos são transferidos para outrém

Muito Tabela 15
Ocasional Frequente
frequente
A Internet melhora a
Discorda 33 39 41
comunicação entre as pessoas?
Discorda (Opinião; percentagem total)
12 17 26
totalmente
Discorda
21 21 15 Total
em parte
Concorda 58 51 48 Discorda 7
Concorda Discorda totalmente 2
24 24 30
parcialmente
Discorda em parte 5
Totalmente
33 28 19 Concorda 87
de acordo
Concorda parcialmente 29
São os utilizadores ocasionais os que Totalmente de acordo 58
concordam em maior número (58%) com a
necessidade de contrôle da Internet. Os A visão que os jovens têm sobre os efeitos
navegadores muito frequentes concordam que a Internet pode ter na comunicação
com formas de controle, mas apresentam interpessoal não parece oferecer grandes
resultados mais elevados nas respostas que dúvidas: 87% dos inquiridos concordam que
deixam algum espaço de manobra: as que a Rede pode ser um contributo para melhorar
falam em posições “parciais”. Trinta por cento a comunicação entre as pessoas.
dos que responderam estar “parcialmente de Durante as entrevistas, alguns salientaram
acordo” com o contrôle são utilizadores muito o facto de ser mais barato e mais fácil falar
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 369

com os amigos ou familiares que estavam sustentam maioritariamente esta boa harmo-
longe. Outros lembraram que tinham conhe- nia entre a utilização e a convivialidade. Mas
cido alguns amigos, que frequentavam o vinte e oito por cento dos jovens está de
mesmo estabelecimento escolar, devido à acordo com a ideia de que os cibernautas
Internet. Esta utilização para comunicação se tornam menos comunicadores. São sobre-
com os que estão perto foi mesmo referida tudo os que não possuem uma ligação à ‘Web’
mais frequentemente, sendo assim um ele- no domicílio que assim julgam.
mento de reflexão que contraria a ideia de Durante as entrevistas, alguns jovens
comunicação mundial frequentemente asso- lembram que algumas vezes se comentam os
ciada à Internet. conteúdos das páginas visitadas com os
De qualquer forma, 58% dos jovens familiares. Alguns salientavam mesmo a
“concorda plenamente” que a ‘Web’ é um navegação partilhada com os pais e com os
factor positivo para a comunicação entre as irmãos.
pessoas. Somente 7% dos estudantes afirma
discordar desta ideia. Não se verificam Tabela 17
grandes disparidades na análise segundo o A Internet é antes de
sexo, nem segundo a faixa etária. Curiosa- mais um meio de diversão?
mente, também não se verificam grandes (Opinião; percentagem total, segundo
diferenças percentuais nas respostas dos perfil de utilizador e segundo
alunos consoante têm ou não acesso à Rede faixa etária)
no lar.
Muito * *
Tabela 16 Total Ocasional Regular
frequente Velhos Novos
Quando se utiliza a Internet Discorda 19 23 17 19 23 16
falamos menos com os outros? Discorda
4 3 4 2 4 3
totalmente
(Opinião; percentagem total, segundo
Discorda
15 19 13 16 17 13
perfil de utilizador e segundo em parte
posse de ligação no lar) Concorda 73 73 73 72 72 75
Concorda
48 50 47 41 48 48
parcialmente
Muito Sem Com Totalmente
Total Ocasional Regular 25 23 26 31 23 27
frequente Net Net de acordo
Discorda 60 53 62 73 51 73
Discorda
36 31 41 48 28 51
totalmente Segundo os resultados do inquérito, a
Discorda
em parte
24 23 21 25 24 22 Internet é antes de mais, um meio de diver-
Concorda 28 32 26 20 33 21 são.
Concorda
20 24 20 14 23 17
Setenta e três por cento dos jovens con-
parcialmente
corda com a afirmação, apesar de somente
Totalmente
de acordo
8 8 6 6 10 4 25% deles estarem “totalmente de acordo”.
São sobretudo os mais velhos que dis-
A maioria dos inquiridos (60%) acha que cordam que a Internet é, antes de mais, uma
o uso da Internet não faz com que se fale forma de diversão. Embora estes também
menos com os outros. Mesmo assim, 28% apresentem os resultados mais elevados na
dos inquiridos acha que tal se verifica. No opção que diz estar de acordo, as diferenças
entanto, a maior utilização parece fazer entre mais velhos e mais novos são mais
decrescer esse temor pois os utilizadores elevadas entre os que discordam. Aparente-
ocasionais são os que têm níveis de mente, o perfil de utilizador não é
discordância menores (53%), aumentando a determinante para a opinião do cibernauta.
discordância nos utilizadores regulares (62%) Para 23% dos utilizadores ocasionais a
e nos muito frequentes (73%). Quem tem Internet é, prioritariamente um meio de
Internet no domicílio, bem como os diversão, para 31% dos cibernautas muito
utilizadores mais frequentes, são os que frequentes também.
370 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Tabela 18 Tabela 19
A Internet é uma ameaça ao português? Navego por sítios em inglês?
(Opinião; percentagem total, (Opinião; percentagem total,
segundo género) segundo género e faixa etária)

Total Raparigas Rapazes *Velhos *Novos


Total Raparigas Rapazes
Não 13 14 12 10 15
Discorda 66 61 72
Nunca 3 3 4 3 3
Discorda
39 36 43 Raramente 10 11 8 7 12
totalmente
Sim 85 84 85 90 81
Discorda
27 25 29 Ocasionalmente 24 21 25 27 21
em parte
Regularmente 34 37 31 37 31
Concorda 21 24 18
Muito
Concorda 27 26 29 27 28
17 20 13 Frequntemente
parcialmente
Totalmente
4 3 5
de acordo Os jovensn navegam com frequência,
além do português, noutras línguas: 85% dos
inquiridos admitiu visitar páginas em inglês,
Segundo os resultados do inquérito, a
dos quais 27% reconheceu fazê-lo “muito
maioria dos jovens não vê a Internet como
frequentemente”. Apenas 3% garantem nun-
uma ameaça à língua portuguesa. Sessenta
ca o fazer. No entanto, os jovens viajam
e seis por cento dos inquiridos refere não
noutras línguas além do inglês: 43% apon-
concordar com a ideia transmitida pela afir-
tam o francês, 26% o espanhol, e 4% o
mação e desses, 39% afirma mesmo “dis- português (a mesma percentagem que o
cordar totalmente”. A percentagem análoga japonês, que apenas é mencionado por ra-
dos jovens que “concordam totalmente” pazes, e o italiano). Há ainda 14% dos
com a ameaça fica-se pelos 4%, enquanto inquiridos a mencionarem o alemão. São os
13% dos inquiridos preferem não se ma- alunos mais novos que preferem os sítios em
nifestar. francês (50% nasceram depois de 1985 e 36%
De referir que alguns entrevistados apon- antes de 1984), enquanto que 33% dos mais
tavam as novas formas da linguagem “das velhos apontam o espanhol e apenas 19% dos
teclas” como algo sobre o qual se deveria mais novos manifesta o mesmo interesse. Os
estar atento, mas não utilizando a palavra cibernautas do sexo masculino dizem visitar
“ameaça”. Durante as entrevistas, alguns mais sítios em inglês, bem como os mais
estudantes explicavam que seria provável que velhos – em consonância com os resultados
um determinado número de cibernautas da pergunta relativa aos conhecimentos de
pudesse, tendencialmente, passar para a lin- inglês, à qual os rapazes indicam dominar
guagem oral ou escrita, a linguagem que melhor a língua do que as raparigas.
habitualmente usa ao teclar, prejudicando
assim a língua do país. É, portanto, nas O que pensam os jovens da Internet (com-
comunicações em linha, como os programas paração com os livros, a televisão e a
que permitem conversar com outros escola)
utilizadores em directo, que a ameça parece
existir para os entrevistados. Os jovens não são particularmente des-
Há, porém, uma outra perspectiva, que confiados em relação aos conteúdos encon-
é a de haver uma grande densidade de trados na Internet. Sessenta e nove por
conteúdos na língua inglesa confirmada aliás cento admite confiar nas informações
pela utilização maciça de paginas ‘Web’ em encontradas e 50% discorda que os livros
inglês. São as raparigas quem mais manifes- sejam meios mais eficazes para fazer
ta o seu receio, com 24% a manifestar o seu pesquisas; 63% dos inquiridos garante ser
acordo com a ideia da ameaça (contra 18% mais agradável aprender com a Internet do
dos rapazes). que com os livros.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 371

Tabela 20 Tabela 21
Comparativamente à Internet, É mais agradável aprender com os
os livros são mais eficazes livros do que com a Internet?
para fazer pesquisa? (Opinião; percentagem total)
(Opinião; percentagem total, segundo
distribuição geográfica e género) %
Discorda 28
Total Lisboa Coimbra Raparigas Rapazes Discorda totalmente 7
Discorda 50 43 57 57 54
Discorda em parte 20
Discorda
16 12 22 12 23
totalmente Concorda 63
Discorda
em parte
34 32 36 35 31 Concorda parcialmente 31
Concorda 35 40 30 39 30 Totalmente de acordo 32
Concorda
27 30 23 30 22
parcialmente
Totalmente
63% dos jovens concorda ser mais agra-
9 10 7 9 8
de acordo dável aprender com os livros. Apesar de toda
a sedução da tecnologia os jovens ainda ligam
50% dos inquiridos discorda que os li- a aprendizagem ao seu objecto secular, o
vros sejam mais eficazes para fazer pesqui- livro.
sas do que a Internet. Ou seja a Internet
seria igualmente eficaz para a pesquisa O que pensam os jovens sobre o futuro
(embora só 35% afirme esta concordância, da Internet
sendo os restantes 15% de não respostas ou
não sabe). Aos jovens entrevistados não lhes custa
a acreditar que a Rede se tornará tão natural
Os elevados resultados em Coimbra (in-
quanto o telefone ou a televisão, num futuro
dicando discordância em relação à maior
próximo: essa é a opinião de 87% dos
utilidade dos livros para pesquisa) podem
inquiridos, dos quais 64% estão totalmente
estar relacionados com o facto de ser em
de acordo com a afirmação. No entanto, a
Coimbra que há um maior número de uti-
maioria assume uma posição realista pois
lizações da Internet em contexto de sala
apenas 33% encara com facilidade a hipó-
de aula – portanto, para pesquisa. Dessa
tese da televisão desaparecer com a
forma, os alunos podem ter não só a
massificação do acesso à Internet.
experiência de navegação arbitrária, mas
Os jovens, durante as entrevistas, men-
sim com um objectivo, podendo testar as
cionaram não ter hábitos de consumo ‘online’.
capacidades de pesquisa da ‘Web’, bem
Muitos sublinharam mesmo que para
como a qualidade das mesmas.
comprar tinham que ver e tocar o produto.
As raparigas parecem ser mais pruden- Apesar disso os inquiridos consideram que
tes que os rapazes, pois os resultados in- as compras em directo serão muito frequen-
dicam que elas recusam mais a ideia de tes: 71% concorda que, no futuro, quase tudo
que a pesquisa na Internet é mais eficaz, se comprará via Internet.
comparativamente aos livros, do que os Talvez por manifestarem alguma descon-
rapazes. Contudo, os resultados oferecem fiança em relação aos produtos que não
diversas leituras: se são maioritariamente podem tocar, 45% afirma estar parcialmente
os rapazes a “discordar totalmente” que os de acordo com esta afirmação. Embora muito
livros sejam mais eficazes que a Internet aproximadas, as percentagens mais elevadas
para fazer uma pesquisa, já são as rapa- relativamente à concordância sobre este uso
rigas que apresentam os resultados mais da Internet verificam-se nos resultados dos
elevados na resposta que indica uma con- alunos mais velhos, e os números vão au-
cordância parcial. mentando consoante o nível de escolari-
372 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

dade vai subindo. Também não se verificam Tabela 23


grandes alterações entre utilizadores ocasi- A Internet vai substituir a escola?
onais e frequentes, apesar de serem os (Opinião; percentagem total,
cibernautas muito frequentes os que detêm segundo perfil do utilizador)
as percentagens mais elevadas.
Muito
Total Ocasional Regular
Tabela 22 frequente
A Internet vai substituir a televisão? Discorda 71 74 69 64
(Opinião; percentagem total, segundo Discorda
52 56 51 48
género e perfil de utilizador) totalmente
Discorda
19 19 18 16
em parte
Muito
Total Ocasional Regular Concorda 17 14 18 20
frequente
Discorda 53 58 54 38 Concorda
7 7 6 10
parcialmente
Discorda
23 24 23 17 Totalmente
totalmente 10 7 13 10
de acordo
Discorda
30 34 31 21
em parte
Concorda 33 31 33 43 Mas se os jovens já exprimem uma certa
Concorda
23 23 21 30 dificuldade em aceitar a antevisão da elimi-
parcialmente
nação da televisão, quando se fala em escola,
Totalmente
de acordo
10 9 12 16 os número sobem ainda mais: 71% dos
inquiridos acha que a Internet não vai subs-
tituir a escola. Apenas 17% dos alunos
Para 53% dos inquiridos a Internet não concordam que a Internet venha a tomar o
irá substituir a televisão. A utilização da lugar da escola, dos quais 10% afirma estar
Internet poderá até ser tão natural quanto completamente de acordo (a percentagem
ver televisão – segundo 87% dos inquiri- mais elevada provém dos inquiridos do sexo
dos, dos quais 64% não têm qualquer masculino: 16%, contra 5% das raparigas)
dúvida, mas dificilmente a irá substituir: e dos alunos mais novos: 13% contra 4%
pelo menos, essa é a opinião de 53% dos
dos mais velhos.
inquiridos, 30% dos quais manifestam o seu
Os entrevistados evocam sobretudo as
total desacordo pela ideia da substituição
dificuldades de auto-organização e disciplina
da televisão pela Internet - apenas 10% dos
que poderiam dominar os alunos no ensino
inquiridos concorda plenamente com a
‘on-line’, para além de apontarem o profes-
afirmação.
sor como uma chave fundamental e
72% das raparigas afirma estar totalmen-
insubstituível no processo de aprendizagem.
te de acordo com a ideia de que a Internet
será tão natural quanto o telefone ou a Outros ainda mencionam o convívio que
televisão, ao passo que a percentagem dos a escola proporciona e que, na sua opinião,
rapazes a sustentar o mesmo é de 58%. É a Internet não conseguirá nunca fazer equi-
também entre os que possuem um compu- valer.
tador (70%) que o acordo é mais elevado Os alunos dos níveis de escolaridade mais
(os que não têm PC e concordam totalmente avançados apresentam os resultados mais
ficam-se pelos 55%). elevados nas opções que indicam repúdio pela
São os cibernautas frequentes que con- substituição da escola pela Rede. Os que
sideram que a Internet, no futuro, substi- frequentam mais a Rede aceitam com mais
tuirá televisão: 16% concorda plenamente, facilidade a substituição da escola pela
e 9% dos ocasionais expressa a mesma Internet, (10% nos frequentes e 13% nos
opinião. Não se verificam grandes regulares, que sustentam estar completamen-
disparidades entre quem tem Internet e quem te de acordo na substituição da escola pela
não tem. Internet).
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 373

Tabela 24 há um número exactamente igual que vive


Futuramente, para trabalhar, bem sem ela (45%);
será necessário dominar a Internet? • 86% discorda que a Internet seja um
(Opinião; percentagem total, perda de tempo;
segundo género perfil de utilizador) • A Internet é fácil de aprender (74%);
• O inglês é considerado necessário para
Mais Mais
a net (63%);
Total Raparigas Rapazes • As opiniões dividem-se sobre a neces-
Velhos Novos
Discorda 15 14 17 13 17 sidade de conhecer a informática (45% acha
Discorda que não, 44% acha que sim);
5 4 8 3 7
totalmente • É fácil aprender a usar a Internet (75%);
Discorda
10 10 9 10 10
Os jovens inquiridos
em parte
• confiam nos conteúdos da Internet
Concorda 73 75 71 79 69 (69%);
Concorda • concordam com a perspectiva de se
39 39 40 38 40
parcialmente
controlarem os conteúdos da Internet (56%);
Totalmente
de acordo
34 36 31 41 29 • concordam que a Internet pode ser um
contributo para melhorar a comunicação entre
as pessoas (87%);
A necessidade de dominar a Internet para • acham que o uso da Internet não implica
poder trabalhar futuramente é algo que que falemos menos com os outros(60%);
merece o consenso de 73% dos inquiridos. • consideram a Internet como um meio
Embora 11% não se pronunciem, apenas 15% de diversão (73%);
discordam da ideia de que é imperativo saber • não vêm a Internet como uma ameaça
utilizar a ‘Web’ para trabalhar. Cinco por ao português (66%);
cento discorda mesmo totalmente, mas a • visitam páginas em inglês (85%);
percentagem dos que concorda sem qualquer • 50% dos inquiridos discorda que os
margem de dúvida atinge os 34%. São as livros sejam mais eficazes para fazer pes-
raparigas, do grupo dos mais velhos, quem quisas do que a Internet. Ou seja, a Internet
mais reitera a necessidade de aprender a seria igualmente eficaz para a pesquisa (em-
utilizar a’Rede. Será porque é corrente entre bora só 35% afirme esta concordância, sendo
as raparigas a ideia de que têm sempre que os restantes 15% de não respostas ou não
saber mais, dominar mais linguagens, conhe- sabe).
cer mais domínios para poderem competir • concordam que é mais agradável apren-
socialmente? der com os livros do que com a Internet
Durante as entrevistas, alguns jovens (63%);
lembravam que, apesar de reconhecerem a • acreditam que a Internet se tornará, no
importância da ‘Web’, não consideravam futuro, tão natural como a televisão e o
imperativo o seu domínio para determinadas telefone (87%);
áreas de trabalho. • acreditam que, no futuro, as compras
pela Internet serão muito frequentes (71%);
Síntese-Representação • não pensam que a Internet vá substituir,
no futuro, a televisão (53%);
Que representações são então mais cor- • discordam que a Internet possa vir a
rentes no jovens inquiridos? substituir a escola, no futuro (71%);
• A Internet é revolucionária (79%); • estão de acordo (73%) que, para poder
• Depois de experimentar há jovens que trabalhar, futuramente, seja preciso dominar
não podem passar sem Internet (45%), mas a Internet.
374 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Mata, João (Coord), Sociedade de Infor-


mação: Principais indicadores estatísticos-
Browning, Gary, Halcli, Abigail, Webster, Portugal, Lisboa, Observatório da Ciência e
Frank (Editores), Understanding da Tecnologia, Ministério da Ciência e da
contemporary society: Theories of the present, Tecnologia, Março 2002
London, sage Publications, 2000 Schneidermann, Daniel, Les folies
Cabral, Manuel Villaverde e Pais, José d’Internet, Paris, Fayard, 2000
Sennet, Richard, L’uomo flessibile: Le
Machado, (Coordenadores), Jovens Portugue-
conseguenze del nuovo capitalismo sulla vita
ses de Hoje, Oeiras, Celta, 1998
personale, Roma, Feltrinelli, 1999
Castells, Manuel, La galaxie Internet, Valentini, Giovani, Media Village:
Paris, Fayard, 2001 L’informazione nell’era di Internet,’Roma,
Flichy, Patrice, L’imaginaire d’Internet, Donzelli Editore, 2000
Paris, Editions La Découverte, 2001
Lévy, Pierre, Cyberdémocratie, Paris,
Éditions odile Jacob, 2002 _______________________________
1
Centro de Investigação Media e Jornalismo.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 375

O potencial educativo do audiovisual na educação formal


Lara Nogueira Silbiger1

1. Introdução etapa intermediária da escrita e do livro”.


As instituições oficiais de ensino já não
Sentada no sofá de casa, assistindo a seu podiam ficar indiferentes a esta inovação
programa televisivo favorito, uma pessoa tecnológica que modificava profundamente o
pode apreender uma ampla gama de conhe- processo de assimilação emocional e racio-
cimentos. Dependendo do grau de interesse nal da realidade. Então os educadores foram
no assunto tratado, chega a reter o conteúdo obrigados a rever a concepção que tachava
de forma muito mais efetiva do que, por o audiovisual de uma ameaça ao ensino
exemplo, na escola. tradicional.
O potencial educativo dos meios de comu- Com ousadia, alguns professores arrisca-
nicação de massa, em especial dos audiovisuais, ram-se e usaram filmes como recurso didático
é inquestionável. E tal constatação não se limita na sala de aula. Com o passar dos anos e
à realidade brasileira. É um fenômeno global. o aprimoramento das primeiras experiências,
Tomemos, a título de exemplo, os resultados o audiovisual, por fim, foi reconhecido como
de uma pesquisa divulgada na Revista Espa- um meio educativo em potencial.
nhola de Opinião Pública a respeito da influ- As facilidades técnicas trazidas pelo vídeo
ência dos meios audiovisuais sobre os jovens cassete, o DVD, o Data Show, etc, bem como
desse país. “80% da informação assimilada o custo relativamente acessível, tornaram
pelos adolescentes espanhóis entre 12 e 15 anos viável o uso de vídeos na sala de aula.
é transmitida através dos meios de comunica- Mas, apesar da presença do audiovisual
ção de massa e da interação social. E somente nas instituições de ensino, infelizmente ain-
20% através da escola”. da não podemos falar de uma plena explo-
Mas houve momentos em que o ração do seu potencial educativo. Tal situ-
audiovisual chegou a ser visto pelos educa- ação se deve provavelmente à ausência de
dores como uma afronta à educação formal, uma análise em profundidade dos motivos
uma vez que se mostrava muito mais atrativo geradores desta convivência, suas implica-
do que as aulas tradicionais. Os alunos, ções, os critérios de utilização dos vídeos e
acostumados a ficar horas em frente à te- seus alcances didático-pedagógicos.
levisão ou a uma tela de cinema, seduzidos Este trabalho pretende contribuir para tal
por efeitos especiais, ficção, música, etc, já reflexão, pois “uma técnica não se converte
não se motivavam diante de uma lousa. Urgia em uma ferramenta até que a saiba manejar
uma adequação às radicais mudanças sociais e lhe aplicar a criatividade, a imaginação e
que as novas tecnologias traziam consigo. o saber. No entanto, há tantas balas atiradas
“A imagem é hoje a forma superior de ao ar, perdidas!”.
comunicação. E, contrariamente ao que tem Ao longo deste estudo, trabalharemos com
acontecido com a escrita e com o livro, que os conceitos de educação, comunicação,
não têm conseguido substituir a linguagem, aprendizado e pedagogia da imagem. O
hoje estamos diante de uma técnica que tende objetivo é proporcionar uma base teórica para
a generalizar sua supremacia. Já não se trata o desenvolvimento da proposta didático-
apenas de uma elite ou de uma minoria de pedagógica de uso do vídeo em sala de aula.
privilegiados ou de especialistas que se vê
afetada por esse fato, mas da massa do povo, 2. A natureza da prática educativa
da humanidade, já que serão nações inteiras
as que passaram, talvez, da cultura da pa- A prática educativa é por natureza um
lavra à cultura da imagem sem passar pela processo de comunicação. Assim a define
376 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Sanvisens (1984) ao afirmar que “denomi- direita, segundo o sistema do hemisfério


namos comunicação um fato humano e social direito, passam à esquerda. Desta maneira,
que se manifesta como transmissão comu- existe distinção, porém também influência
nicativa de umas pessoas a outras, propor- recíproca”.
cionando-lhes idéias, saberes, habilidades, A ponte entre os conhecimentos provin-
normas e pautas de conhecimento e condu- dos do produto da comunicação e os conhe-
ta”. cimentos oferecidos pela escola é a comu-
Vislumbrar a prática educativa sob uma nicação, um conceito-chave na utilização
perspectiva comunicacional torna imprescin- didática do audiovisual. Segundo Ferrés
dível contemplar o fluxo de mensagens no (1995), “uma educação em estéreo utilizará
qual as pessoas intercambiam aspectos de seu a comunicação, o diálogo e a confrontação
repertório cultural. Mas, além disso, tal para facilitar a passagem das emoções ao
aproximação exige também uma análise do hemisfério da reflexão e racionalidade. Do
conceito de “comunicação”. mono ao estéreo. Do homem fragmentado ao
O termo comunicação tem sua raiz na homem completo. Esta formulação pedagó-
palavra grega Koinooni, que significa “co- gica atinge o aluno em sua especificidade e
mum” - comunidade. Em latim, o vocábulo em sua integridade. Preenche também as
communis, que quer dizer “o que é de to- possibilidades expressivas dos meios
dos”, lhe atribui o mesmo sentido. audiovisuais e facilita a unificação do am-
Portanto, a comunicação e a educação biente cultural. Finalmente assim concebido,
compartilham a mesma base cultural, que o vídeo didático facilita a coerência entre a
serve para estruturar as interações entre as sensibilidade do aluno, a especificidade do
pessoas e entre elas e o mundo. Alfaro (1993) meio e a evolução do sistema social”.
destaca que estes intercâmbios podem ser E acrescenta: “A educação em estéreo
objetivos e principalmente subjetivos. Esta transforma a escola não em um centro de
relação comunicativa-cognitiva propicia a ensino, mas de aprendizado. Um centro
construção do sentido da vida, bem como a preocupado não pela simples transmissão de
consciência da própria existência e da exis- conhecimentos, mas pelo enriquecimento em
tência alheia. experiências de todo tipo: conhecimentos,
sensações, emoções, atitudes, intuições... É
3. A educação em estéreo a oportunidade de o aluno elaborar um projeto
próprio de personalidade por intermédio da
Seguindo a mesma linha de raciocínio que integração de todas as suas faculdades físi-
aproxima o processo educativo ao processo cas e psíquicas mediante a inter-relação
comunicativo, gostaríamos de introduzir neste constante com o grupo, com a aula, com a
momento a idéia de escola, com a sociedade em geral”.
educação em estéreo . Trata-se de um Neste momento, cabe uma ressalva sobre
desafio que os meios de comunicação de o uso do audiovisual como recurso didático
massa lançam à escola, propondo um traba- na educação. Embora estejamos focando este
lho em conjunto. Seria a convergência das estudo na utilização do audiovisual no âmbito
práticas comunicativa e educativa numa formal, é importante ressaltar sua versatili-
proposta pedagógica em estéreo. dade. Seu potencial educativo também pode
A metáfora do cérebro humano elaborada ser explorado na modalidade não formal, por
por Babin e Kouloumdjian (1983) aclara exemplo em uma palestra promovida por uma
como se daria esta convivência entre o sis- ONG ou em um culto religioso, além de já
tema oficial de ensino e os produtos dos ser parte integrante do sistema informal.
meios de comunicação de massa. “O funci-
onamento em estéreo respeita em parte o que 4. O aprendizado e o audiovisual
se tem dito sobre as relações entre os he-
misférios direito e esquerdo: cada um tem Segundo Piaget, a pedra angular do
sua especificidade, seu ponto de vista, sua processo de aprendizado é a necessidade, que,
singularidade, porém entre um e outro existe por sua vez, gera um interesse pelo conhe-
uma ponte. E as informações recebidas na cimento. O passo seguinte é o sujeito tornar-
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 377

se receptivo à aquisição de um novo con- 5. A sedução audiovisual


teúdo. Isto facilita a apreensão da informa-
ção, sua interpretação e, por fim, a incor- A obra audiovisual é o resultado da
poração à bagagem cultural pré-existente, interação de imagens, música, texto falado
ampliando-a e renovando-a. Nesta situação e efeitos sonoros, formando uma unidade
se processa a aprendizagem significativa. expressiva indissolúvel, com ritmo, desenvol-
Nos casos em que o ensino-aprendizado vimento, proposta editorial e duração previ-
não é fomentado pela necessidade e pelo amente estabelecidos.
interesse, a tendência é que a informação seja Veracidade, magia e consumo são os
retida meramente por memorização e, tão logo pilares sobre os quais assenta as bases para
não haja cobrança, caia no esquecimento. sua evolução como indústria, meio de co-
Em relação ao processo de aprendizado municação de massa, de arte e também de
promovido por uma exibição audiovisual, educação.
Moraes (2001) afirma que “tanto o cinema Para alcançar tais objetivos, o audiovisual
quanto o vídeo podem estimular uma forma lança mão de uma identidade própria, ou seja,
de conhecimento ao acionar operações arti- de uma linguagem que o torna singular e
culadas de memória, atenção, raciocínio e extremamente sedutor. O diretor de cinema
imaginação”. Daí sua eficácia no processo russo Sergei Eisenstein dizia que o cinema
que conduz à aprendizagem significativa, em opera da imagem à emoção e da emoção à
contraposição à memorização. idéia. Inspirando-se provavelmente na mes-
Projetando um filme, o professor pode ma idéia, o diretor de uma televisão fran-
resgatar no íntimo do aluno aspectos que não cesa, Claude Santelli, afirmava que “a lin-
necessariamente estariam visíveis, mas que guagem audiovisual é aquela que comunica
podem vir à tona com as emoções suscitadas as idéias por meio das emoções”.
pelo vídeo. Portanto, trata-se de uma forma de ex-
O audiovisual trabalha exatamente nesta pressão que mobiliza a sensibilidade, a in-
direção, tentando seduzir o receptor. O tuição, a imaginação e as emoções com o
objetivo é oferecer ao público algo que ele objetivo concreto de seduzir.
busca ou de que necessita, proporcionando- Fischer (1984), estudando as preferênci-
lhe assim satisfação. Pimenta (1995) afirma as, as críticas e as sugestões de crianças e
que “esta satisfação está associada ao adultos sobre a televisão, formulou uma
equilíbrio da obra, que é transmitido senso- hipótese sobre o método empregado pelos
rialmente ao espectador. A partir desta sen- programas televisivos para exercer o fascínio
sação, é possível fruir e depreender sobre o espectador: “... tanto o próprio meio
um“significado, conscientemente ou não”. como as mensagens por ele veiculadas atin-
Neste caso, significado quer dizer conheci- giriam prioritariamente a subjetividade das
mento. pessoas, mais do que a sua capacidade
No contexto escolar, a proposta de in- objetiva de compreender o real, pela presen-
troduzir o audiovisual na sala de aula não ça neles do mito. A TV permitiria a vivência
deve modificar os hábitos arraigados de eletrônica das pessoas com narrativas que
desfrute do filme, que é justamente o que tratem de questões muito profundas, como
garante uma maior receptividade ao conteú- as relacionadas com a origem do homem, sua
do exibido. O desafio é manter a perspectiva angústia diante da vida e da morte. (...) As
do divertimento e do prazer propiciados pela narrativas do tipo romance policial condu-
fruição do vídeo, aliando tal atividade ao zem o público a assistir à luta entre o Bem
compromisso com a educação. e o Mal, entre o herói e o criminoso. E mais:
A riqueza desta estratégia reside justamen- por um processo inconsciente de projeção e
te em emprestar ao processo educacional a identificação, o espectador participa do
“motivação afetiva” que o consumo cotidi- mistério e do drama, tem o sentimento de
ano dos meios de comunicação de massa estar pessoalmente envolvido numa ação
aciona nas pessoas, aproveitando sua capa- paradigmática, perigosa, heróica. A obsessão
cidade de gerar um aprendizado espontâneo. do sucesso, tão presente no herói quanto no
378 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

criminoso, é também um comportamento • Princípios das variáveis de ensino:


mítico que traduz o desejo obscuro de trans- quando inserido de forma adequada num
cender os limites da condição humana, com projeto didático-pedagógico, o filme tende a
o qual o público jovem se identifica enor- ser mais eficaz como instrumento de ensino-
memente”. aprendizado.
Morin (1983) descreve os dois mecanis- • Princípio da liderança do professor: as
mos que levam à participação afetiva. A qualidades do educador e a forma como ele
projeção seria o ato de atribuir a alguém apresenta o filme tem relação direta com a
características que são nossas. Já a identi- eficácia do processo educativo.
ficação consistiria no movimento oposto, no
qual “o sujeito, em vez de se projetar no 7. Pedagogia da imagem
mundo, absorve-o”. Considera, entretanto,
que ambos os mecanismos acontecem simul- Uma educação audiovisual coerente e
taneamente. integral deve abranger duas dimensões. A
primeira delas é a pedagogia com a imagem,
6. Fatores que determinam a eficácia do processo que usa o audiovisual como recurso
audiovisual na sala de aula didático. A segunda dimensão é a pedagogia
da imagem, que toma o audiovisual como
Muitos psicólogos e educadores têm se objeto de análise e sobre a qual nos dete-
dedicado a investigar o potencial dos filmes remos a seguir.
como instrumento de ensino e aprendizado A pedagogia da imagem consiste em
na educação formal. Entre eles, poderíamos integrar o estudo do audiovisual no progra-
citar Hoban Jr. e Van Ormer (1951), que ma das instituições de ensino. O objetivo é
dentro do “Programa de Pesquisa de Filmes educar os alunos para uma aproximação
Instrutivos” da Universidade da Pennsylvania, crítica aos meios audiovisuais, como a te-
desenvolveram um estudo sobre os fatores levisão e o cinema. Segundo Ferrés (1995),
que determinam a eficácia do audiovisual na “no âmbito da sociedade atual não se pode
educação formal. Algumas das conclusões a falar de uma educação integral se os alunos
que chegaram foram as seguintes: ainda não alcançaram uma determinada
• O valor dos filmes educativos: as capacidade para uma análise crítica das
pessoas aprendem mais em menos tempo e mensagens emitidas por esses meios”.
são capazes de reter o conteúdo. Certos filmes Obviamente não se trata de converter esta
facilitam o pensamento crítico e a solução formação numa disciplina específica. Esta-
de problemas. mos falando de uma proposta que visa à
• Princípios que determinam a influência educação audiovisual, de forma
dos filmes educativos: os filmes têm máxima interdisciplinar, dentro da escola. Por exem-
influência quando o seu conteúdo reforça e/ plo, por meio de oficinas.
ou amplia conhecimentos, atitudes e moti- Em relação aos objetivos específicos da
vações pré-existentes. alfabetização audiovisual, Fischer (1984)
• Princípio de especificidade: quanto mais explica que “não se trata, evidentemente, de
específica for a determinação do público alvo eliminar a fantasia, nem de o espectador
e dos objetivos propostos pelo filme, mais passar a racionalizar tudo o que vê, nem ainda
os receptores aproveitarão o conteúdo. de controlar emoções, projeções e identifi-
• Princípio de relevância: o alcance de cações diante da TV. O que se propõe, sim,
um filme é maior quando seu conteúdo tem é que ele aprenda a usufruir mais criativa-
relevância direta para o público alvo. mente das mensagens que lhe chegam, sendo
• Princípio de variabilidade da audiên- capaz de vivê-las em vários níveis, desde sua
cia: as reações diante de um filme variam recepção pura e simples até o exercício crítico
em função de fatores como a alfabetização e valorativo sobre elas”.
cinematográfica, a inteligência abstrata, a Mas para desenvolver a pedagogia da
experiência prévia em relação ao tema e os imagem, ou seja, tomar o audiovisual como
preconceitos. matéria de estudo, o professor precisa estar
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 379

apto para a tarefa. Sua formação deve abar- contribuirá para a formação de “espectadores
car conhecimentos específicos da linguagem de televisão com a boca aberta e os olhos
audiovisual, mecanismos de funcionamento lacrimejantes, que nada mais são que os
dos meios de comunicação de massa e noções sucessores do leitor passivo, silencioso,
didáticas de como educar os alunos neste solitário, cuja cabeça se move para a direita
âmbito. e para esquerda ao longo da linha impressa”.
Por exemplo, após a exibição de um filme, Quanto à parcela de esforço do professor
o professor não deveria deixar de comentar no sentido de promover o aprendizado por
alguns conceitos básicos da realização de um meio de atividades audiovisuais, esta já foi
produto audiovisual. Entre eles, o papel do discutida nos intens anteriores (6 e 7). Em
diretor nas escolhas do enfoque temático, relação à tarefa dos realizadores, discutire-
entrevistados, enquadramentos, iluminação, mos sua contribuição a seguir.
enfim, de todos os elementos que utiliza para Consideramos que o primeiro grande
imprimir uma visão própria de determinado desafio para a produção de filmes didáticos
aspecto da realidade. consiste em encontrar uma personalidade
Em relação ao mito da objetividade, própria. “Sempre um pouco envergonhado de
Colombo (1976) afirma que “no mundo da não ser o autêntico cinema – no sentido de
imagem, a objetividade é só uma ilusão, pois cinema ficção ou narrativo -, o filme peda-
o realizador nunca é neutro e, com sua gógico ou se assemelha ao cinema de ficção
intervenção (enquadramento, angulação, e aceita não ser didático para não ser tedioso,
movimentos de câmera, ritmo do programa) ou dá as costas ao cinema de ficção e aceita
impõe uma interpretação da realidade. Desse ser tedioso para ter certeza de que é didático”.
modo, a simples presença da câmera altera Pimenta (1995) também faz uma distin-
a realidade sobre a qual atua”. ção que pode ser útil para nossa análise. “No
É importante ficar claro para o aluno que filme didático, a preocupação com a infor-
o filme de ficção, o comercial de televisão, mação, com a lógica, com a cognição é quase
o documentário, as reportagens e as notícias exclusiva. Já no filme de lazer, o objetivo
do telejornal são recortes do real. Nas principal é seduzir o público através das
palavras de Baggaley e Duck (1982), os imagens, acessando primeiramente o sistema
espectadores são levados a acreditar que estão sensorial e depois chegando ao cognitivo.
recebendo informações, quando, na realida- Quando o filme didático também consegue
de, estão recebendo posicionamentos e opi- seduzir, ele pode e deve ser utilizado”.
niões sobre a verdade. O professor pode, deve Portanto, está claro que o desafio para
e precisa ser um dos agentes da a produção didática consiste em seduzir o
desmistificação da imagem como represen- aluno, que, além de educando, é também um
tação fiel da realidade. espectador acostumado aos efeitos de sons
e imagens ultra explorados por Hollywood.
8. Conclusão: Linguagem Audiovisual e Desconsiderar a importância da interação
Didatismo entre afetividade e razão para se produzir o
conhecimento, significa condenar a produção
Quanto à missão do audiovisual nas didática ao fracasso. Em relação a esta crise,
escolas, Ferrés (1995) afirma: “O programa Babin e Kouloumdjian (1983) acrescentam
didático baseado no vídeo pode ser simples- como causa “a dificuldade que manifestam
mente um meio de informação. O é com os homens de Gutenberg, particularmente os
freqüência. Porém pode se converter também intelectuais, em admitir a validade da ima-
em um excelente instrumento para que o ginação ou da afetividade nos processos de
aluno aprenda a formular perguntas, para que conhecimento e ensino”.
aprenda a expressar-se, para que aprenda a Desde uma perspectiva audiovisual, não
aprender”. é aceitável um vídeo que, de um lado,
Mas, a fim de que surja esta motivação comunique as emoções (por meio de um
a partir do filme didático, realizadores fundo musical sugestivo ou de imagens
audiovisuais e professores devem unir for- esteticamente belas) e, de outro, as idéias
ças. Do contrário, sua utilização apenas (discurso verbal).
380 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

O programa didático ideal comunica os imagens, música, palavras e efeitos de som,


conteúdos ao mesmo tempo em que estimula as que estão carregadas de sentido ou de
a imaginação e provoca sensações. Segundo significado. Jean-Paul Sarte o expressava
Ferrés (1995), o audiovisual não deve trans- muito bem quando escrevia em L’Imaginaire:
mitir somente informações do tipo cognitivo, não seria a imagem uma síntese da afetividade
mas também emoções e experiências. “São e do saber?”. A seguir, elaboramos um quadro
as emoções, suscitadas pela interação de explicativo do processo descrito por Ferrés.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 381

Bibliografia Rocher, Guy (1996): Introducción a la


sociología general. Barcelona, Herder.
Ferrés, Joan (1995): Vídeo e Educação. Vargas, German (2002): Prácticas
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Universidade de São Paulo. Quechua de Aramasí – Provincia Tapacarí,
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1
zado. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo - Escola de
Universidade de São Paulo. Comunicação e Artes.
382 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 383

Comunicação/Educação: Um campo em acção


Maria Aparecida Baccega1

Evidencia-se, hoje, uma grande disputa entre Este lê/interpreta os discursos a partir do
os meios de comunicação, de um lado, e as diálogo com os demais discursos sociais. Essa
tradicionais agências de socialização – escola dinâmica ocorre tanto em nível sincrônico
e família –, de outro. Ambos os lados preten- como diacrônico. As permanências históri-
dem ter a hegemonia na influência da forma- cas, muitas vezes sob a forma de mitos,
ção de valores, na condução do imaginário e provérbios, estereótipos, valores “positivos”
dos procedimentos dos indivíduos/sujeitos. ou “negativos”, também constituem parte
Esse conjunto de relações que se esta- importante desse diálogo entre os discursos.
belecem no imaginário de uma dada cultura, O universo de cada indivíduo é formado
de um determinado grupo, é uma construção pelo diálogo desses discursos, nos quais seu
coletiva, na qual se baseia a memória social cotidiano está inserido.E é a partir dessa
daquele grupo, e a qual a comunidade pro- materialidade discursiva que se constitui a
cura manter. Essa memória coletiva é que subjetividade. Logo, a subjetividade nada
vai respaldar o modo que os indivíduos/ mais é que o resultado da polifonia que cada
sujeitos se vêem no confronto com o outro, indivíduo carrega.
a ação deles em relação aos demais e em
relação às instituições. As relações imagéticas 1. O campo da comunicação
têm como base os corpos físicos.
“Todo corpo físico pode ser percebido O campo da comunicação constitui-se a
como símbolo (....). E toda imagem artístico- partir de uma multiplicidade de discursos que
simbólica ocasionada por um objeto físico originam e configuram a unicidade do dis-
particular já é um produto ideológico. Con- curso da comunicação. O comunicador é o
verte-se, assim, em signo o objeto físico, o indivíduo/sujeito que o assume. Enunciador/
qual, sem deixar de fazer parte da realidade enunciatário de todos os discursos em cons-
material, passa a refletir e a refratar, numa tante embate na sociedade, ele é o mediador
certa medida, uma outra realidade.”2 da informação coletiva.
É nesse âmbito de ficção/realidade que Se, por um lado, o comunicador tem a
a disputa se institui, que a busca da condição de enunciador de um discurso
hegemonia se dá. Aí se constrói o campo da específico, ao produzi-lo ele estará, na ver-
comunicação/educação. dade, reelaborando a pluralidade de discur-
Nesse campo se constroem sentidos sos que recebe: ou seja, estará na condição
novos, renovados, ou ratificam-se mesmos de enunciatário. Ele é, portanto, enunciador/
sentidos com roupagens novas, sempre inter- enunciatário.
relacionados à dinâmica da sociedade, lugar O mesmo ocorre com o indivíduo/sujeito
último e primeiro onde os sentidos verda- ao qual se destina o produto: enunciatário
deiramente se costroem. do discurso da comunicação, este indivíduo/
A sociedade funciona no bojo de um sujeito é também enunciatário de todos os
número infindável de discursos que se cru- outros discursos sociais que circulam no seu
zam, se esbarram, se anulam, se universo, os quais ele mobiliza no processo
complementam: dessa dinâmica nascem os da leitura/interpretação. Como a comunica-
novos discursos, os quais ajudam a alterar ção só se efetiva quando ela é apropriada
os significados dos outros e vão alterando e se torna fonte de outro discurso, na con-
seus próprios significados, nos momentos em dição de enunciatário está presente a con-
que a materialidade do discurso-texto que dição de enunciador. Ele é, portanto,
circula é captada pelo enunciatário/receptor. enunciatário/enunciador.
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Um dos desafios está contido nessa Desse modo, a apropriação das ciências
dinâmica: o campo da comunicação consti- sociais para a constituição desse campo se
tui-se de dois pólos básicos, que se dá num processo espiralado de
intercambiam - de um lado, enunciador/ metassignificações, que redundam, obviamen-
enunciatário e, de outro, enunciatário/ te, em novas posturas metodológicas, a partir
enunciador. das quais se poderá dar conta da efetividade
Tendo que incorporar o discurso dos dos processos comunicacionais.
vários outros que é cada um, resultado dos
vários outros universos, compete ao discurso 2. O campo comunicação/educação
da comunicação procurar os “fios ideológi-
cos” (expressão de Bakhtin) com os quais Aí está a base da construção do campo
conduzirá a inter-relação entre eles, tecendo- comunicação/educação como novo espaço
se. Sua trama implica a dialogicidade, pre- teórico capaz de fundamentar práticas de
sente na polifonia, numa manifestação das formação de sujeitos conscientes. Trata-se de
relações macroestruturais com a vida coti- tarefa complexa, que exige o reconhecimen-
diana. to dos meios de comunicação como um outro
O eu plural deve tornar-se claro e ma- lugar do saber, atuando juntamente com a
nifestar essa clareza para o outro; fazer escola e outras agências de socialização.
aflorar a importância dos indivíduos/sujeitos O encontro comunicação/educação leva
de ambos os pólos, na configuração das ver- a nova metassignificação, ressemantizando os
dades, dos valores que permeiam o imagi- sentidos, exigindo, cada vez mais, a capa-
nário, dos comportamentos que estão presen- cidade de pensar criticamente a realidade, de
tes no cotidiano das pessoas, dos grupos, das conseguir selecionar informação (disponível
classes sociais. São essas verdades, valores em número cada vez maior graças à
e comportamentos que, formando a consci- tecnologia) e de inter-relacionar conhecimen-
ência social, ideológica e estética, vão tos.
atualizar as manifestações dos produtos da O desafio, hoje, é a interpretação do
indústria cultural. mundo em que vivemos, uma vez que as
O estudo desse campo incorpora os relações imagéticas estão carregadas da
resultados das ciências, sobretudo as sociais. presença da mídia. Trata-se de um mundo
No processo mesmo de incorporação, temos construído pelos meios de comunicação, que
um primeiro momento de metassignificação, selecionam o que devemos conhecer, os temas
vez que cada ciência se desloca de seu a serem pautados para discussão e, mais que
domínio de origem, com suas configurações, isso, o ponto de vista a partir do qual vamos
e passa a fazer parte de um outro. Mas há compreender esses temas. Eles se constituem
outros processos, configurando outros níveis em educadores privilegiados, dividindo as
de metassignificação: ao compor o novo funções antes destinadas à escola. E têm
campo, cada ciência vai encontrar-se com levado vantagem.
outras que também aí figuram nas mesmas O campo da comunicação/educação é um
condições, ou seja, na condição de dos desafios maiores da contemporaneidade.
metassignificação, e vai dialogar com elas, Não se reduz a fragmentos, como a eterna
reconstruindo-se, cada uma delas, nessa discussão sobre a adequação da utilização das
interdiscursividade. A interdiscursividade tecnologias no âmbito escolar, quer em
implica o diálogo com os outros discursos, escolas com aparato tecnológico de primeira
ao mesmo tempo que revela a especificidade linha quer nas escolas de “pés no chão”, tendo
do discurso construído nesse processo. em vista que a edição do mundo realizada
A Sociologia, a História, a Filosofia, a pelos meios está presente em alunos, pro-
Linguagem etc. ganham outra especificidade fessores, cidadãos. Sua complexidade obriga
no diálogo interdiscursivo. Essa a inclusão de temas como mediações,
especificidade será, agora, não mais a que criticidade, informação e conhecimento, cir-
se prende ao domínio de onde provêm, mas culação das formas simbólicas, ressignifica-
aquela que, no confronto de cada ciência com ção da escola e do professor, recepção, entre
as demais, permite-lhe distinguir-se. muitos outros.
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3. Do mundo editado à construção do mente em nossas decisões e que, pela per-


mundo suasão que o caracteriza, assume o lugar de
“verdade” única.
Hoje, o mundo é trazido até o horizonte Eis outro ponto importante no processo
de nossa percepção, até o universo de nosso de reflexão sobre o campo Comunicação/
conhecimento. Como não podemos estar Educação: já não se trata mais de discutir
presente em todos os acontecimentos, em se devemos ou não usar os meios no pro-
todos os lugares, temos que confiar nos cesso educacional ou de procurar estratégias
relatos. O mundo que nos é trazido pelos de educação para os meios; trata-se de
relatos, que assim conhecemos e a partir do constatar que eles são os educadores primei-
qual refletimos, é um mundo que nos chega ros, pelos quais passa a construção da ci-
editado, ou seja, ele é redesenhado num dadania. É desse lugar que devemos nos
trajeto que passa por centenas, às vezes relacionar com eles. E é esse o lugar onde
milhares de mediações, até que se manifeste temos que esclarecer qual cidadania nos
no rádio, na televisão, no jornal. Ou na fala interessa.
do vizinho e nas conversas dos alunos. Afinal, são eles a fonte primeira que educa
São essas mediações – instituições e a todos os educadores: pais, professores,
pessoas – que selecionam o que vamos ouvir, agentes de comunidade, etc. Precisamos
ver ou ler; que fazem a montagem do mundo procurar entendê-los bem, saber ler critica-
que conhecemos. mente os meios de comunicação, para con-
Aqui está um dos pontos básicos da seguirmos percorrer o trajeto que vai do
reflexão sobre o espaço onde se encontram mundo que nos entregam pronto, editado, à
Comunicação e Educação: que o mundo é construção do mundo que permite a todos
editado e assim ele chega a todos nós; que o pleno exercício da cidadania.
sua edição obedece a interesses de diferentes Essa cultura da mídia se manifesta em
tipos, sobretudo econômicos, e que, desse um conjunto articulado e diversificado de
modo, acabamos por perceber até a nossa produtos (pólo do enunciador/emissor) que
própria realidade do jeito que ela foi editada. entram em relação com o conjunto articu-
Editar é, portanto, construir uma realida- lado e diversificado de vivências do
de outra, a partir de supressões ou acrésci- enunciatário/receptor, cujo universo de valo-
mos em um acontecimento. Ou, muitas vezes, res, posto em movimento, ativa os signifi-
apenas pelo destaque de uma parte do fato cados dos produtos. Na verdade, a cultura
em detrimento de outra. da mídia não está no enunciador/emissor, não
Editar é reconfigurar alguma coisa, dan- está no enunciatário/receptor: está no terri-
do-lhe novo significado, atendendo a deter- tório que se cria nesse encontro, gerando
minado interesse, buscando um determinado significados particulares, que, se contêm
objetivo, fazendo valer um determinado ponto interseção com cada um dos pólos, não se
de vista. limitam a nenhum deles. Caso contrário, a
Essa realidade outra que a edição cons- mídia seria apenas veículo de significados e
trói, reconfigura-se no enunciatário/receptor, não construtora de significados. Sua com-
com seu universo cultural e dinâmica pró- plexidade reside exatamente no fato de,
prios. Esse é o percurso da comunicação, construindo significados no território que
desde a mais democrática, a que usa apenas inclui cada um dos pólos – enunciador/
o suporte do aparelho fonador, até aquela que emissor - enunciatário/receptor – ela exigir
a tecnologia possibilita: o relato, em tempo permanentemente a dialética entre o já visto
real, de fatos (escolhidos entre muitos) que e o por ver, ou seja, a novidade que responde
acontecem em espaços distantes, na Terra ou pelas e alimenta as mudanças contínuas de
no espaço. identidade versus a estabilidade que cada
Se o mundo a que temos acesso é este, grupo social busca em sua dinâmica. O único
o editado, é nele, com ele e para ele que limite é o horizonte da formação social na
se impõe construir a cidadania. O desafio, qual estão e que inclui tanto o já manifesto
então, é como trabalhar esse mundo editado, quanto o ainda virtualmente contido como
presente no cotidiano, que penetra ardilosa- possibilidades a serem realizadas.
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Por essas e incontáveis outras razões, Fredric Jameson aponta três períodos de
podemos perceber como fundamental a expansão capitalista, caracterizados por rup-
construção do campo comunicação/educação. turas “tecnológicas”. Segundo ele,
Ele inclui, mas não se resume a, educação
para os meios, leitura crítica dos meios, uso “houve três momentos fundamentais
da tecnologia em sala de aula, formação do no capitalismo, cada um marcando
professor para o trato com os meios etc. etc. uma expansão dialética com relação
Ele se rege, sobretudo, pela construção da ao estágio anterior. O capitalismo de
cidadania, pela inserção neste mundo edita- mercado, o estágio do monopólio ou
do, com o qual todos convivemos, no qual do imperialismo, e o nosso, errone-
todos vivemos e que queremos modificar. amente chamado de pós-industrial,
O campo comunicação/educação constrói- mas que poderia ser mais bem desig-
se num movimento que percorre o todo e nado como o do capital multinacional.
as partes, em intercâmbio permanente. Ou (...) Esse capitalismo tardio, ou
seja: do território digital a arte-educação, de multinacional, ou de consumo, longe
meio ambiente a educação a distância, entre de ser inconsistente com a grande
muitos outros tópicos, sem esquecer os vários análise do século XIX de Marx,
suportes, as várias linguagens – televisão, constitui, ao contrário, a mais pura
rádio, teatro, cinema, jornal etc. Tudo per- forma de capital que jamais existiu,
corrido com olhos da congregação dessas uma prodigiosa expansão do capital
agências de formação: a escola e os meios, que atinge áreas até então fora do
sempre no sentido da construção da cidada- mercado”.
nia.
Nessa fase, segundo o autor, deve-se
4. Cenários: Da construção ao conhecimento ressaltar, a “ascensão das mídias e da indús-
tria da propaganda”.4
Cada época vivida pela humanidade tem Resultado da fase contemporânea do
características próprias, apresentando, capital, a cultura manifesta fragmentação e
dialeticamente, aspectos positivos e negati- globalização num processo de
vos. complementação que se dá no âmbito do
As distinções entre as épocas podem ser mercado. Como lembra Martín-Barbero5, o
marcadas, entre outros aspectos, pela forma- global é o espaço novo produzido pelo
ção e expansão dos mercados, que determi- mercado e pelas tecnologias, que dependem
nou pólos de concentração, baseados na busca dele para sua permanente expansão.
permanente de acumulação do capital. Otá- O mundo, que sempre esteve em perma-
vio Ianni, em “As economias-mundo”, apon- nente mudança, hoje tem altamente multipli-
ta as diversidades e desigualdades com as cada a rapidez dessas mudanças, devido ao
quais cada totalidade se constitui. Segundo avanço das tecnologias. É esse o cenário que
o autor, cada época “é um todo em movi- possibilita o fortalecimento das corporações
mento, heterogêneo, integrado, tenso e internacionais e conseqüente ruptura das
antagônico. É sempre problemático, atraves- fronteiras nacionais, atingindo “áreas até
sado pelos movimentos de integração e frag- então fora do mercado”.
mentação. Suas partes, compreendendo na- Essa realidade tem como sustentáculo os
ções e nacionalidades, grupos e classes meios de comunicação, mediadores privile-
sociais, movimentos sociais e partidos po- giados entre nós e o mundo, e que cumprem
líticos, conjugam-se de modo desigual, ar- o papel de”costurar as diferentes realidades.
ticulado e tenso, no âmbito do todo. Simul- São os meios de comunicação que divulgam,
taneamente, esse todo confere outros e novos em escala mundial, informações (fragmen-
significados e movimentos às partes. Anu- tadas) hoje tomadas como conhecimento,
lam-se e multiplicam-se os espaços e os construindo, desse modo, o mundo que co-
tempos, já que se trata de uma totalidade nhecemos. Trata-se, na verdade, do processo
heterogênea, contraditória, viva, em movi- metonímico – a parte escolhida para ser
mento.”3 divulgada, para ser conhecida, vale pelo todo.
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É como se “o mundo todo” fosse constituído e fragmentação leva à concepção de que a


apenas por aqueles fatos/ notícias que che- informação veiculada pelos meios é sufici-
gam até nós. ente para a formação do cidadão. Na ver-
Consideramos, porém, que informação dade, o conhecimento continua a ser condi-
não é conhecimento. Poderá até ser um passo ção indispensável para a crítica.
importante. O conhecimento implica crítica.
Ele se baseia na inter-relação e não na 5. Ressignificação da escola: a circulação
fragmentação. Todos temos observado que da ideologia
essa troca do conhecimento pela informação
tem resultado numa diminuição da criticidade. A presença, em maior ou menor inten-
O conhecimento é um processo que prevê sidade de acordo com a classe social, da
a condição de reelaborar o que vem como tecnologia na sociedade, e particularmente na
um “dado”, possibilitando que não sejamos escola, é constatável. Dados recentes indi-
meros reprodutores; inclui a capacidade de cam que existem hoje alguns milhões de
elaborações novas, permitindo reconhecer, usuários da Internet em toda a América
trazer à superfície o que ainda é virtual, o Latina, dos quais a maioria no Brasil. Além
que, na sociedade, está ainda mal desenhado, disso, é preciso lembrar, entre outros, as
com contornos borrados. Para tanto, o co- grandes redes internacionais de televisão, o
nhecimento prevê a construção de uma visão alcance do rádio, a velocidade da divulgação
que totalize os fatos, inter-relacionando to- das informações selecionadas pelas agências
das as esferas da sociedade, percebendo que internacionais de notícias. Tudo isso pede uma
o que está acontecendo em cada uma delas reflexão sobre as representações, os valores,
é resultado da dinâmica que faz com que a ideologia que circulam na rede e influen-
todas interajam, dentro das possibilidades ciam os novos sujeitos que resultam dessa
daquela formação social, naquele momento realidade e que trabalham, em conjunto, na
histórico; permite perceber, enfim, que os instituição escolar, sejam professores, alunos,
diversos fenômenos da vida social estabele- funcionários, pais e outros interessados. Todos
cem suas relações tendo como referência a eles se congregam em torno de objetivos
sociedade como um todo. Para tanto, pode- comuns. São todos participantes de uma dada
mos perceber, as informações – fragmenta- realidade social, caracterizada por uma ide-
das – não são suficientes. ologia.
Os meios de comunicação, sobretudo a
televisão, ao produzirem essas informações, “A ideologia é uma das formas de
transformam em verdadeiros espetáculos os práxis social: aquela que, partindo da
acontecimentos selecionados para se torna- experiência imediata dos dados da
rem notícias. Já na década de 60, Guy Debord vida social, constrói abstratamente um
percebia “na vida contemporânea uma ‘so- sistema de idéias ou representações
ciedade de espetáculo’, em que a forma mais sobre a realidade”7.
desenvolvida de mercadoria era antes a
imagem do que o produto material concre- A sociedade que forma nossos alunos e
to”, e que, “na segunda metade do século nos forma produz as representações, as formas
XX, a imagem substituiria a estrada de ferro simbólicas pelas quais se rege, que se trans-
e o automóvel como força motriz da eco- formam em bens simbólicos no processo de
nomia”.6 circulação, o qual se dá de acordo com as
Por sua condição de “espetáculo”, parece características da formação socioeconômica.
que o mais importante na informação passa Aliás, as formas simbólicas são próprias do
a ser aquilo que ela tem de atração, de ser humano: a língua, criação que facultou
entretenimento. A informação, que parece ao homem projetar, é um bom exemplo. O
ocupar o lugar desse conhecimento, tornou- que caracteriza a contemporaneidade não é,
se, ela própria, a base para a reprodução do portanto, a circulação de bens simbólicos, mas
sistema, uma mercadoria a mais em circu- a grande mediação, resultado da tecnologia,
lação nessa totalidade. A confusão entre que se interpôs nessa circulação: os meios
conhecimento e informação, entre totalidade de comunicação, os quais permitem a forma-
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ção de redes planetárias, nas quais circulam marei de ‘relações de dominação’. Ideologia,
valores, que atendem a interesses determi- falando de uma maneira mais ampla, é sentido
nados. Esse é um dos aspectos da ideologia. a serviço do poder. Conseqüentemente, o
Segundo Chauí, “a ideologia é um con- estudo da ideologia exige que investiguemos
junto lógico, sistemático e coerente de re- as maneiras como o sentido é construído e
presentações (idéias e valores) e de normas usado pelas formas simbólicas de vários tipos,
ou regras (de conduta) que indicam e pres- desde as falas lingüísticas cotidianas até às
crevem aos membros da sociedade o que imagens e aos textos complexos””9.
devem pensar, o que devem valorizar, o que A construção do sentido das formas
devem sentir e como devem sentir, o que simbólicas está diretamente relacionada à
devem fazer e como devem fazer. Ela é, formação socioeconômica. E é só aí que
portanto, um corpo explicativo (representa- podemos verificar em que direção elas estão,
ções) e prático (normas, regras, preceitos) de predominantemente, sendo usadas: se na
caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja manutenção do status quo, servindo apenas
função é dar aos membros de uma sociedade para perpetuar as relações de poder, se na
dividida em classes uma explicação racional sua modificação, trilhando o caminho da
para as diferenças sociais, políticas e cultu- mudança dessas relações de poder. Afinal,
rais, sem jamais atribuir tais diferenças à diz Thompson,
divisão da sociedade em classes, a partir das
divisões na esfera da produção. Pelo contrá- “as formas simbólicas, ou sistemas
rio, a função da ideologia é a de apagar as simbólicos, não são ideológicos em
diferenças como as de classes e de fornecer si mesmos: se eles são ideológicos,
aos membros da sociedade o sentimento da e o quanto são ideológicos, depende
identidade social, encontrando certos das maneiras como eles são usados
referenciais identificadores de todos e para e entendidos em contextos sociais
todos, como, por exemplo, a Humanidade, específicos”10.
a Liberdade, a Igualdade, a Nação ou o
Estado”8. Neste momento em que o mundo está
No momento em que se fala tanto da desfraldado em um número enorme de tem-
ressignificação do papel da escola e do pos históricos e culturais, neste momento em
professor, a partir da intervenção da que as produções, sobretudo no âmbito da
tecnologia, é fundamental nos aproximarmos televisão, viajam pelo mundo e atingem a
das questões referentes à ideologia que cir- praticamente todas as sociedades nesses tem-
cula nos meios de comunicação, nas redes pos/espaços díspares, muitas vezes em tempo
planetárias e, verificando essa circulação, real, pode-se perceber a divulgação, sob forma
procurar saber como a ideologia opera nessa prescritiva, desse conjunto de idéias e valores,
realidade. de normas ou de regras, que procuram dar
suas próprias explicações para as diferenças
5.1 Ideologia e construção de construção sociais, políticas e culturais, objetivando o
de sentido apagamento dessas diferenças, como lembra
Chauí. Manter, por exemplo, uma emissora
Ao tratar de ideologia, não podemos de televisão no ar durante algumas horas do
prescindir de buscar o lugar social da pro- dia, e mais ainda quando se trata de uma grade
dução das formas simbólicas que circulam de programação para 24 horas, é tarefa
nas redes, o lugar social dos receptores dessas hercúlea que exige um trânsito muito grande
formas e as formações sociais nas quais de produções, o que aponta para a permanên-
ambos se encontram. cia desse procedimento.
Segundo Thompson, “o conceito de ide- Não se nega que há diversidade no pólo
ologia pode ser usado para se referir às da produção e que é mais extensa ainda a
maneiras como o sentido (significado) serve, diversidade do entendimento, da interpreta-
em circunstâncias particulares, para estabe- ção da recepção dessas representações.
lecer e sustentar relações de poder que são Cabe à Escola – e aí um dos aspectos
sistematicamente assimétricas – que eu cha- da ressignificação de seu papel – desvelar
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como opera a ideologia, ensinar a ler ade- Desse modo, vemos que todo discurso se
quadamente as formas simbólicas que circu- constitui a partir de sua inter-relação com os
lam na mídia, conformando a realidade. outros e só assim poderá ser interpretado.
Bakhtin, um dos mais importantes teóricos
Recepção: Nova perspectiva nos estudos de da linguagem, tratando da linguagem verbal,
comunicação afirma que a verdadeira substância da língua
é a interação verbal (e não o sistema abstratro
Comecemos por esclarecer que quando de formas lingüísticas). Essa realidade fun-
tratamos de recepção, estamos tratando tam- damental da língua, segundo o autor, mani-
bém do outro pólo: o da emissão. Só o festa-se no diálogo: “Pode-se compreender
encontro dos dois constitui a comunicação. a palavra ‘diálogo’ não apenas como a
Por isso, é preferível falar sempre em campo comunicação, em voz alta, de duas pessoas
da comunicação. Os estudos de recepção não colocadas face a face, mas toda comunicação
são um “lado novo” da comunicação: trata- verbal, de qualquer tipo que seja”12. E con-
se apenas de uma nova perspectiva desses tinua, falando sobre o discurso:
estudos, a qual vem se desenvolvendo nas
últimas décadas. Por outro lado, quando se “ele responde a alguma coisa, refuta,
fala em comunicação, não estamos tratando confirma, antecipa as respostas e
apenas daquela veiculada pelos suportes objeções potenciais, procura apoio etc.
tecnológicos (chamados meios de comunica- Qualquer enunciação, por mais sig-
ção, mídia), embora os consideremos de nificativa e completa que seja, cons-
extrema importância na atualidade, configu- titui apenas uma“fração de uma
rando-se, inclusive, como destacados cons- corrente de comunicação verbal
trutores de realidades. Comunicação é ininterrupta (concernente à vida co-
interação entre sujeitos que, para tanto, podem tidiana, à literatura, ao conhecimento,
utilizar-se predominantemente – e às vezes à política etc.). Mas essa comunica-
tão somente – do mais democrático de todos ção verbal ininterrupta constitui, por
os suportes: o aparelho fonador. As feiras, sua vez, apenas um momento na
a literatura de cordel, o circo, o teatro, o evolução contínua, em todas as
folhetim, o carnaval, entre muitas outras direções, de um grupo social deter-
configuram-se nessa modalidade de comuni- minado”13.
cação e constituem as matrizes históricas dos
produtos dos meios de comunicação, tal qual Cada discurso, quer use apenas a voz ou
os conhecemos hoje. a tecnologia mais avançada – satélite, por
Para que haja comunicação, é preciso que exemplo – é, na verdade, a atualização de
os interlocutores tenham uma “memória” um processo de interlocução entre vários
comum, participem de uma mesma cultura. discursos, manifestação de diálogos, entre os
Isso porque a comunicação se manifesta nos mais diversos gêneros e até entre as mais
discursos e os discursos que circulam na diferentes épocas. Assim, tanto o pólo da
sociedade se constituem a partir da emissão, aquele que produz o programa, que
intertextualidade, que Chabrol conceitua escreve o jornal, quanto o pólo da recepção,
assim: aquele que vê, ouve ou lê o produto, só têm
sua completude sacramentada, só significam
“trata-se de todos os fenômenos de pela via desse diálogo. Trata-se de diálogo
citação, referência, retomada, emprés- que tem como cenário uma determinada
timo, tranformação, derivação, desvio, cultura, e sem o qual não haveria (não se
inversão entre textos, contemporâne- poderiam constituir) a telenovela, o notici-
os ou não, na esfera dos discursos ário, a música etc. Não haveria, inclusive,
sociais, quer seja no interior de um os programas policiais, no rádio e na tele-
mesmo domínio, quer seja entre visão, que causam tanta polêmica. Sem esse
suportes midiáticos ou ainda entre diálogo com a cultura, com as referências
domínios diversos (mídias, literatura, culturais, de ambos os pólos com a cultura
cinema, publicidade etc.)”11. e entre eles mesmos, teríamos uma parciali-
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dade que impediria a constituição de sentido. atende unicamente às necessidades do


Toda a produção dos meios de comuni- sistema industrial e a estratégias
cação está, portanto, marcada pelos proces- comerciais, mas também a exigências
sos de interpretação-recepção de outros dis- que vêm da trama cultural e dos
cursos (midiáticos ou não) efetuados pelo seu modos de ver. Estamos afirmando que
produtor. Existirá sempre um diálogo, uma a televisão não funciona sem assumir
interlocução, ainda que mediata, – e ao assumir legitimar – as deman-
indeterminada, até mesmo tênue, como lem- das que vêm dos grupos receptores;
bra Chabrol. mas, por sua vez, não pode legitimar
São as referências que vão traçando essas demandas sem ressignificá-las
percursos de leitura. Por isso dizemos que em função do discurso social
a comunicação está imersa na cultura. É uma hegemônico”14.
prática cultural que produz significados, ou
seja, a partir do que está e já é naquela cultura, Desse modo, podemos falar de um autor
ressemantizam-se os significados em cada ato e de um receptor “previsíveis” naquela
de comunicação. Implica sempre, como cultura. Podemos até dizer que, na verdade,
vimos, emissão e recepção, resultando na os “receptores ideais” “fazem parte” do
construção de sentidos novos, renovados – produto emitido. Mas esses “receptores ide-
ou mesmos sentidos reconfigurados –, pro- ais” não se confundem com o receptor pessoa
duzidos nesse encontro. (se assim fosse, todos os produtos dos meios
Por isso se fala em campo da comuni- de comunicação teriam sempre êxito abso-
cação. Cada discurso, cada programa dos luto). O receptor-sujeito vai ressignificar o
meios de comunicação será produzido e que ouve, vê ou lê, apropriar-se daquilo a
interpretado, entendido a partir das referên- partir de sua cultura, do universo de sua
cias de sua cultura. E ainda mais: nos pro- classe, para incorporar ou não a suas prá-
cessos de criação de sentidos, os produtores ticas.
e os receptores, na sua condição de atores Nesse caminho podemos distinguir os
sociais, mobilizam fatores até inusitados. estudos de recepção dos estudos de consu-
Podem utilizar-se, por exemplo, de certas mo. O simples fato de uma campanha de
normas e padrões, considerados arcaicos, mas chocolate ter efetivamente possibilitado a
que estão presentes na memória coletiva, venda de um número maior de chocolates
revivendo-os em determinadas situações não indica que houve recepção como a
contemporâneas. estamos entendendo. Indica apenas que houve
Portanto, o significado da comunicação, apropriação, transitória, de alguma coisa. E
as significações dos produtos culturais, in- estaríamos aí no campo do consumo. Logo,
cluindo os produtos dos meios de comuni- não é pelo fato de uma campanha publici-
cação, relacionam-se com o cotidiano do tária ter obtido sucesso de vendas que po-
sujeito receptor, com suas práticas culturais, deremos afirmar que o sujeito receptor
com as marcas que influenciam seu modo ressignificou comportamentos culturais, in-
de ver e praticar a realidade, e que são aquelas corporando-os à sua prática. Recepção é um
que lhe dão segurança necessária para estru- processo lento e contínuo e não se mede
turar, organizar/ reorganizar a percepção dessa apenas pela quantidade.
realidade, reconstruindo-a, com destaques ou Os receptores tornam-se co-produtores do
apagamentos, de acordo com sua cultura. produto cultural. São eles que o (re)vestem
Essas práticas culturais constituem as medi- de significado, possibilitando a atualização
ações, que interferem em todo o processo de leituras, o rompimento de caminhos pré-
comunicacional, balizando-o. estabelecidos de significados, a abertura de
Para Martín-Barbero, as mediações trilhas que poderão desaguar em
reformulações culturais.
“são esse ‘lugar’ a partir do qual é A recepção, como ato cultural, desempe-
possível compreender a interação entre nha importante papel na construção da re-
o espaço da produção e o da recep- alidade social. Daí a importância de seu
ção: o que se produz na televisão não estudo. Através destes estudos podemos
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 391

descobrir quais são os processos reais que bojo da construção das práticas culturais, da
resultam do encontro dos discursos dos meios contrução da cidadania. É desse lugar que
de comunicação apropriados (transitoriamen- devemos nos relacionar com eles. E é esse
te) ou incorporados (com permanência na o lugar de onde temos que esclarecer qual
cultura) pelos sujeitos-receptores imersos em cidadania nos interessa, parece-nos sempre
suas práticas culturais. oportuno reiterar.
Os estudos de recepção estão preocupa-
dos com as características socioculturais dos Considerações finais
receptores. Desse modo, o foco se desloca
para as práticas sociais e culturais mais Muitas outras temáticas compõem o
amplas, nas quais eles estão integrados. É campo da comunicação/educação, o qual se
nesse espaço que se estudará a ressignificação constitui a partir do campo da comunicação.
que os receptores produzem com relação aos Para estudá-lo, é preciso estabelecer um
produtos dos meios de comunicação. diálogo mais amplo, com mais saberes. Sem
Segundo Martín-Barbero, transdisciplinaridade, o estudo da comunica-
ção não ocorre.
“abre-se ao debate um novo horizon-
te de problemas, no qual estão “Tentar desvencilhar-se delas [as
redefinidos os sentidos tanto da cul- disciplinas], identificando a comuni-
tura quanto da política, e do qual a cação a uma disciplina, é reduzir o
problemática da comunicação não campo a uma parcela que, por mais
participa apenas a título temático e rica que seja, não poderá nunca deixar
quantitativo – os enormes interesses de ser um empobrecimento deforman-
econômicos que movem as empresas te e uma usurpação”16.
de comunicação – mas também qua-
litativo: na redefinição da cultura, é A Escola, ressignificada, é chamada mais
fundamental a compreensão de sua uma vez, e sempre, para, no bojo dessa
natureza comunicativa. Isto é, seu realidade, apontar caminhos de democratiza-
caráter de processo produtor de sig- ção. Um desses caminhos passa pela distin-
nificações e não de mera circulação ção entre a informação, fragmentada, e o
de informações, no qual o receptor, conhecimento, totalidade que
portanto, não é um simples
decodificador daquilo que o emissor “inclui a condição de ser capaz de
depositou na mensagem, mas também trazer à superfície o que é ainda virtual
um produtor15”. naquele domínio. Prevê ter claro que
o virtual de um domínio nada mais
Nessa postura, o papel da escola redefine- é que o resultado da interdiscursivi-
se: não basta falar em educação para os meios dade de todos os domínios, possível
ou em leitura crítica dos meios, como se os naquela formação social; que os di-
meios de comunicação fossem uma realidade versos fenômenos da vida são
externa, “de fora”. A escola precisa, portan- concatenados em referência à socie-
to, não apenas problematizar o conteúdo dos dade como um todo. Para tanto, as
meios, mostrando a interface desse conteúdo informações fragmentadas não são
com os valores hegemônicos da sociedade suficientes”.17
e com os interesses que aí residem (ainda
que se trate de uma etapa indispensável). Não E essa inter-relação só é possível pela
basta, também, discutir as propostas dos transdisciplinaridade.
programas midiáticos em confronto com as No campo da comunicação/educação
propostas culturais dos receptores, desvelan- circulam essas
do as convergências e divergências.
Mais que isso: é preciso falar, agora, dessa “situações novas que encontraram sua
construção de sentidos sociais que se dá no expressão teórica mais avançada em
encontro produtos midiáticos/ receptores, no uma compreensão da cultura como
392 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

configuração histórica dos processos radamente excludentes dos direitos das


e das práticas comunicativas. Essas maiorias à voz e ao grito, à palavra
que necessitam, mais do que nunca, e à canção”18.
articular os saberes quantitativos a um
conhecimento qualitativo capaz de Eis a importância do campo comunica-
decifrar a produção comunicativa de ção/educação. Nessa disputa estabelecida –
sentido, toda a trama de discursos que entre meios de comunicação X escola e
ela mobiliza, de subjetividades e de família – não é possível haver ganhadores
contextos, em um mundo de tecno- e perdedores.
logias midiáticas, cada dia mais den- Evidencia-se, cada vez mais, um inter-
samente incorporadas à cotidianidade câmbio das agências de socialização na
dos sujeitos e cada dia mais desca- construção da cidadania.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 393

2
Bibliografia BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia
da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1988, p. 31
3
Bakhtin, Mikhail. Marxismo e filosofia IANNI, Otávio. “As economias-mundo”. In:
Teorias da globalização. Rio, Civilização Brasi-
da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1988.
leira, 1995. p.43
Chabrol, Claude. “Le lecteur: fantôme 4
JAMESON, Fredric. “A lógica cultural do
ou realité? Étude des processus de réception”. capitalismo tardio”. In: Pós-modernismo. A lógi-
In: Charaudeau. Patrick. La presse: produit, ca cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa
production, réception. Paris,Didier, 1988. Velasco. São Paulo, Ática, 1996. p.61
Chauí, Marilena de S. O que é ideologia. 5
BARBERO, Jesús Martín. La comunicación
13ed. São Paulo, Brasiliense, 1983. plural: alteridad y socialidad. Dia-logos. 40, set.
Connor, Steven. Cultura pós-moderna. de 1994. p.73-79
6
Introdução às teorias do contemporâneo. Trad. CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna.
Introdução às teorias do contemporâneo. Trad.
Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gon-
Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves.
çalves. São Paulo, Loyola, 1992. São Paulo, Loyola, 1992. p.48
Ianni, Otávio. Teorias da globalização. 7
CHAUÍ, Marilena de S. O que é ideologia.
Rio, Civilização Brasileira, 1995. 13ed. São Paulo, Brasiliense, 1983. p.106
Jameson, Fredric. Pós-modernismo. A 8
CHAUÍ, Marilena de S. O que é ideologia.
lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Op. cit. p. 113-114
9
Maria Elisa Velasco. São Paulo, Ática, 1996. THOMPSON, John B. Ideologia e cultura
Martín-barbero, Jesús. La comunicación moderna. Teoria social crítica na era dos meios
plural: alteridad y socialidad. Dia-logos. 40, de comunicação de massa. Petrópolis,Vozes, 1995.
p. 16
set. de 1994. 10
THOMPSON, op. cit. p. 17. O grifo é nosso.
Martín-barbero, Jesús & Muñoz, Sonia Parece-nos importante destacar a importância do
(coords.) Televisión y melodrama. Bogotá: “entendimento”, da interpretação, da recepção.”
Tercer Mundo Ed., 1992. 11
CHABROL, Claude. “Le lecteur: fantôme
Martín-barbero, Jesús. Dos meios às ou realité? Étude des processus de réception”. In:
mediações: comunicação, cultura e CHARAUDEAU. Patrick. La presse: produit,
hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997. production, réception. Paris, Didier, 1988. p.165
12
Martín-barbero, Jesus. Prefácio. In: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia
BACCEGA, M. A Comunicação e lingua- da linguagem. 4ed. São Paulo: HUCITEC, 1988.
gem. Discursos e ciência. São Paulo, Mo- p.123 e segtes. (Grifo nosso)
13
BAKHTIN, M. Marxismo .... op. cit. p. 123
derna, 1998. 14
MARTÍN-BARBERO, Jesús & MUÑOZ,
Thompson, John B. Ideologia e cultura Sonia (coords.) Televisión y melodrama. Bogotá:
moderna. Teoria social crítica na era dos Tercer Mundo Ed., 1992. p. 20
meios de comunicação de massa. 15
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às
Petrópolis,Vozes, 1995. mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio
de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997. p. 287.
16
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Prefácio. In:
_______________________________ BACCEGA, M. A Comunicação e linguagem.
1
Professora da Pós-Graduação da Escola de Discursos e ciência. São Paulo, Moderna, 1998.
17
Comunicações e Artes da Universidade de São BACCEGA, M. A Comunicação ...., op.
Paulo e da Escola Superior de Propaganda e cit. p.112
18
Marketing de São Paulo MARTÍN-BARBERO, J. Prefácio. Op. cit.
394 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 395

Comunicación y Educación “de cine”


Mª del Mar Rodríguez Rosell1

Gracias al carácter y a la naturaleza de Diferentes teorías han querido explicar las


los propios medios de comunicación social, relaciones de convivencia entre educación y
la formación y la educación se han podido comunicación. Durante los primeros años de
colocar en un lugar destacado: la la década de los ochenta, ya se empieza a
comunicación se ha convertido en algo debatir sobre los límites entre el ámbito de
fundamental para la formación global de actuación de la educación, ya que comenzaba
conciencias, de modos de pensar; algo que a observarse, que ésta había dejado de ser
antes de la aparición de estos medios, se veía la protagonista dentro del entorno académico.
limitado al terreno privado o individual. La educación traspasaba fácilmente esas
Todavía hoy existe el mismo debate que hace fronteras, gracias a los medios de
años: ¿hacia dónde se dirige el proceso de comunicación, que jugaban y por supuesto
educación frente a la comunicación? ¿hacia siguen jugando un papel de vital importancia
la individualidad más absoluta o hacia la en la percepción del mundo, convirtiéndose
socialización y la colectividad general? en el mejor vehículo para adquirir valores.
Sin duda, el fin último debería estar Esas ideas, desarrolladas en gran medida
enfocado hacia la desestructuración de los por la UNESCO3, permiten además insistir
límites institucionales, creando así las en otros aspectos complementarios: tanto la
condiciones necesarias para una expresión y escuela como los medios posibilitan una
una educación que tiendan hacia la libertad y forma de educación; aunque la diferente
la participación. Educar, pues, más allá de las naturaleza de ambos nunca permitirá los
categorías intelectuales tradicionales, utilizando mismos métodos didácticos, aunque sí iguales
para ello dentro del proceso educativo, una logros o fines. Se utilizan diferentes lenguajes,
perspectiva más amplia, con referentes y medios es cierto, permitiendo que los medios de
nuevos, llenos de riqueza. Enfocar la educación comunicación social rompan la estructuración
en lo que se refiere a su carácter comunicativo, de categorías intelectuales propias del sistema
aprovechando los medios y facilitando los escolar educativo. Y es que el “saber” que
procesos de conocimiento a través del estudio ofrecen los medios parece más cercano al
de nuevas formas de lenguaje. entretenimiento; algo que no ocurre en la
Ya desde sus orígenes, la UNESCO educación académica tradicional.
(Organización de las Naciones Unidas para Con el paso de los años se sostiene la idea
la Educación, la Ciencia y la Cultura), en que la escuela ha dejado de ocupar el papel
el documento de su constitución aprobado por dominante para pasar a un lugar secundario,
más de 180 Estados Miembros, reflejaba su habiendo sido sustituida por las nuevas
interés por defender y proteger la libre funciones ideológicas de las tecnologías de la
circulación de la información en el mundo: comunicación. Es decir, si la escuela se ha
visto desplazada a favor de los medios de
“fomentará el conocimiento y la comunicación, quiere decir que éstos se han
comprensión mutuas de las naciones convertido en referente educacional, en
prestando su concurso a los órganos modelos culturales básicos sobre los que se
de información para las masas; a este organizan las sociedades. Sin embargo, la
fin, recomendará los acuerdos escuela y los ámbitos académicos siguen
internacionales que estime convenientes siendo referentes válidos, y conviven de forma
para facilitar la libre circulación de las simultánea con los medios.
ideas por medio de la palabra y de la Por tanto, una tercera teoría sería la que
imagen”2 explica, precisamente, el equilibrio que existe
396 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

(y debe existir) entre educación y medios de Cada una de las numerosas y diferentes
comunicación. Sus ámbitos de actuación son maneras de narrar conforman el universo del
muy diferentes, al igual que sus lenguajes, cine: distintos métodos, diferentes elementos,
su forma, su estructura, su capacidad de variadas formas de “contar historias”, porque
inserción en la sociedad, etc... pero esto no en definitiva el cine es eso, una forma de
deja de enriquecer el proceso hacia un narrar historias, una original manera de
objetivo común: el de encontrar la síntesis, reflejar parte de la realidad, parte de la
y más que la síntesis, la simbiosis4 entre fantasía, o parte de ambas. En algunas
ambos, para formular métodos de trabajo ocasiones el cine es el motor que proyecta
comunes que lleguen a disfrutar de una determinadas temáticas provocando el debate
convivencia armoniosa. social. Otras, casi la mayoría, recoge entre
Serían muchas las razones que podrían sus argumentos lo que por uno u otro motivo
argumentar que la comunicación está ya preocupa o inquieta a la propia sociedad,
definitivamente asociada a la educación, pero bien porque ha sucedido” – el conocido –
tal vez la más evidente es afirmar que tanto “basado en hechos reales”-, o porque, sin
los medios de comunicación como su soporte suceder realmente, la propia estructura de la
tecnológico, además de las posibilidades de narración de ficción permite representar
las nuevas tecnologías y de la informática, nítidamente la realidad (aunque no haya
permiten ampliar las posibilidades educativas. ocurrido nunca, ni haya oportunidad de que
También porque el conocimiento de la ocurra), mostrando a la sociedad esa verdad
realidad no sólo puede ser encontrado en los irreal en forma de producto cinematográfico.
libros (algunos dirían que también está Todos estas formas de narración son más que
Internet). En muchas ocasiones un referente usuales en las producciones cinematográficas
audiovisual permite una educación sencilla, actuales y también del pasado, y su uso en
más gratificante y divertida que la que nos la enseñanza más que aconsejable ya que
ofrece la lectura única de un texto escrito. pueden convertirse en las herramientas
Sí. Es más que evidente que el cada vez perfectas para encauzar una parte de la
más complejo entorno en el que nos ha tocado educación. Aunque insistimos en la
vivir y en el que desarrollar nuestra existencia singularidad de esta idea, ya que la educación
está conformado por las nuevas tecnologías es un fenómeno de carácter multidisciplinar
de la información; de hecho formamos parte y complejo. No olvidemos lo que dice al
de una sociedad totalmente bombardeada por respecto el catedrático de Psicología Social
la imagen, sometida al poder, una sociedad José Ramón Bueno Abad:
que persigue apoyar el desarrollo humano
mediante el uso de las tecnologías de la “Las Instituciones educativas trabajan
información y de las comunicaciones. En este en un doble sentido, si admitimos que
sentido, los amantes del Séptimo Arte en primer lugar la educación es la
podemos presumir con orgullo de la difusión del conocimiento hemos de
permanencia de este invento de finales del compartir que una gran parte de los
siglo XIX que ha sabido adaptarse a la conocimientos que se difunden son
perfección a los cambios técnicos y artísticos conocimientos que son asumidos a
que hemos venido sufriendo ( o disfrutando, través de representaciones sociales”5
ya se sabe que todo depende del punto de
vista) en la última centuria. Supo regalar la Efectivamente, el cine es la ventana en
voz a los personajes que se paseaban por sus la que se reflejan las más comunes, banales,
pantallas, supo adaptarse a la magia del color, profundas y extrañas representaciones
a los cambios socio-históricos, a la sociales… y mucho más, porque a estas
transformación de los formatos; ha sabido alturas estaremos todos de acuerdo en que
adentrarse con soltura en el mundo de las es imposible definir al cine desde un único
nuevas tecnologías y adaptarse al entorno punto de vista; es obligada su mención como
binario, aunque hay quienes todavía no Arte, con mayúsculas, lo suficientemente rico
apuestan al cien por cien por la llegada más y “enriquecedor” (un aspecto éste casi más
que evidente del cine digital… importante que el anterior para la reflexión
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 397

que nos ocupa) como para convertirse en complicada de asimilar y comprender que
material educativo…pero no adelantemos cualquier texto escrito, ya que en este nuevo
ideas. En efecto, el cine puede ser considerado medio de expresión los elementos utilizados
desde muchos puntos de vista: podemos se apoyan, se oponen o se entrelazan entre
estudiar al cine desde los entresijos de la ellos para conseguir una sensación y un
producción y tratarlo como un producto alcance bien diferente al de la narración de
industrial dentro de los muchos posibles; un la misma historia escrita.
producto que se ve afectado por las leyes Ciertamente, gracias a que esto es así,
de la oferta, la demanda o de los gracias a la propia naturaleza de los elementos
condicionantes sociales; podríamos proyectar que componen el lenguaje cinematográfico,
estudios sobre su espectacularidad, sobre los tan versátiles, tan expresivos y tan llenos de
costosos gastos del rodaje y sus sistemas de significado, entenderemos porqué el cine se
producción; nadie negará que el cine puede puede convertir en un medio idóneo para
ser considerado como un producto comercial, enseñar, sobre todo materias como la Historia,
transmisor de formación y de información, que nos obligan a reflexionar sobre hechos
como un instrumento motivador o de pasados, con el agravante de hacer el esfuerzo
conocimiento. El cine puede llegar a de cambiar el punto de vista, la perspectiva,
convertirse en un instrumento de evaluación, situarnos en el contexto general adecuado
en un lugar de encuentro (lo que en otras para encajar todas las piezas del puzzle. No
ocasiones he denominado meeting room) en hablamos de la imagen como medio técnico
el que tienen cabida diferentes lenguajes, sino como, medio de comunicación, como
diferentes ideas, diferentes culturas… un sistema de alfabetización. No perdamos
La evolución del concepto de cine, en su de vista que hay que tener en cuenta que
conjunto, ha ido evolucionando desde sus la imagen es un signo y como tal debe ser
orígenes y paralelamente a la propia Historia. estudiado y aprehendido.
En Nueva York, antes de la llegada del El cine, aún siendo un medio de
cinematógrafo, los centros de reunión del comunicación ejemplar para la transmisión
barrio eran las esquinas de la calle, tal vez de mensajes, valores, ideas, etc…presenta una
algunas tiendas y de forma destacada el bar. serie de limitaciones. Por una parte está
Todos estos lugares suponían ciertos criterios limitado por la contradicción de la doble
selectivos tanto de consumo como naturaleza (social e individual) que presenta,
monetarios, ya que las mujeres y los niños ya que siendo en principio un arte para las
apenas si podían acudir por no tener efectivos masas, debe tener en cuenta la psicología tan
o por tener restringida la entrada. Los criterios variada de los receptores. Parece
de selección se alejaban mucho de ser unos contradictorio que frente a la naturaleza social
criterios basados en la educación o al menos de la que presume el cinematógrafo, deba
en valores sociales. Posteriormente el cine reconocer la singularidad de los integrantes
se convirtió en el nuevo centro vecinal. Era de su público. Y en este sentido tendríamos
barato, ni clasista ni selectivo, había que distinguir básicamente a dos espectadores
valoración social ya que al menos “tipo”: el culto cinematográficamente
proporcionaba información, e incluso llegó hablando, y el inculto. Los primeros a
a convertirse en un centro social de vida diferencia de los segundos, al visualizar el
familiar, algo que los mismos bares nunca filme, no reparan únicamente en detalles
llegaron a conseguir. La verdad es que este superfluos como la interpretación de los
nuevo entretenimiento (ya que actores en escena, de si la historia les parece
verdaderamente en los albores del más o menos interesante, o de unos
cinematógrafo eso es lo que era, algo para espectaculares efectos especiales. Conocerán
entretener) era inofensivo y barato, aunque también otros aspectos que envuelven la
también es cierto que requería para su disfrute existencia de la propia película: el director,
de ciertas actitudes mentales completamente su obra, sus influencias, la escenografía, el
nuevas. Por primera vez se puede disfrutar montaje escogido, el vestuario, la banda
de una realidad tanto visual como auditiva sonora, etc... Aunque esto tampoco es
compleja, y que potencialmente es mucho más suficiente. Muchos conocimientos alternativos
398 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

alrededor del hecho cinematográfico ayudan comunicación no corrompen al


a conformar una idea más completa, y ante hombre, sino que lo transforman. El
todo más crítica sobre una determinada cine como medio de comunicación
producción, pero no hay que olvidar que en actúa sobre grupos no estructurados.
el proceso de asimilación de los medios El grupo que constituye el público de
audiovisuales, y entre ellos el cine, ponen una película es un grupo
en funcionamiento complejos mecanismos relativamente no estructurado, como
psicológicos: lo está también el grupo que hace la
película. La película crea o une a
“generan procesos de alto nivel ambos grupos dándoles un sentido de
proporcionando una determinada identidad y experiencia común. El
experiencia de la realidad, y además, público recibe una rara satisfacción
el sistema de símbolos con que al poder experimentar en común, lo
funciona, al referirse a la realidad de cual se demuestra por la incómoda
una determinada manera, exige del sensación que se tiene en un cine
sujeto ciertas operaciones cognitivas vacío”8
en la extracción del significado”6
Se sumaría pues esta característica a la
Para acceder a estos niveles, se exige una lista de las limitaciones del cine: la volatilidad
determinada maduración por parte del sujeto de un público no estructural.
y de los públicos, y recordemos que la El cine presenta otra de sus limitaciones
sociedad en sí, es una sociedad de públicos. en las propias características
Todos somos público en algún momento del medioambientales que lo envuelven, ya que
día; en diferentes lugares, diferentes medios aunque está dotado de medios hipnóticos que
y contextos. Somos público de radio, de ningún otro medio de expresión conoce,
televisión, de cine, de teatro o de un libro. aunque ataca a la emoción y monopoliza los
Unas veces formamos parte de un público sentidos primarios dejando al sujeto como
por placer y otras por necesidad. Quizá haya hechizado, realmente el cine poco tiene que
diferentes puntos de vista sobre los tipos de ver con el encuentro íntimo y secreto de una
público y sus reacciones frente a los medios persona con otra. Seguimos enumerando
de comunicación y frente al cine, pero ¿qué limitaciones del cine, y en esta ocasión nos
es un público? Es importante comentar este referimos a la opacidad de la propia imagen
término, porque de esta explicación, surgirá que no olvidemos se nos presenta como uno
otra de las limitaciones del cine. Los de los pilares primordiales sobre los que
sociólogos dicen que un público es un grupo construir el mensaje cinematográfico. No
no estructurado. Ciertamente es un grupo, a dudamos del valor incalculable de la imagen
pesar de que sólo existe como grupo de forma como signo, sobre todo porque nos permite
intermitente y durante un breve espacio de descubrir la realidad, pero también corremos
tiempo; un grupo que cambia y se renueva el peligro de quedarnos encerrados en ese
constantemente con miembros diferentes7. mismo signo y no saber descubrir la
Sin embargo no podríamos comparar este simbología que esconde detrás. Si esto ocurre
público cinematográfico -grupo no (y ocurre en muchas ocasiones) estaremos
estructurado-, con el público de un grupo desvirtuando la verdadera función del mismo
estructurado, como podría ser el que conforma que es la de ser olvidado para conducirnos
un partido político o el conjunto de alumnos a un significado diferente y menos evidente.
de una clase en un colegio. Así lo manifiesta Y por último, el cine se encuentra limitado
Jarvie: por su propia espectacularidad. El Séptimo
arte es la más rica de las artes, pero también
“Las personas no son receptáculos la que más se acerca a la distracción fácil
cuyos contenidos pueden cambiarse, y al espectáculo. Pensemos por ejemplo en
sino transmisores-receptores que se la actitud mental de concentración que exige
desarrollan y se adaptan a través de la lectura, respecto a la “lectura de imágenes”
su tecnología. Los medios de que provoca una actitud de apertura y de
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 399

dispersión, y en la que los procesos mentales protocolos que han empleado algunos de los
son en gran medida de carácter visual y, países más importantes del mundo para incluir
auditivo. entre sus programas curriculares de estudios
Y pese a estas y otras limitaciones que de educación los de los diferentes medios de
podríamos seguir enumerando el cine creó, comunicación, y en concreto los estudios
crea y seguirá creando opiniones. Es sobre cine.
innegable afirmar que la gran pantalla es una Aunque parezca extraño, hace falta
de las mejores vías de reflexión, un magnífico remontarnos a varias décadas atrás para
soporte de expresión. La cuestión consiste, encontrar las primeras experiencias educativas
en aunar esfuerzos para enseñar a leer este que incluyen la enseñanza de los medios de
lenguaje visual, un lenguaje simple y directo, comunicación. Inglaterra comenzó a
pero que necesita de un aprendizaje. El cine introducir la enseñanza del cine en la
puede ser aprendido, enseñado, explicado, educación en la década de los años treinta
reflexionado… del cine se habla, se comenta, del pasado siglo. Por otra parte a principios
se critica, y esto es un peligro porque todo de la década de los setenta, se desarrollan
el público, sin distinción de edad, estatus en Estados Unidos algunas experiencias que
social, cultura, etc…se permiten el lujo de abordaban el análisis de los medios en el
verter comentarios sobre una u otra película, ámbito internacional; pretendían ser
sobre una u otra producción cinematográfica, experiencias progresistas a nivel
y a veces incluso ¡sin haber contemplado la internacional, aunque realmente no llegaron
obra!. Esto sería impensable en otro Arte, a buen término ya que fueron bloqueadas por
sin embargo miles de millones de personas las administraciones de Ronald Reagan y
aprenden en la gran pantalla nuevos modos George Bush. Posteriormente, durante la
de comportamiento y nuevas ideas, descubren gestión de Bill Clinton se vuelven a retomar
en ella una nueva vía de reflexión, una nueva algunos de estos planteamientos que se habían
forma de opinión, un escaparate para poder olvidado allá en la década de los setenta.
reflejar su sentir; en definitiva, un nuevo Australia, - comenta Aparici- es uno de los
soporte de expresión. países que a partir de los setenta ha venido
Insistimos en la idea de que para poder desarrollando un currículo obligatorio para
comprender las historias del universo fílmico la enseñanza de los medios en la educación
en su plenitud hay que desarrollar y asimilar primaria y secundaria. Y también Canadá se
la educación artística necesaria que a día de encuentra entre estos países afortunados que
hoy sigue siendo deficitaria (ya que desde cuentan con una enseñanza de los medios
los programas oficiales es muy poco o casi entre su formación educativa fundamental. Si
nada lo que se hace); es necesario buscar hablamos del caso español tendremos que
caminos alternativos para su incorporación destacar que afortunadamente España acaba
en la educación; y es curioso, porque el propio de introducir en sus nuevos currículos para
cine puede convertirse en la fuente de esa la educación primaria y secundaria la
oportuna educación. En el ámbito teórico, en enseñanza de los medios. ¿Qué va a suponer
nuestra cultura se ha abierto una doble vía esto? Que desde edades tempranas se va a
de análisis: la destinada a la utilización del poder disfrutar del análisis y estudio de los
cine como medio educativo (educación “con” diferentes procesos de comunicación, del
los medios de comunicación), y la referida lenguaje audiovisual y de lo que supone
a la formación para la comprensión de los finalmente el mundo de la imagen y de la
mensajes y lenguajes en ellos utilizados expresión. En este sentido el proyecto español
(educación “para” los medios de contempla que cada escuela pueda desarrollar
comunicación). Ambas son sumamente sus propias asignaturas optativas, según las
importantes y complementarias, y sin necesidades de su propio entorno y de los
embargo nos sorprende leer lo que Roberto intereses de sus propios alumnos.
Aparici ya recoge en su artículo “Educación Ya estamos en disposición de asegurar que
para los medios de comunicación”9 y en el existe un modelo factible de educación
que entre otros interesantes aspectos nos cinematográfica, basado en el tan querido
muestra un repaso histórico de los diferentes arte de la imagen en movimiento que ha
400 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

venido aportando desde sus orígenes un socio, una vía más para la educación. Por
inmenso conocimiento significativo sobre eso entendemos que resulte casi
cualquier materia y sustentado en dos pilares imprescindible el diálogo final que se produce
fundamentales: el lenguaje audiovisual y la con los amigos al salir del cine; con él se
particular recepción del mismo: persigue únicamente encontrar un mensaje
a) El cine es un “medio” de comunicación, más allá del recibido, porque somos
pero también puede ser entendido como un conscientes que ante un mismo hecho las
“lenguaje audiovisual”. Sólo queremos posibilidades de lectura son infinitas, tantas
recalcar, una vez más, que el cine al ser un como espectadores.
medio a favor de la comunicación, se Se puede educar comunicando a través
convierte en espejo de la cultura. Por otra del cine, es cierto. Pero hay que enseñar a
parte, es bien sabido que el lenguaje saber recibir el mensaje que nos ofrece.
audiovisual integra tanto palabras (audio)
como imágenes (visual). La combinación de ”En concreto es necesario saber
ambas hace que el cine hable un lenguaje interpretar la contigüidad de
emocional y afectivo en su sentido más imágenes y textos (que a veces crea
amplio (amor y odio, deseo y temor...); relaciones más insidiosas – por lo
b) La educación cinematográfica se sitúa ocultas- que los puros
en el lado del público. Es el espectador el encadenamientos textuales). Hace
que adopta una actitud activa y el que elige falta comprender los límites de los
su modo de ver una película, el que desarrolla testimonios “reales”: el vídeo no es
una actitud al verla y el que a fin de cuentas la acción; la foto no es la cosa; la
se relaciona con ella. Así pues, el punto de parte no es el todo... (...) En suma:
partida de la educación cinematográfica es el lenguaje de las imágenes y de las
la recepción del cine. Y precisamente el relaciones de éstas con el texto, exige
diálogo que se mantiene entre ambos una formación independiente”10
(espectadores y película) pertenece al corazón
del proyecto educativo cinematográfico. El desarrollo de la comunicación
Porque la educación cinematográfica no se audiovisual facilita una visión más directa
limita a la investigación de la recepción del y tangible de la realidad, pero hay que saber
cine sino que intenta provocar cambios encontrar los peligros que también acompañan
cualitativos, cambiar a los espectadores a estos medios: la diversidad de las fuentes,
formándoles y educándoles. la absoluta mediatización... hay que enseñar
Son los propios espectadores los que por tanto a “interpretar” los mensajes que
establecen relaciones sui generis con las recibimos desde los medios de comunicación.
películas y sus historias. Los productos También son muchas las razones que avalan
cinematográficos inspiran a los espectadores una una educación en materia de medios de
u otra forma de diálogo sobre experiencias comunicación concebida como una
propias de la vida, y en un diálogo, recordemos, preparación de los ciudadanos para el
los participantes abren los ojos y los oídos con ejercicio de su responsabilidad, que ya están
actitud receptiva, a diferencia del debate o de avasallando con el desarrollo de la tecnología
la discusión en que los comportamientos tiene de la comunicación, satélites de radiodifusión,
un matiz de lucha. Y es que el visionado de sistemas de cable, combinación de
historias cinematográficas provoca en los ordenadores y televisión, videodiscos, etc...
espectadores momentos de diálogo que aumentan aún más la gama de opciones
interpersonal, intrapersonal, de comprensión, de de los usuarios de los medios de
interiorización, de reflexión, de confrontación... comunicación. Y en ese grupo nos
el espectador ve entonces el cine como un encontramos todos.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 401

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402 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 403

La dieta televisiva en la infancia española.


Aproximación al estudio de las audiencias infantiles
Amelia Álvarez, Marta Fuertes, Ángel Badillo y Zoe Mediero1

La dieta televisiva en la infancia. en los cinco operadores estatales más uno


Aproximación al estudio de las audiencias o dos canales autonómicos según las zonas.
infantiles desde una perspectiva múltiple se Teniendo en cuenta que la mayor parte de
presenta como una primera parte del Proyecto la programación de uno de los operadores
Pigmalión (proyecto de investigación en los nacionales privados, Canal+, se emite
géneros y medios audiovisuales y la lectura codificada, la concentración se vuelve
para una influencia óptima en el niño)2 en realmente llamativa pues en realidad la
el se pretende avanzar, por una parte, en la audiencia se mueve entre los dos canales
construcción de indicadores para el Análisis públicos de RTVE, las privadas Antena 3 y
de Contextos televisivos, y por otra, en el Telecinco, y el/los canales autonómicos
Análisis de Contenidos de las dietas disponibles en cada localidad.
televisivas a partir de distintas dimensiones Todos los canales de televisión abierta en
y factores dado que investigar la actividad España emiten programación infantil. Durante
de visionado infantil requiere un análisis la época del monopolio, la mayor parte de
sistemático e integrado de todas las la emisión de programación infantil se
influencias que el niño pueda recibir. concentraba en la franja de tarde, en el horario
Esta primera parte del estudio ofrece, a de vuelta del colegio -a partir de las 17:30/
partir de los indicadores y métodos 18:00- con periodos en los que la primera
convencionales de medición de audiencias y cadena pública ni siquiera emitía
mediante otros nuevos dispositivos programación. La normalización democrática
desarrollados al efecto, datos de interés sobre de RTVE, realizada a través del Estatuto de
la exposición de la infancia española a la la Radio y la Televisión 4/1980, exige al ente
televisión, la composición psico-social del público dirigirse “a todos los segmentos de
contexto de recepción (visión individual o en audiencia, edades y grupos sociales” (art. 5).
compañía: coviewing), dieta tipo y programas Los nuevos operadores públicos surgidos desde
y géneros consumidos por sexo y edad. En 1982 en diversas comunidades autónomas
la mayoría de los casos, se han recogido gran heredaron esa obligación de RTVE -además
cantidad de datos que no están, por el de su estructura orgánica- a través de la Ley
momento, más que explorados en sus primeros 46/1983, que les dio carta de naturaleza
aspectos. La tarea, pues, que abordaremos de jurídica. La llegada de las emisiones privadas,
modo inmediato es un primer acercamiento como consecuencia de la Ley 10/1988,
a una lógica de la dieta televisiva: conocer extendió las obligaciones del operador público
qué, cuánto y cómo consumen televisión los a los nuevos concesionarios privados de la
niños españoles y establecer en lo posible unas gestión indirecta del servicio público televisivo.
primeras tipologías tanto de los niños (por En los primeros años de la desregulación
ejemplo entre consumidores ligeros, medios televisiva en España, los nuevos operadores
y fuertes) como de los contenidos. mostraron una intensa actividad en el campo
de la programación infantil, pero el
Estructura de la oferta televisiva infantil desplazamiento del interés hacia otras
en España estrategias de lucha por la audiencia han ido
haciendo decaer la presencia de programación
España es un país en el que el satélite infantil en las parrillas de las televisiones
y el cable llegan todavía a un pequeño, generalistas. Una de las principales
aunque creciente, porcentaje de la población, estrategias, explica Vaca (1997), ha sido la
por lo que la oferta televisiva se concentra búsqueda de horarios para la programación
404 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura 1
Evolución de la oferta de programación infantil emitida por las cadenas españolas,
en minutos (1992-2003)

Fuente: Taylor Nelson Sofres. Elaboración propia.


COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 405

infantil en los que la decisión sobre el punto de vista de los analistas, “si un chaval
consumo de televisión recayera sobre más de seis, ocho o diez años ve televisión, muy
miembros de la familia, lo que ha conseguido cerca de él estará parte de su familia: padres,
desplazar esta programación a las primeras hermanos mayores o abuelos” (Vaca, 1997:
horas de la mañana, por razones que tienen 301). Conseguir que el niño sea un “leal
que ver con la planificación global de amigo” del canal puede garantizar que oriente
audiencias de las cadenas. parte del consumo familiar hacia el canal.
De esta modo, la creación de bloques de Pese a todo, el entorno de fuerte
programación infantil en el tramo matinal competencia y la búsqueda de audiencias no
(entre las 7:00 y las 9:00 de la mañana) parece específicamente infantiles sino en las que los
explicarse, en términos de audiencias niños se incorporaran a una audiencia grupal,
disponibles, por el hecho de que las dos como apuntábamos antes, parece ser, en los
demandas dominantes a esa hora son la últimos años, la apuesta de los programadores
información y el entretenimiento infantil. En de las cadenas generalistas de cara a la
el análisis de Contreras y Palacio (Contreras audiencia infantil. En la franja de tarde, por
y Palacio, 2001), la competencia de la radio ejemplo, la programación infantil fue
matinal, fundamentalmente informativa y de progresivamente desplazada por los talk-
gran tradición y consumo en nuestro país, shows y contenedores destinados a las amas
explica la derivación de muchos canales hacia de casa. El resultado ha sido la llamativa
la programación infantil en los primeros tramos desaparición de los contenidos infantiles de
de la mañana, cuando muchos niños “mandan las televisiones generalistas en los últimos
en el mando”, utilizando la expresión de Vaca. años. En la temporada de septiembre de 2003,
En todo caso, el público infantil parece TVE decidió recuperar la tradicional franja
especialmente relevante para los de programación infantil de las tardes, ante
programadores de televisión pero, como cabe la presión política y social3. El análisis
esperar de un modelo televisivo comercial, realizado muestra la diferencia entre el peso
por razones de mercado. Esta cuestión resulta que tiene hoy en día la programación
crucial para entender el fundamento de la específicamente infantil en las televisiones
pugna en los primeros años de la públicas (sobre todo autonómicas) frente al
desregulación televisiva en España por la resto de operadores, como se puede
audiencia infantil, dado que siguiendo el comprobar en la figura 2.

Figura 2
Ciclo horario en minutos de oferta de programación infnatil comparada
entre públicas y privadas estatales 1992 y 2003

Fuente: Taylor Nelson Sofres. Elaboración propia.


406 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Puede verse que las estrategias los niños españoles. Actualmente es muy
programacionales del contenido infantil de grande la distancia entre los estudios
las cadenas públicas y privadas y en dos realizados desde la perspectiva del mercado
momentos distintos - a principios de los audiovisual (estudios de audiencia y de
noventa y a principios de dos mil- son muy eficacia publicitaria o de campañas de imagen
dispares. Las cadenas privadas hacen, a y opinión) y las planteadas desde los
principios de los noventa, una importante requerimientos educativos y de atención a la
apuesta en la franja de mañana (antes de la infancia. No sólo se manejan aproximaciones
salida hacia el colegio), así como en la de metodológicas en buena parte distintas, sino
tarde (al regreso a casa del colegio), con un que los datos y las relaciones perseguidas
pico en la hora del mediodía refleja un intento son de diferente carácter.
de captar al sector infantil que va a comer
a casa. En 2003 desaparece por completo la El Estudio General de Medios
oferta de mediodía y tarde, manteniéndose
la de la mañana, aunque con menor peso en El EGM es un estudio multimedios que
tiempo de programación. se realiza mediante una encuesta a domicilio
La diferencia más significativa en la oferta a una muestra de alrededor de 43.000
de los canales públicos en las dos fechas es individuos, dividida en tres en tres momentos
el aumento, en 2003, de la programación distintos del año4. La muestra tiene como
infantil en la franja de mediodía. Destacable universo de referencia los individuos de 14
es, que aún con todas las presiones sociales y más años que residen en hogares
que como televisiones públicas han podido unifamiliares de todo el país.
recibir en los últimos años, el volumen de
programación infantil en la franja de tarde El panel audimétrico de TN Sofres
sigue siendo más bajo en 2003 que en 1992. Audiencia de Medios
Resaltar por último, que en la franja de
mañana las cadenas privadas apuestan de El panel audimétrico que mantiene la
manera más decidida que las públicas por empresa Taylor Nelson Sofres Audiencia de
la programación infantil (en cantidad) en Medios es la principal referencia para el
ambos periodos, y que a principios de los estudio de la audiencia de la televisión en
noventa, las privadas mantenían una España. El panel se compone de alrededor
programación más abundante en las otras dos de 3.500 audímetros5 denominados activos
franjas mencionadas, pero que en 2003 -lo individuales. Ello significa que determinan
que hemos denominado principios de dos mil- la audiencia de cada uno de los miembros
desaparece casi por completo la programación del hogar en el que se instalan, para lo cual
infantil de sus parrillas en los mencionados requieren la cooperación de cada uno de los
horarios. individuos del panel, que deben identificar
cuándo están viendo la televisión y cuándo
Los estudios de audiencia de la televisión se retiran mediante el mando a distancia del
en el sistema audiovisual español audímetro. El tamaño muestral en individuos
para noviembre de 2003 era de 10.289
En España y a nivel de mercado, los individuos.
índices de audiencia televisiva se obtienen De este modo tenemos, que sólo TN
a través de dos herramientas: el Estudio Sofres abarca casi totalidad de edades en
General de Medios (EGM), realizado por la audiencia infantil pues la segmenta en dos
Asociación para la Investigación de Medios grupos de edad distintos, de 3 a 9 años, y
de Comunicación (AIMC) y el panel 10 a 12 años -en los tramos que afectan a
audimétrico de la empresa Taylor Nelson los objetivos sociodemográficos de este
Sofres Audiencia de Medios. Pero la proyecto de investigación sobre televisión y
complejidad de un estudio de este tipo, unida niños. Pese a que en el informe de situación
a la ausencia de investigaciones de carácter del panel figura un tramo de 3 años, los datos
meta-analítico, hacen que resulte difícil que se ofrecen son sólo de individuos a partir
conocer el contenido televisivo que consumen de 4 años. TN Sofres facilita a las empresas
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 407

del sector dos tipos de datos: los agregados, también los niños, como muestran los datos
donde se incluyen los datos básicos de de esta investigación.
consumo de televisión diario por grandes
segmentos sociodemográficos, y los Descripción del instrumento metodológico
desagregados, en el que se encuentran de dieta televisiva y entorno cultural
identificados cada uno de los individuos del
panel, que por su elevado coste tan sólo es Dado que el objetivo era extraer los datos
accesible a las grandes cadenas de televisión de consumo televisivo de una muestra
estatales y centrales de compras. seleccionada (conocer qué programas de los
emitidos habían sido vistos) y que ésta estaba
El estudio de la exposición de la infancia compuesta por niños, tuvimos que diseñar un
a la televisión desde nuestra investigación instrumento específico para recoger e
identificar lo más fielmente posible los
La investigación en la que se engloba la programas ofertados, que denominamos
comunicación presentada estudia la cuestionario-parrilla, que aplicamos entre los
exposición a la televisión de la infancia días 3 y 9 de noviembre de 2003 (ver Figura
española desde un enfoque sistémico e 3). El primer problema que se encontró fue
integrado por estar ésta englobada dentro de decidir los criterios de selección de la muestra
todo un sistema sociocultural en proceso de para determinar tanto las edades como el
transformación histórica. En ese escenario, volumen de población infantil que el equipo
el recurso a “complejos metodológicos” para podía abarcar.
abordar el sistema eco-cultural se hace El primero quedó resuelto con la selección
necesario (Álvarez, 1990 y 1996; Valsiner, para el estudio de tres edades clave en el
1994; del Río y Álvarez, 1994). Es evidente desarrollo infantil como son los 4, los 8 y
que el cambio y el desarrollo no pueden los 12 años, quedando así recogido el abanico
estudiarse sin investigar la vida de los padres completo de edades concentradas en un
y de los hijos, el cultivo y las dietas colegio español dado que se decidió que estos
televisivas, el sistema eco-cultural (familia, núcleos de educación formal eran el lugar
escuela, comunidad) de manera integrada. El más adecuado para demandar la información
concepto de SSD (Situación Social de a los niños. De este modo, tenemos respuestas
Desarrollo) aplica al medio cultural la idea directas de los niños de 8 y 12 años,
ecológica clásica de un mundo o umwelt obteniendo la información de los de 4 años
específico “por edades” en cada cultura, a través de los padres, que además de estos
aplicado en este proyecto a través del modelo datos sobre el consumo televisivo de sus hijos
desarrollado por del Río y Álvarez (1994 y debían aportar otras informaciones
1996). Se trabaja con la creencia de que la relacionadas con las situaciones de consumo
experiencia inicial del niño con la televisión a través de un cuestionario contextual que
como medio apenas tiene importancia, y que incluía items sobre el medio cultural del niño
es su contenido lo que tiene un impacto y sobre el contexto cotidiano de recepción
acumulativo y duradero (Bickham, Wright y televisiva y que fue administrado a los padres
Huston, 2001). de todos los niños de la muestra.
Pero el impacto ecológico de la televisión El cuestionario contextual ha tratado de
es innegable pues es la actividad cotidiana implementar lo conocido por investigaciones
más potente y extendida en todo el mundo, previas definiendo el ecosistema y actividades
junto con la escuela. No cabe duda de que intra-hogar y extra-hogar y su incidencia en
la televisión es un medio omnipresente. el consumo de televisión. El cuestionario fue
Históricamente los medios de comunicación administrado a la madre o persona al cargo
se han valorado por su valor informativo, de los niños en los tres tramos de edad. Se
educativo y de entretenimiento, pero una de les enviaba a través de sus hijos con una
las funciones actuales más importantes, sobre carta e instrucciones para su
todo el medio televisión, es su valor psico- cumplimentación. La recogida se produjo con
social de sustituta de otros seres humanos. una respuesta prácticamente plena. Es de
Este reemplazo lo practican los adultos y resaltar que, en general, la participación de
408 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

todas las personas involucradas en el estudio modificadas en alguna medida. Durante la


(niños, padres, profesores y tutores) ha sido administración de la parrilla los niños
positiva y eficiente, y se ha captado un estado corregían los programas que no habían sido
de conciencia de que todos se sentían ante emitidos, lo que también nos ha ayudado a
un problema significativo y relevante. elevar el grado de fiabilidad que le otorgamos
La distribución geográfica de los colegios al instrumento.
correspondió a dos poblaciones de similar El principal objetivo de cara a la
número de habitantes pero de muy distinta aplicación era que el cuestionario fuera
categoría administrativa como son Salamanca, sencillo y claro; de manera que los niños
capital de provincia, y San Sebastián de los pudieran manejarlo sin dificultad para que
Reyes, localidad cercana a Madrid con una diera el menor número de errores posible en
organización cotidiana similar a la de una su cumplimentación y posterior codificación.
gran urbe. La muestra contó con un total de No teníamos claro que los niños de 8 y 11
439 niños, distribuidos en tres colegios años manejaran con soltura la lógica de los
(públicos y privados) de Salamanca, y en un cuestionarios convencionales con casilla por
colegio público de San Sebastián de los lo que se decidió realizar un pre-test con 15
Reyes. La selección geográfica nos ofreció niños de 7 años y un grupo de 12 niños de
directamente qué programaciones debíamos 10 años evitando la pérdida de sujetos de
analizar: las dos cadenas públicas estatales la muestra.
(TVE1 y La2), las dos cadenas privadas Otro problema era la fiabilidad del
estatales en abierto (Tele 5 y Antena 3), la recuerdo de cada niño, lo que nos llevó incluir
cadena autonómica TeleMadrid (no sólo por en el cuestionario lo que denominamos una
los niños de dicha comunidad, sino también “ayuda visual” para asegurarnos, en la mayor
porque esta cadena se recibe en muchos medida posible, que los niños sabían
hogares de Salamanca), y la cadena privada exactamente a qué programas de televisión
Canal+, pues parte de su programación es nos referíamos: el recuerdo visual en niños
en abierto. de esas edades superaría el recuerdo
El volumen de programación sobre el que lectoescrito. Añadiendo una pequeña imagen
pretendíamos sondear el consumo televisivo de cada uno de los contenidos televisivos que
de la población infantil se convertía en un se emitían pretendíamos adaptar el
desafío a la hora de diseñar nuestro instrumento a la muestra hacia la que iba
cuestionario-parrilla, pues podíamos añadir a dirigido. Las imágenes se obtuvieron de las
las citadas cadenas todas las emisoras locales páginas Web oficiales de cada una de las
de las dos zonas así como las emisiones de cadenas de televisión, de bases de datos
cadenas bajo satélite y el vídeo o DVD internacionales de cine como International
grabado que los niños pudieran ver cada día Movie Data Base y de la captura de algún
de la semana. Finalmente, decidimos dejar fotograma de los programas. Cada una de
estos tres ámbitos para un cuestionario las imágenes se escogió atendiendo a unos
cualitativo donde cada niño (padre) escribiera criterios determinados: representatividad,
qué contenidos había visto bajo esas tres claridad y actualidad. Escogimos
formas de emisión con la finalidad de preferentemente las imágenes que incluían a
completar y equilibrar los datos obtenidos los protagonistas de los diferentes espacios
mediante el cuestionario semi-cerrado que televisivos, como por ejemplo los
pasamos a detallar. presentadores de los telediarios o los
El instrumento que debía detectar qué tipo protagonistas de la ficción doméstica, tratando
de contenidos veían los niños es el que el niño pudiera distinguir lo más
cuestionario-parrilla y para su elaboración exactamente posible cada espacio televisivo.
contamos con las parrillas programacionales En el caso de algunos programas de máxima
que las propias cadenas nos suministraron con audiencia y difíciles de identificar con un
unos días de antelación, y que posteriormente personaje, se decidió utilizar el logotipo o
debimos contrastar con la parrilla real de el anagrama correspondiente, caso por
emisión suministrada por NT Sofres ejemplo de la Champion League. De gran
comprobando que éstas habían sido importancia es reseñar que sólo se incluyó
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 409

la programación que se emitía en el horario situada y cotidiana el niño en lugar de


extraescolar. guiarnos por una convención nacida de las
De todas formas, se incluyó la posibilidad necesidades de los propios medios de
de que los niños que por algún motivo comunicación (la tradicional parrilla
(enfermedad, etcétera) no hubieran acudido programacional). Pasamos a separar la
al colegio pudieran añadir en el reverso de información de los bloques ecológicos en
la hoja de la parrilla visual los programas distintas hojas, de tal forma que de un A3
que habían visto y que no aparecían en la diario pasamos a cuatro A4 diarios
misma. suministrados cronológicamente y de uno en
El primer cuestionario, el aplicado en el uno: el niño debía lograra situarse
pre-test, se diseñó en formato DIN-A3 temporalmente asociando la programación
compuesto por un enunciado en el que se televisiva con sus actividades cotidianas.
planteaba la cuestión (se pedía a los niños En la primera hoja-parrilla visual se
que indicaran con una cruz aquellos preguntaba sobre la programación que el niño
programas hubieran visto de principio a fin había visto ese mismo día por la mañana,
y sólo con una diagonal aquellos que hubieran añadiendo específicamente en el enunciado
visto parcialmente), un espacio para que cada “antes de venir al colegio”, para relacionarlo
niño escribiera nombre y apellidos y otro para de una manera aún más clara con la actividad
el número de protocolo. Cada una de las cotidiana de un niño de su edad. La segunda
columnas de la cuadrícula representaba cada incluía la programación que el niño podría
una de las cadenas de televisión y cada una haber visto a la hora de la comida,
de las filas representaba cada uno de los relacionándola con la hora desde la salida
contenidos emitidos. Cada casilla de la del colegio y la hora de la comida. En la
cuadrícula contenía la correspondiente imagen tercera se preguntaba sobre los programas que
encima de la que aparecía el nombre del el niño había visto el día anterior por la tarde,
programa y la hora (estimada) de comienzo relacionándolos con la hora de la merienda.
del mismo. Y en la cuarta se incluía solamente la
Así, el cuestionario estaba diseñado para información sobre lo que cada niño había
aplicarse a primera hora de la mañana, visto el día anterior por la noche, a la hora
simultáneamente en todos los cursos que de la cena.
participaban en la muestra. Preguntando a A pesar de lo que pudiera parecer, el
cada niño sobre el consumo televisivo del tiempo de aplicación no aumentó después de
día anterior pretendíamos aminorar el riesgo este cambio en el diseño. Todo lo contrario:
que corríamos al depender de la memoria de una organización eficiente de la información
niños de 8 y 12 años. La parrilla visual se y una selección cuidadosa de los estímulos
segmentó en franjas horarias siguiendo la que los niños recibían en cada momento hizo
estructura diaria del niño por lo que se que el instrumento se convirtiera en un
obtuvieron cuatro bloques los días de diario calendario sistemático de la dieta televisiva
(mañana, mediodía, tarde y noche) y tres los de cada niño a lo largo de una semana y
días de fin de semana (mañana, tarde y una vez que los niños automatizaron la
noche). estrategia de respuesta de las casillas, el
Con el trabajo de pre-test se detectó el tiempo de aplicación fue disminuyendo
principal error de la parrilla visual: la gran paulatinamente.
cantidad de información que se suministraba Finalmente, y después de recoger los datos
al niño. Se decidió que la información debía durante los cinco días lectivos de una semana,
dividirse y preorganizarse si queríamos que se acudió el lunes siguiente a cada colegio
el instrumento respondiera con la deseada para recoger los datos correspondientes al
fiabilidad. Aún con todo, no podíamos consumo televisivo del fin de semana. En
eliminar ninguna de las cadenas de televisión esta ocasión, el hecho de que los niños
seleccionadas ni queríamos renunciar a la estuvieran ya muy familiarizados con el
ayuda visual pues nos parecía clave para el cuestionario hizo que el volumen de
recuerdo. De este modo, se pensó que información que se les pedía fuera más
debíamos seguir la lógica de la memoria asequible.
410 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura 3
Cuestionario-parrilla visual del sábado 8 de noviembre de 2003
destinado a niños de 8 y 12 años

Fuente: departamentos de comunicación de las cadenas. Elaboración propia.


COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 411

En general, comprobamos que los niños parámetros internacionales de estudios sobre


conocen bastante bien la programación (tanto desarrollo infantil y televisión. Pero es claro
la dirigida a ellos como la dirigida a la que una parte de la población infantil se
población adulta). Esta familiaridad que los situará con consumos muy por encima de la
niños tienen con la programación televisiva media.
elevó la fiabilidad del cuestionario. En su
mayor parte, los niños saben lo que ven, e Los puntos fuertes del día
incluso -y sobre todo en el caso de los niños
de 12 años-, pueden hacer una estimación En general los cronogramas muestran la
del tiempo que han visto cada programa (o existencia de tres hitos o crestas temporales
cuanto menos son capaces de responder si diarios (prime time): matinal (punto álgido
lo vieron por completo o si sólo lo vieron 8.30) , mediodía (punto álgido 14.35) y noche
parcialmente). Aunque con este método no (punto álgido 22.25); la tarde muestra una
se puede extraer el porcentaje del tiempo que bajada gradual desde la cresta del mediodía
los niños pasan viendo cada programa, hasta las 18.30 para volver a subir desde ahí
mediante el tachado en aspa y media aspa a la cresta nocturna. En general, la cresta
intentábamos obtener, al menos, tiempos nocturna desciende muy rápido pero muestra
completos o parciales de visionado, así como una parte significativa de niños que ven la
el zaping deducido por el número de veces televisión después de la media noche (24.00).
que un programa estaba marcado a la misma La curva de festivos incrementa todos sus
hora. niveles y tiende a rellenar los espacios entre
las tres crestas, constituyendo una meseta de
Primeros resultados sobre la dieta infantil audiencia televisiva a lo largo de todo el día
El consumo cuantitativo sobre la que siguen siendo visibles las tres
crestas.
Cuantitativamente el consumo medio de
Dieta ofertada dieta consumida
los españoles está definido como uno de los
más altos de Europa, como se señalaba en
El estudio define con mucho detalle los
el Informe Pigmalión. La media de los
programas más vistos, distinguiendo entre los
españoles, establecida por audimetría para
programas vistos de manera focalizada y
2003, señala las 3 horas y media (214
aquellos vistos parcialmente, en atención o
minutos). El verano supone la etapa de menor
visionado dividido. Gerbner y sus
consumo pasando a subir éste en otoño e
colaboradores (1980) han sostenido que el
invierno. Debe destacarse, sin embargo, que análisis del cultivo muestra que la “selección
el consumo infantil es notablemente menor: es un mito” y que el mercado audiovisual
desciende 1 hora hasta situarse en 2 horas tiende a una alta homogeneidad en la dieta
y media (146 minutos). Mientras los niños ofertada. Potencialmente, en una dieta
de 4 años se situarían en 131 minutos, los ofertada muy diversificada, la dieta
de 12 años subirían a 148 minutos, quedando consumida mostraría también una mayor
en el medio los niños de las edades diversidad que la que se produciría con una
intermedias. Debe señalarse que las dieta ofertada muy restringida y homogénea.
audiencias infantiles son mucho más sensibles Dada la gran concentración y homogeneidad
al ciclo estacional con oscilaciones más de la dieta ofertada, no era por tanto de
marcadas según la estación, pero el verano, esperar que se diera una gran diferencia entre
en lugar de suponer una disminución del los programas preferidos y los programas
consumo, marca en su caso la estación de más vistos: el efecto cultivo haría que
incremento (vacaciones). En general se tendieran a ser los mismos. El estudio recoge
aprecia el impacto positivo del colegio y de una alta convergencia entre programas
las actividades de formación como secante preferidos y programas más vistos. Son
del consumo televisivo. A primera vista, y apreciables sin embargo diferencias
suponiendo una dieta adecuada, estos significativas por la edad, el sexo y el centro
consumos no parecen excesivos según los escolar.
412 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura 4
Los programas más vistos por los niños/as de 4, 8 y 12 años
(Salamanca y Madrid)

Fuente: Proyecto Pigmalión. Elaboración propia.


COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 413

Figura 5
Programas preferidos por sexo

Fuente: Proyecto Pigmalión. Elaboración propia.


414 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura 6
Programas preferidos por edad

Fuente: Proyecto Pigmalión. Elaboración propia.


COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 415

Una de las aportaciones más densas del infantiles. Ello permite contar con pautas claras
estudio es el conocimiento de los programas para el diseño de programaciones. En la
más vistos (ver Figura 4) y de los programas medida en que las diferentes cadenas orientan
preferidos para todas las edades estudiadas, sus programaciones también en función de
por sexo (Figura 6) y por edad (Figura 7). géneros y formatos, es de esperar, como así
Los programas más vistos establecen un matiz ocurre, que ciertas cadenas sean más preferidas
por modalidad (entre aquellos vistos por en ciertas edades (La2 para los niños de 8
completo y los vistos parcialmente, zapeando años; la TVE1, Telecinco y Antena 3 para los
entre varios o interfiriendo la visión con otras de 12 años); o según el sexo (las chicas
actividades); por ello conviene realizar una prefieren infoshows y concursos, mientras que
triangulación -tarea en curso- con los datos los chicos prefieren contenedores y deportes;
audimétricos que no establecen esa distinción. los chicos prefieren más la La2, las chicas
Pese a que, como hemos comentado, la se inclinan más por Antena 3 y Telecinco).
franja de decisión o selección posible es muy La producción de los géneros y formatos,
estrecha, en general los programas preferidos al igual que es más frecuente en unas cadenas
permiten conocer las tendencias del gusto que en otras, tiene diferentes procedencias
infantil y marcar ciertas distancias respecto por su producción (nacional o extranjera).
de las creencias de los programadores. Hemos Hemos analizado también los datos de los
establecido estas preferencias, además de por géneros y formatos vistos por los niños para
programas, con todo detalle, agrupando los disponer de un conocimiento que puede ser
programas por géneros (taxonomía atendiendo útil a la hora de desarrollar estrategias
al contenido -ver Figura 7-) y por formatos culturales y políticas de diseño.
(taxonomía atendiendo a los atributos técnicos Las preferencias pues cambian claramente
y formales -ver Figura 8-). con la edad y están influidas por el género
En general, por ambos criterios, aparecen y por la cultura familiar y el desarrollo
diferencias muy claras en las preferencias cultural del niño.

Figura 7
Tipo de formato de los programas emitidos por las cadenas españolas
recogidas en el estudio

Fuente: Proyecto Pigmalión. Elaboración propia.


416 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura 8
Tipo de género de los programas emitidos por las cadenas españolas
recogidas en el estudio

Fuente: Proyecto Pigmalión. Elaboración propia.

El ecosistema familiar y la Situación ven más televisión, por el contrario muestran


Social de Desarrollo debilidad en esas mismas tres variables.
El estudio de la AIMC (2002) realizado Téngase en cuenta que estas variables definen
entre niños de 8 a 13 años, sigue mostrando la Situación Social de Desarrollo del niño
el papel estelar de la televisión en el en el nivel intra-hogar. Efectivamente, otros
ecosistema cultural infantil. Sigue siendo el estudios han mostrado (St. Peters, 1993) que
medio más consumido; muy por debajo, las cuando el televisor está encendido desciende
revistas, internet (que escala posiciones año la interacción con padres y hermanos. Existen
a año) y la radio. Sólo un 7,4% de niños pues un conjunto de factores sociales (número
lee la prensa diaria. Y pocos más van al cine, de hermanos y de iguales accesibles, red
el 10,6%. Esto confirma la tendencia familiar próxima de abuelos, tíos, etcétera),
internacional que muestra que, por lo general, culturales (libro, ordenador) y ecológicos
radio (dentro del hogar) y cine (fuera del (disponibilidad de parques, cercanía de los
hogar) son las actividades mediáticas más compañeros y amigos del colegio) que
“desplazadas” por la televisión. enriquecen o empobrecen el contexto
Pero los datos también apuntan, como un cotidiano (la SSD) del niño y que,
hecho significativo en la dieta global del conjuntamente, hacen más o menos decisivo
ecosistema cultural infantil, al papel de la el televisor como medio para llenar la vida
televisión para homologar y absorber en la del niño. Aunque se ha dicho que la televisión
infancia la dieta cinematográfica: el niño ve desplaza juegos y deportes, también es cierto
el cine que programa la televisión. Todo ello lo contrario: los juegos y deportes (y la
configura una dieta que es sin duda accesibilidad ecológica para ellos) desplazan
alfabetizada pero de un modo marcadamente a la televisión.
audiovisual. Los datos de nuestro cuestionario En general, podemos decir que una cultura
contextual resaltan dos hechos que nos y un contexto (urbano, social, familiar,
parecen de la mayor importancia: los niños cultural) rico puede incidir en un menor
que ven menos televisión utilizan más el consumo de televisión. En nuestro estudio
ordenador, tienen más libros y juegan más ese hecho se muestra con diferencias altas
con hermanos e iguales; y que los niños que en consumo televisivo (estadísticamente
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 417

significativas) entre los niños de dos colegios la cuarta parte la ve con una persona, y
de Salamanca; los niños de uno de los centros, alrededor del 45% la ve en grupo más amplio.
de contexto rico, ven como media la mitad El coviewing desciende según el niño va
de programas que los del otro centro. haciéndose mayor: casi el 40% de los niños
Pero incluso cuando se ve la televisión, de 12 años ven la televisión solos, frente a
una de las principales variables moduladoras un 25% entre 4 y 6 años.
para optimizar su impacto con procesos de Loa datos respaldan la necesidad de
mediación en la ZDP (Zona de Desarrollo diseñar programas de apoyo al ecosistema
Próximo), es la de visionado conjunto o cultural infantil para promover SSD óptimas.
coviewing. Los datos audimétricos (2003, La solución parece que debe ser sistémica
niños de 4 a 12 años) muestran que en España y orquestada, tanto en variables intra-hogar
se siguen manteniendo cotas entre moderadas como extra-hogar, sin olvidar las acciones
y altas de coviewing: entre las situaciones dirigidas a la familia para el adecuado
sociales de visionado, sólo un tercio de los tratamiento del contexto de recepción y de
niños españoles ve la televisión sólo, como las dietas recibidas.
418 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografía Vaca, R. Quién manda en el mando.


Comportamiento de los españoles ante la
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of children and the media. Thousand Oaks, (zmediero@usal.es), Universidad de Salamanca.
Sage, 2001, pp. 101-119. 2
El Proyecto Pigmalión ha sido financiado
Contreras, J. M., & Palacio, M. La por el Centro Nacional de Información y
programación de televisión. Madrid, Síntesis, Comunicación Educativa (CNICE) del Ministerio
2001. de Educación, Cultura y Deporte.
3
Como consecuencia, el Grupo Popular en
del Río, P., & Álvarez, A. Ulises vuelve el Congreso llegó a presentar, en diciembre de
a casa: retornando al espacio del problema 2003, una Proposición No de Ley relativa a que
en el estudio del desarrollo, en Infancia y se regule, en el plazo más breve posible, la
Aprendizaje, 66. Madrid, Fundación Infancia obligación de que alguna cadena de televisión
y Aprendizaje, 1994, pp. 21-46. pública emita algún programa infantil por la tarde
en los horarios en que los niños llega a casa. Véase
del Río, P., & Álvarez, A. Postmodern
Diario de Sesiones, Congreso de los Diputados,
literacy: from Vygotski drama to audiovisual núm. 882, 03/12/2003, páginas: 28054-28057.
media effects. Comunicación presentada en 4
A la muestra de EGM se añaden 27.000
el Congreso Vygotsky Centennial Conference: encuestas telefónicas más para obtener los datos,
Vygotskian perspectives on literacy research, combinados, de audiencia de radio denominados
Chicago, febrero de 1996. “Radio XXI”.
5
La renovación muestral hace oscilar
St. Peters, M. The ecology of mother ligeramente este dato cada mes. La muestra
child interaction. Lawrence, KA: University instalada a noviembre de 2003, según los datos
of Kansas, 1993. de TN Sofres es de 3.444 audímetros.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 419

A educação popular no Brasil: a cultura de massa


Maria da Graça Jacintho Setton1

Introdução De uma certa forma estou afirmando que


as transformações de ordem cultural deriva-
Em artigos anteriores, tenho lembrado que das, sobretudo, da evolução da
a emergência de uma cultura visual e reprodutibilidade técnica dos textos e das
midiática, desde o início do século, mas imagens, tal como a diagnosticada por Walter
sobretudo a partir dos anos 70, no Brasil, Benjamim (1983) na década de 30, do século
aponta para uma nova configuração cultural passado, colabora com uma nova forma de
e educacional em nosso território, atingindo apreender, usar e usufruir as produções
uma gama bastante heterogênea de públicos. culturais. Para este autor, a evolução técnica
Esta nova arquitetura sociocultural tende a possibilita o despertar e a ampliação de nossa
oferecer uma multiplicidade e uma outra sensibilidade perceptiva e cognitiva2. Ofe-
economia das linguagens simbólicas como rece novas condições de apropriação e re-
também um outro modelo de aquisição e cepção de representações e conhecimentos
apropriação de conhecimentos (Setton, sobre o mundo. Neste sentido pode-se pensar
2002,2004). na ampliação do potencial das capacidades
Neste sentido, a difusão generalizada do reflexivas do indivíduo contemporâneo.3
imaginário de uma ficção midiática, proposta As transformações quantitativas da difu-
pela TV, cinema, rádio, imprensa escrita, são das mensagens – na forma de escrita ou
Internet e outdoors, acaba por estimular, entre na forma de imagens e sons – aguçam a
nós, uma nova organização de idéias e repre- sensibilidade, ampliam a esfera e os espaços
sentações sobre o mundo. Entretanto, cabe difusores de conhecimento (Morin,1984;
salientar que embora todos estejam submeti- Martín-Barbero, 1995, 2000, 2001). Em
dos a influência desta nova configuração outras palavras, podem induzir o aumento da
socioeducacional, as gerações mais jovens são capacidade reflexiva pois oferecem uma
as que estão sendo precocemente socializadas multiplicidade de saberes constituindo uma
pela cultura da imagem, do texto fragmen- nova realidade perceptiva e cognitiva para
tado, da montagem e bricolagem incessante o indivíduo das formações contemporâneas.
de informações. São elas que estão sendo Enfim, a maior difusão da informação amplia
formadas por uma série de processos o escopo de um conhecimento de experi-
educativos informais muitas vezes em ruptura ências alheias, virtuais, distantes das relações
ou em continuidade com o projeto pedagó- face a face. Neste sentido, não seria mais
gico das instituições tradicionais de ensino. possível pensar a educação em sua acepção
Neste sentido considero relevante, para tradicional, como instrução formal empreen-
o campo da educação, a reflexão sobre a dida, sobretudo nas instituições formais do
importância material e conseqüentemente, ensino (Baccega, 2002; Citelli: 2002).
simbólica que a produção midiática mantém É necessário estar aberto para outras
no Brasil. Ela faz parte do cotidiano do jovem formas de aprendizado, e aqui saliento aque-
em processo de escolarização. Ela oferece les divulgados por agentes que estão fora dos
recursos para estes jovens refletirem e acu- círculos legitimamente reconhecidos como
mularem idéias sobre suas condições de vida, educativos. Embora com propostas distintas
sobre o processo de construção de suas à escola ou à família, chamo atenção para
realidades. Mais do que isso, pode estimula- o caracter socializador e educativo das pro-
los na manipulação e na reelaboração do duções midiáticas. Chamo atenção para sua
conhecimento formal e informal sobre o capacidade de potencializar – em continui-
mundo. dade ou em ruptura - disposições em relação
420 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ao aprendizado adquiridas previamente no tornasse referência educativa para grande


ambiente familiar ou escolar. Posto isso, parte de nossa população, antes que a língua
penso ser necessário, para nós educadores, escrita estivesse generalizada em todo terri-
circunstanciar os usos desse material tório nacional, o rádio, a TV e o cinema já
educativo a fim de compreender a comple- eram velhos conhecidos da população.
xidade e a ambigüidade de suas realizações É possível pois considerar que o imagi-
e usos, nos diversos segmentos sociais nário ficcional das mídias há muito mais
(Setton,1999,2002). tempo vem colonizando os nossos espíritos.
É possível considerar que este imaginário está
Determinantes sócio-estruturais: a cultura mais presente e é mais familiar no cotidiano
de massa no Brasil dos segmentos sociais brasileiros, sobretudo
os segmentos com baixa escolaridade, do que
Em meados do século passado, e prin- propriamente a cultura escolar.4
cipalmente com os governos militares, a
sociedade brasileira vê-se submetida a uma A materialidade do fenômeno da cultura
nova ordem social e econômica. Desde de massa no Brasil de hoje
Getúlio Vargas na década de 30 e 40, seguido
de Jucelino Kubitschek, nos anos 50 e, Reforçando o argumento deste artigo,
culminando nas políticas pós 64, assistimos alguns números podem nos ajudar a justi-
a um alto volume de investimento na infra- ficar a importância da questão levantada.
estrutura da informação e do lazer. Período Atualmente, segundo dados do Censo
de grande efervecência política, inversões Demográfico 2000, 53% da população bra-
financeiras na consolidação de um projeto sileira freqüentou menos de 7 anos a escola,
político integrador, possibilitaram a criação ou seja, não ultrapassou o ensino fundamen-
de um mercado de cultura e bens de con- tal e 27,7% ocuparam apenas 3 anos os
sumo até então desconhecido por nós. Apoio bancos escolares. Apenas 47% estudaram de
institucional em políticas educativas utilizan- 8 ou mais de 15 anos. De acordo com esta
do o rádio e o cinema (Espinheira, 1934; mesma fonte, de um total de quase 45 milhões
Franco, 2000), tecnologias avançadas para a de domicílios brasileiros pesquisados, 93%
difusão de imagens via satélites, apoio estatal têm acesso à energia elétrica, 87,7% possu-
nos empreendimentos culturais, com a em televisão, 87,4% possuem rádio e 35,3%
criação da FUNART, EMBRAFILME, ou possuem video-cassete em suas residências.
mesmo nos subsídios à importação do papel Neste sentido, é importante ressaltar que
para a indústria editorial, promoveram, em a heterogeneidade de acesso aos meios
poucos anos, as bases para a consolidação, educativos é um fato e suas implicações
sem precedentes, de uma cultura midiática bastante complexas para o campo da edu-
em território nacional (Ortiz, 1988). cação formal e informal.
Neste artigo, chamo atenção para o fato Entre as mídias, a televisiva é a mais
de que é possível constatar a especificidade expressiva, sendo necessário registrar a
de uma nova ordem sóciocultural, no Brasil, configuração do setor. As 65 emissoras
diferente da vivida pelos países como os nacionais, suas 349 geradoras e afiliadas, bem
Estados Unidos e demais nações européias. como suas 1.818 retransmissoras, dão conta
Em 1950, quando as emissões de rádio de atingir quase a totalidade dos domicílios
estavam praticamente generalizadas em ter- brasileiros (de Lima, 2001). Ou seja, dos
ritório nacional, o cinema levava multidões quase 90% dos domicílios que possuem te-
às salas de projeção e a difusão televisiva levisores, a ação pedagógicainformativa das
dava seus primeiros, mas decisivos passos, novelas, seriados, shows de variedades e
metade da população brasileira era ainda filmes parece estar mais presente do que a
analfabeta. O Brasil, juntamente com outros ação escolar entre os brasileiros menos pri-
países latino-americanos, constroem, respec- vilegiados. Fazendo uma breve pesquisa
tivamente, uma história cultural a partir de sobre a programação oferecida pela TV
outras influências. Antes que a escola se aberta, pude observar a oferta crescente de
universalizasse, antes que o saber formal programas de natureza informativa e
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 421

prescritiva. 5 Classificando as ofertas das cobra. Em um diálogo crescente entre a


emissoras, foi possível verificar que os necessidade de informar-se, de estar por
conteúdos da programação transcendem ao dentro das dicas do bem viver, de uma “certa
aspecto pedagógico explícito da transmissão arte de viver” valorizada socialmente, a
dos documentários – Globo Repórter, Repór- grande maioria da clientela televisiva, engros-
ter Eco, Planeta Terra – (1.840hs)6, ou das sa os índices de audiência de uma progra-
programações propriamente educativas – mação que oferece a preços módicos e sem
Telecursos, Vestibulando Digital, Grandes cobrança, uma “educação” que se vende a
Cursos Cultura, (2.405hs). Noticiários partir da emoção e da diversão. Programas
televisivos (10.430hs) ou esportivos religiosos promovendo a vida ascética,
(3.225hs), com audiências significativas, regrada e disciplinada e programas
revelam uma disposição do público de in- paradidáticos que prescrevem, estimulando
teirar-se das questões econômicas e políticas a conduta “correta” para uma legião de
da ordem do dia. É sabido que a ficção adultos, homens, mulheres e jovens, expres-
televisiva, há muito, na forma de seriados sam, a meu ver, uma demanda que há muito
(1.510hs), novelas (3.435hs), filmes (780hs), a escola e demais agentes tradicionais da
desenhos animados e/ou programação infan- educação deixaram de promover (Dubet,
til (6.260hs) e humor (350hs), preenchem o 1996).
imaginário de crianças e adultos, Trabalhando de maneira interdependente
disponibilizando ou prescrevendo comporta- com a TV e demais mídias, temos o rádio,
mentos na diversidade de sua produção. que também apresenta a característica de
Possibilitando o acesso a comportamentos e oferecer a seu público, muito mais que um
modelos de conduta a partir de “celebrida- simples entretenimento musical e informati-
des”, ficionais ou não, esta programação ao vo. Uma série de vinhetas que disponibilizam
mesmo tempo que integra a todos a um ideal informações e saberes especializados estão
de civilização (capitalista, hedonista e a todo tempo atingindo um público diver-
consumista), possibilita a uma multidão o sificado. Não é raro ouvirmos dicas sobre
acesso a um código de conduta que até pouco saúde, cultura, turismo, meio ambiente e lazer,
tempo era restrito aos segmentos privilegi- entre os noticiários nacional/internacional e
ados. esportivo, nas emissoras FM e AM, ofere-
Em uma análise simplista, poderia iden- cidas ao meio da programação musical. O
tificar uma polarização entre manipulação ou mais antigo e mais acessível veículo popular
integração a partir dos conteúdos propostos de acesso à informação e entretenimento, no
pela programação televisiva. É possível. Não Brasil, ainda hoje, no início dos anos 2.000,
obstante, creio que seria mais prudente e disponibilizavam 2.013 emissoras.
menos tendencioso investigar as formas de Sabendo da capacidade de atingir amplas
articulação e apropriação destas mensagens extensões, com baixos custos, as rádios
pelos diferentes públicos. Cabe comentar permitem a comunicação e a integração
ainda a crescente promoção de programas político-informativa, universalizando seu
religiosos e de variedade que subliminarmente acesso, e como todos sabem criando uma
(Ferrés, 1998) se propõem educativos. As tradição como veículos de educação à
emissões religiosas (5.365hs), as emissões que distância. Em relação ao cinema, em 2.000,
investem nas entrevistas (2.790hs), ou as segundo o Censo Demográfico, apenas 14%
emissões de entretenimento variado que da população brasileira declarou freqüentar
provocativamente denomino paradidáticas as salas de projeção, mas é importante lem-
– Note e anote, Bom dia mulher, Melhor da brar que 35,3% possuem vídeo-cassetes em
tarde, Vinho e Mesa, Neurônios, Mochilão, suas residências.7 No entanto, a renda das
Fica comigo, Vida e saúde, Mestre Cura, bilheterias nacionais, em trinta anos, aumen-
Chek In, Turismo na TV (14.200hs), grande tou oito vezes – R$ 529,5 milhões contra
parte destinadas ao público jovem e femi- R$ 70,1% milhões. Esta aparente contradi-
nino, especificamente, podem revelar uma ção, não obstante, explicita apenas a mudan-
identificação do público com uma sede de ça de hábito do brasileiro em relação a este
saberes e informações que a sociedade lhes item do lazer. Dando preferência às salas em–
422 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

shoppings e concentrando em um único Seria interessante ressaltar também a


segmento seus consumidores, o cinema parece premiação organizada pelo setor. Em 2003,
ser um fiel entretenimento dos segmentos o Disco de Ouro, relativo à venda de 100
mais abastados. Por outro lado, o cresci- mil unidades, foi entregue o Disco Platina,
mento das locações e lançamentos de vídeos, correspondente a 250 mil cópias, foi dado
expressam que o consumo cinematográfico para Jorge Vercílio e a dupla Sandy e Junior,
só ampliou o uso doméstico da TV, conquis- e o Disco de Platina Duplo, totalizando 500
tando, aos poucos, outros segmentos menos mil unidades, foi entregue ao CD da novela
privilegiados. Atualmente, segundo o SAJ – Mulheres Apaixonadas. Um total de mais de
Assessoria Empresarial – LTDA, temos 5.867 um milhão de cópias vendidas oficialmente
locadoras no Brasil. O volume de vendas em para um público que facilmente poderia ser
fitas VHS, em 2002, foi de 2.833.961 e o classificado como popular.
número de fitas DVDs alcançou o registro Para o desenvolvimento do argumento
de 4.988.008. A título de curiosidade, seria deste artigo, é importante registrar também
interessante registrar que, segundo o Anuá- que grande parte dos consumidores do
rio Estatístico de 1990, 52% do público mercado fonográfico é de estudantes, 23%,
preferem o gênero aventura e 49% comédia. ainda em idade escolar, ou seja, entre 15 a
Para os objetivos deste artigo, o importante 23 anos. Boa parcela, 46%, têm nível de
é salientar, no entanto, que o DVD foi lançado escolaridade distintiva, isto é, nível médio
no Brasil em 1998, ou seja, há menos de e superior. Entretanto, 54% dos consumido-
dez anos. Naquela ocasião, a indústria vendeu res estudaram apenas até oito anos (UBPD,
20 mil aparelhos e 105 mil CDs, segundo União Brasileira dos Produtores de Discos,
dados da UBV. Desde então, o preço dos 2001/2002). Para completar a análise da
leitores de DVDs caiu quase 50 por cento, expansão do consumo de bens da cultura de
aumentando a possibilidade de uma parcela massa no Brasil, enfatizando seu apelo in-
cada vez maior ter acesso a mais um formativo e prescritivo, e muitas vezes
eletrodoméstico midiático. popular, seria importante considerar o mer-
Em relação ao mercado fonográfico cado de impressos e o público deste setor.
vemos semelhante expansão. Segundo pes- No que se refere ao acesso à leitura, recente
quisas, desde o Plano real, ou seja, meados pesquisa sobre alfabetismo/letramento, aponta
da década de 90, nunca se vendeu tanto e que 67% da população brasileira encontram-
nunca tantas pessoas de renda mais baixa se na situação de analfabetismo funcional.
tiveram a oportunidade de comprar um Isto é, encontram-se nos níveis 1 e 2 que
aparelho de som. Cerca de 5 a 8 milhões os caracterizam com um baixa habilidade e
de pessoas que antes nunca tinham tido um compreensão da leitura.
aparelho de som compraram um, depois do Em Os números da cultura, Abreu (2003),
Plano Real. De acordo com esta mesma fonte, revela que, segundo o INAF 2000 (Indicador
a popularização dos aparelhos de som foi tão Nacional de Alfabetismo Funcional), 67% dos
rápida que num curto espaço de tempo – 1995 entrevistados gostam de ler: 32% gostam
e 1996 - foram vendidos 10,7 milhões de muito e 35% gostam um pouco. Comentando
sistemas de som, número superior à popu- outra pesquisa, Retrato da leitura a autora
lação de Portugal. A venda de CDs, em 1997, aponta que 98% dos entrevistados possuem
chegou em 104 milhões (Suplemento Mais, em suas casas material escrito, entre eles,
Folha de São Paulo,1998). Atualmente, em livros didáticos, enciclopédias, dicionários,
função da pirataria, o volume é da ordem livros infantis, bíblias, livros sagrados e
de 79,6 milhões, 20% menor que em 2001. religiosos, livros técnicos e específicos, li-
76% do total das vendas foram de produtos vros de literatura e romances, agendas de
de artistas brasileiros. Os álbuns mais ven- telefone e endereços, calendários e folhinhas,
didos, em 2002, são Xuxa, Xuxa só para livros de receitas de cozinha, álbum de
os baixinhos 3, Rouge, Popstar, Roberto família, guias e catálogos. No entanto, no-
Carlos, Roberto Carlos 2002, Vários, O Clone tem, esta pesquisa não menciona a produção
Internacional, todos de forte apelo popular. do mercado de periódicos, fascículos e re-
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 423

vistas em circulação. Se por um lado, a autora diversificado e jovem. Os títulos mais rele-
chama a atenção para a necessidade de vantes, em termos numéricos, se encontram
ampliar o entendimento sobre a leitura no na área da arquitetura, decoração e paisagismo
universo brasileiro, integrando entre as prá- (49), informática / games (33), construção
ticas de leitura, álbuns de família, cadernetas e engenharia (29), arte, cultura e educação
de endereço etc., as pesquisas que comenta (20), entre outros. Assim, seria interessante
ignora dados sobre uma grande fonte de chamar atenção para o fato de que todas elas
prazer e leitura que são as bancas de jornal. disponibilizam, nas bancas de jornal, peri-
Não obstante, é forçoso salientar que neste ódica e sistematicamente, um conjunto de
item, em 2001, segundo o Instituto preceitos ou princípios de conduta que aju-
Verificador de Informações, 14.132.700 de dam a orientar os comportamentos de seus
revistas circularam em território nacional. leitores. É como se estas revistas ofereces-
Entre elas, as revistas relativas ao universo sem informações e conhecimentos para um
cultural feminino (feminina, adolescente, público heterogêneo, conhecimento este antes
saúde, puericultura, trabalhos manuais, modo, restrito a um universo de peritos. Poderia
horóscopo - 1.750.041), revistas relativas ao afirmar, nas categorias de Anthony Giddens
mundo dos games e infanto-juvenis A educação popular no Brasil: a cultura
(1.317.050), juntamente com as revistas de massa 13 (1991), que elas estariam ser-
destinadas ao segmento de interessados sobre vindo para publicizar, com a TV e demais
televisão e sociedade (1.288.232), destacam- produtos midiáticos, uma educação fora dos
se como as campeãs em venda. Neste sentido, eixos tradicionais, possibilitando um apren-
este mercado, embora tímido em relação a dizado, e uma circulação do saber, fora da
outros países, na maioria desenvolvidos, escola. Não obstante, para finalizar este item,
parece ser também um exemplo significativo caberia registrar que o aspecto formador e/
que expressa o crescimento de uma cultura
ou educativo de um imaginário ficcional das
de massa letrada no Brasil. Mais recentemen-
mídias não é prerrogativa da cultura brasi-
te, na década de 70, Éclea Bosi, em seu
leira. Martín-Barbero (1995) salientava, nos
clássico “Cultura de massa e cultura popu-
anos 80, que a cultura de países como
lar”, apontava que as revistas faziam parte
México, Argentina, Chile e Brasil, se cons-
do universo de leitura das operárias. Temas
tituíram a partir de uma configuração cul-
sentimentais, horóscopo, religião, moda eram
tural bastante semelhante. Isto é, os meios
os mais presentes. Seria importante ressaltar
de comunicação de massa se fazem presentes
aqui que a prática entre elas estava associada
na nossa história, construindo um cultura
à compra e a constante troca e circulação
dos exemplares. Neste sentido, é possível híbrida em que se mesclam referências da
inferir um efeito multiplicador destes núme- cultura erudita, da cultura popular e da cultura
ros. Nos últimos anos, segundo, o Anuário de massa. Este amálgama entre as culturas
Estatístico de Mídia, comercializou-se, em seria então constitutivo nas configurações
2000, 931 títulos de revistas, sendo os que latino-americanas.
mais se destacam, como foi visto anterior-
mente, são os referentes a um segmento Considerações Finais
feminino e adolescente. No entanto, é expres-
sivo, o número de 370 títulos, relativos a O objetivo deste artigo foi refletir sobre
revistas que poderiam ser qualificadas tam- a cultura de massa no contexto das preocu-
bém como paradidáticas. Ou seja, revistas pações educativas do mundo contemporâneo.
de “vulgarização” de saberes e competênci- Chamei atenção para uma nova configuração
as, conselhos, dicas de estilo de vida vari- cultural e portanto, educacional, que a so-
ados, competindo com as orientações que ciedade brasileira teve acesso ao longo de
podem e devem ser adquiridas nas escolas. sua história. Apresentando dados sobre o
Tal como verificado com a mídia televisiva crescimento da oferta de produtos da cultura
e radiofônica a produção de entretenimento de massa e a paralela demanda de informa-
impresso, via revistas especializadas, ampli- ções e entretenimento, pude observar que a
am o acesso à informação para um público produção midiática complementa há muito,
424 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

a cultura e o saber escolar. Neste sentido a cultura da instituição escolar (Béraud-


busquei as raízes da tradição da cultura Caquelin, Derivry-Plard e Langouët,2000;
midiática brasileira e registrei a forte pre- Porcher,2000). Objetivamente não temos
sença destes produtos culturais na nossa nenhuma razão para investir no antagonismo
formação, suas características paradidáticas, entre elas. Elas são bem diferentes, mas são
fortemente articuladas a um gosto popular. também, a meu ver sobretudo complemen-
Antes que a escola se universalizasse, tares. De um lado as mídias promovendo uma
antes que o saber formal tornasse referência outra maneira de apreender e produzir os
educativa para grande parte de nossa popu- objetos culturais assim como promovendo
lação, antes que a língua escrita estivesse outras modalidades de utilização destes
generalizada em todo território nacional, o produtos. Ritmo acelerado, superficialidade,
rádio, a TV e o cinema já eram velhos imediatez. Por outro, o sistema educativo
conhecidos da população brasileira. Assim é responsável por um trabalho de base, forne-
possível considerar que o imaginário ficcional cendo as condições e os meios de acesso ao
das mídias há muito mais tempo vem co- conhecimento factual e crítico. A pesquisa,
lonizando os nossos espíritos. Mais do que a reflexão, o conhecimento durável. E a escola
isso, este imaginário está mais presente no que deve desenvolver a missão de classifi-
cotidiano dos segmentos sociais brasileiros, car, hierarquizar informações e saberes sobre
sobretudo os segmentos com baixa escola- a realidade do social (Béraud-Caquelin,
ridade, do que propriamente a cultura esco- Derivry-Plard e Langouët,2000; Porcher,
lar. Não obstante esta reflexão não se carac- 2000).
teriza como uma defesa à cultura das mídias. Neste sentido, penso que para refletir
Trata-se de uma constatação. sobre a educação de hoje, no Brasil, é preciso
Esta discussão justifica-se enquanto um levar em conta a educação proposta pelas
alerta para nós educadores. Um alerta sobre mídias. E para compreender esta
a especificidade da cultura brasileira bem especificidade é necessário desarmar nossos
como para uma nova ordem sociocultural e, espíritos iluministas e propor abordagens
portanto, educativa que o Brasil construiu ao sobre os usos diferenciados que os segmen-
longo de sua história. Este artigo é um esforço tos sociais fazem ou podem fazer da cultura
de chamar atenção para a particularidade do de massa (Setton, 2004). Mais do que ig-
campo educacional atual. Creio que, antes de norar, criticar ou supervalorizar as culturas
criticar ou enaltecer as características das das mídias, seria necessário, a meu ver, apoiar
mídias, devemos promover a indispensável os pontos de convergência entre essas duas
complementariedade da cultura midiática e práticas educativas da contemporaneidade.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 425

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426 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

que os faz insensíveis aos desafios culturais que mais é de 3, 4 anos, enquanto que a urbana é
a mídia coloca, insensibilidade intensificada di- de 7 anos. Em relação à infra-estrutura, só 5,2%
ante da televisão”(Martín-Barbero,2000:23). delas possuem bibliotecas e 0,5% possuem labo-
3
Neste sentido W.Benjamim oferece uma ratório de informática, enquanto que na zona
interpretação positiva sobre o fenômeno da repro- urbana os índices são 58,6% e 27,9%, respecti-
dução das mercadorias culturais, oferecendo um vamente.
5
contraponto às análises de outros teóricos como Exlusivamente 10,6% possuem computador
Adorno e Horkheimer (1996), embora não des- e 8% usufruem de linhas telefônicas.
6
cartasse o uso ideológico do potencial tecnológico. Esta classificação foi feita à partir da pro-
4
É importante registrar que no final do século gramação oferecida pelo jornal Folha de São
XIX, Estados Unidos e França contavam com Paulo, em 11 das 12 emissoras de canal aberto
apenas 14% e 18% de analfabetos, respectivamen- (exceto a emissora 21), na última semana do mês
te. Ao contrário, o Brasil apresentava um de outubro de 2003. As categorias criadas para
percentual de 84% na condição de analfabetos a classificação são, 1 - educativas (documentários,
(Hallewell,1985;Mira, 1996). Ainda hoje, segun- educativas, entrevistas) 2- ficção (novelas, dese-
do o INEP, Instituto Nacional de Estudos e nhos, seriados, filmes, humor) 3 – informativos
Pesquisas Educacionais, a região rural brasileira (telejornais) 4 – religiosos 5 – paradidáticos, (Fica
ainda conta com 29,8% de adultos analfabetos e comigo, Note e anote etc)
7
a região urbana, 15%. A escolaridade média do Exclusivamente 10,6% possuem computa-
morador da zona rural na faixa dos 15 anos ou dor e 8% usufruem de linhas telefônicas.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 427

Crescer com a Internet: Desafios e Riscos


Neusa Baltazar1

O Projecto Educaunet exequíveis tanto em ambientes de alta


tecnologia como em ambientes de baixa
O projecto Educaunet é um programa de tecnologia.
educação crítica para o uso da Internet que
conta com a participação de sete países 2. Validação das Actividades
europeus: França, Bélgica, Reino Unido,
Dinamarca, Áustria, Grécia e Portugal e tem Numa primeira fase do projecto, foram
como objectivo ensinar os jovens e os agen- realizadas acções de validação das activida-
tes envolvidos na sua educação a utilizar a des inseridas no kit europeu. Estabelecemos
Internet de uma forma consciente, respon- colaborações com algumas escolas do con-
sável, autónoma e crítica. Para este fim, foi celho de Faro, no Algarve, que se mostraram
criado um conjunto de ferramentas pedagó- bastante interessadas e receptivas e que ti-
gicas que constitui o kit europeu. Este kit, veram um papel muito importante para o
também denominado maleta pedagógica, era, desenvolvimento do projecto.
inicialmente, único para todos os países Uma das escolas envolvidas foi a Escola
parceiros e os materiais encontravam-se em Básica de 1º Ciclo de Alto de Rodes, onde
língua francesa. Após uma fase de validação trabalhámos com uma turma de 4º ano de
das actividades existentes na maleta peda- escolaridade. Nesta escola, as actividades
gógica, a equipa portuguesa traduziu os foram adaptadas à realidade da escola e
materiais e adaptou-os ao contexto nacional, traduzidas para português pelos professores.
seguindo-se a edição dos materiais Educaunet Os alunos experimentaram as actividades no
em cada uma das línguas dos países parti- espaço da sala de aula, com o acompanha-
cipantes, ou seja, num kit nacional. mento da professora e não demonstraram
Após a primeira fase de validação dos dificuldades.
materiais e após algumas adaptações, o Uma das actividades validadas com estes
número inicial de actividades contidas na alunos foi o Teupatoa, um jogo para jovens
primeira versão da maleta pedagógica foi dos 8 aos 16 anos, em que os participantes
reduzido para doze, existindo para cada uma entram numa sala de conversação usando uma
das actividades um guião para o educador identidade falsa e tentam adivinhar as iden-
e outro para os jovens. Todas as actividades tidades dos seus colegas. Devido à falta de
estão direccionadas para os diversos usos que algumas condições da escola, a nível de
fazemos da Internet (pesquisa, conversação, software e de falta de espaço, os alunos
análise de sítios, análise de anúncios publi- dirigiram-se à Universidade do Algarve a fim
citários, etc.). Para além das actividades, de adquirir a componente prática que lhes
existe ainda um guia do educador, que tem faltava. Foi realizado um chat, conversa on-
como principal objectivo familiarizar os pais, line, com duração de cerca de uma hora em
professores e educadores em geral com as que os alunos entraram numa sala de con-
actividades e, principalmente, propor uma versação constituída apenas por elementos da
metodologia a utilizar para ajudar os seus turma, mas utilizando alcunhas. Uma vez que
educandos. Pretende-se, desta forma, que as os alunos já tinham realizado a actividade
actividades sejam acessíveis para qualquer na sala de aula e com o acompanhamento
pessoa, não sendo necessário que esta tenha da professora, tinham conhecimentos sobre
uma formação na área da informática ou das o sistema de funcionamento dos chats, e
novas tecnologias. Aliás, essa é uma das mais encontravam-se alertados para os possíveis
valias do projecto: as actividades são perigos que podem advir deste tipo de
428 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

comunicação on-line. Os alunos mostraram que os alunos jogaram com limitação de


uma grande capacidade de aprendizagem e tempo, os relatórios que elaboraram sobre as
um grande entusiasmo, sendo fortemente actividades demonstram que estas são, na sua
movidos pela curiosidade de saber quem se maioria, muito apelativas e interessantes para
encontrava atrás de cada alcunha e mantendo os jovens. Demonstraram um grande interes-
várias conversações em simultâneo. Quando se e curiosidade pela Internet, não apenas no
foi proposto um tema único de conversação que diz respeito à componente mais lúdica
no espaço comum verificou-se uma maior das actividades mas a um nível mais
concentração por parte dos alunos, pois o aprofundado, mostrando dúvidas e colocan-
facto de falar com várias pessoas sobre vários do questões sobre o tipo de páginas que
assuntos ao mesmo tempo havia gerado existem e sobre os perigos a que estão
alguma dispersão. No entanto, os alunos expostos.
mostraram-se mais interessados em falar em Tendo em consideração os relatórios
salas privadas, onde podiam desenvolver elaborados pelos alunos, podemos concluir
conversas só com um elemento, ou seja, que existe um forte interesse pelas activida-
conversas de carácter mais privado, onde des realizadas em grupo, o que demonstra
questionavam os colegas sobre a sua iden- que a Internet não é apenas um local de
tidade de forma a tentarem descobrir com isolamento, como muitas vezes é afirmado,
quem estavam a falar. A curiosidade foi o mas sim um local que privilegia a comuni-
fio condutor destas conversas, sendo o cação e fomenta o trabalho de colaboração.
objectivo descobrir quem era o outro. No Numa segunda fase de validação das
contexto em que o chat foi realizado (a actividades contidas na maleta pedagógica
conversação estava restringida a elementos final, contámos com a colaboração da Escola
de uma mesma turma) não existiam os de 1º Ciclo de Alto de Rodes, da Escola de
mesmos riscos com que as crianças se podem 1º e 2º Ciclos D. Afonso III, da Escola de
deparar num chat real em que possam co- 1º e 2º Ciclos Nº 4, da Escola Secundária
municar com desconhecidos. Todavia, os de Pinheiro e Rosa e da Escola Secundária
alunos foram alertados para os riscos que de Loulé.
existem quando se fala com estranhos, quer Em todas estas escolas a colaboração e
na Internet, quer na vida real, nomeadamen- o interesse dos professores foi muito impor-
te, quanto aos cuidados que se devem ter tante para a realização das actividades no
relativamente ao fornecimento de dados espaço da sala de aula e para a discussão
pessoais de identificação directa. sobre a Internet (quais os seus riscos, quais
Nesta mesma escola, os alunos de 2º e os seus benefícios). A nível geral, todos os
3º ano, pertencentes a um grupo etário entre alunos manifestaram um grande interesse pelo
os 7 e os 8 anos de idade, tiveram acesso uso da Internet, sendo a grande maioria
a outras actividades Educaunet e mostraram- utilizadores habituais deste media.
se muito interessados, conseguindo perceber Uma das actividades que validámos foi
as regras e os objectivos sem dificuldades. a Pesquisa na Rede, uma actividade de
A grande maioria dos alunos mostrou inte- pesquisa para jovens dos 12 aos 18 anos, que
resse não só pelos jogos mas também por tem como objectivo desenvolver capacidades
conhecer os perigos existentes na Internet. críticas para avaliar a informação recolhida
Na escola EB 2, 3 D.Afonso III desen- da Internet. Esta actividade foi realizada com
volvemos trabalho com alunos do 7º ano de duas turmas de 11º ano (faixa etária de 17
escolaridade no âmbito da disciplina de anos) em duas escolas diferentes e os resul-
francês. Desta forma, criou-se uma tados obtidos foram bastante desiguais. Na
interdisciplinaridade que permitiu aos alunos Escola Secundária de Loulé, a grande mai-
aprender francês, adquirindo simultaneamente oria dos alunos não tinha computador com
conhecimentos sobre a Internet. Os alunos ligação à Internet em casa e nunca tinha
tiveram acesso aos materiais Educaunet e efectuado uma pesquisa on-line, mostrando,
experimentaram, numa primeira fase, alguns por isso, muitas dúvidas e questões. Na Escola
jogos da maleta pedagógica. Apesar de esta Secundaria de Pinheiro e Rosa de Faro, todos
ter sido apenas uma primeira experiência em os alunos tinham computadores com ligação
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 429

à Internet em casa e já tinham realizado estes jovens estavam a estudar também os


pesquisas on-line por interesses pessoais ou riscos da Internet, nomeadamente no que diz
escolares e não mostraram qualquer tipo de respeito à credibilidade da informação e à
dificuldades. Partindo da análise destes dois contextualização adequada dessa informação.
exemplos, e tendo em conta que o contexto Um dos problemas da sociedade de infor-
tecnológico português é muito variado, mação é precisamente o da credibilidade da
podemos concluir que existiu um processo informação, e das suas fontes, que encon-
de descoberta e aprendizagem no caso da tramos disponível na Internet. A quantidade
primeira turma e um processo de aprofun- de informação on-line é tão vasta que se torna,
damento de conhecimentos no caso da se- muitas vezes, um problema seleccionar a
gunda. A nível geral, pudemos observar que informação que nos interessa e que tem
grande parte dos jovens, apesar de estar fundamento. Como em muitos outros casos,
familiarizado com a Internet e habituado a a fonte é de grande importância para poder-
fazer uma utilização quotidiana deste meio mos confiar ou não num sítio. Há sítios de
de comunicação, tem tendência a ignorar e referência que já nos habituaram à sua
minimizar os riscos a que está exposta quando qualidade e já deram provas da sua credi-
utiliza este media. bilidade. No entanto, nem sempre encontra-
Outra das actividades realizadas, o Comér- mos toda a informação que precisamos nos
cio Electrónico, destinada a jovens dos 14 aos sítios que já conhecemos como credíveis. A
16 anos, que tem como objectivo desenvolver informação que encontramos na Internet é
as suas capacidades para se tornarem consu- muito vasta e, na maior parte dos casos, a
midores críticos na Internet, ilustrou claramen- quantidade ganha em relação à qualidade. O
te as incertezas que a maior parte dos mais importante é que o utilizador esteja
utilizadores sente relativamente a esta prática, atento e consciente e tenha um espírito crítico,
cada vez mais importante nos nossos dias. A preocupando-se em averiguar a qualidade dos
grande maioria dos jovens nunca tinha feito conteúdos e não aceitando toda a informação
compras através da Internet e todos conside- que lhe surge, especialmente quando tem
ravam que, apesar de esta actividade ser muito dificuldades de contextualização dessa mes-
prática e as suas mais valias serem reconhe- ma informação.
cidas, os riscos que lhe estão associados são O tema da credibilidade da informação on-
muito grandes (por exemplo, as fraudes re- line é alvo de alguma controvérsia e tema de
lacionadas com os cartões de crédito). Ob- muitos debates recentes, como por exemplo,
servámos que existia uma grande falta de durante as primeiras Jornadas da Comunicação
informação e, consequentemente, uma inca- da Universidade do Algarve, que contaram com
pacidade de analisar de forma crítica uma a presença de Thierry de Smedt e Vitor Reia-
página de comércio electrónico. Baptista, que apresentaram o Projecto
Num outro tipo de abordagem, os alunos Educaunet, e José Pedro Castanheira, jornalista
do 3º ano do curso de Ciências da Comu- do Expresso que chamou a atenção para os
nicação da Universidade do Algarve realiza- problemas de credibilidade do jornalismo on-
ram também um estudo no âmbito da dis- line e de outras formas electrónicas de infor-
ciplina de Estudos Culturais que se encon- mação e de opinião, tais como os comentários
trou de alguma forma ligado ao projecto aos artigos publicados em directo.
Educaunet. O objectivo deste estudo relaci- Para além das escolas, o projecto
onava-se com a pesquisa e organização da Educaunet conta também com a colaboração
informação disponível na Internet. A disci- da Associação de Pais, a FAPEEFA, que se
plina aborda temas de identidades culturais disponibilizou e mostrou um grande interes-
diferentes e distantes da identidade cultural se por esta iniciativa, tendo sido realizadas
dos alunos. O caso de estudo foi a cantora algumas acções de formação com a Asso-
Catherine Ribeiro, uma luso-descendente que ciação de Pais de Faro e com a Associação
nasceu e vive em França onde se notabilizou de Pais de Lagos, no Algarve.
como autora e intérprete da canção francesa Neste contexto, as técnicas da Equipa de
de intervenção. Este estudo relacionava-se Animação do Sector Infanto-Juvenil da
com o projecto Educaunet na medida em que Biblioteca Municipal de Faro, analisaram as
430 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

actividades da maleta pedagógica e classi- nologias não significa que estas estejam
ficaram-nas como lúdicas e pedagógicas, na conscientes dos perigos que existem na
medida em que permitem que o acesso à Internet e dos riscos que correm. Aliás, elas
informação e a aprendizagem se realizem de podem muitas vezes estar expostas aos
forma divertida. perigos sem os reconhecerem. De acordo com
No entanto, os pais que participaram na Thierry De Smedt (2003), os jovens têm
análise da maleta pedagógica não tiveram tendência a não atribuir importância aos
uma opinião tão positiva como a das técnicas riscos, considerando-os sempre afastados da
da Equipa de Animação. Segundo os pais, sua própria realidade. O facto de os
o objectivo do programa e a metodologia são utilizadores da Internet se encontrarem,
muito importantes, na medida em que existe muitas vezes, num contexto familiar (em casa
uma preocupação por preparar os jovens para ou na escola) enquanto navegam na Internet,
os riscos que existem, tanto na Internet como faz com que tenham tendência a sentir-se
no mundo real. Contudo, sentem alguma confortáveis, protegidos e despreocupados.
renitência, pois consideram que a curiosida- Por isso, os educadores têm um papel cen-
de move os jovens e estes facilmente esque- tral: aconselhar, alertar e, especialmente,
cerão o que lhes foi ensinado. dialogar com os jovens sobre os perigos que
existem na Internet, tal como os devem
3. O papel do educador aconselhar sobre os perigos que existem nas
suas vidas quotidianas e que devem evitar.
Se tivermos em consideração que os A própria partilha de experiências pode
jovens passam a maior parte do seu tempo permitir aos utilizadores mais experientes
com os educadores e com os pais, o empe- ajudar os menos experientes. O que acontece
nho destes deve ser encarado como uma parte grande parte das vezes é que os utilizadores
fundamental no apoio ao ensino para o uso mais experientes não são os pais ou profes-
da Internet. sores mas sim os mais jovens. Todavia, os
De acordo com um estudo sobre os jovens educadores não deveriam sentir-se inibidos
e as novas tecnologias, realizado por Paulo por este facto, pois ele não significa que não
Ferreira, Ricardo Mendes e Inês Pereira possam ajudar os mais jovens. Antes pelo
(2001), é em casa e na escola que os jovens contrário, visto que grande parte dos jovens
mais consultam e utilizam as novas tecno- não tem consciência dos riscos a que está
logias, nomeadamente a Internet, o que exposto quando navega na Internet.
reforça a ideia de que os pais e os profes- As tecnologias de filtro e/ou a proibição
sores têm um papel fulcral no auxílio e na de aceder à Internet não será a solução para
educação dos jovens para uma utilização mais os problemas que se colocam. De acordo com
correcta deste meio de comunicação. Núria Quintana (2001), os educadores devem
O facto de existir um adulto presente que familiarizar-se com a Internet e acompanhar
possa ajudar, explicar e alertar é fundamen- os jovens nas suas navegações, falando
tal e pode marcar a diferença. O facto é que, abertamente com eles e dando-lhes conselhos.
muitas vezes os pais não se sentem tão à É essencial que os utilizadores aprendam as
vontade na Internet como os seus filhos pois regras básicas de utilização da Internet, que
não estão familiarizados com esta, enquanto estejam elucidados quanto ao tipo de páginas
as crianças rapidamente se adaptam e apren- existentes e à funcionalidade destas, de forma
dem a trabalhar com as novas tecnologias. a conseguirem identificar sozinhos o que lhes
Como defende Seymour Papert (1997), a interessa e o que não lhes interessa. Visto
maioria dos pais sente-se muito orgulhosa em que os jovens aprendem facilmente a traba-
relação à facilidade de aprendizagem dos seus lhar com a Internet, a melhor opção é falar
filhos face à Internet, mas muitos sentem- abertamente com eles sobre o que existe na
se também alienados dessa realidade que eles rede e o que poderão encontrar. É importante
próprios desconhecem. educar para uma utilização positiva da
No entanto, o facto de as crianças Internet e criar uma consciência dos riscos
mostrarem uma tão grande facilidade de que existem para que estes possam ser
aprendizagem no que respeita às novas tec- evitados. A prevenção deve ser uma aposta
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 431

dos educadores. De acordo com Seymour potencialidades disponibilizadas pela Internet,


Papert (1997) as novas tecnologias podem evitando ao mesmo tempo os seus perigos.
ter um papel positivo ou negativo, depen- A Internet é um meio de comunicação
dendo da forma como são utilizadas. Assim, em constante expansão e transformação, cujo
um utilizador consciente que conheça os futuro é difícil de prever. É fundamental
riscos terá muitas mais hipóteses de fazer uma apostar na educação para uma utilização
utilização positiva da Internet. É com este consciente, autónoma e crítica deste media,
objectivo que se pretende ensinar os jovens pois só assim conseguiremos aproveitar todos
a “ler” os media de forma crítica. Só assim os recursos que esta nos disponibiliza de uma
conseguirão aproveitar todas as forma mais benéfica.
432 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 433

A rádio de modelo multimediático e os jovens:


a convergência entre o FM e a Internet nas rádios nacionais
Paula Cordeiro1

A mudança nas rádios, e da rádio enquan- cidades do país – Lisboa, Porto e Coimbra.
to meio, é um fenómeno que se verifica desde A Cidade FM acompanha, e acrescenta fre-
que a rádio enveredou, de forma irreversível, quências para as regiões do Alentejo, Ribatejo
por um esquema de negócio mais profissi- e Algarve. A única verdadeiramente nacio-
onal, baseado em técnicas modernas de gestão nal, operando igualmente este escalão etário,
e de marketing. Estas mudanças estão ainda é o canal jovem do Estado – Antena 3, com
em desenvolvimento, com um necessário frequências distribuídas por todo o território.
esforço de comunicação das estações, para Lisboa é a cidade onde estes projectos
se aproximarem cada vez mais dos «seus» nasceram e se têm afirmado, ao mesmo tempo
ouvintes. No momento actual, a tendência da que se desenvolvem outros projectos locais,
rádio vai no sentido da segmentação dos também de carácter musical especializado, e
ouvintes por escalões etários e classes so- que contribuem para o dinamismo deste
ciais, mais do que grupos de interesses, conjunto de estações de rádio.
resultando na especialização das rádios em Focalizando esta abordagem num ambien-
torno de géneros musicais. Ao contrário da te urbano, centrado na capital, encontramos
maior parte dos países que nos servem de para análise não só as estações já referidas,
exemplo, Portugal tem um universo de como quatro outras: Mix FM, Oxigénio, Voxx
ouvintes bastante mais pequeno, razão pela e Radar, completam o cenário das rádios
qual a proliferação de rádios temáticas não desenvolvidas a pensar no segmento jovem
tem sustentabilidade económica2. da população da região metropolitana de
A tematização ainda não se verifica - será Lisboa. Na rádio, como em todos os domínios
talvez, o próximo passo -, função também da comunicação, os jovens são um segmento
da legislação que dividiu as rádios em dois ao qual se devem dirigir formas e conteúdos
parâmetros: musicais e informativas, sendo de comunicação específicos. No sector priva-
que as musicais, ainda que se assumam como do, a rádio está a ser encarada como entrete-
rádios temáticas, estão obrigadas a uma nimento, numa perspectiva mais técnica e
informação de carácter generalista. É por essa menos artística, deixando as outras funções
razão que o nosso espectro radiofónico tem para o Serviço Público. O objectivo é ter
poucas rádios temáticas, tendo começado cada vez mais ouvintes, apresentando um
apenas há pouco tempo, a desenvolver es- produto que justifique o investimento publi-
tratégias de especialização musical, mas que citário e proporcione um bom retorno finan-
apresentam outros conteúdos de carácter ceiro. Quais são então, os desafios da rádio
generalista, como a informação noticiosa. para este segmento da população? Que tipo
No segmento da população mais jovem, de programação apresentam as rádios em FM
existem em Portugal, três estações de rádio para os jovens? Se a Internet é um dos meios
privadas, claramente dirigidas ao target 14 de comunicação mais utilizado pelos jovens,
– 25 anos, e com uma especialização mu- qual a utilização que estas rádios fazem deste
sical em torno de diferentes quadrantes canal? Como são os websites das rádios jovens
musicais. A classificação faz-se em função na Internet?
da capacidade dos seus emissores. Para este
segmento, temos rádios nacionais e regio- As rádios jovens em Lisboa: breve carac-
nais (Antena 3); cadeias de rádios (Best Rock terização
FM, Mega FM, Rádio Cidade e Voxx) e rádios
locais (Mix FM, Oxigénio e Radar). A Mega Com uma história que ultrapassa os
FM e Best Rock FM, ainda que não sejam setenta anos de vida, a Rádio Renascença tem
nacionais, transmitem para as três principais acompanhado a evolução da sociedade,
434 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

adaptando-se com alguma habilidade aos O lançamento deu-se a nível local, com
novos cenários da comunicação. Os seus três emissões para as cidades de Lisboa e Porto,
canais, sustentados numa comunicação dis- estando o projecto delineado para um for-
tinta, apresentam uma programação de ca- mato nacional. A BRFM assume um estilo
rácter generalista, orientada em função do de comunicação marcado por uma postura
público que domina as audiências de cada moderna e irreverente. Criada para recupe-
canal. Na década de 90, o grupo Renascença rar os ouvintes deixados por esta estação,
lançou um novo canal, generalista, dedicado conquistar outros que se encontravam
a um público jovem e urbano. A RFM dispersos, e concorrer directamente no mesmo
cresceu, e com ela o seu público, razão target com outras estações jovens.
principal para a criação, em 1998, de uma A transferência do formato da rádio
nova estação - Mega FM -, para acompanhar Comercial para a Best Rock FM, deixou
os gostos dos estudantes do ensino secun- Portugal temporariamente sem uma rádio rock
dário e superior. O seu target é constituído à escala nacional, concentrando esses pro-
por estudantes da grande Lisboa, entre os 15- jectos na capital, com extensão, em alguns
24 anos e as suas emissões são ocupadas com casos, para a cidade do Porto (Best Rock FM,
música, locução dinâmica, pouca publicida- Mega FM) e Coimbra (Mega FM). A Best
de e notícias sobre música. Muito embora Rock FM é uma rádio formatada, com uma
o seu formato musical se apresente genera- playlist de rock contemporâneo, dirigida ao
lista, sem assumir um género musical espe- target 18-26 anos. A programação «herdou»
cífico, os jingles de promoção da estação «a alguns dos programas mais importantes que
tua música - o novo rock», assumem uma faziam parte da lista da Comercial. A «Hora
estratégia que procura de forma muito clara, do Lobo», um programa de cunho alterna-
ir ao encontro de uma geração mais nova, tivo é um dos exemplos, assim como o
com gostos musicais ainda em definição3, mas «Programa da Manhã» que, nesta nova
que se baseia no género rock. estação, pode ter um potencial maior, ar-
A Mega assume-se como uma estação riscando em termos de linguagem, aborda-
católica jovem, concorrendo no espectro gem temática e musical. Criada no ímpeto
radiofónico com espaço ocupado por outras das rádios piratas, a rádio Cidade foi o ano
estações direccionadas ao mesmo público. A passado objecto de reformulação.
diferença é que na Mega há uma clara Ao longo dos seus dezassete anos, a Rádio
preocupação com a música e a linguagem, Cidade foi um projecto que marcou o meio
no respeito dos valores fundamentais da rádio. O sotaque brasileiro, o ritmo de
pessoa ao nível humano e religioso. A Mega animação, a produção, a sonoplastia, a cri-
FM não pode definir-se como uma estação atividade, a alegria, os eventos e a
de rádio com conteúdos especializados, mas irreverência em antena, foram alguns dos
uma estação dirigida a um público determi- aspectos definiram o projecto. Deixou a
nado, incluída num conjunto de rádios com inspiração brasileira e assumiu-se como
targets muito bem definidos. Cidade FM, uma estação moderna e com
O ano de 1998 introduziu a novidade no emissões dinâmicas de música comercial. No
panorama radiofónico nacional, com o res- seu segmento, actuam a Mega FM e a Best
surgimento da rádio Comercial e a Rock FM que usam como argumento o rock.
profissionalização no esquema de exploração A Cidade FM apostou em animadores ex-
comercial do meio. Com uma estratégia perientes para dar voz à estação, usando a
definida no sentido da formatação dos pro- música pop como quadrante diferenciador das
jectos para chegar a públicos bem definidos, suas directas ameaças, cativando especialmen-
a Media Capital Rádio deu início a um te o público feminino.
processo de reformulações que agitaram o No campo das rádios privadas, destaca-
mercado da rádio. As duas novidades recen- mos outras estações que, actuando ainda num
tes foram a criação de uma nova estação, segmento jovem, têm uma selecção musical
Best Rock FM e a mudança do perfil da rádio e uma postura alternativa. Mix FM, Voxx,
Comercial. Oxigénio e Radar, são rádios locais que
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 435

emitem apenas para a região de Lisboa. A segredo – o da comunicação e da capacidade


Mix FM é um exemplo de rádio musical com de selecção. É um Radar ligado para o público
dedicação exclusiva à música de dança. A com saudades do «lado B» do microfone, uma
ideia esteve em embrião até 1999, altura em rádio de playlists com respeito por melodias
que, depois de estudos de mercado compro- esquecidas ou menos conhecidas.
varem a viabilidade do projecto, foi criada A RDP – Radiodifusão Portuguesa –
a rádio de rhythmdance. Esta estação, inclu- entidade responsável pelo serviço público de
ída no grupo MCR, assume a sua estratégia rádio no nosso país, tem uma oferta comu-
empresarial de procura de rentabilidade atra- nicativa que vai no sentido do pluralismo e
vés da fórmula que combina o sucesso, com da independência, com espaços consagrados
audiências que permitam o lucro. para todos os sectores da sociedade. Numa
Na Mix, a música é a mesma que se ouve tentativa de ir ao encontro das necessidades
à noite, nos principais bares e discotecas, para do público mais jovem, a Antena 3 apresen-
pessoas entre os 18 e os 34 anos, urbanas ta-se como o terceiro canal da RDP. Criada
e que gostam de se divertir. A programação em 1994, impôs-se de imediato no éter,
tem um formato baseado numa playlist, mas constituindo o seu público a partir da trans-
com espaço para notícias e uma comunica- ferência de ouvintes dos outros canais no
ção descontraída e pouco formal, assente mesmo espaço concorrencial. Na actualida-
numa plástica sonora muito agradável. No de, a grelha de programas aposta na música
contexto de evolução da rádio, têm vindo nova e incide especialmente sobre música
desenvolver-se projectos com uma filosofia portuguesa, posicionando-se no mercado da
muito própria. Se por um lado, a grande rádio como uma estação essencialmente
maioria das rádios aposta num formato que jovem e com forte carácter nacional. A
regula toda a emissão, através de uma playlist estrutura de programação do canal jovem da
com temas organizados, frases pré-definidas, RDP destaca-se pela sua abrangência e por
jingles e publicidade estruturada em função programas com que as suas mais directas
de critérios comerciais, ainda existem espa- concorrentes não apresentam.
ços no éter que deixam expressar o «ser» Os programas de autor seguem uma lógica
de cada locutor. horária e de alternativa aos espaços de playlist
A rádio Voxx nasceu das cinzas da extinta a que alguns horários da programação estão
XFM, para procurar ressuscitar a chama do sujeitos, servindo públicos minoritários. Em
universo radiofónico, através de um conjun- resumo, a generalidade das estações de rádio
to de programas essencialmente musicais, mas jovens integram operadores privados e po-
que deixam espaço para apresentar coisas dem repartir-se por dois grupos principais.
novas, inovando no estilo e no conteúdo de A Rádio Renascença dirige a Mega FM; a
cada momento da emissão. «A melhor música Media Capital Rádio, detém a Best Rock,
cá do prédio» é um som distinto, que não Cidade e Mix FM. Há ainda um conjunto
se verga às ditaduras comerciais das grandes de estações de menor dimensão, propriedade
audiências. O direito à diferença manifesta- da Lusocanal, que concorrem para o desenho
se também nos programas que invadem o éter concorrencial em Lisboa. São elas a Oxigé-
da Voxx, e provam que nem só de música nio, a Radar e a Marginal. O panorama
vive a rádio. completa-se com a enunciação de uma rádio
A Oxigénio apresenta «música para res- também ela privada, mas independente de
pirar», optando por explorar sub-géneros qualquer grupo de rádios, a Voxx, e o
musicais ligados ao drum’n’bass e temas operador público, com a Antena 3.
remisturados, numa interessante estética No seu conjunto, podemos verificar que
sonora de identificação da estação, com uma embora não se assumam como rádios
postura despretenciosa ao microfone, infor- temáticas, todas estas estações se definem
mação noticiosa à hora certa, rubricas e peculiarmente em termos musiciais e de estilo
programas temáticos que exploram o univer- de programação/animação, considerando não
so musical da estação. O projecto Radar só o factor idade, como os interesses que cada
surgiu como uma frequência alternativa que grupo de jovens tem. A especialização musical
rejeita o snobismo, mas que sabe manter um é mais concreta nas rádios de menor dimen-
436 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

são, mas mais anunciada nas estações com um processo de tematização, tornando-se
maior potência e abrangência de frequência. segmentadas pela idade e especializadas no
Estas, constroem a sua identidade não só com género musical, para dividir os ouvintes, sem
base na playlist que dá a personalidade à contudo, colocarem definitivamente de lado,
estação, como numa estratégia de comuni- franjas da audiência geral que podem iden-
cação para ganhar notoriedade e visibilidade. tificar-se com a estação, apesar da idade não
Algumas estações de rádio promovem-se corresponder aos critérios definidos.
no sentido de criação duma garantia para o Os noticiários têm um tratamento infor-
ouvinte, de um nível determinado de mativo superficial, apresentando os factos
performance e, embora muito próximas, duas nacionais e internacionais de relevo, e dando,
estações podem parecer distintas, quando em alguns casos, destaque a temas ligados
baseadas na diferença de significado veicu- à juventude ou que de alguma forma possam
lada pela sua imagem de marca. A publici- contribuir para a sua formação e educação.
dade, especialmente nos jornais e outdoors, No seu todo, e particularmente nas rádios de
sempre existiu para as estações com maior menor dimensão, a informação está intima-
potencial económico, mas hoje, as fórmulas mente ligada à música, acontecimentos ar-
de promoção e publicidade vão mais longe. tísticos e culturais, com algumas rubricas que
Muito especificamente, a Media Capital enchem a programação e quebram a rotina
Rádio tem estações de rádio absolutamente musical.
diferenciadas, complementares e com iden- Os passatempos são outro elemento
tidades próprias que as faz distinguir da comum nas estações em análise. Assumem-
concorrência e diferenciar entre si. Essa se como uma forma de fidelização dos
diferenciação vai ao ponto de se tornar quase ouvintes e de conquista de audiências para
imperceptível o grupo económico ao qual a estação. A tendência vai no sentido de
pertencem, pela quase inexistente referência oferecer prémios interessantes, prolongando
à imagem institucional, sobrepondo-se uma o passatempo ao longo da emissão e dos dias
forte comunicação no sentido da criação de da semana, apresentando intercaladamente,
uma imagem de marca para cada estação de dados e informações úteis para concretizar
rádio. o prémio e assim, manter os ouvintes sin-
Tem sido feita uma gestão de marketing tonizados mais tempo.
cuidada seguindo uma estratégia de cross A ligação ao ouvinte faz-se, na genera-
promotion que, no caso das rádios em ques- lidade dos casos, com longas sequências
tão, apresenta acções de publicidade na musicais. A antena abre-se pouco à opinião
televisão e revistas do grupo, para o desen- dos ouvintes. Resume-se muitas vezes à
volvimento de uma imagem de marca para, possibilidade de apresentarem um tema
a longo prazo, fidelizar ouvintes/ consumi- musical, em programas específicos. A
dores. Nestas rádios, a música assume-se interactividade baseia-se nas novas tecnolo-
como principal argumento, sendo o critério gias, usando o website da estação como
de selecção musical dentro do género ou promotor da participação dos ouvintes na
subgénero, o factor de diferenciação entre as selecção musical (votação dos temas musi-
estações. A estrutura de programação destas cais), na participação em passatempos (SMS,
estações procura ir ao encontro dos interes- correio electrónico), na troca de opiniões entre
ses do segmento ao qual se dirigem, tendo ouvintes (fóruns e salas de conversação), nas
em consideração que, dentro do mesmo sondagens (poll), e na troca de mensagens
escalão etário, os jovens se dividem por com os animadores da estação (correio elec-
grupos de interesse-identificação, sendo por trónico).
isso, necessário categorizá-los em função dos Assumindo a sua vertente comercial e de
temas e artistas que cada grupo prefere. entretenimento, as rádios jovens privadas
Considerando que o mercado radiofónico em deixam ao serviço público o cumprimento das
Portugal é relativamente pequeno, e que esta outras funções da rádio enquanto meio de
geração faz da Internet um potente aliado para comunicação. A Antena 3, procura de forma
o alargamento do seu universo musical, as assumida, promover o serviço público de
estações em causa não everedaram ainda por rádio, mas falta-lhe uma aposta séria na
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 437

divulgação da cultura jovem, que se afaste rádio, como no facto das estações de rádio
da espiral promocional em que as estações Voxx, Oxigénio e Radar, não estarem ainda
se vêm envolvendo. Ao ouvirmos a Antena presentes na web4. A estratégia para desen-
3, encontramos o mesmo tipo de promoção, volvimento do website depende dos objec-
ao mesmo tipo de eventos e produtos cul- tivos que a estação emissora tem para o meio
turais que nas estações comerciais. De facto, Internet. Nos casos em análise, estão orga-
a RDP não proporciona (pelo menos para o nizados como um meio distinto, em con-
território nacional) um serviço público efec- formidade com a rádio que lhe deu origem,
tivo para a população portuguesa. É um facto representando o que se passa em antena e
que a Antena 3 cumpre parte das suas fun- acrescentando conteúdos que não existem no
ções, assentando numa programação de di- formato «on-air».
vulgação musical, mas falha por procurar O formato FM procura fazer a ponte
continuamente conquistar mais audiências, entre a comunicação áudio e o website da
num estilo que pouco se distingue das rádios estação, apelando à visita, pela sugestão e
privadas dirigidas às camadas mais jovens. referência a conteúdos exclusivos, pela re-
ferência a passatempos, e pela solicitação de
O modelo multimediático de rádio e as mensagens via correio electrónico que se
rádios jovens na web assume como o principal meio de contacto
entre ouvintes e animadores da estação. Estas
A rádio vive neste momento um processo páginas são um vínculo entre o ouvinte e a
de transformação extensivo e com consequên- estação, com informação de carácter
cias maiores do que as primeiras grandes institucional e organizacional, ao mesmo
mudanças que enfrentou, quando apareceram tempo que agregam dados sobre a progra-
os transístores, ou quando passou a emitir mação e informações de todo o género. No
em Frequência Modulada. A digitalização geral, os websites visitados reflectem a
abrange quase todas as tecnologias e proces- personalidade da própria estação, com um
sos técnicos. Multiplicam-se os canais dos design que as caracteriza inequivocamente.
diferentes meios de comunicação que, na rede,
apesar de manterem os traços distintivos http://www.cidadefm.iol.pt
originais, reúnem formas flexíveis e multimé-
dia, inerentes ao sistema digital. A Cidade FM tem um website que re-
Em conjunto com a automatização e a flecte a identidade da estação, com um
compressão de sinal, tornam-se mudanças grafismo apelativo, jovem e moderno. Pro-
fundamentais que abrangem os processos de cura ser original, independentemente da
produção, emissão e recepção da rádio, navegabilidade e facilidade de utilização. A
chegando ao ponto de alterar a natureza do página de entrada recorre a gráficos e
conceito, quando a rádio é transposta para animações, faz uso da cor e das possibili-
um novo suporte que permite a combinação dades multimédia da Internet para apresentar
das características da rádio com elementos o menu de conteúdos. Nesta primeira página
multimédia, numa plataforma de convergên- estão o ícone para escuta da emissão em
cia mediática. O modelo multimediático directo, os passatempos em destaque, um
caracteriza-se por uma utilização da Internet scroll com o tema e o artista que está a tocar
enquanto suporte adicional para as estações e outro com as mensagens enviadas por SMS
de rádio, para emissão e apresentação de para a estação. Estão também as principais
conteúdos. notícias e acontecimentos em agenda. No
A consulta e análise efectuada aos campo da interactividade, há uma página para
websites das estações jovens, levou-nos a conversação em tempo real, um fórum de
concluir que este está a ser utilizado como discussão e outra para registar o feedback
uma estrutura de difusão paralela, apresen- dos ouvintes, relativo aos vários aspectos da
tando serviços e conteúdos distintos dos estação emissora.
existentes na emissão radiofónica em FM. A A Cidade FM é uma estação orientada
selecção dos websites a analisar baseou-se para o entretenimento e no website há di-
tanto no critério «medidas de audiência» de versos componentes para distrair o utilizador,
438 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

como testes de compatibilidade amorosa e tica e cultural para os ouvintes que queiram
outros dados relativos aos signos do Zodí- saber algo mais sobre a estação, fidelizando-
aco. Apesar de apresentar conteúdos com os para integrarem este «Mega» universo.
relevância para o seu público e corresponder Contudo, este website procura ultrapassar o
aos principais aspectos da estação, no geral, esquema de rádio companhia, para enveredar
o website da Cidade resume-se a cumprir as por um caminho de rádio serviço, nomeada-
funções de promoção e complementaridade mente pela oferta de informações de trânsito
e pela subscrição da newsletter electrónica que
http://www.mega.fm permite receber as novidades da estação na
caixa de correio individual, mantendo a es-
A Mega FM renovou há pouco tempo a tação em contacto com os vários segmentos
sua presença na web, com um conjunto de de ouvintes/utilizadores. Os verdadeiros ad-
páginas que reflectem a cultura tecnológica miradores da estação podem inclusivamente
e as modernas tendências de grafismo e fazer o download de wallpapers exclusivos
desenho de websites. A página de entrada da Mega, uma tentativa para que a estação
disponibiliza os principais conteúdos da esteja sempre presente, a cada vez que se liga
estação, os destaques e frequências para cada o computador.
cidade com emissão em FM. Há também um
link para a escuta da emissão em directo, um http://www.bestrock.iol.pt
scroll com o nome da música e do artista
que está a tocar e estão disponíveis infor- O website da Best Rock tem uma apre-
mações do estado do tempo e do trânsito. sentação gráfica estimulante, com os conteú-
O menu de conteúdos está sempre disponí- dos organizados de forma acessível. Corres-
vel, facilitando a navegação pelo site. Existe ponde às principais características (escuta on-
um link para o programa da manhã (há line; informação sobre o nome da música e
igualmente várias referências a este progra- do artista que está a tocar; informações sobre
ma em todo o website) e para o principal a programação, música da estação; notícias
passatempo deste programa. Estão disponí- de música; tops e passatempos), e oferece
veis nesta primeira página links para o top vantagens adicionais, como a possibilidade
de músicas, votações (sondagens e top de participar nos passatempos a decorrer e
musical), divulgação de acontecimentos (da pesquisar os temas musicais músicas que
responsabilidade dos utilizadores), artistas em tocam ou já tocaram, assim como uma
destaque, notícias do mundo da música e listagem dos artistas rock.
contactos da estação, são alguns dos aspec- A possibilidade de «espreitar» aqueles que
tos no menu e na página de entrada da Mega. fazem a rádio é um dos aspectos do menu
As «Karas» da estação também estão principal. Cada espaço de emissão tem uma
presentes, numa página com as fotografias página, com informações sobre as pessoas
e as principais características dos animado- por trás da voz. O site disponibiliza as
res. Mas ao contrário da maior parte das frequências da estação para as diferentes
páginas das outras estações, a interactividade cidades do país e na página inicial há links
não é estimulada pela facilidade de acesso para alguns programas específicos, como o
ao endereço de correio electrónico de cada «Homem que Mordeu o Cão» ou a «a Hora
uma das figuras desta galeria. Facto que aliás, do Lobo», que no site tem um espaço para
é comum às restantes páginas, apresentando a recepção de maquetes para avaliação pelo
apenas o contacto institucional e o endereço responsável do programa. A interactividade
de correio electrónico geral. é estimulada pela facilidade de acesso ao
Assume-se claramente como estação endereço de correio electrónico de cada um
musical, procurando reflectir no website os dos radialistas, e pela sala de conversação
principais aspectos desenvolvidos em ante- que se apresenta como uma das formas mais
na. Está muito virado para o aspecto pro- fáceis e rápidas de interagir com a antena
mocional que a Net proporciona às estações da rádio e os restantes ouvintes.
de rádio, procurando o seu desenvolvimento A fidelização dos utilizadores é um
enquanto fonte de informação musical, artís- aspecto cada vez mais importante para as
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 439

estações de rádio, face à diversidade de na música portuguesa, falta no website uma


websites deste género. O programa de página dedicada à música da Antena 3, com
fidelização dos ouvintes/utilizadores na Best a listagem dos temas que tocam e referên-
passa pelo registo, para acesso a conteúdos cias ao essencial dos artistas e das bandas
específicos e exclusivos, implicando o regis- (especialmente as portuguesas) que encon-
to como utilizador do iol.pt, um dos grandes trariam neste website, um veículo para se
portais nacionais, favorecendo a utilização darem a conhecer ao público. A possibilida-
(quando permitida) das informações para de de acrescentar imagens, excertos de
acções de publicidade, marketing e promo- músicas e links para os websites das bandas,
ção, reforçando a estratégia de cross tornaria este espaço num dos mais impor-
promotion entre os meios deste grupo de tantes da Antena 3.
comunicação.
Conclusão
http://www.antena3.na3.pt
O futuro da rádio passa pela fragmen-
Tal como as restantes páginas da RDP, tação, tanto em termos de conteúdos como
a da Antena 3 pouco ultrapassa as caracte- em termos de estilo. A variedade de campos
rísticas de uma «montra» da estação. É no de actuação desta tendência de especializa-
entanto, a estação com o site mais dinâmico ção é extremamente ampla, podendo resultar
e rico em conteúdos, merecendo um ende- no desenvolvimento de canais com os mais
reço próprio que não obriga a passar pela diversos conteúdos. O desenvolvimento das
página inicial da RDP. A página de entrada, rádios especializadas decorre no sentido da
com notícias de música sempre actualizadas, promoção de um conjunto de estações com
é a porta para outras páginas com música, conteúdos exclusivos, nas vertentes da infor-
cinema e passatempos, com informação mação, música, cultura ou educação, para
desenvolvida sobre as temáticas em questão. atender a públicos específicos e que resulta
Os destaques da estação dizem respeito de um processo de profissionalização da
às músicas mais ouvidas e às mais votadas rádio, baseado na adopção de critérios es-
pelos ouvintes. Há também um espaço de truturais designados a partir do desenvolvi-
passatempos, com a descrição, prazos e mento de estudos de mercado.
endereços para onde devem ser enviadas as A segmentação do público, resultado da
participações, num processo de sua subdivisão em função de interesses par-
complementaridade ao que é anunciado pelos ticulares, incrementa a especialização da
locutores na rádio. Estão disponíveis para programação das rádios. As estações emisso-
ouvir as últimas edições de algumas rubricas ras procuram oferecer um produto que vá ao
e o «Netzine», um magazine de informação encontro desses interesses, criando formatos
exclusivo para a Net ao qual se fazem de acordo com as necessidades de programa-
constantes referências na rádio em FM. ção alternativa que decorrem da pluralidade
A programação e o mapa das frequências de estilos de vida, grupos sociais, gostos e
também são apresentados, bem como uma expectativas do público, estendendo o seu raio
extensa lista de links sobre vários aspectos de acção para a Internet. Neste novo suporte,
ligados à música. No capítulo interactividade, as principais estações procuram não só apre-
a Antena 3 suplanta todas as outras estações sentar um reflexo da estação, como desenvol-
observadas no grupo RDP e equipara-se às ver de conteúdos adicionais.
estações comerciais aqui apresentadas. Os A forte implantação da Net no escalão
contactos electrónicos da equipa da estação etário em referência revela que há igualmen-
estão disponíveis assim como uma sala de te a possibilidade de cada vez mais jovens
chat, que põe em contacto os visitantes deste escutarem a sua rádio preferida através da
site. A personalização da informação e do Internet. Esta será uma audiência que pro-
acesso ao site não é assegurada, muito embora cura também a designação do nome da música
esteja disponível uma newsletter, para re- e do artista que está a tocar, a possibilidade
ceber por correio electrónico. Dada a aposta de participar em passatempos ou os ende-
da estação na música nova e especialmente reços de correio electrónico dos locutores.
440 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A maior parte das estações analisadas nais desenvolvidas baseiam-se essencial-


disponibiliza todos estes elementos, mas há mente na ideia de veículo de promoção
um receio geral de inovar e arriscar outros para a estação e no eixo estabelecido pelo
conteúdos, porque isso implica a utilização potencial interactivo da Net, estando a
de recursos técnicos e humanos que muitas generalidade das estações pouco vocacio-
vezes as estações não dispõem e para os nada para a produção de conteúdos que
quais, muito possivelmente não terão qual- explorem os principais traços da identida-
quer rendimento. As estratégias operacio- de da Internet.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 441

Bibliografia Websites consultados

Balle, Francis 1999 Médias et Sociétés, http://www.cidadefm.iol.pt


9ª ed., Paris, Montchrestien http://www.bestrock.iol.pt
Herreros, Mariano Cebrián 2001 La http://www.mega.fm
Radio en la Convergencia Multimedia, http://www.antena3.pt
Barcelona, Ed. Gedisa
Rodrigues, A. D. s/d O Campo dos
Media, Lisboa, Veja _______________________________
1
Universidade do Algarve.
2
Documentos Electrónicos A criação de uma rádio só com informação
sobre o mercado bolsista só pode fazer sentido
dentro de um grupo de rádios mais amplo, com
«Radio Station Web Site Content: an in uma estratégia de complementaridade entre esta-
depth look», Larry Rosin e Janel S. Shul ções que funcionam como fontes de rendimento
(2000), Arbitron http://www.arbitron.com/ para um projecto comum no qual os objectivos
d o w n l o a d s / r a d i o s t a t i o n w e b s t u d y. p d f de cada estação convergem e estão integrados
(10.09.02). numa estratégia de rentabilização maior, delineada
«NetPanel: Relatório de Análises do em função da complementaridade do grupo.
3
mercado Internet», Edição de Maio de 2002, A Mega FM é uma estação claramente
Marktest, mainstream, passa rock moderno, mais antigo, e temas
que não são rock, daí a dificuldade de caracterização.
http://netpanel.marktest.pt/Downloads/ 4
Os websites das estações Oxigénio e Radar
Relatnetpanel_mensais_Maio_2002.xls#Índice!A1 estão em fase de construção; A rádio Voxx está
(12.01.04) numa fase de reestruturação do projecto.
442 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 443

Educar para comunicar: una reflexión sobre la formación de los


comunicadores en el contexto de la sociedad de la información
Viviana Fernández Marcial1

Introducción de inflexión que presupone un marco de


mejora sustancial de la formación
La Declaración de Bolonia y las sucesivas universitaria, en general, y del área de
declaraciones de Praga y Berlín han definido Comunicación, en particular. En este sentido,
el escenario de educación superior y el el presente trabajo revisa las diferentes críticas
camino a seguir por los países miembros de a las metodologías utilizadas en la formación
la Unión Europea. Los conceptos y puntos de los comunicadores a la vez que reflexiona
de vista que sustenta estas iniciativas de sobre las habilidades y competencias que debe
mejora de la calidad de la enseñanza superior poseer un comunicador, basado en tres
y de creación del Espacio Europeo de vertientes, la dimensión lingüística, la
Enseñanza Superior (E.E.E.S.) se dimensión tecnológica y la dimensión
fundamentan en los condicionantes de un informacional.
mundo globalizado, marcado por la movilidad
de las personas, y por tanto, por la necesidad El espacio europeo de enseñanza superior
de garantizar una mayor competitividad de
los profesionales en el mercado laboral global En el ámbito universitario es bien sabido
utilizando criterios de racionalización y que la Declaración de Bolonia, ha supuesto
excelencia. un cambio de sentido de la universidad
La conformación de planes de estudio con europea. Ello ha significado, en esencia, el
una estructura y organización adaptadas a los inicio de un camino hacia la convergencia
requisitos de la sociedad de la información de contenidos, metodologías y procesos
que superen las limitaciones del modelo de universitarios. El E.E.E.S. intenta crear un
enseñanza actual tiende a favorecer una sistema de enseñanza europeo basado en
formación de calidad de los profesionales. criterios y estándares de calidad comunes y
Sin embargo, cada titulación debe adaptar las
compartidos por los estados miembros,
directrices definidas por la Unión Europea
garantizando con ello unos niveles de
al contexto, contenidos y métodos propios
conocimientos y habilidad, facilitando así, la
de las diferentes áreas de formación.
movilidad de los profesionales comunitarios.
La indiscutible importancia de los
Uno de los cambios significativo que
profesionales de la Comunicación en la
establece este nuevo sistema de enseñanza
sociedad contemporánea ha llevado a la
reflexión reiterada sobre su formación por es la creación del sistema de créditos
la ostensible incidencia de ésta en la europeos 2 . El ECTS representan un
efectividad del desarrollo de su actividad importante cambio metodológico. Los
profesional. Mas aún en el marco de la mismos implican una mayor participación del
sociedad de la información en la que la alumno en su formación académica y una
generación, transferencia y uso de ésta evolución desde una docencia basada en el
representa la clave del desarrollo de la número de horas en clases a una formación
sociedad, se hace aún más determinante el centrada en el aprendizaje y en la
análisis crítico del papel de los participación activa del alumno en la creación
comunicadores, y por consiguiente, de la del conocimiento. Este sistema organiza la
formación de los mismos. docencia, a diferencia del sistema actual
El presente trabajo analiza los cambios basado en el número de horas de docencia,
en la enseñanza superior que se suscitan a en el volumen global de trabajo del estudiante,
partir de la Declaración de Bolonia, punto en términos de asistencia a clases teóricas
444 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

y prácticas, tiempo dedicado a la preparación directrices definidas sino que se posee una
y al estudio de la asignaturas y los exámenes. naturaleza flexible. Por lo que el desarrollo
Cabe resaltar que este sistema permite de habilidades ha de adaptarse a las
abordar la enseñanza no sólo desde la características y condicionantes de cada área
transmisión y aprendizaje de contenidos, sino científica. Por tanto, resulta conveniente
que aporta un nuevo enfoque basado en el reflexionar sobre las habilidades que han de
desarrollo de competencias y habilidades, fomentarse en los comunicadores desde la
tales como, la capacidad investigadora, el formación universitaria.
trabajo en grupo, el auto-estudio, la disciplina
de trabajo. Esto queda explícitamente Modelos de formación
expresado en la propuesta de la Conferencia
de Rectores de Universidades Españolas La formación de comunicadores no ha
(CRUE) de 2001, a saber3: permanecido al margen del sistema de
formación, más o menos generalizado, basado
“...la relevancia social de los estudios en el mecanicismo, la memorización, y una
dependerá en gran medida de la forma de enseñanza centrada en la transmisión
calidad de la educación recibida, de de contenidos más que el desarrollo de un
la diversidad y flexibilidad de los proceso de enseñanza-aprendizaje. Siendo así,
programas con múltiples punto de no es infrecuente que muchos autores y en
acceso y salida, del desarrollo de diversos foros del ámbito de la Comunicación
aptitudes y habilidades para la se haya criticado y analizado de forma reiterada
comunicación, la capacidad de esta problemática.
jerarquizar la información, y el Diversos enfoque o modelos pedagógicos
trabajo en equipo”. han existidos en la formación de
comunicadores. Uno de ellos es el enfoque
El ECTS se define como un sistema que enciclopédico, formación que persigue que
combina una metodología de formación el estudiante posea un conocimiento de
vertical y transversal. Es vertical en la medida diferentes ámbitos del saber, logrando así,
que persigue el dominio de unos egresados con un perfil más de eruditos que
conocimientos que se desarrollan a través de de comunicadores. Otro método de formación,
los programas de las asignaturas y módulos deriva de un enfoque del papel del
de contenidos; transversal, pues fomenta el comunicador, socialmente activo y
desarrollo de aptitudes y actitudes a través transformador, con esta visión la formación
del sistema antes citado. se orienta hacia una vertiente humanista y
La definición de competencias y social. Existe una corriente opuesta, en la que
habilidades4 en el contexto educativo ha sido el proceso formativo intenta abstraerse del
abordado por diversos autores e instituciones. entorno, rehuyendo así de la visión crítica
A modo de se puede citar las competencias e ideológica que necesariamente está presente
definidas por la Scottish Further Education en la práctica de la comunicación. La
Unit5, a saber, habilidades de comunicación formación con carácter neutral se centra, así,
oral y escrita; habilidad numérica, tanto en en una formación instrumental-cultural.
la utilización de los números como en el uso La corriente tecnicista, representa una
de gráficos, resolución de problemas, esto es, práctica formativa errónea. La misma se
el desarrollo del pensamiento crítico, la manifiesta en un tratamiento sesgado a favor
capacidad de organización y planificación, y del dominio de técnicas y de una formación
de evaluación y análisis; aplicación de orientada a la práctica profesional olvidando
tecnologías de la información; y la capacidad el contexto de enseñanza, la universidad y
de trabajo en grupo. con ello el resto de objetivos socio-culturales
La definición del Espacio Europeo de que posee esta institución. En esta visión
Enseñanza Superior, no presupone, y así se reduccionista prevalece el acercamiento al
explicita en diversos documentos del mercado laboral.
Parlamento Europeo, una aplicación Más allá de estas críticas, el gran debate
burocrática, rígida e imparcial de las de la formación en estos momentos transcurre
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 445

en un planteamiento de carácter traduce como una necesidad de alfabetización


metodológico. Fuentes Navarro insiste en que informativa y tecnológica.
la principal deficiencia en la formación de
comunicadores radica en la pervivencia de Habilidades del comunicador
una formación estática, centrada en la
existencia de asignaturas y módulos de Se insiste, por tanto, en que la evolución
contenidos y su relación con los aspectos hacia un sistema educativo excelente ha de
prácticos; en menosprecio de la formación fundamentarse en el desarrollo de habilidades
dinámica donde prima no sólo la estructura y competencias. Conviene así, perfilar las
de materias adecuadas, integradas e habilidades que habrán de implementarse en
interrelacionadas, sino además una formación el ámbito de la formación de comunicadores.
por procesos, basada el desarrollo de A saber:
habilidades y competencias. a) Habilidades comunicativas. La
Este desfasaje es especialmente negativo transmisión de un hecho, una idea requiere
en el contexto de la sociedad actual marcada de la habilidad para elaborar y expresar de
por la presencia casi incondicional de los forma efectiva un mensaje, una idea, una
medios y de las nuevas tecnologías de la información. Las habilidades comunicativas
información en todos los ámbitos; la refieren al contexto del lenguaje escrito,
existencia de cambios transcendentales en los hablado, audiovisual y también, se aplican
estilos de vida donde la calidad de vida se al terreno de la comunicación interpersonal.
interpreta con un mayor consumismo y una b) Utilización práctica de las tecnologías.
reducción del esfuerzo y el compromiso La actividad del comunicador requiere del
social; la existencia de un mundo diverso y conocimiento y manejo eficiente de los
a la vez más fuertemente interrelacionado. medios tecnológicos pues es una profesión
Esta nueva sociedad requiere un nuevo donde la técnica se funde en un todo con
modelo de enseñanza-aprendizaje. Un cambio la teoría. El dominio de las nuevas tecnologías
radical implica, en primer lugar, abandonar la de la información tienen en este sentido, un
visión estática, funcionalista, basada en la papel esencial.
transmisión de contenidos, en la que falta de c) Capacidad de analizar, sintetizar y
visión sistémica. Esta perspectiva provoca la enjuiciar la información. El comunicador debe
aprehensión del conocimiento desintegrada, en ser un profesional que transforme la
parcelas lo que cual dificulta la aplicación práctica información en conocimiento, debe
y efectiva del conocimiento. Otro aspecto a desempeñar un papel de mediador de la
modificar es que en el sistema prima la realidad a través del prisma periodístico,
comunicación unidireccional, donde la formación audiovisual o publicitario, siempre con un
es enseñanza y no un proceso de aprendizaje. enfoque interpretativo. El comunicador debe
Fuentes Navarro6 señala otro aspecto esencial desarrollar una visión crítica de la realidad
en la conformación de un nuevo modelo de que ha de expresarse en sus creaciones.
enseñanza al definir que es conveniente d) Innovación y creatividad. Habilidad
aplicable no sólo en la elaboración de
“mas que los contenidos específicos contenidos sino también de formatos ya que
de esas representaciones, importa la sobreinformación, obliga a un diseño
destacar las reglas y esquemas inteligente, novedoso y diferenciado de
generativos de la significación y de formas y contenidos.
la valoración de esos contenido”. e) Trabajo en equipo. La actividad del
profesional de la Comunicación es, en
Este autor insiste además que la formación esencia, una labor en equipo. Ello compete
en competencias debe fomentar el uso de tanto al periodista, como al publicitario y al
“recursos reflexivos”, entre los cuales se comunicador audiovisual. Cómo entonces,
encuentra el dominio “del lenguaje para sino, fomentar, esta habilidad. Por otra parte,
ubicarse en el contexto sociocultural”, y el trabajo en equipo induce además a una
“controlar la información, sus códigos, y mayor sensibilización social en la medida que
canales de producción”. Este último se también se desarrolla el sentido de la empatía.
446 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

f) Responsabilidad social. El impacto de Es crítico que el latín no posee igual nivel


la labor de los comunicadores es, de peso en los programas universitarios que
comparativamente con otras profesiones, muy otras materias. De hecho conviene llamar la
alta. La responsabilidad y la conciencia social atención como esta materia se ha desecahdo
es imprescindible para garantizar una de los programas de estudios. Los autoridades
actuación ética. e instituciones académicas insisten en la
g) Planificación y organización. La importancia que los estudiantes aprendan
capacidad de planificación y organización de historia, nuevas tecnologías, redacción
actividades y objetivos, es requisito esencial periodística o publicitaria, estilos y géneros
en la estructuras organizativas actuales donde de opinión. Sin embargo, se olvida la
prima el trabajo por objetivos, el teletrabajo, necesidad de ofrecer un marco conceptual e
y la movilidad funcional y geográfica. histórico que facilite la comprensión y
h) Flexibilidad. La flexibilidad en el aplicación de tales materias.
campo de la Comunicación es vital, pues es Más aún existe un afán por aprender
un sector caracterizados por continuos lenguas modernas, con preferencia el inglés
cambios y contingencias. pero sin desestimar otras, incluido el japonés.
Todas estas habilidades no se estructuran Con ello se está sublimando un paulatino
jerárquicamente. Poseen el mismo nivel de proceso de desculturalización. Lejos de
importancia. Sin embargo conviene significar el enriquecer cultural, profesional y
papel y el peso de tres competencias o habilidades personalmente a los educandos, se avanza en
que se consideran de especial interés. sentido contrario. Si las universidades no son
capaces de desarrollar las habilidades
Dimensión comunicativa, informacional y cognitivas de análisis y aplicación de nuestra
tecnológica: reflexiones propia lengua, raro será que se pueda hacer
un uso efectivo de las ajenas.
La visión reflexiva de estas habilidades No es de extrañar, así, que en los medios
se polarizan a determinadas aspectos. Así la aparezcan de forma continua errores
dimensión comunicativa analiza la gramaticales en portadas y titulares, que se
importancia del estudio del latín como vía constate una creciente pobreza en el
para el desarrollo de la aptitud lingüística y vocabulario que redunda en la incapacidad
por tanto, comunicativa. La dimensión de comprender términos, en un uso
informacional, analiza las habilidades inapropiado del lenguaje, que se observe la
informacionales desde la perspectiva de la colonización de términos foráneos en
Documentación pero que va a servir de base detrimento del lenguaje propio.
para un uso efectivo de la información. En La lengua y la cultura latina son la base
cuanto a las tecnologías, se insiste en el uso de nuestra lengua y nuestra cultura 7. Su
de las nuevas tecnologías de la información. estudio se hace necesario en la formación
universitaria, pero si se quiere con más énfasis
La dimensión comunicativa en los estudios de Comunicación. Y se insiste
en la necesidad de estudiar ambos aspectos,
La palabra es la herramienta esencial de la cultura y la lengua porque en definitiva
trabajo de la comunicación. La tenencia de esta última se moldea por la primera y, es
excelentes habilidades comunicativas, la lengua, vehículo y testimonio de una
cualidad inherente a los comunicadores, realidad, de una cultura.
requiere esencialmente el manejo y dominio Estudiar la cultura latina significa
efectivo del lenguaje. El lenguaje es el espacio rescatar en primer lugar el nexo que une
en el que se estructuran las ideas para la génesis de nuestra cultura con la
comunicarlas, el comunicador usa el lenguaje actualidad. Significa tener conocimientos
en una doble vertiente. Por una parte, para que permitan estudiar la base de procesos
trasmitir un contenido, y por otra, y gracias históricos, políticos, económicos, literarios,
a éste, moldear e influir en los individuos. científicos, con vistas a desentrañar y
Ello implica que es imprescindible realizar analizar con mayor destreza los hechos y
un uso adecuado del lenguaje. acontecimientos actuales.
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 447

El estudio de la lengua latina es, ante todo, se concibe según el método de formación
tener las bases para conocer la historia y tradicional y no en una formación basada en
evolución de la lengua, en general y de el desarrollo de destrezas y habilidades.
nuestra propia lengua, en particular. Pero es Existen diversos modelos que explican la
mucho más que eso, pues el estudio del latín enseñanza de habilidades de información,
es a su vez una combinación entre una sólida entre ellos el Modelo de Marland (Reino
formación cultural y un marco para el Unido, 1981); el modelo de Kuhlthan
desarrollo de habilidades y aptitudes (Estados Unidos, 1997) y el Modelo
relacionadas con el fortalecimiento de la PLUS(Purpose, Location, Use and Self-
inteligencia y la capacidad reflexiva. Evaluation) de Herring. Se toma como marco
El estudio del léxico, declinaciones, conceptual para definición de dichas
sufijos, prefijos y la historia de los términos habilidades esbozadas en el Tercer Encuentro
favorece, en primer lugar, una habilidad que sobre el Desarrollo de Habilidades
posibilita el crecimiento y enriquecimiento Informativas, celebrado en México se aborda
del vocabulario. El estudio de la lengua y este tema en el contexto universitario, que
la cultura permite contar con recursos bien cabe aplicar con especial énfasis en el
expresivos y figuras que hacen mejoran la campo de la formación de comunicadores.
transmisión y contextualización de ideas. El A saber:
estudio y uso del latín, facilita la comprensión a) Habilidades para identificar la
e inferencia del significado de palabras y naturaleza y alcance de una necesidad de
contextos desconocidos. información. Esto es, que el estudiante pueda
El estudio de la lengua latina desarrolla organizar un tema de investigación,
la facultad de la memoria, la imaginación, planteándose las interrogantes en forma de
el hábito de investigación pues favorece el conceptos estructurados jerárquicamente, a la
adiestramiento en la búsqueda de la génesis vez sea capaz de establecer los límites,
de las palabras y de las realidades que rodean alcance y objetivos reales de sus necesidades
a un término. Su estudio significa además de información. Y con ello lograr una
un importante refuerzo para el aprendizaje orientación efectiva de la búsqueda de
y dominio de la lengua materna. Más aún información.
es útil para el estudio de lenguas foráneas b) Habilidades para buscar y recuperar
y no sólo las de origen romance directo, sino información. Lo cual significa el dominio de
para todas aquellas que se han nutrido de la terminología y las herramientas propias de
palabras del latín tal como el inglés o el la búsqueda y recuperación de información,
alemán. siendo capaces de identificar los diferentes
Ello sin considerar que el dominio de la contextos generadores y conservadores de
lengua y la cultura latina permite formar información, se sepan aplicar los
universitarios cultos y con ello mejores conocimientos y habilidades en pos de la
profesionales. recuperación de información, idiomas,
tecnologías, habilidades comunicativas.
La dimensión informacional También es importante que puedan establecer
la búsqueda y recuperación de información
La información es la materia prima de con una visión estratégica.
la comunicación de ahí que el desarrollo de c) Habilidad para valorar la información.
habilidades informacionales es una constante Desarrollar una visión critica sobre la entidad
en la formación de los profesionales de la de las fuentes, así como el resto de aspectos
Comunicación. De hecho, en el caso de que inciden en la calidad de la información,
España, la asignatura Documentación tales como la actualidad, la veracidad, el nivel
Informativa es de carácter troncal lo cual de profundidad en el tratamiento de la
refleja la importancia y el peso de la misma información. Y sobre todo identificar una
en la formación de comunicadores. Sin información fiable y veraz.
embargo, la existencia de ésta no garantiza d) Habilidad para asimilar y hacer uso
en su totalidad el desarrollo de destrezas en de la información. Este es la capacidad que
este sentido. Entre otras cosas porque aún haga posible transformar la información en
448 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

conocimiento. Esto es, desarrollar habilidades Dos hechos apuntan a la necesidad de un


para interpretar, contextualizar, aplicar, replanteamiento de la enseñanza de las
sintetizar y aprehender la información con tecnologías de la información. En primer
vistas a comunicarla. lugar el fenómeno denominado brecha digital,
e) Habilidad para comunicar la que refiere no sólo a las diferencias en el
información. Ello insiste en la necesidad de acceso y uso de las tecnologías entre
elaborar documentos, comprensibles que diferentes zonas geográficas o grupos
expresen el mensaje de forma ordenada y sociales, sino también a la brecha o diferencia
lógica. que existe entre la utilización de las
f) Habilidad de responsabilidad ética tecnologías en el hogar y en el ámbito
frente a la información. Esto es en esencia, docente. En segundo lugar, el mundo
el respeto en el más amplio sentido de la tecnológico cambia de forma continua, la
Propiedad Intelectual y el uso responsable universidad no siempre puede marchar al
de la información. ritmo de estos cambios. Ambos aspectos
Una formación en el manejo y uso de dificultan la aplicación práctica de las
la información requiere una formación tecnologías, insistiendo así en la urgencia de
centrada no sólo en contenidos, sino y muy formar en habilidades y no sólo en contenidos
especialmente, en el desarrollo de estas tecnológicos.
habilidades. Por tanto, la habilidad que en esta
dimensión se destaca es la capacidad de
4.3. La dimensión tecnológica adaptación a diversos contextos tecnológicos
y además a la habilidad de aplicar las
Si bien la Sociedad de la Información tecnologías al ámbito profesional.
implica que el eje central de desarrollo de
la sociedad es la información, hay que Conclusiones
significar el papel esencial que han tenido
y tienen las nuevas tecnologías de la Las condiciones de la sociedad actual
información en la génesis y desarrollo de esta apuntan a la necesidad de reformar el papel
sociedad. de la universidad europea, puntualmente del
Las nuevas tecnologías de la información ámbito comunitario. Esta transformación se
han permitido la interconectividad, dando paso produce en diversos aspectos que consolidan
al fenómeno de la globalización y en el contexto en la formación de Espacio Europeo de
de la Comunicación ha influido en un aumento Enseñanza Superior. Una de las principales
exponencial de emisores de mensajes, de modificaciones del nuevo sistema es la
receptores, de contextos, de mensajes e implantación de una enseñanza que intenta
informaciones llevando así a importantes una participación activa del estudiante en la
cambios en los paradigmas de comunicación. creación del conocimiento y que tiene como
Por tanto las nuevas tecnologías de la eje central la formación a través del desarrollo
información, no sólo han de estudiarse como de habilidades y competencias.
herramientas sino también ha de interpretarse Indudablemente estas modificaciones
su influencia en la conformación de una nueva suponen una mejora de la formación
realidad, valorando cómo estas influyen de universitaria, y por tanto una mejora de la
forma directa en cambios metodológicos, y formación de los comunicadores. Educar para
no sólo técnicos, como nuevo medio de comunicar implica orientar la formación
creación y transmisión de la información. universitaria al desarrollo de habilidades y
La incorporación de las tecnologías de competencias, y además, adaptar los métodos
la información en los curricula no garantiza, y directrices novedosos al contexto de la
por sí misma, el uso práctico y óptimo de Comunicación.
éstas. Porque insistiendo en el planteamiento La creación de un sistema universitario
antes expuesto, cualquier formación que no comunitario excelente y moderno requiere del
se base en el desarrollo de habilidades concurso de medidas de convergencia, por
conlleva a una visión parcial y teórica de demás ya iniciadas, pero debe considerarse
los contenidos. que estos cambios significan también un
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 449

modificación en la cultura de enseñanza- enseñanza aprendizaje de estudiantes,


aprendizaje actual. Por ello, abordar esta profesores y autoridades académicas; y es
reforma debe hacerse no sólo desde la conveniente en este proceso de cambios,
implantación de medidas instrumentales sino además, tener en cuenta la tradición y
también de cambios socio-culturales en los evolución histórica de la universidad
hábitos y en la concepción del proceso de europea.
450 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografía comunicación y su renovación como proyecto


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2174/(INI)). Documento de sesión: Final. 24 Aprobado en la reunión de la CASUE de 26 de
octubre de 2001/, Disponible en: www.crue.org/
de Mayo de 2002/ , Disponible en: http://
espaeuro/encuentros/17-072002.htm, p.3
w w w. e s c e t . u r j c . e s / ~ e e e s / d o c s / b / 4
Moreno Bayardo realiza una interesante
Informe%20Parlamento%20Europeo.pdf reflexión sobre el significado de los términos
Cantarero, Mario Alfredo, /Formación de habilidades y competencias. En este trabajo se
comunicadores sociales: Modelos expresa que en algunos contextos ambos términos
curriculares, ostracismo académico, rutas se utilizan sinónimos, mientras que en otros, ambos
sociales y esperanzas/ , Revista Latina de se diferencian; opinión que es defendida por el
autor. El trabajo se puede consultar en la dirección
Comunicación Social, oct.-dic 2002, 5(52),
http://educacion.jalisco.gob.mx/consulta/educar/06/
Disponible en: http://www.ull.es/ 6habilid.html. Si bien el presente trabajo se inclina
p u b l i c a c i o n e s / l a t i n a / por la primera corriente, esto no es más que por
200025209cantareroXI.htm economía de espacio, pues metodológicamente es
Fuentes Navarro, Raúl, /El diseño conveniente comprender y trabajar con la
curricular en la formación universitaria de naturaleza diferenciada de ambos conceptos.
5
comunicadores sociales para América Latina: http://www.sfeu.org.uk/
6
Realidades, Tendencias y Alternativas/, Fuentes Navarro, Raúl, /La formación
universitaria de profesionales de la comunicación
Disponible en: http://www.felafacs.org/ y su renovación como proyecto social. Diálogos
dialogos/pdf17/fuentes.pdf. de la Comunicación, 57, p.1-13/ , Disponible en:
Fuentes Navarro, Raúl, /La formación h t t p : / / w w w. f e l a f a c s . o r g / d i a l o g o s / 5 9 - 6 0 /
universitaria de profesionales de la 1.Fuentes.pdf, p. 12.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 451

Capítulo III

OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS


452 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 453

Apresentação
João Carlos Correia

Em 2004 Portugal começou, finalmente, tiva que, mais recentemente, ganhava a


a ter no interior da Comunidade Científica configuração de um duelo entre defensores
de Ciências da Comunicação um grupo de da análise das condições de deliberação
investigadores que desse à opinião pública democrática e «paladinos» dos métodos
e às audiências uma dimensão à altura da quantitativos.
sua importância. Desde as análises que Por outro lado, permitiu um diálogo entre
conferem à problemática do espaço público Filosofia Política, Sociologia Eleitoral, Ci-
e da democracia deliberativa uma centralidade ência Política e Ciências da Comunicação,
que passa pelo estudo do posicionamento gerando-se uma confluência que até aqui não
estratégico dos media como instâncias soci- sucedera mais pela força das inércias do que
ais; à compreensão da noção de enquadra- pela escassa reticência dos «crentes» e
mento como uma chave essencial para a luta «praticantes» que afinal se revelaram abertos
ideológica; passando pela sociologia eleito- ao debate interdisciplinar.
ral e pelas sofisticadas técnicas de medição Respondeu-se, da melhor forma que se
de intenções de voto e de atitudes eleitorais; conseguiu, ao desafio que a Comissão
ou, ainda, pela forma como as audiências Organizadora havia lançado, nomeadamente
elaboram criticamente a recepção dos textos, quanto às dificuldades «políticas» que se
ultrapassando determinismos e criando, elas adivinhavam no lançamento de um grupo
mesmas, percursos novos de activismo e de novo, sem antecessor temático; e ao facto de
cidadania, a mesa da Opinião Pública e o próprio título da mesa indiciar algo que,
Audiências – 1ª incursão no leque vasto da nas Ciências da Comunicação em Portugal,
análise das relações entre Comunicação e implicava alguma ruptura com a reflexão quase
Política – constitui-se como um passo ini- sempre exclusivamente conceptual e
cial, naturalmente com hesitações e defici- especulativa sobre os fenómenos relacionados
ências mas que, a breve trecho, deixará com audiências, públicos e Opinião Pública.
marcas e reposicionará o estilo de reflexão Momento fundador que teve, felizmente,
das Ciências da Comunicação em Portugal. a necessária continuidade, a realização da
Por outro lado, trata-se de uma Mesa que mesa de “Opinião Pública e Audiências”
permitirá dar um passo em frente na análise revelou e até apresentou percursos e escolas,
de atitudes e na percepção de problemáticas. gerou (felizmente) controvérsias, tacteou –
Desde logo, encontraram-se dois grandes admita-se com que com a dificuldade pró-
eixos metodológicos. O primeiro consistiu na pria de algum «pioneirismo» – hipóteses de
feliz tentativa de ultrapassagem da dicotomia trabalho futuro que valeram o esforço desen-
entre reflexão crítica e pesquisa administra- volvido.
454 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 455

A Profissionalização das Fontes na disputa pelas Audiências


Boanerges Lopes1

1. Vivências e interação e também com as atividades que ocorrem nos


movimentos sociais.
Vivenciar a área de Assessoria na Temos também a Comunicação se afir-
atualidade é ao mesmo tempo envelhecer mando progressivamente como o epicentro
alguns anos em apenas uma hora com as das atenções nas empresas não só brasilei-
atrocidades que envolvem determinadas ins- ras, mas no mundo inteiro. Em plena
tituições, principalmente públicas, pelo país atualidade, selecionar a informação, dar-lhe
afora, mas também rejuvenescer outros tan- uma forma, tem sido um dos grandes desafios
tos anos em alguns minutos quando se das organizações. Não há conhecimento sem
presencia o desnudar de projetos que podem informação estruturada, já que conhecimento
salvar milhões de vidas e se tem a incum- gera capital intelectual – hoje o maior valor
bência de apresentá-los à sociedade. das empresas. E os Assessores estão em alta,
As indagações são muitas, principalmen- pois se constituem nos novos condutores das
te em relação ao comportamento das orga- atividades de comunicação nas organizações.
nizações num processo muito rápido de Um momento onde a preocupação com a
transformações, o que evidencia um novo imagem é fator de vantagem competitiva, e
cenário, com um enfoque delineado para a precisa ser administrada com inteligência,
Comunicação Empresarial e Institucional. processos, uso de técnicas bem concebidas,
Amparado nas inovações tecnológicas, na refletidas, ações coordenadas, habilidades
administração integrada e participativa e no específicas e profissionalismo.
chamado Composto de Comunicação - um O estilo de comunicar provoca reflexos
complexo de atividades desenvolvidas pelas imediatos sobre as mudanças do ambiente
empresas, relacionadas principalmente com empresarial, político, econômico e social. As
a Assessoria de Imprensa e seus desdobra- organizações desta forma estão abrindo
mentos: a produção de house organs, o perspectivas abrangentes de relacionamento
relacionamento intenso com a mídia, a re- com a sociedade, através de um diálogo
alização de media trainning, a criação e permanente. Uma filosofia de portas abertas.
implantação de programas de identidade É o que garantem os assessores. No passado,
visual e um trabalho denso de comunicação observou Caio Prado Júnior, em Formação
interna. A exigência cada vez mais é de um do Brasil Contemporâneo(1995: 25), o país
profissional altamente qualificado, de sólida era uma sociedade sem povo. Temos hoje uma
formação, comprometido fundamentalmente realidade bem diferente, onde a população
com os aspectos éticos da profissão. Avanços deixou de ser mera espectadora do que
recentes têm sido proporcionados em muitas acontece para ocupar uma posição altamente
áreas por essas condições, inclusive no campo participante. Multiplicam-se os ombudsmen,
educacional. A idéia do professor José serviços de atendimento aos consumidores,
Marques de Melo em A Imprensa em questão ouvidores e outras possibilidades de intercâm-
(1997: 15) é bem ilustrativa no que diz bio permanente. É um quadro que reforça
respeito ao grande desafio que ainda perma- amplamente a necessidade da transparência
nece neste final de século: o da interação das ações, promovendo coerência mais de-
do ensino de Comunicação com o sistema finida entre o que as organizações dizem e
produtivo. É preciso interagir as escolas com fazem. E isto tem provocado uma nova
as empresas de Comunicação, com a indús- realidade que afetando as organizações de
tria cultural mais avançada, com a indústria alto a baixo, influencia desde a renovação
de ponta, com as empresas de natureza média das marcas corporativas até o treinamento de
456 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

pessoal em todas as instâncias Por isso torna-se oportuno também através


organizacionais. deste trabalho buscar uma abordagem sobre
Um dos pontos que também permeia o papel do profissional, já que como canal
e justifica este trabalho está relacionado a entre a mídia e as fontes geradoras de notícias,
credibilidade. Credibilidade que é um dos as assessorias de imprensa são indispensá-
requisitos essenciais para que alguém se veis na realidade do Jornalismo. Contudo, os
transforme numa fonte de referência, seja um profissionais que atuam como assessores
empresário, político ou assessor de impren- ainda enfrentam preconceitos por parte de
sa. A preservação da credibilidade no Jor- alguns profissionais de redação e também por
nalismo, segundo Manoel Chaparro, em parte de alguns dirigentes das empresas nas
Pragmática do Jornalismo (2000: 32), inte- quais atuam. Existem problemas relaciona-
ressa à própria fonte, porque da credibilidade dos à legislação brasileira. Ela ainda não
do relato jornalístico depende o sucesso das reconhece a função e muitas arestas preci-
ações institucionais. Contribuir para essa sam ser aparadas no difícil exercício de
preservação é dever não apenas dos jorna- conciliar as necessidades das fontes e dos
listas que atuam em assessoria de imprensa, veículos de comunicação. Estes aspectos
mas também de seus contratantes. Os em- podem ser considerados empecilhos ou limi-
presários e executivos do mundo dos negó- tes à atuação profissional dos assessores de
cios, os políticos e responsáveis pelas po- imprensa.
líticas e serviços públicos, as lideranças dos A responsabilidade é a de agregar cada
movimentos sociais e culturais, os produto- vez mais valor às informações com as quais
res de conhecimento, todos estão diante do trabalha em sua rotina dentro e fora das
dever de zelar pela credibilidade do Jorna- organizações – empresas pelas quais traba-
lismo. Podemos dizer que a credibilidade é lha, parceiros de negócios, órgãos governa-
um predicado radical. Ou a empresa tem, ou mentais, mídia e sociedade de um modo geral
não pode existir enquanto empresa. Na – ampliando o alcance das mensagens cons-
opinião de Francisco Viana, em De Cara com trutivas; de fortalecer a informação compar-
a Mídia (2001: 43), é a credibilidade que tilhada, já que a revolução das fontes é de-
sustenta os negócios e amplia os mercados. corrência natural e inevitável da
Não importa se na nova ou na economia institucionalização do mundo. Como diz o
tradicional: os consumidores precisam acre- professor Chaparro, o mundo de hoje é um
ditar na empresa para escolhê-la. E não mundo falante, onde noticiar tornou-se a
adianta: vivemos um momento onde o con- forma mais eficaz de agir no mundo da
sumidor opina, influi e decide cada vez mais. democracia e do mercado. “É preciso criar
E esta credibilidade se define claramente acontecimentos, recheá-los de conteúdo
através da comunicação que unifica concei- jornalístico, a mais competente intervenção
tos, constrói imagens, organiza mensagens, discursiva das instituições. Quem controla os
motiva o diálogo, modela a identidade, acontecimentos produz os fatos, os atos, as
apresenta soluções e resultados, permitindo falas, os saberes, serviços e produtos que
fontes e públicos interagentes, veículos nutrem os conteúdos jornalísticos”.
conectores e fluxos/procedimentos extrema-
mente planejados e monitorados e um pro- 2. Investimento e crescimento
fissional – jornalista/assessor de imprensa
– cada vez mais responsável por estas ini- A consolidação das atividades de asses-
ciativas. soria de imprensa e de comunicação no Brasil
Dados do Ministério do Trabalho apon- é inquestionável. Nos últimos cinco anos, 23
tam que em 1995 já existiam 36,4% de dos maiores grupos empresariais aumentaram
profissionais jornalistas com carteira assi- em até 70% seus investimentos na área de
nada trabalhando fora das redações. Se in- comunicação, segundo a revista Exame. Os
serirmos no cálculo os jornalistas que atuam dados do Guia Exame 100 Melhores Empre-
na área como figura jurídica (donos de sas para Você Trabalhar de 2003 mostram
assessorias e profissionais free-lancers), é que as organizações têm grande preocupação
possível que a proporção ultrapasse os 50%. em manter um canal permanente de infor-
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 457

mação com seu pessoal. Um dos quesitos do vaga de “cuidar da imagem” e ‘para isso
ranking era “Clareza e abertura na comuni- utilizaria, particularmente, a promoção de
cação interna”. Apenas quatro entre as listadas eventos, entre outras ações não claramente
não obtiveram a maior pontuação nesse item, especificadas, mas que permitem a visuali-
as cinco estrelas. zação (e não visibilidade) da instituição.
O segmento de assessoria, em expansão, Trata-se de uma imagem externa, para “ser
apresenta-se hoje como um dos principais vista”, para garantir a “boa aparência” e obter
blocos de referência para o exercício das a “boa aceitação” da sociedade, do público
práticas jornalísticas, ao lado dos meios consumidor, dos demais públicos de interes-
impressos, da TV e à frente do rádio. Se- se.
gundo o professor Gaudêncio Torquato (2002: Segundo Jorge Duarte, fica nítida a
78), avançamos muito nas últimas décadas preocupação dos jornalistas em diferenciar
com o crescimento dos negócios, a abertura o papel dos dois profissionais, enfatizando-
do universo de locução e com o fenômeno se que jornalistas “cuidam da informação”
da globalização. Dados consolidados dão e os relações-públicas “cuidam dos relaci-
conta de que o faturamento das 10 maiores onamentos”. Na opinião do autor da pes-
empresas de assessoria atingiu em 2001 o quisa, há convicção entre os jornalistas de
patamar de 500 milhões de reais, o triplo de que o papel do relações-públicas está mais
1997. Já há duas brasileiras entre as 12 vinculado à questão da criação e manuten-
maiores empresas do mundo no ramo. A Casa ção de uma imagem institucional, embora eles
Branca – sede oficial do governo americano não saibam definir com maior rigor e pre-
– gasta por ano 3,5 bilhões de dólares com cisão as tarefas do relações-públicas e suas
estratégias de comunicação, sendo que 1,5 formas de operacionalização.
bilhão de dólares destinados ao relacionamen-
to com os meios. 4. Atribuições e responsabilidades

3. Imagem institucional “Embora não fique claro como isto é feito,


o relações-públicas é considerado ponte, elo
Apesar de perspectivas bem interessan- entre a empresa e seus públicos, exceto a
tes, ainda existem divergências por parte de mídia. É quem realiza ações objetivando a
alguns estudiosos do segmento de assessoria interação da empresa com seus vários pú-
envolvendo suas origens e seu desenvolvi- blicos, promovendo o ‘bom relacionamento’,
mento. Também se sucedem problemas na a harmonia, a mobilização e a cooperação
utilização equivocada de determinadas fer- entre todos, em prol da defesa dos interesses
ramentas, que acabam superpostas por falta da instituição”, destaca Duarte.
de conhecimento ou por procedimentos Na concepção dos autores fica evidente
incorretos de alguns profissionais. Pesquisa um outro problema na pesquisa: os textos não
denominada “Papel e atuação de jornalistas permitem identificar o reconhecimento de que
e relações-públicas em uma organização, a natureza do trabalho desenvolvido nas
segundo jornalistas”, deixa claro que ainda assessorias é diferente daquela adotada tra-
existe muita desinformação por parte dos dicionalmente pelo “jornalismo das redações”,
jornalistas sobre as atividades de relações na qual neutralidade e independência são
públicas nas organizações. Realizada pelo conceitos-chave. Ao revelar suas posições, os
jornalista Jorge Duarte e pela relações-pú- profissionais esboçam tentativas de explicar
blicas Márcia Duarte, com 262 profissionais como o jornalista pode manter seu compro-
de imprensa em quatro capitais brasileiras, misso de servir ao público, de primar pela
a partir de respostas prestadas em concursos verdade e pela objetividade da informação,
públicos para núcleos de assessoria em estando ao mesmo tempo servindo aos in-
estruturas governamentais federais, a pesqui- teresses de uma instituição à qual está
sa conclui que, para o jornalista, o relações- subordinado e por cuja imagem é responsá-
-públicas é um ilustre desconhecido. vel. Mas não são muito bem-sucedidos, pois,
O estudo demonstra que na opinião do paradoxalmente, defendem o papel de com-
jornalista o relações públicas assume a tarefa promisso com a informação, mas a partir e
458 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

conforme as diretrizes da empresa e sua dades estarão presente e a programação tem


necessidade de manter uma imagem posi- tudo que você possa imaginar.......tô mandan-
tiva. Fica claro para os pesquisadores, neste do convites para toda a redação. Podem ir
caso, um impasse não resolvido e uma certa que é ‘boca livre’, mas vê se dá para pu-
dificuldade em estabelecer sua própria iden- blicar pelo menos algumas linhas sobre essa
tidade, resultado da crença no jornalismo nova campanha promocional de roupas super
autônomo, imparcial e crítico, mas subme- modernas. Se divulgar alguma coisa, tem uma
tido, pelas novas circunstâncias profissionais, surpresa para você........“oi, é para divulgar
à dependência e à parcialidade, caracterís- um cantor superlegal, que está fazendo um
ticas de seu agir nas organizações não- showzinho superlegal no Catete. Dá pra fazer
jornalísticas. uma tremenda cobertura? a que horas sai o
A ocupação desordenada das assessorias fotógrafo? será que rende uma capa com foto
de comunicação nos últimos anos, uma colorida e um miolo no alto de uma página
legislação ultrapassada e de certa forma ímpar? acredito na sua sensibilidade para
aberta a “interpretações dúbias”, além de um entender que esse cara vai representar o futuro
processo de formação que ainda engatinha da MPB...olha lá, não vá perder esse furo
nas escolas de Comunicação estão entre de reportagem”.
outros fatores que provocam tantas confu- Trechos de uma obra de ficção, pergun-
sões nos profissionais atuantes e naqueles que tarão alguns. Muito pelo contrário: exemplos
almejam ocupar espaços nas estruturas reais da falta de profissionalização que
organizacionais. É preciso que se superem acompanharam o segmento de assessoria de
estes obstáculos para que tenhamos o reco- imprensa durante muitos anos e que ainda
nhecimento definitivo de que cada uma das hoje, no acender das luzes do século 21,
áreas que compõem a estrutura de comuni- mantém algumas empresas com suas infor-
cação das empresas reúne suas respectivas mações sob sigilo ou com múltiplas dificul-
atribuições e responsabilidades e que admi- dades para enfrentar matérias críticas veicu-
nistradas adequadamente evitam serviços ladas pelos meios de comunicação. Estere-
improdutivos e desrespeito ético e técnico. ótipos, preconceitos, tabus, mitos e muita
E podem contribuir para que o empresariado desinformação permanecem no dia-a-dia das
de médio e pequeno porte – base econômica relações entre empresas e a imprensa. Re-
do país – e as autoridades governamentais flexos também, por outro lado, de um setor
se conscientizem da importância da comu- que se desenvolve, que está rompendo com
nicação em seus empreendimentos. situações arcaicas, aprimora-se e faz com que
as organizações busquem seus espaços para
5. Conflitos e suspeitas canalizar o fluxo crescente de informações
que uma sociedade democrática exige e utiliza
“Jornalistas? um bando de abutres. Só para se orientar em qualquer ramo de ne-
querem informações quando enfrentamos gócios.
dificuldades. Nunca acreditam nos dados que O consultor João Bosco Lodi (1985: 47)
fornecemos e distorcem tudo o que ouvem. costuma dizer que os sentimentos em relação
Despista esse aí, diz que estou em reunião a imprensa neste país são ainda ambivalentes
ou viajando........tá bom, a gente precisa de e que numa escala de lealdade, ela costuma
um Relações Públicas para....quebrar uns ser classificada como aliada suspeita. Um
galhos.....tem o filho daquele amigo meu lá exemplo: quando um jornalista é anunciado
do clube. O pai dele e o meu eram sócios. durante uma reunião, algumas pessoas logo
Dá um emprego para o garoto, põe e título se colocam em estado de alerta e outras, no
no cartão dele. Formado para quê? lei, que intervalo do café, questionam a necessidade
lei? ora, invente um cargo semelhante e de tê-lo convidado. Outro exemplo que
vamos passar a coisas mais importantes....... reforça a tese de Lodi: quando apresentados
dá uma força naquele projeto que a empresa como insiders em alguma notícia, raramente
vai lançar na próxima semana. Pelo menos os empresários ou políticos concordam com
uma notinha na coluna de fulano acho que a fidelidade da reprodução dos fatos por parte
cabe. O evento é de arrasar, várias autori- dos profissionais de imprensa. E quando estão
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 459

envolvidos com uma questão polêmica, frase proferida por um de seus principais
geralmente acham que foram traídos pela executivos: “a comunicação não é apenas útil;
insensibilidade do profissional no desenrolar ela é antes de tudo imprescindível”. Dados
da apuração ou na narração do fato. Aquela para ilustrar a evolução e o posicionamento
velha frase se encaixa nessas situações: “a da Rhodia no atual contexto: em 84, quando
culpa é sempre da imprensa”. O jornalista ainda não havia definido a sua “virada de
Alberto Dines (1997: 15) lembra que numa mesa” na comunicação, dos 92 releases
sociedade que busca o seu aperfeiçoamento enviados aos meios impressos, surgiram
não pode haver o espírito de “dedo no apenas 102 páginas. Já em 87, com a nova
gatilho” contra a imprensa, mas sim um política de relacionamento com a imprensa
acompanhamento crítico e atento de sua em andamento, dos 87 releases enviados aos
evolução. Na sua opinião, se um jornal jornais, a empresa ocupou um espaço equi-
cutucou um fato desconfortável não é mo- valente a 231 páginas. Uma demonstração
tivo para que seja criticado ou silenciado, pois clara que a profissionalização dos serviços
o lícito é mandar investigar, apurar e res- proporcionou um melhor aproveitamento dos
ponsabilizar os envolvidos nos atos que textos enviados aos meios de comunicação.
geraram a denúncia. Dines considera que a E daí por diante, a performance da Rhodia
explicação, o desmentido ou uma resposta foi melhorando a cada ano. Em 89, os quase
transparente mesmo não favorável à empresa 100 releases geraram 390 páginas na mídia
são mais dignos que o silêncio imposto pela impressa e 160 minutos de tevê. Já em 91,
omissão ou censura. com a imprensa totalmente entrosada com o
Um bom relacionamento com a imprensa posicionamento da organização, 800 entre-
pode transformar um problema em sucesso, vistas foram solicitadas através de sua as-
assim como a condução apropriada de uma sessoria de imprensa. Ou seja, a Rhodia
queixa pode resultar em aumento de satis-
praticamente não precisou procurar os veí-
fação do cliente. Quem garante é Christopher
culos. Os jornalistas já tinham a empresa
Haskins, chairman da Northern Foods, da
como uma fonte permanente de notícias.
Grã-Bretanha. Mesmo definindo os homens
Exemplos como a Rhodia já fazem parte do
de negócios britânicos como paranóicos e
cotidiano de muitas outras empresas no Brasil,
sigilosos, integrantes de uma cultura de
que preocupadas em sistematizar as infor-
patrocínio e elitismo e muito reticentes nos
mações geradas em seus diversos núcleos e
contatos periódicos com a mídia, Haskins
aperfeiçoar seus relacionamentos não só com
acredita que só através da imprensa é que
a imprensa, mas também com outros segmen-
os políticos e executivos conseguem se
comunicar de uma maneira eficaz com seus tos, têm procurado estruturar ou ampliar suas
eleitores e clientes. participações junto à opinião pública, con-
Este tipo de pensamento, há alguns anos tratando os serviços de profissionais prepa-
muito comum nos países da Europa e nos rados ou empresas bem estruturadas.
EUA, começa a ser absorvido com total
seriedade aqui no Brasil. Experiências recen- 6. A dimensão das razões
tes demonstram isso: a Rhodia S.A. - um
gigante empresarial vinculado ao grupo fran- Demonstra-se assim, que o papel da as-
cês Rhonê-Poulenc - apresentou um ambi- sessoria de imprensa é fundamental na atual
cioso plano de comunicação social desenvol- conjuntura, a fim de profissionalizar fontes
vido a partir da década de 80 e que em pouco e disputar audiências e que impõe novos e
tempo a projetou como uma empresa mo- complexos desafios. As novas tecnologias, a
derna, aberta, sem medo da verdade e dirigida quebra das fronteiras comerciais, a
com uma visão não apenas voltada para mundialização das organizações, os relacio-
situações eminentemente técnicas e burocrá- namentos, as ferramentas e a formação, além
ticas, mas também posicionando-se nos de alguns outros aspectos demonstram uma
principais veículos de comunicação com série de mudanças que tem provocado uma
idéias políticas e sociais que interessam ao reviravolta no mundo da informação e na
país. Marcou sua presença na mídia com uma forma como as empresas lidam com o pro-
460 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

cesso de gerenciamento deste universo. Hoje, não é apenas mais um simples repassador ou
por exemplo, constatamos uma excessiva receptor de informações, mas sim aquele que
oferta de informação e uma pulverização de busca condições para se inserir como gestor
públicos e meios. Lidamos com um de informação, em um processo dinâmico,
vastíssimo horizonte de mídias de todos os novo e desafiador.
tipos e tamanhos, dos jornais de comunida- As assessorias de imprensa se expandi-
des às grandes redes de comunicação espa- ram principalmente nas últimas décadas. O
lhadas pelo mundo, das redes de informação crescimento se deu na atualidade, em função
das ONGs às agências on-line dos jornais. da expansão dos negócios, através de incor-
E se as empresas estão irremediavelmente porações, fusões e que com isso consequen-
ligadas ao mundo da informação, o que é temente as empresas passaram a ter uma
preciso é melhorar a qualidade da comuni- maior necessidade de comunicação, bem
cação que se pratica, torná-la cada vez mais como se definiu uma abertura do universo
estratégica, oportuna, coerente com os ne- de locução, onde os meios de comunicação
gócios e os valores de cada organização. O saíram de um discurso autoritário para um
que só se faz com organizações cada vez mais discurso muito mais democrático, denunci-
integradas à vida social, atentas ao seu correto ando escândalos e corrupções não só das
posicionamento, coerentes com suas políti- malhas da administração pública como tam-
cas. A comunicação deve ser o resultado de bém dos negócios ilícitos das empresas
uma postura empresarial possível de ser privadas. Isto obrigou as empresas a serem
apresentada e justificada junto à sociedade. mais transparentes para a sociedade. As
Perde poder na atualidade o antigo setor posturas low profile estão sendo substituídas
de comunicação como único depositário da pelas posturas high profile. Um terceiro fator
informação a ser transmitida à mídia, e identificado, o fenômeno da globalização,
ganham destaque a própria organização e pois cada vez mais as empresas e os negó-
todos os seus componentes, que estão o tempo cios estão transnacionais. Com os países
todo interagindo com o mercado e a própria “derrubando” suas fronteiras do ponto de vista
imprensa. Para os profissionais que estão político e econômico isto cria, de certa forma,
atuando na área, o grande desafio apontado a necessidade de uma teia de organização
é o de qualificar a informação disponível, global, uma malha mais abrangente. O que
reconhecer a pluralidade dos públicos, imediatamente obriga as empresas a reagir
posicionar corretamente a organização junto com intensidade aos fenômenos de mercado.
aos meios de comunicação dentro de um Através de uma competente administra-
projeto sistemático e permanente, que englo- ção das informações, uma organização ne-
be preceitos éticos bem definidos, falas cessita de um bom trabalho de comunicação
programadas e ajustadas, uniformes e tem- desde o momento em que é criada e que
peradas com uma boa cultura de comunica- conforme se amplia expande o seu sistema
ção. A cada dia se define um consumidor de comunicação. Ao mesmo tempo, as gran-
de informação/produtos/serviços/cidadão des organizações partiram na frente e se
muito mais exigente, mas que é preciso consolidaram, mas cada organização precisa
cultivar e conquistar. E isto depende eviden- criar a sua identidade, independente de seu
temente de uma boa formação dos profissi- porte, planejando uma intensa comunicação
onais. Há espaço para oportunidades cada vez para tipificar produtos e serviços diferenci-
mais interessantes, mas é preciso muita ados.
responsabilidade, eficácia e criatividade. É Ficou caracterizado que a informação é
preciso também que se reflita a respeito de vital para a vida das organizações, pois as
projetos, estratégias e conceitos. É preciso empresas precisam saber o que está acon-
rever rapidamente conhecimentos e questi- tecendo na sociedade. É a partir destas
onar ações e ferramentas a cada situação possibilidades que são definidas estratégias,
nova. Antes de tudo, é preciso não temer táticas, processos, métodos e filosofias.
o novo, arriscar e ousar. Ao tentar reconhe- Ao valorizar a importância da formação
cer os novos espaços de atuação, o estudo e da ética, foi detectada a necessidade de uma
em questão identificou um profissional que postura de informação clara, transparente,
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 461

objetiva e concisa por parte do profissional, onar a chamada revolução das fontes.
mediador, procurando sistematicamente ajus- Revolução que rompe as fronteiras do
tar os interesses da sociedade aos interesses jornalismo, impondo aos processos sociais
da organização. É preciso definir melhor as uma nova linguagem, tão vigorosa quanto
formas de comunicação a serem utilizadas, eficaz: a linguagem do acontecimento, com
prevendo principalmente a compatibilização a qual se produz a atualidade, dinâmica
do código do consumidor com as informa- complicada da qual o jornalismo faz parte.
ções que saem das organizações. O potencial transformador dos aconteci-
Com a consolidação da democracia e a mentos através da atualidade tem, no sen-
abertura da economia ao mercado internaci- tido jornalístico do conceito, a dimensão das
onal, novas regras se definiram para as razões, que mais não é do que a dimensão
empresas, instituições e pessoas públicas. A ética. O direito à vida, à liberdade, à ver-
comunidade e seus vários segmentos assu- dade, à informação; à honra e à dignidade;
miram lugar de destaque e comunicar-se o direito à casa, ao voto, à justiça, à edu-
deixou de ser uma opção, transformando-se cação, ao trabalho, à saúde; o direito de falar,
em necessidade, obrigação e imposição de de ir e vir, de silenciar, de estar só e de se
um relacionamento onde credibilidade, opor- associar. Na dimensão das razões está a fonte
tunidade e reconhecimento são fundamentais. dos critérios para atribuir significados aos
Responder prontamente às demandas que são acontecimentos e às transformações que eles
colocadas pelos usuários é questão primor- produzem ou podem produzir.
dial, já que cada vez mais torna-se difícil Na perspectiva pragmática, contribuir para
manter uma boa imagem omitindo-se em a credibilidade da notícia é a maneira mais
momentos de crise, deixando sem respostas inteligente de, na contrapartida, as fontes
as queixas e reclamações, fugindo do escla- institucionais se beneficiarem do jornalismo
recimento de problemas que afetam a comu- e do sucesso da sua vocação perseverante.
nidade. Tudo isso, exige um relacionamento Mas a razão mais forte é de natureza ética
cada vez mais profissional com os públicos, e tem nome que identifica um dos mais
e principalmente com a utilização correta dos preciosos valores universais: direito à infor-
meios de comunicação. mação, o direito de informar e ser informa-
Planejar de maneira sinérgica e integra- do, de opinar e receber opiniões - que não
da, tornar equilibrados os fluxos, tornar pertence aos jornalistas, nem à imprensa, nem
simétricos o institucional e o comercial, às fontes, mas à sociedade e a cada cidadão.
valorizar e enfatizar canais participantes, Existe, portanto, o dever de socializar,
estabelecer uma identidade forte e transpa- além das informações, as opiniões, os saberes
rente para a projeção externa e reconhecer e os conhecimentos que ajudam à compre-
a comunicação como poder organizacional ensão da realidade ou a transformá-la para
também foram objetos identificados pela melhor. Essa é a vertente que legitima a
pesquisa como fundamentais para que as atuação profissional dos jornalistas nas ins-
empresas possam alcançar o que Chaparro tituições, produtoras interessadas de aconte-
denomina de a dimensão das razões, dimen- cimentos e conteúdos. E que deu sentido a
são de natureza ética e que pode proporci- esta pesquisa.
462 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 463

Gutenberg cai na rede. Os principais impactos que a internet


impôs aos processos de produção de um jornal diário,
de porte médio, da cidade de Campinas
Carlos Alberto Zanotti1

A incorporação da rede mundial de do-se de maquinário próprio desde o prin-


computadores ao instrumental disponível nas cípio, em linotipia para composição, e prelo
redações de jornais multiplicou exponencial- rotativo para impressão.
mente o número de correspondências que os Ao longo de sua existência, o “Correio”
leitores tradicionais costumavam enviar aos acabou se transformando no projeto
editores, algumas delas aproveitadas nas jornalístico impresso mais bem sucedido da
chamadas colunas de leitor. Além desse efeito região de Campinas, cidade onde já contou
imediato, o acolhimento da internet ao com o concorrente de peso “Diário do Povo”
ambiente de trabalho gerou entre os jorna- e o efêmero “Jornal de Hoje”. Na década
listas a sensação de haver maior vigilância de 1980, o jornal chegou mesmo a ocupar
por parte do leitor, ampliou o número de o 8º lugar em faturamento no”ranking dos
sugestões de pautas por eles espontaneamen- diários brasileiros.
te encaminhadas, e deslocou dos limites Desde 10 de fevereiro de 1998, a Rede
territoriais o conceito de público. Estes são, Anhanguera de Comunicação mantém na
até agora, alguns dos impactos mais impor- internet o sítio “Cosmo”, ao qual atribui o
tantes que a internet produziu no jornalismo slogan de “o maior portal do interior de São
impresso que, desde o advento da televisão, Paulo”. Nele, a organização oferece links às
não passava por uma onda tão forte de produções da casa, bem como dá acesso a
alterações em sua condição original, que várias outras edições virtuais de jornais
remonta de pelo menos cinco séculos quan- impressos da região. Entre vários serviços
do da propagação do invento de Gutenberg. (mecanismo de busca, salas de bate-papo,
Os dados acima foram apurados a partir mural de recados, notícias da última hora e
de um estudo de caso feito junto a uma das espaço para manifestações do leitor on-line)
empresas jornalísticas mais importantes do o jornal disponibiliza gratuitamente na rede
interior do Estado de São Paulo, o jornal os principais textos do “Correio Popular”,
“Correio Popular”, editado pela Rede junto aos quais divulga os endereços
Anhanguera de Comunicação (RAC), com eletrônicos de seus jornalistas para eventuais
sede na cidade de Campinas. Além da pro- cartas à redação.
priedade do jornal, o grupo campineiro ainda
detém o controle do portal “Cosmo”, que em Metodologia empregada
26 de julho de 2001 associou-se, em regime
de parceria, ao portal “IG”; possui uma Para testar a hipótese que norteou a
agência de notícias que fornece materiais investigação empreendida neste trabalho,
jornalísticos aos produtos da casa; edita outro foram abertas duas frentes de apuração: uma
jornal, de cunho popular, chamado “Diário pesquisa bibliográfica e de periódicos; e um
do Povo”, e faz circular gratuitamente aos estudo de caso, no qual o jornal “Correio
domingos o jornal de bairro “Gazeta do Popular” foi submetido a duas técnicas de
Cambuí”. pesquisa: 1) Análise de conteúdo do meio
Com uma tiragem média de 45 mil impresso, referente à participação espontâ-
exemplares em dias úteis, e 75 mil aos nea direta do leitor; e 2) Realização de
domingos, o “Correio Popular” foi ao longo entrevistas semi-estruturadas com jornalistas,
de sua existência o diário economicamente de diferentes funções, que iniciaram suas
mais forte da cidade de Campinas. A em- carreiras em período anterior aos recursos
presa foi fundada em 4 de setembro de 1927, possibilitados pela internet. A pesquisa bi-
pelo então vereador Álvaro Ribeiro, servin- bliográfica teve dois objetivos principais:
464 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

apurar a pertinência de pressupostos teóricos tões ‘como’ e ‘por quê’ certos fenô-
de Marshall McLuhan2, segundo os quais, a menos ocorrem, quando há pouca
partir de um novo meio, os anteriores en- possibilidade de controle sobre os
contram para si novas configurações; e eventos estudados e quando o foco
entender o significado da própria rede de interesses é sobre os fenômenos
mundial de computadores na produção jor- atuais, que só poderão ser analisados
nalística da atualidade. A validade desta dentro de algum contexto de vida
técnica é pertinente ao que se pretende apurar, real”.
uma vez que “A principal vantagem da
pesquisa bibliográfica reside no fato de Ao enfocar as intenções deste método de
permitir ao investigador a cobertura de uma pesquisa, Gil5 afirma que “os propósitos do
gama de fenômenos muito mais ampla do estudo de caso não são os de proporcionar
que aquela que poderia pesquisar conhecimento preciso das características de
diretamente”3. uma população a partir de procedimentos
Ao lado da pesquisa nos chamados livros estatísticos, mas sim o de expandir ou ge-
de referência, procedeu-se ainda a um levan- neralizar proposições teóricas”. Com o autor,
tamento da discussão que o tema tem ensejado também concorda Godoy, ao afirmar que:
na própria mídia impressa, observando-se os
principais textos publicados por especialistas “Ainda que os estudos de caso sejam,
em jornais de grande circulação. Periódicos em essência, pesquisa de caráter
especializados, jornais diários, revistas de qualitativo, podem comportar dados
informação semanal e sítios de internet foram quantitativos para aclarar algum as-
assim rastreados com o objetivo de se buscar pecto da questão investigada. É im-
a maior atualidade possível para os dados portante ressaltar que, quando há
recolhidos, incluindo-se levantamentos análise quantitativa, geralmente o
sociométricos realizados por institutos de tratamento estatístico não é sofistica-
pesquisas. Afinal, ainda segundo Gil, “As do”.6
revistas constituem a principal fonte de
divulgação de pesquisas científicas”, enquanto Partindo-se, então, do pressuposto de que
que os jornais “podem ser bastante úteis numa o estudo de caso “é caracterizado pelo es-
pesquisa, à medida que proporcionam infor- tudo profundo e exaustivo de um ou de
mações atualizadas”. poucos objetos, de maneira a permitir o seu
Para o estudo de caso, escolheu-se o conhecimento amplo e detalhado”7, a citada
ambiente em que as hipóteses aqui levanta- empresa de comunicação foi escolhida por
das pudessem ser testadas, mesmo reconhe- inserir-se no universo típico de suas
cendo-se que a dificuldade de sua genera- congêneres.
lização seja uma das principais limitações No estudo de caso, duas técnicas de
apresentadas por este método. “O propósito levantamento de dados foram adotadas: 1)
fundamental do estudo de caso (como tipo Levantamento espacial de conteúdo da pu-
de pesquisa) é analisar intensivamente uma blicação impressa “Correio Popular”, de onde
dada unidade social, que pode ser, por se retirou dados de caráter quantitativo,
exemplo, um líder sindical, uma empresa que oferecendo a categoria de análise “cartas dos
vem desenvolvendo um sistema inédito de leitores”; e 2) Entrevistas semi-estruturadas
controle de qualidade, o grupo de pessoas com jornalistas da publicação cujas carreiras
envolvido com a CIPA (Comissão Interna de tiveram início no período anterior à adoção
Prevenção de Acidentes) de uma grande da Internet no referido diário, onde se apli-
indústria que apresenta baixos índices de cou o método de pesquisa qualitativa, dando
acidentes de trabalho” 4 , explica Arilda origem à categoria “jornalistas: os impactos
Schmidt Godoy. Ainda segundo a autora, em andamento”, com sete sub-categorias de
análise.
“O estudo de caso tem se tornado a Em relação ao levantamento espacial de
estratégia preferida quando os pesqui- conteúdo, procedeu-se a uma detalhada
sadores procuram responder às ques- catalogação das cartas de leitores publicadas
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 465

no “Correio Popular” durante o mês de ção sistemática, objetiva e quantitativa do


dezembro de 1995, quando o jornal ainda não conteúdo da comunicação”8.
havia adotado a internet enquanto canal de
comunicação com seu público, confrontan- Multiplicam-se as correspondências
do-se estes dados com os também recolhidos
no mês de dezembro de 2001, período em Na tabela abaixo, encontra-se o resumo do
que a empresa já se inserira plenamente na levantamento quantitativo relativo às cartas de
rede mundial de computadores. leitores publicadas na coluna “Correio do Leitor”,
No levantamento das cartas de leitores, nos meses de dezembro de 1995 e de dezembro
procurou-se apurar: 1) O volume de cartas de 2001, feito junto aos arquivos do jornal. Na
publicadas nos meses de dezembro dos anos oportunidade da pesquisa, o jornal já havia se
de 1995 e 2001; 2) Os temas abordados em desfeito dos originais de seus leitores referentes
tais correspondências; 3) As cidades de ao ano de 1995, sabendo-se, no entanto, que
origem dos leitores que tiveram suas cartas naquele período as correspondências chegavam
publicadas; 4) A forma de encaminhamento, apenas por fax ou carta convencional.

QUADRO COMPARATIVO DOS DOIS PERÍODOS


Itens apurados / período DEZ/95 DEZ/2001 Variação
Número de correspondências publicadas 105 314 +201%
Espaço editorial ocupado (em cm/col) 1.503 2578 +71%
Cartas comentando cartas 2 16 +700%
Cartas de outras cidades 10 14 +40%
Fax 83
Dado
Forma de encaminhamento Cartas não 21
disponível
Email 210

se por correio, fax ou email; e 5) O espaço O quadro comparativo indica que o


que o jornal dedicou, nos dois períodos, à intervalo de seis anos entre os dois períodos,
publicação das cartas. estrategicamente escolhidos por representa-
Ao levantar este volume de dados, a rem as fases de pré-adoção e plena vigência
intenção foi descobrir se, de fato, houve da internet, registrou um aumento de 200%
alguma alteração na comunicação leitores- na participação do público. Registre-se que
jornal, motivada que fosse pelas facilida- não houve adoção de qualquer política es-
des oferecidas pela internet, o que deu pecífica do jornal voltada a ampliar esta
origem a duas sub-categorias de análise: participação e nem existiam, no período
“Espaços editoriais”; e “Tipos de corres- anterior, orientações no sentido de evitar ou
pondências”. As tabelas obtidas a partir da censurar participações que não estivessem
coleta de dados visaram comparar o nú- sintonizadas com a política editorial da
mero de leitores que escreveram ao jornal publicação. As cartas, em dezembro de 1995,
nos dois distintos períodos (dezembro de eram raras de fato, tanto que nos dias 11 e
1995 e dezembro de 2001); a diversidade 27 daquele mês apenas uma manifestação foi
de preocupações por eles manifestadas; o publicada; e nos dias 10, 18 e 25 a coluna
espaço editorial dedicado pelo jornal à sequer figurou nas páginas da publicação.
participação direta do público; o raio Entre os dois períodos levantados, cons-
geográfico abrangido por estas manifesta- tatou-se um aumento de 3,35 para 10,12 no
ções; e o peso da internet nas formas atuais volume médio de manifestações diariamente
de comunicação que o jornal mantém com publicadas. Também cresceu o número de
seus leitores. Este método de investigação cartas enviadas por leitores de outras cida-
insere-se no plano da observação direta des. Houve ainda um incremento da ordem
extensiva, enquadrando-se na categoria de de 700% no número de cartas comentando
análise de conteúdo, que “permite a descri- manifestações de leitores, saltando de 2 para
466 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

16 o número de correspondências com este Um exemplo do avanço permitido pela


teor. Internet vem do colunista e editor de Polí-
Os emails são hoje o principal meio de tica, Edmilson Siqueira10, que já não mais
contato entre os leitores e a coluna “Correio corrige os telegramas (telex) oriundos das
do Leitor”, respondendo por 66,87% das agências noticiosas. O texto digital eliminou
correspondências, enquanto as cartas respon- dificuldades que levavam a imprecisões,
dem por 26,44% das manifestações ali encurtando o tempo entre sua chegada à
publicadas e o fax, por apenas 6,69%. No redação e sua impressão no jornal: “Ficou
período anterior, relativo a dezembro de 1995, mais fácil trabalhar em todos os sentidos”11,
tais correspondências chegavam por fax ou “foi uma revolução”12.
cartas convencionais. Outro aspecto importante apontado diz
Em contrapartida, o jornal se viu instado respeito à apuração jornalística, seja para
a cuidar melhor deste canal dedicado às cor- conceber pautas seja na produção da repor-
respondências dos leitores. O espaço destinado tagem. A internet, devido à sua configuração
à coluna cresceu 71,5%, o que representa apenas de um grande banco de dados, é considerada
30% da necessidade gerada pela nova deman- uma “fonte inesgotável” de pauta13, permi-
da, ainda que reprimida pela orientação de fixar tindo até mesmo a consulta aos textos de
em no máximo 15 linhas o tamanho médio de outras publicações jornalísticas, já que a rede
cada manifestação, baixada em outubro de 2001. é um “megajornal”. Carvalho14 chegou a fazer
O volume de manifestações do público cres- pesquisas no The New York Times para redigir
ceu, portanto, muito acima do interesse do jornal parte de uma reportagem feita na cidade de
em permitir a publicação de tais manifestações, Campinas. Ele também repercutiu no muni-
o que pode indicar estar havendo um erro de cípio um protesto gay que se realizava em
estratégia em termos editoriais e/ou Salvador (BA), a respeito de bancos de
mercadológicos. sangue.
Embora o jornal “Correio Popular” tenha Pautada para uma reportagem sobre
cuidado melhor da visualização e imposto evolução da Aids, a repórter Teresa Costa15
padronizações ao espaço dedicado ao “Cor- procurou dados, para contextualizar o tema,
reio do Leitor”, inserindo ilustrações e apli- em sítios governamentais que documentam
cando cores de modo a tornar mais agradável a evolução e incidência da doença. Alimen-
o espaço sob o ponto de vista estético, ainda tados por especialistas no assunto, esses
hoje há uma demanda reprimida das parti- bancos de dados são considerados pela re-
cipações que diariamente chegam ao jornal. pórter do “Correio” uma fonte fiel e perma-
nente de estatísticas oficiais. Em termos
Impactos de toda ordem práticos, as entrevistas jornalísticas, que até
então eram geralmente feitas por telefone –
A primeira subcategoria de análise apu- equipamento que muita agilidade dava (e
rou que, de um modo geral, a informatização ainda dá) aos repórteres – podem agora ser
das redações é considerada pelos jornalistas feitas via email. “O cara responde por es-
entrevistados como uma etapa que facilitou crito”16, o que é visto como um documento
a produção do jornal, eliminando papel, mais concreto que a interpretação subjetiva
acelerando o tráfego de informações e redu- do repórter para uma conversa telefônica. A
zindo erros decorrentes de redigitações. A mesma vantagem aplica-se às manifestações
internet aparece como uma etapa posterior, públicas do leitor17, que até então precisa-
que acelerou ainda mais o processo produ- vam ser novamente digitadas no processo de
tivo interno e multiplicou as relações exter- edição.
nas do jornal e jornalistas, seja com leitores, Na condição de editor-executivo da
assessorias de imprensa, agências noticiosas publicação analisada, Marcelo Pereira usa a
ou fontes de informação de caráter primário. internet para manter-se constantemente
Não foi à toa que o próprio diretor do grupo, atualizado a respeito dos fatos jornalísticos
Nelson Homem de Mello9, afirmou que “hoje relevantes que estejam ocorrendo durante sua
fazer jornal é brincadeira” se comparado ao jornada de trabalho. Com isso, consegue ir
período em que iniciou sua vida profissional. definindo, com mais precisão e de forma mais
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 467

bem planejada, o espaço editorial que cada acessá-los, diferentemente do que ocorre com
editoria ocupará na edição em fechamento. os meios eletrônicos convencionais.
Um assunto internacional de grande relevân- A segunda subcategoria de análise
cia, como foi o caso dos atentados em 11 registrou ter a internet levado definitivamen-
de setembro de 2001 na cidade de Nova York, te o leitor para dentro do jornal, papel que
obrigou a abertura de mais espaço na editoria o telefone – por mais que se tentasse – não
internacional, situação análoga a tantas outras conseguiu cumprir. O telefone exigia que,
de interesse do jornal, que foram percebidas dentro da redação, alguém estivesse dispo-
graças ao advento da rede mundial de com- nível para atender, anotar sugestões ou sim-
putadores. plesmente ouvir uma crítica do público no
Também na categoria das grandes trans- exato momento da ligação. Como se sabe,
formações que a internet trouxe ao jornalis- na maior parte do tempo o jornalista está em
mo impresso, os jornalistas incluíram a reuniões de trabalho ou está na rua, levan-
adoção do email nas redações, ferramenta que tando dados para a produção diária, quando
permite um contato direto, para troca de o interessado deixava (ou evitava deixar) re-
correspondências, entre jornalista e leitor, cado com a telefonista. A sincronia era difícil,
tanto para receber denúncias, críticas e o que desestimulava um contato maior entre
sugestões, como para estabelecer um diálogo as partes. O email mudou esse estado de
entre as partes. Siqueira costuma responder, coisas. No “Correio Popular”, as correspon-
de forma individualizada, os emails dos dências à redação foram quintuplicadas depois
críticos de sua coluna política, coisa que não da internet, e 80% das que hoje chegam o
faria se tivesse que escrever cartas conven- fazem por meio da rede de computadores.
cionais para os leitores. As estatísticas apontam que há pelo
A propriedade multiplicadora da internet menos 200 mil internautas na cidade de
também “modificou a carga e especialmente Campinas, contra uma tiragem média de 45
o in-put de informação”18 que chega ao jornal. mil exemplares diários do “Correio Popu-
Os jornalistas recebem hoje muito mais lar”. O público do jornal foi, portanto,
informações do que recebiam até então em potencializado pelo sítio de acesso gratuito
seus ambientes de trabalho. Se antes as que a publicação mantém em seu portal
correspondências chegavam apenas aos edi- “Cosmo”. Ali estão disponibilizadas as
tores, hoje elas chegam (de forma multipli- notícias mais importantes do dia e os textos
cada) potencialmente a todos os jornalistas de todos os colunistas do jornal, bem como
da casa. Carvalho, por exemplo, em atividade links para envio de email a todos os pro-
que desenvolve paralelamente, envia releases fissionais da casa. Há casos já observados
de assessoria de imprensa às chefias e aos de emails remetidos ao jornal, durante a
repórteres. Essa carga extra de informação madrugada, pedindo correção de dados
circulante representou também uma sobrecar- existentes na versão on-line, antes mesmo
ga de trabalho para os que recebem tais da circulação do jornal em papel.
informações, mas garante uma circulação Essa multiplicação do público não ficou
mais livre e um controle descentralizado dos restrita à área geográfica dos limites de
informes que chegam aos jornais. Campinas. Não é raro os jornalistas do
O impacto relatado acima é visto, con- “Correio” receberem emails de leitores re-
tudo, como apenas uma parte inicial da onda sidentes em localidades aonde não chega a
de transformações que ainda continuará atin- publicação impressa. Até mesmo internautas
gindo o jornalismo impresso. Há uma sen- de outros países, como Canadá, Estados
sação generalizada de que a internet afetará Unidos e África do Sul, já chegaram a enviar
o meio impresso com muito mais impacto emails comentando reportagens disponibi-
que os meios de comunicação que a prece- lizadas no sítio. Tratam-se de pessoas que,
deram e fizeram incursões no campo do de alguma maneira, ainda mantêm um vín-
jornalismo – o rádio e a televisão. O fato culo que um dia criaram com a cidade de
se deve à capacidade que têm as publica- Campinas. É o reforço da tese da
ções virtuais de armazenar dados e torná-los desterritorialização do público, permitida pela
disponíveis quando os leitores quiserem rede mundial de computadores.
468 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Essa nova etapa de participação do leitor putadores, perceberam que aumentam as


na produção jornalística leva a três conse- possibilidades de terem suas cartas publicadas
quências possíveis: a) a inclusão de novas se forem enviadas por email.
pautas ou temas ao cotidiano do jornal, fruto A multiplicação de cartas criou um sério
das sugestões do leitor; b) a retificação de problema para os profissionais da casa. O
informações incorretas ou mudança de rumo antigo critério de publicá-las por ordem de
em determinada investigação jornalística, chegada, em vigência até outubro de 2001,
decorrente da crítica do público; e c) o levou a uma lista de espera que chegou a
rastreamento da opinião dos internautas/lei- 4 meses, tornando as manifestações
tores em temas variados, decorrente da desatualizadas e criando um clima de insa-
participação pública nas enquetes que a tisfação junto ao público. A saída foi aumen-
publicação virtual realiza regularmente em tar o espaço editorial dedicado à editoria e,
seu sítio. ao mesmo tempo, limitar o número de linhas
Além da participação maior do público permitido para cada manifestação. Além de
no cotidiano do jornal, o jornalista sente que mais leitores participarem da coluna, há
há também uma vigilância maior sobre o seu também casos de leitores que potencializaram
trabalho. O profissional de imprensa tem suas manifestações. Não deixa de ser curioso
agora um retorno imediato do que escreve que tais leitores não costumem participar das
e consegue avaliar o quão intensamente o manifestações on-line permitidas no link
tema está presente na agenda de preocupa- “Comente esta Matéria”, que o jornal man-
ções do público. O fato “aumenta a respon- tém no portal “Cosmo”, no qual não há res-
sabilidade”19 do jornalista, por um lado, e trição de espaço. Apesar das restrições es-
permite o advento de um público “mais paciais, eles preferem escrever para o jornal
exigente”20, por outro. impresso.
De ordem prática, a internet acrescentou A quarta subcategoria de análise aponta
pelo menos duas novas tarefas ao cotidiano que a internet impôs aos jornais impressos
do profissional de imprensa. A primeira é ter a contratação de mais funcionários, desta vez
que avaliar um volume imprevisível de especializados na produção virtual, do téc-
correspondências “baixadas” diariamente na nico em informática ao jornalista profissio-
caixa postal de cada jornalista da casa. A nal. Aparentemente, todas as empresas
segunda é ele se sentir na obrigação de dar jornalísticas se sentiram na obrigação de
explicações daquilo que faz ou fez. É o caso ocupar esse novo espaço na comunicação
da editora das cartas dos leitores, que regu- social, antes que outro ramo de atividade o
larmente tem que se explicar sobre os cri- fizesse. Foi o medo de “perder o bonde da
térios que adota para rejeitar ou resumir uma história” que forçou o ingresso das empresas
carta enviada àquela editoria do jornal. Ao jornalísticas no ramo virtual. O computador,
comentar o fenômeno, Fonseca disse que se este sim, reduziu drasticamente o número de
sente obrigada a tornar mais transparentes os funcionários necessários à produção de jor-
critérios que usa em seu trabalho, admitindo nais impressos. Registre-se que, apesar deste
que “tenho mais vigilância, não só do meu efeito colateral negativo, o jornalista prefere
chefe como também dos leitores. Então, me o momento atual ao anterior, pois obtém mais
deu mais trabalho no sentido de justificar o agilidade e velocidade ao seu trabalho,
que faço”. embora, em muitos casos, a tecnologia tenha
Na terceira subcategoria de análise, significado um acúmulo de funções21.
observou-se que no “Correio Popular” o A quinta subcategoria de análise apurou
volume de correspondências enviadas à que os escalões superiores do jornal “Cor-
coluna “Correio do Leitor”, espaço da pá- reio Popular” recebem uma média de 150
gina 2 tradicionalmente dedicado às mani- emails diariamente. Até onde conseguem
festações escritas do público, foi multiplica- avaliar, é a forma preferida pelo leitor para
do por dez depois do advento do email. Até se comunicar com o jornal. Diretor e edi-
mesmo leitores de idades mais avançadas, que tores lêem pessoalmente as mensagens que
possivelmente não tenham o hábito de na- recebem, sem haver qualquer processo de
vegar nos sítios da rede mundial de com- filtragem, o que deve garantir um elevado
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 469

grau de retorno para os interessados em uma sive, alterar uma página momentos antes de
manifestação da empresa ou adoção de sua impressão. No “Correio Popular”, chega-
medidas por parte do jornal. Os emails tra- se mesmo a fazer reuniões numa espécie de
tam de toda sorte de temas, incluindo pedido chat para encaminhar a produção do dia –
de informação complementar a reportagens esteja cada participante onde estiver. O
publicadas. colunista político, por sua vez, mesmo es-
A coluna de política recebe quase 1.000 tando em casa, consegue agora manter com
mensagens ao mês, um número considerado suas fontes, via email, o mesmo contato que
grande para um jornal do porte do “Correio manteria se estivesse na redação, também
Popular”, sediado em cidade de porte médio. atualizando-se na leitura de outras publica-
Na forma de cartas ou telefonemas, o editor ções via net e remetendo sua produção editada
da coluna nunca recebera, em período an- para a redação do jornal ao final do expe-
terior à rede, tantas manifestações. Por sua diente25.
vez, somente no mês de novembro de 2001, A facilidade proporcionada aos profissi-
a repórter especial (Costa) recebeu 735 onais de imprensa fica potencializada quan-
correspondências de seus leitores, todas do se observa a situação que enfrenta a editora
através da internet. Entre os emails, há 25 das cartas dos leitores, que devido às suas
propondo matérias sobre meio-ambiente e particulares limitações de ordem física já se
outros 17 sugerindo temas em astronomia. prepara para, num futuro não muito distante,
Antes, essa avalanche de correspondências evitar o desconforto de ter que diariamente
era impraticável. Aqui há duas fortes evidên- sair de casa e dirigir-se à redação do jornal.
cias: a internet aumentou o volume de “A internet vai ser muito boa neste sentido,
mensagens enviadas à publicação e permitiu pois vai me dar a mobilidade que eu vou
maior participação do leitor na produção da precisar para poder continuar trabalhando”26.
pauta. Esse tipo de teletrabalho terá condições de,
A sexta subcategoria de análise apurou seguramente, incorporar ao ramo um contin-
que, em termos de rotina de trabalho, a gente inestimável de profissionais que dei-
internet já permitiu uma redução do tempo xam de trabalhar devido a deficiências fí-
de permanência do profissional de imprensa sicas que impedem suas locomoções. Em
nas redações do jornal22. Este sempre foi um sentido oposto, o risco que se corre é o de
grande problema para a categoria, que conta levar ao afastamento dos profissionais que,
com jornada regulamentar de trabalho de 5 reunidos no ambiente de trabalho, produzem
horas diárias (mais 2 horas extras legais), um clima que dá uma espécie de “espírito
tempo insuficiente, na maioria das vezes, para próprio” a cada publicação, considerado vital
acompanhar o desenvolvimento de um fato para a inspiração de alguns27, especialmente
jornalístico ao longo do dia. Ao assumir daqueles que se iniciaram na profissão nos
funções do editor que produz e orienta pautas, tempos anteriores ao advento da rede mun-
o problema se agrava, pois a jornada de dial de computadores.
trabalho tende a se esticar, com um intervalo Não há dúvida, no entanto, de que as
de tempo raramente aproveitável para outras facilidades permitidas pela internet ajudam
atividades23. A má qualidade de vida, em o profissional a vencer limites e a ganhar
decorrência do estresse e da presença cons- pontos em termos de qualidade de vida, mas
tante exigida no ambiente de trabalho, sem- também colaboram para com a multiplicação
pre foi marca registrada desta profissão, uma do capital. O computador, aliado à internet,
das mais beneficiadas pela nova tecnologia tornou muito mais rápido e barato produzir
de comunicação, visto trabalhar diretamente jornais. “Se antes a gente tinha condições de
com este campo de produção. fazer uma matéria por dia, agora pode fazer
Agora se tornou possível ao editor ori- duas ou três”28.
entar, a partir de sua residência, os passos A sétima categoria de análise apontou que,
iniciais da rotina diária do jornal. De forma no início, a nova tecnologia trouxe aos
otimizada em relação ao telefone ou ao fax24, jornalistas a expectativa de que os jornais
o editor dá sugestões, aponta rumos, desloca impressos, num futuro próximo, estariam com
recursos ou edita textos e consegue, inclu- os dias contados. Em relação aos jornais on-
470 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

line, o impresso tem várias desvantagens, a da diária coberta pelos concorrentes. A


começar pela dificuldade de continuar dando empresa está mudando sua forma de pautar
“furos de reportagem”. O novo meio acele- o jornal, procurando temas diferenciados do
rou a divulgação dos fatos, o que retira do dia-a-dia da cobertura jornalística e oferecen-
impresso a possibilidade de continuar traba- do-os de forma mais completa aos seus
lhando com hard-news.29 A rigor, o rádio e leitores31.
a TV já o haviam feito, mas por exigirem A possibilidade de acomodação do meio
a sincronia da audiência, o problema não era impresso a novos conteúdos e sua coexis-
tão sentido. Além de tornar esta sincronia tência com a internet vem da evidência
desnecessária, a internet ainda tem a propri- histórica de que rádio e TV não anularam
edade de deixar a informação armazenada a demanda por jornais impressos; em situ-
para que o leitor a procure no momento em ações específicas, como é o caso de catás-
que por ela se interessar. trofes, chegam mesmo a estimular sua com-
Para um dos jornalistas entrevistados30, pra em bancas. E há ainda outras evidências
a internet está sentenciando, já para os em relação à coexistência de meios: o ci-
próximos 20 anos, a morte do jornalismo nema não matou a literatura e a televisão não
impresso. Seus custos de produção e distri- destruiu o cinema. Ao contrário, tanto a
buição são menores, tornando também menor literatura quanto o cinema vêm ganhando
seu preço ao consumidor final. Segundo ele, cada vez mais públicos e aumentando cada
o novo meio vai encontrar gerações habitu- dia mais suas receitas e orçamentos. Na
adas a fazer leituras na tela, sem “sujar as redação analisada, a internet vem sendo
mãos de tinta”. Se não bastassem esses considerada um complemento ou parceiro das
fatores, ainda seria um meio ecologicamente publicações impressas. Também por esse
correto se comparado ao jornal de papel, cuja motivo, até mesmo publicações de cidades
produção exige a derrubada de árvores, apesar de porte pequeno procuraram montar seus
da obrigatoriedade legal imposta aos produ- sítios noticiosos. Mais que uma medida de
tores de papel e celulose dos programas de precaução, trata-se de assimilar as possibi-
reflorestamento. lidades que o novo meio oferece para fun-
Esta análise de esgotamento do jornal cionar como alavanca para o meio impres-
impresso, contudo, não é partilhada por todos so32.
os jornalistas da casa. A maioria acredita Para o longo prazo, espera-se uma
numa acomodação do jornal impresso a outras mudança significativa nos conteúdos das
funções, entre as quais se destacam a de publicações, que deverão entregar a seus
atribuir um maior interesse às causas comu- leitores as hard-news através de sítios que
nitárias e impor maior aprofundamento nas mantém na rede de computadores e oferecer
reportagens que publica, tornando-as mais a análise e os novos temas da agenda social
analíticas em relação ao que se faz hoje. O nas publicações impressas. Essa adequação
jornal “O Globo”, por exemplo, já divulgou deverá exigir a formação de profissionais,
ter dado os primeiros passos neste sentido, técnica e culturalmente, melhor preparados
buscando diferenciar seu conteúdo da agen- para essas novas funções.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 471

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Lakatos, Eva Maria e Marconi, Marina 6
Arilda Schmidt Godoy, ob. cit., p. 23.
de Andrade, Metodologia do trabalho cien- 7
Antonio Carlos Gil, ob. cit., p. 72-73
tífico: procedimentos básicos, pesquisa bi- 8
Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade
bliográfica, projeto e relatório, publicações Marconi, Metodologia do Trabalho Científico:
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1992. projeto e relatório, publicações e trabalhos ci-
McLuhan, Marshall, Understanding entíficos, São Paulo, Atlas, 1992, p. 107.
9
Media: os meios de comunicação como Nelson Homem de Mello, em entrevista
gravada, ao autor, 17/jan/2002 .
extensões do homem, trad. Décio Pignatari, 10
Edmilson Siqueira, em entrevista gravada,
São Paulo, Cultrix, 1969.
ao autor, 29/nov/2001.
11
Edmilson Siqueira, idem
Entrevistas 12
Marcelo Pereira, em entrevista gravada, ao
autor, 11/dez/2001.
Carvalho Jr., Dario José. Entrevista 13
Marcelo Pereira, idem
14
concedida no campus da Pontifícia Univer- Dario José de Carvalho Jr., em entrevista
sidade Católica de Campinas às 11 horas do gravada, ao autor, 22/nov/2001.
15
dia 22 de novembro de 2001. Maria Teresa Costa, em entrevista gravada,
ao autor, 29/nov/2001
Costa, Maria Teresa. Entrevista concedi- 16
Maria Teresa Costa, idem.
da na sede do jornal “Correio Popular”, da 17
Kátia Fonseca, em entrevista gravada, ao
cidade de Campinas (SP), em 29 de novem- autor, 16/jan/2002.
bro de 2001. 18
Mario Evangelista, em entrevista gravada,
Evangelista, Mário Alberto. Entrevista ao autor, 8/nov/2001.
19
concedida na sede do jornal “Correio Popu- Nelson Homem de Mello, em entrevista
lar”, da cidade de Campinas (SP), em 8 de citada.
20
novembro de 2001. Kátia Fonseca, em entrevista citada.
21
Fonseca, Kátia. Entrevista concedida na Kátia Fonseca, em entrevista citada.
22
Mario Evangelista, em entrevista citada.
sede do jornal “Correio Popular”, da cidade 23
Dario José de Carvalho, em entrevista
de Campinas (SP), em 16 de janeiro de 2002. citada.
Mello, Nelson Homem de. Entrevista 24
Nelson Homem de Mello, em entrevista
concedida na sede do jornal “Correio Popu- citada.
lar”, da cidade de Campinas (SP), em 17 de 25
Edmilson Siqueira, em entrevista citada.
26
janeiro de 2002. Kátia Fonseca, em entrevista citada.
27
Pereira, Marcelo. Entrevista concedida na Maria Teresa Costa, em entrevista citada.
28
sede do jornal “Correio Popular”, da cidade Maria Teresa Costa, idem.
29
Marcelo Pereira, em entrevista citada.
de Campinas (SP), em 11 de dezembro de 30
Edmilson Siqueira, em entrevista citada.
2001. 31
Ali Kamel, “Vida longa para os jornais
Siqueira, Edmilson. Entrevista concedi- impressos”, http//:www.oglobo.com.br, disponível
da na sede do jornal “Correio Popular”, da em fevereiro de 2001.
cidade de Campinas (SP), em 29 de novem- 32
Nelson Homem de Mello, em entrevista
bro de 2001. citada.
472 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 473

Ideias que vendem, ideias que ninguém quer comprar e as outras.


Breve estudo acerca do poder de legitimação das audiências
Isabel Salema Morgado1

À memória da minha amiga participante, é, uma ideia nostálgica de um


Dulce Helena Varino princípio utópico das instituições de comu-
nicação social.
O tema em debate na nossa mesa “Opi- Sendo certo que neste texto se irá com-
nião Pública e Audiências”2 permite-nos, ou bater a ideia de indução para a menoridade
não, pensar que há uma correspondência entre dos povos operada pela “indústria da cultu-
o fenómeno da Opinião Pública e aquele outro ra”, termo que referencia as reflexões de
que se caracteriza pelo índice de espectado- Adorno (Adorno, 1974) que identificava esse
res que sintonizam determinada frequência fenómeno cultural e técnico como o último
ou transmissão? Têm os resultados artefacto de uma razão instrumental6, tam-
comensuráveis acerca das audiências3 auto- bém é certo que não se deixará de enunciar
ridade para virem a legitimar o poder dos um conjunto de restrições à liberdade e à
proprietários donos dos serviços de progra- verdade que quotidianamente nos são impos-
mação e de informação? E podem conside- tas por esses mesmos meios de comunicação
rar-se as suas escolhas monitorizadas e dis- social (Keane, J. 1991). E quando os núme-
tribuídas por quotas entre os objectos de ros surgem como representação de opções que
informação ou de entretenimento que con- não são tomadas verdadeiramente num es-
somem, representações de uma opinião paço plural que potencie a selecção entre os
pública? conteúdos múltiplos e diversos fornecidos
Para quem acredita que os meios de pelos diferentes media, mas sim como uma
comunicação social contribuíram decisiva- imposição de uma mesma descrição da re-
mente para aprofundar os valores ocidentais alidade ou de formas semelhantes de entre-
que constituem a nossa formação social e tenimento que inibem o livre acto de pre-
política, parecerá uma asserção anti-demo- ferir, então a liberdade de imprensa deixa de
crática aquela que defende que as escolhas ser um bem cívico para quem dela usufrui
das audiências não legitimam4 o poder de em geral e passa a ser um valor de mercado
quem conseguiu reter a sua atenção. Os em particular. Esta acção necessitará de uma
Estados democráticos terão que admitir e, em regulação que terá que ir, como se procurará
muitos casos têm que garantir, a existência justificar, para além da auto-regulação pró-
de uma imprensa livre. Esse facto político pria à das leis que aferem o processo ine-
e a circunstância da imprensa ter conseguido rente à produção e troca de bens.
expandir-se por meios cada vez mais aces- A nossa simpatia para com a ideia de que
síveis à maioria dos cidadãos, ao mesmo em democracia o número, os muitos, são a
tempo que desenvolveu a necessária consis- real fonte de legitimidade das escolhas
tência técnica e profissional dos elementos públicas, levar-nos-á, num primeiro momen-
que constituem a comunicação social, faz com to, a caracterizar o fenómeno da luta por
que os media sejam vistos como modeladores audiências como um sinal positivo do exer-
da cultura política5. Que esta modelagem cício de liberdade que pode resultar nessa
fizesse coincidir a difusão e a promoção dos selecção que os indivíduos podem realizar
princípios e convicções caros à democracia, ao sintonizar uma determinada frequência e/
com os interesses comerciais, explorando, ou adquirir determinado jornal ou revista,
sem as subordinar ao cálculo, as trocas de fruto da livre concorrência dos meios de
informação, contribuindo assim decisivamen- comunicação. Mas, como Aristóteles nos
te para a consolidação de um espaço alar- alertou, um governo democrático que não seja
gado de opinião e de formação de crítica um Estado de direito, no qual não haja uma
474 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

lei que regule a acção do governo do povo, habermasiano, implicavam um contexto social
torna-se um território de luta de demagogos que privilegiava a autoridade de um espaço
pela conquista da atenção e da paixão desse que o filósofo alemão identificou como sendo
mesmo povo7. Por que é que há-de consi- o que caracterizava o conjunto de trocas
derar-se um mal social o exercício do poder comunicacionais da sociedade civil, sendo
que envolva critérios de legitimação que esta percepcionada como uma instituição
passam pela adulação das paixões? Porquê, autónoma relativamente ao poder público do
em última análise, fazer-se coincidir, numa Estado e em relação ao poder da esfera
linha teórica muito forte desde a antiguidade, privada da família (Habermas, J., 1962:149-
o poder do governo “de muitos” com um 167). Autoridade essa reconhecida como
poder acéfalo e facilmente controlado por poder defendido e reclamado como fonte de
quem melhor souber fazê-los reagir a deter- legitimação nas novas Constituições, por
minados tópicos? 8 A questão interessa-nos contraponto ao exercício de um poder po-
porque o argumento mais difundido nas lítico autoritário ou totalitário. O conceito
sociedades democráticas relativamente ao passou a indicar que as avaliações da acção
poder dos meios de comunicação de massas, do governo e a sua publicitação constituem
é o de que as escolhas do público são matéria que se autonomiza em relação à
soberanas, e de que as audiências são legí- opinião pública veiculada pelas estruturas do
timas emanações do seu poder crítico segun- poder, como o parlamento ou os tribunais
do o critério da livre concorrência. Esta ideia (Habermas, J., 1962:99-148).
tem uma grande força retórica, mas impor- Hoje pode definir-se democracia como “o
tará ainda reflectir sobre uma outra realida- poder de públicos que fazem juízos em
de: a que defende a presença de uma regu- público” (Keane, 1991:182). Mas qual é o
lamentação que garanta o respeito universal espaço público em que esses públicos, por
pela igualdade e liberdade na procura de força da maioria, revelam os seus juízos? E
revalorizar o poder real da opinião pública9. deixou o Estado democrático, por definição
um Estado cuja origem radica na represen-
1. Definição de conceitos tação da vontade pública geral por eleição
segundo o sufrágio universal, de representar
O conceito de opinião pública no sentido a opinião pública, no exercício das suas
em que admite como descrição a ideia de competências legislativas e executivas?13
que se forma a partir do momento em que A legitimidade de uma acção democrá-
um cidadão passou a poder intervir de forma tica excede a do acto de legitimação da
directa na vida política ao avaliar os actos representação por acto eleitoral, nesse entre-
do seu governo em público, é um conceito meio surgiram espaços de comunicação que
moderno10 que assenta em pressupostos de responderam, ainda que recorrendo à
direitos e competências naturais e inalienáveis mediatização, às necessidades de fazer uso
de todos os seres humanos defendido clara- da razão pública das massas. Transformou-
mente por Kant11. Sabemos que este conceito se a democracia, e com ela o conceito de
ganha valorização filosófica, política e his- Estado, e transformou-se o conceito de sujeito
tórica com o advento das revoluções liberais que usa a sua razão e procura públicos
que potenciaram a criação de Estados de esclarecimentos, indo privilegiar como fórum
direito, e com a crescente tomada de cons- de discussão, por questões técnicas que
ciência de que ao indivíduo e ao grupo asseguram um espaço cuja presença se
compete controlar, influenciando, as acções globalizou, os media.14 Conscientes da crítica
do Estado. Essa influência pode traduzir-se que muitos dos autores partilham alertando
pela livre troca de ideias entre si e pelo pedido para o domínio do pseudo-público (Habermas,
de esclarecimento crítico acerca da actuação J.,1993:167- 183)) que hoje ocupa o espaço
das instituições, no intuito de vigiar se estas público, não nos é possível identificar o
prosseguem na realização do fim para que declínio de um determinado modelo de
foram eleitas: o interesse público ou o bem público com o esgotamento desse mesmo
comum12. As trocas comunicacionais onde se modelo. Se para os autores precursores de
realizavam essa publicidade crítica, termo Habermas (como Adorno, Horkheimer e
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 475

Marcuse, entre outros), como para os seus de instrumento de trabalho ou de orientação


seguidores, não se pode hoje, em termos estratégica para a acção dos políticos?
absolutos, utilizar o conceito de opinião Faz todo o sentido que as sociedades
pública para caracterizar o conjunto de reconheçam a independência das suas insti-
pessoas que constituem uma audiência, então tuições sociais, a confusão entre os diferen-
há que procurar as razões. tes papéis atribuídos a cada esfera não
Por audiência15 entende-se, neste primei- contribui em nada para uma melhoria da
ro momento, uma pessoa ou um grupo de qualidade de vida dos cidadãos e para um
pessoas (uma assembleia) que prestam aten- exequível projecto de cidadania. Porém,
ção a um som, imagem ou texto. Em tele- compete às populações verificarem que essas
visão, por exemplo, seria “o conjunto de mesmas instituições evoluem na conquista e
ouvintes e telespectadores que assistem a no desenvolvimento de processos de socia-
determinada actividade de radiodifusão”. lização que mantêm vivos os valores
Assim identificada, a palavra audiência passa civilizacionais que garantem em termos
a caracterizar um público cuja qualidade a adequados a participação livre e equitativa,
realçar parece ser o de consumidor de uma e há que fazê-lo com as condições reais de
determinada actividade difundida ou impres- cultura e a capacidade possível de partici-
sa e que poder ser cultural, desportiva, pação cívica dos cidadãos. E se essa veri-
informativa, etc. Então, e como a definição ficação dos actos do poder se fizer através
de opinião pública exige a manifestação em de um meio como o das comunicações de
público do uso da razão, a publicidade crítica, massas, nesta fase em que os serviços de-
onde está a discussão, a actividade analítica mocráticos actuais ainda não sabem como
desses consumidores? Os que defendem que fazer aceder o público directamente aos seus
assistir a uma determinada actividade é uma espaços de poder (de criar uma democracia
acção deliberada que implica discussão radical (Habermas, J.,1992)), então que se
(mesmo que interior) e decisão de um sujeito aceite como interlocutor a manifestação da
que prefere o produto A em preterição de opinião das audiências nos meios de comu-
B ou C, terão que defender que a audiência nicação. Não é só desejável este estado de
constitui também ela a manifestação de certa coisas, é possível. E é neste sentido que
forma de publicitar a sua opinião. Ao esco- evolve a nossa Constituição nos seus artigos
lher o programa A não se está só a escolher 37º a 40º.
uma forma privada e passiva de ocupar o Porém, os meios de comunicação não são
tempo, está a dar-se sinais explícitos do tipo utilizados exclusivamente como mediadores
de pessoas, discursos e modelos de vida que entre os diferentes poderes, eles não servem
privilegia, vindo esse comportamento a apenas como canais de comunicação pois
condicionar em termos restritos, o tipo de coexistem no mesmo espaço demagogos
orientações em forma e conteúdo dos pro- capazes de induzir comportamentos e reac-
gramas a adoptar pelos operadores de tele- ções criando, os tão comummente execrados,
visão e, num sentido lato e com as devidas pseudo-públicos e pseudo-opinião pública.
implicações sociais, o tipo de projectos/dis- Um auditório, como Perelman tão bem
cursos políticos que se está pronto a eleger. escreveu sobre o tema, é um conjunto de
Compete-nos agora reflectir acerca do tipo pessoas que um orador quer influenciar. E
de legitimidade que reside nesse tipo de aqui está o que pode acontecer, o auditório
condicionamento que as audiências avaliadas pode ser influenciado pela argumentação do
em termos estatísticos e/ou pela uso da sua orador (Perelman e Olbrechts-tyteca,
opinião, exercem sobre as esferas do poder 1988:25). Esse é agora o poder dos que
económico, cultural ou político. Já vimos que convencem ou seduzem os indivíduos a dar-
a legitimidade política não coincide exclu- lhes atenção. Quem cativa as audiências
sivamente com a legitimidade conferida pelo ganha poder. Mas que poder têm as audi-
voto. Mas deve a pressão dessa opinião ências para atribuir? Como é de uma relação
expressa pelas audiências e exercida num de poder que estamos a falar, de domínio
espaço institucional, que não é uma forma de algo ou alguém sobre outrem, interessa
restrita de natureza política, os media, servir aqui saber definir o conceito e procurar as
476 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

condições sobre a forma como se exerce esse organização que abriga os interesses do poder
tipo de autoridade.16 O uso do termo “poder” económico.
implica a presença de sujeitos, de uma Quem determina então as acções públi-
interacção mútua e da definição de um cas? Com que legitimidade se exerce esse
conteúdo para essa relação. Quem exerce o poder? David Beetham, opondo-se a Max
poder, quem se sujeita ao poder, como se Weber, diz-nos que um poder é legitimado
apresenta este poder na comunicação de não porque as pessoas acreditam nessa
massas e em especial, o que se estabelece legitimação, mas porque ele pode ser justi-
entre os programadores de televisão e as suas ficado nos termos das suas crenças (Beetham,
audiências. D., 1991:11). Assim, as pessoas reconhecem
Por poder entende-se uma relação de a autoridade de um poder se este se fizer
domínio estabelecida entre dois ou mais reconhecer no quadro dos valores que elas
sujeitos. X será subalterno em relação a Y, partilham. Mas isso deixa-nos sujeitos às
se X reconhecer, se for coagido a reconhecê- circunstâncias históricas da formação da
lo ou for persuadido a reconhecer que Y pode vontade e da opinião pública. E se, de repente,
alterar o seu comportamento. Norberto o sistema de crenças evoluir no ataque aos
Bobbio define assim o poder como “a ca- princípios de uma sociedade democrática? É
pacidade que um sujeito tem de influenciar, aceitável, só porque o quadro de referências
condicionar, determinar o comportamento de se alterou, que esse auditório possa legitimar
um outro sujeito.” (Bobbio, 1999: p.216). O uma outra forma de exercer o poder que se
poder dos meios de comunicação seria então baseie em princípios despóticas? E a pressão
o poder ideológico17 que dos meios de comunicação na constituição
das referências, situa-se a jusante ou a
“se vale da posse de certas formas de montante, das pressões exercidas pelo papel
saber inacessíveis aos demais, de de socialização das instituições estatais que
doutrinas, de conhecimentos, até operam no mesmo sentido? Beetham conside-
mesmo apenas de informações, ou ra que há três condições que têm que estar
então de códigos de conduta, para satisfeitas para que se possa dizer que um
exercer uma influência sobre o com- poder é legítimo: 1. O poder tem que estar
portamento de outrem e induzir os conforme com as regras estabelecidas; 2. As
componentes do grupo a agir de um regras podem ser justificadas num quadro axial
determinado modo e não de de crenças partilhadas quer pelo dominador
outro.”(Bobbio, 1999: p.221). quer pelo subordinado 3. Terá que existir um
consentimento explícito por parte do subordi-
Bobbio não identifica os meios de co- nado relativamente a esta forma de relação
municação como agentes deste tipo de poder, de poder (Beetham, D., 1991:15-25).
mas eu considero que a descrição os engloba Parece-nos que procurar validar assim
também, a par de outros. E o exercício dessa uma forma de poder (não só o poder político
influência atemoriza muitas consciências, já mas qualquer forma de poder) consiste numa
que o auditório que está sob influência é forte demonstração de prova. Pela primeira
numeroso, devido aos meios envolvidos e à evoca-se a validade legal da acção, pela
prática de socialização dos meios de comu- segunda procura-se ver se essas regras as-
nicação já interiorizada nos consumos quo- sentam em crenças que sejam partilhadas
tidianos, e porque o meio se serve de uma pelos sujeitos envolvidos e que acordem
linguagem mais sedutora ao comum dos relativamente (e numa adaptação ao nosso
cidadãos para vender as suas ideias do que tema das categorias de Beetham): a) ao tipo
qualquer outra das instituições de socializa- de autoridade em que assenta o poder (se
ção, as quais têm mais dificuldade em fazer por tradição, por título académico, por com-
passar as suas mensagens (escola, família, petência retórica, etc.), b) sobre os meios que
parlamento, partidos políticos, sindicatos, permitiram à pessoa adquirir as qualidades
igreja, etc.). No entanto, o acesso aos meios para exercer o poder (por cooptação, nome-
e a troca de serviços faz com que este poder ação por provas dadas no exercício das
ideológico esteja dependente do tipo de funções, etc.) e c) sobre os fins para que tende
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 477

esse poder; a terceira condição remete para associações de utentes18, ou de associações


a necessidade de ter que existir uma expres- de defesa dos direitos do consumidor, quer
são clara do consentimento por parte do quando exercem o seu direito à crítica e
subordinado. Uma relação de poder como a escrevem, telefonam ou de qualquer outra
que se estabelece entre programadores ou forma exprimem a sua posição acerca da
editores e os seus auditórios será ilegítima, selecção e do conteúdo dos programas junto
deficitária ou passível de ser desautorizada, dos serviços ou das pessoas competentes, quer
sempre que deixar de cumprir uma dessas como sujeitos jurídicos com direito de res-
condições gerais. Ora se a 1º e a 3ª con- posta e de rectificação (Correia, 2000:552-
dições estão particularmente enquadradas em 568),19 quer como sujeitos referenciados em
quadros legais e sujeitas a verificação por audimetrias, sondagens e inquéritos de opi-
parte de auditórios que vigiam o cumprimen- nião20, quer ainda como consumidores de
to das regras e da apresentação de estatís- material impresso dedicado à apresentação
ticas (o tal consentimento expresso), a se- das programações (e das figuras mediáticas)
gunda assenta em valores de uma cultura dos principais canais, quer pela presença de
cívica que podem estar sujeitos a variações colunas críticas de televisão em jornais de
que introduzam o elemento de arbitrariedade referência. Não sendo exaustivos, estes
nas relações. Dá que pensar. métodos dão-nos todavia uma amostra da
existência de um grupo que percepciona e
2. Há Ideias que vendem bem, mas que se identifica como receptor de conteúdos
devem ser julgadas com cuidado, a saber: proporcionados pelos media. Se através das
2.1. O mercado é regulador. associações temos a promoção dos interesses
de um grupo, já no que às reacções privadas
A questão do descrédito do poder das diz respeito, apenas podemos fazer o
audiências ou de quem tem poder sobre elas, somatório das individualidades. Mas se a
reside essencialmente no facto de se ter manifestação desses pareceres individuais não
procurado identificar a qualidade do tempo de tivesse peso, então não se poderia considerar
atenção atribuído a um texto ou programa com a importância desse fenómeno como um
o tempo de frequência dedicado a promover exercício de pressão. Ora, em Portugal e no
mercadorias. A audiência é tomada como um resto do mundo, a importância atribuída ao
bem negociável, o sujeito como mercadoria conjunto de telefonemas e de correspondên-
(num vocabulário marxista, sujeito à cia é significativo. Porém, há que saber o
reificação), como coisa que se troca entre leque de ofertas a que esse público se su-
programadores e anunciantes. Há que deixar, jeita, e também cabe saber se é um público
por isso, ao mercado o que a ele pertence, capaz de criticar activamente os conteúdos
retirando-lhe a hipótese de subordinar o in- percepcionados (Keane, J. 1991:147-157).
teresse geral ao seu interesse privado. Haven-
do regras que no contexto jurídico-legal 3. Ideias que ninguém quer comprar, mas
português regulamentam os meios de comu- que se impõem na teorização actual:
nicação no respeito supremo da livre comu- 3.1. Censura.
nicação, há que cumpri-las de forma a manter
a pluralidade e a independência do poder da Se a audiência é uma mais-valia para os
comunicação social, que é ideológico e nesses editores e programadores, então a promoção
termos deverá responder perante o público. de certos programas/ideias/material com uma
Daí a defesa de um serviço público que frequência baixa de recepção, deve ser eli-
funcione como garantia das liberdades e como minada? E o direito das minorias em usufruir
contra peso para a iniciativa privada; de conteúdos que interajam com as suas
necessidades? E o direito a ser interpelado,
2.2. O público sabe o que quer. informado e entretido com inteligência,
impedindo ao mesmo tempo que o Estado
Tomamos consciência dos públicos que e/ou privados seleccionem, em proveito de
forma as audiências quer a partir do momen- interesses individuais e sem discussão públi-
to em que eles se manifestam através de ca, aquilo que se devo ler, ouvir e aprender?
478 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

3.2. Conformismo ideológico mente o poder de quem as consegue con-


centrar.” Se esse poder se exercer nas
Podemos estar a criar falsas expectati- condições já enunciadas. Não se julgue no
vas ou a multiplicar falsas concepções so- entanto que esta resposta, pelo seu
ciais e políticas, ao considerarmos como imediatismo, implica um alheamento re-
indispensável e socialmente defensável o lativamente a muitos problemas como os
alargamento do espaço de argumentação e da desconsideração, por parte de alguns
discussão da coisa pública criando crenças programadores, relativamente ao receptor
de partilha de modelos e ideias universais da sua mensagem, vendo no público mais
que não têm um suporte real na vida pública um valor transaccional entre os adminis-
(Breton, P., 1992). Na verdade esta concep- tradores da estação e os anunciantes, do
ção assenta na ideia antiga de que a exis- que um sujeito autónomo e crítico. Além
tência de um grupo indiferenciado e em do mais, o que fazer com os sinais que
grande número, não constitui um sujeito fiável indicam ser a nossa era, um tempo da
em coisas relacionadas com a elevada arte massificação, da mediocridade dos pode-
de fazer escolhas racionais públicas, porque res da opinião pública e da cedência ao
sem outra qualificação que não a de se populismo? 23
apresentar como estando em maior número;
4. E as outras ideias
3.3. Iliteracia21
Os meios de comunicação, como qual-
Os indivíduos juntos a realizarem um quer outra instituição de poder social, estão
determinado acto (a trabalharem em, a ma- ainda subordinados às ideologias marxistas
nifestarem-se por, a defenderem algo ou al- de explicação da realidade. Ora, como
guém, a verem um determinado programa), cremos, a socialização pode explicar-se
que qualificações apresentam que não a de através de outras categorias como as da
serem muitos? Ademais, num país como acção comunicacional nos modelos defen-
Portugal, o número de iliteratos é grande. Que didos pelos filósofos alemães Apel e
garantias temos de uma audiência capaz de Habermas.24
interpretar os textos, as imagens e os sons Quando os efeitos de uma escolha pri-
que percepcionam? Que instrumentos de vada de um cidadão, já por si sob influência
descodificação e de leitura são capazes de da cultura cívica em que está socializado,
usar que os distancie do poder de alheação nos faz pensar que é uma opção esclarecida,
a que se está sujeito por força das linguagens esse acto publicita-se e modifica compor-
escolhidas para facilitar a compreensão? Por tamentos, na perspectiva de que os meios
outro lado há os que desresponsabilizam as de comunicação se tornem mandatários desse
audiências dizendo que a falta incorre na público. É nesta dupla implicação entre o
própria constituição do médium, que é este poder de quem escolhe o que dar a ler, a
que usurpa a nossa liberdade ao multiplicar- ouvir e a ver (Barreto e Mónica, IX
se na tentativa de manter-se sempre actual, vol.,2000: 201-206) e aquele de quem vê,
qual entidade omnipresente,22 não deixando lê ou ouve, que se procurou reflectir, na
tempo para que o sujeito possa distanciar- consciência de que esse conjunto de pode-
se dos acontecimentos e reflectir pondera- res vai por sua vez actuar sobre o poder
damente sobre as causas e sobre os fins das político e que este afecta, com as suas
acções sociais; decisões, todos os cidadãos num prazo
indeterminado de anos. É sobre esta respon-
3.4. Ditadura de maioria sabilidade que procurámos dissertar, cons-
cientes de que se formularam mais pergun-
tas do que as que conseguimos responder
Um democrata dificilmente evitará ter que efectivamente, e que as respostas dadas
dizer: “Sim, as audiências legitimam externa- ficaram muito incompletas.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 479

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Agradeço ao Professor João Carlos Correia
cação Social, Iº Vol., Coimbra,Almedina, ter-me entusiasmado a candidatar-me a este
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Comunicação e os Media Modernos, tão interessante. Ao meu marido Amadeu, meu
Legitimação e Poder nas Sociedades Com- interlocutor em presença, e à minha mãe, em quem
plexas, Gulbenkian, Lisboa. descanso o Manuel, os meus agradecimentos.
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Öffentlichkeit). (1992). rizar o perfil das audiências ou para descrever
a atitude dos programadores na relação com o seu
Habermas, Jürgen, (1997) Droit et
público. Sendo aquela uma tarefa de grande
Démocratie, Paris, Gallimard, 1997 (Faktizität
importância e de muito interesse científico, deixo
und Geltung).
a quem de direito a tratar desses temas. Leia-se,
Kant, Immanuel, (1784), “Resposta à per- por exemplo, o artigo de Ana Paula Menezes
gunta: que é o iluminismo?”, In A Paz Perpétua Fernandes que tratou com clareza e de forma
e outros opúsculos, trad. A. Morão, Lisboa, Ed. sintética estes assuntos, em http://www.aps.pt/
70, 1992:11-19 (“Was ist Aufglarüng?”) ivcong-actas/Acta137.PDF. Ou ainda os artigos de
Keane, John, (1991), A Democracia e os Eduardo Cintra Torres sobre estas questões, entre
Media, trad. Mª Filo. Duarte, Lisboa, Temas outros autores. O que se procura com este tra-
e Debates, 2002 (The Media and Democracy). balho é aprofundar, desenvolver e defender a teoria
480 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

16
que analisa a existência de um elo de ligação entre Tratar-se-á de uma discussão acerca das
a audiência (que não é uma realidade redutível razões apresentadas e/ou preconcebidas para o
aos estudos de audimetria) e a opinião pública exercício de tal poder, o qual é praticado na esfera
e os seus efeitos na sociedade democrática. da comunicação social, e mais especificamente da
4
Por legitimação, tomando-se o conceito num televisão, como médium comunicacional que
sentido lato, entende-se aqui o conjunto de razões domina, ainda. Em termos de regulação jurídica,
que preenchem um conjunto de condições reco- este poder, o da Comunicação social está exaus-
nhecidas e aceites pelos interlocutores numa tivamente bem fundamentado e possui um regime
relação de poder. Por poder não entendemos apenas que nos anos mais recentes foi sistematicamente
o que se constrói num espaço de ordem política. renovado com o intuito de aprofundar e fixar de
5
Por cultura política entende-se o conjunto forma mais rigorosa a prática de valores como os
de crenças, símbolos e valores que os indivíduos da liberdade de expressão, pluralismo e rigor de
de uma mesma sociedade partilham acerca do informação (Correia, 2000: vol. I e II), porém este
sistema político (Roskin e outros, 1994:121-141 trabalho irá dar conta da importância de um outro
e Lane e outros, 1996:175-195). plano de análises, onde porventura a doutrina legal
6
Uma razão que manifestamente produz uma busca assento: a dos fundamentos éticos desses
ideologia, a da consagração dos valores tecno-cien- princípios que regulamentam a prática de dar algo
tíficos, que subordina a independência e a competência a ler, ouvir ou ler a alguém. Estamos a um nível
crítica dos indivíduos ao sistema de trocas comerciais. de fundamentação para a qual a discussão acerca
Leia-se, a propósito, as diferenças entre o con- do quadro legal que delimita esta relação de poderes
ceito de liberdade e o da participação do indi- não é suficiente, porque incapaz de pôr como
víduo nos assuntos públicos, dos Modernos em objecto de reflexão as normas de onde parte (leia-
comparação com os Antigos no prólogo da obra se Beetham D., 1991: 3-41 e Habermas,J.,1962:56-
História da Filosofia Política/A liberdade dos 96). Por paralelismo podemos pensar que uma
Antigos por Alain Renaut, assim bem como o comunicação social num regime democrático tem
capítulo preliminar “A política entre a arte e que obedecer aos códigos jurídicos de um Estado
sabedoria”, (Renaut, 1999:23-39). Sobre as “lu- de Direito, mas aqueles não são suficientes para
zes” leia-se o capítulo subordinado ao título “O garantirem uma prática democrática por parte dessa
pensamento político das Luzes” por Alain Renaut instituição. Os dois termos não são sinónimos.
17
e Pierre-Henri Tavoillot no História da Filosofia Leia-se O. Teotónio Almeida que tem um
Política/Luzes e Romantism, (Renaut, 1999:41-85). bom artigo onde explana o conceito de ideologia
7
Cf. Aristóteles, 1998:289-293. (Almeida, T.O., 1995:69-79).
8 18
Ver Canotilho, J. Gomes, 2004; Vargues, Como, no que à televisão diz respeito, a
I.N.,1997. Associação de Telespectadores (ATV).
9 19
No seu livro A Ética da Comunicação e os Direito reconhecido e consagrado na Cons-
Media Modernos, João P. Esteves descreve exem- tituição da República Portuguesa (art. 37º, nº 4), cujas
plarmente a formação deste fenómeno sociológico, formalidades, no caso da Televisão, estão ratificadas
pondo-nos a par das principais teorias que carac- na lei da Televisão art. 53º a 57ª (Sá, 2002:415-420).
20
terizam o tema e apresentando alternativas e indi- A autorização para a divulgação dos resul-
cando vias de realização de uma efectiva razão prática tados implica o seu depósito junto da Alta
em público. Cf. Esteves, 2003: 39-243 e 337-468. Autoridade para a Comunicação Social, a qual tem
10
Ler o artigo onde Kant desenvolve esta ideia por função assegurar uma verificação e avaliação
(Kant, I.,1784:11-19). dos resultados apurados (Correia, 2000:582-583).
11 21
Uma aproximação muito rigorosa ao pen- Leiam-se os artigos em http://www.fcsh.unl.pt/
samento político de Kant pode ler-se em Strauss, docentes/cceia/literacia-iliteracia.pdf e em http://
L.,1987:581-621. observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/cadernos/
12
Habermas nos três primeiros capítulos do cid180720013.htm
22
seu livro Strukturwandel der Öffentlichkeit colige Veja-se o que diz Adorno a este propósito:
a história do conceito e do contexto histórico que Tal como praticamente já não se pode dar um passo
o formou (Habermas, J.1962:13-98. fora do tempo de trabalho sem tropeçar nas
13
Ver um artigo que sintetiza bem as críticas manifestações da indústria da cultura, assim tam-
que têm sido feitas ao estudo de Habermas acerca bém o seus media se adaptaram tão bem uns aos
do espaço público (Garnham, N., 1992:359-376). outros que não deixam espaço onde uma consci-
14
Leia-se o excelente artigo de Wolton a este ência possa respirar e perceber que o mundo deles
respeito (Wolton, D., 1995:167-188). não é o mundo.” (Adorno, 1974: 161-162).
15 23
Eduardo Cintra Torres sintetizou claramen- Leia-se, por exemplo, Adorno, 1974:161-179.
24
te a distinção entre “rating” (audiência de um Explicámos estas questões mais
programa) e “share”, num artigo para o jornal onde detalhadamente em Morgado, I, 2002:1294-1299
escreve, “Público”. Pode ser lido em: http:// e na dissertação de doutoramento subordinada
www.publico.pt/tvzine/critica.asp?id=1244 . ao título Uma Ética para a Política, 2003.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 481

Consumo cultural, consumo de medios de comunicación


y concepción de la cultura
Javier Callejo1

Presentación desarrollo de la infraestructura, urbanística


y de transporte, en los últimos años. En este
En este trabajo, se desarrollan algunas de espacio con diversas culturas ¿cuál es el papel
las líneas de interpretación de los principales que tienen los medios de comunicación que
resultados de un estudio empírico sobre los hoy cabe considerar tradicionales, como la
consumos y las demandas culturales en el televisión?
Area Metropolitana del Sur de la Comunidad Lo que más llama la atención al analista
Autónoma de Madrid: Alcorcón, Fuenlabrada, de la cultura de Madrid Sur es la relativa
Getafe, Leganés, Móstoles y Parla. Se trata falta de identidad local. Una ausencia más
de un estudio desarrollado con técnicas acentuada en el caso de los jóvenes con altos
sociológicas cuantitativas (encuesta niveles de formación; pero que cabe
telefónica) y cualitativas (entrevistas y grupos considerar extendida. No ha dominado una
de discusión), en el que puede analizarse el presentación de los sujetos en clave de
lugar de los medios de comunicación en la identidad con las respectivas ciudades. Getafe,
producción de consumo cultural, de tal Leganés, etc., aparecen como ciudades en las
manera que las distintas concepciones de la que, a lo sumo, se reside y, sobre todo, se
cultura aparecen disueltas en el atractor de duerme. Incluso, en los casos de los niveles
la denominada por los propios sujetos cultura relativamente más altos de la estructura social
comercial, que es asimilada a la cultura investigada, donde no se quiere vivir. Por lo
presente en los medios de comunicación en tanto, no puede hablarse de poblaciones con
casi todos sus sentidos, tanto en su contenido, raíces. Al menos, con raíces en el lugar en
como en su práctica, de manera que el el que se reside ¿Con qué se completa el
consumidor de cultura adquiere la lógica de posible vacío dejado por una cultura de la
las audiencias. identidad ajena al lugar de residencia? ¿Con
la cultura del lugar de origen? ¿con otros
Un Sur sin identidad ámbitos o espacios culturales? Desde tal
marco, los objetivos de la investigación eran:
El crecimiento poblacional experimentado Conocer la concepción de la cultura entre
por los municipios del Àrea Metropolitana los residentes en Madrid Sur.
del Sur de la Comunidad de Madrid en los Conocer los hábitos y consumos culturales
últimos treinta años cabe calificarlo de de los ciudadanos de Madrid Sur.
espectacular. Así, la llegada de nuevos Observar cuáles son las identidades y
inmigrantes de otros países, que se unen a comunidades culturales que se forman.
una población asimismo integrada de Analizar cuál es el lugar de los medios
inmigrantes nacionales provenientes de de comunicación en la constitución de lo que
distintos puntos en los años setenta. Ello hace se entiende por cultura.
de Madrid Sur un relevante experimento Aquí se desarrollan principalmente el
social en nuestro entorno, donde pueden primero y último punto de esta lista de
observarse de manera incipiente algunas de objetivos.
las características de las sociedades generales
del futuro, como el encuentro entre varias Metodología
culturas. Por otro lado, hay que destacar la
presencia de una población joven, con un Para la obtención de los objetivos
notable nivel formativo y de titulaciones, un propuestos, se han utilizado tres técnicas de
crecimiento económico general y un investigación social. Aun cuando todas tienen
482 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

en común dirigirse a la obtención de los las concepciones dominantes de cultura entre


objetivos principales de la investigación, lo la población y los elementos y prácticas que
hacen desde perspectivas diferentes. relacionan con las mismas. Claro está, la
Las entrevistas en profundidad, realizadas dinámica fue paulatinamente derivando hacia
a expertos en distintos ámbitos de la oferta las prácticas culturales concretas. El diseño
cultural en la zona, han tenido por finalidad de los grupos de discusión ha sido el siguiente:
recoger los comportamientos del consumo RG.1: Chicos y chicas entre 16 y 19 años.
cultural. En el caso de los técnicos de los Estudiantes de Enseñanza Secundaria en
ayuntamientos entrevistados, se ha preguntado distintos Centros de Fuenlabrada. Se realizó
por los criterios principales que informan las en Fuenlabrada. (JOVENES F)
políticas y, sobre todo, las ofertas culturales RG.2: Chicas y chicos entre 16 y 19 años.
de cada ciudad. El diseño de las entrevistas Estudiantes de Formación Profesional en
ha sido el siguiente: distintos Centros de Leganés. Se realizó en
6 entrevistas a técnicos de los Leganés (JOVENES L)
Ayuntamientos de referencia en el área de RG.3: Varones y mujeres, entre 20 y 25
cultura: una por cada municipio. años. Simultanean estudios y trabajo.
5 entrevistas a responsables de producción Residencia en Getafe. Se realizó en Getafe
cultural privada: salas de cine, salas de teatro, (JOVENES G)
museos, fundaciones, etc. existentes en la RG.4: Varones y mujeres, entre 20 y 25
Metrópolis Sur. años. Dedicación exclusiva en estudios
5 entrevistas a responsables de centros universitarios. Residencia en Móstoles. Se
públicos de actividad cultural en la Metrópolis realizó en Móstoles (UNIVERSITARIOS)
Sur: Casas de Cultura, Salas de Teatro, etc. RG.5: Varones y mujeres, entre 20 y 25
3 entrevistas a profesionales, con alta años. Trabajadores en la Metrópolis Sur.
responsabilidad en empresas de la industria Residencia en Parla. Se realizó en Parla
cultural y el sector audiovisual, ubicadas en (JOVENES P)
áreas de la Comunidad de Madrid distinta RG.6: Trabajadoras y trabajadores entre
a los cinco municipios de referencia. 35 y 45 años. La mitad con hijos. La mitad
A partir de esta práctica de investigación, en sectores industriales tradicionales
se ha puesto de manifiesto el conflicto de (metalúrgico, química, textil). La otra mitad
normas entre lo que es la norma de como autónomos (fontaneros, comercio). Se
referencia que puede considerarse tradicional realizó en Alcorcón. (TRABAJADORES)
entre estos profesionales, como es la RG.7: Varones y mujeres, entre 25 y 35
centrada en divulgar las manifestaciones años. Empleados y jóvenes profesionales.
culturales de mayor valor, aun cuando Todos con, al menos, tres años de estudios
tuvieran un carácter minoritario (criterio de universitarios. La mitad con hijos. Su
excelencia: “lo que debe verse”), y, por otro residencia está distribuida entre los seis
lado, la norma de frecuencia, como la que municipios de referencia. Se realizó en
plantea que el éxito de asistencia del público Madrid (PROFESIONALES)
parece asegurado si se programa lo que, a RG.8: Varones y mujeres, entre 30 y 40
su vez, ha tenido éxito mediático. Ha de años. Inmigrantes de distintos países de
tenerse en cuenta que la asistencia de público origen, con un máximo de dos participantes
es uno de los indicadores que se tienen en del mismo origen. Llevan al menos tres años
cuenta a la hora de valorar las políticas residiendo en la Metrópolis Sur. Su residencia
públicas, asimilándose, de esta manera, a las está distribuida entre los cinco municipios
comerciales. de referencia. Se realizó en Madrid.
Los diez grupos de discusión realizados (INMIGRANTES)
han tenido, sobre todo en su primera parte, RG.9: Profesores de Enseñanza
dos elementos centrales. Por un lado, Secundaria, entre 45 y 55 años y con
acercarse a las dimensiones simbólicas de la residencia en la Metrópolis Sur de más de
comunidad sur y, en especial, al grado de tres años. Su centro de trabajo está distribuido
reconocimiento e identificación con tal entre los seis municipios de referencia. Se
supuesta comunidad. Por otro lado, recoger realizó en Madrid. (PROFESORES)
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 483

RG.10: Varones y mujeres entre 55 y 65 emic. En lugar de partir de una concepción


años. Asistentes a aulas de mayores o e imponerla a los observados, se ha optado
participantes en actividades culturales de la por que pongan sobre la mesa, sobre el
Metrópolis Sur. La mitad, al menos, con hijos discurso, su propia concepción, lo que no ha
y nietos. Su residencia está distribuida entre dejado de generar angustias en algunos de
los seis municipios de referencia. Se realizó los sectores sociales consultados.
en Madrid. (JUBILADOS) La concepción de la cultura ha sido más
La encuesta telefónica mediante o menos abierta o restrictiva según la posición
cuestionario precodificado y estandarizado ocupada en la estructura social. Los sectores
realizada se centró en la recogida de las subordinados de la estructura y, por lo tanto,
prácticas y consumos culturales, con la culturalmente dominados, han tendido a
finalidad de conocer la distribución de los mostrar su resistencia a tal dominación en
mismos entre la población. Se llevó a cabo clave de una concepción amplia del
entre 1.291 individuos distribuidos entre los significado de cultura: cultura sería, en líneas
seis municipios objeto del estudio. Las generales, lo que ellos hacen. Los sectores
principales características técnicas de la relativamente dominantes de la estructura y,
misma son las siguientes: sobre todo, los culturalmente dominantes,
- Universo: residentes en los seis como es el caso de los profesores, han tendido
municipios de Madrid Sur de más de 14 años a una concepción más restrictiva de lo que
y menos de 75 años. es la cultura. En medio, en su papel de
- Tamaño muestral final: 1.291 individuos. búsqueda de articulación de posiciones
- Margen de error máximo (p=q=50) para culturales tan opuestas, la mayor parte de los
datos globales y teniendo como referencia el técnicos y expertos entrevistados.
modelo estadístico con muestreo aleatorio Hay una oposición fundamental que
simple: 3% para un nivel de confianza del permite pasar, como si fuese una especie
95,5%. de traductor, de una concepción de la cultura
- Afijación de la muestra: estratificada en a otra: una cosa es la cultura, concepción
función del municipio de residencia, con amplia, colectiva y antropológica de la
selección de las últimas unidades muestrales misma, y otra distinta tener cultura,
(individuos) mediante método cuotas por adscripción individualizada e individualista
género y edad. La afijación de los tamaños de la cultura y, por tanto, restringida y
muestrales para cada uno de los municipios restrictiva. En este segundo caso es ya saber
fue proporcional, siguiendo los datos formal, mientras que en el primero
registrados en el último censo para cada una estaríamos hablando del saber de la
de los municipios. experiencia. El ideal, en los sectores sociales
- La empresa RANDOM, S.A. fue la que intentan articular ambas concepciones,
encargada del trabajo de campo en la estaría en la acumulación de los dos tipos
aplicación telefónica del cuestionario, que se de cultura. Algo que sólo se plantea desde
realizó mediante sistema CATI. Con la la juventud, para irse mostrando imposible
intención de cubrir una mínima cuota de de articulación según se aumenta la edad
personas nacidas fuera de España, el trabajo de los grupos:
de campo se extendió algo más de lo previsto, H- Tener un poco conocimiento de cada
tanto en tiempo, como en número de cosa que forme la cultura, conocer un poco
componentes, dadas las dificultades de de todo, tener sabiduría un poco de todo.
localización de estas personas a través del RG. JOVENES, G.
teléfono fijo. Para los jóvenes, el concepto de cultura
parece tener siempre un carácter normativo.
Concepciones emic de la cultura Incluso la concepción más amplia de cultura
tiene tal carácter normativo:
La aproximación cualitativa se ha abierto H- En la calle también puedes aprender,
a los discursos sobre la concepción de la ves a la gente y sabes más o menos las
cultura que tienen los propios sujetos. Lo que normas sociales que tiene la sociedad, más
desde la metodología sociológica se denomina o menos.
484 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

RG. JOVENES L concepción restrictiva: sólo se alcanzarán las


Un carácter normativo, vinculado al metas en la medida que quepa establecer
aprendizaje y al deber ser, y, por lo tanto, distinciones culturales. Pero, por otro lado,
a la asunción de normas sociales. Un carácter se expresa su rechazo a lo que genera
normativo que se va perdiendo según nos distinción, a la cultura como distinción:
aproximamos a grupos de más edad y ya con H- Música el bacalao, el cine actual, las
escasas referencias de movilidad social, como películas que hay de moda, salir por ahí.
el grupo de trabajadores de Alcorcón que se M- También la música tecno, el cine me
encuentra dominantemente en una posición gusta sin preferencias y leer un buen libro.
socioestructural regresiva, y cuando se M- Música tecno también, el cine,
introduce el concepto de consumo. De hecho, películas de terror y nada más.
cuando se introduce el concepto de consumo H- Cine de acción, y la música en general
cultural, es más consumo que cultura. La menos jazz y cosas de esas.
cultura se extiende entonces hacia la dualidad, RG. JOVENES L
que cabría denominar duopolio, consumo- Sin embargo, quienes ya están en
ocio, donde, entonces son admitidos todas posiciones socioestructurales relativamente
las actividades y todos los gustos como dominantes, se expresan desde la cultura de
cultura: la distinción, que utiliza a la cultura como
H- Dentro de esos conocimientos que tú elemento de distinción:
vas adquiriendo ahí es donde tú eliges los … me interesa que tengamos capacidad
que te gustan más y los que te gustan menos, para disfrutar de una foto de Elena Castro,
y ese sería el consumo que tú haces de esa ¿sabes?
cultura, y para éste señor como él dice las E.18
motos, y a lo mejor para mí no, para mí es Los que ya están en la cultura, con su
el deporte, para ésta señora la lectura... carácter restrictivo, marcan las distancias. Ya
RG, TRABAJADORES no todo es cultura:
La cultura es el gusto y, por lo tanto, …me 3 refiero pues eso, de ser
la expresión del gusto. La concepción de innovadores, no, yo cuando hablo de cultura
la cultura se encuentra así relacionada me refiero más a eso que a un taller de
directamente con las condiciones de papiroflexia,
existencia y la posición en la estructura E.6
social, así como con algo tan intrínsecamente De manera que puede entenderse la
derivado de estas dos dimensiones, como extensión del concepto de cultura como una
son las estrategias vitales y sociales2. Por reivindicación de quienes no están en la
ejemplo, entre los jóvenes de Leganés cultura o como un directo enfrentamiento a
(RG.2), cuya misma juventud entendida la posición social de éstos. El gran dilema
como poca edad permite disponer de un para la elaboración y gestión de políticas
horizonte de movilidad social aún culturales es si optar por lo que la mayoría
relativamente abierto y, a la vez, traducirse de la gente hace culturalmente o por lo que
en su discurso un origen social popular, se cree que la gente debería hacer, pues la
pueden convivir aún relativamente ambas gestión parte de una posición dominante en
concepciones de cultura. Aun cuando sea una el campo cultural y, por lo tanto, inclinada
convivencia conflictiva. Por un lado, “tener a la concepción restrictiva, aun cuando sea
cultura” o la concepción restrictiva de al modo ilustrado: mostrar el camino hacia
cultura, se reconoce como uno de los la apropiación de la cultura exclusiva. Así,
dispositivos para obtener la movilidad social, se comprende el conflicto en el que se
algo que ayuda a “definirse en la vida”: encuentran inmersos los gestores culturales
H- Teniendo una cultura puedes llegar a Un conflicto que parte de la percepción,
tener más o menos unas metas que conseguir, tal vez un tanto fatalista, de que se impone
definirte en la vida. la realidad de una cultura industrial, producida
RG JOVENES L desde el consumo ocioso masivo y para el
La cultura como instrumento para el logro consumo ocioso masivo. La percepción de
(metas) sólo adquiere sentido como que se impone una particular concreción de
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 485

la cultura de la no-distinción, pudiéndose H- Las costumbres, todo ser humano por


hablar de la imposición de la indistinción, si un pueblo...
no fuese por la evocación que tiene de la M- Yo creo que la forma de vivir de las
perspectiva elitista inserta en la perspectiva personas de determinadas zonas, se parecen
orteguiana4. No se trataría, precisamente, de mucho en la zona de vivir de determinados
la imposición o rebelión de la cultura popular; pueblos, ciudades, países.
pero es tal su fuerza, que parece diluir buena RG INMIGRANTES
parte de la legitimación de la cultura de la Una concepción tan integral e
distinción y, en definitiva, de la cultura de integradora de la cultura, que no sólo se
elite. Una menor legitimación que lleva a la reduce a la recepción, como ocurre en la
extensión de la concepción de cultura, incluso mayor parte de los grupos de nacionales,
en las fracciones de un grupo que, por su sino que también sitúa en un lugar relevante
posición en la estructura social, podría el dar y el mostrar:
inclinarse hacia una concepción más restrictiva: M- Por lo menos la música en una fiesta,
Pues para mí es todo tipo de hablando, nuestros productos, qué es lo que
entretenimiento, cualquier tipo de se come allí, es una manera.
entretenimiento, ocio, ya sea deporte, ya sea GD. INMIGRANTES
un curso de fotografía, pues pintura como Estas dos concepciones opuestas de la
dice él o cuadros o libros o manualidades; cultura quedan sintetizadas en el siguiente
para mí todo eso es cultura, todo. cuadro:

Norma de referencia. Posiciones dominantes Norma de frecuencia. Posiciones dominadas


Distinción Concepción amplia y abierta
Exclusiva Antropológica (articulación de lo propio y lo
Restrictiva (relación conflictiva con industria general)
cultural) Abierta (con lugar central para la industria
Individualista cultural)
Lógica formal Colectiva y grupal
La cultura “certificada” Lógica práctica
La cultura como logro, como metas El consumo cultural: vía de integración
Expresión del gusto, del ser Expresión del estar
La cultura como soporte de valor simbólico La cultura como horizonte de valor simbólico:
poseído: búsqueda de selección, cierre en la búsqueda de reconocimiento, apertura al
selección reconocimiento

RG PROFESIONALES Pero el análisis de la concepción de la


Claro está, asumir una concepción extendida cultura de los inmigrantes extranjeros tiene un
de la cultura, como la incrustada en el consumo notable valor estratégico. A través de ella, nos
ocioso y mediático, reduce enormemente su preguntamos sobre las posibilidades de una
capacidad estructurante. De aquí que otra cultura común. Al ser la que en mayor medida
fracción del grupo de profesionales, la que busca la integración –frente a la búsqueda de
aparece con mayores inclinaciones hacia la distinción de las posiciones dominantes- cabe
movilidad social, muestre sus resistencias al la cuestión sobre las manifestaciones culturales
abandono de una concepción más restrictiva. en las que se concreta la posibilidad de
Una resistencia que adquiere las características lenguaje común. El resultado de la
de denuncia en el grupo social que, investigación empírica nos lo dice. Por
precisamente, adquiere su distinción a partir del ejemplo, en películas como El último samurai.
capital cultural, como es el caso de los En libros como Harry Potter. Y así
profesores. Se denuncia así una cultura sucesivamente. El lenguaje común de la cultura
dominada por el triángulo: televisión, centros es el lenguaje de la cultura comercializada,
comerciales y producción de best sellers. que es, en definitiva, la producida por los
En el otro polo, con la concepción menos medios masivos de comunicación.
restrictiva y más integradora de cultura, se Desde la concepción restrictiva de la
encuentra el grupo social con mayor demanda cultura, se denuncia la cultura comercial. Pero
de integración, que es el de los inmigrantes. desde la demanda de integración, la referencia
Se abre así el concepto de cultura a lo universal: es el consumo cultural industrial.
486 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Cultura y televisión como gran fuente corruptora de la misma o,


al menos, como elemento que desplaza, a
Atendiendo ahora a la construcción de los través de hacer unos productos mayoritarios
discursos, aun cuando sea teniendo en cuenta y otros minoritarios, a otras actividades que
lo dicho, es más fácil identificar lo que se no tienen su apoyo televisivo. Cuando se
excluye de la concepción de cultura que lo realizan expresiones en las que la televisión
que se encuentra en ella, dentro de cada una queda incluida como parte de la cultura, se
de las posiciones referidas. Lo que ya podría realizan precisamente para subrayar que el
ser motivo para la reflexión sobre si la lógica concepto de cultura es tan omnicomprensivo
cultural tiende inexcusablemente hacia la que incluso acepta lo que no es cultura. Por
exclusión. En entrevistas y grupos de ello, la televisión se utiliza como referente
discusión, a la hora de establecer sus para caricaturizar la extensión del concepto
respectivas concepciones de la cultura, el de cultura, por quienes están en la posición
acento se pone en lo que queda fuera de la restrictiva del mismo.
cultura, más que en lo que queda dentro, Entre algunos de estos grupos, pero, sobre
puesto que la lógica dominante es la de la todo, entre los entrevistados, hay que señalar
distinción. que la posición contra la inclusión de la
A lo largo de los discursos, se han televisión en la cultura se vincula con lo
encontrado tres elementos que han tendido comercial. La televisión sería el principal
a ser excluidos expresamente de lo que se productor de mercancía cultural industrial, lo
entiende por cultura o, al menos, han que prácticamente no deja espacio para la
generado un notable debate en los grupos de producción y gestión artesanal de la cultura,
discusión, de manera que la posición con que es en la posición material e ideológica
respecto a tal exclusión marcaba diferencias en la que preferentemente están y reivindican.
internas en el grupo. Incluso, como en el Así, nos encontramos con la aparente paradoja
grupo de profesionales, podría hablarse de de que la televisión queda excluida de su
fracciones distintas de grupo. Estos tres concepción de la cultura y, sin embargo, se
elementos que principalmente se han la tiene como la principal fuente de productos
encontrado en la exclusión de la cultura han que podrían denominarse culturales
sido: televisión, deportes y toros. (cantantes, artistas, actores, películas, etc.) y,
En la medida que se tiene una concepción por lo tanto, la principal productora de
más restrictiva de la cultura, mayor es el demanda cultural.
ataque a la televisión como elemento de ésta, La relación de los medios de
hasta conformarse como enemigo de la comunicación y la cultura queda aún más de
cultura. Es, por ejemplo, la posición de los manifiesto cuando se subraya que la única
profesores. Sin embargo, en los grupos con manera de promocionar una actividad
una concepción menos restrictiva de la cultural, de realizar estímulos para la cultura,
cultura, lo que va desde los trabajadores es a través de los medios de comunicación
autónomos a los inmigrantes, pasando por los o de que una identidad cultural sólo cobra
jóvenes no universitarios, la televisión no presencia a través de los medios de
aparece como elemento excluido en el comunicación, como reconocimiento. El
discurso sobre la cultura. Una ausencia que sistema de medios de comunicación se
es más importante por lo que significa de convierte en el sistema de la cultura. Cabría
no explícita exclusión en un discurso muy preguntarse por la existencia de consumo
normativo. Sin embargo, cuando se observa cultural o identidad cultural, por poner los
aquellas ofertas culturales que tienen mayor dos extremos de la concepción de la cultura,
acogida coincide con las que derivan de la sin los medios de comunicación. Un papel
televisión. La televisión está en la cultura. de los medios y en especial de la televisión
Las normas de frecuencia se imponen a las que impulsa ambos polos: a) la identidad en
normas de referencia. la admisión de lo comercial-televisivo parte
Cuando es referida la televisión en de una reivindicación igualitaria, de
relación con la cultura por los sectores reconocimiento igualitario; b) la identidad en
sociales de la lógica de la distinción, lo es la distinción parte de la marcación de la
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 487

distancia con respecto a la anterior identidad, en casa frente al televisor. Internet, por
por lo que puede considerarse igualmente ejemplo, se convierte en el mando a distancia
marcado por la televisión. Si la televisión en el que se selecciona la programación.
produce lo “inculto”, también produce lo Parecen invertirse así procesos anteriores.
“culto” en la dinámica de la distinción. Lo Antes, lo destacado o famoso en un campo,
que marca la diferencia entre la cultura como como el cultural, iba a la televisión. Los
consumo distintivo y minoritario y la cultura consumidores acudían a la televisión para ver
como expresión del derecho a un gusto es o escuchar lo que no podían ver o escuchar
la televisión. Puede derivarse que la en directo, en el sitio. Ahora, lo destacado en
televisión (o frente a la televisión) genera la televisión configura campos como el cultural.
el sistema de las diferentes concepciones de Los consumidores acuden a los teatros, salas
la cultura y, sin embargo, los integrantes de de cine o de concierto para ver o escuchar lo
ambos polos quedan constituidos en que vieron o escucharon en televisión.
audiencias. Uno de los principales cambios, que
El sistema de la cultura es sostenido muestra el dominio de los medios de
por el sistema de los medios de comunicación, es que en lugar de que la
comunicación masiva. Incluso podría relación con el medio se constituya en un
decirse que los que componen el grupo paréntesis transformador de la identidad
culto se encuentran más integrados en tal ciudadana en la de audiencias, parece que
sistema de medios, en la medida que la identidad de audiencia (seguidor de tal o
consumen diferentes medios de cual programa) se proyecta en la de
comunicación. El análisis de conglomerados ciudadanos. De esta forma, parece que la
realizado de los resultados de la encuesta constitución de las relaciones sociales se
ha configurado tres grupos: a) grupo de bajo encuentra bajo el control de los agentes que
consumo cultural y escaso consumo de ocupan posiciones preferentes en el sistema
diarios, como indicador de variedad de de los medios de comunicación, pues éste,
medios (40,5% lee diarios casi todos los además de seguir sus funciones como tal
días), constituyendo las tres cuartas partes sistema, se constituye en un sistema de poder.
de la muestra; b) grupo aficionado a los El sistema de la cultura (SC) requiere del
espectáculos como consumo cultural, sistema de los medios de comunicación
especialmente el cine, con un mayor nivel masiva (SCM) para su existencia. El SCM
de lectura de diarios (46,5% casi todos los es funcional al SC.
días), abarcando el 20% de la muestra; y ¿Cómo ha sido este proceso?
c) grupo denominado culto, que se Sintéticamente se expone:
encuentra en la lógica de la distinción, con Para su expansión, el SCM necesita
una lectura de diarios relativamente alta subordinar al SC. Un ejercicio de dominio
(61,3%), pero constituyendo sólo el 5% de del SCM que conlleva adaptarse a los temas5
la muestra. del SC.
El SC se vacía. Genera adaptaciones
La relación práctica entre sistemas (homogeneización: patrimonio simbólico
común) y reacciones (fundamentalismos:
La subordinación del sistema cultural al lucha por la gestión de los patrimonios
sistema de los medios, que puede leerse de simbólicos).
manera preocupada desde la lógica de la La subordinación del SC al SCM no
dominación, también imprime lógicas significa abandonarlo al mercado. También
prácticas. Va más allá de la relación abstracta hay sitio para la sociedad (la política en
entre sistemas, del hecho de que el sistema sentido amplio). El sitio de la sociedad entre
de la cultura tenga su génesis en el sistema la homogeneización subordinada y la reacción
de la comunicación mediada. Precisamente fundamentalista, como apunta Wolton6.
por esto, convierte a los consumidores de Pero antes de entrar en los procesos de
cultura en audiencia. Una audiencia que elige globalización, interesa remarcar en síntesis
espectáculos y pantallas, como si estuviera la conclusión alcanzada:
488 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

De la globalización de las audiencias a La cultura común producida por un


la mundialización de los receptores: sistema de medios globalizados constituye
La tendencia a la globalización del sistema un sistema social mundializado. Como dice
de medios de comunicación, con la intención Luhmann: “los medios de masas garantizan
de transformar extensamente a la población en a todos los sistemas funcionales una
audiencia y, por ello, en consumidores7, puede aceptación social amplia, y a los
tener como consecuencia la transformación de individuos les garantiza un presente
la sociedad global en receptores de un sistema conocido del cual pueden partir para
mundial de medios de comunicación: se seleccionar un pasado específico o
homogeneizan las referencias, los núcleos expectativas referidas a los sistemas” 9. Los
informativos. Pero, también, se hacen comunes medios de comunicación globalizados
las referencias de la contestación y la resistencia constituyen la base para la amplia
cuando irrumpe la ciudadanía o la reacción aceptación de instituciones sociales
fundamentalista que busca la reconstrucción mundializadas y, a la vez, generan
imaginaria de raíces propias para oponerse a expectativas para tales instituciones. Cobra
lo que se vive como dominio. Con la así sentido político la paradoja por la que,
globalización de la audiencia8, se halla la constituyéndonos en audiencia globalizada,
mundialización de la sociedad, en la memoria los medios de comunicación configuran
de los medios globalizados están las una ciudadanía mundializada, en el juego
expectativas de la sociedad mundializada. Hay de opiniones públicas que tienen por
que tener en cuenta que la necesidad de los referencia el sistema mundo. Los medios
medios de producir audiencias no sólo genera no producen la aldea global 10 sino la
homogeneización globalizada sino que, ciudad mundial, tal como pueden estar
precisamente por tal producción, requiere la configurando en la actualidad la ciudad
generación de una especie de patrimonio cultural Sur de Madrid.
del mundo, con lo que se acaba configurando
una cultura mundial. El SCM puede terminar Conclusiones
así en la fuente de una cultura mundial, pues,
como señalábamos en el caso de los inmigrantes El análisis parte de la interpretación de
en Madrid Sur, la cultura masivo de los medios resultados de un estudio empírico en el que la
se convierte en la cultura de la integración. El televisión se convierte en uno de los principales
esquema anterior se convierte en el siguiente: criterios diferenciales de la concepción de cultura.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 489

La cultura no tiene un carácter local Prácticamente puede identificarse a los


entre la población estudiada. Las consumidores de cultura con los
referencias culturales comunes se consumidores de medios de comunicación.
encuentran en la denominada cultura La tendencia a la globalización de los medios
comercial o industrial. de comunicación y, por lo tanto, de la audiencia,
El estímulo para la cultura se encuentra convierte en homogéneos: referencias, memorias,
en el sistema de comunicación masiva. acontecimientos, etc. Genera así cultura
El sistema cultural se encuentra bajo el mundializada y, a la vez, las bases para una
dominio del sistema de comunicación masiva. ciudadanía mundializada, que actualmente aparece
Siguiendo con mayor precisión la literatura ocupada de resistencias, e incluso rechazos. Algo
de la teoría sistémica, el sistema de que no debe imposibilitar ver y analizar que en
comunicación masiva se ha convertido en el la audiencia globalmente producida se encuentra
entorno del sistema cultural. la matriz de una ciudadanía mundializada. ¿Puede
El sistema de comunicación masiva se el sistema de la comunicación masiva transformar
encuentra dominado por la televisión y la las audiencias en ciudadanos? Para pasar de la
tendencia hacia la globalización. comunicación mediada a la comunicación
En el dominio de la televisión, los intercultural (societaria) hace falta un proyecto
consumidores de cultura se convierten político. El sistema de la comunicación masiva
preferentemente en extensión de la audiencia genera las bases; pero es el propio sistema social
de aquélla. Especialmente entre los sectores el que establece las posibilidades de
sociales más jóvenes. transformación.
490 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

3
Bibliografía Nótese que cuando se habla desde el discurso
de la cultura como distinción, se subraya el papel
Bourdieu, Pierre, La distinción, Madrid, de la primera persona, como ocurre en este
Taurus, 1998. fragmento discursivo y en el anterior. Sin embargo,
cuando se concreta la expresión de una cultura
Callejo, Javier, “Globalización y
opuesta a la de la distinción, como ocurre en el
digitalización de las audiencias”, en Política caso del fragmento discursivo de los jóvenes de
y Sociedad, vol 39, nº.1, 2002, pp. 69-82. Leganés, hay una especie de huida en la utilización
Luhmann, Niklas, La realidad de los de esa primera persona, incluso cuando
medios de masas, Barcelona, Anthropos, 2000. directamente se ha preguntado por sus gustos.
McLuhan, Marshall, y Powers, B. R., La 4
José Ortega y Gasset, La rebelión de las
aldea global. Transformaciones en la vida massas, Madrid, Revista de Occidente, 1966 (e.o.
y los medios de comunicación en el siglo XXI, 1930).
5
Barcelona, Gedisa, 1990. Niklas Luhmann, La realidad de los medios
Ortega y Gasset, José, La rebelión de las de masas, Barcelona, Anthropos, 2000.
6
Dominique Wolton, La otra mundialización,
masas, Madrid, Revista de Occidente, 1966.
Barcelona, Gedisa, 2004.
Smythe, Dallas W., “Las comunicaciones: 7
Dallas W. Smythe, “Las comunicaciones:
‘agujero negro’ del marxismo occidental”, en G. ‘agujero negro’ del marxismo occidental”, en G.
Richeri (ed.), La televisión: entre servicio público Richeri (ed.), La televisión: entre servicio público
y negocio, Barcelona: Gustavo Gili, 1983. y negocio, Barcelona, Gustavo Gili, 1983.
Wolton, Dominique, La otra 8
Javier Callejo, “Globalización y
mundialización, Barcelona, Gedisa, 2004. digitalización de las audiencias”, en Política y
Sociedad, vol. 39 (1), pp. 69-82.
9
Niklas Luhmann, La realidad de los medios
_______________________________ de masas, Barcelona, Anthropos, 2000, p. 142.
10
1
Universidad Nacional de Educación a Marshall McLuhan y B. R. Powers, La aldea
Distancia. global. Transformaciones en la vida y los medios
2
Pierre Bourdieu, La distinción, Madrid, de comunicación en el siglo XXI, Barcelona,
Taurus, 1998. Gedisa, 1990.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 491

Moeda e Construção Europeia: Uma abordagem identitária


Maria João Silveirinha1

1. Introdução diferentes formas de comunicação e identi-


dade.
A emergência de uma democracia
Europeia supranacional depende da forma- 2. A moeda como elemento de
ção de um demos europeu entendido como territorialização do Estado-Nação
uma formação colectiva que não substitui a
identidade nacional por uma europeia, mas Uma das questões mais imediatas que o
que permite a coexistência das identidades lançamento da nova moeda coloca é a nova
nacional e Europeia (Risse, 2003). Através etapa que parece inaugurar: o lançamento do
dela, os cidadãos de diferentes Estados-na- Euro derrubou as moedas nacionais e
ção podem vir a considerar-se Europeus, territoriais. Outras mudanças, noutras partes
participando num projecto único como do mundo, também operaram fenómenos
membros de uma só comunidade. Esta co- semelhantes: a substituição das moedas
munidade está a ser construída a diferentes nacionais por dólares em muitas regiões
níveis – sobretudo normativos, políticos e pobres do mundo e, num plano diferente, a
económicos – e depende de como os pro- emergência de moedas electrónicas, são
cessos e acontecimentos que moldam a exemplos de um mesmo desafio às moedas
construção da União Europeia são construídos territoriais.
não apenas pelos decisores mas também pelas Como o economista Eric Helleiner tem
representações desses acontecimentos. argumentado, a criação de moedas nacionais
Neste texto exploramos como a moeda fez parte de um processo mais vasto de
europeia pode ser pensado em termos de formação dos Estados nacionais (Helleiner,
identidade colectiva. Começamos, assim, por 2003). Estandardizar a moeda nacional foi,
explorar os significados do dinheiro em ao longo da história, uma forma de estabe-
termos da sua construção histórica, pelas suas lecer um elemento forte de identidade po-
ligações sociais e políticas e pelas formas lítica. Em geral, isso foi conseguido por uma
como pode ser relacionado a questões de eliminação dos padrões sub-nacionais e pela
identidade colectiva. O dinheiro, na nossa estandardização das moedas, um processo que
perspectiva, não é puramente funcional, normalmente ocorreu no século XIX. Esta
servindo fins materiais. É também uma foi a era de formação e consolidação de
entidade simbólica, que se torna inteligível muitos Estados nacionais, bem como a era
porque é construído dentro de certas práticas da emergência do capitalismo industrial. Foi
simbólicas. Neste sentido, é semelhante a uma também um tempo em que, por razões
linguagem: é um meio através do qual o económicas e políticas, a maioria dos
significado é criado. Destas considerações governantes tiveram por principal preocupa-
nascem um conjunto de interrogações que ção o controle do fabrico do dinheiro e a
procuraremos explorar: Qual a relação entre necessidade de combater as falsificações e
a transformação da moeda e a reconfiguração de evitar o colapso económico.
das identidades colectivas? Comunicamos um Ao considerar a posição portuguesa nesta
sentido de pertença política pelo facto de matéria, será útil a periodização da história
usarmos a mesma moeda ou é o dinheiro um monetária de Portugal, de Nuno Valério. O
meio puramente funcional? Até que ponto autor estabelece o início de um sistema
podemos relacionar o euro com a identidade monetário português na época medieval cristã
europeia? Com estas respostas pretendemos ocidental, entre os séculos XIII e XV. Nos
uma melhor aproximação às relações entre séculos da expansão e comércio atlânticos,
492 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

entre os séculos XV e XVIII encontra em alcance espacial das forças de produção,


Portugal um sistema monetário bimetalista transacções de mercado e relações sociais
geralmente estável. Quando Portugal conhe- corresponderam favoravelmente à dimensão
ce a participação na economia mundial dos estados nacionais» (Kaelberer, 2002:3).
contemporânea, na primeira metade do sé- Ora, no actual momento em que o Estado
culo XIX, desencadeiam-se vicissitudes nacional está a sofrer mutações, também a
monetárias, a que se seguiu entre 1854 e moeda muda. Por isso vale a pena considerar
1891, a vigência do padrão ouro e desde finais as relações entre estas mudanças ao nível
do século XIX um sistema de moeda con- supra-nacional.
vencional (Valério, 1991).
Destes períodos, vale a pena recordar que, 3. A construção da União Monetária
à data da formação de Portugal, e mesmo Europeia como processo identitário
na primeira dinastia real portuguesa, o di-
nheiro era comum a quase todos os reinos À Europa corresponde um longo proces-
peninsulares, cristãos e muçulmanos: trata- so de história política e intelectual, no seio
va-se do dinheiro dos Almorávidas – tendo da qual, por entre guerras e disputas sangren-
a sua origem em al-Murabitun -, conhecido tas, se foi simultaneamente desenvolvendo
em Portugal como morabitino ou dinar de uma longa linha de pensamento
ouro muçulmano, que vigorou também em integracionista na base dos compromissos da
Portugal. O Morabitino deixou de ser pro- soberania nacional, numa combinação de
duzido com D. Afonso III, que cunhou apenas valores, tradições e comportamentos comuns.
dinheiros de bolhão, mas em grande quan- Com efeito, muito antes do Tratado de
tidade. Entrava-se então num regime Maastricht e do Euro, já existia um poderoso
bimetalista de ouro e prata. Depois surgiriam pensamento integracionista Europeu: por
muitas outras moedas tendo reinado, durante exemplo, Saint Pierre falava, no início do
muitos anos, portanto, alguma confusão na século XIX de um “Senado Europeu”. A ideia
circulação das moedas, tendo o ano de 1854 de Europa encontra a sua expressão sobre-
sido aquele em que o real foi definido como tudo em pensadores políticos como William
unidade monetária portuguesa. Esta, passa a Penn que propôs um parlamento Europeu
ser definida exclusivamente em termos de (“Sovereign Paneuropean Assembly” ou
ouro, ainda que isso nunca tenha plenamente “Diet”) que estaria aberto também à Turquia
acontecido. Até 1891-92 circulavam em Por- e à Rússia para resolução de conflitos; Jeremy
tugal vários tipos de moedas: novas e antigas Bentham propôs uma assembleia Europeia e
portuguesas, libras inglesas e, em alguns um exército comum; Kant desenvolveu estas
períodos, os dobrões espanhóis, alguns fran- ideias em nome da paz; Jean-Jacques
cos e mesmo moedas americanas e espanho- Rousseau, pelo seu lado, defendeu uma
las, uma situação preocupante para o Gover- federação Europeia falando de uma “société
no provisório formado aquando da implan- des peuples de l’ Europe”; e Claude-Henri
tação da República, para quem era funda- Saint-Simon falou da necessidade de uma
mental restaurar o padrão-ouro. Um decreto Europa federal com instituições comuns
com força de Lei de 22 de Maio de 1911 (McCormick, 2002: 34).
fez substituir o Real pelo Escudo que, como A moeda como factor de união europeia
todas as outras moedas, sofreria momentos tem também os seus percursores
difíceis e também de estabilidade. integracionistas. Victor Hugo anteviu uma
O Escudo que pereceu com o Euro, não moeda única Europeia, propondo, num
era, pois, tão antigo quanto emocionalmente discurso para o aniversário da revolução
o pudéssemos imaginar e, quando a sua francesa de 1848, «uma moeda continental,
história é comparada com a de outras moedas, de base metálica e fiduciária, tendo por ponto
mostra-se como não há trajectórias necessá- de apoio todo o capital Europeu e por motor
rias na construção monetária: «o dinheiro de actividade livre 200 milhões de pessoas»
nacional não tem uma qualidade intrínseca. (Hugo, 1855). O escritor acrescentava que
É meramente o produto de um período esta nova moeda «absorveria e substituiria
histórico específico em que a escala e o todas as absurdas variedades monetárias de
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 493

hoje, esfinges de príncipes, figuras de mi- de alguma forma para a possibilidade de


séria, variedades que são causas de empo- construir uma identidade comum. No que se
brecimento, porque no vai-e-vem monetário, segue, começamos com a ideia de que a iden-
multiplicar a variedade é multiplicar a fric- tidade se constitui como um processo múl-
ção; multiplicar a fricção significa diminuir tiplo de pertença e de distinção, ou como
a circulação. Em questões monetárias, como um processo de articulação de formas de
em qualquer outro sector, o movimento identificação com os outros e consigo pró-
significa a unidade» (idem). Também Portu- prio, através de diferentes formações sociais
gal teve os seus pensadores integracionistas, e políticas. Isso permite um sentido de
Carlos Morato Roma propôs uma combina- inclusividade, num “nós” ancorado em atri-
ção das diferentes moedas nacionais através butos reais ou imaginários, bem como em
da criação de uma “moeda europeia” em experiências de vida abrangentes à colecti-
dinheiro (Cardoso, 2004). vidade e que a definem por contraposição
A França, em 1865, criaria, com a Bélgica, a um “eles”.
Itália, Suíça e mais tarde a Grécia, a Union Por outro lado, a identidade cultural
Monétaire Latine, ou União Latina – aban- pressupõe um conjunto de memórias ou um
donada em 1927 -, uma convenção mone- sentido de continuidade de pertença a uma
tária pela qual estes países concordavam em comunidade. Por isso, falar de “identidade
regular as suas moedas de forma uniforme. europeia” ou de um sentimento comum de
Também a União Monetária Escandinava, pertença à Europa, é estabelecer uma ligação
entre a Suécia e a Dinamarca e, mais tarde, complexa e mesmo paradoxal. Na verdade,
a Noruega, pedia a todos os países que como diz Philip Schlesinger, «construir um
produzissem moedas com a mesma espessu- Europeísmo [Europeanness] é especialmente
ra, mantendo a imagética diferente em cada difícil porque ele tem de emergir de uma
uma delas (Helleiner, 2003: 134-135). longa história de identidades colectivas al-
Foi, no entanto, no século XX que se tamente conflituosas centradas nos numero-
desenharia de forma decisiva a face da sos Estados-nação do continente»
Europa, experienciando-se, na segunda me- (Schlesinger, 1997: 68). A Europa é, efec-
tade desse mesmo século, um desejo de tivamente, constituída por uma diversidade
reconciliação política que teve os seus avan- de povos e comunidades cujos pontos de
ços e retrocessos. O Tratado de Roma, de referência relativos a valores, significados e
1957, criando os antecedentes da União identidades se sobrepõem, sem dispor de
Europeia, ainda que não especificasse exac- princípios unificadores claros, ainda que se
tamente a união monetária, realçava a ne- possa reger por ideias que serão mais oci-
cessidade de estabelecer uma coordenação de dentais do que propriamente europeias. É por
políticas e de abolir as restrições ao movi- isso que precisamos de entender melhor a
mento de capital. Nos anos de 1960, o fim articulação das identidades nacionais com
do sistema Bretton Woods que procurara uma identidade supra-nacional: serão essas
estabilizar e tornar previsíveis as taxas de identidades “aninhadas” umas nas outras,
câmbio, tornara clara a necessidade de con- transversais umas às outras, ou múltiplas,
trolar as moedas flutuantes na Europa, e o inseparáveis, no “bolo de mármore” de que
antigo primeiro-ministro e ministro das fi- fala Thomas Risse? (Risse, 2002: 5)
nanças do Luxemburgo, Pierre Werner, es- A literatura que procura esclarecer uma
tabelecia um processo de fases múltiplas para ideia de identidade europeia é já vasta (Smith,
a união monetária e económica (Tietmeyer, 1992, Delanty, 1995, 1998, 2002, Risse, 1999,
2003). Em 1994, era criado o Instituto 2002), e em geral, procura saber como definir
Monetário Europeu, tornando-se, no mesmo essa identidade de uma forma que não a
ano, no Banco Central Europeu. reduza a valores mínimos nem tão-pouco a
Daí em diante, a Europa passou a ser torne “espessa” no sentido da exclusividade
considerada mais do que um mercado. Mas das práticas de vida europeias (Delanty,
não é claro o que este “mais” significa, pois 2002). Entre estes dois pólos identitários têm
tem sido evocado com sentidos diferentes. sido construídos diversos modelos, como o
Muitos desses sentidos, no entanto, apontam universalismo moral, o universalismo pós-
494 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

nacional, o particularismo cultural, o sa identidade colectiva diz Manuel Villaverde


pragmatismo e o cosmopolitismo (Delanty, Cabral que «quando a identidade nacional não
2002). O modelo cosmopolita que Delanty é activada do exterior e o sentimento de
defende - que apela, de uma forma herme- pertença é referido à experiência quotidiana
nêutica à herança cosmopolita da Europa, não das pessoas, o que vem ao de cima é uma
como expressão de uma cultura partilhada, clivagem (…) segundo a qual a identidade
mas como o reconhecimento da diferença – nacional é um atributo das elites – entre
parece adequado à “Eurolândia”: também esta múltiplos localismos e a identificação espon-
se constitui como amálgama de sistemas tânea com a Nação» (Villaverde Cabral, 2003:
económicos nacionais e regionais com dife- 526-527). O pensamento que este autor
rentes histórias e comportamentos desenvolve para a compreensão das identi-
económicos em termos de níveis de inflação, dades nacionais é simultaneamente muito
de taxas de crescimento e de desemprego, esclarecedor da nossa relação com a Europa:
mas concorrendo, pelo menos no plano dos «mais relevante do que todas estas manifes-
objectivos, à partilha de uma mesma forma tações da identidade nacional, é o facto de
de vida. O cosmopolitismo refere novas o sentimento nacional ter sido objecto, desde
formas de vida moderna e nelas o dinheiro o último quartel do século XIX (…), de
desempenha um papel importante, como activação política recorrente, seja pela oli-
abaixo veremos. No entanto, cremos que só garquia dominante contra alegados perigos
o universalismo pós-nacional, em última externos ou, simplesmente, como factor de
análise, permitirá fazer a verdadeira união mobilização nacional perante desafios como,
política subjacente à unidade monetária por exemplo, aquele a que Portugal vem
europeia. Como argumenta Jürgen Habermas respondendo perante a integração europeia;
(1979), os sistemas políticos democráticos das (…)» (Villaverde Cabral, 2003: 529). A ideia
sociedades capitalistas baseiam-se na de Europa pode constituir-se, assim, um
legitimação popular na esfera cultural, inde- “desafio” que pode activar uma ideia de
pendentemente do seu nível de comportamen- nacionalidade, mas a utilização estratégica do
to no domínio da produção económica. A conteúdo simbólico das identidades demons-
moeda que dá substância à “Eurolândia” é, tra como «algo de conteúdo afinal tão
na verdade, parte de um projecto político de imaginário e tão pobre pode, de facto, pro-
integração mais vasto e, nesse sentido, é duzir efeitos tão reais e tão relevantes para
também símbolo identitário de uma maior uma comunidade cujas diferenças são tanto
integração política. Por isso, como argumen- mais críticas quanto têm de ser dirimidas,
ta Thomas Risse, o Euro tem a ver com obrigatoriamente, no mesmo território com
políticas de identidade e com visões políticas o qual toda essa comunidade se identifica»
da Europa (Risse, 2002). (Idem). Também, como recorda Boaventura
Sousa Santos, é o Estado que tem regulado
4. Entre a União Económica e a União «com discursos e actos simbólicos, a
Política dialéctica da distância e da proximidade, da
diferença e da identidade, entre Portugal e
Os apoiantes mais decididos do projecto a Europa» (Santos, 1993: 51), criando desta
europeu partilham uma visão comum da forma «um universo imaginário onde Portu-
Europa, ainda que esta não signifique o gal se transforma num país europeu igual aos
mesmo para os diferentes cidadãos nacionais. outros, sendo o seu menor grau de desen-
Relativamente ao nosso país, os estudos volvimento considerado simples caracterís-
empíricos dão a ver uma identificação redu- tica transitória que cabe ao Estado gerir»
zida com a Europa: 51% dos portugueses vê- (Idem). O papel estratégico das elites na
se apenas “como portugueses”, privilegian- construção identitária não pode, pois, ser
do, na relação com aquela, sobretudo ques- esquecido.
tões como a segurança económica e não, por Otmar Issing, membro do conselho exe-
exemplo, as questões culturais cutivo do Banco Central Europeu, refere que
(Eurobarómetro, 2003). Mas o que significa «no que toca à moeda única, os pensamentos
“apenas portugueses”? Relativamente à nos- saltam de forma ousada os obstáculos que
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 495

separam a economia, a política e a cultura» Europeu, perante o qual o Banco Central


(Issing, 1999). Embora «a maioria dos eco- Europeu tem de responder. Foi este mesmo
nomistas não pareça particularmente impres- Banco Central Europeu que assumiu respon-
sionada pelo simbolismo da moeda única sabilidade por uma política monetária comum
como um meio usado deliberadamente para que pressupôs a adesão, por parte dos di-
conseguir grandes objectivos e voos políti- versos Estados-membros, a uma série de
cos (…) ninguém pode negar a extraordiná- medidas e de acordos pensados para garantir
ria cedência de soberania que o acto de se uma convergência, num processo complexo
juntar à União monetária representa» (Idem). com inúmeras consequências práticas, nome-
Ainda que a ligação entre integração directa adamente controlo da inflação e estabilidade
entre a união monetária e política seja um de preços.
dos aspectos mais disputados da União, Simultaneamente, haverá que não esque-
podemos estabelecer claras ligações entre o cer que o espaço europeu é resultado da união
Estado e a economia que articulam elemen- de sistemas económicos nacionais com di-
tos económicos funcionais com elementos ferentes histórias e que uma das particula-
político-institucionais e identitários com vista ridades da União Europeia é o facto de ela
a uma integração política que só se fará se construir como “política de geometria
plenamente pelo exercício da cidadania variável” que, à excepção do Mercado
política. Comum, não ocorreu de forma simultânea.
A criação de um mercado único teve A “Eurolândia” é uma amálgama de sistemas
sobretudo razões económicas: os seus objec- económicos nacionais e regionais com dife-
tivos foram, entre outros, regular os merca- rentes comportamentos económicos em ter-
dos Europeus, reduzindo os custos das tran- mos de níveis de inflação, de taxas de
sacções e aumentando a transparência dos crescimento e de desemprego. Este é, aliás,
preços. Simultaneamente, quer a instabilida- o aspecto realçado no processo de adesão ao
de das taxas de câmbio, quer a vantagem Euro. Os critérios de convergência para a
competitiva dos produtores dos países com mesma moeda não foram apenas, as funções
moedas desvalorizadas, representavam uma tradicionais do dinheiro definidas pela eco-
ameaça tanto à eficácia económica como ao nomia (unidade de troca, unidade de conta
próprio apoio político a um mercado Euro- e reserva de valor), mas os factores que
peu, pelo que a união monetária foi a res- precisamente realçam as diferenças entre
posta ao problema. No centro do projecto países: os correspondentes défices públicos,
Euro estiveram, pois, considerações econó- a dúvida pública acumulada relativamente ao
micas que se traduziram muito claramente produto nacional e a estabilidade de preços.
a partir de 1 de Janeiro de 1999, quando os Por isso, foi necessária uma negociação para
valores relativos das moedas dos onze Es- adesão à nova moeda que procurou atenuar
tados membros foram fixados. No entanto, as diferenças nacionais a fim de gerar so-
a força política da moeda reside nas suas lidariedade entre os cidadãos dos diferentes
próprias condições de materialização: «se a países. Não deverá ser esquecido que o Euro
união monetária era atraente na Europa é parte de uma convergência económica
porque fazia parte de um projecto maior de baseada em regras específicas como o Pacto
integração económica, era exequível porque de Estabilidade e Crescimento que inclui
fazia parte de um processo mais vasto de limites específicos como a estabilidade de
integração política» (Eichengreen, 2002: 4) preços, as finanças públicas ou as margens
A convergência de Maastricht foi implan- de flutuação previstas pelo mecanismo de
tada por um banco central política e legal- taxas de câmbio. No entanto, argumentamos
mente credível e independente - o Banco que, através destes processos, a União
Central Europeu -, representando uma ins- Monetária se torna uma plataforma para a
tituição de governação transnacional em cujas união política e que processos económicos
decisões todos os países tinham alguma e políticos estão inextrincavelmente ligados.
participação. A sua legitimidade política É por esta razão que a Europa pode ser
reside na ligação às outras instituições abordada pela dimensão simbólica dos seus
europeias, nomeadamente ao Parlamento aspectos políticos e económicos. E é em parte
496 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

por isto que «as características mais intri- No caso da moeda, a sua iconografia
gantes do euro parecem ser não-económicas» demonstra isto mesmo: elas correspondem a
(Dodd, 2001b: 25) narrativas históricas nacionais produzidas e
reproduzidas de «formas autorizadas pelo
5. O traço de união simbólico Estado» (Pointon, 1998: 231). Jacques
Hymans considera as ligações entre a moeda
A centralização da autoridade política, e e a identidade Europeia a partir da sua
a consequente eliminação da divisão interna iconografia como um processo que evoluiu
ou dissensão simbólica, é facilitada na medida ao longo do tempo, das representações do
em que somos (ou deveremos perceber-nos Estado para representações do indivíduo, e
como) cidadãos e membros de uma única da representação de valores tradicionais para
unidade social – todos parte da mesma valores pós-materiais, equivalentes a um
‘comunidade imaginada’ como lhe chama espírito do tempo (Hyman, 2002).
Benedict Anderson, que realça que os Es- A concepção do símbolo do Euro invoca
tados não só são construídos pela força, mas uma origem comum: representação da letra
pela lealdade, por um compromisso volun- grega épsilon, apontando para o berço da
tário para com uma identidade comum civilização europeia e a primeira letra da
(Anderson, 1983). palavra “Europa”, mas acrescida de um factor
A distinção crítica entre ‘nós’ e ‘eles’ pode político-económico simbólico, as duas linhas
ser exaltada por diferentes símbolos tangí- paralelas representantes da estabilidade do
veis: bandeiras, hinos, arquitectura pública, Euro. Quanto a moedas e notas, o seu de-
mesmo equipas desportivas nacionais. Entre senho corresponde à tentativa de criar signos
os elementos mais potentes está a moeda. A que se prestem a interpretações múltiplas e
partilha de um mesmo dinheiro pode servir que, «em vez de impor uma só visão da
para aumentar um sentido de identidade Europa, convidem o cidadão-consumidor a
nacional de duas formas: porque é emitida desenvolver a sua própria visão» (Hyman,
pelo seu governo ou banco central, a moeda 2004: 21).
corrente actua como uma recordação diária A iconografia das faces portuguesas
aos cidadãos da sua ligação ao Estado; e integra elementos tradicionais, fortemente
porque dado o seu uso universal, a moeda associados ao berço da identidade nacional,
corrente sublinha a pertença a uma mesma a par da simbologia própria da União
entidade social, como acontece Europeia. As faces portuguesas têm os selos
maioritariamente com as línguas nacionais. da autentificação régia, isto é, aqueles que
A mesma justificação se aplica à União o primeiro rei de Portugal, D. Afonso
Europeia: um dinheiro comum poderá ajudar Henriques, utilizava para autenticar os seus
a homogeneizar grupos sociais diversos e documentos. As moedas de 1 e 2 euros, para
frequentemente antagónicos e, por sua vez, além do elemento central, o selo real de 1144,
esta mesma identidade poderá ajudar a um exibem os castelos e escudos de Portugal,
bom funcionamento da ordem monetária. rodeados pelas estrelas da Europa, simboli-
Politicamente, uma moeda nacional pode zando o diálogo, a troca de valores e a
não ser um atributo essencial de soberania dinâmica da construção europeia. Nas mo-
do Estado mas, em geral, foi assim consi- edas de 10, 20 e 50 cêntimos, o elemento
derada, juntamente com o exército e o lan- central do desenho é o selo real de 1142 e
çamento de impostos. Atravessar fronteiras as moedas de 1, 2 e 5 cêntimos apresentam
nacionais significa, em muitos aspectos, o primeiro selo real, de 1134, e a epígrafe
mudar os códigos semânticos incluindo a “Portugal”.
moeda. O dinheiro está, com efeito, muito Os símbolos escolhidos, segundo a
associado às “fronteiras” que, nos Estados memória descritiva das moedas da autoria de
nacionais, são mantidas não só por elemen- Vítor Manuel dos Santos, procuram reflectir
tos territoriais, mas também – e de forma uma forte presença da identidade nacional.
crescente – por distinções simbólicas que No entanto, essa identidade é a mais remota
indicam identidades nacionais como passa- possível. Por um lado, remonta-se a um tempo
portes, bandeiras e moedas. onde, na verdade, como vimos, não começa-
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 497

va ainda a existir uma moeda nacional, mas O que também argumentamos com
circulava uma espécie de “Euro peninsu- Habermas e contra Habermas, é que a cons-
lar”, o Morabitino. Por outro lado, remon- trução do demos Europeu tem de se fazer
ta-se ao período de formação do país, isto a partir do mundo da vida, da comunicação.
é, a um “berço” de nacionalidade, nacio- Ele também argumenta que o dinheiro (como
nalidade essa que levaria ainda muito tempo o poder) é não-comunicativo e é meramente
a construir. Esta é uma memória identitária um meio quantitativo. Através do dinheiro
algo afastada dos elementos identitários não há possibilidade de alcançar uma com-
com que nos habituámos a pensar Portu- preensão comum. No entanto, como tentá-
gal: o país dos actuais territórios, dos factos mos defender, a legitimidade do dinheiro
heróicos, das conquistas, das adversidades depende dos seus significados partilhados
dos mares e das descobertas. De algum (não apenas económicos mas também cul-
modo, tal confirma o afastamento da moeda turais e políticos). Assim, pensamos que a
do Estado-nação afirmado nos séculos mais dimensão comunicativa não pode ser total-
recentes, o Estado conquistador e colonial, mente ignorada e que o dinheiro pode conter
virado para África e para o mar, e uma compromisso de valor. É o que procurare-
aproximação a novos entendimentos e mos explorar de seguida.
origens de um país que se pretende agora
da Europa e pela Europa. 5. Dinheiro e Comunicação
De uma forma mais geral, o desenho da
moeda europeia procurou articular uma iden- Na teoria social sistémica o dinheiro é
tidade colectiva que, não negando as origens considerado neutro. A sua missão é facilitar
nacionais, encontrasse símbolos de pertença a “complexidade do sistema” (Parsons e
colectiva a uma mesma memória arquitec- Smelser, 1956). Da mesma forma, tradicio-
tónica (difusa), e sobretudo a um mesmo nalmente, a economia atribui ao dinheiro um
imaginário de “pontes”, “arcos” e “monumen- conjunto de funções: ele funciona como
tos” que construíssem a grande “casa unidade de troca, unidade de conta e reserva
europeia” projectada com ideais de futuro e de valor. Estas funções, no entanto, são
modernidade. limitadas no momento de procurar uma
Estes ideais de pertença não são apenas, explicação para a existência do dinheiro,
naturalmente, simbólicos: incluem enraiza- contradizendo de imediato uma concepção da
mentos normativos muito concretos que pas- neutralidade do “véu” monetário que carac-
sam pelo desenvolvimento de direitos e ci- teriza a teoria económica abstracta (Ingham,
dadania, pelo desenvolvimento económicos 2004). Na verdade, o dinheiro não tem apenas
e de redes transnacionais de cooperação. funções: é socialmente produzido, regulado
Como já insistimos, sendo a dimensão pela convenção e pela confiança, constitu-
simbólica importante, o êxito de uma ideia indo-se um “facto social”, na medida em que
de Europa não depende apenas da União «independentemente da forma que possa
monetária, mas da sua concretização políti- assumir, o dinheiro é essencialmente uma
ca, social e cultural e do desenvolvimento “promessa” provisória de pagamento»
de uma modernidade colectiva. No momento (Ingham, 2004: 25).
exacto de explicitar o que é “uma identidade A isso está ligado um conjunto de sig-
europeia” parece especialmente relevante o nificações. Por exemplo, como defende James
argumento de Habermas de que a identidade Buchan, na medida em que pode cumprir
Europeia deve desembaraçar-se de uma ideia qualquer objectivo, o dinheiro é “desejo
de Europa como comunidade étnica de um congelado” e o objectivo de vida para muitas
certo imaginário cultural, para desenvolver pessoas: «o dinheiro só é dinheiro no mo-
um demos Europeu: uma Europa cívica que mento em que incorpora um desejo» (Buchan,
traça as suas bases normativas, para além de 1997: 13). Mas, para além desta dimensão
económicas, passa por estabelecer pré-requi- subjectiva, o “facto social” de que fala
sitos como a existência de uma sociedade civil Ingham traduz-se na sua dimensão comuni-
Europeia, de uma esfera pública e de uma cativa: o dinheiro comunica valor, não tem
cultura política Europeia (Habermas, 2001). em si, valor. Apenas porque é um meio que
498 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

possibilita a toda a gente atribuir significa- se-ia no sentido da diferenciação social e da


dos – o de que com ele é possível obter- governação por princípios de mercado. A
se o que se deseja – o dinheiro é socialmente economia de mercado dissolve a
aceite como transmissor. Essa capacidade interdependência entre personalidade e rela-
comunicativa, nas suas diferentes formas, tem ções materiais, produzindo um forte indivi-
sido analisada em diferentes linhas socioló- dualismo e anonimato que se desenvolve em
gicas. duas linhas diferentes. Gera, «por um lado,
A um nível macro, no entanto, o esta- a nivelação, a igualização, a produção de
belecimento da moeda Europeia deve, com círculos sociais cada vez mais compreen-
efeito, ser lido à luz de um processo de sivos pela ligação das coisas remotas em
modernização. É, pois, fundamental o con- condições iguais; por outro lado, [conduz à]
tributo de Giddens que entende a moder- elaboração das questões mais individuais,
nidade como um processo assente em me- independência do sujeito, autonomia do seu
canismos de descontextualização (elemen- desenvolvimento» (Simmel, 1991: 21).
tos simbólicos como o dinheiro que assume Para Simmel, a significação social do
a forma de pura informação) que operam uma dinheiro assenta sobre o seu valor, o que
«separação das relações sociais dos contex- significa que, para o perceber, é preciso
tos locais de interacção e a sua reestruturação compreender o processo de construção e
através de extensões indefinidas de espaço- definição dos valores. É o desejo, não a
tempo» (Giddens, 1992: 16). A partir do escassez, o motor principal do valor. O
momento em que as relações sociais são dinheiro é um mero mecanismo, mas um
dissociadas da co-presença física dos actores mecanismo que é de desejos e se encaminha
implicados, a confiança torna-se essencial. para satisfações. Daí, a sua forte carga moral
Um dos mecanismos de descontextualização como portador de uma actividade económica
é precisamente o dinheiro, que se desenraíza que tem consequências sobre o estilo de vida
do mercado, das esferas monetárias reais de em geral e da vida de cada pessoa em
acumulação, sendo esse processo fundamen- particular. Daí também que o dinheiro não
tal para a actividade económica actual. Por seja essencialmente um valor substancial mas
outro lado, as interacções modernas têm por funcional, a expressão prática da essência
base transacções específicas, das quais a sua espiritual do homem: o dinheiro é ideal, pura
grande parte é, precisamente, a troca de representação.
determinados bens. Estes tipos de interacções Nigel Dodd argumenta, no entanto, que
tendem a alienar-nos uns dos outros, sendo nas nossas sociedades, por causa da diver-
o anonimato, marcado por relações de sidade dos significados do dinheiro, este
impessoalidade e confiança, uma estratégia parece cada vez mais difícil de ser teorizado
para transacções equivalentes. a um nível abstracto: «quanto mais ricamen-
Georg Simmel, nos anos de 1880, já te descrevemos os nossos usos quotidianos
referia estas novas formas de relação social: do dinheiro, mais multifacetadas,
«o sentimento de segurança pessoal que a multidimensionais e locais parecem ser as
posse do dinheiro confere é talvez a forma nossas ligações» (Dodd, 2001a: 18). Por isso,
mais concentrada e de manifestação da con- faz igualmente sentido considerar o contri-
fiança na organização e ordem socio-políti- buto de Viviana Zelizer para quem «todos
ca. A subjectividade deste processo é, diga- os dinheiros são na verdade duais: tanto
mos, um poder elevado da subjectividade que servem os circuitos gerais como os locais
cria o valor dos metais preciosos. Este é pres- (…). Vistas de cima, as transacções econó-
suposto, mas tem um resultado prático nas micas ligam a significados simbólicos e a
transacções monetárias que tem uma fé de instituições nacionais. Vistas de baixo, no
ambos os lados» (Simmel, 1990: 179). Como entanto, as transacções económicas são al-
resultado de uma crescente abstracção e tamente diferenciadas, personalizadas e lo-
precisão matemática modernas, traduzidas cais, significativas em relações particulares.
numa “mente objectiva” que faria alastrar os Não existe, portanto, contradição entre uni-
princípios do cálculo a todas as relações versalidade e diversidade: são simplesmente
sociais, o capitalismo moderno desenvolver- dois aspectos diferentes da mesma transac-
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 499

ção» (Zelizer apud Dodd, 2001: 19). O complexo processo de construção de um


pensamento de Zelizer relativamente ao di- horizonte comum.
nheiro como um fenómeno multidimensional
aponta para o facto de este, além de poder 6. Conclusão
ser usado para trocas instrumentais, não estar A partir do que acima estabelecemos,
livre de constrangimentos sociais. É antes um sugerimos que a moeda poderá pode ser en-
tipo de moeda criada socialmente, sujeita às tendida como comunicação, ligada não apenas
redes de relações sociais e detentora dos seus aos seus aspectos “funcionais” e “abstractos”
próprios valores e normas. Mesmo quando envolvidos na economia propriamente dita, mas
considerando a necessidade de abstracção do também como ponto de ancoragem das repre-
dinheiro, ele deve ser contextualizado em sentações nacionais dos cidadãos europeus.
diferentes tempos, lugares e relações sociais. Sociologicamente, como vimos, o estudo
Por isso, «não há um só dinheiro uniforme, do dinheiro centrou-se na sua racionalização
generalizado, mas dinheiros múltiplos» e função “abstracta”, ligada ao funcionamen-
(Zelizer, 1999: 87). O dinheiro, nesta pers- to das sociedades e à sua relação com a
pectiva, é uma linguagem, uma forma de confiança, o que responde bem a uma “abs-
atribuir sentido à sua utilização. tracção” identitária como é a União Europeia.
Na nossa compreensão dos aspectos O lançamento do Euro, numa perspectiva de
comunicativos da moeda, seguimos as po- integração política, assenta na projecção de
tencialidades do caminho habermasiano da que dinheiro internacional apagará também
Europa. Na visão de Habermas, o dinheiro, os limites do Estado, fundindo-os num ho-
como o poder, “deslinguifica” a vida social, rizonte comum de partilha simbólica europeia.
uma vez que o mercado ou o exercício do Para isso contribui o próprio desenho das
poder administrativo reduzem as compreen- moedas onde se projecta uma imagem sem
sões mútuas e os valores partilhados que têm pátria, através de figuras de pontes que não
um papel mínimo. As acções coordenadas existem e de estilos arquitectónicos que se
pelos media simbolicamente generalizados, substituem a monumentos. A face “nacional”
como o dinheiro, diferem da acção comu- das moedas, no entanto, constitui alguma
nicativa na medida em que têm por objectivo abertura ao enraizamento local, o que pode
a organização da produção e da troca de bens ser ligado a uma outra qualidade da moeda
na base do lucro monetário. O dinheiro não que é a sua utilização particular e quotidiana.
tem uma “acção comunicativa” nem perten- A um nível macro, o Euro é parte de uma
ce ao mundo da vida, porque é um código circulação abstracta como unidade de confi-
simplificado. Embora possa apelar a símbo- ança. A este nível, é parte das rotinas eco-
los para transmitir desejos e esperanças, não nómicas dos estados nacionais, exigindo
tem por objectivo final uma compreensão medidas particulares para a sua implementação.
mútua (Habermas, 1984). No entanto, argu- A um nível micro, o Euro é um novo símbolo
mentamos que, uma vez que o exercício de identitário supra-nacional (europeu), um sig-
cidadania também envolve a integração a no comunicativo, com significados diferenci-
partir “de baixo”, do nosso quotidiano, um ados e concretos. Através dele, os cidadãos
acontecimento como o lançamento do Euro tornam-se parte de uma “comunidade imagi-
pode transformar o dinheiro numa parte do nária” que é não só económica, como política.
500 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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502 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 503

Intenção de Voto e Propaganda Política:


Efeitos e gramáticas da propaganda eleitoral
Marcus Figueiredo1 e Alessandra Aldé2

Introdução O trabalho está dividido em duas partes:


primeiro, apresentamos o efeito da propagan-
Há, na literatura internacional, uma enor- da eleitoral na construção da intenção de voto,
me controvérsia sobre o efeito da propagan- ao longo das campanhas de 1989 a 2002;
da política e eleitoral na produção dos re- em segundo lugar, de forma mais detalhada,
sultados eleitorais. Recentemente, Thomas M. apresentamos o efeito da propaganda dos
Holbrook 3 se perguntou: Do Campaigns candidatos na eleição de 2002.
Matter? Na análise dos efeitos agregados da
Esta pergunta pode ser desdobrada nas propaganda política procuramos inovar, lan-
seguintes: se, quando, como e por que a çando mão de uma estratégia baseada na
propaganda política e eleitoral altera a von- análise de séries históricas. Para a eleição
tade eleitoral, predeterminada por contextos de 2002 testamos a hipótese clássica do voto
e processos históricos mais profundos do que restrospectivo-prospectivo, de Morris
os ditados pelos debates eleitorais entre Fiorina,4 analisando a série histórica das
partidos e candidatos? intenções de voto e das avaliações do segun-
Este trabalho toma estas perguntas como do mandato do Presidente Fernando Henrique
roteiro de investigação com o objetivo de Cardoso como preditor da eleição de 2002.
identificar: a) as condições históricas que Com base nessas estratégias analíticas,
inibem ou exacerbam o efeito da propagan- mostraremos o efeito agregado da propaganda
da, consolidando ou alterando vontades elei- política, tanto na sua versão “Horário Político
torais preestabelecidas; b) como medir Partidário”, veiculado no período pré-eleitoral
empiricamente o efeito da propaganda po- para a propaganda partidária, quanto na sua
lítica e eleitoral sobre a vontade eleitoral final versão “Horário Gratuito de Propaganda
na manutenção ou na alteração da vontade Eleitoral” (Tempo de Antena), veiculado no
eleitoral inicial; e c) que gramática discursiva período de propaganda eleitoral estabelecido
predomina na propaganda política e eleitoral oficialmente (60 dias antes da eleição, em
brasileira. 1989, e 45 dias nas demais). Veremos que a
Neste trabalho, apresentamos uma construção da intenção de voto do eleitorado,
metodologia para estudar a primeira e a ao longo do tempo, é fortemente influenciada
segunda questões apontadas acima, ou seja, pelas estratégias de propaganda dos partidos
como identificar o efeito agregado da pro- e candidatos envolvidos no processo eleitoral,
paganda política sobre a intenção de voto e antes e durante o período eleitoral formal.
descrever os primeiros resultados obtidos na
observação das campanhas presidenciais 1. Efeito Agregado da Propaganda Polí-
brasileiras de 1989 a 2002. Trata-se de tica - sua metodologia e resultados
instrumentos metodológicos ainda em expe-
rimentação e, portanto, os resultados e as Não resta nenhuma dúvida de que a
análises apresentados são provisórios e su- propaganda política exerce algum efeito sobre
jeitos a revisão e aprofundamento. Com este a intenção de voto dos eleitores. A questão
estudo, procuramos avançar na observação analítica passa a ser, então, como, quando
das estratégias discursivas e persuasivas das e com que magnitude a propaganda política
campanhas eleitorais e de seus efeitos e, com contribui para a construção da vontade elei-
isso, contribuir para a compreensão do toral. Nesta seção, veremos em que momen-
comportamento eleitoral de candidatos e to e qual a magnitude da contribuição pro-
eleitores. paganda política para o resultado eleitoral.
504 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Para situarmos o papel e o efeito da Este modelo tem a seguinte estrutura:


propaganda política, começamos por identi-
ficar algumas verdades estabelecidas, farta- Yt = Σ bnYt-n + et (1)
mente documentadas, nos estudos de com-
portamento eleitoral. O estudo de processos Substantivamente, esta hipótese nos diz
eleitorais e as tentativas de explicar os que, em uma conjuntura eleitoral com dois
resultados eleitorais observados trabalham ou mais candidatos, a distribuição das inten-
com dois conjuntos de dados, no mais das ções de voto no início da corrida eleitoral
vezes, de forma estanque. De um lado, estão será a mesma na véspera da eleição; que todos
as teorias que focalizam um conjunto de os acontecimentos políticos, de campanha e
variáveis estruturais, estáveis ao longo do extra-campanha, são irrelevantes na predição
tempo: identificação partidária e ideológica das intenções de voto; e que as propagandas
dos eleitores, posição de classe, avaliação dos candidatos são incapazes de persuadir os
econômica do estado da nação e do desem- demais eleitores além dos seus próprios
penho dos governantes. De outro lado, estão seguidores originais.
as variáveis comunicacionais, algumas está- Para testar esta hipótese é necessário
veis ao longo do tempo (por ex., hábitos de identificar os pontos de inflexão nas curvas
consumo e exposição à mídia) e outras de de intenção de votos de cada candidato. A
curtíssimo prazo, como exposição às propa- partir daí, verificar os acontecimentos rele-
gandas políticas e eleitorais. vantes, de campanha ou extra-campanha, que
Recentemente, diversos estudos têm em princípio poderiam ter gerado esses efeitos
demonstrado que entre as variáveis estrutu- na corrida eleitoral. Como normalmente este
rais, duas têm sido cada vez mais importan- tipo de análise é ex-post, esta não é uma tarefa
tes: avaliações econômicas e de desempenho difícil. Entretanto, este teste visual não nos
dos governantes, especialmente do manda- permite testar qualquer hipótese sobre as
tário. Dentre as variáveis comunicacionais, causas das variações encontradas. A boa
as principais são: exposição às mídias metodologia sugere lançar mão de hipóteses
jornalísticas e às propagandas políticas.5 ex-ante relevantes, ou seja, decompor a curva
Neste trabalho, será mostrado o efeito de de intenção de votos em subperíodos demar-
duas variáveis como preditoras da evolução cados por intervenções exógenas previamen-
da intenção de voto: uma, estrutural, avali- te definidas. A regra metodológica aqui nos
ação do governante, e outra, de curto prazo, permite testar o efeito que tal intervenção
exposição à propaganda eleitoral. produz no comportamento da curva de in-
Como um exercício inicial, tomamos a tenção de voto. Trata-se da análise de séries
evolução das intenções de voto declaradas históricas interrompidas.
pela população durante um período t.6 Este Intervenções ex-ante relevantes em pro-
conjunto de observações de intenções de voto cessos eleitorais são predeterminadas pela
é, então, tratado como uma série histórica. legislação eleitoral. As legislações estabele-
Assumimos como hipótese nula que uma série cem os calendários eleitorais, determinando
temporal de intenções de voto é um processo as datas dos acontecimentos políticos e
de comportamento autoregressivo, de natu- eleitorais com implicações diretas nas datas
reza estacionária, no qual a intenção de voto para a difusão da propaganda política-elei-
declarada no tempo t é função da série de toral, acontecimentos supostamente respon-
intenções de voto declaradas no tempo t-1, sáveis pelas inflexões nas curvas de intenção
e assim sucessivamente, até t-n. Esta hipótese de voto. Dentre estas datas, duas são as mais
nos diz que a evolução das intenções de voto relevantes: a data das convenções partidárias
declaradas, ao longo do período sob obser- e as datas permitidas para veiculação das
vação, são estáveis, sujeitas apenas a vari- propagandas. A data da convenção é a mais
ações aleatórias, dentro das margens de erro importante porque é quando se definem
de cada observação e entre todas as obser- (formalmente) e se oficializam as candida-
vações, ou seja, apresentando média e turas. Por isso, dividem o período político
variância estáveis no período considerado. em dois: o período pré-eleitoral e o eleitoral.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 505

No caso do Brasil, temos dois períodos cada subperíodo eleitoral. Analiticamente esta
para a propaganda política dos partidos, decomposição da curva significa introduzir
ambas com datas previamente definidas: antes na equação (1) duas variáveis dummy, uma
das convenções partidárias, que sempre para o primeiro turno e outra para o segundo
ocorrem no mês de junho do ano eleitoral, turno. A equação representativa deste proces-
ou seja, durante o primeiro semestre, e depois so passa a ser:
das convenções. No período pré-eleitoral, o
tempo de propaganda é destinado aos par- Yt = α + (Σ bnYt-n)D1 + (Σ bnYt-n)D2 + et
tidos para a propaganda político-institucional, (2)
sendo vedada qualquer propaganda
identificada como típica de “propaganda Esta nova estrutura analítica tem o
eleitoral”. No período eleitoral, o tempo de objetivo de responder se e com que mag-
propaganda é destinado à propaganda elei- nitude a introdução da propaganda eleitoral
toral. E neste período eleitoral temos, ainda, altera a evolução da distribuição das inten-
a possibilidade de dois momentos: o do 1º ções de voto.
turno (volta) e o do 2º turno (volta). Esta
estrutura competitiva do processo eleitoral 2. O efeito da propaganda eleitoral nas
brasileiro permite decompor o ano eleitoral eleições presidenciais, 1989 a 2002
em três períodos: pré-eleitoral, 1º turno e 2º
turno. Para testar este modelo, tomamos a dis-
A hipótese nula sobre este processo é a tribuição de intenção de voto dos dois prin-
de que a distribuição da intenção de voto não cipais candidatos ao longo de cada ano
se altera significativamente nos três períodos eleitoral, subdivididos pelos momentos em
eleitorais. Assim, a série histórica que repre- que entram em ação as respectivas propa-
senta a disputa pelo voto pode ser decom- gandas, no primeiro e no segundo turnos.7
posta e podemos estimar os parâmetros de Vejamos na tabela os resultados:

Tabela 1
Intenção de Voto Estimulado, 1989-2002
Modelo de Estimação

Variáveis Dependentes: evolução da intenção de voto para os principais candidatos.


Variáveis Preditoras: períodos do processo eleitoral, preeleitoral, 1º turno e 2º turno
Regressão Linear OLS
1989 1994 1998 2002
Collor Lula FHC Lula FHC Lula Serra Lula
B B B B B B B B
Dummy 1º Turno -4,85 3,00 22,85** -14,41** 9,25** -1,67 6,21** 8,85**
Dummy 2º Turno 13,58** 33,67** — — — — 18,29** 25,18**
Constante 34,25 8,50 21,1 37,7 38,5 27,17 13,45 33,82
R2 0,62** 0,95** 0,90** 0,87** 0,71** 0,17 0,76** 0,83**
Durbin-Watson 1,041 0,681 1,522 1,799 1,539 1,471 0,543 0,945
F 13,58** 160,55** 137,40** 103,89** 19,97** 1,58 28,65** 43,49**
Observações 20 17 10 21
Fonte: DataFolha. Coleção de pesquisas pré-eleitorais de intenção de voto para presidente, perguntas somente relativas à
Situação A, 1989 a 2002, Site do Instituto DataFolha.
Sig. (*) p ≤ 0,5%; (**) p ≤ 0,1%
Banco de Dados Opinião Pública, Projeto Eleições Brasileiras, DOXA/IUPERJ.
506 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Analisando os resultados obtidos pode- agregados das campanhas na eleição de 2002,


mos destacar: construímos uma estratégia usando duas
1. Nas quatro eleições analisadas, o modelo variáveis explicativas da intenção de voto
analítico comportou-se de forma esperada, observada ao longo do tempo: avaliação do
mostrando claramente o efeito da entrada da governo Fernando Henrique Cardoso (segun-
propaganda na distribuição de intenção de do mandato) e exposição, direta ou indireta,
voto, para cada um dos candidatos analisados; aos programas políticos e eleitorais. Para
2. À exceção da campanha de Lula, em orientar esta análise tomamos por referência
1998, em todas as demais, a entrada da uma hipótese econômica, clássica, e acres-
propaganda eleitoral produziu efeitos signi- centamos a ela a variável exposição à pro-
ficativos na conquista de votos; paganda política e eleitoral.8 Desta forma, o
3. Nas eleições de 1989 e 2002, ambas modelo básico apresentado (ver equação 1)
com ocorrência de segundo turno, fica claro modifica-se e passa a ter a seguinte estru-
que a propaganda no segundo turno é mais tura:
eficiente do que no primeiro; isto ocorre
porque com a saída da competição dos Yt = Σ bnYt-n + Σ bnXt-n et (3)
candidatos derrotados, os seus eleitores tor-
nam-se sujeitos à persuasão; Aplicando o mesmo controle sobre a
4. Ainda sobre estas duas eleições, ob- época de veiculação da propaganda eleitoral,
servamos que a eficiência da campanha de e considerando apenas o primeiro turno da
Lula na conquista do voto foi maior do que eleição de 2002, o modelo a ser testado passa
a de seus adversários, sendo mais eficiente a ser:
ainda em 1989 do que em 2002;
5. Comparando-se as campanhas de 1994 Yt = α + (Σ bnYt-n)D1 + Σ bnXt + et (4)
e 1998, fica patente o efeito da propaganda
eleitoral; isto é, a eficiência da campanha de
onde: Yt é a evolução da distribuição da
Fernando Henrique e a ineficiência da cam-
intenção de voto, no tempo considerado; D1
panha de Lula, em ambas as campanhas;
é a variável dummy para o período de
6. Em 1994, apesar de Lula começar com
veiculação do horário eleitoral (tempo de
patamares de intenção de voto superiores aos
antena) em rede nacional; e Xt é a evolução
de Fernando Henrique, a campanha de Lula
da avaliação do governo Fernando Henrique,
não foi capaz de reter parte significativa de
seus eleitores iniciais, que foram conquista- segundo mandato, no tempo considerado. As
dos pela campanha de Fernando Henrique; variáveis intenção de voto e avaliação do
7. Em 1998, o desempenho da campanha governo Fernando Henrique, que compõem
de Lula sugere que a intenção de voto em a matriz de dados, são retiradas das mesmas
Lula permaneceu estável durante todo o pesquisas. Ou seja, a intenção de voto do
período, o que vale dizer que sua propagan- eleitorado, no tempo t, em um candidato é
da conseguiu apenas reter o apoio dos elei- função do efeito agregado conjunto da evo-
tores já decididos antes de a campanha lução da avaliação do governo FHC, da
começar; neste ano, a campanha do Fernando evolução da distribuição das intenções de voto
Henrique, embora eficiente, sugere que o seu no tempo t-n e da exposição à propaganda
esforço foi muito maior na direção de reter política e eleitoral no mesmo tempo t.
sua base inicial, já que, comparativamente Esta hipótese teórica nos diz: a intenção
a 1994, a magnitude do efeito da sua pro- de voto de um eleitor é função da avaliação
paganda em 1998 (ver coeficiente da vari- que este eleitor faz do atual governante e
ável dummy) é 2,5 vezes menor do que o da exposição às campanhas dos candidatos,
observado para a eleição de 1994. sendo estes o próprio governante ou seus
sucessores, e os demais, candidatos
3. Efeito Agregado da Propaganda Polí- opositores. Substantiva e historicamente, esta
tica e Avaliação do Governante hipótese nos diz que se o atual governante
vai bem, ele próprio ou seu sucessor têm
Mantendo a mesma estrutura analítica maiores apoios eleitorais, caso contrário, a
apresentada acima, para testar os efeitos oposição terá mais chances eleitorais.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 507

Esta hipótese, além de intuitiva, é mo; e Média das Notas de Zero a Dez;
empiricamente poderosa. Entretanto, a pro- 3. Com base na data da pesquisa
paganda eleitoral foi inventada para confron- identificamos os períodos eleitorais e os
tar tal tendência estruturalmente duradoura. momentos em que as propagandas dos can-
A propaganda eleitoral tem três objetivos didatos foram veiculadas na TV, em rede,
simultâneos: reter seu eleitorado, conquistar sendo eles Pré-Eleitorais (junho/01-16/agos-
o eleitorado dos adversários e ganhar os to/02) e Horário Eleitoral, tempo de antena,
indecisos. Ora, como todos os eleitores têm (30/agosto-2/outubro/02).
uma avaliação do atual governante, fica claro Testes preliminares apontaram que do
que o efeito relativo persuasivo de uma conjunto das variáveis explicativas as va-
campanha eleitoral será maior ou menor em riáveis FHC R/P (avaliação ruim e péssima
função do posicionamento estratégico dos de FHC) e Dummy HGPE (variável dummy
candidatos em relação ao status quo, ou seja, para o período do horário eleitoral) foram
em relação ao nível de popularidade do as que melhor se ajustaram ao modelo pro-
governante. posto. Para este teste foram feitas cinco
Para testar este modelo, construímos uma regressões, uma para cada candidato, regres-
matriz de dados constituída pelas seguintes sando a evolução da distribuição de inten-
informações agregadas, oriundas de 18 pes- ção de voto de cada candidato sobre a
quisas de opinião entre os meses de junho avaliação de FHC (RP) e controlando este
de 2001 a 2 de outubro de 2002, ante-vés- processo pela variável Dummy HGPE, sen-
pera da eleição:9 do, portanto, cinco regressões com a seguinte
1. Intenção de voto estimulada, em pro- estrutura:
porções, para os quatro principais candidatos
finais, no primeiro turno, e para a pré- IntVtC it = b 0 + b 1it-n Av(FHC) t-n + b 2it-n
candidata Roseana Sarney; (HGPE)Dt-n + _t (5)
2. Avaliação do governo FHC, em pro-
porções, de acordo com as seguintes alter- O resultado da aplicação deste modelo
nativas: Ótimo/Bom, Regular e Ruim/Péssi- está na tabela abaixo:

Tabela 2
Intenção de Voto, Avaliação de FHC e Horário Eleitoral
Modelo de Predição

Modelo Ciro (b) Garotinho (b) Lula (b) Serra (b) Roseana (b)
Constante 7,501 23,636 38,401 40,468 21,683
FHC R/P 0,147 -0,620** -0,107 -0,629** -0,131
Dummy HGPE -0,061 0,397* 0,681** 0,674** —
R2 0,022 0,450 0,448 0,693 0,170
Adj R2 -0,108 0,377 0,374 0,652 -0,179
F 0,169 6,146** 6,079** 16,897** 0,088
DW 0,430 1,623 1,037 1,144 0,991
N 18 18 18 18 7
Fonte: DataFolha. Coleção de pesquisas pré-eleitorais de intenção de voto para presidente, perguntas somente
relativas à Situação A, 1989 a 2002, site do Instituto DataFolha.
Regressão Linear OLS
Sig. (*) p ≤ 0,5%; (**)p ≤ 0,1%
Banco de Dados Opinião Publica, Projeto Eleições Brasileiras, DOXA/IUPERJ.
508 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Os resultados destes testes apontam para primeiro momento, do desempenho dos


os seguintes resultados: demais candidatos, especialmente durante as
1. O desempenho eleitoral de Ciro Gomes, presenças de Roseana Sarney e Ciro Gomes
ao longo do período considerado, é inteira- na disputa, e da sua campanha no horário
mente independente do grau de avaliação do eleitoral, principalmente a partir de 30 de
governo FHC e do seu desempenho persu- agosto, duas semanas após o início da dis-
asivo no horário eleitoral; os parâmetros que puta pelo voto através da propaganda no
estimam o desempenho de Ciro Gomes horário eleitoral;
sugerem que a distribuição de intenções de Dos resultados encontrados, o único que
voto em seu nome terminou por ser estável; destoa do esperado foi a ausência de cor-
ao longo do período, a campanha de Ciro relação entre intenção de voto em Lula e
Gomes não foi capaz de ampliar sua base avaliação negativa do governo FHC. Lula,
de apoio; no breve momento em que con- como um candidato histórico de oposição,
seguiu mais apoios, 30 dias antes do início tendo já perdido duas eleições seguidas para
do horário de propaganda, sua campanha não Fernando Henrique, quando este se apoiava
resistiu aos ataques de seu maior adversário, em boas avaliações, deveria ter tido suas reais
o candidato José Serra, durante as duas chances de eleição sustentadas pela má
primeiras semanas do horário eleitoral; avaliação que o governo Fernando Henrique
2. Igualmente a Ciro Gomes, a pré- teve durante o seu segundo mandato.
candidata Roseana Sarney, no curto tempo Do ponto de vista estatístico a explicação
em que disputou a preferência dos eleitores, é simples. Ao longo do período analisado a
nos meses finais de 2001 e início de 2002, intenção de voto em Lula variou muito, entre
também não resistiu à seqüência de matérias 35%, em junho de 2001, 25%, em março de
jornalísticas que colocaram em dúvida a lisura 2002, 43%, em maio, 33%, em 30 de julho
do seu governo no Estado do Maranhão, e e, finalmente, 45%, em 27 de setembro e 2
da origem dos recursos que supostamente de outubro, véspera da eleição. Estas osci-
estariam financiando suas atividades políti- lações produziram uma taxa média constante
cas; de intenção de voto da ordem de 35%,
3. Entretanto, os melhores momentos mostrando dois movimentos: a taxa média
eleitorais de ambos ocorreram logo após a predita de 35% representa um potencial de
veiculação dos seus programas partidários, voto constante que, dependendo do desem-
ainda no período pré-eleitoral, isto é, antes penho dos outros candidatos, poderia ou não
do horário eleitoral; ser atingido ou ultrapassado. Tanto que as
4. Os candidatos Garotinho e José Serra duas quedas significativas ocorridas foram,
tiveram, igualmente, desempenhos decorren- respectivamente, quando Roseana e Ciro
tes da avaliação do governo FHC e dos “explodiram” nas suas curvas de intenção de
respectivos programas eleitorais. Para ambos, voto, ambos após os respectivos programas
as intenções de voto observadas ao longo do partidários. Lula recupera o seu patamar
período variaram em função do nível de potencial exatamente após a queda de am-
popularidade de FHC e tiveram seus melho- bos. Nesses dois momentos entram, ademais,
res momentos a partir da entrada no ar de em cena, as propagandas de Lula, especial-
seus programas no horário eleitoral. Para mente no horário eleitoral.
Serra, isto ocorreu a partir da primeira Portanto, a variação da intenção de voto
semana, e para Garotinho a partir da terceira em Lula pouco teve a ver com a variação
semana do horário eleitoral. Seus programas da avaliação negativa de FHC. A vantagem
partidários, veiculados durante o período pré- relativa de Lula sobre os candidatos rema-
eleitoral, nada acrescentaram em intenção de nescentes estava no potencial predito de 35%
voto às suas bases previamente existentes; dos votos. Ou seja, na ausência de candida-
5. O desempenho de Lula, ao longo do tos competitivos, tanto na oposição quanto
período, foi independente da variação da na situação, a maioria do eleitorado desejoso
avaliação do governo FHC; no entanto, seu de mudança sempre convergia para Lula, e
desempenho foi fortemente dependente, num sua propaganda o ampliava. Do ponto de vista
da competição eleitoral, as quedas de Roseana
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 509

e de Ciro Gomes abriram uma avenida para tramos a variabilidade da magnitude da


Lula, já que Serra sempre foi muito depen- diferença entre a intenção de voto obser-
dente da avaliação negativa do governo de vada durante o período e a intenção de voto
Fernando Henrique Cardoso.10 predita pelo modelo testado acima, mos-
Para termos uma visão geral do efeito trando um eleitorado mais volátil do que
da propaganda política e eleitoral nesta o predito pelas variáveis estruturais mais
campanha, no Gráfico 1, em anexo, mos- duradouras.
510 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

5
Bibliografia Para um excelente resumo sobre este debate
ver Thomas M. Holbrook, Do Campaigns Matter?,
Camargos, Malco Braga, “Do Bolso para London, Sage Publications, 1996.
6
as Urnas: A Influência da Economia na Escolha A extensão desse período depende mais da
entre Fernando Henrique Cardoso e Lula na disponibilidade de dados.
7
Todos os dados de intenção de voto, para
Eleição de 1998”, dissertação de mestrado em
as quatro eleições, são de pesquisas feitas pelo
Ciência Política, Rio de Janeiro, IUPERJ, 1999. Instituto DataFolha, considerando somente a
Fiorina, Morris, Retrospective Voting in pergunta de intenção de voto estimulada relativa
American National Elections, New Haven, ao cenário (lista de candidatos) A – primeira
Yale University Press, 1981. pergunta no questionário quando haviam mais de
Holbrook, Thomas M., Do Campaigns um cenário.
Matter?, London, Sage Publications, 1996. 8
A hipótese econômica clássica é a do “voto
retrospectivo/prospectivo”. Ver Morris Fiorina,
Retrospective Voting in American National
_______________________________ Elections, New Haven, Yale University Press, 1981
1
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio e Malco Camargos, “Do Bolso para as Urnas: A
de Janeiro – IUPERJ, e DOXA – Laboratório de Influência da Economia na Escolha entre Fernando
Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Henrique Cardoso e Lula na Eleição de 1998”,
Pública. dissertação de mestrado em Ciência Política, Rio
2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro de Janeiro, IUPERJ, 1999.
9
– UERJ, e DOXA – Laboratório de Pesquisa em Os dados utilizados são todos da série de
Comunicação Política e Opinião Pública. pesquisas de opinião do Instituto DataFolha, com
3
Thomas M. Holbrook, Do Campaigns amostras nacionais, todas publicadas. Ver site
Matter?, London, Sage Publications, 1996. DataFolha.
4 10
Morris Fiorina, Retrospective Voting in As quedas de Roseana e Ciro são exemplos
American National Elections, New Haven, Yale cabais do efeito da mídia jornalística e da pro-
University Press, 1981. paganda de ataque impetrada por José Serra.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 511

Opinión pública y medición de audiencias en el ámbito local:


el caso de Segovia
María Jesús Díaz González, Concepción Anguita Olmedo,
Francisco Egido Herrero, José Manuel García de Cecilia,
e Eduardo Moyano Bazzani1

Objetivos medios de comunicación, que realizan en


España instituciones como la Oficina de
Esta Comunicación, que se presenta en Justificación de la Difusión (OJD) y la
la Mesa temática Opinión Pública y Asociación para la Investigación de Medios
Audiencias del Congreso II Ibérico, pretende de Comunicación (AIMC)3. De este modo,
dar a conocer a la comunidad científica un podríamos comparar posteriormente nuestros
Proyecto de Investigación que se está resultados con los de esos estudios.
realizando en la Facultad de Ciencias Por otra parte, queríamos incluir en el
Humanas, Sociales y de la Comunicación de estudio aspectos cualitativos que nos
la Universidad SEK de Segovia. permitieran valorar los motivos para elegir
Este Proyecto, titulado La Comunicación determinados periódicos, emisoras de radio
en Segovia, se puso en marcha en abril del o de televisión, y también la percepción de
año 2003 y tiene como objetivo realizar un la calidad de los distintos medios por parte
estudio estructural sobre los medios de de los ciudadanos.
comunicación en el ámbito de Segovia y su Por tanto, la encuesta realizada aporta
provincia. información sobre los siguientes puntos:
Segovia no cuenta con un estudio de estas
características2. No se han planteado, hasta Aspectos generales
la fecha, análisis periódicos y continuados
que son los que permiten advertir la evolución Prensa diaria y periódica:
del sistema de medios, que se transforma - Personas que leen periódicos a diario.
constantemente. Existe un espacio de Cuántos periódicos leen a diario y durante
comunicación local y estamos convencidos cuánto tiempo.
de que son necesarios estudios fiables que - Periódicos de información general,
traten sobre el sector de los medios en este deportiva y económica que leen a diario o
ámbito. más frecuentemente.
Pretendemos poner de manifiesto que en - Cuándo suelen leer los lectores
España, en los informes publicados por esporádicos de periódicos.
instituciones que hacen estudios nacionales la - Hábito de adquirir periódicos: cómo se
obtención de los registros provinciales se hace adquiere, cuántos días y qué días a la semana.
extrapolando el sondeo nacional y esto da lugar Influencia de los suplementos semanales en
a un margen de error que limita la fiabilidad. la decisión de compra.
- Personas que leen revistas de pago
Metodología habitualmente.
- Hábito de adquirir revistas: qué
Los objetivos que acabamos de explicar cabeceras se adquieren y de qué modo.
hacen imprescindible el diseño y realización Radio:
de un trabajo de campo que permita obtener - Personas que escuchan la radio a diario.
datos propios sobre los hábitos de utilización Tiempo que dedican a escucharla.
de medios de comunicación. - Modo en que se utiliza la radio: franjas
Al diseñar el cuestionario que deberíamos horarias, lugar e influencia de elementos
aplicar para obtener dichos datos, nuestro exógenos.
propósito fue incluir, por una parte, aspectos Televisión:
generales que figuran en los estudios - Personas que ven la televisión a diario.
habituales sobre difusión y audiencia de Tiempo que dedican a verla.
512 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

- Modo en que utilizan la televisión: cuotas de sexo y edad. Los cuestionarios se


franjas horarias, lugar e influencia de aplicaron mediante entrevista personal en la
elementos exógenos. calle.
- Abonados a canales de televisión de pago. Fecha de realización del trabajo de campo:
- Cadenas de televisión que ven entre el 4 de octubre y el 18 de diciembre
habitualmente. Tipos de programas que ven de 2003.
habitualmente.
Internet: Resultados
- Personas que utilizan Internet para
acceder a los medios de comunicación. La obligada brevedad de una
- Modo en que lo hacen: lugar y Comunicación de estas características no nos
frecuencia. permite exponer todos los resultados
- Utilización para leer la prensa diaria y obtenidos hasta el momento en nuestra
periódica. Qué cabeceras se leen. investigación. Por ello, hemos decidido incluir
- Utilización para escuchar la radio. Qué aquí sólo los siguientes: usuarios habituales.
emisoras se escuchan. Tiempo de utilización. Perfil de los usuarios
- Utilización para ver la televisión. Qué y ranking de los medios según su audiencia.
cadenas se ven. Estos resultados se presentan especificados
para prensa diaria, radio y televisión.
Aspectos cualitativos
Prensa diaria
- Motivos para preferir determinados Lectores habituales
periódicos, revistas, cadenas de radio o de
televisión. El índice de lectura de prensa diaria es
- Percepción de la calidad: periódicos que del 53,8%4, por tanto, el total de lectores
más ayudan a conocer las realidades actuales, diarios es de 24.797 personas. El 35,9% de
emisoras de radio y de televisión con mejor los encuestados afirma leer 1 periódico al
programación según necesidades y aficiones, día.
emisoras de radio y de televisión con El Estudio General de Medios, elaborado
información más veraz y periódico, emisora por la AIMC, señala un índice de lectura del
de radio y de televisión con mejor cobertura 40% para toda la provincia de Segovia, lo
de información local (Segovia) que corresponde a 52.000 personas5.

Una vez expuestos los elementos que Tiempo de lectura


queríamos analizar, pasamos a facilitar la
ficha técnica de la encuesta realizada. El tiempo medio que el ciudadano de
Universo: población de Segovia capital, Segovia capital dedica a esta actividad es de
de ambos sexos, mayor de 14 años. 56,7 minutos al día, es decir, prácticamente
Tamaño de la muestra: diseñada: 2.305 una hora como promedio, tiempo notablemente
personas (5% de la población); realizada: superior al de la media del ciudadano
2.001 personas (el 86,8% de la diseñada y considerado a nivel nacional, que sólo emplea
el 4,3% de la población). Afijación 25,5 minutos 6. Y eso si consideramos cifras
proporcional. globales, porque si nos detenemos en lo
Error muestral: para una confianza del concreto, un 42,2% de segovianos dedica entre
95,5% (2 desviaciones típicas) y P=Q, el 60 y 120 minutos a esta actividad, mientras
error real máximo cometido es de ±2,2% para que en el resto de España sólo dedican ese
el conjunto de la muestra. tiempo un 4,2% 7. Planteamos la posibilidad
Puntos de muestreo: división de la capital de que esta gran diferencia se deba al ajetreo
en 23 zonas por densidad de población. de las grandes ciudades frente a la más
Procedimiento de muestreo: estratificación reposada vida de provincias, donde las menores
por conglomerados proporcionados. Elección distancias y un tráfico menos frenético
de las unidades últimas (las personas) por permiten disponer de más tiempo para el
sistema de rutas aleatorias (por zonas) y por disfrute particular y la lectura.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 513

Gráfico nº 1: Tiempo diario de lectura de prensa

Fuente: elaboración propia

Perfil de los lectores ventaja sobre el Norte de Castilla que se


aproxima a 15 puntos. Asimismo, en nuestro
En cuanto al perfil por sexos, observamos estudio, El País aparece, con un 31,4%, como
que los varones suponen el 57,3% del total el segundo diario más leído en la capital.
y las mujeres el 42,3%. Frente a ello, el EGM refleja que el diario
El EGM para España señala un 61,3% más leído en la provincia es El Norte de
de varones y un 38,7% de mujeres 8. Castilla (40,4%), seguido de El Adelantado
En cuanto a la edad, podemos observar de Segovia (36,5%), El País (26,9%), Marca
que la franja de 25-34 años constituye el (17,3%), El Mundo (9,6%), As (7,7%), ABC
mayor porcentaje de lectores, con un 20,8%; (3,9%), La Razón (3,9%), Mundo Deportivo
siendo la menor, con un 4,4%, el grupo de (1,9%) y Sport (1,9%)
15-19 años. Esto parece lógico, si tenemos
en cuenta que en plena adolescencia, la lectura Radio
de prensa periódica no es una actividad muy
común. Para poder comprender mejor la magnitud
Los datos del EGM para España coinciden de los resultados obtenidos del muestreo
con nuestro estudio, mostrando que la franja realizado sobre la radiodifusión en Segovia
de 25-34 años, con un 22,1%, es la mayor es necesaria la comparación con el Estudio
en lectura de diarios, siendo la menor la de General de Medios, principal estudio nacional
14-19, con un 6,3%9. sobre el medio radio, y con el Estudio General
Por último, respecto a la clase social de Audiencias 10.
sobresale nítidamente la franja Debemos empezar diciendo que no
correspondiente a nivel económico medio- podemos pasar por alto la diferencia existente
medio, un porcentaje del 64,1%. De nuevo entre la muestra realizada por el EGM y la
los datos del EGM para España señalan que nuestra. Además de lo ya explicado con
la mayor parte de los lectores de diarios, el anterioridad (ver nota 4), el EGM realiza para
44,4%, son de clase media-media. el medio radio 27.182 encuestas anuales más,
Lo expuesto nos permite concluir que el vía telefónica en toda España. De estas
perfil del lector de prensa diaria en Segovia encuestas, el EGM sólo dedica 150 para toda
no difiere del que se dispone a nivel nacional: la provincia de Segovia.
varón de edad comprendida entre los 25 y Por otra parte, mientras que el EGM
34 años y de clase social media-media. establece como error absoluto un 5,40%, el
error real máximo de nuestro estudio queda
Ranking de diarios fijado en un 2,2% para todo el conjunto de
la muestra. Es evidente que la gran diferencia
En nuestros datos, el Adelantado de existente entre ambos y el pequeño margen
Segovia figura con un 35,5% como el de error de nuestra investigación la hace
periódico más leído de la ciudad, con una mucho más fiable.
514 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Gráfico nº 2: Clasificación de los Diarios según su audiencia

Fuente: elaboración propia

Oyentes habituales Tiempo de escucha

El índice de escucha de radio es del Dicho esto, y muy directamente


88,9% 11 , según nuestro estudio, lo que relacionado con el número de oyentes, cabe
representa un total de 40.975 oyentes. Según señalar el número de horas al día que los
los datos del EGM, el índice de escucha es oyentes segovianos dedican a escuchar la
del 59,8%, lo que representa un total de radio. El promedio del tiempo de escucha
78.000 personas en toda la provincia de diario pasa de las dos horas, 148,31 minutos,
Segovia12. aunque oscila entre cuatro horas diarias o más
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 515

y una hora o menos, mientras que el EGM estudio y un 10,7% según el EGM. Y
establece el total del consumo nacional en concluiríamos con las dos franjas de edad
118 minutos, por persona y día de lunes a de los más jóvenes. La franja comprendida
domingo, con una media de 59 minutos para entre 20 a 24 años, según nuestro estudio
la radio generalista y de 55 minutos para la sería el 9,6% de los oyentes, mientras que
radio temática. el EGM establece este porcentaje en el 10,2%

Gráfico nº 3: Tiempo diario de escucha de radio

Fuente: elaboración propia

Perfil de los oyentes y los que menos escucharían la radio sería


la franja de 14 a 19 años, 15 años en nuestro
Sobre el perfil de los oyentes podemos estudio, siendo de un 8% según el EGM y
señalar la siguiente clasificación: por sexo, de un 8,5% según nuestro estudio para
edad y estatus social. Segovia capital.
Respecto al sexo de los oyentes, según Respecto a la clase social, cabe destacar
los datos obtenidos por el EGM13 para todo que el mayor porcentaje de audiencia se
el estado español, un 53,1% de la audiencia considera de clase media-media. Este dato
radiofónica son hombres, mientras que un es coincidente en nuestro estudio y en el EGM
46,9% son mujeres. Aunque nuestro estudio para todo el territorio nacional. El EGM sitúa
para Segovia capital arroja datos similares, en un 44,7% la audiencia de clase media-
sin embargo, son las mujeres las que media, mientras que el nuestro lo sitúa un
mayoritariamente escuchan la radio, con un poco más alto, en el 67,1%. Un 15,2%, según
53,3%, mientras que el porcentaje de hombres nuestro estudio, son de clase media-alta, el
es de un 46,7%. EGM lo establece en el 16,9%. Un 13,1%
Respecto a la edad de los oyentes, nuestro de los oyentes se declara de clase media-baja,
estudio establece la edad media en 42 años, según nuestro estudio, y un 23,4% según el
siendo la audiencia mayoritaria la EGM. Un 3,3% de los oyentes de Segovia
comprendida en el grupo de edad de 35 a capital se declara de clase social baja,
44 años, con un 19,9%, dato que coincide mientras que el EGM fija su porcentaje en
con la estadística nacional del EGM cuyo el 5,3% y de nivel social alto tan sólo se
porcentaje lo sitúa en el 19,5%. Este grupo consideran un 1,3%, según nuestro estudio
de edad está seguido muy de cerca por el y un 9,6% según el EGM.
de 25 a 34 años, con un 19%, según nuestro Como conclusión podríamos señalar que
estudio y con un 22% según el EGM. En el oyente tipo de Segovia capital es
tercer lugar estaría el grupo de 45 a 54 años, mayoritariamente mujer, de entre 35 y 44
con un 16,6% según nuestro estudio, y un años y de clase social media-media. Perfil
14,9%, según el EGM. En cuarto lugar, se que no coincide totalmente con el que
situaría el grupo de 65 años en adelante, con establece el EGM14 que señala como el tipo
un 15,9% según nuestro estudio, y un 14,8% de oyente a nivel nacional a un hombre, de
según el EGM. A continuación vendría el entre 35 y 44 años y de clase social media-
grupo de 55 a 64, con un 10,4% según nuestro media.
516 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Ranking de emisoras de radio ambas cosas coinciden. No obstante, creemos


haber aportado una luz sobre el panorama
Respecto a los gustos radiofónicos y a la radiofónico en Segovia, diferente y más fiable
programación elegida, nuestro estudio se que el que había existido hasta ahora.
aproxima a través de hábitos de escucha, con
preguntas como: qué emisora responde con mejor Televisión
programación a sus aficiones o necesidades, qué Telespectadores habituales
emisora emite la información más veraz o qué
emisora tiene mejor cobertura local. Las El índice de telespectadores habituales es
respuestas a todas ellas nos permite señalar el del 96,3%, según nuestro estudio, lo que
ranking de las emisoras radiofónicas más representa un total de 44.386 personas.
escuchadas en Segovia capital. SER, en sus dos
modalidades radiofónicas –generalista y temática- Tiempo dedicado a ver la televisión
, Radio Nacional de España, la Cadena COPE
y Onda Cero se sitúan al frente de las preferencias En lo que hace referencia al consumo
radiofónicas de los segovianos. cuantitativo de televisión, el promedio de

Gráfico nº 4: Preferencias radiofónicas en Segovia capital

Fuente: Elaboración propia

Este ranking no dista mucho de las tiempo diario dedicado a esta actividad es
preferencias señaladas por los segovianos de de 147,62 minutos. La mayor parte de los
toda la provincia en el EGM15. En este estudio entrevistados dice consumir entre 1 y media
se señala como principal emisora a la Cadena y 3 horas de televisión al día.
SER en sus frecuencias de OM y de FM para Esto refuerza una tendencia a nivel nacional
la radio generalista, con un 17,6%, y en FM, que nos demuestra que cada día los espectadores
los Cuarenta Principales, con un 10,1%, pasan más tiempo viendo la televisión. Los datos
seguidas de Cadena Dial también en FM, con de SOFRES17 apuntan un incremento, en 2001
un 5,7%16. Sin embargo, a nivel nacional, el el consumo diario por persona llegó a 212
EGM señala como la tercera emisora más minutos y en 2002 subió a 214 minutos.
escuchada con programación generalista a Según el EGM para el año 2003, el
Onda Cero Radio, seguida de la Cadena COPE. consumo por persona y día llega a 246
Tras esta aproximación a la radiodifusión minutos18. Tanto los datos de Sofres como
en Segovia, podemos añadir que estos estudios los del EGM son muy superiores a los niveles
sobre audiencias de radio, a diferencia de los observados en Segovia.
estudios sobre audiencias de televisión en el
que se utilizan tecnologías más fiables, o de Perfil del telespectador
la prensa en la que se utiliza como referencia
la tirada, sólo pueden darnos una aproximación En cuanto al perfil por sexos, observamos
a lo que realmente se está escuchando, pues que las mujeres suponen el 52% del total y
estos estudios estiman a posteriori lo que los los varones el 48%.
oyentes dicen que han oído, pero no pueden El EGM para España señala un 51,3%
recoger lo que realmente han oído, y no siempre de mujeres y un 48,7% de varones19.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 517

Gráfico nº 5: Tiempo diario dedicado a ver la TV

Fuente: Elaboración propia

En cuanto a la edad, podemos observar nacional es que, en este, la edad supera los
que la franja de 25-34 años alcanza un 65 años.
porcentaje del 18,7%, muy similar al de los
35-44 años (18,5%). A continuación, de 65 Ranking de cadenas de televisión
años en adelante (16,8%), 45-54 años
(15,6%), 55-64 años (11,2%), 20-24 años En lo que se refiere a Segovia capital y
(10,4%) y 15-19 años (8,8%). preguntando a los encuestados por cuáles son
Los datos del EGM para España muestran aquellos canales que suelen ver con asiduidad
que la franja 65 años en adelante, con un (gráfico 6), se confirma el dominio de la
20,2%, es la que más ve la televisión, siendo cadenas generalistas, Telecinco se coloca
la menor la de 14-19, con un 8,4%20. como la más mencionada. Los segovianos
Por último, respecto a la clase social la franja también afirman seguir con cierta frecuencia
mayoritaria corresponde al nivel económico los contenidos programáticos de sus dos
medio-medio, con un porcentaje del 67,2%. De televisiones locales: Televisión Segovia
nuevo los datos del EGM para España señalan (10,1%) y Canal 4 Segovia (7,5%).
que la mayor parte de los telespectadores, el El EGM da a las televisiones locales los
41,2%, son de clase media-media. siguientes porcentajes: Televisión Segovia
Concluimos que el telespectador tipo en (65,4%, 85.000 espectadores en la provincia)
Segovia es mujer, entre 25 y 44 años, de y Canal 4 (51,5%, 67.000 espectadores)21.
clase media. La diferencia con el perfil Cifras sin duda sobrevaloradas.

Gráfico nº 6: Ranking de cadenas de televisión según su audiencia

Fuente: elaboración propia


518 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

2
Bibliografía El único estudio local sobre medios de
comunicación publicado hasta la fecha es:
Asociación para la Investigación de Observatorio Socioeconómico de Segovia (Caja
Segovia), Encuesta sobre medios de comunicación
Medios de Comunicación (AIMC), EGM.
en Segovia. 4º trimestre 2000, Segovia, 2000.
Resumen General, Madrid, 2003. Disponible Disponible en www.cajasegovia.es/
en www.aimc.es. observatorio.asp.
Centro de Investigaciones Sociológicas 3
Otros informes sobre medios de
(CIS), Barómetro de octubre. Estudio nº 2.541. comunicación utilizados en nuestra investigación
Madrid, Centro de Investigaciones Sociológicas son los de Sofres, el Barómetro de octubre 2003.
(CIS). Ministerio de la Presidencia, 2003. estudio nº 2541 del Centro de Investigaciones
Comisión del Mercado de las Sociológicas. Ministerio de la Presidencia y la
Telecomunicaciones e Instituto Nacional de Encuesta a hogares españoles sobre tecnologías
de la información y la comunicación realizada por
Estadística, Encuesta a hogares españoles
la Comisión del Mercado de las
sobre tecnologías de la información y la Telecomunicaciones (CMT) y el Instituto Nacional
comunicación. Madrid, Comisión del Mercado de Estadística (INE) y publicada en mayo de 2003.
de las Telecomunicaciones (CMT) e Instituto 4
Porcentaje de personas sobre el universo
Nacional de Estadística (INE), 2003. estudiado.
5
Corominas, M. y Moragas, M. (editores), AIMC, EGM. Resumen general 2003. El
Informe de la Comunicació a Catalunya. universo utilizado por el EGM en la provincia
2000, Bellaterra, Universitat Autónoma de de Segovia es de 130.000 personas. A partir de
ahora nos referiremos al Estudio General de
Barcelona. Servicio de Publicaciones, 2001.
Medios con las siglas EGM. Acabamos de hacer
Corominas, M. y Moragas, M. (editores), un paralelismo entre un dato obtenido en nuestro
Informe de la Comunicació a Catalunya. 2001- estudio y otro del EGM. Estos paralelismos se
2002, Bellaterra, Universitat Autónoma de repiten en otros puntos de esta exposición; por
Barcelona. Servicio de Publicaciones, 2003. ello, es necesario explicar las diferencias entre
Diaz Nosty, B., Informe anual de la ambos estudios.
comunicación 2000-2001. Estado y El EGM es un estudio nacional, que selecciona
tendencias de los medios en España, Madrid, como universo a los mayores de 13 años. En 2003,
Zeta Ediciones, 2001. para todo el país realizó 43.243 entrevistas en tres
periodos distintos del año. En cada una de esas
Díaz Nosty, B., La Comunicación en
fases (olas) la muestra equivale a un tercio de
Andalucía 1999. Situación y tendencias, la muestra anual en cada provincia y Comunidad
Madrid, Zeta Ediciones, 1999. Autónoma. En el caso de la provincia de Segovia
Libro blanco de la prensa diaria, Madrid, el diseño muestral establece desproporción interna
Asociación de Editores de Diarios Españoles para aumentar la razón de muestreo en la capital,
(AEDE), 2003. que es el mayor núcleo de población. En cada
Libro blanco de la prensa diaria, Madrid, ola del EGM está previsto hacer en nuestra
Asociación de Editores de Diarios Españoles provincia 100 encuestas y, como acabamos de
señalar, la mayor parte en la capital.
(AEDE), 2004.
Se puede concluir que, nuestro estudio y el
Noticias de la Comunicación, nº 230, EGM no son equivalentes pero su comparación
noviembre 2003. es posible.
Observatorio Socioeconómico de 6
Noticias de la Comunicación, nº 230,
Segovia (Caja Segovia), Encuesta sobre noviembre 2003, p. 138.
7
medios de comunicación en Segovia. 4º Ibidem.
8
trimestre 2000, Segovia, 2000. Disponible en AIMC, EGM. Resumen general 2003.
9
www.cajasegovia.es/observatorio.asp. Ibidem.
10
Existe otro estudio de la empresa Sigma
Sofres, Anuario de Audiencias de
Dos, llamado Estudio General de Audiencias
Televisión 2002, Madrid, Edita Sofres (EGA) al que haremos alguna referencia.
Audiencia de Medios, 2003. 11
Porcentaje de personas sobre el universo
estudiado.
12
AIMC, EGM/EGM Radio XXI. Resumen
_______________________________ general 2003.
1 13
Todos los autores pertenecen a la Universidad AIMC, EGM/EGM Radio XXI. Resumen
SEK de Segovia. general 2003.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 519

14
Ibidem. de Medios, 2003, p. 17. Minutos de visionado de
15
AIMC, EGM. Resumen general 2003. televisión por regiones 1999-2000.
16 18
En este estudio no aparecen las emisoras Cfr. AIMC, EGM. Resumen general
pertenecientes a RNE ya que se autoexcluyeron 2003.
19
del estudio en 2003, por considerarlo poco fiable. AIMC, EGM. Resumen general 2003.
17 20
Cfr. Sofres, Anuario de Audiencias de Ibidem.
21
Televisión 2002, Madrid, Edita Sofres Audiencia AIMC, EGM. Resumen general 2003.
520 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 521

Cenas e sentidos na tribo Raver: A ordem da fusão


Marli dos Santos

1. Juvenilidades e neotribalismo Raver Na juventude pós-moderna, à medida que


as instituições se enfraquecem, por conseguin-
Com a proposta de desvendar um te a família e a escola, a dinâmica entre o
microcosmo da recepção, ou uma partícula institucional e o marginal adquire novos
dele, analisei os discursos de jovens usuários contornos. Interagem as forças de
de drogas ilícitas e pertencentes a tribo raver, dominadores e dominados, opressores e
para detectar os sentidos que atribuem aos oprimidos, não como se fossem estanques,
discursos jornalísticos sobre drogas. mas matizadas, sincretizadas, pois há brechas
Porém, antes, foi preciso mergulhar nas que acabam por romper a lógica da domi-
juvenilidades do mundo ocidental – algumas nação. A juventude pós-moderna é uma
delas -, para entender por que aos jovens “thíase”1 (ordem da fusão) - a convivência
sempre se atribuíram e se atribuem, rebeldes de novos e vários arranjos sociais
que “devem” ser, os movimentos e expressões multiformes. Convive e forma várias iden-
contestadoras da cultura estabelecida. Ao tidades, e pode assumi-las, conforme as
contrário do que está no imaginário do ho- mediações culturais múltiplas que permitem
mem pós-moderno ocidental, verifiquei que a sobrevivência do grupo.
a juventude transgride por concessão da Ao analisar o fenômeno do neotribalismo
sociedade, por chancela do mundo dos adul- contemporâneo, Maffesolli (2002: 62) sus-
tos. Na Antiguidade os jovens eram prepa- tenta a existência de comunidades afetivas,
rados para a guerra. Durante a Idade Média, principalmente na sociedade urbana, que “(...)
alguns povos, como os judeus, educavam para produz agrupamentos específicos com a fi-
a transmissão e guarda dos costumes, e para nalidade de compartilhar a paixão e os
a assunção de determinados papéis nas co- sentimentos (...)”, mecanismos de sobrevivên-
munidades. Já a juventude operária, no século cia diante das pressões cotidianas. São tam-
XIX, tinha como direcionamento o mundo do bém mecanismos de resistência.
trabalho. À juventude revolucionária coube a Para Maffesoli (2002: 84), em todos esses
participação em movimentos como o fascista, espaços particulares, que constituem as tri-
o nazista e a contracultura. bos, os laços de afetividade são a condição
Ao longo da história ocidental dos jovens, sine qua non de existência e formação. In-
as instituições hegemônicas cumpriram o dependentemente de se eleger este ou aquele
dever de manutenção das estruturas criadas código que dá uma identidade cultural es-
em seu benefício e para sua perpetuação. pecífica, o “estar-junto” direciona as ações
Porém, apesar de tudo, também foram tran- do grupo. O objetivo não é projetivo, e sim
sitórias. Mesmo com menor fluidez no o agora, a formação do próprio grupo e a
passado, se assim poderia dizer, elas flores- sobrevivência deste.
cem e se esgotam. É a mola-mestra da Essa reflexão é contextualizada na dinâ-
história, entendida no seu caráter dinâmico, mica da “socialidade”, termo que o autor usa
que propulsiona a humanidade. O “dado em contraposição ao social. Para ele, a
social” e o “dado criador”, como dizia “socialidade” é orgânica, uma “transcendência
Bakthin (1981), se mesclam e interagem na imanente” das massas, que surge “(...) opon-
grande engrenagem social e cultural. Ou “a do-se sempre às formas instituídas da ide-
potência subterrânea” do neotribalismo con- ologia e da política oficial (...). Gilbert
temporâneo de Maffesoli (2002), que engen- Renaud, citado pelo Maffesoli, diz: “(...)
dra, nos seus laços de afetividade, o afas- ‘socialidade” frondosa que resiste à
tamento e a resistência ao poder constituído. domesticação?”. (Idem: 91)
522 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Em um sentido mais antropológico, o Barbero, e a Análise dos Discursos, em autores


tribalismo é a maneira na qual se dá o afeto como Brandão, Orlandi, Maingueneau, Koch
social. Há também um caráter de rebeldia e Pinto, da escola francesa.
e contestação na formação desses grupos. A Teoria da Recepção desloca os estudos
Segundo Lara (2001: 101), “a formação dos dos meios às mediações, nos quais assume-
guetos e das tribos está ligada à rebeldia e se que os sentidos circulam na sociedade, nos
à contestação da ordem estabelecida, à busca grupos, nas comunidades, e sofrem a influ-
por outros estados cognitivos, que aliviem ência (na produção e na recepção) do am-
a ‘angústia’e possam preencher o cotidiano”. biente cultural, social e o econômico. A leitura
Nesse contexto as raves surgem como da realidade é condicionada pelo acesso a
espaços alternativos. São festas normalmen- determinados textos culturais ou gêneros do
te realizadas em lugares mais afastados, locais discurso, inclusive o dos meios de comuni-
como galpões, chácaras, fábricas abandona- cação.
das, cujo elemento principal, e que dá uni- Considerando a recepção um lugar de
dade, é a música eletrônica. Participam produção de sentidos, de negociação, a busca
apreciadores do estilo, que se constituem em nesta pesquisa ao recorrer à Teoria da
uma tribo com as suas peculiaridades e Recepção foi verificar, por meio da imersão
códigos, de uma maneira geral adotados mais no contexto da tribo raver e de usuários
ou menos por todos. de drogas ilícitas de origens socioeconômicas
Como essas festas se tornaram modismo, diversas, quais as condições de produção dos
em decorrência das indústrias antenadas sobre discursos desses jovens. Que tipo de
as novidades desse meio para posteriormen- “socialidade” há no grupo e até que ponto
te transformá-las em bens materiais e sim- a identidade neotribal é importante na
bólicos de consumo, a participação de jovens mediação dos sentidos, em um contexto
é bem heterogênea. São diferentes os tipos macro de pósmodernidade, de urbanidade e
encontrados em uma rave: desde aqueles que fluidez social, com a marca preponderante
seguem religiosamente os padrões estéticos da cultura de consumo de bens simbólicos
visuais, inspirados nos clubbers, como os que e materiais e da globalização.
se negam à identificação clubber e preferem Falar em pós-modernidade, urbanidade e
ser somente apreciadores das festas e da fluidez social significa assumir que nas
música eletrônica - o grande elemento metrópoles a fragmentação é uma realidade.
aglutinador. Há também os curiosos e os Nelas o caos semiótico e urbano é cenário,
profissionais da cena. convivem a virtualidade, o efêmero, o cons-
Independentemente dos novos tipos que tante, o popular, o culto, a reocupação e
frequentam as raves, ligados à cultura club, (re)significação de espaços, a exclusão, os
Mainardi já havia observado 2 a filosofia anônimos, as tribos... Convergências e diver-
hedonista, na qual a alegria e o transe coletivo gências. E tudo ao mesmo tempo.
tornam-se uma experimentação, um sentido Imbricando os conceitos dos Estudos de
de vida, ou um sentido de vida em alguns Recepção com os de Análise dos Discursos,
momentos. Nesse processo de retribalização, de tradição francesa, temos as idéias de
de “socialidade” propriamente dita, o sentido Pêcheux, em Brandão (2002), Orlandi (1990;
da transgressão “esquece” o político institu- 2001), Maingueneau (2002), e Pinto (1999),
ído para ser a transgressão estética e sim- como referência teórico-metodológica na
bólica. O amor, a celebração da paz, da alegria análise dos textos produzidos nos dois gru-
e do prazer das viagens proporcionadas pelo pos focais participantes da pesquisa. Portan-
ambiente, muitas vezes adicionado à droga, to, a opção ora referida considera a ideo-
são as formas de resistência. logia e a materialidade discursiva como
“processo discursivo-ideológico”, que inscre-
2. Imbricações teórico-metodológicas ve, segundo Pêcheux, citado por Brandão
(Idem:34), “o processo discursivo em uma
Para realizar o estudo, foram considera- relação ideológica de classes”. Assim, a tríade
das duas correntes teóricas norteadoras: a básica nas formulações teóricas da AD é: a)
Teoria da Recepção, de Jesus Martin- condições de produção do discurso (o local
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 523

de onde se fala, como se fala e para quem depende do organismo e das características
se fala); b) a formação ideológica (modelos individuais; 2. Nem todo usuário é violento,
de representação social) e c) as formações a droga só potencializa características indi-
discursivas (diretamente relacionadas às viduais; 3. A bebida e o álcool são drogas
formações ideológicas). A utilização dessas toleradas pela mídia pois dão lucro; 4. A
duas correntes teóricas como referenciais para bebida leva ao consumo da droga ilícita; 5.
a pesquisa levou-me à observação participan- Os verdadeiros culpados são omitidos; 6. A
te, metodologia fundamental para observar periferia consome menos droga comparada
as condições de produção do discurso. à classe média alta; 7. Nem sempre quem
Durante um ano e meio, vários contextos vai às”raves é usuário de droga; 8. As
foram observados, incluindo festas, locais de matérias sobre pesquisas científicas são falsas.
reunião e de consumo, entre outros espaços. Do ponto de vista de interação e de
Após observações, realizaram-se dois Gru- envolvimento, alguns marcadores lingüísticos
pos Focais (GFs), com jovens ravers de durante a conversação realizada no GFl são
classes socioeconômicas diferentes, morado- índices da identidade do grupo. Idade apro-
res da Grande São Paulo, usuários de drogas ximada, condição socioeconômica semelhan-
ilícitas, cujos discursos foram gravados, te, gosto pela música eletrônica, convivência
transcritos e analisados, à luz do referencial em ambiente urbano, participação em raves
teórico já mencionado. Para estimular o e festas com música eletrônica e consumo
grupo, utilizaram-se matérias jornalísticas de drogas ilícitas eram atributos do grupo,
publicadas na mídia impressa e eletrônica responsáveis por ambiente de confraterniza-
(TV). Na Análise dos Discursos realizada a ção e camaradagem. Os jovens mostraram
partir das falas gravadas durante os GFs, experiências e expectativas compartilhadas,
considerei alguns marcadores linguísticos por meio de formas fáticas no discurso,
escritos e orais (conversacionais, tempo como: “verdade”, “com certeza”, “entende”,
verbal, modalizadores expressivos, pronomes, “entendeu”; de gírias: “tipo”, “pô”, “minas”,
operadores argumentativos, discurso direto e “nóia”, “fita louca”, “já era”; de jargões:
indireto, provérbio, ironia, jargão, gíria) “faustão”, “farinha”, “baseado”, “tô limpo”,
presentes em autores, como Maingueneau “pó”, “clubber”; e a repetição de final de
(2000), Koch (2002), Urbano (In: Pretti, frases pelos coenunciadores, como sinal de
1999) e Rodrigues (In: Pretti, 1999). Porém, aprovação à fala do outro no grupo. Chama
a AD não se esgotou nos marcadores da atenção o uso recorrente de gírias, não tão
superfície linguística, completando-se com a ligadas ao universo raver, mas de domínio
contextualização, pois os discursos não são comum dos jovens. Alguns participantes
independentes de sua condição de produção. usavam gírias e jargões de outras tribos, como
As interações entre formações discursivas a do rap (“mano”), e ainda gírias fora de
podem ocorrer mesmo quando o “outro” não moda, a exemplo de “bicho”. Os marcadores
está indicado no discurso, havendo conten- mostram a fluidez desse grupo em outros
ção de sentidos pelo enunciador, por meio espaços sociais, além das outras vozes cons-
de mecanismos de silenciamento3. (Brandão, tituintes dos discursos.
2002). O fato de os componentes do grupo não
considerarem a necessidade de usar todos os
3. O sentido dos discursos jornalísticos códigos da tribo raver, para serem qualifi-
sobre drogas: grupos focais cados como apreciadores da música eletrônica
e das festas, pode estar relacionado à questão
Segundo os participantes do GF1, “Jo- socioeconômica, aos compromisso com tra-
vens da Periferia da Grande São Paulo”, balho e à vida cotidiana. Eles não se enqua-
mesmo dizendo “mentira”, o jornalismo tem dram nos tipos de Mainardi (1999). Há apenas
poder para impor uma realidade generalizante, vestígios dos códigos visuais club: óculos
por interesse ou incompetência. Os argumen- escuros, um ou outro detalhe fluorescente na
tos para justificar o afastamento da mídia em roupa. Mas conhecem os estilos de música
relação à realidade desses jovens são vários. eletrônica, os preconceitos em relação aos
Destaco abaixo alguns: 1. A reação à droga cybermanos, a aura de harmonia nas festas,
524 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

propiciada também pela droga. Quem não a relações de poder, “batalhas travadas no
consome fica “careta”. campo econômico e no terreno do simbó-
A consciência de que são de uma classe lico”.
social menos favorecida revela-se nas opo- Semelhante ao GF1, os jovens do GF2,
sições entre os conceitos de “periferia” - “Jovens de Bairros Nobres de São Paulo”,
aquele que trabalha e sofre, mas sustenta o disseram que a mídia está “errada”. Há
seu vício - e de “playboy” - rebelde sem oposição entre realidade e o dito nas repor-
causa, tem tudo mas é revoltado. tagens jornalísticas. “A própria mídia é que
Os jovens desse grupo são muito enfá- “trata errado” as coisas. E o próprio
ticos nos seus argumentos contra os discur- governo também... Ah, trata errado, tra-
sos generalizantes do jornalismo. Usam ta... Eles omitem informação, e até acres-
exemplos pessoais, justificando pontos de centam coisas que nem sempre é verda-
vista. Diante da realidade, não há como de...”. Apesar da relativização, pois até o
aceitar o estereótipo de drogado e violento, governo “também” é errado, durante a con-
entre outros, imposto pela mídia. versação dos jovens houve reforço e confir-
A introdução de discursos diretos e tre- mação de tratamento equivocado dos usuá-
chos de diálogos é uma estratégia para dar rios de drogas ilícitas, incluindo os ravers.
mais autenticidade à proposição de que a Por meio de marcadores linguísticos e o não-
mídia “mente”. Os diálogos reproduzem dito, apontam a omissão de informações
situações hipotéticas, mas criam um clima importantes relacionadas ao tráfico e às
de verdade - há entonação da voz, para fazer diferenças individuais não respeitadas pela
as vezes da mãe e do filho e ridicularizar mídia. Há contundência na crítica aos dis-
os meios de comunicação, criadores de cursos jornalísticos. Os argumentos dos
imagens erradas das festas. participantes foram agrupados a seguir.
Os vícios e erros na linguagem oral 1. A reação às drogas depende das
revelam a origem dos participantes. Embora “condicionantes” individuais;
na linguagem oral, muitas vezes, a norma 2. A informação “populariza” assuntos,
culta seja desrespeitada, a limitação da es- mas não há qualidade;
colaridade e do repertório linguístico é 3. A mídia omite informações importan-
evidente. A superação ocorre pelo uso de tes, pois os interesses comerciais superam
gírias, operadores argumentativos e formas os de informar com qualidade;
fáticas, como estruturadores dos discursos. 4. As pesquisas generalizam tanto quanto
Provérbios e ditados são mais recorrentes as matérias a respeito delas;
nesse grupo, confirmando a polifonia e o 5. A mídia usa estereótipos para gene-
caráter social da língua no seu manejo dentro ralizar; as fontes não convencem;
do campo discursivo dos jovens, no qual 6. O consumo depende da classe social;
formações discursivas deste e de outros O jornalista deve se qualificar para uma
campos são marcadas por várias vozes: de reportagem que respeite as diferenças.
outras gerações, do popular, do científico. No GF2 a interação entre os enunciadores/
O sentimento de pertença não está nos coenunciadores é verificada por meio de
códigos visuais da tribo raver, mas na marcas como entendeu?, entende?, claro,
identidade do grupo como “periferia”, além de outras. Os pronomes e os tempos
apreciador de música eletrônica – elemento verbais no presente do indicativo e pretérito
aglutinador – , em momentos de comunhão simples também mostraram envolvimento dos
e de afetividade. sujeitos do grupo, comprometidos o tempo
Por não serem potenciais consumidores inteiro, em maior ou menor grau, com os
de grifes caras, os participantes do GF1 comentários. Operadores argumentativos
desvalorizam o uso de roupas, acessórios e confirmam e reforçam as opiniões do grupo.
tênis de marca. Para apreciar as–raves e a Várias formações discursivas atravessam
música eletrônica não é necessário ostentar. os discursos analisados: o da ciência, o do
Porém, reconhecem os códigos mais divul- raver, o do jovem, o de classe social. A
gados pela mídia. Como diz Martín-Barbero polifonia está presente na argumentação, nas
(1997), estão expressas nas mediações as citações, nos exemplos. Há o discurso do
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 525

universitário, para demonstrar domínio de Os distanciamentos detectados nos argu-


outro campo discursivo ao questionar a mentos dos jovens mostram as oposições e
validade da ciência; o discurso da ciência, divisões entre identidade estereotipada e
para em seguida ironizá-la; o discurso da identidade real; entre o conhecimento que o
tribo, com gírias e jargões dos ravers; o jornalista deveria ter da realidade e a rea-
discurso consumista da sociedade capitalista lidade efetivamente reconstruída em seus
globalizada, com a moda raver; o discurso discursos; entre o interesse das empresas
conservador de classe média ao se comparar jornalísticas e o interesse dos jovens; entre
ao pobre - ele é infeliz e eu sou feliz. Nos o poder do discurso midiático e a fragilidade
deslizamentos entre as formações discursivas dos discursos dos jovens ravers; entre o
fica claro o “dado social”, os diversos “eus” superficial dos discursos jornalísticos e a
presentes nos discursos, em um espaço-tem- densa realidade; entre a quantidade e a
po específico: o da cidade, o da pós-moder- qualidade de informação; entre a generali-
nidade, o da tribo raver. zação dos sujeitos e a particularidade do
Brandão (2002), referindo-se a Pêcheux, indivíduo; entre a simplificação dos compor-
ressalta o processo discursivo como relação tamentos e a complexidade do ser humano;
ideológica de classe. Referente ao aspecto entre o prazer de consumir drogas e o
formal da língua (observação da norma culta sofrimento retratado na mídia; entre a vio-
e repertório lingüístico), aos conhecimentos lência associada às festas e a paz efetivamente
explicitados nas críticas feitas aos discursos sentida; entre a agressividade como marca
jornalísticos sobre drogas, bem como à sua da personalidade do usuário de drogas ilí-
auto-representação como tribo “mais desco- citas na mídia e a afetividade buscada no
lada”, “mais fashion”, os participantes do transe neotribal.
GF2 mostram o ideológico, naturalizando as “O dito por ‘eles’ (a mídia) e por ‘nós’
diferenças. Os estereótipos e as generaliza- (os jovens)” apresenta algumas percepções
ções criticados na mídia marcam os discur- diferenciadas entre os grupos, condiciona-
sos do grupo, o qual identifica as subtribos das pela classe socioenonômica. É possível
da música eletrônica, como “cybers”, “de- verificar a ideologia em ação na forma como
morado” (psicodélicos), entre outros. cada um se refere e percebe o outro dentro
Os códigos, a moda e o estilo musical da tribo, em uma determinada matriz cultural
diferenciam os grupos e criam sentimento de e temporalidade. Portanto, como diz Pechêux,
pertença. Nas festas, o sentido da droga, a as classes sociais não são indiferentes à
música e o ambiente são fatores que estimulam língua, do ponto de vista de complexidade
a socialidade dos grupos, em uma sociedade do repertório, de domínio do léxico e de seus
globalizada na qual as pressões são muitas. antagonismos”– a visão da “periferia” e dos
“playboys”. A habilidade do enunciador em
4. Conclusão transitar por diferentes formações ou campos
discursivos lhe confere mais autonomia no
Na análise dos discursos dos jovens ravers embate diário da prática discursiva.
participantes dos dois grupos focais há um Quanto menor o acesso aos campos ou
sentido primordial do texto em relação ao formações discursivas (FDs), maior a sub-
contexto: o de distanciamento por oposição missão do sujeito do discurso a determinadas
entre jovens ravers e mídia, permeando os FDs. No grupo focal de jovens de bairros
argumentos explícitos (por meio de da periferia de São Paulo essa limitação de
marcadores linguísticos) e implícitos (pelo campo é maior. A estratégia dos argumentos
mecanismo de silenciamento) nas falas dos é baseada em exemplos e experiências
grupos. A dicotomia é reflexo do contexto pessoais e no cotidiano, para dar mais au-
sociocultural, no qual as oposições e as tenticidade e credibilidade aos discursos.
divisões são relações naturalizadas pelas São argumentos comuns nos discursos dos
ideologias (bem e mal, pobre e rico, opressor jovens o não reconhecimento de si nos este-
e oprimido, bonito e feio, magro e gordo), reótipos de “drogados violentos”, “drogados
presentes na prática discursiva dos jovens infelizes”, “drogados inconseqüentes”, “ravers
ravers e da mídia. drogados”, “ravers pobres e drogados”.
526 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Mas se os meios de comunicação - e, As negociações de sentido dos discursos


portanto, os produtos jornalísticos no con- jornalísticos sobre drogas ocorrem a partir
texto da indústria cultural - detêm os sa- da prática discursiva em uma matriz cultural
beres sobre os seus públicos e o domínio de urbanidade, de fluidez, de fragmentação
discursivo, por que o distanciamento da de arranjos sociais e culturais, de rapidez,
realidade como sentido primordial nos dis- de tecnologia, de comunicação de massa
cursos dos jovens ravers, usuários de dro- preponderantes – uma “thíase”. Matriz em
gas? que os diversos sujeitos deslizam em espa-
A racionalidade econômica da indústria ços concretos e virtuais, nos quais circulam
influencia os processos produtivos, que re- sentidos da vida cotidiana e do institucional.
sultam em textos culturais massivos digerí- Há momentos nos quais podem ocorrer
veis (“gêneros discursivos”), para atender às interações, com maior ou menor intensida-
necessidades de receptores-consumidores. Os des.
padrões generalizantes, vinculados aos valo- As tribos urbanas são fenômenos do
res hegemônicos sociais e culturais, repre- descentramento causado nesse cenário. No
sentam uma economia material e ideológica. caso da tribo raver, os códigos representam
Não obstante a lógica industrial, a impren-
mais um laço afetivo do que propriamente
sa não pode ser tratada como bode expiatório,
um conjunto de valores em contraposição
pois também está imersa nas mesmas forças
aos da matriz cultural. As negociações de
sociais, econômicas e culturais. Porém, os
sentido sofrem pressões das alternativas
saberes do jornalismo em relação ao seu
sociais e culturais possíveis. Portanto, na
público devem superar o modelo de consumo.
maior parte do tempo, reproduzem-se com-
A superação da submissão do gênero
discursivo jornalístico à categoria de entrete- portamentos, reproduzem-se discursos, com
nimento deve servir também de desafio aos momentos de brechas para a criatividade
profissionais da imprensa. irromper na materialidade linguística, como
De outro lado, o fato de os jovens não prática discursiva-social. As bricolages na
se reconhecerem nos estereótipos veiculados estética rave - de som e de códigos visuais
nas matérias jornalísticas não significa - e os hibridismos de estilos musicais, acon-
comportamento contrário, ou diferenciado. Ao tecendo em grande velocidade, são expres-
se referirem aos “playboys” e aos sões de recriação, de ressignificação dentro
“cybermanos”, aos pobres drogados e in- de uma estética em rearranjo constante. O
felizes e aos ricos drogados e felizes, repro- sentido do movimento é o afeto social. Antes
duzem os mesmos discursos da mídia em da civilidade, a “socialidade”. Resistência e
relação a eles. sobrevivência.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 527

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Temer, Ana Carolina. Notícias e ser- circule pelas diferentes FDs, pelo seu jogo. Com
viços: um estudo sobre o conteúdo dos o apagamento de sentidos, há zonas de sentido,
telejornais da Rede Globo. Paper apresen- e, logo, posições do sujeito que ele não pode
tado Congresso Intercom, Salvador, BA, ocupar, que lhe são interditadas.” (Orlandi, 1990:
setembro de 2002. 52).
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 529

Conducta mediática de los adolescentes en España y Portugal.


Modos de consumo de rádio y e televisión
Milagros García Gajate1

Resumen: Como se expresa en el título de esta memoria,


nuestro primer objetivo es conocer los modos
Nuestro estudio pretende conocer los de consumo de medios, pero como paso
hábitos de consumo de radio y televisión en previo para determinar cuál de estos medios
los jóvenes. No sólo interesa cuantificar el sería mejor herramienta para colaborar en la
nivel de consumo de TV o de radio, sino educación de adolescentes en los temas que
que el estudio se dirige, principalmente, a la Logse recoge como transversales. Algunos
conocer en qué situaciones se consume cada trabajos nos abren una expectativa favorable
uno de los medios, con quién se comparte a la radio, como numerosos artículos
el consumo y el grado de libertad de elección, publicados en Cuadernos de Pedagogía, los
con qué otras actividades se compagina. Este trabajos de José Mª Valls (1992), Muñoz
tipo de objetivos están directamente (1994) y las investigaciones que se vinculan
relacionados con los análisis desarrollados con la perspectiva “educación-entreteni-
desde la perspectiva de los Usos y miento” (Igartua y Rodríguez Bravo, 2002;
Gratificaciones, una de las corrientes en Singhal y Rogers, 1999).
comunicación más destacadas para analizar Nos interesa conocer cómo, cuándo
la conducta mediática (Rubin, 2002). consumen radio y televisión, para llegar, no
El objetivo principal de este estudio es a más jóvenes, si no en mejores condiciones
obtener los elementos necesarios para definir para que los mensajes educativos sean
con precisión cómo son los oyentes eficaces.
adolescentes de la radio y cómo son los El estudio intenta, igualmente, plantear a
espectadores adolescentes de televisión. Para los jóvenes otras opciones de programas, tanto
nuestro estudio, delimitamos la edad de los en TV como en Radio; se pretende determinar
adolescentes entre los 12 y los 16 años. Por si el consumo que realizan de ciertos
debajo de los 12 años de edad, la capacidad programas viene determinado por los gustos
de decisión, la independencia podría estar y preferencias, o por la estricta oferta en los
muy limitada; por encima de los 16 años las medios. Todo ello, orientado al intento de
posibilidades de intervención o influencia utilizar este estudio como base para posteriores
podrían ser nulas. Una vez definidos los investigaciones que utilicen la radio con otros
consumidores de ambos medios, podremos, fines, que recuperen otros fines de la radio,
quizá, determinar si alguno de ellos, o los como el educativo, por ejemplo.
dos son adecuados para ser utilizado como
instrumentos colaboradores en la educación. Iniciado ya el siglo XXI, los medios de
Las experiencias educación-entretenimiento comunicación tradicionales se reparten el
a través de la radio se han afianzado en los tiempo de consumo con medios más
últimos años (véase, por ejemplo, Singhal y novedosos, sin perder, por ello, su cuota de
Rogers, 1999). Desde el comienzo de la interés (AIMC, 2003).
institucionalización de los estudios de En las últimas décadas se han realizado
Ciencias de la Información, los medios han gran cantidad de estudios sobre el consumo
tenido tres funciones esenciales: informar, televisivo (Atkin, Greenberg & Baldwin,
formar y entretener (Lasswell, 1985). Bien 1991; Brosius, Wober, Mallory & Weimann,
es cierto que la evolución de los diferentes 1992; Callejo, 1995; Hawkings, Pingreen,
medios, la aparición de nuevos formatos, han Bruce & Tapper, 1997, entre otros), al tiempo
conducido al predominio de alguna de estas que los estudios sobre el consumo de radio
funciones, quedando casi olvidadas otras. son casi inexistentes. Esto podría interpretarse
530 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

como una afirmación implícita de los con precisión cómo son los oyentes
investigadores referente a la preeminencia de adolescentes de la radio y cómo son los
la televisión sobre la radio. En las últimas espectadores adolescentes de televisión. Para
décadas, la implantación en los hogares de nuestro estudio, delimitamos la edad de los
la TV, en todas sus posibilidades, videojuegos, adolescentes entre los 12 y los 16 años. Por
Internet ha (ha supuesto) producido un debajo de los 12 años de edad, la capacidad
reparto del tiempo libre de los adolescentes. de decisión, la independencia podría estar
A pesar de todo ello, la radio seguiría muy limitada; por encima de los 16 años las
cumpliendo sus funciones, seguiría teniendo posibilidades de intervención o influencia
su lugar entre los medios de comunicación, podrían ser nulas. Una vez definidos los
seguiría siendo escuchada, especialmente por consumidores de ambos medios, podremos,
los jóvenes, como demuestran algunos quizá, determinar si alguno de ellos, o los
estudios desarrollados en Francia (Kuhn, dos son adecuados para ser utilizado como
1995). instrumentos colaboradores en la educación.
Lo que resulta innegable es la mejor Las experiencias de educación-
delimitación de los grupos consumidores, de entretenimiento a través de la radio se han
las franjas horarias de interés; para algunos, afianzado en los últimos años (véase, por
incluso, de los temas y contenidos de interés. ejemplo, Singhal y Rogers, 1999).
Por tanto, ya no resulta tan interesante Desde el comienzo de la
conocer el número de consumidores de radio institucionalización de los estudios de
o de televisión, o las horas que pasan junto Ciencias de la Información, los medios han
a estos aparatos. El interés se centra en tenido tres funciones esenciales: informar,
determinar tipos de consumidores, hábitos en formar y entretener (Lasswell, 1985). Bien
el consumo, actividades compaginadas con es cierto que la evolución de los diferentes
el consumo. Como expresa la perspectiva de medios, la aparición de nuevos formatos, han
los Usos y Gratificaciones a partir de Katz, conducido al predominio de alguna de estas
Blumler y Gurevitch (1973), el objetivo funciones, quedando casi olvidadas otras.
básico es investigar “qué hace el individuo Como se expresa en el título de esta memoria,
con los medios”. Lo importante ahora son nuestro primer objetivo es conocer los modos
los modos de uso de esos medios y las de consumo de medios, pero como paso
motivaciones que llevan a ese uso (Rubin previo para determinar cuál de estos medios
2002), incluso los usos y efectos (Jensen y sería mejor herramienta para colaborar en la
Rosengren, 1997; Rubin, 1996,2002). En este educación de adolescentes en los temas que
sentido, el presente proyecto busca analizar la Logse recoge como transversales. Algunos
los usos y gratificaciones asociados a la radio trabajos nos abren una expectativa favorable
por parte de los adolescentes. a la radio, como numerosos artículos
El primer objetivo de nuestro estudio es publicados en Cuadernos de Pedagogía, los
conocer los hábitos de consumo de radio y trabajos de José Mª Valls (1992); Muñoz
televisión en los jóvenes. No sólo interesa (1994) y las investigaciones que se vinculan
cuantificar el nivel de consumo de TV o de con la perspectiva “educación-
radio, sino que el estudio se dirige, entretenimiento” (Igartua y Rodríguez Bravo,
principalmente, a conocer en qué situaciones 2002; Singhal y Rogers, 1999).
se consume cada uno de los medios, con quién Nos interesa conocer cómo, cuándo
se comparte el consumo y el grado de libertad consumen radio y televisión, para llegar, no
de elección, con qué otras actividades se a más jóvenes, si no en mejores condiciones
compagina. Este tipo de objetivos están para que los mensajes educativos sean
directamente relacionados con los análisis eficaces. El estudio intenta, igualmente,
desarrollados desde la perspectiva de los Usos plantear a los jóvenes otras opciones de
y Gratificaciones, una de las corrientes en programas, tanto en TV como en Radio; se
comunicación más destacadas para analizar pretende determinar si el consumo que
la conducta mediática (Rubin, 2002). realizan de ciertos programas viene
El objetivo principal de este estudio es determinado por los gustos y preferencias,
obtener los elementos necesarios para definir o por la estricta oferta en los medios.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 531

Aunque los primeros estudios de consumo análisis de tipo descriptivo e inferencial


de medios se realizaron sobre la radio, pronto (de tipo bivariado y mutivariado). En
se impuso el interés por la televisión, particular, se utilizará el análisis factorial
quedando la radio en un segundo plano de como medio para evaluar la naturaleza
interés para los investigadores. Este estudio multidimensional de las preferencias y
plantea la recuperación del interés en los motivaciones de consumo de la radio y
estudios sobre radio, teniendo en cuenta que la TV entre los encuestados. Esta estrategia
el propio medio sigue vivo y presente en la de análisis es la que ha permitido a autores
sociedad. También intenta plantear un como A. M. Rubin identificar patrones y
estudio más orientado a los modos de usos de los medios que se asocian a
consumir los medios (Rubin, 2002). No modalidades de consumo mediático. En
interesa cuántos son los consumidores, si no particular, Rubin (1984) ha identificado
cómo son, en qué condiciones consumen, el con respecto a la TV un uso ritualista
grado de actividad de las audiencias hacia frente a un uso instrumental, y ambos se
los medios (Rubin 1996, 2002) asocian a patrones de comportamiento
Todo ello, orientado al intento de utilizar mediático claramente diferenciados.
este estudio como base para posteriores Finalmente, se buscará crear o identificar
investigaciones que utilicen la radio con otros tipologías del consumo mediático para
fines, que recuperen otros fines de la radio, comprender cómo (y por qué) los
como el educativo, por ejemplo. De este adolescentes consumen TV y radio.
modo, el análisis de la conducta mediática El cuestionario se ha aplicado en un centro
de los adolescentes de España y Portugal, español, ubicado en Pedro Muñoz (Ciudad
permitirá inferir y enumerar las funciones Real), y en dos centros portugueses, de
básicas de la radio y la TV, sentando las bases Covilhã. La población de estudio esta formada
para un adecuado uso educativo de dichos por alumnos con edades comprendidas entre
medios. los 12 y los 16 años.
El listado de preguntas se agrupa en cuatro
Método grades bloques. El primero recoge peguntas
comunes al consumo de ambos medios. Una
Se ha elegido una metodología de corte segunda parte especifica hábitos con respecto
cuantitativo, utilizando como soporte de la a la radio; así como el siguiente bloque lo
misma el cuestionario estructurado. Este hace con respecto a la televisión. El último
acercamiento metodológico es característico bloque son los datos sociodemográficos. En
de la perspectiva de los Usos y este último apartado se incluye, además de
Gratificaciones, en la cual se ancla la edad, el sexo, el curso y el centro, dos
teóricamente el presente proyecto. De este datos que pueden resultar de relevancia en
modo se elaborará un cuestionario con el relación con algunas de las variables; estos
que aproximarse a los hábitos de consumo datos son el número de hermanos del sujeto,
de medios de comunicación y analizar la y la convivencia con algún otro pariente, a
conducta mediática, centrado en Radio y TV. parte de la propia unidad familiar.
Se incidirá, fundamentalmente, en los modos
y costumbres de consumo, actividades Resultados y conclusiones
realizadas durante el consumo, y no tanto en
la cantidad de horas de consumo. Para la Aunque los datos son aún provisionales,
elaboración del cuestionario se tomarán como podemos avanzar que la televisión es el medio
referencia los trabajos previos sobre este tema de mayor preferencia, de manera muy distante
(por ejemplo, Abelman, Atkin y Rand, 1997; con respecto a la radio entre los chicos, y
Himmelweit, Swift y Jaeger, 1980; Igartua, no tan distante en las chicas. Como vemos
Muñiz, Elena y Elena, 2003; Middleham y en el gráfico, la preferencia por la televisión
Wober, 1997; Vicent y Basil, 1997). tiene un grado semejante en ambos países,
Los datos se analizan estadísticamente por pero la radio muestra una preferencia mayor
medio del programa SPSS. Se establecen en Portugal que en España.
532 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A pesar de consumir mayor número de


horas de televisión que de radio, el grado
de libertad a la hora de elegir lo que se
consume es considerablemente menor en la
televisión que en la radio. Si cruzamos el
grado de libertad de elección con edades,
se aprecia una curiosa pérdida de libertad
de elección entre los 14 y 15 años con
respecto al consumo de televisión. Por
países, parece mostrarse una pequeña
diferencia, dando un mayor grado de
libertad de elección en Portugal que en
España. Las mujeres parecen tener más
La frecuencia del consumo de televisión posibilidades de elegir lo que escuchan en
es también sensiblemente mayor a la la radio, mientras que el mando a distancia
frecuencia del consumo de radio. Resultan del televisor está controlado principalmente
extraños los casos en los que el consumo de por los varones.
televisión no es diario, y no es extraño que
no sea diario el consumo de radio. El
consumo de radio y televisión aumenta,
lógicamente, durante el fin de semana en
ambos sexos, y son las mujeres las que
muestran un mayor consumo diario de radio.
Por países, vemos que el número de horas
de consumo de televisión, tanto a diario como
en fin de semana, se encuentra equilibrado
en ambos países, siendo mayor el tiempo de
consumo de radio en Portugal.

Los lugares de consumo de televisión


están restringidos al salón y la cocina, en
ocasiones. Sin embargo, el consumo de radio
se reparte más entre los cuatro espacios
propuestos (habitación, cocina, baño y salón),
si bien la habitación es el lugar de mayor
consumo de radio.

Como hemos indicado en un principio,


el interés de este estudio no es tanto conocer
la cantidad de horas de consumo de cada uno
de los medios, si no obtener una aproximación
a los modos de consumo, a la relación de
los jóvenes con cada uno de estos medios;
todo ello, orientado a recuperar alguna de
las funciones de los medios, como la
educativa. Por ello, los datos que se ofrecen
a continuación resultan de mayor interés.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 533

los medios, lo que nos puede mostrar otro


aspecto de la relación de los jóvenes con estos
medios. En principio, las chicas se muestran
más activas que los chicos junto al consumo
de radio y televisión. Hay que destacar que
el consumo de televisión absorbe toda la
atención en la mayoría de los casos, con
escasa diferencia entre sexos. Por el contrario,
la radio se escucha, casi siempre, haciendo
otras cosas.

El consumo de radio es, funda-


mentalmente, solitario, aunque puede
compartirse con amigos o hermanos, en
algunas ocasiones. Sin embargo, la televisión
es un medio más compartido; raramente se
consume en solitario cuando existen más
hermanos en la familia. Vemos estos
resultados, agrupados por países.

La radio es la principal compañera de la


mayoría de los jóvenes, sobre todo las
mujeres, a la hora de hacer los deberes de
clase o estudiar. Las mujeres comparten la
escucha de radio también con las tareas de
la casa; lo que no ocurre en el caso de los
hombres, aunque no tenemos datos que
indiquen si es que los chicos realizan este
tipo de tareas. También la televisión comparte
el tiempo de los deberes de clase, en un
porcentaje especialmente elevado en las
mujeres. En ambos sexos, se disfruta de este
medio en el momento de las comidas. Vemos
los resultados agrupados por países y por
sexos.

Otro apartado importante en este estudio


es el que se refiere a las actividades que se
realizan junto al consumo de cada uno de
534 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

En cuanto a los programas más Por sexos, parece que los varones
escuchados en la radio, teniendo en muestran mayor inquietud por otros
cuenta las programaciones radiofónicas, contenidos que ahora no se ofertan. En
se confirmaba que los musicales son los ambos sexos, se interesan, primero por
más escuchados por ambos sexos; si bien programas de humor, seguidos por los
los hombres los comparten con los concursos y las historias o relatos. Son
deportivos. Por países, en Portugal se los chicos los que expresan su interés por
escucha, casi exclusivamente música; los programas de sexo, siendo
mientras que en España, si bien los prácticamente insignificante esa propuesta
musicales son los programas más en las chicas.
escuchados, también tienen presencia
significativa otros contenidos.

En televisión, los programas más


vistos son las series. En España, el
La poca variedad en la oferta consumo de series está muy por encima
radiofónica, especialmente para jóvenes, del de otros programas, estando seguidos
nos hizo incluir otras posibilidades de por dibujos animados, concursos,
escucha, proponiendo otros tipos de musicales y películas. En Portugal, se
programas o contenidos que les gustaría reparte más homogéneamente entre las
escuchar. Vemos, por países, que en España series, las películas, los musicales y los
se muestra un mayor deseo por escuchar informativos.
otros contenidos, destacando el humor, los Por sexos, podemos observar que las
relatos y los concursos; destacar también series están seguidas por dibujos
la propuesta de programas sobre sexo, que animados y deportivos, en el caso de los
no aparece en Portugal. chicos. En el caso de las chicas, son los
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 535

Por países, en Portugal el humor está


seguido por culturales y concursos,
fundamentalmente. En España, el humor
marca diferencias con los concursos, las
historias, los educativos, y más de lo que
ya hay. Podemos apreciar, que los televidentes
portugueses solicitan con menor frecuencia
otros contenidos de lo que lo hacen los
telespectadores españoles.

musicales, las películas y las telenovelas las


que siguen a las series. En cualquiera de los
casos, las series se diferencian sustancialmente
del resto de programas.

De esta forma, si tuviéramos que diseñar


un programa de televisión para jóvenes entre
12 y 16 años, nos encontraríamos con un
público bastante conformista, al que se
contentaría con series, concursos y humor.
Sin embargo, si pretendiéramos diseñar
un programa radiofónico, deberíamos tener
En cuanto a lo que les gustaría ver y no en cuenta un perfil de oyente que se atuviese
tienen, los chicos siguen expresando una mayor a las siguientes características:
inquietud que las chicas por otros tipos de • El consumo de radio resulta
programas. El humor es el tema principal, sustancialmente importante en los
seguido de cerca por las demás propuestas. Es jóvenes. Los oyentes de radio son
curiosa la solicitud de más cantidad de los mayoritariamente mujeres, de 14 a 15
programas que ya existen y consumen años.
habitualmente. Las chicas, más conformistas con • Disfrutan de la radio en solitario, en
los programas que ya existen, solicitan contenidos su habitación. Por ello, tienen un muy
de humor y concursos, principalmente. alto grado de libertad en la elección
de lo que escuchan.
• La escucha de los programas
radiofónicos se realiza, generalmente,
mientras hacen los deberes o estudian,
pero también limpiando, aseándose, etc.
• Los jóvenes escuchan, casi
exclusivamente música, pero les
gustaría oír programas de humor, si son
chicos; y relatos y programas culturales,
si son chicas.
536 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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538 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 539

Processos cognitivos, cultura e estereótipos sociais


Rosa Cabecinhas1

“The pictures inside the heads of these Lippmann debruça-se sobre a forma como
human beings, the pictures of a cultura nos fornece os elementos para
themselves, of others, of their needs, ‘recortar’ a realidade em elementos signi-
purposes, and relationship, are their ficativos, conferindo-lhe nitidez, distintivi-
public opinions. Those pictures which dade, consistência e estabilidade de signifi-
are acted upon by groups of people, cado. O autor reflecte sobre as limitações
or by individuals acting in the name humanas no processamento da informação e
of groups, are Public Opinion with sobre a forma como os preconceitos intro-
capital letters”. duzem enviesamentos na selecção, interpre-
Walter Lippmann, 1922 tação, memorização, recuperação e uso da
informação. Neste sentido, podemos consi-
1. Introdução derar que esta obra de Lippmann constitui
um primeiro esboço de uma área de estudo
Em 1922, o jornalista e analista político hoje dominante no seio da psicologia social:
Walter Lippmann publica Public Opinion, a cognição social.2
uma obra que analisa como as pessoas
constroem as suas representações da reali- 2. Imagens e clivagens: as funções dos
dade social e de que forma essas represen- estereótipos sociais
tações são afectadas tanto por factores in-
ternos como externos. Segundo Lippmann, Lippmann (1992/1961) é considerado o
as ‘representações’ – the pictures inside the fundador da conceptualização contemporânea
heads – funcionam como ‘mapas’ guiando dos estereótipos e do estudo das suas fun-
o indivíduo e ajudando-o a lidar com infor- ções psicossociais (e.g., Ashmore e DelBoca,
mação complexa, mas também são ‘defesas’ 1981; Marques e Paéz, 2000). O termo
que permitem ao indivíduo proteger os seus ‘estereótipo’ já existia desde 1798, mas o seu
valores, os seus interesses, as suas ideolo- uso corrente estava reservado à tipografia,
gias, em suma, a sua posição numa rede de onde designava uma chapa de metal utiliza-
relações sociais. As representações não são da para produzir cópias repetidas do mesmo
o espelho da realidade, mas sim versões hiper- texto (Stroebe e Insko, 1989). O termo
simplificadas da realidade. também já era usado de forma esporádica nas
As representações nunca são neutras, pois ciências sociais para denotar algo ‘fixo’ e
dependem mais do observador do que do ‘rígido’, o que se prende com a origem
objecto, já que este define primeiro e vê etimológica da palavra: stereo que, em gre-
depois: go, significa ‘sólido’, ‘firme’.
Por analogia, Lippmann salientou a ‘ri-
“For most part we do not first see, gidez’ das imagens mentais, especialmente
and then define, we define first and aquelas que dizem respeito a grupos so-
then see. In the great blooming, ciais com os quais temos pouco ou nenhum
buzzing confusion of the outer world contacto directo. A visão dos estereótipos
we pick out what our culture has como algo rígido caracterizou muitos dos
already defined for us, and we tend estudos posteriores sobre esta temática. No
to perceive that which we have entanto, o autor não descurou a possibi-
picked out in the form stereotyped lidade de mudança dos estereótipos e sa-
for us by our culture” (Lippmann, lientou o carácter criativo da mente huma-
1922/1961: 81) na.
540 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Lippmann conceptualizou os estereótipos powerfully direct the play of our attention,


como resultantes de um processo ‘normal’ and our vision itself” (1922/1961: 16).
e ‘inevitável’, inerente à forma como pro- Lippmann salienta o papel activo do
cessamos a informação, mas a maior parte indivíduo na construção dos estereótipos que
dos estudos empíricos realizados até aos anos são sempre ‘selectivos’ e ‘parciais’ (1922/
cinquenta caracterizaram os estereótipos 1961: 80). Na sua análise encontramos ele-
como um tipo inferior de pensamento, situ- mentos sobre as funções psicossociais dos
ando-os no domínio do ‘patológico’: estes estereótipos, que viriam a ser desenvolvidas
seriam projecções de fantasias indesejáveis, e estudadas empiricamente algumas décadas
deslocamentos de tendências agressivas para depois por Allport (1954/1979), que liga
os membros de outros grupos, ou subprodutos explicitamente os estereótipos ao processo
de síndromes de personalidade associadas ao de categorização, e por Talfel (1969) que,
autoritarismo e intolerância (e.g., Adorno, pela primeira vez, explicita as suas funções
Frenkel-Brunswick, Levison e Sanford, 1950; cognitivas e sociais, integrando-as num
Rockeach, 1948). Assim, algumas das ideias modelo explicativo das relações intergrupais.
inovadoras de Lippmann foram negligenci- Relativamente às funções cognitivas,
adas pela grande maioria das investigações Lippmann (1922/1961: 81-95) salienta a
efectuadas nas três décadas seguintes sobre ‘economia de esforço’, as necessidades de
estereótipos, só sendo recuperadas e ampla- ‘definição’, ‘distinção’, ‘consistência’ e
mente desenvolvidas a partir dos trabalhos ‘estabilidade’. No que respeita às funções
de Bruner, Allport e Tajfel. sociais, o autor enfatiza o papel dos este-
Lippmann (1922/1961) define os estere- reótipos na ‘defesa’ dos interesses do in-
ótipos como imagens mentais que se inter- divíduo:
põem, sob a forma de enviesamento, entre
o indivíduo e a realidade. Segundo o autor, “The systems of stereotypes may be
os estereótipos formam-se a partir do siste- the core of our personal tradition, the
ma de valores do indivíduo, tendo como defenses of our position in society.
função a organização e estruturação da re- (…) In that world people and things
alidade: have their well-known places, and do
certain expected things. We feel at
“For the real environment is altogether home there. We fit in. We are
too big, too complex, and too fleeting members” (Lippmann, 1922/1961:
for direct acquaintance. We are not 95).
equipped to deal with so much
subtlety, so much variety, so many Um dos motivos que explicaria o ca-
permutations and combinations. And rácter ‘fixo’ dos estereótipos seria precisa-
although we have to act in that mente a necessidade do indivíduo proteger
environment, we have to reconstruct a sua definição da realidade:
it on a simpler model before we can
manage with it. To traverse the world “any disturbance of the stereotypes
men must have maps of the world” seems like an attack upon the
(Lippmann, 1922/1961: 16) foundations of the universe. It is an
attack upon the foundations of our
Interrogando-se sobre os factores que universe, and, where big things are
contribuiriam para o que “the pictures inside at stake, we do not readily admit that
so often misleads men in their dealing with there is any distinction between our
the world outside”, Lippmann aponta limi- universe and the universe. (…) A
tações externas – a censura e a falta de pattern of stereotypes is not neutral.
contacto directo – e limitações internas: “this (…) It is the guarantee of our self-
trickle of messages from the outside is respect; it is the projection upon the
affected by the stored up images, the world of our own sense of our own
preconception, and the prejudices which value, our own position and our own
interpret, fill them out, and in their turn rights. The stereotypes are, therefore,
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 541

highly charged with the feelings that and openminded, the novelty is taken
are attached to them. They are the into the picture, and allowed to modify
fortress of our tradition, and behind it. Sometimes, if the incident is
its defense we can continue to feel striking enough, and if he has felt a
ourselves safe in the position we general discomfort with his
occupy” (Lippmann, 1922/1961: 96). established scheme, he may be shaken
to such an extent as to distrust all
É precisamente pelo seu papel na manu- accepted ways of looking at life”
tenção do sistema de valores do indivíduo (Lippmann, 1922/1961: 100).
e do statu quo, que os estereótipos dificil-
mente são abalados por informação incon- Estes aspectos viriam a ser estudados
gruente com os mesmos. algumas décadas mais tarde por Allport
(1954/1979) e amplamente demonstrados por
“There is nothing so obdurate to estudos em cognição social. O autor salienta
education or to criticism as the o carácter rígido dos estereótipos e o facto
stereotype. It stamps itself upon the de estes constituírem imagens demasiado
evidence in the very act of securing ‘generalizadas’ e ‘exageradas’ que descuram
the evidence. (…) If what we are a variabilidade dos membros dos outros
looking at corresponds successfully grupos e negam a sua individualidade
with what we anticipated, the (Lippmann, 1922/1961: 116).
stereotype is reinforced for the future Este aspecto foi empiricamente demons-
(pp.98-99). (...) For when a system trado pelos estudos sobre o efeito de acen-
of stereotypes is well fixed, our tuação – a tendência para exagerar as
attention is called to those facts which semelhanças entre os membros da mesma
support it, and diverted from those categoria social e para acentuar as diferenças
which contradict” (Lippmann, 1922/ entre membros de categorias diferentes (Tajfel
1961: 119). e Wilkes, 1963) – e sobre o efeito de
homogeneidade do exogrupo – a tendência
Neste sentido, Lippmann faz referência de perceber o grupo dos outros como mais
ao que posteriormente se veio a designar homogéneo do que o grupo de pertença
como ‘profecias auto-confirmatorias’ (Merton, (Quattrone e Jones, 1980).3
1949/1968), amplamente demonstradas pelos Lippmann debruçou-se ainda sobre o
estudos em cognição social (e.g., Hamilton, poder dos ‘rótulos’ e os seus efeitos nefastos
1979). Quando um membro de determinado na percepção das pessoas: “They are too
grupo age de forma contraditória ao estere- empty, too abstract, too inhuman” (1922/
ótipo, Lippmann considera que, na maior 1961: 160). Na perspectiva do autor, só uma
parte das vezes, este membro passa a ser visto longa educação crítica permitiria aos indi-
como uma excepção, mantendo-se o estere- víduos tomarem consciência do carácter
ótipo intacto. Este só é abalado se o indi- diferido e subjectivo da respectiva apreensão
víduo ainda tiver alguma flexibilidade de da realidade social (p.126). Embora salien-
espírito ou se a informação incongruente for tando o papel da educação – “the supreme
demasiado impressionante para ser ignorada: remedy”(p.408) – Lippmann considera os
estereótipos inevitáveis:
“If the experience contradicts the
stereotype, one of two things happens. “Yet a people without prejudice, a
If the man is no longer plastic, or if people with altogether neutral vision,
some powerful interests make it highly is so unthinkable in any civilization
inconvenient to rearrange his of which it is useful to think, that no
stereotypes, he pooh-poohs the scheme of education could be based
contradiction as an exception that upon that ideal. Prejudice can be
proves the rule, discredits the witness, detected, discounted, and refined, but
finds a flaw somewhere, and manages so long as finite men must compress
to forget it. But if he is still curious into a short schooling preparation for
542 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

dealing with a vast civilization, they atribuições de traços de personalidade, ba-


must carry pictures of it around with seando-se neste processo de correspondên-
them, and have prejudice” (1922/ cia. Esta técnica não teve, contudo, grande
1961: 120). sucesso na altura, só vindo a ser recuperada
muito mais tarde (Leyens et al., 1994).
Esta concepção sobre a inevitabilidade dos Durante as primeiras décadas do estudo
estereótipos, porque inerentes ao funciona- dos estereótipos, a técnica mais utilizada foi
mento cognitivo normal, só começou a ser a lista de adjectivos (Katz e Braly, 1993).
sistematicamente analisada pelas investiga- Antes de nos referirmos aos estudos destes
ções da Nova Vaga no estudo dos estereó- autores, parece-nos necessário abrir um breve
tipos (e.g., Bruner, 1957). Outros dos aspec- parêntese a propósito de alguns estudos
tos enfatizados por Lippmann foi o facto do clássicos sobre discriminação social realiza-
senso comum, na maior parte dos casos, não dos no âmbito do modelo das atitudes.
procurar infirmar as suas hipóteses, mas sim Numa época caracterizada por um grande
confirmá-las: “in the codes that come fluxo migratório de grupos de origem asi-
unexamined from the past or bubble up from ática e europeia para os EUA, Bogardus
the caverns of the mind, the conception is (1928) estudou as ‘atitudes raciais’ dos
not taken as an hypothesis demanding proof americanos a partir de uma Escala de Dis-
or contradiction, but as a fiction accepted tância Social. Os participantes (americanos
without questions” (1922/1961: 122-123). brancos) deveriam indicar as suas atitudes
A delimitação das condições em que os face a diversos grupos raciais, étnicos e
indivíduos enveredam pela confirmação religiosos (por exemplo: franceses, indianos,
automática das hipóteses ou em que encetam judeus, chineses, ingleses, negros, etc.), numa
processos de infirmação das mesmas cons- escala de sete pontos, ordenados da menor
titui um aspecto central na pesquisa actual distância à maior distância social: ‘casaria
sobre os estereótipos (e.g., Snyder, 1981). com um membro deste grupo’; ‘aceitaria
Lippmann considera que as pessoas ‘ig- como amigo íntimo’; ‘aceitaria como vizi-
norantes’ têm maior tendência para efectu- nho do lado’; ‘aceitaria como colega de
arem estas generalizações acriticamente do escritório’; ‘aceitaria como conhecido’; ‘ape-
que as ‘cultas’, mas recorda que todos nas como turista no país’; ‘excluí-los-ia do
possuímos estereótipos, uma vez que país’ (Lima, 1993/2000: 198).
“inevitably our opinion cover a bigger space, O estudo revelou que os participantes
a longer reach of time, a greater number of rejeitavam, sobretudo, os grupos de origem
things, than we can directly observe” (1922/ asiática e africana, preferindo os imigrantes
1961: 79). Todos os seres humanos são como de origem europeia, principalmente os anglo-
os prisioneiros da caverna de que nos fala saxónicos e os nórdicos. Esta hierarquização
Platão, no Sétimo Livro da A República. dos grupos estava em perfeita consonância
com os estudos do ‘racismo científico’ re-
3. Imagens a Preto e Branco: O poder dos alizados no século XIX e início do século
estereótipos sociais XX, testemunhando o carácter normativo do
racismo nesse período nos EUA e na Europa.
O estudo empírico dos estereótipos co- No início da década de quarenta, Hartley
meçou pouco depois da publicação da obra efectuou um estudo sobre o preconceito em
de Lippmann. Ainda na década de vinte, relação a 49 grupos-alvo utilizando a escala
fortemente influenciado pela definição dos de Bogardus. Para além dos grupos-alvo
estereótipos como ‘pictures inside our heads’, presentes no estudo precedente, Hartley ave-
Rice (1926-1927; referido por Oakes, Haslam riguou o preconceito em relação a grupos
e Turner, 1994) realizou um estudo em que políticos (nazis, socialistas, comunistas, etc.)
apresentou aos participantes uma série de e a três grupos fictícios: Danarean, Pirenean
fotografias de pessoas pertencentes a dife- e Wallonian (1946/1969: 5).
rentes grupos sociais. Estes efectuaram fa- Os resultados indicadores de maior dis-
cilmente correspondências entre as fotogra- tância social foram obtidos pelos grupos
fias e os ‘social types’ e procederam a políticos “extremistas” (nazis, fascistas e
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 543

comunistas), logo seguidos dos grupos étni- nível comportamental e, simultaneamente,


cos minoritários – judeus, negros, turcos, uma expressão de intolerância ao nível
árabes, chineses, hindus, mexicanos, imigran- atitudinal, pelo que foram interpretados como
tes da Europa de Leste (romenos, russos, reflectindo uma inconsistência entre atitudes
lituânios, etc.), e imigrantes da Europa e comportamentos (Lima, 1993/2000). Para
Mediterrânica (gregos, italianos e portugue- além da importância deste aspecto, interessa-
ses). Mais uma vez, os imigrantes anglo- nos salientar outro: este estudo demonstra
saxónicos e nórdicos (irlandeses, ingleses, claramente o carácter normativo da discri-
alemães, dinamarqueses, etc.) obtiveram minação racial nos EUA nos anos 30. Nesta
resultados indicadores de menor distância altura, havia um forte preconceito contra os
social, e o grupo de pertença foi o único a chineses, sendo comum os restaurantes e lojas
ocupar o topo da escala. terem uma placa à porta com a seguinte
O aspecto mais curioso deste estudo é inscrição: “É proibida a entrada a cães e a
que os três grupos fictícios obtiveram resul- chineses”.
tados idênticos aos dos grupos étnicos ‘in- A discrepância entre atitudes e compor-
desejáveis’, indicadores de grande distância tamentos está bem ilustrada empiricamente
social, isto é, a simples evocação de um grupo por réplicas do estudo de LaPierre. Por
desconhecido, logo minoritário e eventual- exemplo, Kutner, Wilkins e Yarrow (1952)
mente perigoso, levou os participantes a replicaram este estudo de LaPiere usando
rejeitar esses grupos. Estes resultados de- como grupo-alvo os negros, tendo obtido
monstram que o preconceito não está direc- resultados idênticos. De referir, no entanto,
tamente ligado ao nível de conhecimento dos que o estudo foi realizado com três jovens,
grupos-alvo em causa e são indicadores do duas brancas e uma negra, “bem vestidas
carácter normativo da discriminação social e bem educadas” (p.649). Assim, tanto neste
nesta época, já que os participantes não estudo como no anterior, o estatuto social
hesitaram em discriminar com base num percebido das pessoas-alvo poderá ter tido
simples rótulo evocativo de minoria étnica. forte impacto nos resultados.
No início do estudo das atitudes, estava Apesar das críticas iniciais ao método de
implícita a consonância entre atitudes e questionário, esse foi, sem dúvida, o mais
comportamentos, pressupondo-se que as popular no estudo dos estereótipos, pelo
atitudes eram boas preditoras do comporta- menos até à ‘revolução cognitiva’. O método
mento. No entanto, o poder preditivo das mais utilizado foi o da ‘lista de adjectivos’,
atitudes, avaliadas por questionários, foi desenvolvido por Katz e Braly (1933; 1935).
questionado por LaPiere, num estudo clás- Os autores construíram uma lista de 84 traços
sico sobre preconceito racial. de personalidade, seleccionados a partir da
LaPiere, um psicólogo social americano imprensa e da literatura da época e/ou for-
branco, viajou pelos EUA acompanhado por necidos por uma amostra de 100 estudantes
um casal de chineses, bem parecidos e bem universitários (americanos brancos) nas
vestidos, muito sorridentes e com um “inglês descrições de dez grupos: alemães, ameri-
sem pronúncia” (1934: 232). O autor foi canos, chineses, ingleses, irlandeses, italia-
anotando as reacções dos funcionários dos nos, japoneses, judeus, negros e turcos.
diversos estabelecimentos hoteleiros. Nesta Katz e Braly (1933) pediram a uma outra
viagem foram recebidos em 66 hotéis e em amostra de 100 estudantes universitários para
184 restaurantes e cafés, tendo apenas so- seleccionarem os cinco traços mais típicos
frido uma recusa num hotel. Algum tempo de cada um dos dez grupos-alvo referidos.
depois foi enviada uma carta a cada um destes Não surpreendentemente para a época, os
estabelecimentos, perguntando se aceitariam ‘americanos’ (referindo-se aos americanos
chineses como clientes. Das respostas rece- brancos) foram considerados empreendedo-
bidas, 92% eram negativas, tendo as restan- res, inteligentes, materialistas, ambiciosos e
tes afirmado que dependeria das circunstân- progressistas, enquanto os ‘negros’ foram
cias. considerados supersticiosos, preguiçosos,
Estes resultados mostraram que é possí- despreocupados, ignorantes e musicais. As-
vel haver uma manifestação de tolerância ao sim, ao grupo de pertença (americanos) foram
544 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

atribuídas características positivas, Contudo, uma segunda réplica do mesmo


consonantes com o chamado ‘sonho ameri- estudo na Universidade de Princeton reali-
cano’, enquanto que aos ‘negros’ foram zada nos anos sessenta (Karlins, Coffman e
atribuídas características negativas que Walters, 1969) produziu resultados que
contrariavam os valores dominantes da so- desiludiram os psicólogos sociais. Embora o
ciedade americana, justificando assim a sua conteúdo de alguns estereótipos tivesse
exclusão social. Outro aspecto importante sofrido alterações e se apresentasse global-
ressalta dos resultados: o estereótipo sobre mente mais positivo, aos ‘americanos’ e aos
os ‘negros’ é muito mais uniforme do que grupos de origem europeia continuavam a
o estereótipo sobre os ‘americanos’, sendo ser associados atributos com grande
relativamente a este grupo que existe menor desejabilidade social, consonantes com os
consenso entre os participantes. Assim, mais valores da sociedade americana, enquanto que
uma vez se verifica que o elevado consenso aos grupos minoritários de origem africana
dos estereótipos não está ligado ao maior e asiática continuavam a ser associados
nível de contacto com os grupos-alvo em atributos socialmente indesejáveis.
causa, já que os estudantes em questão ti- Verificou-se igualmente um incremento da
nham pouco ou nenhum contacto directo com consistência dos estereótipos face a algumas
os grupos sobre os quais havia maior con- minorias étnicas, contrariando a tendência
senso. Katz e Braly (1933; 1935) consideram observada nos anos 50. Em contrapartida, o
os estereótipos como um fenómeno estereótipo dos ‘americanos’ foi o que apre-
sociocultural. Para os autores, os estereóti- sentou menor consistência, confirmando os
pos são crenças transmitidas pelos agentes resultados dos anos 30. No que respeita ao
de socialização (família, escola, meios de estereótipo dos ‘negros’, os autores fazem a
comunicação social, etc.), o que explica o seguinte observação:
consenso dos estereótipos face aos diversos
grupos sociais, a sua independência do “The most dramatic and consistent
conhecimento ‘real’ dos membros desses trend over then 25- years period has
grupos e a sua dependência do contexto been the more favorable
histórico e cultural. characterization of the Negro. [...]
Uma réplica do estudo de Katz e Braly, The ‘new view’ of the Negro focuses
realizada no início dos anos cinquenta, na on the term ‘musical’ (47%) and
mesma universidade (Gilbert, 1951), indica- includes ‘pleasure loving’ (26%),
va um declínio na consistência dos estere- ‘ostentatious’ (25%), and ‘happy-go-
ótipos face a certas minorias, nomeadamen- lucky’ (27%). This image would
te os ‘negros’ e os ‘judeus’. Este “fading appear to be more innocuous modern
effect” foi atribuído à difusão de imagens counterpart of the minstrel figure,
mais tolerantes desses grupos nos mass media, probably reflecting the success of
a uma maior popularidade das ciências Negroes in the popular entertainment
sociais entre os estudantes e ainda ao facto world supported by teen-age and
da composição sociológica dos estudantes de collegiate audiences. Certainly, the
Princeton ser menos elitista do que a da Civil Rights movement of the past
década de 30. decade has strongly influenced the
Segundo Gilbert (1951), os estudantes present generation of college
tornaram-se mais ‘sofisticados’ e ‘objectivos’ students” (Karlins et al, 1969: 8).
tendo relutância em efectuar generalizações
infundadas acerca de outros grupos, o que Mas, se analisarmos o conteúdo do es-
conduziu o autor a um certo optimismo. tereótipo dos ‘negros’ à luz dos valores da
Replicações realizadas por outros autores sociedade ocidental, constatamos que esta
noutros locais na década de 50 pareciam ‘nova visão’ dos negros corresponde mais a
confirmar o declínio dos estereótipos, mos- uma mudança facial do que profunda, já que
trando que estes não eram ‘rigídos’, mas a este grupo são negadas as características
‘flexíveis’, isto é, sensíveis às mudanças sociais instrumentais necessárias para participarem
ocorridas depois da II Guerra Mundial. no desenvolvimento e progresso da socieda-
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 545

de, sendo-lhes atribuídas características ex- significa que o preconceito tenha desapa-
pressivas e exóticas, o que, embora apresen- recido, pois, como os próprios autores sa-
tando uma conotação positiva nas camadas lientam, alguns dos resultados obtidos “are
juvenis, continua a retirar-lhes o estatuto de too good to be true” (Karlins et al., 1969:
pessoa adulta, responsável e com capacidade 11).
de realização. De salientar que este padrão Nesse sentido, os autores salientaram a
de resultados continua a ser encontrado hoje necessidade de distinguir entre estereótipo
em dia em estudos realizados em diversos pessoal, fenómeno psicológico, e estereótipo
países ocidentais relativamente às minorias social, fenómeno cultural:
de origem africana (e.g., Cabecinhas, 2002).
No estudo realizado por Karlins e cola- “we may refer to a single individual’s
boradores (1969) constatou-se, mais uma vez, assignments as his personal stereotype
que o grau de consenso dos estereótipos sobre and the consensual assignment of a
determinado grupo não está directamente given population of judges as a social
ligado ao grau de preconceito exibido em stereotype. (...) The absence of a
relação a esse grupo. Comparando os seus traditional pattern of stereotyping may
resultados com os de Gilbert (1951), os not indicate a decline of stereotyping
autores salientam: itself, but perhaps the formation of a
revised social consensus” (Karlins et
“the apparent ‘fading’ of social al., 1969: 3; itálico no original).
stereotypes in 1951 is not upheld as
a genuine overall trend. Where Os resultados de um estudo realizado por
traditional assignments have declined Sigall e Page (1971) são bem elucidativos
in frequency they have, in the long das pressões normativas que deram origem
run, been replaced by others, resulting
aos ‘novos racismos’. Os autores
in restored stereotypes uniformity. (...)
complementaram o uso da tradicional lista
A feature of this data which is still
de adjectivos com uma manipulação expe-
impressive is the extent to which ‘new’
rimental. Numa das condições os participan-
stereotypes resemble previous ones.
tes respondiam simplesmente (condição
Paradoxically enough, the changes
controlo) e na outra (bogus pipeline) eram
which have occured stand out
informados que o experimentador detinha
because so much has remained the
uma medida fisiológica infalível capaz de
same. Uniformity and favorableness
medir a atitude, uma espécie de ‘detector de
scores correlate significantly across
the three generations of students. The mentiras’. Os autores compararam os este-
collections of traits selected to reótipos dos participantes (americanos bran-
characterize specific groups are very cos) face aos americanos e aos negros, nas
much alike from one generation to the duas condições de resposta. Verificou-se que
next, though the relative popularities na condição bogus pipeline o estereótipo
of those traits have been thoroughly relativo aos ‘americanos’ era mais favorável
rearranged. A great deal of change e o relativo aos ‘negros’ mais desfavorável
consists of a shift of emphasis in the do que na condição controlo, isto é, o
already existing picture” (Karlins et favoritismo pelo grupo de pertença aumen-
al., 1969: 14; itálico nosso). tou quando os participantes julgavam que a
sua ‘verdadeira atitude’ estava a ser medida
Como os autores referem, o conteúdo dos através de um instrumento infalível. Sigall
‘novos estereótipos’ é mais consistente com e Page consideram este resultado “as
as “atitudes mais liberais” da sociedade relatively distortion-free, as more honest and
americana, como demonstrado em diversos ‘truer’ than rating-condition responses”
estudos nos anos 60. A esse propósito, os (p.254; citados por Oakes et al., 1994), o
autores citam Triandis e Vassiliou (1967: que sugere que os estudos com base na lista
238): “it is no longer appropriate to be de adjectivos, sobretudo os realizados a partir
prejudice toward other groups”. Isso não do momento em que se tornou contra-
546 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

normativo discriminar, subestimam os este- exist a consistent and negative


reótipos negativos e o preconceito. contemporary stereotype of Blacks
Numa revisão sobre as mudanças ocor- (p.1139). (…) The stereotype has
ridas na expressão dos estereótipos relativa- remained stable through the years (in
mente aos ‘negros’, Dovidio e Gaertner consistency and valence, not
(1991) afirmam: “adjective checklist studies, necessarily in specific content),
in which respondents are asked to select traits whereas personal beliefs have
that are the most typical of particular racial undergone a revision” (Devine e
or ethnic categories, indicate that negative Elliot, 1995: 1141).
stereotypes are consistently fading” (p.202).
No entanto, os autores salientam que a Na perspectiva dos autores, enquanto o
evolução observada no conteúdo e na con- estereótipo cultural dos ‘negros’ é consisten-
sistência dos estereótipos pode decorrer mais te e muito negativo, as crenças pessoais são
de uma maior sensibilidade às normas so- muito mais positivas, especialmente as cren-
ciais anti-discriminação do que de uma ver- ças pessoais dos participantes que demons-
dadeira mudança nos estereótipos. tram uma atitude favorável aos negros na
No entanto, esta interpretação de carácter Escala de Racismo Moderno (MRS). Segun-
normativo é recusada por autores da pers- do os autores, a comparação dos resultados
pectiva da cognição social, que interpretam obtidos pelos participantes muito e pouco
estes resultados estabelecendo uma clara preconceituosos na MRS apoia o modelo
distinção entre crenças pessoais e estereó- dissociativo de Devine (1989), segundo o qual
tipos culturais (e.g., Devine, 1989; Devine “high- and low-prejudiced individuals both
e Elliot, 1995). possess the same stereotype of Blacks but
Numa ‘revisitação da triologia de that the stereotype is only endorsed by the
Princeton’, Devine e Elliot (1995: 1142) former group of individuals” (Devine e Elliot,
introduziram algumas alterações no procedi- 1995: 1145). No entanto, em determinadas
mento com vista a colmatar algumas “falhas circunstâncias (por exemplo, nas situações de
metodológicas” dos estudos precedentes. sobrecarga de informação) pode haver uma
Partido da lista de adjectivos de Katz e Braly ‘contaminação mental’ pelos estereótipos,
(1933) efectuaram as seguintes alterações: levando os indivíduos não preconceituosos
introduziram novos adjectivos com o objec- a ser influenciados por estes, uma vez que,
tivo de actualizar a referida lista (esses tendo sido aprendidos ao longo do processo
adjectivos foram os seguintes: “athletic, de socialização, estão armazenados na me-
criminal, hostile, low intelligence, poor, mória, interferindo nos processos cognitivos
rhythmic, sexually perverse, uneducated, and dos indivíduos, a não ser que estes estejam
violent”); os participantes responderam duas permanentemente vigilantes a uma possível
vezes à referida lista, uma vez tendo em conta ‘contaminação mental’ e procurem evitá-la
as suas ‘crenças pessoais’ e outra partindo activamente, o que exige grande esforço
dos ‘estereótipos culturais’ (efectuadas em cognitivo e motivação.
ordem contrabalançada); e, finalmente, os No nosso entendimento, esta interpreta-
participantes responderam a uma “nonreactive ção, baseada na clara separação entre ‘cren-
measure of anti-Black attitudes” que consis- ças pessoais’ e ‘estereótipos culturais’ e
tia na Escala de Racismo Moderno (Modern pressupondo que quando os indivíduos ‘não
Racism Scale) de McConahay (1986). Com- preconceituosos’, em situações de grande
parando as respostas dos participantes nas carga cognitiva (Devine, 1989), associam
condições de “stereotype assessment” e mentalmente características negativas aos
“personal belief assessment”, os autores negros porque sofrem uma ‘contaminação
salientam: mental’ pelos ‘esteótipos culturais’ é inacei-
tável, pois não se coaduna com a
“In contrast to the commonly conceptualização dos estereótipos sociais
espoused fading stereotype enquanto ‘representações sociais’ (Moscovici,
proposition, data suggest that there 1988).4
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 547

Se os estereótipos culturais existem, mas geralmente se consideram menos racistas do


não estão na cabeça de ninguém, ou de quase que a média das pessoas do seu grupo de
ninguém, onde se encontram então? E se não pertença (e.g., Miranda, 2001), podem ser
estão na cabeça das pessoas ‘não interpretados como uma manifestação do
preconceituosas’ porque é que estas têm que efeito Primus Inter Pares (Codol, 1975).
ter energia mental disponível e motivação Conhecendo as normas sociais de não
para não se deixar influenciar por eles? discriminação, os indivíduos tendem a apre-
Na nossa perspectiva, os resultados de sentar-se de forma mais consonante com
diversos estudos indicando crenças pessoais essas normas do que os restantes membros
mais positivas do que os estereótipos sociais da sociedade em que se encontram, o que
(e.g., Devine e Elliot, 1995; Garcia-Marques, consiste numa forma de obter distintividade
1999; Vala, Brito e Lopes, 1999) assim como pessoal através da adesão a normas social-
os estudos que indicam que as pessoas mente valorizadas.
548 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 549

2
Platão (s.d./2001). A Républica. Lisboa: A expressão ‘cognição social’ foi introdu-
Fundação Calouste Gulbenkian. zida na Psicologia Social por Bruner e Tagiuri
Quattrone, G. A., e Jones, E. E. (1980). (1954), num artigo sobre a percepção de pessoas.
Na altura, esta expressão não captou a atenção
The perception of variability within ingroups
dos investigadores, que a consideraram demasi-
and outgroups: Implications for the law of ado vaga e imprecisa (Leyens, Yzertyt e Schadron,
small numbers. Journal of Personality and 1994: 15). Esta designação só viria a tornar-se
Social Psychology, 38,141-152. corrente nos anos oitenta, quando a perspectiva
Rokeach, M. (1948). Generalized mental da cognição social se tornou dominante no seio
rigidity as a factor in ethnocentrism. Journal da disciplina.
3
of Abnormal Social Psychology, 43, 259-278. Posteriormente, foi demonstrado que estes
Snyder, M. (1981). On the self- enviesamentos perceptivos não são simétricos ou
perpetuating nature of social stereotypes. In universais, mas estão dependentes do contexto e da
estrutura das relações entre os grupos (e.g., Lorenzi-
D. Hamilton (Ed.). Cognitive Processes in
Cioldi, 1998; Cabecinhas e Amâncio, 1999).
Stereotyping and Intergroup Behavior (pp. 4
Na acepção de Tajfel (1981/1983), os es-
183-212). Hillsdale, NJ: Erlbaum. tereótipos sociais são representações socialmente
Tajfel, H. (1981/1983). Grupos humanos partilhadas sobre as características e os compor-
e categorias sociais (Vol. 1 e 2). Lisboa: tamentos de determinados grupos humanos,
Livros Horizonte. estratificados segundo critérios socialmente valo-
Tajfel, H., e Wilkes, A. L. (1963). rizados e traduzindo uma determinada ordem nas
Classification and quantitative judgement. relações intergrupais. Neste sentido, existe uma
coincidência conceptual entre estereótipos sociais
British Journal of Psychology, 54, 101-114.
e representações sociais. No entanto, o conceito
Vala, J., Brito, R., e Lopes, D. (1999a). de representação social é mais amplo do que o
Expressões dos racismos em Portugal. Lis- de estereótipo social, uma vez que o primeiro
boa: Instituto de Ciências Sociais. abrange todo o tipo de representações indepen-
dentemente do seu objecto, desde que estas sejam
partilhadas no seio de determinado grupo social,
_______________________________ enquanto que o segundo se restringe às represen-
1
Universidade do Minho. tações sobre grupos humanos.
550 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 551

Visibilidade e accountability: o evento do ônibus 174


Rousiley C. M. Maia1

Visibilidade: a mediação e a constituição Particularmente em situações problemá-


pública de eventos ticas, de escândalo ou crise (envolvendo
matérias passíveis de regulamentação), os
Os modelos de democracia deliberativa, meios de comunicação de massa convocam
os quais estabelecem um importante ideal os representantes das instituições públicas a
ético e prático para o funcionamento da esfera prestarem contas, a explicarem e a justifi-
pública, raramente se preocupam com o carem suas ações diante de seus públicos.
processo de mediatização operado pelos Isso permite confrontos diretos ou virtuais
meios de comunicação. Como prática efetiva, entre os representantes do aparato estatal-
o processo deliberativo apenas pode tornar- administrativo, os especialistas e os atores
se visível – ser reconhecido e apreciado pelo da sociedade civil.
cidadão comum – através dos veículos de Há frequentemente uma troca de visões
comunicação de massa. Os meios de comu- e interpretações num processo de idas e
nicação produzem um tipo de publicidade vindas, que também se ramifica para além
fraca, uma vez que expõem fenômenos, da oposição inicial dos enunciados de cada
proferimentos, posições e planos para o falante. Como numa atividade dialógica,
conhecimento geral (Maia, 2002; Thompson, aqueles falantes que se expressam na cena
1995; Gomes, 1999). Isso permite produzir midiática podem incorporar e re-interpretar
um tipo de conhecimento “publicizado, as contribuições dos outros em seus próprios
compartilhado e socialmente acessível”, como termos; podem adotar um vocabulário não
J. Dewey (1954) influentemente escreveu. utilizado anteriormente, alterar o julgamento
Estudos diversos têm apontado que a e o próprio modo de expressão (Bohman,
imprensa exerce, entre outras, as funções de 2000:58). Evidentemente, esta é uma
dar visibilidade à coisa pública, a demandas atividade que nem sempre resulta, na prática,
do público e a setores da sociedade, servindo em um diálogo aberto entre a administração
como uma espécie de fórum; atua ainda como pública e seus públicos. De tal sorte, é
agente de vigilância e de mobilização (Norris, fundamental que as condições de possibili-
2000; Abreu, 2003). Desde Edmund Burke, dade, as limitações desse processo e os
a mídia tem sido tradicionalmente vista como obstáculos que lhe são impostos sejam iden-
um dos atores clássicos que promove con- tificados e discutidos.
trole na divisão de poderes, através de Neste artigo, pretendo examinar particu-
mecanismos de “checks and balances”. larmente o modo pelo qual a mídia, diante
Menos claro é o modo pelo qual a mídia opera
de uma situação problema, ajuda a instaurar
como um fórum para o debate, constrangen-
um processo de accountabilitity2, isto é, de
do os interlocutores a seguir certas regras
prestação de contas, de responsabilidade
pragmáticas de trocas dialógicas em público,
diante de uma platéia ampliada. Nesse sen- pública das pessoas públicas. Para tanto,
tido, procuro abordar a mídia não apenas busco investigar empiricamente práticas
como uma instância em que as falas dos efetivas de discurso político mediado, apre-
atores sociais adquirem ‘visibilidade’, i.e, endidas em sua especificidade histórica e
tornam-se disponíveis ao conhecimento do cultural, a respeito do evento do sequestro
público em geral, mas, também, como uma do ônibus 174 ocorrido em 12 de junho de
instância que constrange os interlocutores a 2000 na cidade do Rio de Janeiro3. O se-
seguirem certas regras pragmáticas de trocas questro ao ônibus criou um evento público
dialógicas em público, diante de uma platéia de notável repercussão global: foi transmi-
ampliada. tido “ao vivo” por 4 horas ininterruptas4 para
552 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

uma platéia estimada em 54 milhões de conjunto de expectativas que os cidadãos


espectadores, interrompeu a rotina dos lares produzem acerca do sistema e de seu desem-
e de diversas instituições no país e motivou penho, enquanto um processo coletivo,
o pronunciamento do Presidente da Repúbli- marcado pela historicidade e pela
ca, do Governador do Estado e de diversos situacionalidade de atores concretos. De tal
agentes públicos. sorte, “tão ou mais importante do que o
desempenho real da democracia”, como
Das diferentes dimensões de accountability destaca Lattman-Weltman, “é a percepção que
os atores têm, ou podem ter, acerca desse
A questão da accountability como “o desempenho e de quanto o regime e seus
dever de prestar contas sobre as próprias mandatários respondem, prestam contas às
ações” ou “a obrigação de dar satisfações” suas necessidades e interesses” (Lattman-
é fundamental para a qualificação da demo- Weltman, 2001:2). De modo mais específico,
cracia moderna. Diz respeito ao requisito para diversos autores da teoria democrática e da
que representantes, na disposição de seus administração pública (Hunold, 2001;
poderes e deveres, respondam aos represen- Roberts, 2002; Romzek e Dubnick, 1987)
tados, dêem respostas às críticas ou deman- vêm mostrando que o conceito de
das a eles dirigidas, e aceitem (alguma) accountability pode desdobrar-se em ques-
responsabilidade por falhas ou falta de com- tões analíticas distintas: a) ao senso interior
petência. No contexto do Estado democrá- de responsabilidade individual, a partir da ex-
tico, o processo central da accountability se pectativa acerca do interesse público espe-
dá entre os cidadãos e os ocupantes dos cargos rado sobre determinada atuação, o que abran-
públicos, dentre e entre as fileiras hierárqui- ge o desempenho consciente dos deveres e
cas dos representantes oficiais, entre os das funções (accountability profissional ou
políticos eleitos e os representantes das pessoal); b) à aplicação de mecanismos e
instituições burocráticas. Implica, grosso métodos diversos de ´checks and balances´
modo, em direitos de autoridade, através da para controlar as organizações públicas e as
interação e da troca social. Aquele que ações de seus agentes (accountability como
demanda accountability, por um lado, exige controle). Têm como propósito fazer com que
respostas e justificações, enquanto aquele que os oficiais públicos (representantes do pú-
se mantém accountable, por outro lado, aceita blico) ajam de acordo com as prescrições
responsabilidades e dá explicações. normativas e as regras legais, e, também,
A problemática da accountability eviden- sejam constrangidos de modo adequado,
cia a tensão interna existente entre a dimen- ficando sujeitos a prestar contas, a oferecer
são normativa do sistema político democrá- explicações sobre suas ações e aceitar san-
tico – relacionada aos fins a que deve res- ções; c) ao modo pelo qual os governantes
ponder – e a dimensão operacional – rela- visam atender aos desejos e às necessidades
cionada às performances obtidas. Refere-se dos cidadãos e a eles dar satisfação, inde-
tanto ao funcionamento real das instituições pendentemente da existência de controle
públicas quanto à avaliação do desempenho formal (accountability como
destas: se é condizente com os interesses e “responsiveness”, a obrigação de dar satis-
as necessidades dos cidadãos. “A força motriz fação); d) à dimensão presente na discussão
por trás de todo o sistema de“accountability”, pública, de troca dialógica entre os cidadãos,
como propõe Mulgan, “é o imperativo de- mesmo quando não existe uma relação for-
mocrático de que as organizações do gover- mal de autoridade e subordinação entre as
no devem responder às demandas de repre- partes envolvidas na relação de
sentantes políticos e do público mais amplo” accountability (accountability como diálogo)5
(Mulgan, 2000: 559). (Mulgan, 2000).
É importante ressaltar que a dimensão As cenas do sequestro do ônibus 174
normativa não diz respeito apenas a algum desencadeiam vários mecanismos de presta-
conjunto mais ou menos abstrato de valores ção de contas entre as autoridades e mem-
ético-morais, o qual ficaria dependente de bros de instituições encarregadas da seguran-
fortes idealizações. Refere-se, também, ao ça pública – incluindo a avaliação das pressu-
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 553

posições das instituições, a performance da “E eis que, de um instante para outro,


corporação policial e as responsabilidades ao chegar a minha casa depois de mais
pessoais. Mas esclarecer por que o sequestro um dia cansativo de trabalho, me vi
do ônibus 174 é um evento que demanda ajoelhada no meio de minha sala,
accountability não é uma questão imediata. rezando, implorando a Deus por mi-
Para nossos propósitos, interessa particular- sericórdia, suplicando para que aquela
mente evidenciar a emergência e a transfor- ‘estória’ tivesse um final feliz!”10
mação de disputas pela interpretação do
sentido do evento e o processo de prestação “Acho que se eu tocasse no controle
de contas instalado no próprio espaço de remoto me bateriam, tamanha a con-
visibilidade midiática. centração de todos. E eu mesmo não
consegui sair da frente da TV” (ge-
A mediação de um problema complexo: ou rente de uma loja de TV).
por que o sequestro do ônibus 174 é um “Parecia que eu estava assistindo a um
evento que demanda accountability? filme, mas era real” (funcionário da
Assembléia Legislativa).11
Em primeiro lugar é preciso reconhecer
que a violência em ato chama a atenção do As imagens da violência em ato durante
público. Se na sociedade moderna os atos o sequestro – absolutamente corriqueiras em
de violência – a tortura, o suplício do corpo, produções cinematográficas – ao negarem o
a brutalidade enquanto exibição da força estatuto ficcional, provocam um choque. A
física–– continuam obviamente existindo, eles violência emerge como algo que não deveria
ocorrer, ela parece resvalar de uma outra
ocorrem geralmente longe do olhar do pú-
ordem. Ademais, a faceta mais peculiar das
blico, da audiência em grande número. A
práticas da violência urbana é o seu caráter
modernidade retirou a violência da cena difuso, imprevisível, sem ‘lugar’ definido no
pública e expropriou a experiência da vio- corpo social ou no cenário ampliado da cidade
lência da vida ordinária, como discutido por (Diógenes, 2000: 55).
Giddens e Foucault (Giddens, 1991; A forte dramaticidade do episódio, con-
Foucault, 1987). Através da transmissão ao tudo, não é condição suficiente para instau-
vivo do sequestro, a violência em ato – o rar um processo de deliberação, no sentido
descontrole do sequestrador, o uso da força aqui defendido. O evento do Jardim Botâ-
para manter os passageiros como reféns nico – ocorrido em praça pública, sob os
dentro do ônibus, a sequência de ameaças holofotes da mídia – expõe não exatamente
– pôde ser “vista e ouvida por todos”6. Isso o infortúnio e o destino trágico dos passa-
permitiu a vivência mediada de “uma situ- geiros do ônibus 174, mas, sim, o drama
ação aterrorizadora”. Diversos pronunciamen- urbano das metrópoles brasileiras e o risco
tos de pessoas comuns veiculados na mídia que acomete a todos que precisam utilizar
apontam que o episódio acionou lembranças as calçadas e as vias públicas. Em uma
de experiências violentas vividas ou poten- sociedade com um dos mais altos índices de
cialmente concebidas7, provocando “terror”, criminalidade e casos hediondos de violência
“indignação”, desejo de “interferir nos even- urbana (IPEA, 2003: 89), ninguém pode
tos” para interromper o curso das ações ou sentir-se plenamente seguro ou a salvo das
brutalidades testemunhadas através do vídeo.
para “fazer justiça com as próprias mãos’8.
O evento dramatiza, assim, um problema
percebido e refletido pelas pesquisas de
“Fiquei vidrado naquela televisão, opinião12 como um dos mais graves do país;
como se adiantasse... Fiquei torcen- traz para o debate público a chamada “es-
do, aflito, angustiado, para que o calada da violência urbana” e a correlata
canalha morresse logo e deixasse questão da segurança pública. E, apesar do
aquelas pessoas voltarem para suas desfecho do sequestro – com a morte da refém
casas, para suas famílias. Que pena por tiros provocados pela própria polícia e
que não era um filme, era realidade” a execução do sequestrador dentro do carro
(comerciante)”9 da polícia a caminho da delegacia – poder
554 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ser perfeitamente identificado como sinal do outro generalizado”: “há sempre uma tragé-
funcionamento normal das instituições poli- dia pessoal por trás das estatísticas sobre a
ciais e de seus modos operatórios – que a violência”. “Qual de nós não sofreu,
rigor nunca funcionaram bem – o que mais indiretamente, a ação dessa violência?”16.
se nota na mídia é a interpretação do pro- Como já apontado, o processo de debate
cesso como evidência clara de uma intensa público somente ocorre quando há um grau
crise institucional. de sensibilidade e atenção, já instalados no
meio social, para situações que se configu-
Accountability ao público em geral: “o país ram como problemas que afetam a toda
não aguenta mais” coletividade. De tal sorte, FHC ressalta que
aquele acontecimento demanda séria atenção
Logo após o encerramento do sequestro, dos governantes e da própria sociedade.
Fernando Henrique, o então presidente da
República, através de pronunciamento trans- “Isso impõe a todos nós brasileiros
mitido em rede de televisão, interpela os e, sobretudo, a nós, que temos res-
telespectadores como parte de uma mesma ponsabilidade de governo, a necessi-
dade de uma ação conjunta, mais
comunidade política de “todos os brasilei-
eficaz, para combater a violência, o
ros” – um de nós – que sente “um misto
crime, a droga, porque estamos che-
de pavor e indignação com o que estava
gando a um ponto que é inaceitável”.
acontecendo”13.
Nesse sentido, a prestação de contas de
“Nós acabamos de assistir, todos
FHC é direcionada ao público, e significa,
estarrecidos, durante horas, a uma de certa forma, uma aceitação legítima da
cena de um sequestro de uma pessoa responsabilidade dos representantes eleitos de
aparentemente drogada, numa violên- garantir e bem comum e prover proteção e
cia absolutamente inaceitável e até segurança pública à população. Desde as
certo ponto contristado por não ver primeiras teorias do Estado Moderno reco-
uma ação mais rápida que fosse capaz nhece-se que é finalidade mínima de um
de evitar o desenlace fatal de uma Governo manter as condições que permitam
jovem absolutamente inocente. (...) E a coexistência pacífica entre grupos e indi-
eu, como presidente da República, não víduos, impedindo ações violentas. Através
poderia deixar de dar uma palavra da ordem jurídica, os indivíduos são expro-
primeiro de solidariedade à família, priados da utilização da violência para atingir
mas, também, ao povo sofrido das seus fins, ficando o Estado, como detentor
cidades do Brasil.” do monopólio do uso legítimo da violência,
com função de prover proteção pública aos
O presidente dá mostras de que é sen- cidadãos contra os custos externos à ameaça
sível aos efeitos maléficos daquela “violên- criminosa. A polícia, como a instituição de
cia absolutamente inaceitável”, em termos do controle social por excelência, se encarrega
sofrimento humano afetando as vítimas reais de prevenir ou impedir os delitos contra a
ou potenciais. Nesse sentido, a violência pessoa, contra a propriedade e contra os
desperta um sentimento genérico de soli- costumes. Reduz, assim, o risco de morte
dariedade, derivado das obrigações éticas e violenta que alarmava Thomas Hobbes e
morais da comunidade social, já que a se- garante a ordem para os indivíduos perse-
gurança física da própria vida tende a ser guirem o próprio interesse, como desejava
um valor fundamental para todos. O próprio Adam Smith.
governador do Rio, após o episódio, assume Por certo, a violência urbana é um pro-
o papel implícito do outro: “Não queria estar blema complexo, sem uma terapia específica
no lugar de nenhum dos passageiros14.” Essa recomendada para resolução da construção
menina poderia ser minha filha15.” O Presi- da ordem democrática. Estudos contemporâ-
dente da República também adota o ponto neos não buscam mais explicar a violência
de vista do que poderia ser chamado de “um urbana numa visão linear de causa e efeitos,
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 555

mas, ao invés disso, entende-se que “um organizado, na droga, as molas fun-
conjunto de fatores desencadeiam um con- damentais. Acho que o país não
junto de dispositivos, com uma cadeia de aguenta mais”.18
efeitos que cruzam entre si” (Zaluar,
1996:53). Fatores sócio-econômicos (a per- A democracia representativa configu-
sistência da miséria, o crescimento do de- ra-se como uma cadeia de delegação de
semprego nas cidades, a precariedade dos competências de decisão, em diferentes
sistemas de educação, de assistência pública níveis: dos eleitores aos representantes elei-
ou de reabilitação) reforçam os processos de tos, do legislativo às agências do executivo,
segregação e exclusão social, negando à do executivo aos diferentes setores ministe-
maioria da população os recursos básicos para riais com suas secretarias, dos chefes de
auto-realização. Ademais, numa sociedade diferentes departamentos executivos aos
com forte tradição de relações hierárquicas, servidores públicos. Tal cadeia de delegação
o princípio de igualdade – seja como igual- se espelha a uma cadeia correspondente de
dade perante a lei, seja como responsabili- accountability, a qual opera na direção in-
dade coletiva pela exclusão de classe – não versa (Strom, 2000: 267). Apesar de algumas
chegou propriamente a se consolidar, nem dificuldades conceituais19, tal noção contri-
como ideário, nem como prática do Estado bui para mostrar os mecanismos que permi-
de Bem-estar social (Paoli & Telles, 2000; tem aos mandatários fazer com que os agentes
Carvalho, 2000; Velho, 1996). A impossibi- públicos sejam responsabilizados (ou
lidade da constituição de processos de reci- responsabilizáveis), accountable ex post, pelo
procidade entre os cidadãos tende a gerar real funcionamento das instituições, no sis-
impasses socioculturais e a irrupção da vi- tema democrático. Seguindo a via
olência dentro e entre os grupos sociais institucional, nota-se que o Presidente da
(Velho, 1996: 10; Soares, 2000). República demanda que os agentes públicos
Contudo, “os representantes são respon- venham a dar respostas ao problema:
sáveis pelas políticas que sustentam e tam-
bém pelos resultados de tais políticas” “O governo federal entrará em contato
(Gutmann & Thompson, 1996:137). Nesse de imediato, como já fiz hoje, com
sentido, FHC sustenta igualmente a expec- o governador do Rio de Janeiro, que
tativa de ser responsável pelos outros agen- naturalmente me disse que eles esta-
tes dentro do sistema político para encontrar vam fazendo o que lhes correspondia
as soluções para os problemas sociais. O e eu disse que estava preparado para
presidente reafirma que, apesar dos governos ajudar no que ele necessitasse. Mas
estaduais serem os responsáveis diretos pela eu sei que, nessas horas, depende da
segurança pública, as autoridades federais, ação direta de quem tem o comando
“no âmbito de suas ações”, já estavam se sobre a polícia”.20
“organizando para impulsionar um programa
de emergência”, uma vez que “a violência Accountability e controle: da “melhor so-
assistida … pelo Brasil obriga uma veloci- lução possível” a uma operação “sem rumo
dade maior”17. Propõe, nesse âmbito, que os e sem controle”
representantes oficiais formem “um mutirão
de combate à violência”, para “agir com mais O primeiro pronunciamento oficial do
energia para coibir esses atos que são fran- Governador do Rio apresenta uma avaliação
camente assustadores”: mais específica de “quem tem o comando
sobre a polícia”. O governador lamenta a
“Com todas as dificuldades que exis- morte da refém e reconhece o desempenho
tem, nós temos que nos dar as mãos: da polícia como satisfatório.
os governadores, o presidente da
República, as forças de segurança, as “(…) a assessoria de imprensa de
Forças Armadas, no que lhes corres- Garotinho informou que o governa-
ponde, para pôr um paradeiro a essa dor “sentiu-se aliviado” com o des-
onda de violência que tem no crime fecho, que ele elogiara a atuação
556 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

enérgica da polícia e que ele havia sua vez, desencadeia mecanismos formais de
considerado que o final do sequestro accountability, baseados em controles hierár-
havia sido “a melhor solução possí- quicos da corporação policial e do judiciário.
vel”21. Contudo, não se pode adotar uma ‘visão
realista’ desse processo, como se as regras
No dia seguinte, o governador declara que fossem claras de início, ou que operem de
o desfecho não agradou nem a ele, nem ao maneira relativamente automática. Ao invés
comandante da operação e “falha foi ter disso, a especificação de uma dada norma
morrido alguém”22. Também o secretário de e sua aplicação ou a interpretação das ações
segurança pública do Rio afirma, de maneira em cada situação particular depende frequen-
bastante ambígua, que os policiais deixaram temente da consideração de diferentes pon-
de corresponder ao desempenho esperado: “a tos de vista, envolvendo a discussão entre
ação do soldado foi inoportuna, ele fez uma vários atores sociais. De tal sorte, é mais
avaliação errada, mas se tivesse matado adequado conceber que diferentes tipos de
Nascimento, e a moça não fosse atingida accountability são acionados numa rede de
por disparos, a ação teria sido correta”23. relações, os quais encampam diferentes
O primeiro passo para desencadear demandas de ´prestação de contas´ – exer-
accountability é nomear algo como um cícios de julgamento e de apuração de res-
problema (Pritchard, 2000). Não há exigên- ponsabilidades – com os quais os oficiais
cia para explicação e justificação, a menos públicos precisam, na prática, lidar.
que alguém defina a questão como sendo algo No espaço de visibilidade midiática, os
impróprio, errado ou indesejável. Se, num agentes da mídia, seguindo um procedimento
primeiro momento, a morte da refém apre- convencional do jornalismo (Mouillaud,
senta-se como um acidente ou uma fatali- 2002), buscam escrutinar a atuação dos
dade, novas falas vêm à cena, alterando tal policiais durante o sequestro. Para comentar
quadro interpretativo. Estabelecem-se as técnicas e os procedimentos adotados pela
polêmicas principalmente em torno: a) da polícia na operação, acionam as vozes de
“conturbada” negociação entre os policiais diversos especialistas – profissionais em ações
e o sequestrador e, em particular, do tiro na táticas de segurança, membros da corporação
hora da rendição, o qual provocou a morte policial atuando em instituições de diferentes
da refém e b) da morte de Sandro do estados, coronéis e delegados. Vários estra-
Nascimento, dentro do carro da polícia que tegistas e representantes superiores da
o conduzia à delegacia, o que levanta a corporação policial ressaltam que o proces-
interpretação imediata de que os policiais so de negociação foi–“completamente equi-
“executaram” o prisioneiro. vocado”25, com erros de avaliação, com usos
Essas questões apresentam, de maneira inadequados de equipamentos e confusão nas
dramática, as duas faces do problema da operações táticas:
polícia na ordem social democrática: (a) a
eficácia na provisão da ordem, a qual en- “o atirador da PM carioca deu tiros
volve a concentração de poder simbólico e considerados de alto risco para sua
instrumental na organização policial; (b) a posição (…) a arma estava um pouco
restrição ao uso do poder na produção da abaixada e ele não tinha noção precisa
ordem pelo policial – i.e, o uso arbitrário da direção do projétil (…). Aquilo foi
de poder pelos agentes do Estado, no uma loteria e a probabilidade de erro
combate ao crime (Paixão e Beato, 1997: 236; era muito maior que a de acerto’’.26
Soares, 2000: 29). A primeira polêmica pode
ser caracterizada como um processo infor- “Houve desencontro de informações
mal de accountability24 – derivada do con- e falta de um comando centralizado
junto de expectativas políticas e sociais, bem – considerada uma regra das mais
como das normas das organizações burocrá- relevantes nesse tipo de situação. A
ticas, de regras de operações de segurança, pior falha na ação foi a de comando.
e dos códigos de ética profissional da Uma tropa bem treinada não admite
corporação policial. A segunda polêmica, por heroísmo individual”.27
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 557

Os discursos especializados proporcionam “No jargão dos policiais militares e


um tipo de constrangimento particularmente civis fluminenses, “neutralizar” uma
forte. Ao longo do debate, vai tornando-se pessoa é a mesma coisa que matá-la
cada vez mais consensual que a ação dos (…) A ordem de Quintal [secretário
policiais foi “desastrada”, contendo “uma de Segurança Pública do Rio] foi
falha atrás da outra”, uma “sucessão de passada por Penteado [comandante do
erros”28. O então Ministro da Defesa afirma, BOPE] para dois soldados do Bope,
em entrevista, que “o desfecho do episódio que se posicionaram embaixo do
deixou claro o despreparo dos policiais ônibus”.31
envolvidos na operação” 29 . De maneira
semelhante, o então Ministro da Justiça A responsabilização de agentes particu-
interpretou o episódio como uma demons- lares por ações específicas depende da pos-
tração de “quanto o Brasil está despreparado, sibilidade de poder ou não determinar se
pela ausência de técnica e competência, para eles estiveram genuinamente envolvidos na
enfrentar uma situação limite (...) o que se tomada de decisão sobre as ações praticadas.
viu no desfecho foi que não havia rumo nem Ao buscar tornar explícito aquilo que estava
comando”30. latente em seus entendimentos, restrito ao
Uma vez nomeado o problema, o segun- pequeno grupo da corporação ou sob o
do passo do processo de accountability, domínio das práticas da instituição, os po-
segundo Prichard (2000), é apurar respon- liciais mostram-se, por um lado, particular-
sabilidades, identificando os responsáveis mente preocupados em salientar que eles
pelas falhas. Apurar responsabilidades e agiram em conformidade com uma regra
imputar culpas não são processos coinciden- legítima, seja a do código de conduta da
tes. Somente quando é possível estabelecer corporação, seja a do Direito. ‘’Neutralizar
a culpa de determinados atores constitui-se o sequestrador, no caso, é uma atitude correta
a terceira etapa da accountability, isto é, o se houver risco de morte para as vítimas.’’32
encaminhamento da questão para um trata- Por outro lado, os policiais têm dificul-
mento jurídico ou para outros órgãos de dades em equacionar as responsabilidades
regulamentação do Estado, requerendo a pessoais, tendo em vista as consequências da
aplicação formal de punição ou a exigência ação, no caso concreto. Apelam, então, para
de retratação. Diante da caracterização da que seus interlocutores façam um exercício
ação dos policiais como inadequada e im- mental, imaginando desfechos alternativos
prudente, os membros da corporação policial para o caso:
são chamados a investigar e a avaliar as ações
praticadas (ou não praticadas), “não somente “Se ele [soldado Marcelo O. Santos]
uns diante dos outros, mas, também, diante acertasse a cabeça do maldito viraria
dos cidadãos, sendo que suas justificativas herói nacional e o Bope continuaria
precisam apelar para o público em geral” sendo a melhor tropa do mundo.
(Gutmann & Thompson, 1996:137). Infelizmente, não acertou”.33
Em tais circunstâncias, fica particularmen-
te evidente o papel que a mídia desempenha “Não tenho como responder se a
como instância de publicidade que constran- negociação teria êxito caso o soldado
ge os interlocutores a seguir os padrões da não tivesse atirado”.34
comunicação pública, apresentando argumen-
tos passíveis de serem defendidos em públi- Em diversas entrevistas35, o comandante
co. De tal sorte, os membros da corporação do Bope reafirma que não deu ordem aos
policial são chamados a explicar suas ações soldados para atirar. Destaca que seus “ho-
dentro de duas lógicas concorrentes – a da mens são treinados para ter autonomia e tomar
correção dos princípios pautando seus atos decisões”36. Num sistema particularmente
e, também, a das consequências desses atos. configurado para adequar-se às complexi-
A chamada “neutralização” de Sandro foi dades do conhecimento profissional e às
particularmente questionada. competências técnicas peculiares, é comum
558 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

que os chefes de corporações adotem um de Segurança Pública do Estado,


padrão formal de justificação, ao serem Josias Quintal, que, por sua vez, do
chamados a prestar contas em instâncias próprio gabinete, matinha contato com
externas à instituição. Os oficiais superiores o comandante do Batalhão Operações
tendem a sustentar a perspectiva de que Especiais (BOPE) que atuava na cena
precisam confiar em equipes especializadas do sequestro”.40
e em empregados hábeis para proporcionar
soluções apropriadas e que, portanto, confi- Segundo a Folha de S. Paulo, o pró-
am em seus subordinados para fazer o melhor prio Presidente da República teria telefonado
trabalho possível (Bomzek e Dubnick, 1987). para o Secretário de Segurança do Rio de
No processo de avaliar as responsabili- Janeiro pedindo que os policiais lançassem
dades individuais, diversos interlocutores da gás lacrimogênio ou tomassem outra medida
corporação buscam sustentar a inocência dos para dar um desfecho rápido ao episódio41.
policiais, negando a responsabilidade da Diversos autores que tratam da
autoria da ação ou mesmo autoridade pes- accountability na administração pública
soal suficiente para exercê-la. O próprio apontam as dificuldades para assegurar a
comandante do Bope declara que a negoci- responsabilidade pública dos agentes públi-
ação em casos como aquele exigira “a ação cos (Hunold, 2001: 161-163; Roberts, 2002).
de forças especiais das polícias e não do Apesar de haver um acordo sobre a neces-
efetivo que cuida do policiamento rotineiro”37. sidade de fazer com que agentes particulares
Outros ressaltam que os policiais não con- prestem contas de suas ações – como um
tavam com os recursos necessários – apa- aspecto fundamental a todas as tentativas de
relhagem técnica ou treinamento qualificado controlar o poder público – há pouco con-
– para atingir as metas da instituição. Tais senso sobre qual tipo de accountability deve
padrões de justificativa tendem a deslocar a prevalecer em um dado momento. Isso
responsabilidade individual para os atores sobretudo quando se trata de processos in-
coletivos, organizações e sistemas sociais, formais de prestação de contas ou de apu-
minando a base que permite imputar respon- ração de responsabilidades profissionais ou
sabilidades pelas consequências da ação a políticas que contam com reduzido potencial
agentes singulares. de controle interno ou externo (Romzek e
Outro padrão de justificativas utilizado Dubnick, 1987).
por membros da corporação policial baseia-
se na diluição das responsabilidades entre Homicídio dentro do camburão e longe da
outras autoridades do centro do sistema visibilidade pública
político. Ao buscar responder quem seriam
os verdadeiros responsáveis por aquela A morte de Sandro do Nascimento dentro
operação “sem rumo e sem comando”, al- do carro da polícia que deveria levá-lo à
guns apontam que representantes de setores delegacia é a segunda controvérsia impor-
superiores do executivo exerceram um tante que se desdobrou em torno do evento.
controle manipulativo da autoridade política, Assim que o laudo da perícia médica é
impedindo uma atuação eficiente da divulgado, afirmando que Sandro chegou ao
corporação policial. “A PM não teve liber- hospital já morto, por asfixia, o então go-
dade de agir porque o governador ficou dando vernador do Rio nomeia, de imediato, o
‘piruada’ (palpite) por telefone”38. Uma nota problema: “a polícia asfixiou o bandido. Isso
oficial da assessoria de imprensa do Gover- é intolerável, não tem cabimento em lugar
nador do Rio, emitida logo após o encerra- nenhum”.42 A interpretação de que os poli-
mento do sequestro, e reproduzida em diver- ciais usaram a força de maneira ilegítima é
sos em jornais impressos, sugere que uma também apresentada pelo secretário de se-
rede de contatos39 foi estabelecida durante o gurança pública do Rio: “estamos conven-
sequestro: cidos de que foi praticado um crime no trajeto
e os cinco policiais que o acompanhavam já
“Garotinho esteve durante todo tem- estão presos no quartel do Bope e serão
po em contato direto com o secretário indiciados”.43
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 559

A accountability é demandada em situ- as normas gerais do direito (Lassiter et al,


ações em que as expectativas e a coordena- 2001:54)44. Os chefes da corporação afirmam
ção das ações foram rompidas. Como já que os soldados agiram em ‘legitima defesa’.
apontado, o Estado Moderno detém o mo- Há, concomitantemente, um afastamento, da
nopólio da violência legítima para proteger cena pública, dos policiais envolvidos e um
os membros da sociedade. A utilização desta progressivo silenciamento de suas vozes45. Os
violência funciona, como propõe H. Arendt, advogados passam a falar por eles.
como o último recurso de contenção “dos
indivíduos isolados ... que se recusam a ser “Os advogados da PM apresentaram
dominados pelo consenso da maioria” uma petição à 15ª Delegacia de
(Arendt, 1985: 27). Por princípio, a violência Polícia, solicitando que os policiais
que sustenta a eficácia continuada de um não participassem da reconstituição da
poder coercitivo na produção da ordem morte de Sandro do Nascimento. Ele
distingue-se da violência que alimenta uma argumentou que seus clientes têm o
situação de terror, pelo fato de a primeira direito de ficar calados. (…) O ad-
ser mensurável e previsível, exercida de vogado afirmou que tinha orientado
maneira discriminada e ponderada, ao passo seus clientes a “só falar em juízo,
que a segunda é incomensurável e porque eles já tinham informado o que
imprevisível, exercida de forma cega. Os aconteceu durante o depoimento”.46
policiais, ao fazerem uso dos aparelhos e
instrumentos da violência de maneira ilegal, Os policiais envolvidos, ao se retirarem
obscurecem tal distinção. Convertem-se num da cena pública, inviabilizam a possibilidade
aparelho de agressão e numa ameaça aos de cooperação comunicativa, ou a) de
cidadãos que deveriam proteger. accountability permanente dos atores em
Manter a restrição legal ao arbítrio po- situação problemática e b) de engajamento
licial no uso de violência é um elemento na comunicação generalizada com outros
crucial da noção de cidadania, enquanto interlocutores da esfera pública. Como se
proteção dos direitos e liberdades civis sabe, a confissão ou a expressão de atos
potencialmente ameaçados pela coerção das incriminadores de indivíduos suspeitos ou
organizações do Estado. indiciados são poderosas evidências que
O modelo de “ordem sob lei” encontra podem ser usadas contra eles em processos
na subordinação da polícia ao judiciário e de julgamento. Nesse sentido, várias formas
na conformidade compulsória do trabalho de argumentação que lidam com as infrações
policial às regras do “due process” as con- se organizam a partir dos padrões de comu-
dições que fazem da atividade policial a nicação que são resguardados por instituições
garantia da liberdade humana. A vigência como a própria lei.
efetiva dessas condições distingue o estado Interessa ressaltar que, mesmo nesse caso,
democrático do estado autoritário (Paixão e a retração do espaço público não é completa.
Beato, 1997:235). A accountability pública exige uma esfera
Longe da visibilidade pública – dentro pública política em que todas as instituições
do camburão – os instrumentos da violência, tornam-se sujeitas a dar respostas ao público.
nos termos de H. Arendt, são mudos, abdi- Buscando esclarecer o que ocorreu dentro do
cam do uso da linguagem que caracteriza as camburão, os advogados alegam que o se-
relações de poder baseadas na persuasão, na questrador resistiu à prisão e os policiais
influência ou na legitimidade (Arendt, 1985: tiveram dificuldades para imobilizá-lo, já que
13). Desse modo, a obrigação dos policiais não tinham algemas. Os advogados buscam
de justificar seus atos torna-se mais premen- evidências para sustentar essas proposições,
te, pois eles se vêm sujeitos a sofrer sanções e, apesar de certas incoerências47, reafirmam
por suas ações impróprias, a partir de con- que os cincos policiais militares agiram ‘‘no
troles hierárquicos da própria corporação e estrito cumprimento do dever e em legítima
do judiciário. Nota-se maior cautela por parte defesa”. Eles estariam, de tal forma, procu-
dos membros da corporação em tentar de- rando defender ‘‘a própria vida e também a
finir a situação de maneira condizente com da sociedade’’48.
560 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A esfera pública se estrutura pelo diálogo “A violência em relação ao público e a


aberto, permanente, entre a administração resistência aos mecanismos externos de
pública e seus públicos. Mesmo quando controle têm contribuído para criar uma
informações aparentemente básicas são imagem pública da polícia como uma ins-
buscadas para esclarecer os fatos, tais infor- tituição de fortes interesses corporativistas,
mações somente farão sentido dentro do em detrimento da imagem como serviço
quadro interpretativo e explicativo assumido público em conformidade com preceitos
por aqueles que questionam, podendo ser democráticos da cidadania” (Souza,
aceitas ou contestadas. 2001:157). Não só a brutalidade e os meios
extra-legais fazem parte do repertório roti-
“Quando a deliberação se torna sus- neiro da polícia desde a constituição do
peita das razões anteriormente aceitas Estado moderno (Zaluar, 1999: 9), como,
e o carácter genuinamente público de também, há continuidade de práticas abusivas
suas comunicações uns com os ou- do período da ditadura, tais como a intimi-
tros, então, eles [os interlocutores] têm dação e a retaliação de suspeitos, prisões sem
novas possibilidades: podem conside- mandato, a violação da integridade física
rar os pontos de vista alternativos e de detentos, etc. Estudos apontam que tais
novas razões e, assim, rejeitar formas práticas são dirigidas, sobretudo, às camadas
inteiras de justificação; podem se populares, havendo “um grande número de
tornar cientes de operações ocultas de mortes com características de execução, entre
poder, preconceito e autoridade em aqueles [suspeitos] que se entregaram, aque-
suas comunicações e crenças” les que resistiram à prisão ou tentaram
(Bohman, 2000:40). escapar” (Avritzer, 2002:115). Os próprios
relatórios das Ouvidorias de Polícia de gran-
Estamos aqui diante de uma questão des cidades (tais como Rio de Janeiro, Belo
crucial da esfera pública. A esfera pública Horizonte e São Paulo) confirmam a gravi-
não tem poder de tomar decisão ou de aplicar dade da violência abusiva em ambas as
sanções. Não obstante, um proferimento polícias, civil e militar (Sapori & Souza,
público deve ser compreensível e deve res- 2001: 176).
ponder às objeções levantadas pelos outros. Se as falas da corporação policial pro-
Se não, os atores podem perder o seu status curam singularizar os acontecimentos do
público como responsáveis (accountable) ônibus 174 – o que é importante para
diante de uma audiência infinita. reconstituir o processo de coordenação das
ações e a delegação da tomada de decisão
“A comunicação que pressupõe algu- na cadeia de accountability dentro do siste-
ma autoridade além da autoridade da ma político – os agentes da sociedade civil
razão pode deixar de comunicar com buscam generalizar o ocorrido, entendendo-
aqueles que não se encontram sujei- o como parte de uma série de casos seme-
tos à tal autoridade; eles podem lhantes. Leigos e membros de organizações
interpretá-la, se muito, apenas sob a voluntárias de proteção aos direitos huma-
perspectiva de alguma reivindicação nos, tais como a “Amnistia Internacional” e
que rejeitam” (O’Nora O’Neill citan- “Human Rights Watch”, representantes de
do Bohman, 200: 39). Conselhos Comunitários de Segurança Públi-
ca ou movimentos sociais, como “Basta! Eu
Padrões meramente formais de justifica- quero paz”, “Sou da Paz” e “Viva Rio”,
ção não são suficientes, nesse caso. Suspei- buscam, antes, apontar padrões recorrentes
tas generalizadas colocam sob questão a de abuso da força policial e o privilégio da
veracidade da afirmação de que os policiais justiça corporativa, marcada pela lentidão e
agiram dentro dos padrões da legalidade. A pelo formalismo 49. Denunciam não só a
credibilidade da enunciação é comprome- discrepância entre as atribuições públicas da
tida sobretudo por um sentimento ambíguo PM e o caráter semi-público dos procedimen-
com relação à polícia, disseminado na cul- tos administrativos rotineiros, como, também,
tura política brasileira. Como aponta Souza, a ineficácia dos mecanismos mesmos de
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 561

accountability desta instituição. Destacam que a pior coisa que poderia ter aconte-
a punição de policiais é constantemente cido”.51
denegada, sendo que o sistema judiciário
torna praticamente impossível a condenação “Antes ele tinha uma visão, depois
de policiais por crimes violentos. A repre- examinou os fatos, olhou as fotos e
sentante da organização Human Rights Watch mudou de posição e classificou-a
no Brasil, por exemplo, declara que o evento como um fracasso e trocou a chefia
se constitui em uma “possibilidade de o da PM. Fez incontáveis reuniões.
governo brasileiro se posicionar e mudar o Criticou sua polícia e prometeu ver-
histórico de impunidade do país.(…) Segun- bas, programas e ações especiais, além
do ela, apesar do crime praticado pelo se- de indenizar os parentes de Geísa”.52
questrador, ele tinha direito à defesa na
Justiça. (…)50. A mídia não é – nem poderia ser––
responsável pela cadeia de ações que segue
À guisa de conclusão: “um desfecho de- seu curso dentro das instituições, no sistema
sastroso” e recursos para inovação político. Obviamente, a série de demissões
institucional da cúpula da PM seguiu pressões e nego-
ciações de interesses que se dão longe da
A demanda para que os governantes ou visibilidade pública. Não obstante, é inegá-
os representantes oficiais prestem contas, vel que a mídia é fundamental para a cons-
publicamente, de suas ações – no legislativo, tituição pública dos eventos – como o caso
nos tribunais, ou na mídia – força-os a em tela – bem como para catalisar o debate
engajar-se em um tipo de diálogo com seu amplo sobre problemas que se acumulam em
público. A mídia estende a outros de maneira certos setores ou instituições, através do
mais ampla do que seria possível em agrupamento de questionamentos específicos
interações face-aface ou presenciais, o po- e da busca ativa por soluções.
tencial para que os representantes tornem-se A análise dos padrões argumentativos
responsáveis (answerable) (Dahl, 1985; apresentados pela corporação policial sobre
Thompson, 1995). Quando estendido para o evento do ônibus 174, na mídia, evidencia
além dos contextos de rotina, o processo de uma série de obstáculos e patologias que
accountability pública é medido em termos bloqueiam a sintonização do desempenho da
de conquistas práticas contínuas. Está asso- corporação com os interesses públicos. No
ciado a uma diversidade de mecanismos de processo de discussão pública, ficou eviden-
coordenação, explicação e justificação, a te o reduzido espaço para o aparecimento do
partir de preceitos morais e legais. sujeito da argumentação e da negociação. Não
A mídia cria uma base reflexiva que que os membros da corporação policial se
permite os atores sociais mudar suas formas negassem arbitrariamente ao diálogo, mas eles
de apresentação, interpretação e comunica- ficaram, na maioria das vezes, enclausurados
ção diante de atores concretos do sistema na repetição de regras formais, seguindo
político, e, também, diante de uma audiência padrões convencionais de justificação. Ao
implícita de cidadãos. Como vimos, expres- serem chamados a prestar contas, os oficiais
sar e trocar interpretações publicamente pode públicos, que “geralmente possuem um
alterar o modo pelo qual os agentes adqui- conhecimento completo sobre os constrangi-
rem e usam o conhecimento. Se, imediata- mentos legais”, como ressalta Mulgan, “en-
mente após o fim do sequestro, o Governa- quadram suas políticas e decisões de modo
dor do Rio elogiou a ação “enérgica” da a se manterem dentro dos limites legais
polícia e considerou que o episódio teve “o impostos a eles” (Mulgan, 2000: 564).
melhor desfecho possível”, tal avaliação foi Cabe indagar que tipo de accountability
drasticamente alterada: pode-se obter de agentes de instituições cujo
modus operandi interno permanece não
“Garotinho.... mudou de idéia e clas- público. Particularmente no caso da polícia
sificou-a [a ação da polícia] como um carioca, como define Luis Eduardo Soares,
fracasso, “um desfecho desastroso, foi “estamos diante de um universo corporativista
562 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

fechado, fortemente marcado por comprome- Não obstante, é preciso perceber que,
timentos e cumplicidades degradantes, com mesmo quando a deliberação fracassa, o
uma imagem pública negativa, atado a tra- processo de troca de visões, argumentos e
dições autoritárias e burocratizantes, infenso críticas que se inicia fora das instituições
ao planejamento, à avaliação, refratário ao prepara o caminho para a renovação dessas
controle externo e insensível às demandas da mesmas instituições. Como Bohman discu-
sociedade” (Soares, 2000: 148). Obviamen- te, a deliberação dentro de instituições
te, as instituições que negligenciam os anseios meramente re-arranja, ao invés de modificar,
do público e sistematicamente resistem às o conjunto de instalações, dispositivos e
demandas de transformação perdem legitimi- alternativas disponíveis. Quando a delibera-
dade. ção e o modo “normal” de resolver proble-
Isso coloca problemas para a efetividade mas mostram-se bloqueados, o público não
do debate público e para os mecanismos de pode mais deliberar de modo restrito, con-
accountability, considerada como o dever finado aos desenhos institucionais existentes.
de atender os desejos e as necessidades do Quando as instituições tornam-se imper-
cidadão, ou como um mecanismo de contro- meáveis em relação à esfera pública e a
le democrático. Ora, a accountability pres- comunicação é bloqueada por práticas cul-
supõe exatamente a existência de uma co- turais cristalizadas ou por rotinas instituci-
nexão entre o fluxo de comunicação do onais irresponsáveis, os agentes críticos têm
público e o da instituição pública. Como diz que se engajar precisamente nesse tipo de
Habermas: discurso crítico para alcançar o efeito dese-
jado: reabrir um diálogo ampliado e trazer
“Durante os processos de sintoniza- à tona problemas latentes da instituição para
ção, não pode romper-se o laço da o reconhecimento público, demandando aten-
delegação de competências de deci- ção pública e nova regulamentação. Do modo
são. Somente assim é possível con- de vista normativo do sistema democrático,
servar o vínculo com o público de importa saber que constelações de poder se
cidadãos, os quais têm o direito e refletem nesses padrões de ação de determi-
se encontram na condição de perce- nadas instituições e como é possível mudá-
ber, identificar e tematizar publica- los. Como aponta Habermas, esse novo modo
mente a inaceitabilidade social de de operar tem a consciência de crise, maior
sistemas de funcionamento”. atenção pública, busca intensificada de
(Habermas, 1997:83) soluções, tudo contribuindo numa
problematização. Nos casos em que a per-
Se há uma impermeabilidade permanen- cepção dos conflitos e as próprias problemá-
te, por parte da instituição, aos fluxos co- ticas são transformadas pelos conflitos, cres-
municativos advindos da esfera pública, estes ce a atenção e se desencadeiam controvér-
não só deixam de resolver os problemas que sias na esfera pública, envolvendo aspectos
pretendem resolver como, também, tornam- normativos dos problemas enfocados
se inócuos para restabelecer estruturas para (Habermas, 1997:89).
a accountability política. Sabemos bem que Nesse sentido, a comunicação que se
um aparato administrativo e legal adequada- desenrola nos meios de comunicação é cru-
mente flexível e ajustado aos interesses dos cial. Os agentes da mídia processam fluxos
cidadãos está longe de ser o resultado do comunicativos de origem e orientações di-
desejo de indivíduos isolados. De forma versas, direcionando-os para um agregado
frequente, as instituições burocráticas podem comum. Ainda que determinados atores se
não só deixar de proporcionar instalações e esquivem da comunicação aberta e transpa-
arranjos legais adequados, correspondendo rente, no intuito de resguardar, muitas vezes,
apropriadamente aos interesses públicos, interesses corporativistas ou particularistas,
como, também, desviar-se de processos de precisamente por razões não-públicas e por
supervisão independente, e, assim, esquivar- modos não-públicos de atuação, a comuni-
se do “dever de prestar contas”. cação não fica restrita a eles. Ao invés disso,
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 563

ela se entrelaça com a fala de outros atores que se queria intervir. Para resolver proble-
políticos da sociedade complexa e mas complexos, o planejamento inteligente
diversificada. Como vimos, os atores da do governo central exige mais que vontade
sociedade civil estavam menos preocupados política e recursos financeiros (Beato, 2001;
em restabelecer a coordenação das ações 2000:12)56. Programas de intervenção social,
particulares do episódio do ônibus 174 e mais pressupondo ações multidisciplinares e
em tematizar os problemas sócio-econômicos interinstitucionais, focalizadas geografica-
mais amplos que levam à violência urbana mente, requerem a cooperação continuada de
e os déficits do modelo de polícia vigente. diversos atores sociais e processos de apren-
Buscam, com isso, atualizar, dentro do dizagem coletiva, para que novas orientações
Estado de Direito, “sensibilidades em rela- e soluções criativas sejam alcançadas e pas-
ção às responsabilidades políticas regula- sem a guiar os projetos institucionais e as
das juridicamente” (Habermas, 1997: 89). atividades práticas.
Nesse sentido, os mecanismos de inovação Por fim, a mídia não está obviamente livre
e os trâmites rotineiros das instituições de seus próprios obstáculos, seja no âmbito
podem se ver pressionados a sofrer uma de suas organizações institucionais, seja no
‘aceleração’. âmbito de suas práticas sociais. Contudo, para
Diante das controvérsias geradas em torno além dos jogos de interesses de atores so-
do evento do ônibus 174 e da prolongada ciais particulares, que buscam controlar os
crise de legitimidade das instituições encar- fluxos e os conteúdos da comunicação, ou
regadas da segurança pública53, o Presidente das estratégias visando administrar a própria
da República decidiu antecipar o anúncio do imagem (Thompson, 1996, 2000; MaWby,
Plano de Segurança Nacional – um ambici- 2002), a visibilidade midiática é formada por
oso plano envolvendo 124 ações, com pro- uma pluralidade de agentes, sendo que
postas e programas direcionados a todos os nenhum ator pode constituí-la de maneira
elos dos fluxos de justiça criminal54 e com isolada ou exclusiva. Do ponto de visa
significativa cessão de recursos para as normativo, interessa identificar os obstáculos
unidades sub-federativas. Efetivamente que impedem a mídia de cumprir sua função
implementado em 2000, o Plano evidencia como fórum de debate pluralista nas soci-
o comprometimento do governo federal com edades democráticas, estabelecendo platafor-
a questão da segurança pública, que, até então, mas que permitam a expressão de pontos de
era praticamente exclusiva dos estados55. vista de políticos, de representantes da so-
Não se pode supor, apesar disso, efetiva ciedade civil e de grupos de interesse, fa-
democratização dos processos de inovação vorecendo a construção de práticas
institucional. Após 3 anos de implementação deliberativas ampliadas. Resta saber como
do Plano de Segurança Nacional, diversos tornar a mídia mais accountable.
estudos têm apontado que diagnósticos sobre
cada questão em particular não foram rea- NOTA. Agradeço a Gisele Gomes de
lizados. Não houve debates mais amplos que Almeida, Bolsista de Iniciação Científica,
permitissem uma compreensão das vicissitu- pela preciosa colaboração na coleta e na
des presentes nos vários campos e, ainda, uma categorização do material empírico. Univer-
definição mais precisa acerca de modelos sidade Federal de Minas Gerais – Depto de
ideais de funcionamento das instituições em Comunicação Social, FAFICH
564 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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Barnabé. Violência Policial e cultura militar: Veja: 1 (matéria com chamada na capa); Isto É:
2 (matéria de capa); Época: 2 (matéria de capa).
aspectos teóricos e empíricos. Teoria e 4
O sequestro foi transmitido pelas principais
Sociedade. Junho, 2001, pp.173-213. redes de televisão do país e pela CNN, que
Shapiro, Ian. Optimal Deliberation? The distribuiu as imagens numa cadeia mundial.
Journal of Political Philosophy. Vol. 10, no.2, 5
Tal noção é desenvolvida por diversos
2002, pp.196-211. autores, tais como S. Chambers, J. Cohen, J.
Soares, Luis E., Segurança Pública e Fishkin, A. Gutmann, J. Dryzek e J. Habermas,
direitos Humanos – Entrevista de Luiz que focalizam a deliberação na sociedade civil,
Eduardo Soares a Adorno Sérgio. Novos sustentando um modelo descentrado de delibe-
Estudos Cebrap. No 57, jul. 2000, pp.141- ração, ao invés da deliberação em instituições
administrativas formais.
154. 6
Ao perceber a presença das câmeras de TV,
Souza, Elenice de. Organização Policial o próprio sequestrador estabelece estratégias de
e os desafios da democracia. Teoria e So- comunicação com o público, personifica o cri-
ciedade. Junho, 2001, pp.151-172. minoso sádico e encena dramatizações de mau-
Strom, Kaare. Delegation and tratos às vítimas. Além disso, simulou a morte
accountability in parliamentary democracies. de outra refém e solicitou ao grupo que demons-
566 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

trasse pânico, como esclarecido pelas vítimas em destinados a agregar preferências, as práticas de
diversas entrevistas, na mídia e no documentário debate coletivo são os meios legítimos para a
“Ônibus 174”, de José Padilha, realizado em 2002. construção e a defesa de interesses comuns, bem
7
18/06 – FOLHA – cotidiano – C6 . como a tomada de decisões que vinculam legal-
8
“Na minha fantasia, eu trocava de canal como mente os cidadãos.
se estivesse vendo um filme violento, que aca- 20
FHC (13/06 – FOLHA – cotidiano – C2
baria com um ato de bravura dos mocinhos. O e C4; 13/06 – EM – nacional – p.7).
bandido seria alvejado com um tiro certeiro e as 21
13/06 – FOLHA – cotidiano – C4.
vítimas acabariam salvas” (Jorge Luis de Paula 22
Garotinho (13/06 – FOLHA – cotidiano –
Baptista, em grupo de discussão na Internet, 18/ C3).
06 – FOLHA – cotidiano – C6) 18/06 – FOLHA 23
Josias Quintal (14/06 - FOLHA – cotidiano
– cotidiano – C11). – C6).
9
18/06 – FOLHA – cotidiano – C8. 24
Romzek e Dubnick (1987) propõem dis-
10
18/06 – FOLHA – cotidiano – C8. tinguir entre diferentes formas de accountability,
11
18/06 – FOLHA – cotidiano – C11. a partir da fonte de controle (interno ou externo)
12
Um tratamento adequado do objeto exige e do grau de controle exercido sobre os agentes
que se discrimine analiticamente entre as tendên- públicos (alto ou reduzido). São elas: A
cias e características das práticas delituosas, a fim accountability burocrática – com alto potencial
de se apreender, num intervalo de um tempo, quais de controle interno – deriva-se de arranjos hie-
as ocorrências policiais que manifestam cresci- rárquicos que são baseados na supervisão e na
mento e retração, por cidades ou regiões, com- organização de diretrizes; a accountability legal
parativamente a um período anterior. Os índices – com alto potencial de controle externo – é ga-
de criminalidade urbana violenta vêm crescendo rantida por arranjos contratuaiss: a accountability
paulatinamente em termos absolutos nos anos 80 profissional – com baixo controle interno – é
e 90 e, após 1992 tal crescimento se evidencia baseada na observância da expertise pelos pares
particularmente na taxa de assassinatos (IBGE, ou por grupos de trabalho, já a accountability
1992-1999). Os estudos de Paixão evidenciam que, política – com baixo potencial de controle externo
entre 1932 e 1987, as taxas médias de crime em – é estabelecida pela capacidade dos representan-
Belo Horizonte e São Paulo decresceram subs- tes de prestarem contas e darem satisfações.
tancialmente em relação ao número total de crimes 25
Presidente do Sindicado dos delegados (13/
e em relação a cada categoria em particular 06 – FOLHA – cotidiano – C4).
(Paixão, Adorno, 1993:4). A criminalidade nas 26
Coronel da Polícia Militar de São Paulo,
capitais do sudeste tem declinado enquanto os especialista em tiro defensivo e ações táticas.
crimes contra a pessoa têm aumentado em muitas 27
Coronel da PM, pesquisador da área de
capitais do Nordeste e do Norte do país (IPEA, segurança do Instituto de Segurança Fernand
2003). Braudel (21/06 – VEJA – p.44).
13
14/06 – EM – política – p.8. 28
“Agonia... ação desastrada... e um desfecho
14
Garotinho (13/06 – FOLHA – cotidiano – trágico”. VEJA, 21/06/2002, p.42-43; FOLHA –
C3). cotidiano - 14/06 – C12).
15
Garotinho (13/06 – FOLHA – cotidiano – 29
Geraldo Magela Quintão (16/06 – EM –
C4). política, p.5).
16
14/06 – EM – política – p.8. 30
17
José Gregori (16/06 – EM – política – p.5).
FHC (13/06 – FOLHA – cotidiano – C2. 31
18
14/06 - FOLHA – cotidiano – C6.
13/06 – FOLHA – cotidiano – C2. 32
19
Coronel José Vicente da Silva (13/06 –
A visão da democracia representativa como
FOLHA – cotidiano – C3).
uma cadeia de delegação e accountability é uma 33
Tenente coronel José Penteado (21/06 –
simplificação em diversos aspectos. Primeiro, os
agentes políticos podem ser individuais ou ISTOÉ – p.30 e 32).
34
coletivos, assim como os “cidadãos” (principals). Tenente coronel José Penteado ( 14/06 –
Atores coletivos complicam o exercício de FOLHA – cotidiano – C6).
35
delegação e accountability. Segundo, os eleitores, Tenente-coronel José Penteado (14/06 –
como detentores em última instância da sobera- FOLHA – cotidiano – C6; 21/06 – ISTOÉ – p.30
nia, defrontam-se com grandes problemas de e 32).
36
coordenação. Em sociedades de larga escala, eles 21/06 – ISTOÉ – p.30 e 32.
37
não podem simplesmente decidir sobre os pro- 13/06 – FOLHA – cotidiano – C3.
38
cessos de recrutamento e de supervisão dos Capitão reformado do Exército (14/06 –
oficiais e nem instruir ativamente seus dirigentes. FOLHA – cotidiano – C12),
39
É nesse sentido que modelos deliberativos de 13/06 – FOLHA – cotidiano – C4.
40
democracia defendem que, entre os processos 13/06 – EM – nacional – p.7.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 567

41
Não foi detectada, nas matérias examina- mecanismos de cooperação entre os sistemas de
das, nenhuma declaração oficial confirmando tal segurança pública e a sociedade civil, através de
telefonema do Presidente. ações comunitárias (http://www.soudapaz.org/cam-
42
Garotinho (14/06 – FOLHA – cotidiano – panhas/index.html).
50
C7 e C12). 15/06 – FOLHA – cotidiano – C1.
43 51
14/06 – FOLHA – cotidiano – C6. 14/06 – EM e FOLHA – política e coti-
44
22/07 – FOLHA – cotidiano – C5. diano – p.3 e C12.
45 52
O soldado Marcelo Oliveira dos Santos é 21/06 – ISTOÉ – p.31.
53
afastado pelo BOPE do serviço policial por tempo “Ele (FHC) decidiu antecipar o anúncio do
indeterminado, sendo encaminhando a uma clí- plano, em estudo desde o início do ano, por conta
nica, com o diagnóstico de depressão (16/06 – da ação desastrosa da polícia no sequestro de um
FOLHA – cotidiano – C3). ônibus no Rio de Janeiro” (15/06 – FOLHA -
46
22/06 – FOLHA – cotidiano – C4 P54. cotidiano – C5). Defendendo-se de críticas de
47
Um dos policiais teve o braço quebrado e oportunismo político, FHC afirma: “Não sou
os advogados encarregados do caso tomam esse demagogo. Não há impacto que resolva o pro-
fato como evidência de que houve um embate entre blema da segurança do cidadão; o que há é ação
os policiais e Sandro. As versões são controver- continuada” (16/06 – EM – política – p.5).
54
sas: uma advogada afirma que o conflito ocorreu O Plano Nacional de Segurança Pública
dentro do camburão, quando o sequestrador ten- apresenta propostas e programas direcionados à
tou apanhar a arma do policial; já outra advogada polícia (“Programa Segurança do Cidadão”,
afirma que o embate ocorreu no momento em que “Combate ao Crime Organizado”); ao Ministério
o policial tentava dominar o sequestrador, apli- Público e à justiça (com propostas de
cando-lhe uma ‘‘gravata’’, do lado de fora da Reformulação do Código Penal e do Código do
viatura (16/06 – EM nacional p.7; 16/06 FOLHA Processo Penal), ao setor sócio-educativo de
- cotidiano – C1). reabilitação (Programa de Re-inserção Social do
48
Chaia Ramos e Daniele Braga (16/06 – EM Adolescente em Conflito com a Lei) e do próprio
nacional p.7 e 16/06 FOLHA – cotidiano – C1). Sistema Penitenciário Nacional (Programa
49
Em junho e julho de 2002, houve diversas Reestruturação do Sistema Penitenciário).
55
manifestações da sociedade civil demonstrando o A execução orçamentária no âmbito do
sentimento generalizado de exaustão diante da Ministério da Justiça evidencia que as aplicações
violência, tais como as passeatas “Morro e As- em programas ligados à segurança pública aumen-
falto” no Rio de Janeiro em 18/06, “Basta! Eu taram de R$ 128 milhões, em 1995, para R$ 871
quero Paz”, realizada em mais de 15 estados do milhões, em 2002 (em valores reais, a preços de
país em 7/07. Alem disso, a instituição “Sou da dezembro de 2001) (IPEA, 2003:97).
56
Paz” organizou em 2000 a campanha “Basta! Eu De tal sorte, os recursos acabaram sendo
quero Paz”, em âmbito nacional, atuando em 3 destinados à reprodução de modelos anteriores
frentes principais: (i) promoção de debates sobre constituídos, obsoletos ou deficientes (Soares 2000,
os diversos aspectos da violência, organização de Beato, 2001, Souza 2001). O “Programa Segu-
encontros e consultorias com especialistas sobre rança do Cidadão”, por exemplo, investiu mais
o tema e com lideranças sociais representativas de R$ 1 bilhão de 2000 a 2003, principalmente
em todo país; (ii) desenvolvimento de ações de na compra de veículos e na intensificação do
mobilização social pelo desarmamento e controle policiamento ostensivo, “como se o problema das
radical do uso da arma de fogo (pelos criminosos, polícias no país fosse meramente a insuficiência
pela polícia e pela população em geral); (iii) de recursos, mais do que o esgotamento de um
valorização da polícia e desenvolvimento de modelo policial ultrapassado” (IPEA, 2003:98).
568 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 569

“A Ponte mais vista do país”:


o que se disse da cobertura jornalística da queda da ponte de Entre-os-Rios1
Sandra Marinho2

A estória dos acontecimentos das condições meteorológicas e do caudal do


rio. Para o local deslocou-se uma equipa do
Fazer o relato dos acontecimentos desen- Instituto Hidrográfico, chefiada pelo coman-
cadeados pelo desabamento de parte da ponte dante Augusto Ezequiel, o homem que haveria
Hintze Ribeiro, na noite de 4 de Março de de ser o rosto das conferências de imprensa
2001, resultaria sempre numa estória incom- que foram transmitidas nos telejornais, da
pleta. Haveria que dar conta do trabalho da ligação entre os técnicos e os familiares das
Comissão de Inquérito, dos esforços das vítimas, enfim, o pivot da operação. Ao local
equipas de busca, da construção da nova afluíram, desde o primeiro dia, centenas de
ponte, das indemnizações, da decisão judi- populares, jornalistas e políticos e todos os
cial de arquivar o processo, enfim, de um portugueses passaram a saber o que são
conjunto de factos e situações que fariam a “sonares”, “ROV’s”, “poitas” e
estória da queda da ponte de Entre-os-Rios. “magnetómetros”. O acontecimento é segui-
Mas não é esse o relato que aqui nos in- do pela imprensa internacional: CNN, Sky
teressa. Não nos importa descrever os acon- News, Reuters TV, Rai Uno ou TV5 abrem
tecimentos, nem sequer avaliar a cobertura os seus noticiários com o relato da tragédia.
que os media deles fizeram. Queremos, sim, O primeiro cadáver é resgatado do rio Douro
dar conta do que foi dito sobre a produção no dia seguinte ao do desabamento e, a 6
jornalística: a opinião publicada. de Março, é feito o 1.º briefing em directo
Por isso, os limites temporais pelos quais a partir de Castelo de Paiva, uma estratégia
nos orientamos são definidos, precisamente, de comunicação implementada para contro-
pelos acontecimentos que suscitaram a pro- lar a informação difundida pelos meios de
dução de notícias e o debate em torno das comunicação:
orientações e características dessa produção.
Sendo assim, elegemos como limites para a “Os carros das televisões com as
análise os textos publicados entre o dia 5 de antenas apontadas ao céu indicavam
Março de 2001 (o dia a seguir à queda da que o país se tinha mudado em peso
ponte) e o dia 7 de Abril de 2001, data em para Castelo de Paiva. Canais de TV
que foi retirado do Douro o segundo carro e rádio transmitiam em directo decla-
(dos três que caíram, juntamente com o rações oficiais, comunicados à im-
autocarro), o que perfaz aproximadamente um prensa, comentários ao acidente,
mês. Esta delimitação temporal é desabafos, uma ou outra inconfidên-
metodológica e orienta a pesquisa do mate- cia apanhada na mistura explosiva e
rial para a análise. Isto não impede que, caso anárquica entre fontes de informação
tivesse sido localizado um texto de reflexão e órgãos de comunicação social.
posterior, ele tivesse sido considerado. (…) Declarações das entidades envol-
Posto isto, passemos aos factos princi- vidas nas buscas só a horas previa-
pais, começando pela noite de 4 de Março mente determinadas e em conferência
de 2001: faltariam poucos minutos para as de imprensa. As orientações foram
23h, quando desabou a ponte Hintze Ribeiro, dadas por um assessor do primeiro-
em Entre-os-Rios, arrastando consigo um ministro. António Guterres já estava
autocarro com 59 pessoas e três carros. em Lisboa, mas deixou os olhos e os
Tratava-se do maior acidente rodoviário ouvidos em Castelo de Paiva. A partir
ocorrido em Portugal. As operações de res- desse dia um novo termo entrou no
gate começaram na manhã seguinte, ao sabor vocabulário diário dos portugueses,
570 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

que passaram a almoçar e jantar ao Finalmente, a 19 de Março é localizado


som do briefing em directo de Cas- o autocarro. A 1 de Abril, resgata-se a
telo de Paiva” (Ezequiel & Vieira, primeira viatura e, uma semana depois,
2002: 35,36). encontra-se a segunda. No dia seguinte, a 8
de Abril de 2001, as equipas de busca deixam
Um resultado político imediato foi o Entre-os-Rios. Regressam a 18 de Junho, para
pedido de demissão do então ministro do retirarem do Douro o terceiro carro e, dois
Equipamento e Obras Públicas, Jorge Coe- dias depois, abandonam definitivamente o
lho. Instaura-se um inquérito para apurar as local.
causas e responsabilidades do acidente e o O debate sobre as responsabilidades é
Governo decide indemnizar os familiares das constante e tomam nele parte os mais diver-
vítimas. A 7 Março, todo o país acompanha sos actores: políticos, técnicos, jornalistas e
em directo o primeiro mergulho nas águas civis. O palco das análises e contestações são
do Douro, a primeira tentativa falhada: as páginas dos jornais e as transmissões,
muitas em directo, das televisões. Ficou na
“Muito provavelmente foram os 20 memória de todos a frase que mais se ouviu
segundos mais emocionantes da his- acerca desta matéria: “a culpa não pode
tória recente da televisão portuguesa, morrer solteira”. Lemos, ouvimos e vimos
isto apesar de nada mostrar. Afinal as críticas aos políticos, às equipas de res-
quase tudo se passou debaixo de água. gate, aos engenheiros da JAE, aos areeiros,
O mergulho foi transmitido em directo mas também se avalia o papel dos órgãos
e analisado ao pormenor por especi- de comunicação:
alistas em estúdio e repórteres no local”
(Ezequiel & Vieira, 2002: 43,44). “Muitas das cartas que recebi… tra-
ziam no destinatário apenas ‘Coman-
Ao longo dos dias que se seguem, há dante Augusto Ezequiel – Castelo de
corpos a dar à costa na Galiza, intervenções Paiva’ (…) O trabalho da comunica-
falhadas de equipas de resgate estrangeiras, ção social era criticado de uma
realiza-se o primeiro funeral e toma posse maneira geral nestas cartas. Alguns
o Presidente da República Jorge Sampaio. escreviam revoltados contra a cons-
Domingo, 11 de Março, é o dia marcado para tante pressão dos jornalistas. Essa
voltar a mergulhar no Douro, em busca do censura popular surpreendeu-me! É
autocarro e das viaturas desaparecidas, mais verdade que, de certa forma, foram
uma tentativa que haveria de fracassar: inconvenientes e incorrectos, se assim
se pode dizer, mas também assisti a
“Os jornalistas das televisões, das momentos de sacrifício de jornalistas,
rádios e muitos outros começavam a que deixavam de comer e permane-
preparar-se. O movimento naquele ciam infinitas horas no teatro das
pequeno espaço era tal que mais operações, só porque esperavam uma
parecia um desfilar de ‘formigas’ informação. Este maldizer acerca dos
atarefadas de um lado para o outro. repórteres levou-me a reflectir sobre
(…) Parecia um dia de romaria. As a forma como os meios de comuni-
duas margens do rio assemelhavam- cação social estão de tal forma en-
se a duas bancadas, repletas de pú- raizados no nosso dia-a-dia que nos
blico. Fiquei muitíssimo preocupado esquecemos do seu importante papel
com a exposição a que o pessoal de intermediários entre o acontecimen-
ficaria sujeito durante as operações de to e o público” (Ezequiel & Vieira,
validação do eco, pois todo esse 2002: 152,153).
espectáculo iria aumentar ainda mais
a pressão e o nervosismo a que já Fizemos o relato dos acontecimentos a
estávamos submetidos” (Ezequiel & partir das memórias e impressões de Augusto
Vieira, 2002: 43,44). Ezequiel, comandante das operações. A sua
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 571

avaliação relativamente ao comportamento tos em Castelo de Paiva, nomeadamente no


dos jornalistas é, de alguma forma, repre- que se refere aos funerais das vítimas (Pú-
sentativa do discurso presente nos textos de blico, 11 de Março de 2001). Em resultado,
opinião que analisámos: são identificadas as televisões haveriam de estabelecer um
algumas práticas incorrectas, contudo a res- pacto de “auto-regulação”, criticado pelo
ponsabilidade máxima não é atribuída aos Conselho Deontológico do Sindicato dos
jornalistas no terreno, mas sim às redacções, Jornalistas, num comunicado de 13 de Março,
sendo normalmente apontadas circunstâncias classificando-o como um “pacto de não
atenuantes do comportamento dos profissi- agressão comercial – com a ética jornalística
onais no terreno. Todavia, nem todos escre- como refém”, já que as estações se compro-
veram sobre os mesmos assuntos, nem o tom metiam a recuar e a conterem-se eticamente,
do discurso foi igual. mas só se os concorrentes também o fizes-
sem.
A avaliação da cobertura jornalística: De uma leitura dos textos publicados,
interlocutores, críticas e justificações percebe-se que o tom geral é de crítica,
dirigida quase exclusivamente às transmis-
Já tivemos oportunidade de referir que sões televisivas. Por um lado, trata-se do meio
o objectivo deste trabalho não é o de avaliar de comunicação a que mais recorrem os
a cobertura jornalística da queda da ponte, portugueses para obter informação, o que lhe
mas sim dar conta da avaliação que foi feita, confere uma maior visibilidade, logo uma
na altura dos acontecimentos, por um con- maior exposição a críticas. Por outro lado,
junto de indivíduos que manifestaram a sua as características de funcionamento da tele-
opinião nas páginas dos jornais. Foi já igual- visão também podem limitar o trabalho dos
mente limitado o material em análise, espa- seus profissionais, como reconhece o direc-
cial e temporalmente: trata-se de artigos de tor do Público, um dos jornalistas que mais
opinião publicados em jornais nacionais objecções colocou à cobertura da queda da
(Público, Diário de Notícias, Jornal de ponte:
Notícias e Expresso), desde a queda da ponte
até ao dia em que as equipas de busca “Devo começar por dizer que é mais
abandonam Entre-os-Rios. fácil na imprensa escrita. Os jorna-
Quanto aos intervenientes, os que toma- listas da imprensa escrita, tal como
ram a palavra são oriundos de diferentes não têm de viver a prova do directo,
quadrantes: classe política, opinion makers, têm tempo para se distanciar e reflec-
cronistas, jornalistas (com e sem responsa- tir. Podem descrever uma situação de
bilidades directivas) e até o próprio Sindi- grande intensidade sem a necessidade
cato dos Jornalistas. Entre outros, encontra- de a ilustrar com imagens igualmente
mos textos de Emídio Rangel, director da intensas. Podem – o que é muito
SIC; Pacheco Pereira, político e cronista do importante – assistir a um evento sem
Público; Eduardo Cintra Torres, crítico de se intrometer nele com uma câmara
televisão e cronista do Público; Joaquim ligada. Podem ser discretos”(Público,
Fidalgo, então Provedor do Leitor do Públi- 25 de Março de 2001).
co; Judite de Sousa, jornalista da RTP e
cronista do JN; Carlos Magno, jornalista e As críticas apontadas podem ser agrega-
comentador; José Manuel Fernandes, direc- das em torno de alguns vectores principais,
tor do Público; Luís Marinho e Pedro Co- sendo que o abuso das transmissões em
elho, jornalistas da SIC, ou Júlio Magalhães, directo é o aspecto mais apontado, associ-
jornalista da TVI. adas aos efeitos que acarretam, nomeadamen-
O tom das críticas subiu de tal modo que te a falta de conteúdo e novidade (a “não-
o então ministro da Educação, Guilherme notícia”), a falta de filtragem das fontes de
d’Oliveira Martins, chegou mesmo a contactar informação no local (todos tinham a pala-
a RTP, SIC e TVI, “no sentido de ‘sensi- vra), a repetição de imagens ou ainda o facto
bilizar as televisões para usarem de conten- de que “…o simples ligar das câmaras induz
ção na cobertura noticiosa’ dos acontecimen- com frequência comportamentos que não
572 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

teriam lugar sem a presença de holofotes Se as críticas se dirigem aos profissionais


acesos” (José Manuel Fernandes, Público, 25 da televisão em geral, nomeadamente aos
de Março de 2001). O tom dos reparos não jornalistas e aos responsáveis editoriais, são
é o mesmo. Em alguns casos, é mais con- mais severas em relação aos segundos, já que
tundente: em relação aos jornalistas no terreno procu-
ra-se apontar algumas razões que podem
“O jornalista medeia, filtra, selecci- explicar os excessos:
ona o que é importante e tem o dever
de evitar o voyeurismo macabro, “(…) Mas se no terreno há profissi-
obsessivo e degradante. Mas, aparen- onais que se prestam a este triste
temente, já não há jornalistas nas papel, na direcção das três televisões
televisões. Há apenas figuras ambu- há responsáveis que não sabem dizer
lantes, de microfone na mão, que ‘alto’. Que não suportam a perspec-
enchem horas de nada e fazem per- tiva de, desligando o directo, a es-
guntas imbecis. E que, depois, se tação perder uns pontos de ‘share’.
precipitam, à hora dos telejornais, para Que não entendem que os telespec-
uma tenda onde membros do Gover- tadores já estão enjoados – e que
no os substituem na missão de infor- mesmo que não estivessem era seu
mar. Não são jornalistas, são pés-de- dever mostrar-lhes o resto que se passa
microfone” (José Manuel Fernandes, no mundo, ou no país” (José Manuel
Público, 21 de Março de 2001). Fernandes, Público, 21 de Março de
2001).
“ (…) o modo como as televisões, em
particular a TVI, cobriram o acidente Também o Comunicado do Sindicato dos
da ponte não tem paralelo no pano- Jornalistas procura identificar as circunstân-
rama televisivo europeu. Ninguém cias atenuantes do comportamento dos jor-
imagina, em nenhum país da Europa, nalistas no terreno, atribuindo a principal
que televisões generalistas nacionais responsabilidade às redacções:
possam estar 15 dias com dezenas e
dezenas de horas a falar da mesma “(…) a primeira das causas reside na
coisa, com 90 por cento da matéria decisão editorial de manter tão pro-
dos noticiários ocupada por uma longadamente os directos em situações
espécie de masturbação colectiva da sem velocidade de acontecimentos que
dor alheia“ (Pacheco Pereira, Públi- justificasse tanto tempo de câmara ou
co, 15 de Março de 2001). microfone abertos.
(…) Em situações como estas… é na
“O choque, agora, foi que, a um redacção e não no repórter que tem
desastre típico do Terceiro Mundo de incidir a maior dose de responsa-
correspondeu uma cobertura televisiva bilidade na prevenção de erros cau-
própria de um país subdesenvolvido sados pela tensão, pelo stress e pela
e isso impressionou alguns” (Francis- falta de tema para sustentar o directo.
co Sarsfield Cabral, Público, 24 de O repórter de campo vive a obsessão
Março de 2001). técnica de não permitir segundos de
silêncio – que, em televisão e rádio,
Já Eduardo Cintra Torres assume uma são uma eternidade – e, quando dá
posição mais moderada na crítica às trans- por si, já está a fazer uma pergunta
missões televisivas: “A TV é má quando, em disparatada ao primeiro que passa e
vez de dar factos e interpretações, faz ela que, no final, sai agredido na sua
própria as emoções, quando adjectiva o que sensibilidade”.
vemos e sabemos. Aconteceu poucas vezes
em Entre-os-Rios” (Público, 12 de Março de Um dos intervenientes nos processos
2001). editorais que toma palavra é Emídio Rangel,
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 573

que transfere para a pressão da concorrência, diferente dos que colocam a tónica na ex-
em particular da TVI, a responsabilidade da ploração dos sentimentos dos entrevistados:
manutenção dos directos de Entre-os-Rios: “os meios de massas esforçaram-se por dar
toda a informação, a que deviam dar, alguma
“Quero insurgir-me contra o espírito que não precisavam de dar e até uma ou outra
mórbido que campeia neste país e me que não deviam dar… A TV, na maioria das
obriga a manter dezenas de horas de vezes, tem o consentimento de quem mostra
emissão feitas num lugar onde já o sofrimento” (Público, 12 de Março de
muito pouca coisa pode acontecer. 2001). Este é também um dos aspectos
Quero insurgir-me contra o estilo mencionados por Júlio Magalhães, um dos
sensacionalista/terrorista da TVI, que jornalistas que esteve em serviço na cober-
está a criar em Castelo de Paiva a tura do acontecimento: “Não recorremos a
revolta das populações contra a co- truques nem, como diz a mensagem que se
municação social porque quer fazer quer fazer passar, à exploração indevida e
da tragédia de Entre-os-Rios o ‘Big brutal de quem estava a sofrer. Fizemos
Brother III’” (Emídio Rangel, Diário televisão, não obrigámos ninguém: e, ao
de Notícias, 10 de Março de 2001). contrário do que foi veiculado, nunca senti
em Castelo de Paiva qualquer hostilidade”
Perante a necessidade de manter os direc- (Expresso, 7 de Abril de 2001).
tos no ar, os jornalistas no terreno acabaram Outra crítica recorrente nos textos de opinião
por se ver na contingência de terem de abordar que fazem parte do nosso corpus de análise
populares e familiares das vítimas, um recur- diz respeito à manipulação dos jornalistas pelo
so que foi classificado por muitos como uma poder político e ao aproveitamento por parte
exploração da dor e dos sentimentos. Esta é dos políticos da presença das câmaras. Nesta
uma faceta apontada pelo próprio Sindicato: matéria, as atenções centraram-se nas já refe-
“Entrevistas a crianças, abordagem a pessoas ridas conferências de imprensa das 20h e nos
dentro das suas casas, interpelação a popu- mergulhos em directo, encenações para “res-
lares em visível estado de comoção foram ponder à voracidade das câmaras” (Pacheco
alguns dos erros profissionais graves detec- Pereira, Público, 15 de Março de 2001). Pacheco
tados nestas coberturas.” O aspecto mais Pereira é um dos que critica a “(…) cada vez
visível, que tomou já o jeito de caricatura, maior continuidade entre a construção do ‘show’
foi, sem dúvida, a tradicional pergunta “Como televisivo e os comportamentos de todos os
se sente?”. Estes procedimentos foram alvo outros agentes, a começar pelos agentes po-
de fortes críticas, como é o caso de Pacheco líticos (…)”:
Pereira, ao referir-se à cobertura da TVI:
“Outra absoluta insensatez são as
“Quinze dias de exploração brutal da conferências de imprensa das oito
dor, sob múltiplas formas incluindo horas, feitas por uma panóplia de
a estetização da tragédia com imagens ministros e secretários de Estado. Na
e som tratado, e o incentivo a actos verdade, (…) usam os seus poderes
espectaculares para “encher” a cober- administrativos para impedir a circu-
tura televisiva – como algumas co- lação de informação durante o dia,
locações de flores no rio – não podem para serem eles a dá-la à noite, em
deixar de ter um efeito muito pode- exclusivo (…) Este tropismo para as
roso nos espectadores, que, viciados câmaras (…) atinge os populares,
no consumo televisivo, não tiveram muitos dos quais não são familiares
qualquer alternativa que não fosse das vítimas, mas reclamam o seu
ficarem mergulhados numa celebração direito de ‘ver’ as operações e de
espectacular da dor” (Público, 15 de serem ouvidos pelas televisões” (Pú-
Março de 2001). blico, 15 de Março de 2001).

Também em relação a esta matéria, São vários os que se insurgem contra esta
Eduardo Cintra Torres adopta uma posição “relação” entre os media e os políticos,
574 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

embora nem todos adoptem o mesmo tom. O papel da televisão enquanto


Uns colocam a tónica nas tentativas de propulsionadora da acção dos políticos, o que
controlo do poder político e outros na falta lhe atribui responsabilidade social, é referido
de discernimento dos jornalistas. Emídio em outros textos de opinião, nomeadamente
Rangel coloca-se na primeira perspectiva: por Júlio Magalhães: “Foram as câmaras de
“Quero insurgir-me contra as autoridades civis televisão que nos primeiros dias deram voz
e militares que não têm a coragem de as- a familiares, amigos e populares de Castelo
sumir que não há condições para mergulhar de Paiva – que nos procuraram para mostrar
no rio (…) e fazem ‘teatro’ para a televisão a revolta que lhes ia na alma. Foi a partir
com mergulhos de ensaio” (Diário de No- dessas imagens que o Governo se mobilizou
tícias, 10 de Março de 2001). José Manuel e organizou naquela região” (Expresso, 7 de
Fernandes (Público, 25 de Março de 2001) Abril de 2001). Opinião diferente tem
aponta o dedo aos políticos, mas também Pacheco Pereira, que vê unicamente na busca
atribui responsabilidades aos jornalistas: “(…) de audiências a razão de ser do “show” de
Outra coisa é ocupar, dias a fio, longos Entre-os-Rios: “… o ‘show’ televisivo não
minutos de telejornal com explicações téc- tem qualquer papel na melhoria da coisa
nicas do que se havia passado em Castelo pública em Portugal. Por duas razões, uma
de Paiva no dia que terminava, explicações é que o efeito pretendido… não é esse: é
dadas por membros do Governo – os quais, o sucesso nas audiências, sem substância ou
entretanto, dificultavam o acesso directo dos traço permanente de qualquer consciência
jornalistas às fontes – e que podiam ter sido cívica” (Público, 15 de Março de 2001).
prestadas horas antes”, mas que, dessa Sublinhámos até agora as principais
maneira, não entrariam na abertura dos críticas que foram feitas na imprensa à
telejornais. Por outro lado, afirma que “(…) cobertura televisiva da queda da ponte Hintze
verdadeiros jornalistas e responsáveis edito- Ribeiro. É de esperar reacções por parte dos
riais de corpo inteiro há muito que se re- profissionais em causa, sejam jornalistas no
cusariam a manter a farsa dos ‘briefings’ terreno ou responsáveis editoriais. Ao nível
governamentais em directo (…)” (Público, 21 dos últimos, já referimos a opinião de Emídio
de Março de 2001). Rangel, que atribui as responsabilidades dos
Eduardo Cintra Torres acredita que “(…) desvios às pressões da concorrência, parti-
a correlação entre actividade televisiva e cularmente da TVI. Um dos profissionais do
actividade política é total”, mas procura campo jornalístico que emitiu críticas mais
evidenciar o carácter de ritual e encenação contundentes foi o director do Público, José
das transmissões televisivas, abrindo cami- Manuel Fernandes, em particular num texto
nho para a perspectiva de que a televisão intitulado “Já não há jornalistas nas televi-
também organizou a acção política: sões?” (Público, 21 de Março de 2001), o
qual suscitou vivas respostas, nomeadamente
“(…) as acções da Marinha, sempre dos jornalistas da SIC, Luís Marinho e Pedro
realizadas a horas mediáticas, atingiram Coelho, e de Júlio Magalhães, jornalista da
o zénite com os últimos mergulhos cerca TVI, uma das estações mais visadas. Entre
da hora de almoço, hora de grande os jornalistas da SIC e o director do Público,
audiência.(…) Encenou-se a presença geou-se uma viva “discussão” que envolveu
do poder político, com o primeiro- alguma troca de acusações e explicações
ministro no local, exactamente a essa (Público, 21 e 25 de Março).
hora” (Público, 17 de Março de 2001). Em termos gerais, podemos dizer que não
há desresponsabilização por parte dos jorna-
“Foi a operação televisiva que esta- listas em relação aos excessos cometidos em
beleceu o calendário da acção polí- Entre-os-Rios. O comunicado do Conselho
tica e até de alguma acção operacional. Deontológico do Sindicato do Jornalistas
Transferida para a TV, a tragédia teve testemunha-o, bem como a opinião de alguns
o que muitos espectadores, familia- profissionais:
res, jornalistas e mirones exprimiram:
a dimensão do espectáculo” (Público, “Os jornalistas não podem ser vistos
12 de Março de 2001). como uns ‘vampiros’. É claro que
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 575

existiram erros e excessos, mas não dormir e o dia seguinte todo ele ‘em
terão sido voluntários e terão decor- directo’. Permaneci dias e dias à chuva
rido tão simplesmente daqueles que e ao frio, em locais lamacentos, com
hoje em dia são os paradigmas da mais de 30 viagens entre o Porto e
comunicação, a saber as tecnologias” Castelo de Paiva…” (Júlio Magalhães,
que” condicionam a forma como Expresso, 7 de Abril de 2001).
percepcionamos a realidade e abrem
caminho à hipermediatização” (Judite Talvez a resposta mais enérgica tenha sido
de Sousa, Jornal de Notícias, 17 de a de Júlio Magalhães, em reacção às obser-
Março de 2001). vações dos vários comentadores, mas em
particular ao já referido texto de José Manuel
“É um facto que os directos das Fernandes, onde o jornalista da TVI afirma
televisões têm sido em excesso, dessa que “não é lícito, pois, ver os chamados
crítica eu também partilho, mas partir fazedores de opinião… e até colegas de
daí para passar um atestado de incom- profissão porem em causa o trabalho dos
petência aos jornalistas das televisões profissionais que estiveram deslocados em
é uma atitude irresponsável” (Pedro Castelo de Paiva”. Quanto às alegadas pres-
Coelho, Público, 25 de Março de sões das redacções, esclarece ainda: “(…)
2001). nunca ninguém nos obrigou a estar ‘em
directo’ as horas que fossem precisas – da
Sem escamotearem os erros cometidos, minha redacção (…) perguntaram sempre se
os jornalistas defendem-se nas circunstânci- era possível aguentar as emissões: nada foi
as em que se desenrola o trabalho de repor- imposto”; “ (…) os acontecimentos editori-
tagem (em directo, em condições físicas muito ais de Castelo de Paiva foram sempre co-
exigentes, no centro de um acontecimento mandados por quem estava no terreno”. Acaba
onde a informação escasseia e se vivem em tom irónico, devolvendo a crítica da
momentos de muita ansiedade): “busca desenfreada de audiências”:

“Somos levados a valorizar uma emis- ”Há dez anos que apresento o jornal
são informativa, a cobertura de um da hora de almoço: primeiro na RTP,
determinado acontecimento, pela capa- agora na TVI. Alguns dos críticos que
cidade que uma estação de televisão tenho lido e ouvido por estes dias nos
revela em estar, em directo, em vários jornais e na rádio, já os convidei para
sítios ao mesmo tempo (…) Por defi- o estúdio. Recusaram-se, mas não se
nição, o jornalista é uma testemunha recusam quando se trata dos jornais
profissional do acontecimento, mas a da noite, do ‘prime-time’: audiências
sua função de mediatizador de factos pois então” (Expresso, 7 de Abril de
fica alterada com a informação em 2001).
tempo real. Os factos são divulgados
na desordem de um acontecimento que Joaquim Fidalgo foi um dos intervenientes
está em produção (…) que, embora tecendo duras críticas, não
(…) Os jornalistas devem garantir que deixou de apontar uma nota positiva em
imagens inaceitáveis não sejam difun- relação ao trabalho dos jornalistas e das
didas. Mas é importante sublinhar que redacções:
no terreno, em circunstâncias difíceis,
o jornalista poderá não estar em con- “Responsabilizar esta lógica global e
dições de proceder à necessária refle- carregar as costas do ‘sistema’ não
xão sobre o compromisso da sua res- pode fazer-nos esquecer que ele tam-
ponsabilidade” (Judite de Sousa, Jornal bém é composto de gente concreta,
de Notícias, 17 de Março de 2001). de responsáveis que tomam decisões,
de gestores que estimulam escolhas,
“ (…) cheguei duas horas depois do de editores e jornalistas que diaria-
acidente, estive toda a noite sem mente fazem o seu trabalho e o servem
576 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ao público. E, há que dizê-lo, não são divulgar os trabalhos já nos permitia


todos exactamente iguais, não se resolvê-los tranquilamente” (Ezequiel
guiam todos pela mesma cartilha, não & Vieira, 2002: 134).
soçobram todos perante a dificuldade
dos desafios que se lhes colocam. Para Também a 7 de Abril, quando é retirado
além dos constrangimentos directos e um dos veículos ligeiros do Douro, se vive
indirectos em que se movem, algum uma situação análoga:
espaço lhes sobra de autonomia e
liberdade para, quando seja caso, “A prioridade passava, como habitu-
também poderem interrogar, reclamar, almente, por avisar o pai da vítima.
ou mesmo dizer ‘não’, recordando Encontrava-me algo ansioso pois a
princípios fundamentais a que estão hora dos telejornais aproximava-se e
vinculados em nome do serviço pú- os repórteres não demorariam muito
blico que servem à comunidade. tempo a desconfiar das movimenta-
(...) De resto, convirá não esquecer ções das equipas (…) Como ainda não
que, mesmo nestes episódios difíceis se tinha conseguido avisar os fami-
da ponte de Castelo de Paiva, tam- liares, agradecia que não divulgassem
bém por cá tivemos vários bons a notícia sem que esses contactos
exemplos, individuais e colectivos, de fossem feitos.
informação séria, comedida, Comprometi-me a informá-los logo
respeitadora da dignidade das pesso- que o pai do condutor do carro fosse
as envolvidas, e nem por isso menos avisado. Os jornalistas, demonstran-
viva e menos cativante. Ou seja: do um enorme respeito pelos fami-
também é possível. Não basta inge- liares, aceitaram o meu pedido”
nuamente querer que assim seja para
(Ezequiel & Vieira, 2002:196).
que seja de facto, mas é preciso
começar por querer.
A 20 de Março, num directo, o autocarro
Sem mentir, claro” (Público, 18 de
é localizado e içado para a margem. Há
Março de 2001).
circunstâncias que fazem interromper a
emissão:
Pelo meio do tom geral de cinzentos, há
traços mais coloridos, recordados por Augusto
“O realizador, sentado frente a meia
Ezequiel, o comandante das operações de
dúzia de ecrãs, conseguia ver o au-
resgate. Uma destas situações viveu-se no dia
22 de Março quando, na presença de uma tocarro perfeitamente. As câmaras,
jornalista, uma patrulha encontra um corpo, instaladas em várias posições, capta-
de imediato identificado como sendo o do vam o veículo em todos os ângulos.
organizador da excursão: De repente apercebe-se de algo estra-
nho focado por um dos operadores.
“Entrei em contacto com a jornalista, Após um momento de hesitação, e
expus a situação e pedi-lhe que, de quando se apercebe de um corpo se
momento, retivesse a informação. A encontrava a boiar, dá indicações para
jornalista compreendia, mas não a câmara sair do ar. No monitor onde
queria correr o risco de não ser a sua surge a emissão final podem ver-se
rádio a primeira a divulgar a notícia. a ruínas da ponte, as margens cheias
Chegámos a uma solução de compro- de guarda-chuvas negros… No dia
misso: ela noticiaria o aparecimento anterior, os três canais de televisão
de mais um corpo sem qualquer outra tinham acordado transmitir de forma
referência… Este e outros problemas contida a operação de resgate. Em
surgiam com alguma frequência, mas causa estava a dor dos familiares e
a abertura com que normalmente a sensibilidade do público perante um
comunicávamos com os repórteres e drama à escala nacional” (Ezequiel &
a disponibilidade permanente em Vieira, 2002:126).
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 577

E, afinal, parece que também a imprensa, abordadas e discutidas pelos investigadores,


talvez inadvertidamente, pode cometer exces- ou se, de alguma maneira, constituem pontos
sos: de ruptura. Ou seja, pretende-se saber se este
caso em estudo permite problematizar as
“Quando vi a primeira página do práticas e rotinas jornalísticas numa perspec-
jornal não consegui esconder um certo tiva de continuidade ou sob a forma de novas
desagrado. A manchete do resgate tendências. Em simultâneo, pretendemos
vinha ilustrada com uma fotografia do realizar uma nova incursão aos textos já
carro suspenso sobre as águas, onde analisados, no sentido de identificar as es-
era visível parte do corpo de uma das tratégias discursivas postas em acção, os
vítimas. Provavelmente o leitor mais modos de argumentação dos intervenientes
desprevenido nem repararia no por- no discurso.
menor, mas a situação não deixou de Finalmente, julgamos essencial revisitar
me provocar alguma tristeza, até as opiniões emitidas no rescaldo dos acon-
porque no dia anterior pedira aos tecimentos. Na verdade, os textos de opi-
jornalistas para serem cuidadosos. nião que analisámos foram publicados nas
Nada podia fazer. semanas que se seguiram à queda da ponte,
A publicação da fotografia não foi o que não se resume a uma opção
intencional, lembro-me de ter comen- metodológica, mas deriva do facto de não
tado o assunto com o jornalista que termos encontrado textos significativos
escreveu a notícia e de ter concluído depois do período em análise. Ora, consi-
que a imagem foi escolhida, simples- deramos pertinente tentar averiguar se, à
mente, por retratar melhor o resgate distância de três anos, os modos de ver se
do carro” (Ezequiel & Vieira, mantêm. Também importa confrontar os
2002:175). jornalistas que estiveram a cobrir a queda
da ponte (a maioria dos quais nunca expres-
Foi isto, em traços gerais, o que se disse sou publicamente a sua visão dos factos)
da cobertura jornalística, melhor dizendo e os responsáveis editoriais, para saber se
televisiva, da queda da ponte em Entre-os- se revêem em alguma das críticas e como
Rios. Os discursos envolveram diversos avaliam hoje o trabalho que então realiza-
intervenientes, a falarem de diferentes luga- ram. Será curioso observar que, nos dias
res, com distintas responsabilidades e imediatamente após a queda da ponte, foram
envolvimentos nos acontecimentos. Variaram publicados textos que elogiavam o trabalho
entre aqueles que, como Carlos Magno, dos jornalistas em Entre-os-Rios. Vemos,
acham que, em Entre-os-Rios, “a televisão pois, com interesse a possibilidade de
também se precipitou directamente no rio avaliarmos agora se há uma mudança de tom
Douro” (JN, 17 de Março de 2001) e os que, ao longo do mês de Março de 2001.
como Júlio Magalhães, dizem: “em Castelo Naturalmente, um trabalho desta nature-
de Paiva as televisões tiveram e têm jorna- za implica limitações. Uma das mais eviden-
listas, não pés-de-microfone” (Expresso, 7 de tes é o facto de estarmos a cingir-nos aos
Abril de 2001). comentários feitos na imprensa escrita.
Contudo, e a julgar pelo que então obser-
Notas finais e linhas de análise a prosse- vámos nos outros meios, não temos razões
guir para crer que a avaliação e os argumentos
sejam substancialmente diferentes.
O trabalho que aqui trazemos, numa Já nos referimos à importância de
primeira abordagem aos textos de opinião, escrutinar e discutir o trabalho dos jornalis-
inscreve-se num projecto mais vasto, que tas em sociedades democráticas com o
desenvolveremos em outras tarefas. De se- objectivo de melhorar a sua qualidade, o que
guida, e tendo em conta as questões levan- passa necessariamente por um público exi-
tadas, iremos proceder a uma revisão de gente. Parece-nos que este é um bom exem-
literatura, com o objectivo de perceber se plo dessa mais-valia, quer pelas questões que
estas têm enquadramento na forma como são foram levantadas, quer pelos que intervieram
578 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

no debate: também os jornalistas e o Sin- recuperando a fórmula que foi então adop-
dicato participaram na discussão. Resta-nos tada pela comunicação social para referir os
saber se os resultados tiveram alguma ex- acontecimentos. Até hoje, terá sido, sem
pressão prática ao nível da qualidade do dúvida, a ponte que mais se viu, mas, no
exercício do jornalismo em Portugal. É uma dia 5 de Março de 2001, a informação não
das tarefas a cumprir nas próximas fases da foi líder de audiências, mas sim uma tele-
investigação. novela: Laços de Família. Foi a novela e não
Para finalizar, uma breve nota. Intitulámos os directos de Entre-os-Rios que deram à SIC
o nosso trabalho “A Ponte mais vista do País”, a pole-position na corrida do dia.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 579

Bibliografia Pereira, Arminda Rosa, Ética: Paivenses


foram as vítimas ou os cúmplices dos
Ezequiel, A. & Vieira, A., A Missão em media?,Diário de Notícias, 2001, 13 de Março.
Castelo de Paiva. Relato de um Participante Pereira, Arminda Rosa, Tiragens: Cas-
nas Operações de Resgate, Lisboa, Caminho, telo de Paiva aumenta circulação dos jor-
2002. nais, Diário de Notícias, 2001, 14 de Março.
Pereira, José Pacheco, O “Show” da
Artigos de Imprensa Morte, Público, 2001, 15 de Março.
Rangel, Emídio, Quero insurgir-me,
Cabral, Francisco Sarsfield, Sinais de Diário de Notícias, 2001, 10 de Março.
Esperança, Público, 2001, 24 de Março. Serrano, Estrela, Alarme na primeira
Carreira Bom, João, O “poder político” página, Diário de Notícias, 2002.
dos jornalistas, Diário de Notícias, 2001, 18
Sousa Tavares, Miguel, A Falta que Faz
de Março.
Uma Opinião Pública, Público, 2001, 16 de
Chaparro, Carlos, A Tragédia vista pela TV:
Março.
o show da dor, O Ribatejo, 2001, 8 de Março.
Sousa, Judite de, Informação em tempo
Coelho, Pedro, Resposta Breve a um
Editorial, Público, 2001, 25 de Março. real, Jornal de Notícias, 2001, 17 de Março.
Fernandes, José Manuel, Já não há Torres, Eduardo Cintra, Na Televisão,
Jornalistas nas Televisões, Público, 2002, 21 como uma Tragédia Grega, Público, 2001,
de Março. 12 de Março.
Fernandes, José Manuel, As Três Ques- Torres, Eduardo Cintra, O Fim do Acto
tões Essenciais, Público, 2002, 25 de Março. Trágico, Público, 2001, 17 de Março.
Fidalgo, Joaquim, Verdades e Mentiras, Vaz, Júlio Machado, Lutos (I), Jornal de
Público, 2001, 18 de Março. Notícias, 2001, 21 de Março.
Fidalgo, Joaquim, “Notícias” à venda,
Público, 2001, 25 de Março.
Francisco, Susete, Ministro pede conten- Site do Sindicato dos Jornalistas Portu-
ção na cobertura de Castelo de Paiva, Diário gueses
de Notícias, 2001, 11 de Março. http://www.jornalistas.online.pt
Francisco, Susete, Sindicato aponta
“erros graves”, Diário de Notícias, 2001, 14 Site do Jornal Público
de Março. www.publico.pt
Francisco, Susete, E o mais visto foi…
a novela, Diário de Notícias, 2001, 7 de Março.
Magalhães, Júlio, A TV em Castelo de _______________________________
1
Paiva, Expresso, 2001, 7 de Abril. Este trabalho inscreve-se no âmbito de um
Magno, Carlos, A ponte do dia seguinte, estudo colectivo mais vasto, desenvolvido ao nível
do projecto Mediascópio, do CECS (Centro de
Diário de Notícias, 2001, 18 de Março.
Estudos em Comunicação e Sociedade), na
Marinho, Luís, Carta Aberta ao Direc- Universidade do Minho (projecto apoiado pela
tor, Público, 2001, 25 de Março. Fundação para a Ciência e Tecnologia - POCTI/
Martins, Fernando, A intimidade de uma COM/41888/2001).
lágrima exige o respeito de todos, Jornal de 2
Centro de Estudos de Comunicação e
Notícias, 2001, 18 de Março. Sociedade, Universidade do Minho.
580 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 581

Universidade e Mídia/A Opinião Pública In-formação


Simone Antoniaci Tuzzo1

A opinião pública tem merecido, ao longo atingir um número grande de pessoas da


dos anos, a atenção de estudiosos das áreas sociedade.
da Sociologia, Filosofia, Psicologia, Histó- Neste caso, temos a possibilidade de
ria, Direito, Educação, Política, Economia e refletir sobre um processo através do qual
da Comunicação. No caso da comunicação, um grupo de indivíduos, que pode expressar
especialistas, através do Jornalismo, das suas idéias, nos mais diversos espaços, entre
Relações Públicas e da Publicidade e Pro- os quais a televisão, ou qualquer outro veículo
paganda, procuram de forma constante res- midiático, dita o comportamento de toda a
ponder questões como: O que é opinião sociedade, fazendo com que grande parte da
pública? Como se forma a opinião pública? população passe a se comportar de maneira
Qual a relação entre o público e as mensa- relativamente homogênea através das idéias
gens veiculadas pelos meios de comunicação da mídia. Mais que isso, os meios de co-
de massa na formação da opinião pública? municação de massa possibilitam à socieda-
Os meios de comunicação de massa se de o acesso a conteúdos que antes desco-
caracterizam como representantes da opinião nhecia, sob a ótica específica da mídia, ou
pública? São os meios de comunicação de de formadores de opinião que dela se uti-
massa representantes da opinião pública lizam.
contemporânea, ou são somente intérpretes Luhmann (1978, p. 97-8) faz uma crí-
de uma opinião pública formada externamente tica ao conceito clássico da opinião pública,
a eles? Existem públicos que formam a apresentando a idéia da tematização, colo-
opinião pública? cando que na sociedade pós-industrial: a
Considerando essas questões como algu- opinião pública deve ser concebida como
mas de nossas premissas de reflexão sobre estrutura temática da comunicação pública,
a opinião pública, podemos ir além, pensan- fundada no fato de que, perante o número
do: Existe de fato uma opinião pública? Será ilimitado de temas que podem ser veiculados
a opinião pública a opinião de públicos pela comunicação, a atenção do público só
específicos? O que é de fato a opinião pública pode se manifestar de forma limitada; não
e quem são os seus agentes de formação? deve ser concebida causalmente como efeito
Essas são apenas algumas das mais produzido ou continuamente operante; antes
variadas questões que, ao longo de nossa deve ser concebida funcionalmente, como
formação acadêmica e profissional, na área instrumento auxiliar de seleção realizada de
de Relações Públicas e à frente de Asses- uma forma contingente.
sorias de Comunicação, temos formulado e A opinião pública não consiste na gene-
que nos instiga, ao longo desse tempo, a ralização do conteúdo das opiniões indivi-
refletir sobre essa categoria, pois o que duais através das fórmulas gerais, aceitáveis
notamos é que, a partir de cada área do por todo aquele que faça uso da razão, mas
conhecimento, poderia existir um infinito sim na adaptação da estrutura dos temas do
número de questões acerca do assunto. processo de comunicação atrelada às neces-
Podemos refletir se a opinião pública é sidades de decisão da sociedade e do seu
a opinião da maioria da população ou de uma sistema. A opinião pública se forma no calor
minoria representativa, ou seria a opinião da discussão dos componentes do público e,
pública a expressão de voz de uma parte da para Andrade (1996), caracteriza-se por não
população que consegue manifestar a sua ser necessariamente uma opinião unânime,
opinião através de grupos sociais organiza- uma opinião da maioria; muitas vezes é
dos e de canais de comunicação capazes de diferente da opinião de qualquer elemento no
582 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

público; é uma opinião composta, soma de isso, supõe-se que todas as opiniões têm valor
várias opiniões divergentes existentes no e se equivalem na composição da opinião
público; está em contínuo processo de for- pública. Na verdade, pelo simples fato de se
mação e em direção a um consenso com- colocar a mesma questão a todo mundo, fica
pleto, sem nunca alcançá-lo. Enfim, no dizer implícita a hipótese de que há um consenso
de Andrade, a opinião pública não é mais sobre os problemas, ou seja, que há um
do que a harmonia entre as opiniões indi- acordo sobre as questões que merecem ser
viduais. colocadas. Nenhuma dessas suposições são
Podemos ainda considerar, nesse proces- evidentes.
so de formação da opinião pública, a exis- O termo “opinião pública” já se tornou
tência de grupos organizados, como os algo de domínio público, ou seja, os meios
movimentos sociais ou as ONGs, que cons- de comunicação de massa e indivíduos de
tantemente se articulam em torno de temas toda ordem social utilizam o termo para
da sociedade ou sobre os temas da mídia e designar diversas situações; entre elas as
que podem ter suas opiniões consideradas no pesquisas de opinião, nas quais,
campo da contra-opinião pública. Na mai- quantitativamente, a soma das opiniões in-
oria das vezes, essas idéias representam dividuais significa a opinião pública; o ato
grupos que não possuem voz na sociedade de um grande número de pessoas saírem às
e que não conseguem difundir, através dos ruas para chorar a morte de um ídolo; um
meios de comunicação, seus pontos de vista, grupo de pessoas que se reúne para invadir
de forma a atingir uma grande parte da um supermercado que cobra preços acima
população, quer seja por não fazerem parte dos estipulados pelo governo; ou, ainda, a
da política vigente, quer seja por não des- participação do público na construção da cena
pertarem o interesse da mídia. final de um programa televisivo.
Esses grupos acabam criando uma soci-
É ainda comum vermos a relação entre
edade periférica de pessoas que não podem
a formação da opinião pública e as infor-
ser tratadas como revolucionárias, sem im-
mações veiculadas pelos meios de comuni-
portância. Um dos grandes exemplos são os
cação de massa. Até porque, historicamente,
próprios cientistas que muitas vezes não
vivemos a era da sociedade de massa, com
conseguem expor seus trabalhos e suas
características inerentes à existência de um
descobertas na área científica ou tecnológica.
aparato tecnológico informacional, impossí-
Muitas vezes essas pesquisas ou invenções
vel de ser desconsiderado para compreensão
poderiam até transformar o próprio caminhar
da formação da sociedade atual.
da sociedade, mas não chegam a ser conhe-
cidas. Sem eles, a sociedade perde a opor- Nesse processo há uma correlação evi-
tunidade de conhecer novas idéias e poder dente entre a formação da opinião pública
refletir sobre elas. e os meios de comunicação de massa. Porém,
Nesse sentido, devemos entender esse a opinião pública é algo que antecede a
conceito como um reforço à hipótese da existência dos veículos de comunicação de
existência não de uma opinião pública de fato, massa e, mesmo nos dias atuais, não está
mas de uma opinião manifestada, publicada unicamente ligada à existência desses veí-
ou conhecida socialmente, excluindo as idéias culos ou das mensagens por eles divulgadas,
daqueles que não têm oportunidade de se até porque, onde houver comunicação entre
expressarem para a grande massa. as pessoas, haverá terreno para a formação
Sobre isso, Bourdieu, em seu ensaio da opinião pública.
L’opinion publique n’existe pas, publicado no Opinião pública é um binômio de domí-
livro Questions de sociologie (1984) de uma nio lingüístico para toda a sociedade, porém
forma direta e extremista afirma: “A opinião de conhecimento para poucos. Suas aplica-
pública não existe”. O autor explica que: ções nos discursos cotidianos da mídia e dos
qualquer pesquisa de opinião supõe que todo atores sociais nem sempre traduzem seu real
mundo pode ter uma opinião; ou colocando significado. Sua forma de construção nem
de outra maneira, que a produção de uma sempre representa a vontade e as idéias da
opinião está ao alcance de todos. Mais que grande massa.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 583

A hipótese da força de uma opinião Numa relação de troca de valores, bens,


pública diferenciada de todos os conceitos serviços e ideologias, a universidade e a mídia
clássicos nos leva a pensar sobre dois pólos se marcam pela simbiose e pela forma que
sociais: a mídia e as universidades. Isso podem atuar na sociedade para a construção
porque os órgãos de difusão permitem que de um pensamento crítico e formação da
uma idéia seja exposta e disponível social- opinião pública.
mente e, ainda que não represente a visão Uma das características deste início do
da maioria da população, a forma como novo milênio é a necessidade de
normalmente a mídia expõe conceitos leva reaprendermos os conceitos antes tidos como
grande parte da sociedade a acreditar que seja intocáveis. A quebra de paradigmas, a pró-
a visão da totalidade da sociedade, denomi- pria reestruturação do mundo em termos de
nando o processo de opinião pública. alianças políticas e sociais, fazem-nos ver que
Paralelamente a isso, a universidade como a informação é algo muito importante, mas
organismo de cultura, de conhecimento, de o conhecimento é fundamental. A informa-
educação formal e de desenvolvimento ci- ção é perecível, o conhecimento é a susten-
entífico-tecnológico, apresenta-se como um tação de um pensamento crítico e transfor-
espaço privilegiado de pensamento crítico mador. O ideal é que a informação seja usada
sobre o desenvolvimento social e de reflexão a serviço do conhecimento.
sobre os próprios meios de comunicação de A busca incessante de uma universidade
massa; por outro lado, é também responsável deve ser pela formação de indivíduos com
pela formação dos bacharéis que estarão à uma boa base acadêmica e um pensar es-
frente da mídia, entre eles os Jornalistas, os tratégico desenvolvido. Do contrário, estarí-
Relações Públicas e os Publicitários, que amos à frente de indivíduos que conhecem
estarão desenvolvendo os produtos da Indús- muito bem a técnica, mas que, ao primeiro
tria Cultural. sinal de mudança, não saberiam se posicionar
Ao mesmo tempo, a universidade preser- à frente das novas realidades. O mundo do
va uma herança de saberes secular, constan- trabalho está dentro da vida, por isso, a
temente reexaminados e atualizados para universidade não pode ser somente uma
serem novamente aplicados na sociedade transmissora de conhecimentos, mas um
sobre um efeito de regeneração dos saberes espaço privilegiado de reflexão e de cons-
e da memória. Na visão de Morin (2002, trução de como os conhecimentos devem ser
p.13), a universidade gera saberes e valores aplicados no cotidiano.
que constantemente se renovam para fazer Muitas falas colocam separadas as ações
parte da mesma herança social. da universidade, como se houvessem mun-
Por isso, ela é simultaneamente conser- dos distintos entre o trabalho e a vida. Muitas
vadora, regeneradora e geradora. A Univer- vezes a falta de preocupação com um ser
sidade tem uma missão e uma função humano integral transforma os conhecimen-
transecular que vão do passado ao futuro por tos acadêmicos em algo dissociado daquilo
intermédio do presente; tem uma missão que ele precisa para poder articular idéias
transnacional que conserva, porque dispõe em ocasiões de toda ordem social.
de uma autonomia que a permite efetuar esta Não é suficiente termos uma prática
missão, apesar do fechamento nacionalista das desenvolvida se não formos capazes de
nações modernas. refletir sobre ela. Assim, se por um lado, o
Num trabalho individual, os integrantes de ensino da técnica e a utilização das novas
uma universidade podem não chegar a ser tecnologias aproximam cada vez mais o aluno
indivíduos transformadores da sociedade de do mercado de trabalho, por outro lado, a
forma isolada (e nem é esse o papel da consciência da necessidade de uma reflexão
universidade), mas todos que passam por uma sobre o ensino das técnicas é fundamental,
universidade conseguem uma transformação a fim de não tornar os alunos meros
pessoal, ou seja, cada um avança a partir do repetidores.
ponto de consciência e reflexão adquirida “A capacidade técnica que supera o
anteriormente, e isso já se configura como algo adestramento em direção à criatividade não
importante para a transformação da sociedade. só possibilita a apropriação de uma parcela
584 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

maior desse poder como, vencido o medo Para Barros Filho (1995, p. 220-223), o
à liberdade, pode determinar o seu uso em ser humano tem horror ao isolamento opi-
favor da reinvenção da sociedade”. (Meditsch; nativo. Sustentar uma opinião contrária à
Bragança, 1988, p. 34). da maioria traz desconforto. Esse medo é
O binômio técnica-ciência ainda não está generalizado e estatisticamente comprovado.
totalmente resolvido na Universidade, porém, O medo do isolamento será tanto mais
não podemos desconsiderar o fundamental decisivo na tomada de posição quanto menor
papel que a academia representa como es- a confiança que tiver o indivíduo na sua
paço de discussão, de questionamento e de argumentação, que, por sua vez, é dependen-
crítica social. É um espaço que, no Brasil, te de todo o conjunto de elementos
ainda é restrito a uma parcela pequena da constitutivos do grau de educação, conheci-
sociedade, por problemas sociais básicos mento ou politização.
ainda a serem resolvidos. Por isso, a Uni- Outro fato a se considerar é quando não
versidade é fundamental para a formação de se faz qualquer tipo de pesquisa para se
indivíduos cada vez mais transformadores de conhecer a tendência das opiniões, fazendo
si e do ambiente que os cerca, assumindo com que a opinião pública se forme segundo
a função de formação de indivíduos a visão de uma celebridade midiática que,
multiplicadores de idéias. a partir dos poderes de persuasão previa-
Assim, se afirmarmos que a opinião mente conquistados junto ao público, terá uma
pública é produzida através da consciência dos tendência à formação de idéias junto aos seus
agentes sociais capazes de pensar criticamen- admiradores e fãs.
te os processos que envolvem a coletividade, É importante destacar que, mesmo nos
poderemos ter a Universidade como um espaço meios de comunicação de massa atingindo
privilegiado de reflexão e de pesquisas. uma imensa quantidade de públicos com suas
É comum encontrarmos pesquisas de mensagens, o fenômeno não pode ser con-
opinião que tomam como objeto o recolhi- siderado como recepção coletiva, uma recep-
mento de dados para se apurar o estado da ção de grupos, com possibilidade de discus-
opinião pública, quer seja para se conhecer são e assimilação comuns. O processo de
a aceitação de um produto, uma organização, recepção é amplo, mas individualizado,
um assunto público, um político. permitindo uma distância entre o significado
Nessa ótica, tendo em vista que as real de uma mensagem e a forma como é
pesquisas são feitas normalmente a partir de absorvida por cada indivíduo.
um grupo limitado de pessoas da sociedade Colocamos em questionamento o termo
(com exceções para as eleições diretas), a “comunicação de massa”, rotineiramente
posição dos indivíduos pesquisados, utilizado como algo que envolve toda a massa
selecionados a partir daquilo que os e que, ao nosso ver, deve ser repensado. Se
idealizadores da pesquisa desejam, e de considerarmos que comunicar pressupõe o ato
valores que julgam significativos, será de duas ou mais pessoas interagirem sobre
divulgada para a grande massa, ou para o um mesmo assunto, logo, o que existe em
grupo de interesse, e se caracterizará como um processo de mão única como a mídia é
sendo a visão da opinião pública. informação de massa, ou mais que isso,
Essa visão, com idéia de significar aquilo informação para a massa.
que todos pensam, será passada para a massa Não consideramos, contudo, que toda a
e esta terá a tendência a absorvê-la e repro- massa seja passiva, até porque, acreditamos
duzi-la. A hipótese da espiral do silêncio no oposto. Porém, ela não possui o poder
explica esse fenômeno, mostrando que a partir de se comunicar no momento de transmissão
daí existirá uma tendência a silenciar-se de mensagens pela maioria dos meios de
aqueles que pensam diferentemente da idéia comunicação de massa. As exceções ficam
apresentada como sendo unânime, fazendo por conta de alguns programas produzidos
com que as idéias contrárias normalmente não pelos veículos eletrônicos que contam com
sejam expostas. Esse é o medo do isolamen- a participação do público, cartas de leitores
to, que tem sua base firmada nas questões para os veículos impressos ou interações nas
psicológicas. novas mídias como a Internet.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 585

Além dos modelos acima, a comunicação Essa consciência é opaca a toda uma série
é algo que se dará ou não, posteriormente, de informações que não passam em razão
a depender da possível reação que os indi- mesmo de sua estrutura, enquanto outras
víduos terão sobre o assunto proposto pela informações passam, e outras, enfim, só
mídia, desencadeando um processo real de passam de maneira deformada. Muito fre-
comunicação como as próprias teorias de quentemente, na verdade, quem olha do
comunicação propõem. exterior e tenta comparar o que foi emitido
A opinião pública é algo de interferência com o que foi recebido constata que apenas
social, geográfica e histórica. Algo tem que uma parte da emissão foi recebida e que
acontecer no lugar certo, no momento certo mesmo essa parte, ao nível da recepção,
e com as pessoas certas para que se con- adquiriu uma significação assaz diferente da
figure o caráter de opinião pública. Muitas que fora enviada. Trata-se aí de um fato
vezes uma nova idéia pode precisar de uma extremamente importante que leva especial-
oportunidade de local e de momento social mente a repor em discussão toda a sociologia
para que venha a ser absorvida pela opinião contemporânea na medida em que ela é mais
pública. centrada sobre o conceito de consciência real
Assim, um determinado assunto ou des- que sobre o conceito de consciência possível.
coberta tem início, mas não adquire o for- O real é a realidade que o receptor
mato de algo que envolve a sociedade porque conhece a partir das possibilidades de sua
socialmente ainda não é o momento. Algo interpretação. Uma mesma mensagem sofre-
como opinião de grupo (ou não pública) que rá interferências de recepção em cada indi-
ainda não adquiriu o formato de opinião víduo a partir dos valores que cada receptor
manifestada para poder evoluir para opinião já possui.
pública. A sociedade é mutável, inconstante e deve
Principalmente no tocante à ciência, ser considerada pela sua geografia, pelo seu
fatores comerciais também são relevantes para espaço físico, principalmente num País con-
determinarem se um novo produto ou uma tinental como o Brasil, que agrega vários
nova droga médica deve ser lançada, con- “brasis”, onde os meios de comunicação de
siderando-se que poderá exterminar com um massa normalmente desprezam o caráter
produto já existente no mercado e causar um regional de interpretação de mensagens
caos econômico-social. veiculadas pela mídia.
Nesse sentido, num País onde grande Se pensarmos na importância da reflexão
parte da população é analfabeta, conseguir dos acontecimentos sociais, por cada indi-
uma sociedade crítica no tocante à informa- víduo, reportar-nos-emos à função das Re-
ção é um processo evolutivo. Os meios de lações Públicas como agentes de formação
comunicação de massa falam muito mais da de vários núcleos sociais determinados por
previsão do tempo ou de algo que possa ser instituições prestadoras de todo tipo de
compreendido por pessoas de qualquer nível serviço. Os Relações Públicas são
de escolaridade. Os cientistas se tornam intermediadores entre os meios de comuni-
periféricos, quer seja pela possibilidade de cação de massa e as organizações, e isso é
não compreensão, quer seja por interesses fundamental para que a sociedade possa
econômicos, políticos ou sociais da mídia. conhecer o que se passa dentro de vários
Os fatores psicológicos também têm pólos de existência social, em instituições
interferência na formação da opinião públi- públicas ou privadas.
ca. Segundo Goldmann (1972, p.8), “numa A sociedade se constrói a partir da
transmissão de informações não há apenas existência de cada organismo social e, ao
um homem ou um aparelho que emite in- mesmo tempo, as instituições precisam ter
formações e um mecanismo que as transmi- conhecimento da forma como estão sendo
te, mas também, em qualquer parte, um ser vistas pela sociedade, precisam também
humano que as recebe.” apresentar a sua parcela de importância para
E vai além, explicando a consciência do que o todo seja funcional. Na verdade, os
receptor. Relações Públicas agem como intérpretes dos
586 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

acontecimentos de uma instituição para a capazes de instigar a massa com suas inter-
sociedade, usando como canal os veículos de pretações de fatos.
comunicação. A hipótese da agenda-setting trabalha o
Se considerarmos que, além dos meios conceito de orientação das massas sobre o
de comunicação de massa, as organizações conteúdo e a forma como algo que deve ser
sociais são representativas, na construção da pensado pela sociedade, fazendo com que as
opinião pública, o trabalho de Relações celebridades midiáticas se transformem em
Públicas torna-se muito importante. atores dessa posição.
Se pensarmos no binômio “opinião pú- Relevante se pensar sobre as várias formas
blica” não como algo que é de todos, da de construção da opinião pública. A valo-
massa, mas como algo que se refere aos rização do papel da universidade e a con-
públicos, podemos destacar a forma de vida cepção de privilégio que possuímos com
moderna, que constrói espaços públicos relação aos indivíduos que frequentam a
extremamente privados. Não é público no universidade e que podem questionar os
sentido de livre acesso, mas no sentido de problemas sociais de um País onde grande
distinção de públicos. parte da população passa o dia lutando por
Ainda que dentro de uma filosofia de que condições mínimas de sobrevivência para si
todos possam vir a utilizá-los, as regras para e para sua família. Mais que isso, a impor-
utilização dos espaços públicos colocam tância da reflexão sobre a construção da
barreiras para muitos indivíduos, quer seja opinião pública por aqueles que vivem em
através do poder aquisitivo determinante para um País que não possui destaque no mundo
se freqüentar determinado restaurante ou globalizado, mas que são obrigados a pensar
parque temático, quer seja pela aparência bem diariamente como aqueles que vivem nos
cuidada, roupas da moda e o pé calçado, para Países de ponta da economia mundial para
se freqüentar o shopping center e as ruas que não se tornem ainda mais distantes deles.
dentro dos condomínios residenciais. Por fim, tomemos como última palavra
Tal como os espaços públicos, a inteli- a visão de Habermas (1984: 277), quando
gência coletiva e as novas tecnologias for- defende que a Opinião Pública reina, mas
mam uma globalização que não agrega a não governa. De fato, a opinião pública não
todos. A sociedade de massa ajuda a cons- governa, porque os públicos não atingiram
truir, cada vez mais, indivíduos distintos, um grau organizado de imposição e pressão
grupos distintos e formas de existência dis- sobre seus direitos e suas aspirações de forma
tintas. a terem voz na sociedade; mas reina, em cada
A própria televisão, veículo supremo de grupo social, em cada espaço de reflexão que
comunicação de massa, já distingue seus consegue promover uma contra-opinião
públicos entre TV aberta e TV por assina- pública, à espera de que um dia se torne uma
tura, criando sociedades distintas. As cama- opinião manifestada e consiga, de fato,
das periféricas não são mais marcadas so- construir uma opinião pública no sentido de
mente por questões geográficas, mas pelas manifestação das massas.
novas tecnologias que recriam os grupos
sociais. A Título de Explicação
Os heróis e as celebridades da mídia são
reafirmados no processo. A ilusão de ser e Necessária se faz uma explicação sobre
ter aquilo que não se é e não se pode ter a opção pela grafia do título deste trabalho
reconstrói a celebridade, como alguém que e a forma como este se apresenta: Univer-
tudo tem, tudo pode e se configura como sidade e Mídia – A Opinião Pública In-
representante dos fãs para o mundo não Formação.
acessível. O título aborda os dois principais
A mídia é responsável pela formação da enfoques de construção da opinião pública
opinião pública, através de suas mensagens, apresentados neste trabalho, quais sejam: a
de seus códigos linguísticos, de suas formas influência da universidade, um local de
subliminares de transmissão de informações reflexão e ao mesmo tempo, um organismo
e pela construção e reafirmação de ídolos, social integrante da formação dos profissi-
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 587

onais da área de comunicação dos vários A escolha se dá por acreditarmos que tanto
órgãos ligados à comunicação; e a influência a mídia, quanto a universidade, representam
dos meios de comunicação, veículos de essas duas realidades para a formação da opinião
formação e propagação de valores simbóli- pública. In-Formação é, portanto, um neolo-
cos contribuintes para a formação da opinião gismo criado para tematizar as circunstâncias
pública, conforme exposto ao longo de todo em que se encontra a opinião pública para as
este trabalho. duas instituições (mídia e universidade).
No título podemos verificar ainda o Válido ainda deixar claro que, apesar de
binômio opinião pública, ponto central de não termos optado pela utilização do prefixo
nosso estudo. “In” como forma de negação, de privação,
In-Formação foi a opção encontrada para no sentido da origem latina, esta leitura
elucidarmos dois aspectos: também fica à disposição do leitor que poderá
- o aspecto da mídia e da universidade entender a expressão “In-Formação” sob a
como pólos de Informação, no sentido de perspectiva de “não formação” ou falta de
transmissão de conhecimentos obtidos atra- informação. Isso porque os objetos de estudo
vés de investigação ou instrução; deste trabalho (mídia e universidade) podem
- o aspecto de algo que se encontra em adquirir um caráter de falta de informação
estágio inacabado, ainda em construção, no ou ausência no processo de informação para
sentido de “em formação”, como algo que a sociedade, numa ótica de omissão de
indica movimento em direção a uma meta, informações que poderiam contribuir ainda
um objetivo, um ponto de chegada. mais para o desenvolvimento social.
588 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Luhmann, N. Strato di diritto e sistema


sociale. Nápoles: Guida, 1978.
Andrade, C.T de S. Dicionário profis- Meditsch, E.; Bragança, A. A questão
sional de relações públicas e comunicação. curricular: do impasse à reinvenção. In:
São Paulo: Summus, 1996. Melo, J. M. de (Org.). Ensino da comuni-
Barros Filho, C. de. Ética na comuni- cação no Brasil: impasses e desafios. São
cação: da informação ao receptor. São Pau- Paulo: ECA/USP, 1988. p. 16-37.
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1
esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Bra- Universidade Tiradentes, em Aracaju –
sileiro, 1984. Sergipe.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 589

Mediatização do real: consumos e estilos de vida.


Contributos e reflexões
Susana Henriques1

Nas sociedades contemporâneas os me- nem todos os aspectos da realidade estão


dia assumem um papel fundamental enquan- próximos, muitas concepções são construídas
to forma de obtenção de informações e de a partir do que estes meios nos transmitem.
conhecimentos acerca dos mais diversos Ao tematizarem certos acontecimentos, ao
aspectos da realidade. Trata-se de um conhe- privilegiarem determinadas vertentes dos
cimento mediado pelos meios de conhecimen- assuntos, em detrimento de outras, transmi-
to social, mas em relação ao qual o público tem uma visão dos acontecimentos que é
(“receptor”) tem um carácter activo. Os produtora de efeitos cognitivos.
consumos são um destes aspectos do real Os mass media têm acentuado a sua
social a que o discurso mediatizado dá omnipresença sendo uma das principais vias
expressão, constituindo um dos elementos para o conhecimento do exterior através da
daquilo que alguns autores designam por difusão de mensagens compreensíveis para
“sociedade do consumo” (Baudrillard, 1995, quase toda a gente. A globalização dos
entre outros). processos, das emoções e principalmente dos
Neste contexto, a reflexão proposta é fluxos e dos circuitos da informação tem
sobre o debate da expressão dos consumos como consequência a redefinição dos inter-
mediada pelos meios de comunicação social. valos de tempo e de distância na difusão das
Este debate assume particular relevância no notícias, subvertendo os conceitos de actu-
contexto mais vasto do estudo em que se alidade, de proximidade, de universalidade
insere, já que irá permitir procurar e de periodicidade, características básicas e
contextualizar e apreender os contornos da constantes do jornalismo. De acordo com
(re)formulação de estilos de vida, nas soci- Chaparro (2001:120), só a lógica do merca-
edades actuais, mais concretamente em do possui “modernidade”, ou seja, a fantasia
Portugal. Importa, pois, desenvolver dois e a sedução fazem parte de um...” jornalismo
eixos principais: os media na sociedade; e híbrido que incorpora os fundamentos da
a multiplicidade dos consumos – enquanto publicidade e do entretenimento”.
constitutivos de estilos de vida (que se Paralelamente,
apresentam como uniformizantes ou como
diferenciadores). “a humanidade tornou-se ávida de
informação e, como os consumidores
Sobre os media na sociedade se mostram desejosos de notícias,
estas foram transformadas num pro-
A imagem que os meios de comunicação duto, isto é, algo que pode ser com-
social transmitem da realidade corresponde prado e vendido. [Neste sentido, pode
cada vez mais ao conhecimento que temos dizer-se que] o consumo maciço de
sobre o que nos rodeia, sobre os outros e informação é semelhante, pelo menos
sobre nós próprios. Mas num artigo no mundo industrial, à compra em
jornalístico a selecção dos factos e os termos larga quantidade de produtos materi-
utilizados pressupõe uma perspectiva na ais” (Sorlin, 1997: 134).
abordagem desse assunto. Daqui resulta um
real mediatizado que interage com a reali- Para Santos (2000:77),
dade subjectiva inscrita na experiência de
cada indivíduo. “...sofremos da síndroma da
Os media são, portanto, uns dos cons- mediatização (...) interiorizamos a
trutores da realidade e, na medida em que lógica de uma civilização pronta para
590 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

nos oferecer um real já elaborado, cular de relação expressa num dado estilo
pronto e confeccionado para consu- de vida adoptado e possível de identificar,
mo imediato e em relação ao qual a partir da sua imagem mediática.
somos alheios”.
Sobre a multiplicidade dos consumos
Nesta perspectiva, a informação e a
publicidade partilham uma lógica, que cada O fenómeno do consumo aqui conside-
vez mais se aproxima: a do marketing rado, concentra-se nas sociedades ocidentais
(Henriques, 1999; McManus, 1994). De contemporâneas e corresponde a um “modo
acordo com este princípio, o “consumo do de actividade sistemática e de resposta glo-
produto” – o consumo de informação – induz bal que serve de base a todo o nosso sistema
um realismo quotidiano tão banal que se torna cultural” (Baudrillard, 1995: 11).
facilmente assimilável, provocando uma O campo do consumo assume-se, pois,
adesão sentimental de natureza simbólica. como uma lógica social que implica conforto,
Significa, então, que os mass media são prestígio, desejo, prazer, felicidade, entre
importantes intervenientes na construção dos outros, e que pressupõe uma dinâmica de
universos de consumo. Assim, parte-se da necessidades e de motivações dos indivíduos.
ideia de que se trata de práticas de consumo No equacionamento da problemática dos
associadas a formas de estar, que parecem consumos identifica-se a existência de qua-
ser cada vez mais legitimadas, a diversos tro orientações principais. A perspectiva moral
níveis do social, o que é visível na sua dos consumos que nos remete para uma
expressão mediatizada. abordagem que realça os efeitos do aumento
Para Moro (1999) todos, independente- do nível de vida e da consequente genera-
mente dos recursos económicos que pode- lização do acesso aos bens de consumo na
mos ter, do sexo, da idade ou da classe social, “sociedade de consumo” e nos agentes so-
somos consumidores. Continuamente toma- ciais (Ortega y Gasset, sd.; Galanoy, 1980;
mos decisões de consumo – sobre alimen- Lipovetsky, 1989). Os consumos na perspec-
tação, vestuário, transportes, lazer e outros. tiva do marketing remetem para a melhoria
Estas decisões são fruto de influências in- do nível geral de vida, para o aumento dos
ternas e externas ao indivíduo: externas que níveis de formação e do acesso à informação
reflectem a influência dos media; internas que enquanto factores na origem do acréscimo
se expressam nos estilos de vida. da agressividade comercial com enfoque no
A expressão que os meios de comunica- papel do consumidor no mercado, da tendên-
ção social traduzem dos consumos vai-se cia para a diminuição da vida útil dos bens
reflectindo no comportamento da sociedade e dos meios de produção e de alterações
actual, através de imagens, linguagens, es- rápidas e profundas no comportamento e
quemas de comportamento, estilos de vida, motivação dos consumidores e utilizadores
estereótipos. Paolo Landi (2002) fornece um (Baudrillard, 1968; Lendrevie, et all., 1993;
exemplo que pode ilustrar esta influência do River, Arellano & Molero, 2000). A perspec-
papel dos media na criação de indivíduos tiva institucional dos consumos remete para
“funcionais no sistema da sociedade de uma orientação mais estrutural deste fenó-
consumo”, através de algumas indicações meno, situando-o numa sociedade de grande
dadas pelo conteúdo das mensagens que lhes produção que gradualmente se tem desloca-
são dirigidas. Nomeadamente, considerar que, do para uma sociedade orientada para o con-
não possuir um determinado produto signi- sumo (Bauman, 1992; Ritzer, 2001). Final-
fica inferioridade, marginalização ou apres- mente, a perspectiva dos consumos enquanto
sar a necessidade de satisfação dos desejos competências remete para um processo de
de modo imediato e facilitado. aprendizagem e formação que os consumi-
No entanto, é difícil identificar uma dores têm vindo a desenvolver em relação
tendência predominante nos consumos actu- a diversos aspectos do consumo (Elias, 1989;
ais. E esta dificuldade aumenta ainda mais, Giddens, 1994).
se considerarmos uma definição extensiva dos De qualquer forma, os consumos impli-
consumos, encarando-os como um tipo parti- cam escolhas e estas reflectem o modelo
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 591

cultural em que se inserem através do sig- respeito às necessidades de sobrevivência e


nificado que lhes é atribuído. Estas escolhas, de conforto (ver Moro, 1999, entre outros).
circulação e apropriação (que traduzem o O segundo nível, remete para um entendi-
consumo) de bens, objectos e signos dife- mento dos consumos inscritos num determi-
renciados, constituem uma espécie de código nado estádio do “processo civilizacional”
linguístico da sociedade (Baudrillard, 1995). (Elias, 1989, 1990, por exemplo). Finalmen-
A generalização do consumo assume, para te, a dimensão simbólica dos consumos de
Ritzer (2000), os seguintes pressupostos. Em “objectos-signo” enquanto expressão de es-
primeiro lugar, uma maior quantidade de bens tratégias de identificação e distinção (ver por
e serviços está mais disponível do que antes exemplo, Baudrillard, 1995). Daqui resulta
para mais população. Esta disponibilidade de que, o envolvimento dos indivíduos com o
bens e serviços depende, bastante menos do consumo é tal que se encontra profundamen-
que antes, do tempo ou da localização te infiltrado na vida quotidiana. Não só na
geográfica. Consequentemente, os indivídu- tomada de decisões a nível económico, como
os conseguem obter o que querem ou pre- também ao nível das experiências individu-
cisam quase instantaneamente e de forma ais afectando a construção identitária, a
mais cómoda. Em paralelo, também os bens formação de relações sociais e o enquadra-
e os serviços têm uma qualidade mais uni- mento dos acontecimentos quotidianos.
forme e existem mais alternativas económi- Assim, a circulação, compra, venda e
cas àqueles que são comercializados a pre- apropriação de bens de objectos-signo dife-
ços elevados. Num mundo em rápida mu- renciados constituem a linguagem e o código
dança a comparativa estabilidade e famili- através dos quais toda a sociedade comunica
aridade que os sistemas oferecem represen- (Baudrillard, 1995). Por isso, as diferentes
tam conforto – o que constitui outro pres- dinâmicas de transformação dos consumos e
suposto importante. Finalmente, certos pro- as tendências que elas provocam configuram
dutos são mais seguros num sistema mais um quadro diversificado e por vezes contra-
controlado e regulado e as inovações são aqui ditório de estilos de vida que se inscrevem
difundidas de forma mais rápida e fácil. em lógicas quotidianas de procura de bem-
Estes pressupostos traduzem o processo estar e de realização, de reconhecimento e
através do qual a sociedade como um todo de libertação. E reflectem-se numa forma de
reforçou a responsabilidade de proporcionar negociar as oposições entre oportunidade e
ambientes seguros para os interesses comer- perigo, liberdade e responsabilidade, prazer
ciais, nos seus diversos níveis – saúde e e ordem moral.
beleza, alimentação, educação, vestuário, Importa aqui a ideia de que o carácter
transportes, lazer. No entanto, Ritzer destaca estatutário dos consumos expressa estilos de
o facto de que as pessoas passam grande parte vida, que são igualmente de pertença a um
do tempo de lazer em ambientes comerciais, grupo ou de distintividade, são ainda atri-
o que contribui para o reforço do consumo. butos do processo de construção identitária.
De facto, as práticas associadas aos Esta ideia é reforçada por Lunt e Livingstone
consumos conhecem hoje formas e usos que (1996) que, tal como Weber, defendem que
as distinguem das anteriores: massificaram- a cultura do consumo pode proporcionar
se, banalizaram-se e acentuaram-se. O forte condições a partir das quais a maioria das
dinamismo que caracteriza o mundo moder- pessoas pode trabalhar a sua identidade. Isto
no é visível no ritmo da mudança social, que é, este tipo de consumos tem uma relação
é mais rápido do que em qualquer outro directa com as identidades sociais e
sistema anterior. Mas também na profundi- referenciam estilos de vida que se inscrevem
dade com que afecta as práticas sociais e os em lógicas quotidianas de procura de bem-
modos de comportamento preexistentes estar e de realização, de reconhecimento e
(Giddens, 1994). de libertação. As diferentes dinâmicas de
Do exposto, importa reter três níveis transformação dos consumos e as tendências
distintos, mas interligados, dos consumos: o que elas provocam, configuram um quadro
da satisfação das necessidades, estrutrais, ou diversificado e por vezes contraditório de
das práticas simbólicas. O primeiro, diz condições de existência e modos de vida.
592 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Giddens (1994) identifica nas sociedades possibilidades futuras, mas a aceitação do


actuais um clima de indefinição em que risco é também um dos requisitos de exci-
parecem não existir possibilidades tação e de aventura e fonte de energia cri-
predefinidas, todas se encontram em aberto. adora de riqueza numa economia moderna.
De acordo com Elias (1990:258-259), Podemos ilustrar com duas ordens de argu-
mentação. Por um lado, o impacte do de-
“períodos como este, de transição, senvolvimento tecnológico sobre o ambiente
prestam-se particularmente à reflexão: e a saúde. Por outro lado, o caso dos con-
os antigos padrões são, em parte, sumos que envolvem um grau de instabili-
postos em causa, não havendo ainda dade e de incerteza como o das bebidas
novos padrões solidamente estabele- alcoólicas e espirituosas, o de alguns pro-
cidos. As pessoas ficam mais insegu- gramas alimentares e de dietas ou de práticas
ras acerca de como orientar o seu desportivas radicais, para citar apenas alguns
comportamento. A própria situação exemplos.
social torna o ‘comportamento’ um Nesta linha, os padrões de estilo de vida
problema premente. Em tais fases – podem por vezes incluir a rejeição mais ou
e talvez apenas em tais fases – as menos deliberada de formas de comportamen-
pessoas vêem com novos olhos muitos to e de consumo mais vastamente difundidas
aspectos do comportamento que às e a consequente adopção activa de certo tipo
gerações anteriores pareciam natu- de práticas de consumo que se inscrevem em
rais”. padrões alternativos de libertação e de iden-
tificação, traduzindo um escape quotidiano
A condição prévia para esta situação seria e envolvendo alguns riscos aceites e valo-
o aumento dos níveis de vida e de segu- rizados – já que correr certos riscos na busca
rança. Nesta linha, de acordo com Giddens de um dado estilo de vida é aceite dentro
(1975: 49), Weber defende que “os grupos de certos limites definidos pelo grupo e pelo
de status expressam as relações envolvidas contexto.
no consumo, na forma específica de estilos O mundo actual cria novas formas de
de vida”. fragmentação e dispersão e por isso, a noção
O autor refere-se assim, à importância da de estilo de vida assume um significado
situação que é determinada pelo tipo de particular. Factores como a abertura da vida
aquisição ou utilização de bens acessíveis no social de hoje e a pluralização dos consu-
mercado: mos, a que os mass media dão expressão,
fazem com que a escolha de um estilo de
“... toda a sua existência social de- vida tenha uma importância crescente na
pendia de que ele ‘demonstrasse’ tal constituição da identidade pessoal e da
posse. Não existe estímulo mais forte actividade quotidiana.
do que uma tal necessidade de auto-
afirmação no círculo dos companhei- Sobre os consumos e os estilos de vida nos
ros...” (Weber, 1989: 212). meios de comunicação de massas

O aumento dos níveis de indefinição, a Embora partindo da distinção analítica


que se refere Giddens, significa que as apresentada, estes, na realidade, encontram-
necessárias escolhas de estilos de vida são se interligados e importa agora referir alguns
plurais e envolvem possibilidades de acção aspectos dessa interligação. Compreender
positivas e negativas (constrangimentos) e estes aspectos revela-se de particular impor-
significa que há um questionamento perma- tância no entendimento das relações entre as
nente e uma atitude calculadora face às mudanças sociais globais e a complexificação
noções de risco e de incerteza. Situamo-nos da imagem que os media transmitem dos
pois, nos envolvimentos da modernidade, consumos com reflexos nos estilos de vida
designadamente naquilo que Giddens (1994) dos consumidores.
refere como os “ambientes de risco”. O risco O aumento do controlo aos diversos níveis
refere-se a perigos calculados em função de das sociedades actuais expressa um padrão
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 593

em que cada vez mais objectos e símbolos comportamento e consumo mais generaliza-
têm sido entendidos como mercadorias – a das optando por outras dotadas de maior
esfera do lazer, as crianças, a saúde e a distintividade.
doença, entre outros. Trata-se, para Landi Para uma melhor definição do objecto de
(2002), de uma “mercantilização generaliza- estudo, importa partir da hipótese genérica
da” que tem vindo a dar crescente visibili- de que os estilos de vida se encontram
dade e autonomia à esfera do consumo. relacionados com a imagem mediática dos
A realidade nas sociedades contemporâ- consumos.
neas alterou-se em função da expansão dos Referindo-se ao aspecto do “consumismo”
media que promovem a alteração e multi- na comunicação, Cashmore (1994) defende
plicação das instituições de socialização e a que o “one world” actual resulta da expansão
diversificação das fontes de informação das comunicações, o que comporta aspectos
(Ferin, 2002). Desta forma, os media apre- vantajosos e perigos. Perigos porque enco-
sentam-se como instrumentos de ligação raja as pessoas a viverem para além dos seus
essencial entre os indivíduos e tudo o que meios; vantagens porque estimula a visão do
os rodeia. Ou seja, como “construtores da mundo, os mapas culturais, as referências e
realidade”, na medida em que apresentam uma interpretações. Neste sentido, os aspectos do
selecção parcial de um determinado aconte- quotidiano aproximam-se cada vez mais da
cimento em função de um conjunto de ori- linguagem dos meios de comunicação de
entações tecnológicas e editoriais próprias de massas - a linguagem corrente, o vestuário,
cada meio (Henriques, 1999). É neste sentido etc. Os meios de comunicação social de
que importa perceber a forma como os meios massas surgem assim como um dos elemen-
de comunicação de massas expressam consu- tos da sociedade e da cultura de consumos
mos e estilos de vida dos indivíduos. actuais (de bens, de estilos de vida, de
Ao longo da transição para a estrutura substâncias, etc.).
das sociedades contemporâneas sempre tem É possível identificar uma linha de dis-
havido desigualdades no acesso ao consumo curso segundo a qual a insatisfação leva as
(de objectos ou simbólico). No entanto, para pessoas a adquirirem coisas que rapidamente
além do valor do uso, importa aqui mais a se tornam desinteressantes, e a procura de
lógica da produção e da manipulação dos novos estímulos leva a um ciclo de consu-
significantes sociais e a forma como se tem mo. Landi (2002) é um dos autores que se
acentuado, por uma certa massificação do refere a esta relação com o consumo citando
consumo, mas muito também por acção dos o caso específico das crianças, chamando a
media. atenção para o facto de que desde os pri-
O processo de consumo pode assim ser meiros anos de vida as crianças têm quase
entendido como um tipo de linguagem, todos os brinquedos possíveis. Mas, este autor
equivalente a um código portador de signi- nota que isto resulta da função do marketing
ficação e comunicação. Mas também pode que lhes é dirigido e que é fazer uma espécie
ser entendido como processo de classifica- de treino para o consumo. Assim, a Barbie,
ção e de diferenciação social, em que os as telenovelas e as guloseimas (citando os
objectos e os signos se ordenam como valores exemplos do autor) podem constituir opor-
estatutários e susceptíveis de hierarquizar tunidades de fuga a uma realidade menos
(Baudrillard, 1995). Isto é, os objectos perfeita.
manipulam-se sempre como signos que dis- Esta visão da sociedade de consumo não
tinguem o indivíduo, quer filiando-o num pode deixar perder de vista que a compra
determinado grupo de pertença, quer demar- – o consumo – é o resultado de processos
cando-o de outros por referência a uma de decisão através das quais o indivíduo
diferença de estatuto. persegue certos objectivos. Além disso, a
Este carácter estatutário dos consumos unidade de consumo não é apenas o indi-
expressa estilos de vida, que são igualmente víduo isolado, mas um grupo – familiar, ou
de pertença a um grupo ou de distintividade. de pares – e por isso existe uma pluralidade
Os padrões de estilo de vida podem igual- de pessoas e de factores que afectam cada
mente traduzir a rejeição de formas de processo de escolha.
594 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

O modelo de análise aqui proposto pre- considerados menos distantes e mais fami-
tende seguir sobretudo uma perspectiva que liares. O discurso dos meios de comunicação
entende o consumo como um momento de massas traduz esta complexificação, vi-
importante da produção e elaboração social sível em dimensões do quotidiano como os
de sentido na moderna organização das consumos e os estilos de vida.
sociedades. Este é expresso pelos mass media Neste contexto e, de acordo com as
e reflecte-se nos estilos de vida. reflexões teóricas apresentadas, este estudo
Featherstone (1995) identifica uma assenta na ideia de que os indivíduos são
complexificação das relações que se tradu- confrontados com certos produtos, imagens
zem naquilo que designa por cultura de e comportamentos, veiculados pelos media
consumo. Para o autor, esta complexificação e com os quais se identificam. Esta identi-
da cultura de consumo resulta de imagens, ficação encontra-se relacionada com a auto-
de bens e de signos extraídos de diversas definição dos indivíduos e com o seu rela-
culturas, os quais, à medida que os fluxos cionamento com o social. E reflecte-se nos
de intercâmbio se intensificam, vão sendo consumos e nos estilos de vida.
OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS 595

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596 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 597

Capítulo IV

COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO
598 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 599

Apresentação
Eduardo Camilo1

Nesta breve introdução aos estudos re- cionais, por fenómenos de transformação
lativos à comunicação e às organizações que interna e externa inerentes aos contextos
irão ser apresentados no 2º Congresso Ibé- protagonizados pelas sociológica. Esta pers-
rico (CCCC2004, Universidade da Beira pectiva postula a existência de uma varie-
Interior, 24 de Abril), optámos por proceder dade infinita de práticas comunicacionais: não
a uma sistematização - que não é exaustiva é possível conceber uma única categoria de
– de certas opções de estudo, ângulos de comunicação corporativa, mas uma gama
análise e preocupações de investigação da muito heterogénea e diversa de comunica-
comunidade científica relativamente a esta ções nas organizações.
temática. Certamente que poderíamos suma- A segunda tendência de investigação
riar os conteúdos dos textos que integram este poderá ser classificada como simétrica da
capítulo. Considerámos, porém, tal tarefa anterior: está relacionada com uma
relativamente desnecessária: o leitor interes- hipervalorização da funcionalidade estratégi-
sado nestes assuntos rápida e facilmente ca dos processos de comunicação, conceben-
avaliará cada ensaio a partir da leitura da do-os enquanto recursos que, na sua dimen-
respectiva introdução e conclusão. são mais estrutural, se encontram à dispo-
Poderemos conceber que a investigação sição de todas as organizações. A comuni-
sobre a comunicação corporativa se inscreve cação corporativa tende a ser concebida com
em três direcções principais: 1ª) a dos uma configuração abstracta de factores ou de
modelos e dos paradigmas; 2ª) a da análise componentes estritamente comunicacionais,
da especificidade das mensagens típicas e, que pode aplicar-se a qualquer realidade
3ª), a dos case studies. institucional.
É neste ângulo de análise que se inscre-
Modelos e paradigmas vem as abordagens mais lineares e abstractas
do fenómeno comunicacional. Abstractas,
É nesta direcção de pesquisa que se porque visam criar modelos de intervenção
inscreve a grande maioria das investigações que sejam capazes de funcionar e de se
no âmbito da comunicação corporativa. Não enquadrar em todas as situações da existên-
obstante a sua variedade, é possível constatar cia corporativa. Assim sendo, este paradigma
a recorrência de alguns ângulos de análise não só será útil para a promoção de produtos
e de certas tendências de reflexão e de e de serviços, mas, igualmente, para o in-
abordagem. cremento da moral dos trabalhadores ou para
A primeira estará relacionada com o o relacionamento com accionistas.
estudo do fenómeno comunicacional a partir Abordagens lineares porque se baseiam
de uma abordagem integrada na área da numa confiança nas potencialidades funcio-
sociologia das organizações, procurando nais da comunicação que é considerada
descortinar-se a relação entre a vida, a exagerada. Nesta tendência de investigação,
especificidade, a identidade, a cultura, etc. o pressuposto teórico é sempre o mesmo: a
da corporação e o estatuto da comunicação comunicação nas organizações serve sempre
na empresa. As modalidades de gestão, as para alguma coisa e, nesta medida, é uma
relações de poder encontram-se reflectidas em panaceia para tudo. É útil para a gestão das
práticas e em estruturas comunicacionais trocas de informação, para o incremento dos
específicas, absolutamente singulares. A sin- valores democráticos de participação laboral,
gularidade da comunicação corporativa é, mas também para a manutenção das relações
então, explicada por critérios extracomunica- de poder. É igualmente importante para
600 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

influenciar a percepção dos públicos sobre produções de sentido corporativo com carac-
a organização, percepção essa, que se reflec- terísticas estruturais e basilares.
te na natureza da sua interacção: quanto mais
positiva for a qualidade da percepção, maior A análise da especificidade das mensagens
é o empenho no âmbito da interacção. típicas
Subjacente a estas atitudes descobrem-se as
teorias da comunicação de índole funcional, Um relevante domínio de investigação no
instrumental e, na sua perspectiva mais básica, âmbito das ciências da comunicação corpo-
mais elementar, as de natureza hipodérmica, rativa prende-se com a reflexão sobre as
associadas já não à temática da propaganda especificidades das mensagens produzidas
ou da publicidade, mas, desta feita, à da pelas organizações. Esta é uma área de estudo
comunicação nas organizações. que tem vindo a ganhar importância. A sua
Relativamente à terceira tendência de valorização está relacionada com a emergên-
investigação no âmbito dos modelos e dos cia de análises de índole semiótica e linguís-
paradigmas de comunicação corporativa, tica relativas à natureza dos sentidos desen-
consideramos que ela apresenta um valor de volvidos, interna e externamente, pelas
síntese, salientando-se a preocupação de empresas. Podem ser transmitidos pelos mais
aproveitar o que as outras duas apresenta- variados canais de comunicação e suporta-
vam de mais relevante. No que respeita à dos por diversas matérias expressivas: pala-
primeira tendência, de índole marcadamente vras, imagens, grafismos, mas, igualmente,
sociológica, há o reconhecimento da impos- gestos, objectos, configurações espaciais, etc..
sibilidade de se reflectir abstractamente sobre Nas organizações existe um enorme texto
a comunicação corporativa sem a pondera- corporativo à espera de ser descodificado: um
ção de um contexto de intervenção organi- texto que remete para sentidos de ordem
zacional para o qual terá de remeter inevi- verbal e não verbal produzidos nas reuniões,
tavelmente. Torna-se, então, essencial enten- na gestão dos espaços de trabalho e de
der em que consiste uma organização na sua convívio, na significação de trajectos deter-
singularidade, uma conceptualização desen- minados por signos sinalécticos, etc.. Mas este
volvida a partir dos mais variados ângulos: texto corporativo também se reflecte noutras
desde os de índole antropológica, aos de produções de sentido. É o caso, concretamen-
natureza sociológica e psicológica. No que te, das que se reportam às relações dos
respeita à segunda tendência de investigação, representantes das organizações com os seus
a que apresenta uma especificidade inerente parceiros, relações a partir das quais se
ao domínio das ciências da comunicação, os insinuam múltiplas significações de ordem
principais desafios que se apresentam, rela- corporativa, alguns delas alicerçadas numa
cionam-se com a necessidade de criar um gestão institucionalizada, corporativamente
estatuto para a comunicação corporativa, um ortopedizada, do corpo, possibilitando a
cânone global que pondere todas as práticas emergência de mensagens corporativas de
de comunicação na organização (de índole especificidade cinésica (por exemplo, a gestão
comercial ou corporativa, de natureza per- de uma teatralidade institucional), e, até
suasiva ou informativa, inerentes à Publici- mesmo, paralinguística (o reflexo de uma
dade ou às Relações Públicas) mas, ao mesmo interiorização de um papel profissional e
tempo, que seja suficientemente maleável institucional na maneira de pronunciar as
para se particularizar, para se adequar às palavras). Destacamos, também, os estudos
múltiplas singularidades que as empresas relativos à análise das grandes produções
podem apresentar, quer numa perspectiva textuais de natureza iconográfica, verbal ou
interna, quer externa. Ao invés de gerar um gráfica das organizações: os filmes
único modelo de comunicação corporativa corporativos, os discursos dos corpos geren-
global e totalizante como anteriormente, este tes, os slogans, os símbolos e os logotipos,
trabalho de síntese originará vários, mas na averiguando a sua ambivalência semântica:
condição deles serem configurações particu- por um lado, a significação explícita das
larizadas de actividades comunicacionais, de grandes utopias corporativas, das histórias,
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 601

dos valores, das regras e dos regulamentos; studies: investigações ou análises descriti-
por outro, a evocação indiciática, das práticas vas dos processos e das práticas de comu-
quotidianas, dos constrangimentos e das si- nicação desenvolvidas por determinadas or-
tuações de crise, das real politik corporativas. ganizações. São modalidades de investiga-
Embora sejam predominantes as reflexões ção com certas tradições na comunidade
de índole semântica, procurando-se descobrir científica anglo-saxónica que, na sua dimen-
nos textos das organizações a evocação de são mais primordial, recordam-nos alguns
ideologias corporativas, é igualmente impor- estudos de campo de índole sociológica e
tante as análises inerentes a uma dimensão antropológica. Consideramos que os case-
pragmática. São investigações que valorizam -studies apresentam alguns desequilíbrios do
a dimensão contextual das mensagens, ava- ponto de vista da relevância epistemológica
liando-as a partir de circunstâncias e de para as ciências da comunicação, em geral,
enquadramentos de produção textual produ- e para as da comunicação corporativa, em
zida pela organização e fora dela, descobrindo particular. Alguns, nada mais são do que um
em que medida tais mensagens podem mu- simples trabalho descritivo de um fenóme-
tuamente influenciar-se numa espécie de no ou de um conjunto muito limitado de
intertextualidade corporativa. Mas também são fenómenos comunicacionais de índole cor-
estudos que avaliam as particularidades porativa. Em contrapartida, existem outras
locutórias, ilocutórias e perlocutórias das investigações de maior alcance e ambição
mensagens organizacionais, as circunstâncias científica, nas quais a situação de comuni-
institucionais em que são produzidas e, es- cação descrita, inerente a uma instituição,
pecialmente, a maneira como os interlocutores serve para formular ou para verificar con-
corporativos se apropriam delas e ‘negoceiam’ ceitos relativos a certos modelos e
dialogicamente, num processo de compreen- paradigmas de comunicação e de significa-
são corporativa, a sua gama de significações
ção corporativa.
possíveis e institucionalmente pertinentes.

Os case studies de índole organizacional _______________________________


1
Universidade da Beira Interior. Coordenador
Um terreno fértil de investigação ineren- da Sessão Temática de Comunicação e Organi-
te à comunicação corporativa, são os case zação.
602 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 603

Apresentação
José Viegas Soares1

A Comunicação Organizacional tem como nicação organizacional na sua vertente inter-


as demais formas de comunicação o “defei- na, eram todos da categoria Técnicos, isto
to” de existir sempre, ou seja, quer alguém é, executavam decisões comunicacionais
pense nela e procure organizá-la, quer não, tomadas por estrategas não comunicadores.
ela acontece, como se de um fenómeno Este parece ser um dos problemas sentidos
natural se tratasse, isto é, ela existe sempre. e vividos pela comunicação organizacional,
Talvez por isso, todos os actores sociais ou seja para os profissionais de comunicação
presentes nas organizações se considerem fica o papel de executar enquanto que para
capazes de a realizar, facto que tem impe- a gestão (onde a comunicação é muitas vezes
dido que a mesma seja mais eficaz e efi- uma referência do senso comum) ficam as
ciente, quer estas, eficácia e eficiência, sejam responsabilidades estratégicas, em termos de
vistas de uma perspectiva técnico adminis- comunicação.
trativa quer sejam vistas de uma perspectiva Um dos estudos aqui apresentados abor-
mais humana e integradora. da as relações de poder (chefia/subordinado)
Do ponto de vista da relação Gestão/ e a eficácia organizacional. Um ou outro tema
Comunicação vamos normalmente confron- de grande importância em termos de comu-
tar-nos com o choque entre dois poderes: O nicação organizacional tem a ver com as
Poder de Gestão versus o Poder de Comu- novas tecnologias (webs, mails, internets,
nicação, ou dito de outro modo o poder do intranets, extranets, telemóveis, etc.): Quais
topo face ao poder do especialista. Um olhar as utilizações que estas tecnologias podem
em redor mostrar-nos-á com alguma regu- proporcionar (presidentes de empresas
laridade que a função comunicação é multinacionais com quem os empregados
minimizada pelo poder de topo ainda que no podem contactar directamente via e-mail;
discurso virado ao exterior (e mesmo no telemóveis que permitem localizar os estafetas
virado para o interior) todos falem da im- em qualquer local, etc., etc.) Mas, sem dúvida,
portância da comunicação. São múltiplos os tão ou mais importante do que estas apli-
casos onde o profissional de comunicação não cações funcionais são os efeitos que estas
tem qualquer interferência nas decisões es- mesmas novas tecnologias vão produzir nas
tratégicas que afectando a comunicação das organizações, na sua orgânica interna, na sua
organizações, afectam a sua imagem e con- estrutura, na sua cultura, nos seus sistemas
sequentemente os seus objectivos e os seus e nos seus modelos de comunicação.
resultados organizacionais. Ignorância sobre Derrick Kerckhove no seu livro A pele
o que a área é ou para que serve, arrogância da cultura defende a tese, muito na linha de
de poder, falta de confiança no comunicador? McLhuan de que os novos meios electróni-
Problemática pouco estudada cientifica- cos são extensões da psicologia humana, da
mente, ela poderá mostrar-nos como se nossa cognição. Se pensarmos em termos de
estruturam as profissões da comunicação. Se memória a Internet é na realidade uma
atentarmos em estudos realizados noutros memória disponível de alguns milhões ou
países vamos poder constatar que os mesmo biliões de dados. E o que acontecerá
comunicadores se agrupam normalmente em a uma memória que fica dependente de uma
duas ou três categorias Estrategas; Gestores máquina e que não se treina?
e Técnicos. Ainda que a realidade portugue- Atentemos no indiscutível princípio do
sa seja muito pouco conhecida, um trabalho prazer de Freud, indiscutível quando aplica-
recente desenvolvido em Bancos mostrou do ao corpo humano, poderemos tremer em
claramente que os responsáveis pela comu- face destas extensões da nossa cognição. Na
604 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

mesma linha, a das influências dos novos os áudio visuais nos levaram de novo para
média na comunicação organizacional e a tribo, o que acontecerá agora com esta
consequentemente nos seus executores, quais escrita (SMS, por exemplo) em letra de forma
as modificações que os novos media produ- mas etérea para não dizer virtual?
zirão na nossa visão? Se considerarmos a TV, Estes são quanto a nós alguns dos pro-
(meio frio, no dizer de McLuhan) vemos um blemas que nos dias de hoje interessam a
domínio, o da uma visão icónica sobre uma quem estuda e trabalha em comunicação
visão gráfica que a escrita (meio quente) nos organizacional. Vejamos o que o nosso painel
habituara ao longo de milhares de anos. A de comunicadores nos diz.
chegada dos novos meios repõe a visão
gráfica linear e com um sentido de percurso
_______________________________
da esquerda para a direita, no ocidente claro. 1
Escola Superior de Comunicação Social.
Se a escrita impressa tinha sido a respon- Coordenador da Sessão Temática de Comunica-
sável por toda a organização e burocracia e ção e Organização do VI Lusocom.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 605

Quando falo o que quero e digo o que é preciso


Adriana Gomes Moreira1 e Maria Madalena Simão Duarte2

Unir esforços e ouvir os interessados Trata-se de um campo de actuação em pleno


crescimento, aplicado não só aos responsá-
Cientes de que há mais tecnologia do que veis pela comunicação organizacional3 bem
capacidade em melhor utilizá-la (e a absorvê- como ao próprio empresário que necessita de
la), partimos do princípio de que devemos um alto grau de adaptabilidade às novas
implementar o que temos a mão com a exigências do mercado mundial.
preocupação constante em melhor servir-nos. Globalização, público mais exigente,
Mesmo dentro dos limites regionais, as novas responsabilidade social e sindicatos trabalhis-
ferramentas destinadas a melhorar processos, tas. Em tempos difíceis da economia, esses
aumentar eficiência e formar funcionários e são alguns dos factores que fizeram com que
a promover a interacção com clientes estão as empresas atentassem para maiores inves-
transformando, da noite para o dia, antigas timentos em comunicação, a qual aparece
empresas em modernos empreendimentos e como alternativa. A empresa busca atingir a
criando novos líderes de mercado. ideal performance da comunicação fornecen-
Independente do porte ou sector de do às pessoas informações correctas, no lugar
actividade, sua estratégia de operação bus- certo, no tempo exacto e na forma apropri-
cará sempre a “vantagem competitiva” pois, ada em todos os níveis, áreas e sectores.
quanto mais valor agregado ao produto ou Teoricamente, aquela que não desenvolve
serviço oferecido, mais essa vantagem será estas funções de forma adequada tende a
convenientemente alcançada. E a comunica- perder visibilidade, transparência, oportuni-
ção joga nesse campo um papel fundamen- dades de negócios e, principalmente, clientes
tal: seja no sentido de promover a coesão em potencial.
interna em torno da qualidade do produto, Dentre os autores que discutem o assun-
dos valores e da missão da empresa, seja no to, Roger Cahen (1990) tem uma das mais
trabalho de aumentar a visibilidade pública claras definições:
da organização e na divulgação de seus
produtos e serviços. Num cenário globalizado, “Comunicação Empresarial é uma
a informação - e as formas de comunicá-la actividade sistémica, de carácter
produtivamente - revela-se uma arma pode- estratégico, ligada aos mais altos
rosa de gestão. Isso aplica-se tanto à comu- escalões da empresa e que tem por
nicação interna e corporativa como às ac- objectivos: criar - onde ainda não
ções de fortalecimento da imagem existir ou for neutra - manter - onde
institucional, relações com a imprensa e já existir - ou ainda, mudar para
governos, marketing, propaganda e promo- favorável - onde for negativa a ima-
ção. Porém, como a comunicação implica em gem da empresa junto a seus públi-
visibilidade - o que em muitos casos pode cos prioritários” (1990:32)
significar vulnerabilidade - o processo de
implantação de um projecto de comunicação Vale ressaltar que os corpos de conceitos
dentro da empresa tem um caminho a seguir. destas áreas adjacentes à Comunicação Or-
O que já soou a “modismo’’ ganha as ganizacional amadureceram. À Propaganda,
livrarias falando do perfil do “empresário do por exemplo, coube a responsabilidade do
novo milénio” - um ser digital que convive, segmento comercial, sofisticando sua
de forma pacífica, com a comunicação dentro matricial ramificação ideológica. Já as Re-
de sua empresa. Exageros à parte, conheci- lações Públicas, estas assumiram feição de
mento é diferencial, e inovação é prioridade. complexo sistema de influências, criando
606 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

sólidos vínculos entre organização e seus sendo o veículo de comunicação da “infor-


públicos, contribuindo para manter clima de mação ascendente” por excelência, pois vem
favorecimento em torno das actividades da base da pirâmide (trabalhadores) até –
empresariais. supostamente – o topo (direcção e gerênci-
Como afirmado por Paulo Nassar, “a as). O importante é que envolva toda a
sociedade e o mercado consumidor torna- organização, seja directo, regular e, sobre-
ram-se bastante hostis às ‘empresas analfa- tudo, personalizado.
betas’, que não aprendem a escrever, ouvir, Como citado por Mauro Salles no pre-
falar, se expressar e, principalmente, dialo- fácio do livro de Nemércio Nogueira:
gar no ambiente em que atuam” (1995:12).
A Comunicação Empresarial, anteriormente “Se já não existe o ‘no profile’ e se
percebida de forma errónea como um custo a comunicação com os vários públi-
que não produz um retorno mensurável, hoje cos - internos e externos - é cada vez
já é vista pela maioria como uma eficiente mais essencial e valiosa no mundo
ferramenta estratégica, e aceite como inves- empresarial, temos que entender que
timento, ao invés de despesa. o gestor moderno, o novo empresá-
Entretanto, ao mesmo tempo em que o rio, o novo executivo, precisa ser um
mundo ganha velocidade, interligado por comunicador. Não dá mais para ser
avançadas tecnologias de comunicação, au- apenas um profissional (ou um her-
mentam também o potencial de danos pro- deiro ... ) treinado em finanças, em
vocados por comunicações mal feitas. A boa tecnologia, em processos industriais
nova era a de que os executivos podiam, se e comerciais. Se não entender o papel
assim desejassem, conversar com os seus da comunicação no seu negócio e se
públicos (clientes, empregados, fornecedores) não fizer de seu posto ou de sua
em muitos locais e ao mesmo tempo através
missão uma plataforma de comunica-
do uso da Internet. A má notícia é que os
ção, ele certamente vai ter dificulda-
riscos aumentaram e, que eles também, se
des.” (Nogueira, 1999: 15)
despreparados, podem ser vistos hesitantes
e atrapalhados, a fazer declarações frívolas.
O contexto apropriado
Peter Drucker (2000) alerta que, antes das
mudanças, o empresário deve-se perguntar se
Numa empresa tradicionalmente america-
elas são uma oportunidade ou uma ameaça.
na as cantinas eram o lugar mais propenso
Há enormes vantagens em eficiência com
à troca de conhecimento “útil’’, é a “rádio-
base nas novas tecnologias, a optimização da
comunicação é apenas uma delas. Porém, peão”. O que seria este conceito se aplicado
inovação é, hoje, sinónimo de mudança virtualmente? As comunicações informais
gerenciada.4 podem ser realçadas pelo uso das tecnolo-
Deve ser ressaltado que, da mesma forma gias de multimedia, como as telereuniões ou,
que a empresa utiliza a Intranet para oferecer chats e fóruns realizados aos montes na
informações úteis para os funcionários, ela Internet. Dentro do ambiente corporativo, isso
necessita estar preparada para extrair desse é aplicado através das intranets, uma manei-
convívio virtual, o feed-back que indica ra de usar a tecnologia de forma criativa
pontos de melhoria, opiniões e sugestões de gerando a mais ampla e ágil “mídia para
novos produtos e serviços. A visão simplista comunicação’’
do “envolvimento cognitivo” entre funcioná- Gestão do conhecimento contém um
rio e empresa deixou de ser novidade já em importante ingrediente de gerenciamento, mas
1927 com Elton Mayo, quando este nos não leva a crer que é uma actividade ou
provou que a satisfação do empregado está disciplina que pertença exclusivamente aos
directamente ligado ao reconhecimento por gerentes. Numa primeira tentativa de defi-
parte da empresa ao trabalho proporcional- nição prática, utilizamos o senso comum e
mente dispensado. Complicado, não? Nassar adaptamos as definições de Xavier (2000)
(2003) lembra que não se trata de uma dizendo que o conhecimento tem um signi-
“caixinha de sugestões”, caracterizado como ficado duplo. Em um primeiro instante asso-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 607

ciado ao conceito de um corpo de informa- seu conceito, visto que ela desempenha papel
ções e que se constitui de factos, opiniões, central, vemos na definição de Castells
modelos e princípios, bem como pode estar (1999):
baseado em estados de ignorância, entendi-
mento e habilidade. Tal definição é, de alguma “Rede é um conjunto de nós
maneira, similar às distinções entre os co- interconectados. Nó é o ponto no qual
nhecimentos explícitos e tácitos. O primeiro, uma curva se entrecorta. Concreta-
caracterizado de forma codificada ou formal, mente, o que um nó é depende do tipo
articulado e transmitido a indivíduos, e o de redes concretas de que falamos (...)
segundo significando conhecimento pessoal A topologia definida por redes deter-
enraizado na experiência individual, o que mina que a distância (ou intensidade
inclui crenças pessoais, perspectivas e valo- e frequência da interacção) entre dois
res. Assim, nós frequentemente encontramos pontos (ou posições sociais) é menor
uma ênfase na “organização que aprende” e (ou mais frequente, ou mais intensa),
outras abordagens que reforçam a se ambos os pontos forem nós de uma
internalização da informação - pela experi- rede do que se não pertencerem à
ência e pela acção - além da criação de novos mesma rede. Por sua vez, dentro de
conhecimentos através da interacção. determinada rede, os fluxos não têm
Desta forma, tendo o conhecimento no nenhuma distância, ou a mesma dis-
topo da escala, está caracterizada a neces- tância entre os nós” (1999:498)
sidade do processamento de dados obtidos
resultando em suporte para determinada Castells aponta a inovação tecnológica e
acção. O conceito de conhecimento que a transformação organizacional com enfoque
adoptamos é o de Jamil (2000), ou seja, uma na flexibilidade e na adaptabilidade, como
informação processada de forma estratégica: cruciais para garantir a velocidade e efici-
ência da reestruturação.
“informação mais valiosa e, conse-
quentemente, mais difícil de gerenciar. “Pode-se afirmar que, sem a nova
É valiosa precisamente porque alguém tecnologia da informação, o capitalis-
deu à informação um contexto, um mo global tem sido uma realidade
significado, uma interpretação. Co- muito limitada: o gerenciamento fle-
nhecimento envolve a percepção sis- xível teria sido limitado à redução de
tematizada do que existe, o aprendi- pessoal, e a nova rodada de gastos,
zado do passado e de experiências tanto em bens de capital quanto em
semelhantes às nossas, a compreen- novos produtos para o consumidor, não
são de funcionamento e aplicação de teria sido suficiente para compensar
sistemas associados aos nossos a redução de gastos públicos. Portan-
objetivos e, finalmente, a criatividade to, o informacionalismo está ligado à
pró-ativa”. (Jamil : 20)5 expansão e ao rejuvenescimento do
capitalismo, como o industrialismo
Na prática, a Gestão do Conhecimento estava ligado a sua constituição como
inclui a identificação e o mapeamento de modo de produção” (1999 : 39)
activos intelectuais (intangíveis) ligados à
organização, a geração de novos conhecimen- O uso da Intranet como veículo de
tos para oferecer vantagens e tornar acessí- Comunicação Interna oferece às organizações
vel grandes quantidades de informações um vasto leque de oportunidades na busca
corporativas, compartilhando as melhores de melhor desenvolver a relação empresa/
práticas e a tecnologia que torna possível isso funcionário. Nas empresas que funcionam em
tudo, as denominadas ferramentas para ges- rede e que se autodenominam “organizações
tão do conhecimento. aprendentes”, a Intranet torna-se uma impor-
Todos os esforços por compartilhar (e tante aliada na disseminação e no
disseminar) informação e conhecimento na compartilhamento de informação/conheci-
empresa levam à ideia de rede. Partindo do mento. Os computadores nas mesas de tra-
608 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

balho são transformados em extensões vir- denar aptidões de produção diversa e inte-
tuais onde grandes e pequenos, ao usar a nova grar múltiplas correntes de tecnologia.”
ferramenta tecnológica, conduzem negócios (1998:64). Elas vão muito além da simples
num mundo on-line, onde tudo passa a harmonização de tecnologias, envolvendo
acontecer na velocidade do pensamento. muitos níveis e funções da empresa e estão
Definindo o que vem a ser “empresa em relacionadas à comunicação e ao comprome-
rede’’ de forma mais precisa, Castells afirma timento das pessoas ao longo de toda a
ser um sistema estruturado com o propósito organização. Não estão nos recursos mate-
de alcançar objetivos específicos. riais ou humanos, mas naquilo que as mantêm
unidas, isto é, nos padrões de coordenação,
“Ainda acrescentaria uma segunda ca- harmonização e aprendizagem característica
racterística analítica, adaptada da da organização, bem como não diminuem
teoria de Alain Touraine. Sob uma com o uso, acumulando à medida que são
perspectiva evolucionária dinâmica, há aplicadas ou compartilhadas.
uma diferença fundamental entre dois Referimo-nos a tais conceitos principal-
tipos de organizações: organizações mente por apresentar a Intranet, ferramenta
para as quais a reprodução de seus de endomarketing, como um dos veículos
sistemas de meios transforma-se em seu ideais para a disseminação de conhecimento
objectivo organizacional fundamental; dentro da organização.
e organizações nas quais os objetivos Voltando ao modelo quadrifásico de
e as mudanças de objetivos modelam Nonaka, é possível considerar o ba através
e remodelam de forma infinita a estru- de uma estrutura lógica de interacção huma-
tura dos meios. O primeiro tipo de na, onde a internalização de conhecimento,
organizações chamo de burocracias; o seja ele de natureza tácita ou explícita, torna-
segundo de empresas’’ (1999:191) se, através de um contexto ideal – aqui
sugerimos a Intranet como tal - de forma a
Nonaka e Takeuchi (1995) atestam que a catalisar a reflexão que se transforma em
criação de conhecimento organizacional resulta acção. Os relacionamentos dentro de um ba
da conversão de conhecimento tácito em conduzem ao surgimento de um indivíduo
explícito, em um processo “espiralado” envol- integrado, onde as trocas contínuas favore-
vendo tanto a dimensão epistomológica quanto cem a fortificação dos relacionamentos in-
a ontológica. Já Prahalad e Hamel (1998) ternos, aquém de qualquer modelo predeter-
utilizaram o termo “competências essenciais” minado fora das implicações humanas. Os
para descrever as capacidades estratégicas de indivíduos formam o ba das equipes e essas
uma organização. Os autores acreditam que a formam o ba das organizações.
vantagem competitiva de uma empresa é fruto
de capacidades enraizadas que estão por trás Endomarketing – satisfazendo a quem me vê
dos produtos, às quais chamaram de “compe-
tências essenciais da organização”. A prática do endomarketing, como con-
ceituado por Analisa Brum (1998), nasceu
“[...] as fontes verdadeiras de van- da necessidade de se motivar pessoas para
tagem devem ser encontradas na programas de mudança que começaram a ser
habilidade gerencial de consolidar implementados a partir da década de 50. E
tecnologias e habilidades de produ- como já afirmado por Nassar (1995) e agora
ção que abrangem toda a empresa, reiterado por Brum (1998), o “homem” deve
em competências que capacitam cada ser visto como o elemento principal de todo
negócio individualmente a se adaptar e qualquer processo de mudança e de
rapidamente às mudanças de oportu- modernização empresarial, pois as mudanças,
nidades.”(1998:62) quando implementadas, esbarram em formas
tradicionais e conservadoras, capazes de
Para eles, as competências essenciais desencadear um estresse organizacional que
resultam “do aprendizado colectivo de uma dificulta e impede o desenvolvimento pleno
organização, especialmente de como coor- de qualquer actividade.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 609

Na visão de Brum (1998), o que acon- não saia dos muros da empresa, ainda em
teceu foi o desabamento na pirâmide orga- forma de boatos podem levar instituições e
nizacional em relação ao grau de compro- produtos à ruína.
metimento das pessoas. Sabe-se que ainda Duas estratégias básicas são relacionadas
hoje o envolvimento maior se dá na parte ao endomarketing segundo o trabalho de
de cima da pirâmide (alta direcção e gerên- Brum (1998). A primeira foca a visão da
cias). Sua base continua tendo envolvimento direcção com os propósitos e objectivos da
menor, a não ser que a empresa coloque à Organização. Um exemplo comum são os
sua disposição as informações de que neces- programas de mudança de cultura interna, as
sita para o engajamento total. E um progra- quais visam modificar a atitude de seus
ma de endomarketing bem feito é capaz de funcionários buscando compromisso e leal-
tornar o funcionário um ser comprometido dade com os princípios da empresa. A se-
com a nova postura da empresa e com a gunda estratégia diz respeito à tarefa, focando
modernidade, cada um em sua área de a comunicação de questões específicas quan-
actuação e através do seu trabalho. to ao trabalho em si. Inclui ainda a colecta
Aliado a todo o trabalho de motivação de opinião dos funcionários sobre maneiras
dirigido aos funcionários está a informação de melhorar desempenho e novas formas de
coerente, clara, verdadeira, lógica, centrada trabalho. Neste caso, os objectivos estão
e bem trabalhada. Visto desta forma, a in- directamente relacionados à eficiência dos
formação passa a ser colocada como a maior métodos de produção.
estratégia de aproximação empresa/funcioná- A criação deste espírito de “inteligên-
rio. A informação oficial, dentro da empre- cia grupal” depende da iniciativa da pró-
sa, é de domínio da direcção. Cabe à direc- pria empresa em descobrir aquilo que
ção o envio, ou não, de determinada decisão motiva o funcionário. Discussões sobre o
que, mais tarde, transformada em informa- assunto nas publicações empresariais evi-
ção para a base da pirâmide. A demora no denciam que profissionais especializados
envio desta informação pode ocasionar o que em endomarketing ainda são poucos, o tra-
a autora denomina “entropia da informação”, balho, hoje, cabe aos departamentos de co-
um dos factores que desmotiva o funcioná- municação e de recursos humanos que,
rio. juntos, já desenvolvem campanhas na área.
A indústria é o segmento que mais
“A realidade e o alcance da entropia desenvolve trabalhos em nível de comuni-
da informação, como é chamado este cação interna, mesmo porque o número de
processo, foram estudados pela mo- empregados é bem maior e as negociações
derna psicologia experimental. Uma sindicais a levaram à modificação da men-
informação que é transmitida de boca- talidade interna. A informação deste tipo de
-em-boca, por um certo número de campanha também pode vir alicerçada no
pessoas, sofre alterações cumulativas formação, quando os funcionários crescem
ao longo do caminho. A falta de junto com a empresa que lhes proporciona
canais e instrumentos oficiais de o cenário adequado para que possam enten-
comunicação interna determina o der a padronização dos serviços como uma
cenário adequado para que a entropia decorrência de factos reais, comum àquelas
da informação actue, provocando uma que desejam voltar-se para o mercado. São
opinião interna negativa e contrária criados novos canais de disseminação dos
aos objectivos da empresa” (1998:31) novos padrões, trabalhada a imagem da
empresa internamente, recolhidas sugestões,
Quando as denúncias de irregularidade - e contribuições dos funcionários para
fantasmas dos departamentos de comunica- melhorias internas relacionadas com o cum-
ção - parte dos próprios empregados, é primento dos novos padrões de serviços e
instaurado o caos. Fundamentadas ou não, da nova cultura de atendimentos propostos.
seu poder de influência é muito maior se Este tipo de situação é muito comum quando
partissem de outros sectores da opinião as empresas procuram uma certificação de
pública. Mas mesmo que este tipo de atitude qualidade.
610 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Exomarketing – conquistando quem me tamente os presidentes das empresas. (Nassar,


olha 1995:19). Não há muito, uma grande indús-
tria de automóveis levou a sério a afirmação
Agregar valor ao negócio também é isso, e colocou o seu próprio CEO (no Brasil)
pessoas felizes produzindo, pessoas felizes como “garoto propaganda” da marca. A
lucrando e pessoas felizes consumindo. receita deu certo.
Dantas (1996), o qual afirma que Marx
“Exomarketing é, portanto, uma es- em seu livro “O Capital”, não faz citação
tratégia de comunicação externa que ou sequer tece explicações detalhadas sobre
se utiliza das acções e instrumentos o que seria a função social das comunicações
de endomarketing como conteúdo” e seu papel social como força produtiva,
(Brum, 1998:175) explica:

Este novo conceito nasceu dos excelen- “O fato Marx ter baseado sua aná-
tes resultados obtidos com a comunicação lise da acumulação capitalista na
interna. Se antes ver funcionários trabalhan- apropriação da mais-valia da força
do felizes e ter a produção garantida era de trabalho simples obscureceu a
motivo de alívio aos executivos, por que não importância, ou o valor, que o capital
aproveitar do sucesso e mostrar ao público sempre deu à informação. Já no
externo quão boa é a sua empresa? Em outras século XIII, os banqueiros e grandes
palavras, mais este recurso vem para reforçar comerciantes sustentavam redactores
as estratégias de marketing externo, tão profissionais nas diferentes capitais e
eficazes foram as acções de endomarketing. mediterrâneas para que, periodica-
Esse modelo pode ser encontrado tam- mente, lhes enviassem relatórios so-
bém em um grande número de anúncios bre fatos políticos, bélicos ou comer-
gráficos, publicados em jornais e revistas com ciais que pudessem afectar os negó-
chamadas de abordagem interna, que vem cios. Nesses relatórios encontra-se a
causando a simpatia do público externo. origem remota deste moderno jorna-
Como exemplo podem ser citados o do lismo” (1996:34)
BankBoston “Para conquistar clientes, pri-
meiro conquistamos nossos funcionários”, o O nascimento da necessidade de gestão da
da Nestlé “Poucas empresas são sinónimos multidão humana. Atrelado a isso, a Revo-
daquilo que fazem” ou ainda o da Brasmotor lução Industrial funde-se com o desenvolvi-
“Uma organização formada por pessoas mento das primeiras concepções de uma
jurídicas, pessoas físicas e, sobretudo, pes- ciência da comunicação e, ainda, a estruturação
soas felizes” 6. Cada qual com seu apelo dos espaços econômicos. Sua lógica para
gráfico, estes anúncios geralmente se apre- demonstrar a introdução da informação (ou
sentam com a figura de um funcionário mérito) dentro da indústria capitalista funda-
devidamente fardado, sorridente. menta-se na saída do homem da fábrica não
A receita do exomarketing é simples e pelo merecimento, mas expulso pela meca-
foi concebida no próprio dia-a-dia das nização das linhas de montagem.
empresas que quiseram expor o que possuem A imagem clássica do trabalho no século
de melhor em sua estrutura interna. “O XX está associada à transformação da na-
exomarketing serve exactamente para que os tureza através do músculo humano. A intro-
empresários possam mostrar a evolução das dução do computador no ambiente de tra-
suas relações com o público interno” (Brum, balho passa a permitir a manipulação elec-
1998:177) trónica deste “músculo”. A perda da expe-
Neném Prancha, criatura imortal citada riência directa com a tarefa realizada torna
pelo jornalista João Saldanha, dizia que o mais difícil para as pessoas exercer julga-
pénalti é tão importante que deveria ser batido mento sobre ela. A imaginação torna-se mais
pelo presidente do clube. A comparação é importante que o julgamento baseado na
valida: a comunicação empresarial é, hoje, experiência, o que desafia os procedimentos
tão fundamental que deveria envolver direc- “industriais”.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 611

Autores contemporâneos a tais mudanças, Na visão de Peter Drucker (2000), um grupo


a exemplo de Graeml (2000) o qual defende denominado “operários do conhecimento” vem
que o próprio computador torna-se o foco substituindo em importância económica os
da interacção do indivíduo, com recursos grupos sociais tradicionais, caracterizando-se
centrados nos sistemas de informação. como “o mais poderoso nas sociedades pós-
-industriais”. Ele não deixa de apontar os
‘’O computador elimina os benefíci- perigos desta nova sociedade. Para ele, a
os e os problemas ligados ao rela- “sociedade do conhecimento” pode facilmente
cionamento entre supervisor e o tra- transformar-se num sistema onde os títulos são
balhador. O relacionamento inter- mais valorizados que a performance e a ca-
pessoal pode tornar-se menos impor- pacidade produtiva. Ou então, onde os conhe-
tante para supervisão que o acesso cimentos práticos são super valorizados em
à informação sobre qualidade e detrimento da filosofia e da sabedoria. Outros
quantidade do desempenho do empre- desafios deste novo tempo são como dinamizar
gado. O fato de as pessoas estarem a produtividade dos “operários do conhecimen-
conscientes da supervisão remota to” e como lidar com a luta de classes entre
pode, contudo, transformar-se em um estes e a maioria que produz de acordo com
agente inibidor de risco, ou seja, os moldes tradicionais.
quanto maior o controle do sistema Sobre o tema, declara Xavier (2000):
de informação, menos estímulo à
iniciativa é fornecido ao trabalhador’’ “É impossível separar os planos de
(2000:39) comunicação das decisões estratégi-
as de qualquer empresa ou organi-
O autor ainda faz duas importantes con- zação. Os comunicadores modernos
siderações. A primeira sobre a necessidade de não ficam mais passivos, aguardando
no ambiente organizacional, as pessoas serem que as decisões administrativas de-
educadas a perceber que a empresa passa a finam seus passos. Portanto, surgem
esperar delas uma conduta valorizada diferen- espaços para projectos de gestão de
te da anterior. Assim, agilidade e competiti- comunicação integrada à administra-
vidade vão além dos níveis hierárquicos, ção e negócios, envolvendo jornalis-
permitindo que as informações fluam mais ra- mo, atendimento, desenvolvimento de
pidamente e, em contrapartida, exigindo ati- produtos, marketing, publicidade,
tudes de maior responsabilidade. O segundo relações públicas, comunicação visu-
alerta é de que, tendo os trabalhadores a al, internet, etc.”8
consciência para tomar boas decisões e par-
ticipando delas, os executivos passam de www.comoissofunciona.com
controladores a conselheiros, e os gerentes
intermediários tendem a desaparecer nos Considerada “Internet particular” ou a
organogramas das empresas, fazendo com que “prima-rica da Internet”, uma Intranet tec-
as pirâmides hierárquicas mudem radicalmen- nicamente é uma rede interna baseada no
te de formato. protocolo IP que se caracteriza pelo uso das
Com o banimento definitivo dos precei- tecnologias WWW. A partir de uma selecção
tos tayloristas7 e com o estímulo para que prévia de utilizadores, nela, é possível
todos participem da tomada de decisões - disponibilizar informação “on-line” de ma-
desde que relacionadas com suas actividades neira interactiva e consoante as necessidades
- desenvolvem-se novos tipos de estruturas, preestabelecidas, ou seja, podemos dizer que
muito mais ágeis, graças à eficiência do fluxo ela fornece aos utilizadores páginas com
de informações dentro da empresa. Tal es- conteúdo restrito, desenvolvidas para uso
trutura, mais democrática e dignificante, por interno. Na busca de resultados positivos, a
valorizar o cérebro e não os músculos, torna- sua implementação tem o planeamento como
se possível com a utilização da TI para principal esforço. O levantamento dos requi-
automatizar processos de produção, manipu- sitos, bem como a antecipação de necessi-
lando e gerenciando informações. dades, são a chave do sucesso da ferramenta.
612 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

“As Intranets são redes com a mesma Outro aspecto importante a considerar
plataforma tecnológica da Internet, é a existência de um sistema de BackOffice
mas localizadas numa empresa ou que permita facilmente a manutenção da
organização, onde o acesso está res- Intranet. Através de formulários, sem a
tringido somente a determinadas necessidade de formação em informática,
máquinas ou aos colaboradores e ou em alguma linguagem de programação,
funcionários da empresa.” (Reis, pode-se inserir, ou alterar dados da Intranet.
2000:132). É de salientar que em nível de segurança,
só as pessoas habilitadas, mediante um
O tratamento correcto dos dados, de forma nome de utilizador e uma palavra passe,
a transformá-lo em conhecimento e utilizar podem efectuar a manutenção da Intranet.
as tecnologias mais apropriadas visando, A verificação dessa habilitação pode ser
assim, a automatização dos processos e efectuada em nível da base de dados ou
consequentemente a diminuição dos custos de uma forma simples, o servidor web
requer organização e papéis claros de uma verifica se o utilizador pode ou não inserir
equipe coesa. Partindo desse princípio bási- e alterar dados.
co, a constituição, de forma correcta, de toda Um bom exemplo de BackOffice é o
a informação ligada à organização, num único desenvolvido por nós para o jornal on-line
espaço, facilita o seu manuseamento, apren- da UBI – Urbi@Orbi. Ligado a uma base
dizagem e memorização, levando assim ao de dados, o formato do jornal permite que
aumento de produtividade. o jornalista não necessite estar apto a pro-
Por intermédio de ligações a bases de gramar em HTML ou numa outra linguagem
dados, os servidores web fornecem toda a de programação. Facilmente, mediante a
informação através de um browser, ou seja, introdução de uma palavra passe este acede
o utilizador da Intranet, para recolher a à página, que se encontra on-line, a qual
informação que precisa, não necessita saber contém os formulários onde se introduzem
mais do que saber utilizar a Internet. A os dados relativos às noticias. Muito impor-
manutenção contínua do site, bem como as tante ainda é o facto de este sistema poder
medidas de segurança que regem quem acede ser acedido de qualquer computador que tenha
aos diversos tipos de conteúdos, precisa ser ligação à Internet. Neste caso, a ligação entre
planeada logo no início da implementação. o servidor web e o servidor de base de dados
Para garantir uma Intranet que nos per- é efectuada mediante a linguagem de pro-
mita falar o que queremos e principalmente gramação PHP.
dizer o que precisamos, é necessário efectuar Dentro dos limites da empresa, tudo o
um levantamento das verdadeiras necessida- que circula em forma de papel pode ser
des do utilizador, ou seja, o analista de “importado” para a Intranet de forma sim-
sistemas terá de efectuar uma análise de ples e objectiva, desde catálogos de venda
requisitos consistente e com qualidade, que de produtos, recursos humanos, listas tele-
lhe permita implementar um sistema funci- fónicas, jornal interno da empresa ou qual-
onal, simples, e, sobretudo, onde a informa- quer tipo de formulários. Um bom exemplo
ção transmitida reuna um conjunto de carac- do que foi dito é o site dos Serviços
terísticas que garantam a qualidade dessa Académicos da Universidade da Beira Inte-
mesma informação: rior - UBI, pois engloba todo o tipo de
documentos e informações antes só dispo-
Uma informação precisa: correcta e níveis em papel, com as desvantagens que
verdadeira isso comportava, a exemplo da sua acumu-
Uma informação oportuna: existe no lação, deslocamento de alunos até aos ser-
momento e local correcto viços académicos e, consequente, demora em
Uma informação simples: de fácil filas, tumultos para a obtenção de uma sim-
compreensão ples informação. Um docente também já pode
Uma informação concisa: de fácil lançar as notas dos alunos on-line, evitando
manipulação a burocracia.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 613

Questionado sobre as principais diferen- De entre os servidores Web, também


ças entre os meios impresso e on-line da chamados de servidores HTTP (Hipertext
apresentação de conteúdo, o jornalista Sér- Transfer Protocol), temos também um leque
gio Xavier (2004)9 pontua, através de sua ex- de escolhas, a exemplo do Apache (para Unix)
periência frente ao sistema Interjornal10, as e o IIS (para Windows NT). Para que a
principais características que diferenciam o Intranet atinja o seu objectivo máximo é
dinâmico meio digital do estático meio importante fazer a ligação a bases de dados,
impresso: mais uma vez, aqui também nos são apre-
sentadas algumas opções, como o PHP
Tempo Real – o meio on-line permite acesso (Professional Home Page), o ASP (Active
instantâneo a informação; Server Pages), o CGI e o Java.
Unimídia - A Internet possibilita a fusão de Podemos falar um pouco mais do PHP,
diversas mídias em um mesmo lugar. Tam- visto que foi utilizado por nós em diversos
bém pode interligar bancos de informação, projectos, mas com características semelhan-
garantindo interactividade máxima; tes a outras linguagens deste tipo. O PHP
Hipertexto - blocos de textos interconectados é uma linguagem que permite criar aplica-
por links; ções web dinâmicas, possibilitando uma
Actualização permanente – “fim da hora interacção com o utilizador através de for-
do fechamento” - uma característica dos mulários. O facto de ser executada no ser-
impressos. Publicação simultânea à edição e vidor permite que o PHP seja executado em
flexibilidade para correcções; computadores com poucos recursos de
Acesso universal – onde houver alguém processamento, bastando basicamente um
conectado; browser.
Seletividade, interação multidirecional Como as aplicações PHP ficam hospe-
Assincronicidade – acesso atemporal;
dadas somente no servidor, torna-se assim
Potencialização e optimização da produção
simples o desenvolvimento de aplicações, eli-
de conteúdos - Em impressos há limite de
minando uma das complexidades dos siste-
espaço. Na web não há limites;
mas cliente-servidor, o controle da versão de
Amplitude e seletividade – possibilidade de
software nas diversas estações de trabalho.
personalização;
Uma das mais destacadas características
Comunicação Total – notícia, serviço,
do PHP é interagir com uma grande quan-
interacção, conexão com uma acção concreta.
tidade de servidores de bases de dados
(SGBD), como por exemplo, dBase,
A partir da percepção do empresário da
necessidade em se desenvolver sistemas de Interbase, Informix, MySQL, Oracle,
comunicação em rede, e partindo de uma PostgreSQL, Sybase, etc. Ao interagir com
infra-estrutura já existente, convém a união bases de dados, vai permitir uma maior
de esforços neste sentido. Partiremos do funcionalidade por parte de quem acede, pois
princípio de que, possuidora de um servidor consoante os inputs dos utilizadores obter-
de rede ligando máquinas entre as suas se-ão respostas imediatas sob a forma de
diversas filiais, uma empresa requer gastos páginas HTML.
mínimos para a criação de infra-estrutura que Ao contrário da programação em CGI
permita o alojamento de uma Intranet. com linguagens clássicas, como o C e o
Como servidores de Rede, podemos Pascal, em que o código fonte é compilado
escolher entre vários, tais como o Unix, Linux num ficheiro executável, no PHP tal não é
e o Windows NT, só para citar três exem- necessário, pois sendo esta linguagem inte-
plos. Porém, é importante referir – e este é grada no servidor web, passa então a ser
um dos principais objetivos deste trabalho interpretada por esse mesmo servidor. Neste
- que o Linux é um sistema aberto, portanto contexto, poderá mesmo dizer-se que o PHP
gratuito, o que diminui gastos e assegura uma é uma combinação de uma linguagem de
linguagem consoante com a utilizada pela programação com um servidor de aplicações.
maioria das empresas – o que atesta sua Serrão e Marques (2000), ilustram bem,
qualidade e aprovação. numa figura a interligação dos diferentes
614 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

servidores, utilizando a linguagem de pro- de trabalho na empresa, pois dessa forma é


gramação PHP: racional o intercâmbio de conhecimentos
entre empresa e seus trabalha-
dores. Tal mecanismo, aparen-
temente simples, cujos grandes
efeitos no aumento da produ-
tividade e qualidade são mos-
trados em vários estudos de
caso publicados em revistas
especializadas, realmente envol-
ve uma transformação profun-
da nas relações trabalhistas.
Mesmo que nos tornemos
insensíveis aos modismos do
mundo corporativo, é fácil
constatar que chegamos a um
Figura - 1. Solicitada a página e introdu- momento da história em que esse tal de
zidos os dados através do browser ao servidor capital intelectual - junção de conhecimento,
HTTP que, por um script PHP embebido na experiência, percepção da realidade e pro-
página, dá inicio ao processamento; 2. Caso jecção das possibilidades futuras, tem o poder
o servidor web encontre ligações a base de de gerar mais riqueza do que mera posse de
dados, estabelece-as através do PHP; 3. Os meios de produção.
dados pretendidos são então enviados pelo PHP A grande maioria das empresas preocu-
ao servidor HTTP em formato HTML, ou pro- pa-se em inventariar mobiliário. Ainda não
cessados conforme instruções do script; 4. O perceberam que a sua carteira de relaciona-
servidor Web envia os dados ao browser sendo mentos e a sua capacidade de criar e inovar
estes visualizados numa página HTML devi- entram e saem pelos portões todos os dias
damente formatada. - muitas vezes insatisfeitos e desmotivados.
E para reafirmar tudo o que já foi ex-
Conclusão posto, mas com ar de subtileza de conceitos,
utilizamos uma verdade dita por Paulo Nassar
A gestão do conhecimento e os esforços em seu Tudo é Comunicação: “Em um
em implementação de ferramentas de ambiente cínico, a comunicação empresarial
endomarketing supõem a estabilidade da força é um motor sem combustível.” (2003 : 23)
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 615

Bibliografia Stewart, Thomas A. Capital Intelectual


- A Nova vantagem Competitiva das Empre-
Brum, Analisa de Medeiros. Endomarketing. sas. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.
Porto Alegre : L&PM, 1998.
Cahen, Roger. Comunicação Empresari-
al, a imagem como patrimônio da empresa _______________________________
1
e ferramenta de marketing. 6 ed. São Paulo: Universidade Católica Portuguesa – UCP/
Best Seller, 1990 LabCom - Laboratório de Comunicação e Con-
Castells, Manuel. A Sociedade em Rede. teúdos Online da Universidade da Beira Interior
- UBI
(Trad.) Roneide Venâncio Majer. (A era da 2
LabCom - Laboratório de Comunicação e
informação: Economia, Sociedade e Cultu- Conteúdos Online da Universidade da Beira
ra). Volume 1. São Paulo, 1999. Interior - UBI
Dantas, Marcos. A lógica do capital 3
Ao longo deste trabalho optamos por nos
informação. Rio de Janeiro : Contraponto, referir à “comunicação dentro da empresa” como
1996. sendo “Comunicação Empresarial” ou “Comuni-
Drucker, Peter. “Com um pé atrás”. In: cação Organizacional”, no intuito de respeitar a
Exame. São Paulo, 727 : 120-138, novem- literatura tanto brasileira quanto portuguesa.
4
bro, 2000. Entrevista cedida à revista EXAME edição
Graeml, Alexandre Reis. Sistemas de 727 - 2000:130 (Edição brasileira)
5
O material de estudo de George Jamil foi
Informação. São Paulo : Editora Atlas, 2000.
fornecido através de e-mail pelo próprio autor.
Mattelart, Armand e Mattelart, Michèle.
Alguns de seus artigos podem ser consultados no
História das Teorias da Comunicação. 2.ed. endereço: http://www.bhnet.com.br/gljamil/
São Paulo: Edições Loyola, 1999. artigos.html
Nassar, Paulo e Figueiredo, Rubens. O 6
Todas campanhas veiculadas na imprensa
que é Comunicação Empresarial. São Paulo: brasileira.
Brasiliense, 1995. (Coleção Primeiros Pas- 7
Stewart faz uma ressalva quanto ao
sos; n 297). taylorismo: “A essência do taylorismo não é apenas
Nassar, Paulo. Tudo é Comunicação. São o trabalho duro, a repetição constante e descri-
Paulo: Lazuli Editora, 2003 ções de cargos limitadas. O talento de Taylor foi
Nogueira, Nemércio. Media Training: estimular a aplicação do conhecimento e não só
do chicote pela gerência: aplicar capacidade
Melhorando as relações da empresa com os
intelectual ao trabalho complexo e encontrar
jornalistas... de olho no fim da Comunicação formas de melhor executá-lo de forma mais sim-
Social. 1 ed. São Paulo: Cultura Editores ples, mais fácil e melhor. Hoje está na moda
Associados, 1999. desprezar Taylor, mas é importante lembrar que
Nonaka, Ikujiro; Takeuchi, Hirotaka. a Administração Científica foi um grande avanço,
Criação de Conhecimento na Empresa: como não apenas em termos de produtividade, mas
as Empresas Japonesas Geram a Dinâmica também em termos de dignidade do trabalho’’
da Inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1995. (1998:45).
8
Prahalad, C.K. e Hamel, Gary. The core Palestra proferida durante o Congresso
competence of the corporation. In: Business Nacional de Jornalistas, Salvador (BA), setembro
de 2000.
classics: fifteen key concepts for managerial 9
Informações fornecidas em entrevista feita
succes. Boston: Harvard Business School ao jornalista através de e-mail pessoal.
Publishing, 1998. p. 62-73. 10
Sérgio Xavier desenvolveu o sistema
Reis, José Luís. O Marketing Persona- Interjornal o qual dedica-se à criação e implan-
lizado e as Tecnologias de Informação. tação de sistemas customizados para gerenciar
Lisboa, Centro Atlântico, 2000. fluxos de informações e atender necessidades
Serrão, Carlos e Marques, Joaquim. específicas de comunicação de pequenas e gran-
Programação com PHP. Lisboa: FCA Edi- des corporações. O Portal Interjornal de Notícias
tora de Informática, 2000. pode ser acedido no http://www.interjornal.com.br
616 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 617

Comunicação, Identidade e Imagem Corporativas:


o caso da Caixa Econômica Federal, Brasil
Ana Regina Barros Rego Leal1 e Maria das Graças Targino2

Preâmbulo Ademais, outras posições também de-


monstram a inclinação conservadora do
A Caixa Econômica Federal (CAIXA) é, Imperador, como a concernente ao modelo
hoje, o terceiro maior banco comercial do econômico e ao sistema financeiro adotado
Brasil e o maior banco social da América no Brasil, a partir, sobretudo, da terceira
Latina. Sua atuação abrange 100% dos década de seu reinado.
municípios brasileiros e sua carteira de cli- O mercado financeiro, em meados do
entes oscila entre 25 a 27 milhões de pes- século XIX, é liderado, na Corte, por por-
soas, enquanto os beneficiados pelas ações tugueses e por banqueiros favoráveis ao
da Instituição totalizam números superiores. liberalismo econômico, como Mauá, cuja
Isto porque, a CAIXA está presente na vida escola prioriza os princípios do capitalismo
dos brasileiros em muitos momentos, através inglês. Os conservadores, por sua vez, em
da viabilização do sistema de abastecimento sua maioria, inimigos de Mauá, liderados pelo
de água, pavimentação, saneamento, habita- Barão de Uruguaiana e pelo Visconde de
ção, ou em horas difíceis, com o seguro- Itaboraí, desfavoráveis à iniciativa privada no
desemprego e o Fundo de Garantia por Tempo Brasil, criam a Lei No 1.083 (denominada de
de Serviço (FGTS), ou quando ingressam em Lei dos Entraves), de 22 de agosto de 1860,
cursos universitários, sem contar com pro- a qual prevê, dentre outras medidas, a ins-
dutos e serviços bancários. Na verdade, o seu talação das Caixas Econômicas do Império,
tamanho e a pluralidade de áreas de atuação com o intuito de impedir o crescimento das
fazem da CAIXA um dos bancos mais casas privadas de poupança e crédito.
complexos em termos de organograma ad- Então, no ano seguinte, em 12 de janeiro,
ministrativo, e, sobretudo, de modelo de o Imperador instala, oficialmente, a Caixa
comunicação. Assim, este paper relata um Econômica da Corte (Decreto No 2.723). No
estudo de caso cuja pretensão limita-se ao dia 4 de novembro do ano de 1861, a CAIXA
processo de diagnóstico sobre a comunica- abre suas portas, recebendo, em seu primeiro
ção, identidade e imagem corporativas da dia, 10 clientes, responsáveis pelo depósito
CAIXA. total de 190 mil réis. Para Bueno, E. (2003),
desde as cinco horas inaugurais, a CAIXA
A Caixa Econômica Federal e sua Unifi- exibiu duas tendências, ambas consolidadas
cação ao longo dos anos. Primeiro, ao atrair pes-
soas pobres, depositantes de quantias modes-
Durante os anos do Segundo Reinado, tas. Segundo, dentre as 10 primeiras contas,
o Imperador Dom Pedro II governa o Brasil quatro foram abertas por pais ou avós para
através do ambíguo poder Moderador, que filhos ou netos, hábito, ainda hoje, em voga.
concedia ao Monarca poderes acima do Esses aspectos marcantes da identidade
Parlamento, e que se fundamenta em bases corporativa da empresa se solidificam em seus
políticas instáveis, alternando conservadores 143 anos de história, construída em sintonia
e liberais no poder. No entanto, o Imperador com a história do País. O relacionamento
mantém maior simpatia para com os conser- entre CAIXA e escravos é um bom exemplo.
vadores, o que se evidencia na permanência Doze dias após a abertura da Instituição, a
do Partido Conservador por um período duas escrava Margarida Luíza, pertencente a
vezes superior à quantidade de anos dos Joaquim José Madeira, abre a caderneta de
gabinetes liberais, durante o meio século que poupança (No 59), ativa por três anos, até
perdura o seu reinado. sacar 353.542 réis para comprar sua alforria.
618 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Este fato se repete algumas vezes antes da dimento, distribuídos pelo País, sob a forma
promulgação da Lei do Ventre Livre, Lei No de agências, postos de atendimento bancário
2.040/1871, cujo Artigo No 4 permite ao (PAB), postos de atendimento eletrônico
escravo a formação de um pecúlio, com base (PAE), casas lotéricas e correspondentes
no que lhe provier de doações, legados, bancários, denominados CAIXA AQUI que
heranças ou de seu próprio trabalho e de favoreceram a expansão da Empresa aos
economias, além de prever a possibilidade de 5.561 municípios brasileiros, em 2002.
alforria, para quem consiga fundos para A atuação da CAIXA abrange o tripé: (a)
indenização de seu valor. Além disto, o Decreto transferências de benefícios; (b) serviços
No 5.153 (13 de novembro de 1873), deter- financeiros; (c) desenvolvimento urbano. No
mina à CAIXA a obrigatoriedade de acolher âmbito do primeiro setor, realizam-se signi-
depósitos advindos de escravos, na Corte e ficativos números de atendimento ao traba-
nas demais províncias (BUENO, E., 2003). lhador brasileiro. Dados alusivos ao primeiro
Em 1934, Ricardo Xavier da Silveira, trimestre de 2002 dão conta de 33,5 milhões
então presidente da Instituição, propõe a de pagamentos de benefícios, somando R$
unificação das Caixas Econômicas do País, 8,4 bilhões, entre pagamentos do FGTS,
mediante a homologação da Lei No 24.246, Seguro Desemprego, Abonos e Rendimentos
embora tão-somente 34 anos depois, o pro- do Programa de Integração Social (PIS) e os
cesso se concretize, ironicamente, por meio programas do Governo Federal, na época,
do temido Ato Institucional No 5 (AI-5), que Bolsa-Escola e Auxílio-Gás. Os serviços
concede ao Regime Militar vigente, poderes financeiros incluem em torno de 500 produ-
ilimitados sobre a nação, suas instituições e tos e serviços oferecidos à sociedade em geral
seu povo. O Decreto No 759/1969 e aos clientes, em particular, que vão desde
os já tradicionais poupança, penhor e habi-
constitui a Caixa Econômica Federal
tação até fundos de investimento, cartões de
(CEF), vinculada ao Ministério da
crédito, previdência privada, letras hipotecá-
Fazenda, como instituição financeira
rias, financiamentos e diversos empréstimos.
sob a forma de empresa pública,
Quanto ao desenvolvimento urbano, a Em-
dotada de personalidade jurídica de
presa atua como agente operador da maioria
direito privado, com patrimônio pró-
das políticas públicas do Governo Federal em
prio e autonomia administrativa.
programas direcionados para habitação para
Especifica, também, as suas atividades, baixa renda, saneamento, pavimentação,
a saber: receber depósitos de poupança; con- planejamento urbano, dentre outros.
ceder empréstimos e financiamentos para pes- Permeando estes três setores macros, no
soas físicas e jurídicas; operar no setor momento, a CAIXA desenvolve projeto de
habitacional como agente do então Banco inclusão social, iniciado no governo do
Nacional de Habitação (BNH); explorar, com presidente Fernando Henrique Cardoso, com
exclusividade, os serviços de loterias (à época, a instalação dos correspondentes bancários
com duas modalidades, Federal e Esportiva); em todo o País e, intensificado no atual
e prestar serviços à população brasileira. Este Governo, com a Conta CAIXA AQUI ou
último item permite a instalação gradativa Conta Cidadã. Em dezembro de 2003, ape-
de outras ações, paulatinamente agregadas às nas seis meses depois do lançamento, esta
funções da CAIXA. permitiu que um milhão de brasileiros fos-
sem bancarizados, com a ressalva de que se
Multiplicidade de Funções trata de segmento de mercado, cujo potencial
para consumo ainda não está totalmente
Como decorrência, tomando como mensurado, despertando, então, o interesse
parâmetro o ano de sua unificação, 1969, até da concorrência.
os dias atuais, registra-se crescimento con- Outra forma de atuação de destaque é o
siderável da CAIXA, tanto em patrimônio, mercado de loterias, cujo monopólio federal
como em estrutura e volume de produtos e é detido pela CAIXA. Em 2001, a arreca-
serviços disponíveis à população brasileira. dação atinge a cifra de R$ 2,8 bilhões,
Hoje, são cerca de 14 mil pontos de aten- distribuídos em pagamento dos prêmios (R$
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 619

879 milhões), seguridade social (R$ 529 O processo evolutivo ocorre de tal forma
milhões) e destinados ao Imposto de Renda que, no último decênio do século XX, a
(R$ 340 milhões). Os produtos lotéricos comunicação empresarial passa a ser consi-
diversificados, pouco a pouco, para atender derada estratégica para grande parte das
as exigências dos diferentes estratos sociais, empresas atuantes no mercado nacional, em
abrangem bilhetes de raspadinhas com prê- sua maioria, influenciadas pela onda do
mios imediatos até pequenas ou grandes marketing e dos processos de reengenharia,
apostas para os prêmios da cobiçada Mega que invadem o mercado e ganham reflexos
Sena. Além disto, a CAIXA atua como nas principais academias brasileiras de ad-
incentivadora da cultura nacional, patrocinan- ministração. O marketing, em termos de
do áreas, como teatro e música. Mantém, realidade nacional, ultrapassa os limites da
ainda, conjuntos culturais nas principais administração e alia-se à comunicação, ge-
cidades brasileiras, com calendários perma- rando discussões conceituais, tanto para os
nentes de atividades e desenvolvimento de leigos como para os profissionais.
projetos, como o Criança Arteira (Brasília), A este respeito, Bueno, W. (2003) acre-
que visa à inclusão cultural. dita que a concepção de comunicação em-
presarial se aprimora, ao longo do tempo,
Comunicação Empresarial/Organizacional
deixando de ser tão-somente um conjunto de
atividades fragmentadas, para se configurar
O processo de comunicação dentro das
como processo integrado que orienta o re-
empresas brasileiras é relativamente recente,
lacionamento das empresas com os seus
evoluindo nas últimas três décadas, em busca
públicos. Torquato (2002), no entanto, diante
de um modelo que integre, sinergicamente,
todos os setores da empresa envolvidos com do processo evolutivo da área, opta por
a comunicação e com o marketing. De forma substituir a expressão – comunicação empre-
sucinta, a história mostra que, na década de sarial––, utilizada por ele mesmo, nos anos
1970, em pleno Regime Militar, a comuni- 1970, pela denominação – comunicação
cação empresarial se dá de forma isolada, organizacional –, mais abrangente e aplicá-
ou seja, os setores responsáveis pela criação vel a instituições públicas, sindicatos, con-
e manutenção da imagem das instituições, federações, escolas etc. De fato, quer se utilize
quase não se comunicam entre si. Como uma ou outra terminologia, no contexto de
resultado, publicações internas, produção de uma instituição pública ou empresa, a co-
releases, organização de eventos, veiculação municação ou a propagada comunicação
de produtos publicitários etc. desarticulados integrada de marketing assume, na realidade
entre si, acarretando desperdício de tempo atual, um conjunto de novas competências,
e dinheiro, e, principalmente, contribuindo que agregam a formação e manutenção da
para a desagregação dos fatores integrantes boa imagem, mediante a intensificação da
da identidade de qualquer instituição. venda de produtos e serviços.
Contudo, é ainda nos anos 70, que se Todavia, é preciso registrar que a evo-
esboça o perfil de uma comunicação empre- lução no mercado não é visível apenas na
sarial eficiente, graças ao ingresso de pro- comunicação. Outros fatores, como a
fissionais da área nas atividades internas das globalização econômica; a evolução dos
empresas, tais como: relações públicas, jor- processos de gestão; a evolução nos sistemas
nalistas e publicitários, que assumem os de vendas e distribuição face às novas tec-
postos, antes ocupados por pessoas com outra nologias; a democratização da educação e da
formação. Na década seguinte, os processos informação e a divulgação do conceito de
comunicativos ganham impulso no mercado cidadania concorrem para a nova postura das
brasileiro, quando grandes empresas e ins- organizações. Estas se tornam mais agressi-
tituições do país criam setores especializados vas mercadologicamente, mas também, mais
de comunicação, nos quais se destacam os responsáveis e cidadãs, favorecendo aos
papéis do jornalista empresarial e do profis- consumidores e cidadãos o exercício de seus
sional de relações públicas. direitos e deveres.
620 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Então, retomando a concepção de comu- atividades, formando, o que denomina de


nicação organizacional, para Torquato (2002), “composto da comunicação”.
ela integra quatro modalidades. A primeira, Enfim, qualquer que seja o entendimento
a comunicação cultural, é mensurada a partir ou a terminologia adotada, os objetivos da
da observação dos climas internos das comunicação organizacional apregoados pelos
empresas, os quais refletem a cultura de cada autores referenciados confluem para o que
organização. A comunicação administrativa a conjuntura mercadológica atual exige, ou
diz respeito à comunicação oficial e/ou seja, a integração entre o gerenciamento da
autorizada, mediante a utilização dos veícu- imagem e a governança dos processos de
los e canais alternativos definidos pelas venda mercadológica.
organizações. A terceira modalidade, a co-
municação social, envolve o jornalismo Identidade e Imagem Corporativas
empresarial, o trabalho de relações públicas,
a publicidade, a editoração e o marketing. Diante do exposto até então e dos aspec-
A última se refere ao sistema de informações tos peculiares à CAIXA apresentados, mesmo
da instituição, onde estão os bancos de dados de forma sucinta, é que se tenta traçar o seu
relativos a produtos, serviços, clientes, e perfil da identidade corporativa, a partir do
outros. entendimento dos processos de comunicação
Confirmando a complexidade conceitual integrada e do marketing da instituição.
presente nos termos em discussão, Pimenta Sem dúvida, a identidade de qualquer
(2003) separa cultura organizacional de clima organização é construída com base em sua
organizacional. Em sua visão, a primeira é história, seus valores, a qualidade de seus
medida pelos objetos, pelas criações e pelos produtos e serviços, seu atendimento, sua
valores da empresa, visíveis nos discursos das aparência e seus pontos de atuação positivos
pessoas e dos pressupostos básicos, que e negativos. A identidade congrega o que de
conferem identidade aos membros do grupo. fato é a empresa, seu caráter e sua perso-
Correspondem à maneira como as pessoas nalidade. Torquato (2002: 104) enfatiza que
percebem, pensam e sentem o trabalho, a a identidade diz respeito ao plano dos con-
empresa, a hierarquia etc. O clima organiza- teúdos lógicos, concretos, apreendidos e
cional, então, é mais intangível do que a assimilados pelo nível do consciente. Assim,
cultura, embora influencie na qualidade de a construção de uma identidade considera
produtos e serviços. Sua percepção se dá valores e critérios, tais como “[...] o foco,
através da maneira como os membros do grupo a essência; a capacidade de permanência;
trabalham, isto é, em cooperação ou não. a singularidade, que preserva a
Essa mesma autora, no que tange à especificidade e a unicidade, que garante a
comunicação integrada, adota a sigla CEMP coerência.”
para definir a comunicação empresarial como Vemos, pois, que vários são os compo-
o somatório de todas as ações de comuni- nentes de uma identidade corporativa e
cação da empresa, resultando em atividade diversos são os aspectos de uma identidade
multidisciplinar. É a conjugação de métodos pessoal. Em ambos os casos, a estética ocupa
e técnicas de relações públicas, jornalismo, lugar de destaque. No caso da identidade
assessoria de imprensa, propaganda, promo- corporativa, a estética tem conquistado ter-
ção, pesquisa, endomarketing e marketing. reno, impulsionada pela concorrência acirra-
Ogden (2002), por seu turno, numa acepção da entre as organizações mercadológicas, pois
mais mercadológica, argumenta que a comu- quando a técnica se nivela, os valores
nicação integrada de marketing é, em sua subjetivos de relacionamento e atendimento
essência, a expansão do elemento de promo- aliados aos valores estéticos prevalecem,
ção do mix do próprio marketing. Mas, a bem reforçando a fala de Simonson e Schmitt
da verdade, já em 1986, Kunsch defendia uma (2002: 59):
linha de ação similar a dos dois autores, ao
afirmar ser impossível isolar a comunicação [...] o gerenciamento de identidade
institucional e a de mercado. Defende uma distanciou-se no mundo todo de sua
comunicação integrada, que incorpore as duas origem simplista em design de produ-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 621

to e design gráfico, envolvendo-se com ano de 1892, essas Caixas agregam o perfil
questões societárias mais abrangentes de de bancos comerciais, passando de meras
missão e cultura corporativas. Cada vez coletoras de depósitos e “monte de socorro”
mais a identidade é utilizada estrategi- a operadoras de empréstimos sob caução de
camente. A essência do gerenciamento títulos da dívida pública da União, letras e
de identidade é a criação de uma estética bilhetes do Tesouro Nacional, com garantia
corporativa (ou de marca) que expresse e assistência governamental. Como visto, a
a “personalidade” da organização (ou unificação das Caixas acontece somente em
da marca) por meio de elementos de 1969, e a CAIXA, hoje, atua em múltiplos
identidade atraentes. setores. No tocante à composição da marca
e assinatura, a CAIXA já possuiu algumas,
Enquanto isto, a imagem corporativa é que retratam, como natural, o respectivo pe-
o reflexo da identidade no imaginário sim-
ríodo histórico. Entre 1996 a 1997, a partir
bólico coletivo do público no mercado con-
do projeto de reengenharia de 1994 (Pro-
sumidor, onde a empresa está inserida,
grama de Racionalização e Competitivida-
compreendendo clientes, empregados e pú-
de, PRC), responsável pela modificação dos
blico em geral. A imagem pressupõe a
apreensão de valores subjetivos externados seus processos, em todos os níveis, a
pela instituição em diversos momentos de sua Empresa necessitou renovar imagem, mar-
existência e de sua atuação. A percepção do ca, logomarca, logotipo e todos os itens es-
público se dá a partir da fixação da marca téticos da identidade corporativa, tomando
exposta por muito tempo, como também, pela como referencial os resultados de uma
qualidade de atendimento, produtos e servi- pesquisa de imagem corporativa. Os prin-
ços, e, principalmente, pelas políticas empre- cipais indicativos que fundamentam as
sariais adotadas em relação à sociedade. modificações da Empresa, não somente no
Exemplificando: a empresa que desrespeita o que se refere à marca, mas também, à infra-
meio ambiente ou adota uma política de estrutura física, ao modelo de gestão e até
demissão de trabalhadores em massa possui mesmo ao portfólio de produtos e serviços,
imagem mais negativa do que aquela que vinculam-se à clientela, majoritariamente,
investe parte dos lucros em projetos ambientais envelhecida, a agências e postos de aten-
ou culturais. É o que Torquato (2002:162) dimento sem processos de atendimentos pa-
alerta, ao afirmar ser impossível dissociar dronizados, a sistemas de gestão de infor-
mação sem comunicação entre si, ao parque
“[...] o conceito de uma entidade da de equipamentos computacionais e a termi-
imagem que se pretende para ela. Ou nais eletrônicos ultrapassados, a produtos e
seja, quando se distorce para mais ou serviços não competitivos.
para menos a imagem de uma enti- Então, segundo dados contidos no Manual
dade, gera-se uma dissonância [...]”, da Marca, ano de 1997, a escolha da palavra
– CAIXA – resultou do fato de ser a mais
que, em algum momento, é percebida pelos popular e a forma mais coloquial empregada
seus clientes. Caixa – Identidade, Imagem e
pelo público externo e interno para se referir
Processo de Comunicação Integrada.
à Instituição. Além do mais, numa feliz
Retomando a história da CAIXA, é mais
coincidência, é um termo que guarda vários
fácil compreender a formação da sua iden-
tidade corporativa. Criada, em 1861, com o significados vinculados à missão da Empresa,
nome de Caixa Econômica e Monte Socorro, qual seja: guardar, poupar, valor, depósito. À
visava receber economias populares sob a época, também se adotou o elemento síntese
garantia do Governo, enquanto ao Monte não existente anteriormente. O X foi então
Socorro competia emprestar recursos a juros retirado da marca, para ser usado, separada-
módicos, sob penhor, para as classes menos mente, em ações de reforço ou alusão à marca,
favorecidas. Poucos anos depois, em 1874, como em sinalizações de sala de
são criadas outras Caixas Econômicas nas autoatendimento em agências.
capitais das províncias, atuando junto à É evidente que tudo isto conduz à trans-
Delegacia da Fazenda Nacional. A seguir, no formação geral da Empresa, iniciada com uma
622 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

revisão nos processos administrativos, inclu- (3) Gerência de Comunicação (GENCO),


indo a área de Recursos Humanos e o Plano a quem compete contratar as agências de
de Cargos e Salários. A partir de então, a publicidade licitadas a cada biênio e nego-
CAIXA passa a adotar o incentivo à forma- ciar as campanhas solicitadas pelos diversos
ção especializada e o processo seletivo para segmentos da Empresa;
ascensão aos distintos cargos. Paralelamente, (4) Gerência de Mercado (GEMEC),
as diversas áreas da logística renovam todos encarregada do gerenciamento de pesquisas
os pontos de venda (agências, postos de de mercado e da qualidade do atendimento,
atendimento bancário e casas lotéricas, ini- acabando por migrar, em 2003, para a área
cialmente), padronizando-os num primeiro de mercado.
momento, chamado de Projeto500, respon- No momento atual, há mais uma gerência
sável pela modernização das 500 maiores no âmbito da SUMAI: Gerência de Padrões
agências do País, atingindo, a seguir, a rede, e Planejamento (GPP). A Assessoria de
em sua íntegra. No segundo momento, as Imprensa (ASSIMP) continua atuando para-
unidades da CAIXA passaram por mais dois lelamente à SUMAI, embora de forma in-
ou três processos de revisão de layout e de tegrada, a partir de sua vinculação
modificação de mobiliário, sempre adequan- institucional: ambas estão subordinadas à
do aos novos modelos conceituais de aten- Diretoria Colegiada e à Presidência.
dimento, compatíveis com a dinâmica e De fato, desde 2001, desenvolve-se um
realidade do mercado. esforço concentrado no sentido de adotar
De forma similar, a área de mercado tam- ações integradas de marketing e comunica-
bém passou por profundas mudanças. Hoje está ção, o que vem conquistando apoio das áreas
dividida em gerenciamento da rede, citadas e mais do Cerimonial, ligado ao
gerenciamento de produtos para pessoa física, Gabinete do Presidente. Assim, o
jurídica ou para estados e municípios, e planejamento das atividades da CAIXA nos
gerenciamento dos segmentos de clientes de diversos setores de atuação e para os diver-
acordo com faixas de renda e atividades. Sua sos segmentos, norteia o planejamento da
atuação se dá de forma mais agressiva, com SUMAI, que procura alcançar os objetivos
a adoção do modelo de segmentação, entre 2000 pretendidos. O lançamento de um produto,
a 2001, período em que a CAIXA também adota por exemplo, envolve inúmeras áreas e mais
e expande os canais alternativos de atendimen- de uma centena de pessoas. Compreende fases
to, como terminais de auto-atendimento, Internet que vão desde a pesquisa de mercado até o
e casas lotéricas, buscando direcionar produtos pré-teste e desenvolvimento do produto, além
e serviços específicos para cada público e cada da adoção dos sistemas necessários para a
cliente. Como conseqüência dos processos ora sua operacionalização, o treinamento dos
relatados, a comunicação e o marketing da empregados encarregados da venda do pro-
CAIXA, antes divididos em duas superinten- duto, a sua divulgação interna e externa
dências nacionais, se fundem, o que ocorre, em (responsabilidade das áreas de marketing e
2001, com a criação da Superintendência de comunicação), seja através de canais diretos
Marketing Institucional. ou dos portais, seja através de peças publi-
A SUMAI congrega, à época, as Gerên- citárias, seja através de patrocínio a eventos,
cias Nacionais: cujos públicos constituam alvo do produto,
(1) Gerência de Relações Institucionais seja através da divulgação de matérias via
(GEREL), responsável pela política de pa- ASSIMP.
trocínio e marketing cultural; Por exemplo, a Campanha Poupança
(2) Gerência de Marketing Corporativo Premiada, entre os anos de 2001 a 2002, é
(GEMAC), incumbida dos processos da um dos casos de maior sucesso das ações
identidade corporativa no tocante às ques- integradas de planejamento de comunicação
tões estéticas de padronização em todos os e marketing, responsáveis pela conquista de
níveis, desde a comunicação interna (cartões, aproximadamente 14 % do mercado nacional
placas de obra, etc.) ao portal na internet e de poupança. A Campanha consistia na
intranet, além da realização de eventos, dentre premiação dos poupadores com saldos mé-
outras atribuições; dios superiores a R$ 100,00. Os prêmios eram
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 623

divididos em duas etapas mensais. Na pri- ras, ao mesmo tempo em que comprova os
meira, cerca de 3.000 poupadores conquis- aspectos positivos arrolados, dentre os quais,
tavam prêmios de R$ 1.000,00 e passavam, o reconhecimento do público frente à sua
a concorrer aos prêmios de R$ 10 mil, R$ atuação social, o seu papel na política de
20 mil, R$ 2 milhões e R$ 4 milhões. O habitação, a poupança para todos e o em-
planejamento da Campanha envolveu tanto préstimo para classes desfavorecidas, medi-
a área do produto, como os setores de ante o penhor, também mostra pontos de
comunicação e marketing. A publicidade, conflito na imagem da Empresa. Além de
orientada pela GENCO, criou peças informa- reafirmar o envelhecimento da clientela,
tivas para os empregados a fim de sensibilizá- aponta problemas ligados a grandes filas, ao
los para a divulgação e o convencimento da mau atendimento, à lentidão e ao arcaísmo
clientela. dos terminais de auto-atendimento, e o que
Tais peças eram renovadas, sistematica- parece mais grave, indica que seu extenso
mente, ante a inserção de novos elementos portfólio de produtos e serviços bancários,
na Campanha. A divulgação externa envol- inclusive os produtos direcionados ao setor
veu mídia eletrônica nas principais redes de público, são pouco conhecidos.
rádio e TV, assim como merchandising nas A imagem de banco social tem sido
novelas de maior audiência na rede Globo. reforçada, a cada dia, que o Governo Federal
A ASSIMP teve atuação importante, ao delega mais atribuições para a CAIXA. Hoje
alimentar os meios de comunicação com é responsável pelo pagamento dos programas
notícias sobre a evolução da poupança in- de inclusão do Governo, o que conduz
terna do País, alertando para a importância milhões de pessoas a procurarem pontos de
do processo, como também identificando os atendimento, em qualquer localidade. Con-
beneficiados. Eventos foram realizados em tudo, com as atribuições, é premente a adoção
todas as regiões, de tal forma que tanto de novos investimentos em tecnologia e
aqueles de maior abrangência, como os pessoal, para que o atendimento dimensiona-
realizados nas próprias agências contribuíram do para um número X de pessoas não tenha
para o sucesso obtido. o padrão de qualidade reduzido, haja vista
Em suma, afirmamos que o modelo que o número de clientes triplica, mensal-
adotado pela CAIXA para marketing e co- mente, com a inserção de mais famílias nos
municação vem obtendo bons resultados, cadastros governamentais. No entanto, como
embora ainda não consiga abranger todos os os investimentos não ocorrem com a mesma
aspectos da megainstituição. A evidente velocidade em que se dá a adesão dos novos
expansão da Empresa, mensurada nos lucros clientes, o atendimento não dá vazão, as filas
de 2003, advindos de fatores diversos, como: permanecem, e a rasura da imagem, também.
expansão da carteira de clientes, maior cre- De qualquer forma, a pesquisa citada levou
dibilidade, atuação social mais visível, ao redirecionamento da comunicação e dos
confiabilidade crescente na poupança e ex- processos da Empresa.
pansão do banco da casa própria. No entan- A logomarca, que já passou por temas
to, ao contrário dos demais bancos, cuja como: (1) CAIXA, o banco da vida da gente;
imagem está associada à figura masculina, (2) CAIXA, aqui o Brasil acontece, desde
mais dura, com cobrança de juros maiores agosto de 2003, traz agora a expressão:
e atendimento seletivo, a CAIXA detém uma CAIXA, para você e para todos os brasilei-
imagem feminina que conduz à sua visua- ros. O processo deve resgatar, ainda, o slogan
lização como “a mãe do povo brasileiro”. Isto VEM pra CAIXA você também, da década
concorre para que a população se sinta à de 1980, mas fortemente incorporada à sua
vontade para reclamar e exigir melhores imagem.
serviços, o que contribui para que muitas Além da pesquisa, o principal fator pro-
questões ligadas à sua imagem continuem vocador de mudanças na identidade e que
imutáveis. se reflete na imagem da Instituição, foi o PPA
A este respeito, pesquisa recente, contra- do Governo Federal elaborado com ampla
tada pela CAIXA, no primeiro semestre de participação da sociedade civil em 2003, e,
2003, realizada nas maiores praças brasilei- que provocou a necessária adequação da
624 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

CAIXA à nova conjuntura política, econômica juros devem ser reduzidos, e, por conseguinte,
e social do Brasil, o que foi feito através os lucros bancários também, está revisando
da elaboração do planejamento estratégico da muitos dos seus processos, inclusive em
Empresa com a participação dos emprega- marketing e comunicação. Porém, em qualquer
dos. Esse planejamento ou o PPA CAIXA circunstância, é utópico afirmar que alcançará
já acarretou na mudança dos processos na a excelência no planejamento desses dois
megaestrutura da matriz, mudanças que setores, uma vez que não há como assegurar
devem se estender aos pontos de venda, que os investimentos em logística virão a tempo
trazendo benefícios aos clientes. de atender as novas demandas da CAIXA no
mercado, melhorando o atendimento e, portan-
Finalizando to, a sua imagem. No entanto, com base nas
discussões dos elementos relatados no presente
Neste momento, a CAIXA, pautada pela diagnóstico, e não obstante o clima de
conjuntura de seu microambiente, e, pelas indefinições do mercado financeiro brasileiro,
transformações do macroambiente, dentre acredita-se que o novo modelo conceitual de
elas, as políticas e as do mercado financeiro, comunicação integrada da CAIXA agrega a
segundo as quais, obedecendo às orientações necessidade de revisão permanente, tornando-
da política monetária do atual Governo, os se, essencialmente, ciclodinâmico.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 625

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626 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 627

O Marketing político encarado como agente


de progressão da comunicação em política1
Antónia Cristina Perdigão2

Com o propósito de reflectir sobre algu- de si mesmo que dissimulam a sua


mas das questões que mais se impuseram intencionalidade inicial. A disseminação
numa proposta de re-pensamento do massificada e liberalizada propõe aos actores
marketing político actual, sugere-se, em sociais que eles se anulem como persona face
primeiro lugar, que este tem desempenhado à sua imagem e, de um modo geral, o desafio
um papel activo e importante ao nível do que parece ser aceite. A ubiquidade das imagens
se designa por progressão da comunicação é profundamente dissimuladora na medida em
em política. Nas últimas décadas, uma das que a “presença” corresponde ao eclipse (que
suas características dominantes tem sido a se impõe, mas não se diz) do logos e a uma
imageficação (política) e contribuiu para certa subversão do ethos pelas características
reforçar o critério dos autores que defendem da própria disseminação. O modelo da trans-
o seu, não unânime, estatuto metafórico. Em parência parece dissimular inevitavelmente a
segundo lugar, e face ao actual período de opacidade do seu interior que se tornou
transição em que se insere, apresentam-se ausência de ser num contorno inabitado.
alguns sinais da sua caducidade e da Assim entendido, sugere-se que a sua
consequente necessidade de um re-investi- dialéctica é, então, de supressão (do logos
mento ético-político de modo a que o seu e do ethos pelo pathos) e de dissimulação
espaço, em termos políticos e comunica- (da opacidade pela transparência).
cionais, se possa revestir de uma nova sig- Na “era” da inteligência emocional4, a
nificação e contribuir para o necessário imageficação encarada apenas como cultura
rejuvenescimento da representação democrá- da(s) imagem(s) representa, por si mesma,
tica. o esvaziamento da própria emoção
empobrecida como estimulação do sentir a
1. A Imageficação e o seu Significado Social partir do ver, e do emocionar a partir de um
e Político reflexo puramente condicionado ao
mimetismo e à repetição. O jogo do consu-
Designa-se por imageficação a cultura mo procura a emocionalidade, não a emoção.
comunicacional que se caracteriza pelo pre- Neste jogo, a imagem é criada para ser
domínio da imagem sobre a palavra ou do procurada como consumo e não tanto como
ver sobre o pensar. Ou seja, pelo predomínio experiência estética ou reflexiva.
do pathos, entendido como (apelo à) emo- A ideia de imageficação política, por sua
ção, aos afectos e ao desejo, sobre o logos vez, vem responder ao contágio generalizado
encarado no seu sentido restrito de palavra, do processo de imageficação enquanto fenó-
razão ou pensamento3. O seu ethos, carácter meno profundamente a-crítico e a-reflexivo.
ou disposição (modo de ser), parece residir As características do processo de profissiona-
precisamente na ausência desse logos, ou, o lização do marketing político, ao longo do
que significa o mesmo, ter-se eclipsado sob século XX, para ele muito contribuíram.
o domínio do sugestivo e da atractividade O universo político é emblemático, a nível
instantânea, irreflectida e efémera. histórico, de momentos elegíveis com base
Superado o paradigma cartesiano, é como no predomínio da imagem sobre a palavra
se a cultura pós-moderna reagisse ao sem que se lhe tivesse atribuído o epíteto
solipsismo do cogito através de um solipsismo de imageficação ou imageficação política. É
do pathos. Neste sentido, a imagem não que em nenhum desses momentos o homem
contém o actor social ou o actor político já se confrontou com uma tão grande ausência
que ele é expurgado pelas várias silhuetas de si mesmo como ser ético. O actor político
628 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

parece adaptar-se cada vez mais ao modelo Neste sentido, propõe-se um desdobra-
de cidadania consumista em que, na nossa mento da progressão do marketing político
perspectiva5, o cidadão parece ser secundário em três grandes gerações, a embrionária, a
em relação ao seu próprio custo. O poder de profissionalização e a de expansão, cada
como dominação parece ter-se deslocado para uma das quais é intermediada em relação à
a ditadura da imagem no sentido em que, seguinte por um período de transição e re-
como refere Manuel Castells 6, o que é contextualização. Tão fundamental é aquilo
determinante já nem é o estar na televisão, que as distingue como o que as aproxima.
mas o não estar, porque o que não existe Acima de tudo, é à luz desta distinção que
na televisão, não existe. os conceitos de imageficação e imageficação
política conquistam o seu peso e a sua
2. O Marketing Político e a Progressão da importância.
Comunicação em Política
2.1. Sobre a Ideia de Uma Geração
Introduzidos os conceitos de imageficação Embrionária do Marketing Político
e imageficação política, propõe-se agora a
ideia de um caminho de interpretação da A admitir-se, esta primeira geração de
proximidade a que se passou a assistir entre marketing político tem início na cultura
estes e o marketing político moderno. clássica e a sua influência mantém-se até à
Quase nada é pacífico no que diz res- chegada da «Galáxia de Gutenberg»13, altura
peito ao marketing político. A começar pela em que o mundo ocidental entra num pe-
sua terminologia, a sua definição e a sua ríodo de transição que termina nos inícios
“história”7. O único aspecto que parece reunir do século XX, com o começo da geração
consenso e unanimidade prende-se com a sua seguinte.
inscrição no espaço. O conjunto dos diferen- É entendida como “embrionária” por ser
tes fenómenos políticos e comunicacionais durante este intervalo de tempo que emerge
que ele designa tem sido reconhecido e aceite a afirmação, o recurso e a promoção de um
por todos na sua circunscrição ao interior das conjunto fundamental e decisivo de diferen-
fronteiras dos países democráticos ocidentais8. tes técnicas e estratégias de comunicação, em
Neste sentido, a sua emergência foi favorecida sentido lato, que têm suportado, mantido e
por um espaço político9, e não tanto por um promovido a comunicação em política ao
espaço geográfico. longo do tempo e que, consequentemente,
Em resposta a uma preocupação hermenêu- estão também na base do que se designou
tica, o marketing político será, antes de mais, depois, e ainda hoje, por marketing político
perspectivado como fruto do seu contexto. Desta moderno.
forma, a principal referência deixa de ser a da Pode dizer-se que a ideia desta geração
sua “história” para passar a ser a da sua se revê na tese segundo a qual o marketing
progressão. O que se procura não é tanto a político sempre existiu14. Propõe-se a ideia
sucessão e o encadeamento dos diferentes de que as condições políticas e institucionais
momentos da sua evolução, mas sim o sentido necessárias à existência do marketing polí-
que ele teve em cada um desses momentos e tico, o modelo democrático e os seus pres-
a forma como cada um deles contribuiu para supostos, tiveram a sua primeira
a sua compreensão. Ou seja, de que modo(s) concretização na Polis grega. De facto, em
a procura das “origens” do marketing político termos políticos, Atenas representa a génese.
nos leva ao encontro de diferentes sentidos e Foi aí que, no período que tem início no
momentos do próprio homem na sua condição século V a.C., se deu «a invenção da po-
de ser-com-os-outros-no-mundo. lítica»15 e teve origem tanto a ideia ocidental
Não se trata, portanto, aqui, de expor ou da cultura 16 como a própria democracia
discutir diferentes modelos de marketing pluralista ocidental cujo critério é a existên-
político10, nem os diferentes critérios que cia de eleições livres. Este, por sua vez,
fundamentam as suas diferentes definições11, pressupõe a concretização de três condições:
nem tão pouco os diferentes tipos de a liberdade de candidatura, a liberdade de
marketing político que se podem admitir12. sufrágio e a liberdade de escrutínio. Naquela
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 629

altura, estas condições estavam presentes no numa teleologia da educação do espírito,


ideal de isonomia, que designava a igualdade na multiplicidade das suas modalidades,
perante a lei, e de eleuteria ou igualdade concebida sempre a partir da sua unidade
política cuja essência residia simultaneamen- e com base numa formação realista que
te na isocratia, a igualdade de poder ou de assenta numa ideia geral de cultura ético-
direito de participação, e na isogonia que se política.
referia à igualdade de voz ou de direito de Uma das características da retórica clás-
expressão. A este ideal subjazem já, portan- sica é, por exemplo, a importância reconhe-
to, os dois princípios democráticos fundamen- cida à imagem do orador. Contudo, a
tais: o da maioria, que equivale ao ingresso paideia22, impedia, pela sua natureza própria,
da massa na actividade política; e o da o desenvolvimento de um processo de
igualdade perante a lei conducente à noção imageficação. A ideia grega da formação
de cidadania reconhecida como vínculo humana pressupôs sempre a unidade entre o
social. Além disso, a lei, que não dispensa logos, o pathos e o ethos. A Retórica de
um ideal político de justiça, remete para a Aristóteles é o seu expoente máximo. Os três
experiência da prática política através da meios de persuasão são claramente defini-
criação das leis (e não apenas do seu cum- dos: as provas de argumentação com verdade
primento). (logos), as provas para despertar emoção nos
Esta concepção da “gestão da vida pú- ouvintes (pathos) e as provas da capacidade
blica”, de todos, por todos e para todos, de se ser credível que está, ou não, presente
tornou inevitável a promoção e a fundamen- no carácter do orador (ethos). Em conjunto,
tação de técnicas e estratégias comunica- formam o raciocínio entimemático e devem
cionais de que temos vários testemunhos17 ser encarados na sua inter-relação hierárqui-
retomados e continuados posteriormente pela ca: todos eles são provas, ou seja, todos eles,
cultura romana18. A herança que nos ficou na sua complementaridade necessária, pres-
deste período é riquíssima e mantém-se actual supõem em si mesmos um determinado logos
em inúmeros aspectos19. Uma parte impor- que os justifica e lhes dá sentido. Por esta
tante do que constitui o marketing político razão, caracterizamos a dialéctica que lhe
actual consiste precisamente numa recupera- subjaze como sendo dialógica e de reconhe-
ção, adaptação e reorganização desta herança cimento23 na medida em que a palavra e o
em função do contexto moderno e pós- gesto são pensados e agidos no seio de uma
moderno. ética da intersubjectividade que, apesar de
Do ponto de vista comunicacional, o pensada a partir do social, procura ir ao
media da época era a agora e, apesar da encontro do sujeito.
questão que se prende com a não abrangência Da mesma forma que impede a
da democracia ateniense20, o espaço público imageficação, esta dialéctica inviabiliza a
era a massa composta pelos cidadãos reco- existência de marketização, mas não a exis-
nhecidos como membros da sociedade e tência de marketing. A necessidade de alar-
chamados a pensar e a decidir sobre a vida gamento dos horizontes citadinos manifes-
pública. Assim, as exigências de um discurso tou-se na importância atribuída à entrada de
público persuasor requeriam o ensino e a Atenas no mundo internacional, com a eco-
aprendizagem da sua arte (techne), nas suas nomia, o comércio e a política subsequentes
diferentes formas possíveis. Numa óptica de às guerras contra os Persas. Se, como refere
marketing político moderno, os sofistas que Domingos Silva24, o termo “marketing” sig-
ofereciam publicamente, por dinheiro, o nifica, numa perspectiva dinâmica, o que está
ensino de tal virtude seriam decerto consi- relacionado com a troca e as suas causas,
derados marketers ou consultores políticos. origens, características, intervenientes, desen-
Da mesma forma que se designaria por volvimentos, consequências e repetibilidade,
«media training» o facto de Demóstenes ele concerne decerto à actividade humana
treinar a sua oralidade pondo seixos na boca21. mais antiga até porque, nesse sentido, a
No entanto, de acordo com a concepção primeira troca (falhada, como refere o autor)
grega, qualquer uma destas situações se insere de que há notícia ocorreu no Paraíso.
630 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

2.2. A Geração de Profissionalização do procedimento global de comunicação políti-


Marketing Político ca e, nesta óptica, a campanha de Harry
Truman, em 1948, é apontada como a última
Este período de desenvolvimento do sem o novo procedimento comunicacional.
marketing político colmata o período de Se for tida em consideração a cronologia das
transição que sucede a sua forma embrioná- «idades» propostas por este último, o ano de
ria. Este, por sua vez, e apesar de transitório, 1952, nos Estados Unidos da América, dá
não perde importância. É nele que surge uma início à infância do marketing político desta
nova civilização: a da era tecnológica25. Em segunda geração que, em França, teria início
traços gerais, pode dizer-se que a descoberta dois anos depois. É durante esta fase de
da imprensa viria criar uma fronteira entre infância que acontece o primeiro “debate
a cabeça e o coração. Acentuou as repercus- decisivo” (Kennedy/Nixon).
sões da descoberta do alfabeto e caracterizou Depois da adolescência e da idade adulta,
um período de transição entre uma cultura a campanha presidencial de Bill Clinton, em
oral e uma cultura visual26. Introduziu a 1992, trouxe mudanças visíveis na concepção
técnica da máquina e as características da da imagem do candidato32. Consideramos que
uniformização e da homogeneidade que se esta companha, juntamente com a de 1996,
foram estendendo ao pensamento moderno encerra um ciclo de relativo apogeu que
(individual) e ao mercado de mercadorias e designamos de maturidade do marketing po-
sua distribuição. O novo “estilo” traduzia, lítico moderno tendo em consideração a “fi-
portanto, o eclipse da colectividade ante o losofia” desta segunda geração, a saber, a da
indivíduo e do homem unitário ante o ho- marketização da imagem e da suplantação do
mem cindido. A memória deixou de ser o poder da palavra pelo da imagem e do ícone.
único meio de conservar informação e o No caso português, temos uma sequenciação
sentido literal de um texto deixou de ser o necessariamente diferente uma vez que no
seu único sentido. A introdução da tipografia período anterior a 1974 a ideia de um marketing
na vida social deslocou a sua estrutura tra- político (que sempre se estruturou com base na
dicional e o incremento da quantidade de liberdade de informação) seria impensável face
informação veio favorecer uma organização à vigência da acção propagandística do regime
visual do conhecimento. Numa óptica de político de então33. Como chegou tardiamente,
marketing político, este período de transição tem ainda pouco tempo de progressão e ama-
culmina no século XIX uma vez que se assiste durecimento. A riqueza dos elementos favorá-
a uma certa marketização da política pela mão veis ao seu desenvolvimento em Portugal34 têm,
das campanhas presidenciais americanas27. segundo o critério de Marcelo Rebelo de Sousa35,
Decorrido aquele período, parece indis- a sua fase de novidade (ou nascimento) e ensaio
cutível o facto de o seu arranque se ter dado no período que decorreu entre 1974 e 1979 e
nos Estados Unidos da América, em função evoluíram, por necessidade, até à sua genera-
de circunstâncias políticas e tecnológicas mais lização. Não o consideramos particularmente
favoráveis. Contudo, de acordo com um criativo e pensamos que a globalização terá
critério de profissionalização28, o marketing contribuído para o dinamismo tardio dos últi-
político moderno surgiu nos anos 30 (1933), mos anos traduzindo uma preocupação acres-
no Estado da Califórnia com a criação da cida em “acompanhar os tempos”.
primeira sociedade especializada na organi- Pode, então, dizer-se que de 1950 a 1980
zação de campanhas de “moldagem” ou se viveu com uma concepção mais cultural
“fabricação” da opinião pública e a expres- e política do público, dos públicos e do
são “marketing político” terá sido usada pela serviço público, e de 1980 a 2000 se assistiu
primeira vez em 1956 por Stanley Kelley29. à emergência de instrumentos ligados ao facto
Segundo Michel Bongrand30, que tem como de os públicos e o público se irem tornando
critério a evolução das técnicas de comuni- tanto uma mercadoria como um valor36. No
cação, o marketing político moderno arran- seu conjunto, esta segunda geração é aqui
cou em 1936, nos Estados Unidos da pensada como geração do marketing-políti-
América, e em 1965, em França. Philippe co-metáfora. Não por o considerarmos em si
Maarek31, por sua vez, encara-o como um mesmo uma metáfora, mas pela forma como
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 631

foi assumido culturalmente. Coadjuvado pelos num período particularmente importante de


media, com destaque para a televisão que transição. Já não para a «Galáxia de
chegou a ser «o símbolo da sociedade de Gutenberg», mas para a «Galáxia Internet»43
massas»37, o marketing político foi o palco da na qualidade de um «novo mundo da co-
transformação da política e do simbolismo dos municação» que possibilita, pela primeira
actores políticos. Não só a política passou a vez, «a comunicação de muitos para muitos
ser vista como consumo38, numa óptica de em tempo escolhido e a uma escala glo-
mercado, como também o cidadão e o eleitor bal»44.
passaram ao estatuto de consumidor, e o actor Na geração que fica para trás, o marketing
político a uma espécie de produto. Todos político informacional 45 alimentou a
partilham o mesmo tipo de relação com o real: personalização da política «num mundo de
a imagem. E o mesmo tipo de indistinção: entre criação de imagens» e foi ficando ao serviço
o verdadeiro e o falso, a partir do momento da ideologia dominante, a saber, a
em que a imagem se tornou o próprio real39. «desideologia»46, fazendo-a passar sem pa-
Em 1993, Douglas Gomery publicou, no recer uma nova ideologia.
Wilson Quarterly, o resultado de um estudo A caducidade do marketing-político-
de acordo com o qual 54% duma amostra,
metáfora advém do facto de a política não
composta por crianças com idades compre-
ser, por natureza, e apesar do carácter pú-
endidas entre os quatro e os seis anos a quem
blico, nem um mercado nem um consumível.
perguntaram de quem gostavam mais, se dos
Durante algum tempo, as circunstâncias
pais ou da televisão, escolheu a televisão40.
legitimaram o mimetismo packaging. Nos
Na linguagem de Giovanni Sartori41, são com
alvores da terceira geração do marketing
certeza «videocrianças» cujo «videoviver» é
o «telever» que está a mudar a natureza do político, uma geração de expansão, é impor-
homem: «a televisão modifica radicalmente tante que o marketing político pós-moderno
(empobrecendo-o) o aparelho cognitivo do trabalhe ao encontro dos novos contextos que
Homo Sapiens»42, na medida em que passou se aproximam, embora não seja só em matéria
a dar primazia ao «Homo videns» (pathos). de marketing político que se carece duma
renovação de valores. Neste período de tran-
3. A Caducidade da Metáfora do sição, é indispensável uma crítica reflexiva,
Marketing Político e a Era da Informação construída também de logos e de ethos, sobre
comunicação, cultura e política, tendo como
De acordo com o critério que aqui foi propósito um novo modo de relação-com-o-
proposto e seguido, encontramo-nos de novo mundo.
632 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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Edição Portuguesa, in Lambin, Jean-Jacques, nitária e Social: Os Pressupostos Filosóficos,
Marketing Estratégico (4ª ed.), Amadora, Análise Psicológica, 2003, Vol. XXI (4), pp. 485-
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and Oxford, Oxford University Press, 1998. proposta a título de “cosmovisão”, que seria
Tschichold, Jan, The New Typography: certamente redutora, mas antes como apelo à
A Handbook for Modern Designers (1 st discussão e troca de ideias.
6
paperback ed.), Berkeley, Los Angeles and Cf. A Era da Informação: Economia, So-
ciedade e Cultura, Vol. II: O Poder da Identi-
London, University of California Press, 1998.
dade, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
Welch, Kathleen, Electric Rhetoric: 2003.
Classical Rhetoric, Oralism, and a New 7
A questão da sua legitimidade passou pre-
Literacy, Cambridge and London, MIT Press, cisamente, sem a ela se confinar, pela resposta
1999. à pergunta que alguns autores mantiveram, com
Wolton, Dominique, Avant-Propos: ou sem tom pejorativo, como resultado de uma
Audience et Publics: Économie, Culture, postura reticente em relação ao “novo fenómeno”
Politique, Hermès: Cognition, Communication, da comunicação em política, a saber, «o marketing
Politique, Nº 37: L’Audience: Press, Radio, político existe?» (cf. Serge Albouy, Marketing et
Communication Politique, Paris, Éditions
Télévision, Internet, Paris, CNRS Éditions,
l’Harmattan, 1994; Denis Lindon, Le Marketing
2004, pp. 27-34. politique, Paris, Dalloz, 1986).
8
É importante referir que, consoante se
partilhe, ou não, do critério aqui proposto para
_______________________________ a interpretação da “história” do marketing polí-
1
A presente comunicação está associada a uma tico, assim estas fronteiras democráticas designam
Tese de Doutoramento inscrita no ISCTE, na a Grécia Antiga (quando se admite a ideia de um
especialidade de Sociologia da Cultura e da marketing político em sentido clássico) ou a
Comunicação, e foi financiada pela FCT (Progra- América do Norte e a Europa ocidental (quando
ma PRAXIS XXI) e pelo FSE no âmbito do III nos referimos ao marketing político moderno e
Quadro Comunitário de Apoio. Adverte-se para pós-moderno). Contudo, a referência é sempre e
o facto do presente texto não corresponder na necessariamente a de um regime democrático e
íntegra à comunicação oral apresentada no Con- a do pensamento político-filosófico que lhe
gresso. subjaze.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 635

9
H. Cazenave, Marketing Politique, in Lucien Andrew Lock & Phill Harris, Political Marketing
Sfez (Ed.), Dictionnaire Critique de la – Vive la Difference!, European Journal of
Communication (Vol. 2), Paris, P.U.F., 1993, pp. Marketing, 1996, Vol. 30(10/11), pp. 21-31;
1377-1392. Teodoro Luque, ibidem; Margarida Ruas dos
10
Paul R. Baines, Ross Brennan & John Egan, Santos, Marketing Político, Mem Martins, Edi-
“Market” Classification and Political ções Cetop, 1996; Michel Bongrand, Le Marketing
Campaigning: Some Strategic Implications, Politique (2e éd.), Paris, P.U.F., 1993; Nicholas J.
Journal of Political Marketing, 2003, Vol. 2(2), O’Shaughnessy,’The Phenomenon of Political
pp. 47-66; Paul R. Baines, Marketing and Political Marketing (1st ed.), New York, St. Martin’s Press,
Campaigning in the US and the UK: What Can 1990; Gilles Achache, Le Marketing Politique,
the UK Political Parties Learn for the Hermès: Cognition, Communication, Politique,
Development of a Campaign Management Process Vol. 4: Le Nouvel Espace Public, Paris, CNRS
Model?, PhD Thesis at Manchester School of Édition, 1989, pp. 103-112; Mario H. Arconada,
Management, 2001, [disponível em: http:// Teoría y Técnica de la Propaganda Electoral
www.scirus.com (Consulta: 2003-03-16)]; Philip (Formas Publicitarias), Barcelona, ESRP – PPU,
Kotler & Neil Kotler, Political Marketing: 1989; Denis–Lindon, ibidem; por exemplo.
12
Generating Effective Candidates, Campaigns, and Serge Albouy, ibidem; Dominique David,
Causes, in Bruce I. Newman (Ed.), Handbook of Jean-Michel Quintric & Henri-Christian Schroeder,
Political Marketing (1st ed.), Thousand Oaks, Le Marketing Politique (1re éd.), Paris, P.U.F.,
London and New Delhi, Sage Publications, 1999, 1978; por exemplo.
13
pp. 3-18; Philip Kotler, Overview of Political Marshall McLuhan, The Gutenberg Galaxy:
Candidate Marketing, in Bruce I. Newman & The Making of Typographic Man, Toronto,
Jagdish N. Sheth (Eds.), Political Marketing: University of Toronto Press, 1962.
14
Readings and Annotated Bibliography, Chicago, Paul Baines, Marketing and Political
Illinois, American Marketing Association, pp. 1- Campaigning in the US and the UK: What Can
9; Teodoro Luque, Marketing Político: Un Análisis the UK Political Parties Learn for the
del Intercambio Político (1ª ed.), Barcelona, Development of a Campaign Management Process
Editorial Ariel, 1996; Bruce I. Newman, The Model?, PhD Thesis at Manchester School of
Marketing of the President: Political Campaign Management, 2001; H. Cazenave, ibidem; Philippe
as Campaign Strategy (1st ed.), Thousand Oaks, J. Maarek, Pour ou Contre le Marketing Politique?
London and New Delhi, Sage Publications, 1994; Elections et Television: Actes du Colloque,
Philippe J. Maarek, Communication et Marketing Valence, Crac, 1993, pp. 79-83; Dominique David,
de l’Homme Politique, Paris, Litec, 1992; Gary Jean-Michel Quintric & Henri-Christian Schroeder,
A. Mauser, Political Marketing: An Approach to ibidem.
15
Campaign Strategy, New York, Praeger Publishers, José A. Maltez, Princípios de Ciência
1983; entre outros. Política: Introdução à Teoria Política (2ª ed.),
11
Joep P. Cornelissen, Metaphorical Reasoning Lisboa, ISCSP – UTL, 1996, pp. 166.
16
and Knowledge Generation: The Case of Political Cf. Werner Jaeger, ibidem.
17
Marketing, Journal of Political Marketing, 2002, Górgias, Encomium of Helen, in Patricia
Vol. 1(1), 193-208; Jennifer Lees-Marshment, Bizzell & Bruce Herzberg (Eds.), ibidem, pp. 44-
Political Marketing and British Political Parties: 46; Isócrates, Antidosis, in Patricia Bizzell & Bruce
The Party’s Just Begun (1st ed.), Manchester and Herzberg (Eds.), ibidem, pp. 75-79; Aristóteles,
New York, Manchester University Press, 2001; Retórica, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da
Richard M. Perloff, Elite, Popular and Moeda, 1998; idem, La Poétique, Paris, Éditions
Merchandised Politics: Historical Origins of du Seuil, 1980; Platão, Fedro (3ª ed.), Lisboa,
Presidential Campaign Marketing, in Bruce I. Guimarães Editores, 1986; idem, A República (4ª
Newman (Ed.), Handbook of Political Marketing ed.), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
(1st ed.), Thousand Oaks, London and New Delhi, Para uma abordagem mais detalhada a este res-
Sage Publications, 1999, pp. 19-40; Bruce I. peito, sugere-se António Fidalgo, Definição de
Newman, The Marketing of the President: Political Retórica e Cultura Grega, 2001, [disponível em:
Campaign as Campaign Strategy (1 st ed.), http://bocc.ubi.pt (consulta: 2003-04-23)].
18
Thousand Oaks, London and New Delhi, Sage Cícero, De Oratore, in Patricia Bizzell &
Publications, 1994; idem, The Mass Marketing of Bruce Herzberg (Eds.), ibidem, pp. 289-339;
Politics: Democracy in an Age of Manufactured Quintiliano, Institutes of Oratory, in Patricia Bizzell
Images (1st ed.), Thousand Oaks, London and New & Bruce Herzberg (Eds.), ibidem, pp. 364-428.
19
Delhi, Sage Publications, 1999; Philippe J. Maarek, Cf. Kevin LaGrandeur, Digital Images and
ibidem; idem, Marketing Político y Comunicación: Classical Persuasion, in Mary E. Hocks & Michelle
Claves Para Una Buena Información Política, R. Kendrick (Eds.), Eloquent Images: Word and
Barcelona, Buenos Aires y México, Paidós, 1997; Image in the Age of New Media, Cambridge and
636 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

32
London, MIT Press, 2003; Kathleen Welch, Bruce I. Newman, The Mass Marketing of
Electric Rhetoric: Classical Rhetoric, Oralism, and Politics: Democracy in an Age of Manufactured
a New Literacy, Cambridge and London, MIT Images (1st ed.), Thousand Oaks, London and New
Press, 1999; entre outros. Delhi, Sage Publications, 1999; Chris Hegedus &
20
Cf. António Fidalgo, ibidem. Da Pennebaker The War Room [DVD], Pennebaker
21
Philippe J. Maarek, Pour ou Contre le Associates & McEttinger Films, 1993.
33
Marketing Politique? Elections et Television: Actes Cf. Francisco R. Cádima, Salazar, Caetano
du Colloque, Valence, Crac, 1993, pp. 79-83. e a Televisão Portuguesa (1ª ed.), Lisboa, Edi-
22
A paideia é universal e designa a educação torial Presença, 1996.
34
no sentido escrito da palavra cujo sentido se foi Alexandre Coutinho, Como se Faz Um
alargando até englobar a kalokagathia ou forma- Presidente (1ª ed.), Lisboa, Edições «O Jornal», 1990.
35
ção espiritual consciente que pressupunha o Comentário, in Margarida Ruas dos Santos,
conjunto de todas as exigências (ideais, físicas e Marketing Político, Mem Martins, Edições Cetop,
espirituais); cf. Werner Jaeger, ibidem. 1996, pp. 88-89.
23 36
Cf. Paul Ricœur, Parcours de la Dominique Wolton, Avant-Propos: Audience
Reconnaissance: Trois Études, Paris, Éditions et Publics: Économie, Culture, Politique, Hermès:
Stock, 2004, II-1 e 4. Cognition, Communication, Politique, Nº 37:
24
Domingos A. B. da Silva, Prefácio à Edição L’Audience: Press, Radio, Télévision, Internet,
Portuguesa, in Jean-Jacques Lambin, Marketing Paris, CNRS Éditions, 2004, pp. 27-34.
37
Estratégico (4ª ed.), Amadora, Editora McGraw- Francisco R. Cádima, O Fenómeno
Hill de Portugal, 2000, p. XXI. Televisivo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p.
25
Marshall McLuhan, ibidem; Jan Tschichold, 15. A este respeito, sugere-se também Patricia
The New Typography: A Handbook for Modern Holland, The Television Handbook (2 nd ed.),
Designers (1 st paperback ed.), Berkeley, Los London and New York, Routledge, 2000.
38
Angeles and London, University of California Para uma breve referência aos pressupostos
Press, 1998. implícitos, cf. Francesco Parisi, Votes and
26
A respeito do que pode ser pensado, nos Outcomes: Rethinking the Politics-like-markets
nossos dias, como «cultura visual» sugere-se, por Metaphor, European Journal of Law and
exemplo, Julian Stallabrass, Gargantua: Economics, 13, pp. 183-192, por exemplo.
Manufactured Mass Culture (1st ed.), London and 39
Henri-Pierre Jeudy, Les Vertiges de la
New York, Verso, 1996. Médiation, in José A. Bragança de Miranda &
27
Cf. Richard M. Perloff, Elite, Popular and Joel F. da Silveira (Org.), As Ciências da Comu-
Merchandised Politics: Historical Origins of nicação: Na Viragem do Século, Lisboa, Edições
Presidential Campaign Marketing, in Bruce I. Século XXI, 2002, pp. 48-55.
40
Newman (Ed.), Handbook of Political Marketing Mitchell Stephens, The Rise of the Image
(1st ed.), Thousand Oaks, London and New Delhi, and the Fall of the Word (1st ed.), New York and
Sage Publications, 1999, pp. 19-40. Oxford, Oxford University Press, 1998, pp. 5-6.
28 41
Philippe Breton & Serge Proulx, A Explo- Homo Videns: Televisão e Pós-pensamento
são da Comunicação (1ª ed. portg.), Lisboa, (1ª ed. portg.), Lisboa, Terramar, 2000.
42
Editorial Bizâncio, 1997; H. Cazenave, ibidem; Ibidem, p. 9.
43
Larry J. Sabato, The Rise of Political Consultants, Manuel Castells, A Galáxia Internet: Re-
New York, Basic Books, 1981. flexões sobre Internet, Negócios e Sociedade,
29
Stanley Kelley, Professional Public Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
Relations and Political Power (1st paperback ed.), 44
Ibidem, p. 16.
45
Baltimore, The Johns Hopkins Press, 1966 [ed. Idem, A Era da Informação: Economia,
original publicada em 1956]. Sociedade e Cultura, Vol. II: O Poder da Identi-
30
Ibidem. dade, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
31 46
Marketing Político y Comunicación: Cla- José M.Paquete de Oliveira, A Ditadura
ves Para Una Buena Información Política, Bar- Invisível. «Desideologia»: A ideologia dos Nos-
celona, Buenos Aires y México, Paidós, 1997; sos Tempos, in II Fórum Eleitoral – Sociologia
Communication et Marketing de l’Homme Eleitoral, Lisboa, Comissão Nacional de Eleições,
Politique, Paris, Litec, 1992. 1993, pp. 77-90.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 637

A Evolução Tecnológica e a Mudança Organizacional


Carlos Ricardo1

A crise da modernidade capacidade de interacção e comunicação uns


com os outros em tempo real, instaurando
O futuro está cada vez mais no centro novas formas de cooperação no seio das
dos debates dos países industrializados avan- organizações e entre elas.
çados e o interesse crescente das oportuni- Considera-se que as inovações técnicas
dades que nos reserva é imputável à crise decorrentes dos resultados da investigação in-
generalizada e profunda com que as socie- dependente e conduzidas pela curiosidade no
dades modernas se defrontam. No que res- domínio das ciências naturais são factores
peita às organizações, esta crise embrionária determinantes no contexto social e ambien-
faz-se sentir em vários planos cada vez mais tal. Trata-se, agora, de examinar todas as
interdependentes. Por um lado, a transforma- repercussões possíveis das tecnologias a
ção do meio ambiente das organizações diversos níveis, sendo o objectivo final li-
obriga-as a adaptar-se para sobreviver. A crise mitar as incidências negativas e maximizar
também se abate sobre o coração das orga- os eventos considerados desejáveis.
nizações e destrói, de uma forma geral, os As interacções entre evolução tecnológica
espaços organizados, provocando o desapa- e a mudança organizacional inibem toda a
recimento das convenções de aprendizagem compreensão se nos contentarmos em subs-
de cada organização. Por outro lado, a questão tituir um conceito errado por outro ou se se
da mudança tecnológica e das suas prováveis substituir o determinismo tecnológico por outra
repercussões não pára de aparecer no com- forma de determinismo social, na qual as
plexo discurso sobre o futuro. relações causa-efeito ou o domínio relativo de
A percepção da relação entre evolução um ou de outro elemento estejam simplesmente
tecnológica e mudança organizacional expri- invertidos. Em definitivo, estas formas de
me-se de múltiplas maneiras, onde o determinismo reduzem-se à questão conheci-
determinismo tecnológico se reveste de for- da e estéril do ‘ovo e da galinha’3.
mas imaginadas ou subtis que influenciam
a maneira de pensar dos indivíduos sem que Factores determinantes da evolução
estes tenham disso consciência. Qualificar o tecnológica
aumento das NTIC de ‘revolução digital’, por
exemplo, pode ser incisivo e marcante, mas Com base nos resultados empíricos de
expressões deste tipo podem ocultar as uma série de estudos foi possível elaborar
interacções complexas, dando a impressão um quadro teórico que permita aos investi-
subliminar de que a digitalização é o motor gadores definir os factores organizacionais e
de toda a mudança. Noções como ‘organi- culturais determinantes da evolução
zação virtual’ ilustram este ponto de vista2. tecnológica. Do ponto de vista organizaci-
As redes informáticas mundiais já per- onal pode pôr-se em evidência vários parâ-
mitem às empresas ligar todos os aspectos metros que actuam sobre a evolução de novas
relativos à calendarização, conteúdo e difu- tecnologias, nomeadamente, a visão
são dos processos de desenvolvimento dos prospectiva, a cultura organizacional e a
produtos dispersos no conjunto de todo o aprendizagem organizacional.
planeta, as quais oferecem um sistema de
transporte de dados e permitem criar um O papel da visão prospectiva4
espaço virtual em que os bens e serviços são
propostos e trocados à escala global e no As visões prospectivas são o reflexo das
qual os indivíduos físicamente separados têm ideias relativas às futuras tecnologias partilha-
638 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

das pelas comunidades, instituições e orga- tecnologia graças à sua capacidade de influ-
nizações envolvidas no processo de pesqui- enciar a direcção e o curso da investigação-
sa-desenvolvimento. Concretizam a percep- desenvolvimento, no seio de uma organiza-
ção comum da oportunidade e a ção ou numa rede de organizações. A apren-
implementação de ideias e projectos num dizagem, tal como se entende neste contexto,
futuro relativamente próximo e tornam-se não significa uma formação técnica profis-
assim objectivos fortes que influenciam os sional ou um ensino académico tradicional,
mecanismos de inovação, determinando o mas a gestão de uma solução flexível ou a
processo complexo no qual estão envolvidos antecipação da mudança de uma organização
múltiplos actores, tendo em vista a decisão no seu conjunto.
do prosseguimento de certas escolhas Esta aprendizagem encontra a sua expres-
tecnológicas e do abandono de outras. são quando, por exemplo, uma organização
As visões prospectivas do progresso téc- decide abandonar as estratégias e os concei-
nico assumem uma tripla função: impõem uma tos de gestão ultrapassados, para descobrir
direcção, facilitam a coordenação e agem como e promover mecanismos organizacionais
forças mobilizadoras. Desempenham um papel novos ou reformados e encoraja modos de
na orientação ao procurarem um ponto de reflexão inéditos. A aprendizagem organiza-
partida ao qual todos os indivídudos se podem cional traduzida em imagens e constatações
referenciar para ordenar as suas percepções, originais põe em causa e transforma as
o seu raciocínio e os seus mecanismos de estruturas e a cultura existentes.
tomada de decisão duma forma que defina um A necessidade de aprender é, presente-
objectivo comum para a reflexão sobre o mente, um elemento que condiciona cada vez
futuro. Asseguram a coordenação das percep- mais o sucesso das organizações. Muitas
ções, dos pensamentos e dos processos de instauram uma cultura criada e assente em
tomada de decisão, instaurando a compreen- estruturas da sua própria supremacia, num
são entre os indivíduos e as organizações, meio estável que permita fazer a previsão do
permitindo ultrapassar os quadros de referên- mercado ou de um produto, de um domínio
cia divergentes e simplificando a indispensá- técnico ou de um sector particular. As
vel cooperação entre estes dois grupos. Agem mutações aceleradas obrigam as organizações
como uma força mobililizadora, na qual estão a proceder a uma revisão das suas percep-
presentes as percepções, simultaneamente no ções, dos seus valores e do seu comporta-
‘espírito’ e no ‘coração’ dos indivíduos5. mento, a fim de poder reagir rapidamente à
nova concorrência mundial. Elas devem
O papel da cultura organizacional elaborar estratégias de longo prazo que
englobem processos de produção originais ou
A acção que as visões prospectivas bens e serviços novos. Se estes processos de
exercem sobre as inovações técnicas é, em auto-avaliação intervêm demasiado lentamen-
larga medida, condicionada pela cultura da te, a organização corre o risco de ‘perder o
organização. A cultura organizacional pode comboio’ do progresso técnico ou de perder
representar, simultaneamente, um trunfo e adaptação ao mercado e ver-se-á talvez na
uma desvantagem para o sistema. Ela pro- impossibilidade de preservar a sua compe-
cura um sentimento de estabilidade e uma titividade.
identidade aos quais os membros da orga- A aprendizagem organizacional efectua-
nização se podem referir, igualizando os se ao nível dos indivíduos e dos grupos que
comportamentos, que embora eficaz no muitas vezes estão na sua origem. Todavia,
passado, se arrisca ser inadaptado ou mesmo esta aprendizagem não consiste apenas numa
travar os esforças dispendidos no sentido de acumulação de experiências de formação
relevar os desafios actuais. independentes, mas numa aquisição colecti-
va de percepções ou de competências novas,
O papel da aprendizagem organizacional6 o que pode, na realidade, representar ‘me-
nos’ do que a soma das aprendizagens in-
A aprendizagem organizacional desempe- dividuais operadas no seio de uma organi-
nha um papel crucial na evolução da zação, isto é, as percepções e as competênci-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 639

as adquiridas pelos indivíduos não são todas ções muito extensas e profundas. Não apa-
transferidas para a organização no seu con- rece isoladamente como uma organização
junto. única, mas vai buscar as suas raízes às
Por outro lado, a aprendizagem organi- empresas da indústria automóvel, aos gover-
zacional reveste muitas vezes uma dimensão nos e às diversas associações do ramo, assim
‘mais vasta’ do que a totalidade dos conhe- como a domínios exteriores à esfera orga-
cimentos pessoais angariados, porque com- nizacional como, por exemplo, ao compor-
bina e amplia ao mesmo tempo os efeitos tamento quotidiano dos condutores e às suas
educativos, as experiências e o saber indi- projecções individuais e colectivas sobre o
viduais, por via dos mecanismos quotidianos que é desejável e realizável.
de cooperação e comunicação. Esta visão prospectiva, em que o auto-
móvel domina as reflexões relativas à mo-
Imaginar conceitos novos e explorar as bilidade, estruturou e condicionou as polí-
inovações ticas de transporte durante décadas, podendo
ser considerada como uma das representa-
As estruturas necessárias para imaginar ções tecnológicas mais conseguidas em
conceitos novos e explorar plenamente as termos de alcance e de impacto a longo prazo.
inovações diferem duma empresa para outra, Durante muitos anos, o automóvel foi o
em certos casos de forma considerável. Num símbolo e o indicador de prosperidade in-
extremo, a investigação e o desenvolvimento dividual e macrosocial. Apesar das tensões
efectuados em certas empresas estão sepa- e das evoluções que anunciam uma
rados das tarefas correntes, de forma a reestruturação da sociedade automóvel não
favorecer ao máximo a liberdade e a cria- está à vista nenhuma ruptura fundamental.
tividade. No outro extremo, podem estar A visão da sociedade do automóvel disfruta
intimamente associados ao funcionamento hoje de uma tal omnipresença em todo o
quotidiano, de maneira a assegurar a mundo, que quase cada uma das organiza-
pertinência dos produtos resultantes da in- ções que por ele se interessaram deixaram
vestigação aplicada. a sua marca, encontrando a sua expressão
Como demonstram os exemplos seguin- numa aprendizagem sistematicamente
tes, os factores descritos (visão prospectiva, centrada na experiência do passado.
cultura e aprendizagem organizacionais) O aparecimento massivo de inovações
podem agir de forma permanente sobre a resultantes da utilização de novas tecnolo-
interacção complexa das mutações gias sem ligação aparente com o automóvel,
tecnológicas e das mudanças organizacionais. tem contribuído para assegurar a sua expan-
Aqueles exemplos têm em comum dois são a nível mundial. A introdução de tec-
aspectos. Em primeiro lugar, referem-se ambos nologias da informação e de técnicas de
a uma forma particular de inovação detecção, assim como da optoelectrónica
tecnológica: as novas tecnologias da informa- alimenta vivas esperanças futuras.
ção e das comunicações (NTIC) e mais pre- Sobrestima-se o ganho real da eficiência
cisamente a informatização e a digitalização produzida pelos acessórios que apelam às
do meio quotidiano. Em segundo, os dois tecnologias da informação, mas não há razão
exemplos explicam claramente que uma re- para subestimar a sua real capacidade de
flexão, que se exprime exclusivamente em resolução das principais dificuldades com que
termos de determinismo tecnológico ou so- hoje se confronta a sociedade do automóvel.
cial, pode modificar ou falsear as perspectivas A telemática oferece perspectivas considerá-
de desenvolvimento futuro. veis para a modernização do sector dos
transportes, admitindo-se que o automóvel
A perenidade da sociedade do automóvel: inteligente funcionando em rede seja o ele-
inovações sem mudança significativa mento central da visão futura da sociedade
do automóvel7.
Contrariamente às visões prospectivas Tendo em conta a direcção que os avan-
próprias das organizações, a representação da ços tecnológicos estão a ter, a melhor maneira
sociedade do automóvel apresenta ramifica- de os classificar seria falar de inovação
640 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

estragnante (ou estagnação da inovação), ‘estagnovação’, na medida em que este


designada por ‘estagnovação’ (Canzler e processo tem incidências na visão das tec-
Marz, 1997)8. nologias, alimentando a sua generalização um
As inovações tecnológicas claramente estado de espírito prejudicial às iniciativas
identificadas correspondem a uma aprendi- que visam a gestão proveitosa da crise que
zagem e a uma adaptação das organizações atinge a sociedade moderna.
envolvidas.O seu carácter inovador prende- Por um lado, a ‘estagnovação’ favorece
se com o funcionamento de uma larga um sentimento de euforia, visto que, quanto
variedade de novas tecnologias no domínio mais uma inovação consegue afastar a ne-
da informação e das comunicações, de forma cessidade de uma modernização, mais este
a estabilizar a visão actual da sociedade do adiamento dos problemas se arrisca a ser
automóvel e a explorar ao máximo a estreita adoptado como uma solução geral. Melhorar
margem de manobra existente. A introdução as estruturas tradicionais por inovações
da rede global de transmissão de dados na incrementais parece ser ‘a’ maneira de che-
máquina cria, no universo dominado por esta gar ao fim das dificuldades e os actores
visão prospectiva, um espaço para estas podem ter a impressão enganadora de que
inovações. No entanto, estes avanços o ‘pior já passou’ ou, pelo menos, de que
tecnológicos embatem no facto de que as dominam a situação. Por outro lado, a
inovações não serão de natureza a pôr fim ‘estagnovação’ encoraja os sentimentos de
às dificuldades, tendo apenas o efeito de as depressão. Apesar das inúmeras certezas
afastar ou atenuar provisoriamente, permitin- contrárias, o facto de adiar uma moderniza-
do a sua gestão mais eficaz. Apelar aos ção radical faz nascer um sentimento de mal-
computadores para resolver o problema dos estar na população. Para os responsáveis
‘engarrafamentos’ retardará o bloqueio total encarregados de definir as orientações em
do sistema de transporte nas zonas urbanas, matéria de tecnologia, torna-se cada vez mais
mas não suprimirá as suas causas. difícil não admitir que prosseguir uma ten-
A ‘estagnovação’ diminui as hipóteses de dência não constitui, a prazo, um progresso.
proceder a uma modernização radical, con- Ao mesmo tempo, a concentração de
centrando o potencial de inovação no pro- esforços sobre o aperfeiçoamento e a gene-
longamento da duração de vida dos concei- ralização de soluções médias desvia a aten-
tos actualmente dominantes, sem promover ção dos meios possíveis, ainda que difíceis
a elaboração de instrumentos inéditos para de pôr em acção, para fazer face à dimensão
resolver as dificuldades subjacentes. Quanto dos problemas. A estratégia de estabilização
mais esta tendência persistir, tanto mais difícil de uma situação difícil sem a corrigir e que
será descobrir e explorar outras soluções implica uma aprendizagem parcial no quadro
tecnológicas para aumentar a mobilidade num dos conceitos tecnológicos dominantes tor-
contexto social e organizacional diferente. O nar-se-á um impasse. O sentimento de ine-
principal perigo da ‘estagnovação’ é ocultar ficácia da ‘estagnovação’ e a percepção do
a relação que existe entre o adiamento de seu carácter irreversível são factores que
um problema e o seu agravamento, o que correm o risco de alimentar a morosidade em
favorece a atitude ingénua e passiva que que ela se move.
consiste em pensar ‘que as coisas se resol- Considerando este fenómeno, pergunta-
verão na altura necessária’. mos se existem outras vias que permitam
Considerando estas estratégias de inova- explorar as NTIC para estimular a inovação
ção, que prolongam a duração de uma visão social, mais do que simplesmente a manu-
dominante da tecnologia, por meio de uma tenção e a reforma progressiva das alianças
aprendizagem incompleta e de uma alteração sociais tradicionais. A existência de tais vias
da organização limitada, trata-se de saber se de mudança perde evidência se nos voltar-
a ‘estagnovação’ é apenas específica da mos para a área em que as inovações e as
sociedade automóvel ou se este fenómeno se mutações técnicas e sociais simultaneamente
esconde igualmente noutras acções, visando se enolvem estreitamente e se estimulam
fazer face a outras crises. É indispensável recíprocamente, como o caso actual da rede
compreender os fundamentos da estratégia da da Internet.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 641

A inovação induzida pela cooperação entre Modelos de empresas inteiramente novos


agentes: a Internet foram inventados, a fim de explorar de forma
rentável estas novas condições. Os particu-
O segundo exemplo das relações que lares e as empresas recorrem à Internet não
alimentam a evolução tecnológica e a refor- apenas para encontrar informações sobre os
ma organizacional, ilustra a forma como as produtos existentes, mas também para pôr em
inovações tecnológicas abrem uma via para circulação a produção de artigos que con-
novas formas de produção e de organização ceberam. O consumidor assume, pouco a
que, por sua vez, contribuem para um novo pouco, o papel determinante reservado an-
avanço das tecnologias. A Internet poderá tigamente ao produtor. Se esta alteração
estar na vanguarda duma visão muito dife- paradigmática se confirmar, a cadeia de valor
rente do trabalho e da sociedade. Esta visão poderá ser completamente transformada
assenta numa forma de organização, natural- numa série de actividades.
mente concebida para se difundir, que passa A adopção e a propagação de uma cul-
por uma estrutura de responsabilidade e de tura organizacional diferente necessitam de
autoridade mais descentralizada.9. um certo intervalo de tempo. Uma verdadei-
A tecnologia posta em acção pela Internet, ra descentralização, ultrapassando o tele-tra-
aperfeiçoada inicialmente no quadro do sector balho que vem reduzir os espaços destinados
público, permite acesso gratuito e livre a uma aos escritórios e as deslocações domicílio-
vantagem apreciável, uma norma comum que trabalho, supõe que os indivíduos assumam
permite aplicar plenamente uma lei econó- responsabilidades, desde o momento em que
mica vital, trazendo rendimentos de escala escolhem (na qualidade de produtor/consu-
crescentes graças às redes e ao conjunto midor) os produtos preferidos até ao momento
aberto de normas universais10. Comparativa- em que imaginam (na qualidade de trabalha-
mente com modelos de organização hierár- dor/dirigente de empresa) uma solução ino-
quica fortemente centralizados, que preva- vadora em cooperação com um cliente.
lecem nos locais de trabalho, a Internet é um Hesitamos naturalmente em renunciar às
espaço (virtual) anárquico, extremamente estratégias conhecidas para obter resultados
descentralizado e desorganizado. É um ver- económicos e sociais, para gerar riscos e para
dadeiro oceano de informações, percorrido assegurar a continuidade das actividades.
de forma não linear por hiperligações. Tor- Ainda que, por vezes, se trate de uma sim-
na-se muito eficaz para a troca de ideias e ples questão de percepção da maneira de
o estabelecimento de laços espontâneos, encarar a mudança, um novo modelo pode
independentemente da distância, dos fusos ser muito perturbador. As procuras da ‘re-
horários ou de qualquer ideia pré-concebida. ciprocidade dinâmica’ em rede, vão muito
A Internet demarca-se nitidamente do para além das funções de formação e das
modelo industrial mais rígido de produção formas de aprendizagem privilegiada pelos
e de consumo de massas, desenvolvendo-se estabelecimentos de ensino, os escritórios e
num mundo em que os bens imateriais se a maioria das famílias.
revestem de maior importância que os bens Apesar das possibilidades oferecidas pela
imobilizados de antigamente e em que a Internet, é preciso ter em conta numerosos
duplicação digital se traduz por um custo de obstáculos, entre os quais figura a propensão
reprodução marginal, praticamente nulo. Da para reintroduzir os métodos tradicionais,
mesma forma, a Internet poderá transformar contentando-se em transplantar os velhos
um número de dispositivos institucionais e hábitos para os novos. Estas tendências con-
modelos de comportamentos característicos, traditórias são perceptíveis em todos os do-
ao nível microeconómico, da oferta e da mínios, desde as empresas privadas aos or-
procura. Do lado da oferta, começam a ganismos públicos, que se contentam em
aparecer novas formas de organização do utilizar a Internet sem modificar os hábitos
trabalho, de fabrico e distribuição de produ- de organização, até às iniciativas governamen-
tos, de entrada no mercado e de cooperação. tais mal concebidas que impõem a aplicação
Do lado da procura, o consumo está a tornar- de soluções para resolver problemas ligados
se activo. à economia do saber datadas da era industrial.
642 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A Internet prepara-se para utilização em cíficos de mudança tecnológica e relacioná-


tempo real de formas de transmissão vídeo los com o meio cultural e organizacional. De
e fixou como objectivo futuro o desenvol- facto, a fusão dos aspectos tecnológicos,
vimento de estruturas organizacionais aber- culturais e organizacionais pode ser consi-
tas e de aplicações flexíveis. A cooperação derado como o elemento central desta abor-
entre empresas concorrentes só poderá ser dagem conceptual. Ao estudar a forma de
proveitosa se a tecnologia em desenvolvimen- interacção de um objecto técnico com ideias
to for concebida para prevenir os monopó- e percepções sociais assim como com as
lios e procurar idênticas vantagens para o finalidades e tradições organizacionais mais
conjunto dos fornecedores. gerais, poder-se-á evitar todo o determinismo
Tendo em conta estas considerações, técnico e social para explicar a evolução
numerosos sinais anunciam o aparecimento tecnológica.
de um novo modelo de cooperação e de A comparação dos dois exemplos faz
produção, no qual as inovações tecnológicas ressaltar as diferenças e as semelhanças. Os
e a aprendizagem organizacional serão dois tipos de inovação aparecem em merca-
mutuamente indispensáveis e envolvidas num dos estabelecidos e regulamentados pelos
processo de arrastamento recíproco. poderes públicos. A indústria automóvel e a
estrutura institucional do sector das comu-
As estruturas de inovação divergentes: nicações resistem às mudanças de modelos
conclusões de aprendizagem e ao aparecimento de novos
conceitos técnicos.
Os exemplos sobre as estratégias de Esta resistência conduz a que nos inter-
inovação na indústria automóvel e no seio roguemos sobre os factores que facilitam a
da Internet deixam transparecer tendências emergência de uma visão totalmente inova-
divergentes. Enquanto a evolução tecnológica dora da tecnologia Internet deixando relati-
na indústria automóvel se reveste de um vamente inalteradas as formas de organiza-
carácter marginal que visa a conservação dos ção e as culturas no sector das comunica-
elementos essenciais representativos da so- ções. Quanto à indústria automóvel como
ciedade automóvel, a tecnologia das teleco- justificar que não tenha aparecido nenhuma
municações passa por profundas mutações nos nova visão, nem alteração radical nas formas
planos técnico e organizacional, que se de organização e culturas.
referem não apenas aos modos de produção Sem poder dar uma resposta global e
tecnológica e de coordenação mas também totalmente satisfatória a estas questões, os
aos produtos em si. A ‘estagnovação’, carac- casos permitem clarificar certos aspectos
terizada pelo adiamento incessante de uma susceptíveis de explicar a razão porque certas
modernização fundamental, opõe-se radical- inovações tecnológicas se impõem e outras
mente às reformas tecnológicas e não. Estes aspectos referem-se aos actores
organizacionais ligadas a alterações de da transformação e aos fundamentos do
modelos de aprendizagem, de criação e de contexto social e político no qual intervêm.
manutenção de novas visões revolucionárias Como referimos, a criação da Internet não
da tecnologia. resultou de organizações até então encarre-
O quadro conceptual apresentado não gadas de produzir tecnologia de transmissão
poderá revelar as causas profundas das di- internacional. O comportamento das empre-
vergências observadas nas estruturas de sas de telecomunicações, em matéria de
inovação dos sectores do automóvel e das inovação, não foi fundamentalmente diferen-
comunicações. Conceitos como visão te do da indústria automóvel. A tradição, que
prospectiva, cultura organizacional e apren- consistia em trazer para o sector melhora-
dizagem organizacional fazem ressaltar as mentos marginais, foi interrompida pela
condições empíricas susceptíveis de justifi- constituição de um novo grupo de
car a diversidade dos modos operatórios da intervenientes e pelo aparecimento de uma
evolução tecnológica. nova cultura em matéria de produção e de
De uma forma mais geral, o quadro desenvolvimento tecnológico.Este modelo
conceptual permite identificar modelos espe- concorrente deve a sua vitalidade e o seu
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 643

sucesso à superioridade tecnológica dos seus rem de tecnologias novas e a emergência de


produtos e ao facto de representar uma novos modos de organização não garante que
verdadeira escolha oferecida aos utilizadores. sejam criadas novas tecnologias e utilizadas
Contrariamente às opções propostas aos com sucesso.
consumidores pela indústria automóvel, que Tendo em conta a dimensão e gravidade
se limitam a algumas variantes (e não ofe- da crise da modernidade, as organizações não
recem substituto para o motor de combus- podem permitir a entrada em exclusividade
tão), a Internet representa uma solução de de um potencial de inovação esperando que
alteração fundamental à escrita tradicional, o resto das inovações acabe por se materi-
assim como ao telefone. A expansão acele- alizar. Para fazer face à crise, as organiza-
rada da World Wide Web explica-se em ções não devem explorar os potenciais de
grande parte pelo acolhimento favorável que inovação tecnológica ou organizacional de
lhe reservaram os consumidores. As prefe- forma independente mas sim misturá-los
rências dos utilizadores podem constituir um sistematicamente.
factor de adesão e de eleição importante de O potencial de inovação real das orga-
conceitos tecnológicos revolucionários, arras- nizações tecnológicas e organizacionais, até
tando uma série de inovações importantes nos agora insuficientemente desenvolvido, não
planos técnico e organizacional. Convém reside nas inovações tecnológicas e
reconhecer que os utilizadores fazem parte organizacionais propriamente ditas, mas sim
integrante da plêiade de actores que contri- na sua fusão, a qual representa um potencial
buem para a difusão das inovações social- de inovação secundário. Da aptidão para
mente desejáveis. entender este potencial e da vontade de o
Um outro aspecto posto em evidência é concretizar dependerá o sucesso dos esforços
o contexto político e social em que se ins- desenvolvidos pelas organizações para ela-
crevem as diversas estratégias, em matéria borar estratégias que visam enfrentar estas
de inovação. O triunfo do modelo Internet crises.
corresponde a uma tendência geral para a Os exemplos referidos chamam a atenção
desregulamentação. A dispersão das organi- das organizações para a existência de um tal
zações monopolistas tradicionais de teleco- potencial de inovação secundário mostrando
municações favorece o aparecimento de claramente porque lhes é possível e neces-
fornecedores que utilizam a rede local, pro- sário ligarem-se ao seu desenvolvimento,
pondo serviços clássicos com tarifas mais contrariamente ao acontecido no passado. É
vantajosas ou pondo em funcionamento novos certo que as organizações sofrem a tentação
meios de exploração da rede. de se abster desse potencial de inovação
O interesse que a sociedade demonstra fugindo às dificuldades inerentes, seguindo,
pelas novas formas de comunicação e ser- por exemplo, a via da ‘estagnovação’, uti-
viços digitais coincide com uma vontade lizando as inovações tecnológicas para
política de aligeirar a regulamentação do que estabilizar e preservar as visões prospectivas,
pertencia anteriormente ao sector público. as estruturas sociais e as estratégias
Estas condições não estão reunidas no sector organizacionais tradicionais.
automóvel, onde não existem actores influ- O exemplo da normalização da Internet
entes para propôr conceitos diferentes em mostra, no entanto, que esta atitude pode levar
matéria de mobilidade, nem tecnologias em a um impasse de forma muito rápida, quando
concorrência, entre as quais os utilizadores outras organizações mais jovens e dinâmicas
possam escolher. combinam as inovações tecnológica e so-
Estes factos, conduzem aos aspectos cial, apontando caminhos novos e originais.
organizacionais da inovação tecnológica. A Estas incursões em terreno desconhecido
diversidade dos esquemas de inovação ilus- representam riscos, porque nada garante que
trada pelos sectores referidos ajuda a tomar encontrarão um sucesso durável, ainda que
consciência do facto de que a inovação bem conseguidas. As organizações que ou-
tecnológica não conduz automaticamente a sam procurar novas vias de desenvolvimento
uma inovação organizacional. Reciprocamen- e de crescimento podem encontrar-se em
te, as inovações organizacionais não decor- caminhos para além dos balizados.
644 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A ‘estagnovação’ da indústria automóvel evitadas, porque constituem uma’‘ameaça’


e a capacidade de inovação do sector das para todas as normas estabelecidas. No
telecomunicações suscitam a questão dos momento em que se inicia o século XXI, a
ensinamento que podem ser retirados desta tarefa para as organizações é aperceberem-
análise. Apesar da crescente concorrência se destes limites, a fim de ultrapassarem a
internacional que se exerce sobre as empre- crise da modernidade e de se prepararem para
sas, as inovações radicais são colectivamente os novos desafios.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 645

_______________________________ sos de reflexão inéditos dominantes, para adap-


1
Instituto Português de Administração de tação às mutações do meio exterior.
7
Marketing. O veículo do futuro deverá comportar três
2
Evoluções como os ‘documentos hipermédia’ tipos de melhoramentos que atenuarão os impac-
(Coy, 1994), as ‘redes informáticas abertas’ tos negativos da sociedade automóvel. Em pri-
(Hoffmann, 1996) e o ‘ciberespaço’ (Rheingold, meiro lugar, os sistemas de informação colectivos
1992), bem como os conceitos como ‘a simu- sobre a circulação. Em segundo lugar, o prosse-
lação do universo’ (Grassmuck, 1995), mostram guimento do desenvolvimento e introdução de
que é impossível ter noção das caracteristicas e tecnologias da informação deverão levar à rea-
direcções específicas da mudança por meio de lização de sistemas de informação disponíveis para
algumas fórmulas sedutoras que invocam a consulta antes de empreender uma deslocação. Em
digitalização. terceiro lugar, prevê-se a redução dos tempos de
3
Os estudos relativos aos grandes sistemas deslocação e do volume de circulação, através da
tecnológicos (Joerges, 1993) e às teorias das redes instituição de um sistema electrónico de tarifas
como actores (Akrich, 1992) mostram que uma de circulação ou de congestionamento e pela
tese nunca apreenderá correctamente a dinâmica possibilidade de exploração de sistemas
específica da evolução em curso e atingirá sim- interactivos.
8
plesmente um certo número de paradoxos funda- Embora isso não signifique que os modelos
mentais e métodos de explicação insuficientes, se de mobilidade, datados de há várias décadas, tenham
apenas apresentar os aspectos sociais e técnicos sido conservados ou que sejam objecto de uma
desta evolução ou, em particular, como esferas modificação total ou mesmo postos em causa.
9
de accção independentes mais ou menos opostas A história da génese da Internet explica como
(Latour, 1995). a tecnologia de transmissão, própria desta rede,
4
Imagens vulgarizadas como ‘auto-estradas constitui o objectivo de um programa de desen-
da informação’, ‘sociedade sem moeda’, ‘escri- volvimento à escala internacional, no qual estão
tório sem papel’ permitem às instituições acumu- envolvidas as grandes indústrias do sector da
lar uma soma de experiências e de conhecimen- informação e das comunicações. As empresas que
tos combinando-os de forma singular e eficaz. Não concorrem para o escoamento dos seus produtos
encorajam nem favorecem uma posição em de- e para a conquista de partes do mercado coope-
trimento de outra, tendo por efeito fundi-los num ram estreita e proveitosamente quando se trata de
objectivo comum, para as cristalizar sob uma transportar as inovações tecnológicas para a
forma nova. Internet.
5 10
Imagens como ‘oficina sem operário’ ou As palavras de ordem da Internet são:
‘sociedade nuclear’ suscitam fortes reações emo- cooperação e não isolamento, alargamento e não
cionais. As visões prospectivas não solicitam restrição. Para o testemunhar observemos a sútica
apenas os projectos racionais, mas fazem igual- rapidez com que os concorrentes normalmente
mente apelo aos valores profundos da percepção, inconciliáveis unem os seus esforços para fazer
pensamento e decisão individuais. É este aspecto da Internet um espaço aberto sem hiatos. Os
que explica a capacidade das visões prospectivas governos nacionais e as organizações internaci-
de despertar o interesse dos indivíduos e de os onais mantêm-se vigilantes para que a Internet
levar a agir. se torne um terreno largamente partilhado,
6
A ‘aprendizagem organizacional’ define-se oferendo condições idênticas, desprovido de
como a aquisição ou o estímulo colectivo das obstáculos, ao comércio electrónico, ao correio
percepções, competências estratégicas ou proces- electrónicoe à livre circulação da informação.
646 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 647

La integración de la comunicación comercial en la gestión corporativa


David Alameda García1

Introducción habitualmente se tienen de la comunicación


y la imagen corporativa en el área de
Tradicionalmente las políticas de marketing o en recursos humanos distan
comunicación desarrolladas por las empresas mucho de la más propia de la dirección
y las organizaciones han venido tratándose de comunicación (Villafañe, 2001:112).
de modo independiente, como elementos Pero estos métodos clásicos del
aislados y sin coherencia entre ellas. Es por management empresarial – basados en la
ello que nos encontramos en el ámbito producción, el marketing, financiación y
empresarial con estrategias diferenciadas para administración y que han mantenido ocupadas
la gestión de la comunicación corporativa, a las empresas intentando establecer criterios
la comunicación interna y la comunicación de diferenciación y competitividad, en la
comercial. actualidad no permiten establecer diferencias
Si a esto le unimos que cada una de estas como antaño y las empresas, se ven forzadas
estrategias comunicativas es desarrollada por a encontrar nuevos sistemas que les permitan
áreas o departamentos diferentes (marketing establecer valores competitivos (Ventura,
se ocupa de la comunicación comercial, de 2001:172).
producto o de marca, la dirección de En este sentido, lo que tratamos de
comunicación de la comunicación corporativa esbozar en estas líneas es la presentación de
y recursos humanos de la comunicación una metodología de trabajo que permita
interna), nos encontramos que las empresas encontrar esos nuevos valores competitivos,
se relacionan con sus públicos con una falta basados principalmente en la integración de
de coherencia discursiva y sin la proyección todas las comunicaciones empresariales,
de una imagen única. proponiendo para ello un único modelo de
En este sentido lo expresa Villafañe gestión de la comunicación empresarial, en
(2001:15) al referirse a que las tres el que podamos ver las relaciones de
comunicaciones de la empresa – de producto, interdependencia entre la comunicación
corporativa e interna – suelen responder, salvo comercial y la comunicación corporativa y
excepciones que también las hay, a estrategias considerar, por tanto, la comunicación
diferentes, son ejecutadas por órganos comercial en una faceta integradora con el
también distintos y las sinergias entre ellas resto de comunicaciones de la empresa.
son más bien escasas imposibilitando, de
paso, la existencia de un “estilo de Enfoque integral e integrado de la
comunicación” que identifique y diferencie comunicación. La gestión de la empresa
al emisor de la comunicación. como un sistema corporativo global
Este hecho responde a que
habitualmente en la gestión empresarial se La crisis del sector publicitario sufrida
han priorizado las políticas de marketing, en nuestro país a principios de los años
finanzas y producción (los tangibles) noventa2, la fragmentación progresiva de las
relegando a un segundo lugar las políticas audiencias superando los tradicionales
de comunicación (los intangibles). criterios de segmentación del mercado, la
Encontrándonos en la gestión, por tanto, pérdida de eficacia de la comunicación de
una mayor preocupación por la producto3, la homogeneización de las marcas4
comunicación comercial o de producto y la aparición de un mercado dominado por
frente a la comunicación empresarial e la competencia y la globalización como
institucional. Y, además, las visiones que consecuencia de los procesos de
648 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

desregulación y privatización llevados a cabo Es decir, tal como lo expresa Costa


en nuestro país, provoca que las empresas (1995:139):
y organizaciones tomen conciencia de un
nuevo entorno y una nueva realidad a la que “La organización es vista claramente
hay ajustarse y adaptarse. como un conjunto orgánico donde todas
Si a esto le unimos la orientación de las las piezas son interdependientes y son
empresas hacia los servicios en detrimento afectadas por – a la vez que afectan
de lo material y tangible, nos encontramos a – las demás, a las que están
también con otra de las causas que conllevan indisociablemente conectadas y
a una nueva redefinición de la empresa5. dinamizadas por múltiples retroacciones
Las empresas, por tanto, empiezan a que constituyen el equilibrio dinámico
vislumbrar que para ser competitivas no es de la organización”.
suficiente tener buenos productos, elegir
buenas políticas de precio o decidirse por Por lo tanto, la nueva competitividad de
estrategias de marketing adecuadas. Sin las empresas va a ser la resultante del binomio
renunciar a ninguno de los valores anteriores sistema fuerte y débil, imponiéndose el
que, como señala Ventura (2001:169), habían management corporativo o la imagen
tipificado la capacidad competitiva de las corporativa6 como principio de gestión en
empresas, resulta imprescindible potenciar sus donde ya no hay producto, ni consumo, ni
productos y marcas, pero a partir de la propia servicio sino una administración de los
empresa. Ha llegado el momento, por lo tanto, recursos de comunicación de la organización,
de integrar los planteamientos de marketing siendo el objetivo de la comunicación
y del resto de políticas funcionales en los corporativa “el de integrar y gestionar
planes de comunicación empresarial. sinérgicamente las diferentes formas de
En este sentido lo expresa Villafañe comunicación empresarial y en su diacronía”
(1998:37) al afirmar que la empresa ha de ser (Costa, 1993:57).
entendida como un sistema corporativo global, Por ello, la comunicación deja de ser una
del que no puede separarse ninguna de sus tarea auxiliar, utilizada comúnmente en las
funciones básicas. Estas funciones están funciones de marketing y comercialización,
derivadas de los dos sistemas que componen para pasar a ser considerada una política
dicho sistema corporativo global. Por un lado, estratégica orientada directamente a crear,
el sistema fuerte que está constituido por la mantener y transmitir una imagen positiva
organización básica de la empresa y es (Villafañe, 1999:222).
gestionado con políticas funcionales En este sentido y según este nuevo
tradicionales: políticas de producción, políticas principio de gestión que estamos viendo, el
de financiación y políticas de administración centro de las actividades de comunicación de
y marketing. Este macrosistema de activos una organización va ser la propia compañía.
tangibles incluye, entre otros: los productos, Cualquier acción que realice o no una
servicios y mercados, las estructuras empresa, no solamente en el terreno de la
organizativas y sus sistemas de decisión, los comunicación nos indica cómo se comporta,
procedimientos técnicos de planificación y revela su actividad e influye en la misma
control, sus capacidades y el saber hacer (Johnsson, 1991:118). Los productos, las
tecnológico y comercial. marcas, las expresiones verbales y visuales,
Y, por otro lado, el sistema débil, de los mensajes, los servicios, la producción, la
naturaleza mucho menos tangible, que se administración, la tecnología, los empleados,
gestiona de acuerdo y a partir de diversas la publicidad y la promoción, así como las
políticas formales y está constituido por tres experiencias vividas por el público son
ámbitos concretos: la cultura corporativa, la elementos de identidad, y por lo tanto, van
identidad corporativa y la comunicación a determinar en él – como señala Costa
corporativa. Añadiendo este mismo autor, que (1995:45) – sus opiniones y comportamientos
este conjunto de activos intangibles, deben en relación con la empresa.
ser planificados y gestionados como el resto Es decir, el nuevo vector de
de activos empresariales. competitividad de las empresas va a ser lograr
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 649

una imagen diferencial en la mente de sus


públicos, se trata, como explica Costa “La empresa va a ocupar el centro de
(1993:131) de “presentar la empresa, atención de la sociedad y de la opinión
productos y servicios como un todo, ya que pública; está inmersa en un proceso
la conducta global es la suma de la acción, de gran complejidad en el que el éxito
los hechos y la comunicación”. Así también o el fracaso no depende de lo esencial
lo justifica Capriotti (2001:280) al afirmar de la oferta de sus bienes y servicios,
que “ya no interesa situarse en el mercado sino de su capacidad de competir en
con características técnicas de los productos un ‘universo mediático’ en el que
o servicios disponibles, sino que la ‘batalla’ ofrece permanente visibilidad y es el
se libra en la búsqueda de un espacio que objeto de la atención de un
ocupe la mente de las personas”. conglomerado de grupos y
Por lo tanto, lo que tenemos que tener organizaciones que no siempre son
en cuenta es que al hablar del término imagen favorables a los intereses de la
de empresa estamos introduciendo ya un empresa”.
nuevo concepto emergente como
consecuencia de esta nueva mentalidad en la En este mismo sentido lo expresa Garrido
gestión. Lo que estamos haciendo es desplazar (2001:21) al afirmar que las empresas se
la atención del signo empresa al símbolo interrelacionan e interactúan constantemente
empresa. Esto es, pasamos del concepto fabril con su medio debido a que es un sistema
de empresa, entendida como un centro de vivo y abierto estableciendo vínculos
producción y de distribución, al de empresa constantes con su entorno social.
como corporación 7, creándose un nuevo
discurso institucional que expresa los valores, La integración de la comunicación
la ideología y la misión de la empresa.
Pero el reto es aún todavía mayor, si cabe, Para llevar a cabo sus estrategias de
ya que la “corporación” no sólo se presenta comunicación, las organizaciones disponen de
a sus públicos, sino que se presenta como distintas formas e instrumentos de
un actor más dentro del espacio público junto comunicación. Así, en la figura siguiente
a otras organizaciones, los medios de podemos ver los diferentes instrumentos
comunicación y la ciudadanía en general. circunscritos a sus respectivas áreas habituales
Como señala García Perdiguero (1992:29): de la práctica comunicativa.

Figura 1
Principales áreas e instrumentos de actuación de la comunicación empresarial
Fuente: Elaboración propia

Comunicación corporativa Comunicación comercial Comunicación interna


Comunicación de la presidencia
Publicidad de producto Intranet
Relaciones informativas
Brand marketing Correo electrónico
Comunicación de crisis
Promoción de ventas Tablones informativos
Comunicación financiera
Marketing directo, telefónico y en Manual de acogida
Patrocinio y mecenazgo
internet Revista o publicación interna
Relaciones institucionales
Fuerza de ventas Grupos de mejora
Relaciones públicas
Merchandising y PLV Buzón de sugerencias
Publicidad corporativa
Patrocinio Reuniones no funcionales
Business to business
Relaciones públicas de producto Teléfono de información
Identidad visual
Product placement Cartas al personal
LobbyingVídeo y CD corporativo
Bartering Círculos de calidad
Publicaciones
650 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Todas estas formas y acciones de Se trata, por tanto, del paso hacia la
comunicación, como hemos señalado integración y ajuste entre las diferentes formas
anteriormente, responden a objetivos de comunicación generadas por la
diferentes, son planificadas y ejecutadas por organización como un todo, de tal modo, que
áreas empresariales o especialistas diferentes, todas las comunicaciones de la empresa se
con mensajes diferentes y dirigidas a públicos gestionen bajo una misma línea común,
diferentes, poniendo de evidencia la tengan un estilo unitario, armonioso e
diversidad comunicativa que venimos identificador.
denunciando en estas líneas. La comunicación Esta planificación integrada de todas las
corporativa tiene por protagonista técnicas de comunicación disponibles exige
fundamental a la empresa u organización el establecimiento de una adecuada política
como tal y, para ello, trabaja en la de comunicación en la que exista, como
construcción de estrategias globales de señala Capriotti (2001:286-287), una
comunicación con una serie de instrumentos coherencia, un apoyo y una reafirmación
que ayuden a definir la imagen corporativa mutua entre las diferentes alternativas
y, como señala Hébert (1998:2), expresando comunicativas, de tal manera, que se
la forma que quieren ser percibidas por sus identifiquen las necesidades comunicativas de
públicos. cada uno de los públicos con los que
En cambio, las técnicas de la queremos comunicar y, en función de ellos,
comunicación comercial están ligadas al establecer los objetivos, el mensaje a
producto o marca y no a la institución como comunicar y las acciones necesarias.
tal y su eje tradicional es la publicidad, pero Y esta integración se está llevando a cabo
se realizan otras acciones no estrictamente en la realidad empresarial, como señalan
publicitarias como la realizada por la fuerza algunos autores8:
de ventas, las promociones, el marketing Partiendo del concepto de corporate9:
directo, el merchandising, etc. (Ventura, supone la construcción de una identidad
2001:189-190). Por último, la comunicación unificada y vertebrada para cada sujeto – la
interna tiene por objeto el capital humano empresa o institución- con arreglo a ciertos
y utiliza herramientas comunicativas que valores; y previa a cualquier acción de
consigan implicar en el proyecto empresarial comunicación. La comunicación, desde esta
a todos los miembros de la organización, es perspectiva es un medio pero también es un
como señalan Álvarez y Caballero trabajo cotidiano de todo el cuerpo de la
(1998:112): empresa.
Partiendo de la compresión corporativa
“La encargada de dinamizar el de la comunicación: supone unificar e
entramado social de la organización, integrar toda la comunicación que produce
dotándola de una filosofía de acción, la empresa. De ahí, que cobre fuerza y sentido
y canaliza las energías internas de los la figura del director de comunicación situado
integrantes de la misma para lograr en coordinación o en un escalón ligeramente
mayor eficacia y competitividad”. superior dentro de los cuadros de decisión
para posibilitar que su posición “integradora”
Pero teniendo en cuenta que la pueda ser extendida con eficacia a todos los
comunicación es transversal, atraviesa todos los departamentos de la organización.
procesos y es el sistema nervioso central de De esta manera, la imagen de la empresa
la organización (Costa, 2001:55), y que la y la imagen de sus productos” – que
empresa debe ser gestionada como una tradicionalmente han caminado por separado-
globalidad, se pone de manifiesto que todas pueden ir en la misma dirección, y es la
estas formas distintas de comunicación deben comunicación corporativa como principio de
ser coordinadas, integradas y gestionadas gestión la que va a determinar el resto de
corporativamente – o como señala Costa acciones comunicativas y engloba otros
(1995:136), como una corpus orgánico – para contenidos y acciones como la práctica del
presentarse las organizaciones a sus públicos marketing o la publicidad, la gestión de la
y a la sociedad en general con un discurso único. comunicación externa e interna o las
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 651

relaciones con los medios. Es decir, ésta va cuenta de que los servicios no son fácilmente
ser, -como señala Carrascosa (1992:34) – , publicitables bajo los esquemas tradicionales
“el marco que encuadra y coordina la de la comunicación de producto.
publicidad, el marketing y la comunicación La comunicación de producto recurre cada
interna y externa de una organización”. Es vez más a técnicas comerciales y de
decir, en función de este principio, dirigir una marketing, perdiendo carácter comunicativo.
empresa va a significar también atender a los La comunicación de producto presenta el
aspectos comunicativos que se planifican inconveniente de que no es capaz de publicitar
coordinadamente, y los responsables más que el producto concreto de que se trate,
empresariales, por lo tanto, van subrayar su la comunicación corporativa/marca cubre toda
atención sobre un conjunto de problemas la gama de productos, lo que la hace más
comunicativos generales que son prioritarios eficiente.
y de cuya coordinación dependen las acciones La comunicación de producto adquiere
publicitarias o de marketing que deben todo su sentido en el marco de la
establecerse (Benavides, 2001:27). comunicación corporativa y la imagen de
En este sentido, la comunicación marca; es decir, existiría sinergia entre ellas.
comercial de la empresa, que siempre ha ido Sin embargo, como señala Sanz de la
por separado, exige hoy una alta coherencia Tajada (1999:47), la integración de la
con la comunicación institucional, ya que la comunicación institucional y de la empresa
imagen de la empresa, percibida por los con la comunicación de marketing es a
públicos ligados a lo comercial (distribuidores menudo difícil, como consecuencia de las
y otros intermediarios, prescriptores, diferentes concepciones que se practican en
consumidores, compradores, incluso los ambas en la mayoría de las empresas y que
proveedores) interviene decisivamente, en se concretan sustancialmente en tres aspectos:
apoyo de la imagen de marca, en las La actuación del marketing normalmente
relaciones de la demanda en todos los niveles, se planifica más a corto plazo que la del
lo que ratifica la necesidad ineludible de un management.
enfoque integral e integrado de la La estructura de poder en la empresa hace
comunicación de la empresa (Sanz de la que no queden siempre claras las
Tajada, 1999:46). interpretaciones entre los responsables de las
Pero este nuevo principio de gestión no comunicaciones de marketing y de
significa desplazar a un segundo plano a la management, lo que afecta a la posibilidad
comunicación comercial, sino que es la práctica de construir y aplicar una política
comunicación corporativa la que por su integral de comunicación.
carácter globalizador, orienta el resto de Las aportaciones y responsabilidades de
comunicaciones. Así justifican algunos ciertos tipos de comunicación (las relaciones
autores las razones por las cuales se impone públicas especialmente) en la gestión
este nuevo principio (Villafañe, 2000:116): comercial o de ventas, no están claramente
En un contexto de saturación de mercado, definidas, ni se aceptan en muchos casos, si
caracterizado, entre otros aspectos, por un bien se va tomando conciencia cada vez más
elevado nivel de indiferenciación, la clara de que es preciso hacer un esfuerzo de
comunicación de producto se convierte casi comprensión y abordar la estructura técnica
en una “especificación técnica”, por lo que de tal relación de influencia que se observa
se produce un desplazamiento de recursos cada vez más plausiblemente en la realidad
hacia la comunicación corporativa, que hace de la empresa.
las veces de “paraguas” bajo el cual se ampara
la comunicación de producto. La comunicación comercial en el plan
El ciclo de vida de los productos es cada integral de comunicación estratégico
vez menor, frente a la perdurabilidad de la
comunicación corporativa. Por lo tanto, para poder unificar todas
Si la economía se orienta hacia los las comunicaciones de la empresa bajo una
servicios, es perfectamente comprensible el misma línea común, se plantea la necesidad
auge de la comunicación corporativa, habida de una plataforma estratégica de
652 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

comunicación, que como señala Regouby gestión de la imagen y la comunicación. En


(1989:139), va a ser la que establezca una dicha gestión lo más importante es la armonía
relación entre objetivos, estrategias, conceptos de la función comunicativa en su conjunto,
y planes de acción, configurando en su y esto sólo se conseguirá integrando la
conjunto un documento de relaciones y comunicación en cuatro dimensiones: la
dependencias de una cierta utilidad orgánica, la funcional, la estratégica y,
conceptual. finalmente, la formal. La integración orgánica
Este espacio o lugar, de origen o de exige un órgano central que gestione la
encuentro, entre todas las comunicaciones que función global de comunicación,
la mayor parte de los autores se han inclinado independientemente de que dicho órgano
por denominar plan integral de comunicación, pueda apoyarse en unidades descentralizadas
es un instrumento de primer orden y que que ejecuten localmente la política
contempla dos funciones primordiales comunicativa de la entidad10. La integración
(Ventura, 2001:210): funcional, en la realidad española tiene mucho
Evitar dispersiones en las comunicaciones que ver con la integración de esas tres
en lo que se refiere a la identidad. comunicaciones –producto, corporativa e
Incidir en la mayor potenciación posible interna- y que, en la mayor parte de las
entre todas las comunicaciones de la empresa. corporaciones, dependen de las direcciones
Además, la conveniencia de construir un de marketing, comunicación y RRHH
único plan integral de comunicación en la respectivamente. La integración estratégica
empresa, integrando imágenes de sus diferentes implica primar en cualquier acción
productos/marcas, aunará los enfoques comunicativa la difusión del posicionamiento
relativos a (Sanz de la Tajada, 1999: 46-47): estratégico de la compañía y, en último lugar,
Por un lado, los productos y marcas de la integración formal se conseguirá cuando
la empresa, que hay que considerar se transmita, independientemente de los
individualmente y en el orden de prioridades contenidos un estilo de comunicación
determinado por la empresa, a partir de identificativo y diferenciador (Villafañe,
criterios de rentabilidad comparativa, 2001:15).
perspectivas de desarrollo futuro, etc. En la figura siguiente representamos un
Por otro lado, todos los públicos y, en metodología de trabajo para poder llevar a
el aspecto comercial, todos los mercados o cabo esta gestión intregral e integrada de la
segmentos de mercado que actúa la empresa, comunicación en las organizaciones. Se trata
que han de ser definidos según diversos de una estructura secuencial y de
criterios, con expresión de la adecuación dependencias entre todos los elementos y
producto/mercado y, en un sentido más procesos de planificación de la comunicación
amplio, identidad de empresa/tipo de público. de la empresa, viendo las fases de la
En tercer lugar, la elaboración de líneas elaboración del plan integral de
de comunicación ad hoc, coherentes entre sí, comunicación, con cada una de las áreas
para cada conjunción producto/mercado y estratégicas que participan en él y,
cada técnica de comunicación específica que fundamentalmente, la estructura de relación
intervenga. Todas ellas, en su individualidad e interdependencia del plan de comunicación
y en su cohesión, han de estar al servicio y del plan de marketing o comunicación
de una comunicación propia de la empresa comercial.
que potencie la imagen en los públicos en Como podemos observar en la figura
los que coexistan diferentes productos y anterior, el proceso de planificación
marcas de la compañía y/o en los que la estratégica11 comienza con la identificación
empresa decida asentarse sólidamente como y análisis de los principales puntos fuertes
tal (posicionamiento estratégico) frente a otras y débiles de la empresa, así como la
empresas concurrentes en los mismos identificación de las oportunidades y
públicos. amenazas provenientes del entorno. Para
Pero para poder construir un único plan poder desarrollar esta auditoria estratégica
integral de comunicación estratégica se hace de manera eficiente, no basta con disponer
necesaria, como ya hemos señalado, de la de una amplia cantidad de datos más o menos
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 653

Figura 2
Representación del plan integral de comunicación estratégica
Fuente: Elaboración propia

dispersos. Para que sean realmente eficaces estratégicos, la cultura corporativa, las
y constituyan un adecuado instrumento de políticas de gestión, la identificación de cada
análisis, es preciso reunir esta información, unidad estratégica de negocio y su cartera
organizarla y valorarla de manera metódica, de productos/servicios.
lo que resulta posible al contar en el seno El proyecto empresarial es una referencia
de las organizaciones con la creación de permanente, escrita y formalizada, de cómo
dispositivos de información e investigación una empresa pretende cumplir su misión
que valoren las tendencias y suministren (Villafañe, 1996:354). Es decir, es un
información no solamente al departamento de documento “maestro” del que van a surgir
marketing, sino también a otras áreas las directrices para elaborar el resto de planes,
empresariales y a la alta dirección12. y de esta forma, como señala Ventura
La auditoría estratégica permite a la alta (2001:212), ya sea implícita o explícitamente,
dirección definir su proyecto empresarial en la misión y el proyecto van a ser el norte
el que se incluyen la misión y objetivos de toda comunicación y de todo mensaje.
654 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

A continuación se procede a detallar el Y el control estratégico, por último,


plan integral de comunicación estratégica consiste en la medición y evaluación de los
desde la dirección de comunicación o dircom. resultados (en cada uno de los planes de
Ésta, a nivel staff de la alta dirección, - y comunicación en conjunto), analizar las
partiendo del proyecto empresarial- se causas de los mismos y tomar medidas
encarga de integrar todas las unidades correctoras en cada una de las fases anteriores
estratégicas de negocio y las áreas de trabajo para asegurar el cumplimiento de los
bajo una línea comunicativa común y presenta objetivos propuestos.
las directrices para el resto de planes De este modo, y a modo de conclusión
funcionales y comunicaciones de la empresa. general de lo expuesto, el plan integral de
Ya es a partir de la determinación de este comunicación de la empresa supone la
plan integral de comunicación cuando podemos realización de cuatro actividades
diseñar cada uno de los planes de comunicación características que suponen los puntos de
con sus correspondientes formas e instrumentos coherencia entre la comunicación corporativa
de comunicación. La dirección de comunicación y el resto de planes, especialmente el de la
se encargará de diseñar el plan de comunicación comunicación comercial. Estos puntos de
corporativa, recursos humanos de su respectivo cohesión son13:
plan de comunicación interna y marketing, del La elaboración de la planificación de la
plan de comunicación comercial. comunicación en sentido amplio, previa
La gestión estratégica supone convertir determinación explícita de los objetivos a
los planes estratégicos en acciones para cada alcanzar sobre cada tipo de público.
una de las áreas de comunicación. Así, la La propuesta de acciones concretas a
dirección de comunicación se encarga de la realizar al respecto, combinadas
corporativa, recursos humanos de la interna estratégicamente y estructuradas en un
y la dirección de marketing de la comercial. programa de acción específico.
De esta manera, estas áreas ayudan a alcanzar La transmisión de conceptos y mensajes
los objetivos definidos en el proyecto coherentemente con el posicionamiento de la
empresarial de una forma coordinada. empresa a los públicos seleccionados.
Esta gestión implica, por tanto, un El establecimiento de los sistemas de
programa de acciones que coordine a todas control y evaluación de la eficacia de las
las personas y actividades, un sistema de toma acciones de comunicación, a efectuar una vez
de decisiones y que las acciones de ajusten ejecutadas en la práctica e implantado cada
a la cultura empresarial. uno de los planes.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 655

Bibliografía anuales 1999, 2000 y 2001. Pirámide, Madrid,


1999.
Alvarez, T. y Caballero, M.: Vendedores VV.AA.: Dirección de comunicación
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de comunicación. Paidós, Barcelona, 1998. Barcelona, 2001.
Benavides, Juan (ed.): El director de VV.AA: Los principios del marketing.
comunicación. Edipo, Madrid, 1993 ESIC / Cuadernos Cinco Días, Madrid, 1996~
Carrascosa, José Luis: Comunicación. VV.AA: Publicidad y mercado, Instituto
Una comunicación eficaz para el éxito en de Europa Occidental, Madrid, 1992.
los negocios. Ciencias de la Dirección,
Madrid, 1992.
Capriotti, Paul: Planificación estratégica _______________________________
1
de la imagen corporativa. Ariel, Barcelona, Facultad de Comunicación. Universidad
1990. Pontificia de Salamanca.
2
Costa, Joan: Reinventar la publicidad. Esta crisis más que económica fue una crisis
Reflexiones desde las ciencias sociales. estructural en la que variaron las relaciones entre
los agentes del sistema publicitario y se cuestionó
Fundesco, Madrid, 1993.
el papel de la agencia de publicidad. La crisis
Comunicación corporativa y revolución hizo emerger otros procesos de comunicación
de los servicios. Ciencias Sociales, Madrid, aplicada con una clara tendencia a transmitir
1995. atributos de la identidad de las empresas, en
Hébert, Nicóle: La empresa y su imagen. detrimento de la percepción de los atributos de
Deusto, Bilbao, 1988. los productos a audiencias cada vez más
Johnsson, H.: La gestión de la fragmentadas.
3
comunicación. Ciencias Sociales, Madrid, La saturación de mensajes publicitarios
1991. referidos a productos en los principales medios
publicitarios y el acortamiento del ciclo de vida
Kotler, Philip et alt: Introducción al
de los productos (frente a la perdurabilidad de
marketing. Prentice Hall, Madrid, 1999, 2ª la comunicación corporativa) constituyen dos
ed europea. factores que evidencian la innegable pérdida de
Lucas, Antonio: La comunicación en la eficacia de los mensajes y de las actividades
empresa y en las organizaciones, Bosch, comunicativas de las empresas.
Barcelona, 1997. 4
Las marcas, al igual que los productos,
Regouby, Christian: La comunicación transmiten los mismos rasgos simbólicos.
5
global: cómo construir la imagen de una Es lo que COSTA (1995) ha denominado
empresa. Gestión 2000, Barcelona, 1989. la revolución de los servicios. Con esta revolución
Reinares, Pedro y Calvo, Sergio: Gestión las empresas empiezan a otorgar más importancia
a lo soft, al servicio como elemento de
de la comunicación comercial. Mc Graw Hill,
diferenciación en sus estrategias empresariales. Y,
Madrid, 1999. en este sentido, la comunicación corporativa es
Santesmases, M.: Marketing: conceptos a la revolución de los servicios lo que la publicidad
y estrategias. Pirámide, Madrid, 1999, 4ª ed. fue a la revolución industrial.
Sanz De La Tajada, L. Á.: Integración 6
VILLAFAÑE (1999) entiende por imagen
de la identidad y la imagen de la empresa. corporativa “la integración en la mente de sus
ESIC, Madrid, 1994. públicos de todos los inputs emitidos por una
“Comunicaciones de la empresa con su empresa en su relación ordinaria con ellos”. Si
entorno” en IPMARK, nº 514, 1-31 diciembre, analizamos esta definición tenemos que decir, en
1998 primer lugar, que la imagen se construye en la
“Comunicación institucional versus mente de los públicos. Es decir, que el
protagonismo en la construcción de la imagen
comunicación comercial” en IPMARK, nº
corporativa lo tiene, en última instancia, el público
515, 1-31 enero, 1999. y no la empresa. Por otro lado, se utiliza el término
Villafañe, Justo: Imagen positiva. Gestión input y no el de mensaje porque engloba a una
estratégica de la imagen de las empresas. gran diversidad de manifestaciones corporativas,
Pirámide, Madrid, 1998, muchas de ellas, sin ninguna vocación
Villafañe, Justo (dtor): El estado de la comunicativa. También este mismo autor nos
publicidad y el corporate en España. Informes explica cuáles son los componentes de la imagen
656 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

10
corporativa. La integran tres conjuntos: 1. El Este órgano central suele articularse en una
comportamiento corporativo (comprende las dirección de comunicación encargada de la
actuaciones de la empresa en el plano funcional comunicación e imagen corporativa de las
y operativo de sus procesos productivos), 2. La empresas y organizaciones. Y son muchos los
cultura corporativa (es la construcción social de académicos y profesionales que recomiendan
la identidad de la organización, es decir, el modo situar a este departamento o unidad específica
que tiene la organización de integrar y expresar encargada de la gestión de la comunicación en
los atributos que la definen, o dicho de otra manera una primera línea ejecutiva y ser partícipe en
más simple, el modo de ser y de hacer de la la dirección de la compañía o teniendo
organización), y 3. La personalidad corporativa interlocución directa con la presidencia para
(es el conjunto de manifestaciones que la empresa poder gestionar toda la comunicación (Costa,
efectúa voluntariamente con la intención de 2001:62).
11
proyectar una imagen intencional entre sus Por planificación estratégica corporativa
públicos objetivos a través, principalmente de su entendemos el proceso directivo de desarrollo y
identidad visual y de su comunicación). mantenimiento de un ajuste viable entre los
7
NEBOT, Enrique. “El director de objetivos y recursos de la empresa y las cambiantes
comunicación: razones para una utopía” en oportunidades del mercado (Kotler et alt.,
BENAVIDES, J. (ed.):”El director de 1999:35). Este proceso de planificación y los
comunicación”, Edipo, Madrid, 1993, p. 35. En conceptos y herramientas que la soportan favorece
este mismo sentido se expresa REGOUBY un pensamiento estratégico por parte de la
(1989:69) al afirmar que “la empresa sale de su organización, fuerza a la empresa a definir con
círculo económico, inaccesible y frío para entrar precisión sus objetivos y políticas, conduce a una
en una nueva relación amistosa, creando un mejor coordinación de esfuerzos y proporciona
verdadero diálogo con el consumidor”. cifras más fáciles de controlar.
8 12
BENAVIDES, J., GARCÍA, J. y Estos sistemas se les suelen denominar SIM
RODRÍGUEZ, A.: “La publicidad y el corporate (Sistemas de Investigación e Información de
en 1998” en VILLAFAÑE, J. (dtor): El estado Marketing) y se refieren al “conjunto de
de la publicidad y el corporate en España. CAVP elementos, instrumentos y procedimientos para
I, Madrid, 1999, pps. 195-197. obtener, registrar y analizar datos, con el fin de
9
El término corporate, de origen anglosajón, transformarlos en información útil para tomar
significa “todos aquellos procesos (y no sólo los decisiones en marketing” (Santesmases,
de naturaleza comunicativa) que contribuyen a 1999:275).
13
forjar una imagen de una organización en la mente Adaptado de Sanz de la Tajada, L.A.:
de sus públicos y de la sociedad en general” (Ibid. “Comunicaciones de la empresa con su entorno”
VILLAFAÑE, J., 1999, pps 219-227). en IPMARK, nº 514, 1-31 diciembre, 1998, p. 90.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 657

Intencionalidade e Diferença:
Uma Aproximação Fenomenológica à
Intersecção Acção/Comunicação/Informação
Fernando Ilharco1

Introdução não transporta nem a linearidade nem a


simplicidade de muitas das propostas corren-
Este paper apresenta uma análise tes. Lembramos no entanto que esse facto,
fenomenológica da informação, especialmente em si mesmo, não é argumento; nada nos
no que respeita à sua relação com os fenó- diz que as mais claras classificações sejam
menos acção, dados, comunicação e conhe- verdadeiras, nem que as classificações ver-
cimento. Nesta investigação questiona-se a dadeiras sejam de facto as mais claras
pertinência da linearidade evolutiva, usual- (Cartwright, 1983; Ilharco e Angell, 2004).
mente aceite, entre dados-informação-conhe- Para além do rigor do método fenomeno-
cimento. Ao investigarmos o fenómeno in- lógico que utilizamos e da ontologia em que
formação baseamo-nos na ontologia desen- enquadramos esta investigação, defendemos
volvida pelo filósofo alemão Martin que a pertinência desta análise assenta na
Heidegger (1889-1976), na sua obra Sein und forma intuitiva e evidente como, esperamos,
Zeit (1962 [1927]). Assim, interessa-nos o ela surja ao leitor, conhecedor e familiari-
que a informação é-no-mundo, onde sempre- zado com as muitas e variadas manifesta-
-e-já cada um de nós, homem, se encontra ções do fenómeno informação.
no âmbito de uma intencionalidade funda-
dora. Conscientes, isto é, conscientes de algo Ser-No-Mundo
(Husserl, 1982 e 1995), a intencionalidade
surge como o fundamento primário do ser- Esta investigação assenta ontologicamente
-no-mundo que somos. 2 Estas noções na teoria fenomenológica sobre a existência
fenomenológicas – consciência e intenciona- humana desenvolvida por Heidegger (1927,
lidade – estabelecem-se antes de qualquer 1962), este tenta descrever o mundo tal como
consideração sobre o mundo e o sujeito; elas em qualquer tempo ou circunstância, nós
precedem, por exemplo, a dicotomia mesmos, seres humanos, previamente o
cartesiana sujeito-objecto. Enquanto noções experimentámos. Esse mundo prévio, essa
fundadoras, a consciência e a intencionalidade fundação primeiríssima, é o evento fundador
estão tanto na mente do sujeito como no seu da experiência humana – aquilo a que tanto
corpo, como no mundo em que ele mesmo, as teorias empiristas como intelectualistas se
sujeito, está imerso (Ilharco e Introna, 2004). referem. O mundo tal como é, antes de
Ao investigarmos fenomenologicamente qualquer reflexão sobre ele mesmo, não é
a informação, tomamo-la no seu sentido nunca quaisquer das teorias presentes, pas-
fundamental: Qual a essência da informação? sadas ou futuras, mas antes é o fenómeno
Quais as relações primárias do fenómeno que essas mesmas teorias pressupõem e ao
informação? Se assim se pudesse dizer, como qual se referem. Assim, no mundo, ou seja–
essenceia a informação? Na nossa análise sempre-e-já-no-mundo, nós mesmos, o ser
aponta-se a primazia estrutural da cuja em tradição de existência se veio de-
intencionalidade humana, do profissional signar a si mesmo pela palavra homem, man,
concreto, já-em-acção visando objectivos e homme, uomo, etc., é formalmente indicado
dando constantemente sentido ao mundo. como ser-no-mundo. Aí, no-mundo, somos
A acção, a acção-já-em-curso, surge como o mundoaí, aizando. Heidegger indica o
o critério basilar que permite distinguir e homem pela expressão alemã Dasein, lite-
assim relacionar os fenómenos usualmente ralmente ser-aí.3
apontados como dados, informação, conhe- No-mundo, Daseins, aizando, somos
cimento. Esta aproximação fenomenológica peritos na acção no mundo. O mundo e o
658 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

ser-aí são duas distinções do fenómeno Familiaridade e Diferença


primário, único, total e primeiro que é o ser-
no-mundo que nós mesmos somos. Assim, Apesar de nunca ter existido uma defi-
no-mundo estamos já e sempre em acção. nição de informação que implícita ou expli-
A acção é o mundo feito humano na lingua- citamente tivesse sido universalmente aceite,
gem, no significado, na abertura do que pode a nossa época assume para si mesmo o nome
ser, das possibilidades que o futuro pode de informação: sociedade da informação. A
trazer. Para Heidegger, o homem é o ser cuja razão aparente desse facto é a de a infor-
essência, isto é, no qual aquilo que mais mação tecnológica – independentemente de
essencialmente o define, é o seu próprio modo a podermos considerar de um ponto de vista
de ser. O homem é o ser cujo modo de ser conceptual como dados, como informação
se constitui na sua própria essência, isto é, propriamente dita ou mesmo como conhe-
cuja existência é a sua essência. Essencial- cimento – se constituir hoje em dia numa
mente existindo no mundo, já-e-sempre base determinante das actividades dos homens
envolvido no-mundo, reparando e cuidando, no mundo mais desenvolvido (Ilharco, 2004).
o homem, Dasein, é o ser à frente-de-si- O que é, então, a informação? O que é
próprio, sempre-e-já projectando possibilida- essencial para que a informação seja reco-
des para o futuro. Nesta projecção primária, nhecida como aquilo que ela é? Se assim se
sobre a qual se alicerça o entendimento, pudesse indicar, como essenceia a informa-
Dasein é equiprimordialmente revelado como ção?
o ser-atirado-no-mundo, porque essencial- Tomemos uma das teses que mais tem
mente ele é também um ter-sido. Enquanto dominado a sociedade tecnológica e
ser-que-projecta, responsável por aquilo que informacional contemporânea: a relação li-
vai ser, ele é o que é sempre-e-já com um near entre dados, informação e conhecimen-
passado. Assim sendo um ter-sido-nomundo, to. Nesta relação a informação é a noção
o homem cuida, preocupa-se envolve-se, central. Dados, por exemplo, uma folha de
porque tem que escolher face ao tempo Excel preenchida com siglas, números e
primordial que o futuro já-e-sempre é. Sendo cálculos vários, só deveria ser considerada
essencialmente essa escolha fundadora, uma informação quando adquirisse significado. Os
projecção primordial de possibilidades de ser, dados, de acordo com este entendimento, não
estas mesmas possibilidades revelam-se nas têm significado. Quando esses dados ganham
nossas sempre presentes disposições, incli- significado eles passam a informação. Dados
nações, intenções e acções. São estas inten- são “any representation such as characters
ções, ou antes, é esta intencionalidade de or analog quantities to which meaning is, or
fundo e fundadora que sempre-e-já nos might be, assigned” (ANSIS, 1990). A con-
projecta no-mundo, por isso no futuro. Ins- trario, os dados são informação sem signi-
tintivamente agimos, fazemos, pensamos, ficado. A informação é assim definida como
conforme às possibilidades que o ter-sido- dados que foram objecto de processamento
-que-projecta que somos revela para nós de forma a serem significativos para um
próprios. Mantemos a congruência porque indivíduo numa tomada de decisão (Hicks,
essas possibilidades são o que aprioristica- 1993: 675) (dados + significado = informa-
mente nos mantém unidos como o mesmo, ção). Neste entendimento as noções de in-
como o ser que é para o futuro, na minzisse formação e dados fecham-se num circulo, no
nomundo. Dessa forma, intuitiva e instinti- qual a caracterização de cada um daqueles
vamente repetimos o que para nós mesmos fenómenos depende da previa caracterização
se revelou apropriado, que funcionou, unin- do outro; informação são dados com signi-
do o futuro ao passado conforme nós pró- ficado, e dados são informação sem signi-
prios somos para nós mesmos. Assim, no- ficado.
-mundo, como um ter-sido que projecta, Aquela noção de informação é depois
baseamo-nos no futuro. É o futuro, enquanto adicionada a noção de experiência, obtendo-
totalidade de possibilidades nas quais sem- se assim o conceito de conhecimento (infor-
pre-e-já estamos envolvidos, que é a base mação + experiência = conhecimento). Neste
ontológica do ser que somos. paper mostraremos, assim o esperamos, que
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 659

esta classificação é contestável, entre outros relacionamos com essa pessoa, como por
aspectos, porque os dados enquanto tal, ou exemplo a nossa vizinhança ou a empresa
seja todo o tipo de distinções em que es- onde trabalhamos, inicialmente, podemos não
tamos envolvidos, já têm significado. saber bem quem é aquela pessoa que conhe-
No-mundo, imerso e agindo, um profis- cemos... Este paradoxo deve-se ao facto do
sional, um técnico ou um gestor já está a contexto, isto é, do background, em que essa
estabelecer distinções. Um profissional habita pessoa habitualmente nos surge como ela
o que é familiar e nota o que é diferente. mesma, se ter alterado e dessa forma não
Sempre-e-já-no-mundo, em acção – e o nos ser imediatamente intuitivo estabelecer
profissional está sempre em acção não por quem de facto ela é; essencialmente, não
ser um profissional mas por ser humano… estávamos à espera dela...4 A alteração do
– ele depende de uma rectaguarda de enten- background deixa necessariamente surgir
dimento prévia no âmbito da qual detecta diferentes diferenças, passe o pleonasmo,
novas diferenças e faz novas distinções. Estas porque qualquer realidade surge diversa em
são detectadas conforme ao ter-sido-que- função dos critérios que utilizarmos para a
projecta que ele mesmo é. Assim, tanto os penetrar, entender e classificar. Quer isto dizer
dados como a informação são sempre aquilo que aquilo que as coisas são depende do
que são numa determinada intencionalidade. contexto em que elas surgem, bem como do
Assim, submetemos que, em termos rigoro- background em que nós próprios, na minzisse
sos, um exemplo de uma e outra noção é que somos, estamos envolvidos e não de
algo mais complexo e contextualizado. qualquer contexto ou background de tercei-
O modo como os dados têm um sentido, ros. Não existe posição alguma fora do ter-
uma vez que foram distinguidos, isto é, sido que somos, fora da história, a partir da
destacados de um background, depende do qual possamos dar sentido ao que nos cerca.5
momento em que se encontra / é / está aquele Um ser humano não ‘recebe’ dados do
mesmo profissional, concreto, em função da meio envolvente ou de qualquer outro ser
projecção que ele, sendo um ter-sido, é de humano. Dizer não assegura ouvir. Acede-
si mesmo para si próprio. O sentido dos mos ao que distinguimos no-mundo confor-
dados, por mais desligados que sejam da me ao que nós mesmos essencialmente somos
acção em que o profissional está envolvido, e ao modo como estamos a cada instante,
depende essencialmente dele próprio e não isto é, de acordo com os nossos próprios
do que objectivamente esses mesmos dados termos, com a minzisse. Desta posição
poderiam ser para um observador. ontológica torna-se clara a existência de
Sendo-no-mundo, habitamos o que nos é limites à capacidade de fazer sentido, de
familiar, conforme ao que nós somos e não atribuir significados, quer ao que nos surge
conforme a quaisquer características à-vista, de novo quer ao já conhecido nas suas
Vorhanden (Heidegger, 1962) dessas tercei- múltiplas variações. A nova distinção surge
ras entidades. A familiaridade de uma dada num processo de atribuição de significado,
entidade, física ou não, depende de a termos o que quer dizer de estabelecimento de
experimentado muitas e variadas vezes, em referências e de possibilidades. O seu sig-
sentido fenomenológico, isto é, visto, utili- nificado não é algo dado, aí fora, objectivo,
zado, sentido, etc. Nessa experimentação constante e claro para todos nós. Ao con-
desenvolve-se um processo de indução não trário, o significado das coisas e dos acon-
consciente, o qual nos põe à vontade com tecimentos, por isso, o que eles são, é algo
aquela entidade (Schmitt, 1996: 141). que deve ser procurado no carácter humano
A relevância daquilo que experimentámos de cada manifestação. O significado de uma
e da forma como o fizemos para o desen- nova distinção, a captação pelos sentidos
volvimento de novas experiências é algo que de algo que nos surge – seja numa conversa,
testemunhamos vida fora. Consideremos um na leitura de um texto, ou simplesmente
exemplo comunicacional relativamente trivi- reflectindo – obtém assim o seu primeiro
al. Por vezes quando encontramos alguém que significado com base no contexto em que nós
conhecemos, mas num local e num momento mesmos, individualmente, conforme ao ter-
diverso daquele em que habitualmente nos sido-que-projecta que somos, somos e esta-
660 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

mos imersos. De alguma forma, por um que é informada ou que se informa. Infor-
processo dialéctico, algum entendimento mação, ser informado, é assim essa forma-
parcial é utilizado para entender melhor a ção interior, de mim para mim próprio,
distinção que nos surge, como que utilizando atribuindo uma forma, determinados contor-
peças de um puzzle para tentar descobrir nos, a uma diferença. A pessoa ao distinguir
aquilo que está em falta (Palmer, 1969: 25). algo de novo, traz para si mesma, para os
Cada novo elemento, cada dado que nos limites daquilo que ela é, in-, aquela distin-
surge, em rigor cada dado que nos é dado ção, a qual, enquanto distinção, tem sempre-
no meio em que estamos imersos, é incor- e-já um primeiro sentido, uma primeira forma
porado, apreendido, absorvido não objecti- ou modelação. O significado do prefixo iné
vamente ‘como aquilo que ele é’, mas como precisamente a indicação do ter-sido-que-
nós o tomamos ou entendemos. Isto signi- projecta que essencialmente somos. Informar
fica que o sentido de uma diferença, ou é trazer para o horizonte de significado, do
distinção, ou dado, para uma certa pessoa, todo referencial em que cada um de nós está
de forma a que aquela mesma diferença possa imerso, algo já distinguido conforme aos
ser a diferença que é, depende dessa mesma nossos próprios termos, à minzisse. Os limi-
pessoa que distingue aquela mesma diferen- tes no âmbito dos quais a informação forma
ça. Deste modo, a diferença que cada dado assentam no contexto hermenêutico que a
é para o ser humano que a distinguiu, só pode cada momento cada um de nós é.
ser descrita ou entendida em termos Mas informação não é apenas o in-for-
rigorosos’a posteriori, porque só depois da mo, mas antes a in-form-ação. Às expressões
sua absorção, pode um terceiro, um obser- latinas in e forma junta-se a expressão –ação,
vador mesmo que um auto-observador, tes- a qual vem do sufixo latino -ation, -atio, que
temunhar o tipo de comportamentos desen- significava acção ou processo (MW, 2004).
cadeados por aquela mesma distinção. As- Inform-acção é por isso a acção ou o pro-
sim, por exemplo, a audição de uma nova cesso que forma interiormente; é a acção que
composição musical pode contribuir para in-forma. Esta acção que informa, por sua
alterar o nosso gosto musical, mas pode vez, pode apenas surgir na sua diferença,
também alterar o entendimento que temos do significado e carácter informativo, por isso,
contexto mundial político e social em que transformativo e fazendo a diferença, porque
estamos imersos6,7. a própria acção é o que é ex ante, prévia,
implícita e ontologicamente tida como a
A Intenção que Faz a Diferença fundação do próprio ser, do mundo, da
existência enquanto tal; se assim não fosse,
A essência da informação poderá ser a informação não seria um tipo de acção.
revelada a partir do seu próprio nome, na Informação é um tipo de acção, uma acção
palavra que aponta a coisa em causa. A que é o surgir da diferença que para mim
informação é uma formação interna ou in- próprio faz a diferença, porque a acção, ela
terior.8 Este significado assenta nas origens mesma, é o que já-é, o que conta enquanto
latinas da palavra informação: o verbo in- base daquilo que pode informar. A informa-
formo (Crane, 2002; Cunha, 1982: 436, 364 ção, a acção que informa, é destinada, assim,
e 429), que juntou as expressões in e forma, desde o inicio e fundamentalmente, isto é,
para significar dar forma a uma coisa, na sua essência indivisível, à própria acção
modelar, formar, moldar, formar uma ideia – este é também o argumento ontológico em
sobre algo, representar, delinear, esboçar, que esta investigação assenta.
instruir, educar, informar (Crane, 2002). A O dado, por sua vez, é como a palavra
palavra informação significa assim a impo- indica algo dado, gratuito. Um dado ou vários
sição de uma forma, de uma modelação ou dados têm assim um carácter de disponibi-
de contornos sobre uma coisa, uma ideia, uma lidade, de uma presença prévia. Dados são
entidade distinguida no meio envolvente em algo que acedemos sem esforço, os dados
que está e é o ser humano, a pessoa, que cercam-nos e vêm ter connosco como algo
impõe aquela forma. Esta imposição é in, que nos é dado – “os dados abundam e são
interior, vem de dentro, da própria pessoa facilmente acessíveis” (Gleason, 2004). Como
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 661

ser-no-mundo, o ser humano está sempre-e- O ser humano é um observador dele


já imerso em dados. O dado, desta forma, próprio. Cada um de nós é essencialmente
de um ponto de vista conceptual, é aquilo a sua própria questão. Somos auto-observa-
que um indivíduo distingue no seu meio dores. Desta forma observamos o nosso
envolvente, enquanto pura distinção. próprio comportamento, o desempenho que
Esta análise levanta então a questão da somos e que temos em função de reacções
possível equivalência entre as noções, os desencadeadas enquanto imersos em dados,
conceitos, as distinções de dados e de in- assentando no que nos é familiar e distin-
formação. Serão dados e informação sinó- guindo e focando aquilo que nos surge de
nimos? A resposta a esta pergunta, com base novo e de diferente. Assim, de um ponto
no exposto até ao momento e na argumen- de vista de um observador, mesmo sendo esse
tação que abaixo continuamos a desenvolver, observador um auto-observador, um signi-
é simultaneamente sim e não. Sim e não, ficado mais rigoroso da formação interior,
porque cada um dos conceitos ou noções se essencial à informação, é a sua relevância
coloca em níveis diferentes do envolvimento, para um dado rumo de acção já em curso,
da acção e da intencionalidade fundadora do por exemplo, para um determinado padrão
tersido- que-projecta, que é o ser humano no- de intencionalidade unido pelo que projecta
mundo. Sim e não, porque dados ou infor- do ter-sido-que-projecta que uma determina-
mação, distinções sempre e apenas possíveis da pessoa é. Um indivíduo relaciona o seu
pelo significado que o mundo, que tudo no- comportamento com a modelação de deter-
mundo essencialmente é, são originária e minada distinção que destacou do meio
evidentemente assentes em alguém, num ser envolvente. Essa distinção é modelada pelo
humano concreto” – como brilhantemente ter-sido-que-projecta, pela identidade do in-
salientou Arendt (1998), no-mundo, o Ho- divíduo em causa, a qual forma interiormen-
mem não existe, existem apenas homens. te o significado, isto é, constitui interiormen-
O dado, a informação, a distinção, a te o tipo de referências e de possibilidades
diferença é sempre aquilo que é–para alguém; relevantes para o envolvimento singular
para alguém já imerso num todo referencial, daquele indivíduo. Deste ponto de vista, a
que é um ter-sido, à frente dele próprio, diferença, a distinção ou os dados, podem
projectando possibilidades para o futuro, apropriadamente ser indicados como infor-
visando algo imediato, concreto, para um mação – informação porque informam a
outro algo mais distante, no âmbito da acção em que o indivíduo já está envolvido;
apropriação de uma possibilidade de ser. informação porque se trata de dados, de
Sempre-e-já-no-mundo, toda e qualquer diferenças, que fazem diferença para a acção
entidade que um ser humano distinga, ne- em curso. Ao contrário da informação, ou
cessariamente, é destacada de uma retaguar- dos dados tomados como informação, os
da de entendimento que lhe proporciona o dados como dados não afectam, na perspec-
seu primeiro sentido, as suas referências tiva de um observador ou auto-observador,
iniciais. De uma perspectiva fundamental, por a acção em curso do indivíduo que os dis-
isso, individual – como todo o ser humano tinguiu. Os dados podem assim ser indica-
experimenta o mundo –, tanto os dados como dos, enquanto noção teórica, como informa-
a informação são uma formação interna. ção descontextualizada, isto é, como infor-
Assim em termos rigorosos e fundamentais mação que não informa, porque apesar de,
não existe diferença entre dados e informa- de facto, informarem, eles, no entanto, não
ção; ambos têm significado porque sobres- afectam, alteram, modelam ou formam o
saem contra uma retaguarda de entendimen- envolvimento e a acção efectiva em que o
to, contra um background. No entanto, tendo sujeito já está imerso.
presente a unidade deste fenómeno e Ao contrário dos dados, a informação
enfatizando que o fenómeno é conforme a constitui o tipo de diferença cujo significado
ele mesmo e não conforme às palavras que fundamental assenta na sua natureza futura.
o indicam, devemos destacar neste ponto da Informação é a diferença formada interna-
análise um outro aspecto. mente ao sujeito, conforme a ele mesmo e
662 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

nos seus próprios termos, afectando o seu têm significado ou pura e simplesmente nunca
comportamento que-projecta, tal como pode teriam surgido como dados, como algo que
ser testemunhado por um observador ou auto- nos é oferecido, que aí está, mas que não
observador. Informação é por isso o que é faz a diferença para o tipo de acção em que
essencialmente formado e dirigido para o estamos envolvidos, para o tipo de projecção
futuro. É algo que nos foi dado ou que que somos. O significado já-e-sempre é no-
acedemos e que de acordo com nós mesmos -mundo; é o mundo. Não podemos decidir
faz a diferença face à possibilidade de não o significado dos dados, porque as coisas,
nos ter sido dado ou de não ter sido acedido. as distinções surgemnos como elas já são,
De uma perspectiva ex post, em termos ora como dados ora como informação. Assim,
fenomenológicos, devemos considerar os no-mundo não há dados sem significado.
dados como dados, oferecidos, gratuitos e a Todos os dados têm o preciso significado com
informação como formada, constituída, de- base no qual eles mesmos e enquanto tal são
senvolvida. distinguidos. Tal como não captamos puros
Estas noções essenciais sobre o fenóme- dados sensoriais sem sentido, os quais pos-
no da informação em sentido lato emergem teriormente teríamos que interpretar, também
no âmbito da acção, do ser que somos não ouvimos puros sons sem significado
sempre-e-já-no-mundo, como critério primá- (Dreyfus, 1991: 218). Ouvimos a porta fe-
rio do significado. Desta forma um profis- char-se dentro de casa e nunca uma simples
sional, é os seus objectivos transpostos para sensação acústica ou apenas um mero som
a acção, os quais a cada momento lhe sugerem (Heidegger, 1971: 26). O que primeiro
a distinção entre a informação e os dados. ouvimos não são barulhos ou sons
Ou seja, para ele, profissional, imerso em descontextualizados, mas o avançar de um
dados, agindo, determinados dados são apon- carro ou o passar de uma mota... O ouvir
tados como informação porque foram aque- um ‘puro barulho’ requer um estado mental
les os dados que fizeram a diferença no muito artificial e complicado (Heidegger,
âmbito da acção, intenção, em que ele mesmo 1962: 207). No-mundo, as coisas elas mes-
jáestava envolvido. mas, na sua significância, estão muito mais
O surgir de algo que informa é o encon- perto de nós do que todas as sensações
trar daquilo que se está a procurar. A infor- (Heidegger, 1971: 26).
mação são os dados com significado rele- Quando um profissional se refere a ‘da-
vante para a acção em que o profissional está dos sem sentido’, ele está apenas a afirmar
envolvido, porque alteram, completam, que aquilo que lhe chegou à mão, aquilo para
modificam, desenvolvem o todo referencial, o qual foi chamada a sua atenção, não faz
a rede de relações que para ele mesmo liga diferença para o tipo de objectivos, de acção,
umas coisas a outras, factos a eventos, a em que ele já está envolvido. Aqueles dados
pessoas, a ideias, etc., e o faz ser o que é ou aquela informação, afinal constituindo
no-mundo no âmbito de uma intencionalidade apenas um conjunto de dados, não é o que
fundadora. São estas ligações e referências ele estava e está a procurar. A contrario, esta
que abrem, fecham e sugerem possibilidades análise mostra que a informação, enquanto
que constituem o próprio significado. No- tal, consiste no tipo de dados que antecipa-
mundo, o ser humano está-já-e-sempre pro- damente são considerados certos para a acção
jectado sobre o futuro, avaliando possibi- em curso. O sentido da informação, a sua
lidades de fazer e de ser, escolhendo certos relevância em termos de uma acção que já
caminhos ou opções e abandonando outros corre, é algo instintivo e intuitivo para o
tantos. profissional, porque, sendo o projectar que
É nesse contexto ontológico que os dados, tem-sido no-mundo, ele procura informar-se
como informação, fazem a diferença. Tudo, para algo concreto, especifico, como por
literalmente, no-mundo tem por isso signi- exemplo para completar uma análise ou para
ficado. Ser é ser algo. Ser é surgir, constituir concluir um relatório, e isto tendo em vista,
uma distinção, entrar no horizonte de sig- por exemplo, ser considerado um bom profis-
nificado em que o modo de ser humano é sional, visando para ele mesmo e para a
o que é no-mundo. Os dados, por isso, já comunidade em que está imerso a apropri-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 663

ação por si próprio de uma possibilidade de fenomenológica apresentada, indica alguns


ser, por exemplo, a de ser um bom director dos contornos de um fenómeno que inicial
de comunicação. e primariamente deve ser entendido como um
No-mundo a informação é a constatação todo. Neste paper não procuramos definições
da diferença que determinada diferença pode estritas e concisas; esse não é o objectivo
fazer em determinada situação ou envolvi- da fenomenologia nem faz parte das suas pos-
mento. A informação é um absorver de um sibilidades.
sentido de determinadas diferenças no âm- Tentamos apenas fenomenologicamente
bito do todo referencial que somos. A infor- indicar alguns dos contornos essenciais para
mação são os dados que o profissional uti- um melhor entendimento do fenómeno in-
liza, porque esses mesmos dados informam formação, e por isso para uma melhor
a sua acção. Ou seja, a informação não é clarificação das problemáticas contemporâ-
a priori dados com significado, mas antes neas que lhe estão conexas, como por exem-
são dados que têm significado porque são plo, as temáticas tão actuais do conhecimen-
apropriados para o que naquele momento e to, da comunicação, dos media, da sociedade
para aquela pessoa é significativo, isto é, é da informação, da tecnologia de informação
informativo. Desta forma, a informação e comunicação, etc.
recebe o seu próprio nome da projecção Este paper aponta a relevância da acção, da
primária sobre o futuro que o ser humano acção já em curso e do envolvimento em que
é, isto é, assenta no entendimento ontológico cada um de nós já-está e de uma forma fun-
de base que constitui o ser-no-mundo que damental já-é. Isto significa que a informação,
cada um de nós é: um escolher constante num a sua riqueza e relevância na identificação de
ter-sido-que-projecta. possibilidades, de oportunidades e de ameaças
não depende de quaisquer dados ou conjunto
Conclusão de dados enquanto tais e por si só, por mais
vastos e detalhados que o sejam, mas antes que
As noções, conceitos ou distinções de aquela mesma informação depende da
acção, dados, informação e significado são intencionalidade, das intenções e dos objectivos
modos diferentes de aceder, de indicar, de que o ser humano concreto é e, fundamental
detalhar e de aproximar um mesmo fenóme- e decisivamente, do tipo de possibilidade de ser
no: a manifestação do ser, do que é. A análise que ele, para ele próprio, apropriou.
664 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia Science (LSE), Londres, online no site da


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2
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Hoy, D. (1978) The Critical Circle, por exemplo, Cairns (2001).
3
University of California Press, Berkeley. A expressão Dasein, uma alternativa à palavra
Husserl, E. (1982) Ideas: General homem, tenta abrir possibilidades de captar a
essência de nós próprios. Em muitas traduções
introduction to pure phenomenology, Allen da obra de Heidegger, Dasein tem sido intenci-
& Unwin e Macmillan Company, Londres onalmente deixado por traduzir dado o poder
e Nova Iorque. fenomenológico que tem demonstrado. No actual
Husserl, E. (1995) Cartesian Meditations: projecto Heidegger em Portugûes, coordenado por
an Introduction to Phenomenology, Kluwer, Irene Borges-Duarte, traduz-se Dasein por aí-ser.
Dordrecht. Apesar de considerarmos a tradução feliz, não
Ilharco, F. (2002) Information Technology estamos certos que uma expressão inovadora,
como, por exemplo, aizar, não captasse em maior
as Ontology: A Phenomenological
profundidade o ir sendo, o movimento, a acção,
Investigation into Information Technology o presenciar, o modo de um ter sido e vai ser,
and Strategy In-the-World, tese Ph. D., emprestado originalmente por Heidegger à expres-
London School of Economics and Political são Dasein. Além disso, uma inovação linguística
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 665

7
do género da que sugerimos seria consistente com Mesmo os dados mais óbvios, geralmente
a prática fenomenológica seguida por Heidegger. inquestionáveis, como por exemplo a captação das
4
Este tipo de mal-entendidos pode mesmo cores, possuem a marca da nossa estrutura. As
ser perturbador – como o leitor já poderá pes- ciências exactas encontraram suficiente evidência
soalmente ter constatado – por exemplo, quando empírica para defender a inexistência de corre-
iniciamos uma conversa com alguém que sabe- lação estatística relevante entre o nome que damos
mos conhecer, mas não fazemos ideia quem seja.... aos objectos coloridos e a medição das ondas
e a conversa vai prosseguindo. reflectidas pelas cores desses mesmos objectos
5
Este aspecto tem sido longamente investi- (Maturana e Varela, 1992: 22). No entanto, é
gado sob perspectivas e no âmbito de metodologias possível correlacionar estados específicos do nosso
variadas e visando objectivos diversos. No campo sistema nervoso com a actividade linguística da
fenomenológico, além dos textos de Heidegger, atribuição concreta de dados nomes às cores que
pode, por exemplo, consultar-se Gadamer (1975), percepcionamos. De uma perspectiva teórica
Hoy (1978), Palmer (1969), Polanyi (1973), diferente, isto vem reforçar as implicações da
Introna (1997), Ilharco e Introna (2004). ontologia em que baseamos esta investigação.
6 8
Sobre este assunto ver o exemplo da au- “The essence of information is revealed to
dição dos Beatles pelo político russo Yavlinsky, us in its name. Information is an inward-forming”
descrito e analisado em Ilharco (2003: 37-43). (Boland, 1983: 363).
666 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 667

Comunicación audiovisual corporativa: Un modelo de producción


Fernando Galindo Rubio

El audiovisual en la acción comunicativa la organización y, a partir de ahí, definir una


de las organizaciones: El vídeo institucional identidad congruente y consensuada con la
forma de ser y de hacer de la organización.
Previamente al abordaje del audiovisual En esta dimensión entran en juego los
corporativo como fenómeno productivo de aspectos emocionales de la organización,
forma aislada, es conveniente, dada la confusa indispensables a la hora de emitir una
terminología que se emplea en este ámbito, valoración que responda a la pregunta ¿cómo
anclar el significado en el que, al menos en me percibo a mi mismo?
esta comunicación, van a ser empleados El tercer concepto nuclear, la imagen, es
ciertos términos nucleares para la correcta el resultado de proyectar la personalidad y
comprensión del conjunto del trabajo: la identidad en el exterior. De las expresiones
personalidad, identidad e imagen. de la organización se configura una imagen
Para iniciar este desarrollo se recoge la en el entorno de la organización que es el
aportación de Carrascosa a la hora de definir equivalente a la respuesta a la cuestión ¿cómo
los conceptos básicos: me ven los demás?
El conjunto de las expresiones de la
personalidad y la identidad que son diseñadas
“Personalidad es el conjunto de
por una institución o empresa, es lo que
características singulares que
configura la difusión de la imagen intencional,
distinguen a un individuo; Identidad,
lo que la organización desea que se convierta
el modo en el que ese individuo
en el hecho referencial por el cual la sociedad
percibe esa personalidad; y,
tiene conocimiento de ella.
finalmente, Imagen, el resultado neto
Esa imagen intencional, una vez
de la proyección de esa identidad” proyectada, desarrolla en la mente de los
(Carrascosa, 1992:29). públicos de su entorno la imagen real, que
es cómo realmente se ve a la empresa en
La personalidad de una organización - o el exterior.
de ésta, entendida como un individuo, un ser Pues bien, habitualmente se establecen
vivo, recordando la metáfora de BERNSTEIN diferencias entre la imagen intencional y la
(1986) – la componen el conjunto de rasgos imagen real. Estas diferencias pueden estar
objetivos (sus números, sus infraestructuras, motivadas por muy diferentes razones, entre
sus miembros, su sede social…) sumado al las que cabe señalar, las experiencias
conjunto de singularidades que la hacen personales sesgadas positiva o negativamente;
significativamente peculiar con respecto al o, con mayor frecuencia, el desajuste entre
resto de organizaciones que operan en su lo que se dice que se es y lo que se hace.
mismo círculo, mercado o actividad. En Entre el ser y el hacer.
definitiva, la personalidad responde a la
pregunta, ¿quién soy en realidad? “Entre ambas conductas [el ser y el
La identidad es la percepción que de sí hacer] no siempre existe el coeficiente
mismo tiene alguien. En ella influyen las suficiente de coherencia, y éste es a
experiencias que, de sí misma, tiene una grandes rasgos el factor crítico de la
organización. Para la construcción de la credibilidad” (Costa, 1992:110).
identidad es necesaria la investigación para
detectar las preferencias, los gustos y las De Villafañe (1993) recogemos el concepto
expectativas de todos aquellos que componen de Trabajo Corporativo, para referirse:
668 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

“a todas aquellas acciones de la generales y especializados. Es una


organización que contribuyen a que difusión de imagen apoyada en datos
se reduzca esa diferencia entre la y muestra de la gestión y actividades.
imagen intencional y la imagen real”. Describe cómo es la institución o
(Villafañe, 1993:46) empresa, sus objetivos, organización
y funciones. Suele efectuarse un
Según este desarrollo, el vídeo recorrido por las secciones o
institucional es un elemento más en el trabajo departamentos con descripción de las
corporativo de las organizaciones para reducir actividades de cada uno, a veces
las diferencias entre imagen intencional e mediante la presencia de sus
imagen real. (fig.1) correspondientes directivos”.
(Cebrián, 1990:141)
Figura 1
Sin embargo, al reflexionar
sobre el vídeo institucional, su
cometido y posición dentro de
la cadena productiva de
comunicación corporativa, sus
funciones, sus efectos y su
evolución, se observa que es
necesario detenerse a analizar
el proceso comunicativo
tradicionalmente entendido y, a
la luz de los hallazgos,
proponer alternativas a las
carencias que se puedan
plantear.
Se observan determinadas
disfunciones en el esquema
comunicativo (fig. 2):
Desde el emisor se observa
Y así lo han entendido la gran mayoría
como la organización suele encargar el vídeo
de las organizaciones que han recurrido,
a empresas externas (productoras), con lo que
tradicionalmente, al vídeo institucional para
la organización pierde parte del control del
mostrar sus empresas, infraestructuras…
mensaje.
A esta acción comunicativa se le ha
En la variable mensaje, se detecta una
conferido, tradicionalmente, una capacidad
pérdida de eficacia comunicativa
desmedida de modificación de las
ocasionada por la inexistencia de
percepciones acerca de la imagen de la
redundancia enfatizada por la aportación de
organización y una gran eficacia informativa,
probablemente heredadas de la también datos de este tipo de vídeos: cifras, nombres
desmedida consideración del poder de propios, peculiaridades, etc.
influencia de la televisión en el ámbito social El código audiovisual adopta un estilo
y de su función informativa diaria. informativo, frío y distante. La
El vídeo institucional se podría definir en codificación no permite la función
palabras de Cebrián Herreros, como un vídeo relacional posterior.
que: Los canales tradicionales (cine y
televisión) están tradicionalmente vedados a
“tiende a presentar visiones de la estos productos. La tecnología empleada hasta
empresa o institución; suelen ser el momento – analógica – es anticuada, cara,
vídeos generalistas. Ofrecen un lineal y difícil de actualizar.
panorama amplio de la entidad y El receptor, generalmente grupal, en la
pueden tener un destino para públicos gran mayoría de las ocasiones recibe el
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 669

producto de forma involuntaria y, por lo tanto, El emisor sigue teniendo como sujeto
en predisposición a distraerse. promotor de la comunicación a la organización
que es, invariablemente, quien intencionalmente
Figura 2 inicia el proceso, aunque la reducción de costes
económicos y la creciente
facilidad en el adiestramiento de
rutinas de producción audiovisual
que ha originado la irrupción de
la tecnología audiovisual digital
posibilita que numerosas
organizaciones den el paso
necesario para originar sus propios
mensajes audiovisuales.
El mensaje cambia. En vez de
ofrecerse la personalidad de la
organización, se apuesta por la
transmisión de la identidad. Lo
que se transmite es la
representación del capital humano
de la organización, no el quién
somos, sino el cómo somos. Este
contenido no se basa en la redundancia, como
Actualización del vídeo institucional: El la información, sino que su naturaleza es
vídeo corporativo emocional emotiva, se apoya en la identificación del
receptor con las imágenes que se muestran,
La evolución de los estudios de razón por la cual percepciones puntuales son
comunicación aplicada a las organizaciones se suficientes para garantizar la eficacia
centran en considerar a las personas - en sus comunicativa del mensaje. Se hace una renuncia
vertientes intelectual y emocional - como el expresa a la información en la firme creencia
elemento diferenciador y ventaja competitiva de que, en el contexto corporativo, ésta ha de
de las empresas e instituciones, y a la situarse en otros medios y soportes que - en
comunicación corporativa como el armonizador complementariedad o de forma aislada - hagan
de la construcción compartida - y consensuada factible la redundancia de los mensajes.
- de la identidad de las organizaciones.
Así mismo, ven en la innovación Figura 3
tecnológica una oportunidad
incuestionable para la extensión
de la utilidad de la comunicación
tanto en el ámbito interno como
externo y su contribución al
desarrollo corporativo.
Aquí se encuentra el eje
central de esta comunicación,
orientada al diseño de un nuevo
modelo de producción audiovisual
más acorde con los nuevos retos
y las incipientes posibilidades del
audiovisual corporativo.
Se produce la siguiente
transformación evolutiva del
proceso comunicativo audiovisual
corporativo (fig. 3):
670 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

En concordancia con el talante emocional acumuladas por éste con respecto a la


del producto, el estilo audiovisual –el código- misma, y difundido por medios de
debe estar basado en lenguajes expresivos y comunicación que propicien una
en montajes ideológicos, alejados de todo hilo recepción individual, voluntaria y
argumental narrativo, difícil de seguir en estos atenta”.(fig. 4)
productos. Los rasgos característicos serán todos
aquellos recursos que expresen con propiedad Figura 4
la identidad de la organización de
forma coherente.
La nueva era digital trae
consigo un nuevo canal que
culmina significativamente el
proceso de búsqueda de nuevos
canales. Internet se abre como
un espacio, potencialmente
global, para este tipo de
productos. La tecnología
audiovisual digital proporciona,
por otra parte, un acercamiento
de las organizaciones a la
producción audiovisual,
encarnado en el descenso
tendencial de los costes de
producción y difusión, fácil
actualización de los contenidos
Comunicación audiovisual corporativa: Un
y producción de versiones y conservación de
nuevo espacio de producción audiovisual
la calidad del material producido.
Esta nueva forma de recibir el mensaje
Este nuevo proceso comunicativo (fig. 5)
audiovisual corporativo - Internet - conlleva
basa su eficacia en el desarrollo de un nuevo
que, ahora, el mensaje recibido sea individual
ámbito de estudio interdisciplinar: la
-one man, one computer-; voluntario, cuando comunicación audiovisual corporativa, que
el receptor ejerza su voluntad de acceder a se sostiene sobre tres pilares: comunicación
los contenidos de la red; y, atento, el simple corporativa, lenguaje audiovisual y tecnología
hecho de la voluntariedad representa un audiovisual.
compromiso con la acción.
Estas tres cualidades representan una nueva
Figura 5
de recibir el mensaje que redunda
en la eficacia comunicativa.
De estas alternativas se extrae
la definición del vídeo
corporativo emocional:

“El vídeo corporativo


emocional es un producto
audiovisual representativo de la
identidad corporativa de la
organización, que actúa como
catalizador de nuevos mensajes
capaces de optimizar la imagen
pública de la organización,
conceptualizados a partir de las
emociones percibidas por el
receptor y de las experiencias
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 671

Desde la comunicación corporativa hay posibilidad de producir vídeo corporativo


que reposicionar el mensaje. No se trata a medida, garantizando que quien lo recibe
ya de mostrar la personalidad, los datos, lo hace de forma individual, atenta y
las infraestructuras, los medios, sino de voluntaria. Todo en pos de la eficacia
mostrar la identidad corporativa: las comunicativa del mensaje audiovisual
personas, sus rostros, sus gestos, capaces corporativo.
de generar en el receptor emociones, Se pretende, relacionando estos tres
sentimientos de adhesión merced a las ámbitos de la comunicación, comenzar a
identificaciones que sugiere el ver a otro considerar de forma conjunta este nuevo
en el lugar donde podría estar uno. espacio para concebir el producto
Se trata, en definitiva, de transmitir un audiovisual corporativo de forma global. En
mensaje que refleje el capital emocional que este sentido, cabría hablar a partir de aquí
existe en la empresa, para que, en de la comunicación audiovisual corporativa
conjunción con las experiencias personales como una disciplina capaz de combinar los
de quien recibe el mensaje, se optimice la tres ámbitos antes referidos y conseguir un
imagen pública de la organización. resultado superior a la mera operación
Desde el lenguaje audiovisual hay que aditiva de las mismas.
revisar el código. Si la coherencia con el
mensaje supone que la transmisión de la Contraste empírico entre ele vídeo
personalidad obliga a un lenguaje aséptico, institucional y el modelo aportado
exento de emoción, explicativo y lineal; la
transmisión del capital emocional exige un Para comprobar la validez del modelo
lenguaje audiovisual más cercano en y su eficacia se ha realizado un estudio
términos de distancia social: el emisor se empírico en el cual se comparan dos
tiene que acercar al receptor si quiere llegar productos audiovisuales, uno de corte
a transmitir emociones. tradicional, producido a los efectos como
La teoría de Edward T. Hall (1959), la denominador común de un estudio previo
proxémica, es una herramienta útil en este sobre una amplia muestra de vídeos
aspecto para medir las distancias que se institucionales; y, un segundo vídeo en el
deben establecer entre quien habla -la que se han modificado las variables mensaje
organización - y quien recibe el mensaje y código hacia la propuesta definida como
- el público. vídeo corporativo emocional.
El lenguaje audiovisual en este modelo Sobre el primero de los reactivos – el
normativo de vídeo debe heredar el aspecto tradicional o informativo - se evaluó tanto
de quienes audiovisualizan las emociones la capacidad de informar, como la de
a diario: la publicidad y la ficción optimizar la imagen pública de la
cinematográfica. Desde la tecnología organización representada.
audiovisual, y desde su radical evolución Al segundo de los reactivos, el
en los últimos años hacia el mundo digital, corporativo emocional, que por definición
se encuentra, por fin, un canal abierto a desdeña la transmisión de información –
este tipo de mensajes: Internet. La gran entendida como datos -, se le exige sólo
batalla de la era analógica, la difusión, el cumplimiento de la función optimizadora
termina y vence la comunicación. de la imagen pública de la organización.
Y no sólo vence en términos de El estudio se realizó a seis grupos
producción y difusión, sino que la seleccionados al azar, en tres momentos
revolución afecta también a la recepción. distintos: previamente al visionado de los
Si en épocas pasadas el vídeo institucional reactivos (pre test), inmediatamente
se contemplaba en una visita guiada a la posterior a ese visionado (post test) y
empresa, en una sala en la que se pasaba recuerdo al cabo de un largo plazo de
una sola vez el producto a un público tiempo (re test).
diverso y disperso (en afinidades y Los principales resultados aportados por
atención), la nueva época sugiere la la investigación indican lo siguiente:
672 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Figura 6 b) En términos de imagen (fig. 7),


mientras que el vídeo tradicional
informativo no fue capaz de
aumentar significativamente la
imagen de la organización (con
un recorrido de 6.3 en el pre test,
6.1 en el post test y de nunevo
6.3 en el re test), lo cual le
confiere la consideración de
inocuo a los efectos de la
eficacia comunicativa, el modelo
propuesto, el vídeo corporativo
emocional, no sólo fue capaz de
aumentar esa imagen pública de
la organización de forma
significativa (de 6.09 a 7.51
puntos), sino que, lo que es más
determinante, transcurrido el
largo plazo, sin refuerzos
a) Que el vídeo tradicional o informativo sólo intermedios, consolida esa posición en la
generó aumentos de información disponible mente de los receptores (7.38).
significativos (fig. 6) en las cuestiones generales,
prescindibles y llamativas del cuestionario objeto Conclusiones
del estudio, sin embargo, la información
previamente considerada como útil y clave, apenas Una vez realizada la investigación, se
aumentan tras el visionado del reactivo, siendo, puede llegar a las siguientes conclusiones:
incluso el valor de la útil, inferior al 5. 1. Sólo desde la integración en una nueva
Pasado un tiempo en el que no ha habido disciplina -comunicación audiovisual
refuerzo de la información todos los factores corporativa - de los ámbitos de la
descienden significativamente, quedando por comunicación corporativa, el lenguaje
debajo del 5, los factores de información útil, audiovisual y la tecnología audiovisual, será
general y clave, éste último por debajo de los posible considerar el vídeo corporativo en su
3 puntos. amplitud.
2. El vídeo basado en argumentos
Figura 7 informativos no genera ningún aumento
significativo de la imagen de la organización.
Sin embargo, los vídeos basados
en la transmisión de la identidad
de la organización - y con ella
la representación de su capital
emocional -, son capaces de
modificar positiva y significati-
vamente las percepcio-nes de
quien recibe el producto.
Ya que producir vídeos
institucionales ha sido,
tradicionalmente, una forma
recurrente de las organizaciones
para informar y formar la imagen
de la organización, este hecho
sólo va a ser rentable, en términos
de eficacia comunicativa, si se
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 673

adopta la postura de implicar el capital 6. Por tanto, el modelo propuesto renuncia


emocional de la empresa en el argumento. explícitamente a la información, considerando
Esto se consigue mediante un cambio en el que ésta, parte irrenunciable de la
elemento clave de la representación: comunicación institucional, debe estar adscrita
sustitución de la personalidad por la identidad. a otro tipo de medios que permitan la
3. Los vídeos de carácter corporativo no transferencia de datos con eficacia, bien de
son capaces de transmitir información de forma aislada, bien de forma complementaria
forma eficaz. Ninguno de los modelos de la con el producto audiovisual, hecho éste que
investigación lo hace. El emotivo, al no ha de tener su expresión más certera en la
planteárselo en su propósito, no genera ningún página web de la organización, donde de forma
aporte significativo y útil de información. hipermediática se vinculen los contenidos
En cambio, el vídeo informativo integra informativos de la personalidad: textos,
como uno de sus dos objetivos la transmisión gráficas, fotografías, etc., con los contenidos
de datos. Este hecho no se produce de forma audiovisuales de la identidad.
eficaz, ya que el aporte significativo de 7. La modificación de las percepciones
información que otorga recibir un vídeo de la organización que los públicos de ésta
institucional de corte informativo sitúa la
experimentan, ha de ser constantemente
información recibida en los niveles de lo
analizada para extraer unos datos que se
prescindible, lo general y lo llamativo,
convertirán en la materia prima de futuros
mientras que la información útil y clave,
guiones de vídeos corporativos.
decisiva para una toma de decisiones correcta,
8. Producir audiovisuales de carácter
apenas aumenta.
corporativo, sean del corte que sean, no debe
4. El tiempo es un factor determinante
en la formación de la imagen pública de las ser nunca fruto de la improvisación, sino de
organizaciones. No parece tan relevante el una práctica profesional meditada y medida.
hecho de obtener un gran resultado puntual Esa exigencia profesional ha de estar en
y efímero, propiciado por un estímulo visual manos de los gabinetes de comunicación, ya
o conceptual, que consolidar ese aumento. que el vídeo ha de estar integrado en la
En este sentido, el comportamiento de los estrategia global de comunicación, y como
dos modelos contrastados también difiere: tal ha de estar controlado por el órgano gestor
mientras que el vídeo institucional de corte de la comunicación institucional, quien debe
informativo clásico, no logra más que un detectar, fruto de la constante investigación,
mantenimiento de los valores de la imagen a qué públicos se les puede comunicar
a largo plazo (con lo cual cabe hablar de mediante un audiovisual, y qué se puede
efecto inocuo ya que no hay modificación comunicar mediante un audiovisual. No todo
en las percepciones de los públicos); el vídeo vale.
emotivo no sólo modifica las percepciones 9. Conocer el lenguaje audiovisual y saber
de forma positiva, sino que, transcurrido un aplicarlo en función de la distancia
tiempo, las consolida, es decir, las mantiene conversacional en la que la organización
en los niveles óptimos alcanzados en el desea relacionarse con sus públicos es un
momento de recibir el estímulo. factor determinante del resultado final de la
5. Del mismo modo, el tiempo también optimización de la imagen.
determina el recuerdo de los datos. El factor En este sentido, cobra importancia la idea
temporal agrava aún más la pérdida de de que si se quieren transmitir emociones,
eficacia de los mensajes audiovisuales sensaciones, ideas abstractas relacionadas con
corporativos informativos, ya que al no existir el capital emocional, es útil inspirarse en
elementos redundantes en el tiempo que dista disciplinas más consolidadas como el cine
desde la recepción del estímulo hasta la toma o la publicidad.
de decisiones, la información útil y clave, Si la organización logra audiovisualizar
se pierde definitivamente, manteniéndose en correctamente su capital emocional
los valores posteriores al reactivo la conseguirá eficacia en los objetivos que
información prescindible, llamativa y general. demande al vídeo corporativo.
674 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

10. La revolución digital ha influido de lo que desea oír, se fraguarán en este


forma decisiva en la actualización del contexto a partir de mejoras tecnológicas que
concepto de vídeo institucional, no sólo en permitan automatizar procesos productivos
lo que a la tecnología de la producción se audiovisuales.
refiere, sino a los entornos y condiciones de Por ello, producir vídeos corporativos ha
recepción. de tener un lugar indiscutible dado el
El futuro exige mejoras, exige excelencia. potencial que este medio tiene para la
Y estas deben venir desde la personalización ilustración de los conceptos abstractos de los
del producto audiovisual corporativo. La idea que se compone la fuerza emocional capaz
de Thomson (2000) de hablar a cada cliente de movilizar los corazones y las mentes de
(interno o externo) en el lenguaje que entiende los públicos de la organización.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 675

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676 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 677

A Influência do Teatro no Marketing de Vendas Directas


Jorge Dias de Figueiredo1

A Evolução Comunicacional do Teatro rados do público, e com recursos a cenários,


ao serviço da ilusão dramática. O que era
O espírito dramático sempre esteve pre- até então participativo, vivencial e interactivo,
sente no Homem, com a necessidade do jogo tende a tornar-se num espectáculo visual
e a vontade de «ser outro». As manifestações passivo, evoluindo num processo moroso,
postas em práticas pelos primitivos tentam tendo maior ilusão, mais distância entre
responder ao «inexplicável», recorrendo aos público e actores, em salas cobertas, com
ritos de magia de base imitativa, nos quais acesso pago, e só ao alcance de alguns
reproduzem cenas de caçadas ou guerras, (classes abastadas).
numa comunhão colectiva, evocando o pas- Estas mutações que se vêm processando
sado com o fim à captação de energias2. Como nas diferentes formas teatrais ao longo dos
refere Augusto Boal3: “No começo, sempre, tempos, devem-se indubitavelmente à co-
em toda a parte, o teatro era uma festa relação cimentada entre a sociedade e o
popular, cantada e dançada a céu aberto.” Esta próprio teatro. Parafraseando Guinsburg5, a
forma de expressão é vivenciada profunda- ideologia de uma obra é fruto da sociedade
mente por todos os elementos do grupo, com e sua história, porque toda a obra tem uma
uma entrega física e espiritual, em que as função social. E o teatro mais que nenhuma
personagens fazem determinados sacrifícios, outra arte sofre essas influências, entrando
tornando o corpo um amuleto capaz de captar em crise e renovando-se, resultante das
o espírito escondido nos seres e nas coisas. alterações no contexto civilizacional em que
É a máscara que proporciona essa metamor- se encontra. Este processo de renovação é
fose, encontrando-se na base do mistério bastante lento, exigindo um conjunto de
teatral, fazendo cair nela o sobrenatural. circunstâncias muito complexo e um ama-
Esta forma de expressão de origem durecimento de condições culturais que
mágica – religiosa ainda não será conside- impulsionem as novas formas estéticas. Como
rada teatro pelo facto das suas manifestações essas transformações são demoradas, permi-
se fundarem na plena realidade das coisas, tem a coexistência no tempo e no espaço de
ausente de qualquer ficção. O teatro só surgiu várias formas teatrais. Tendo por referência
quando o público se apercebeu que a repre- o paradigma assim aduzido, todas essas
sentação é um fingimento, «um fazer de correntes coabitam, provocando uma
conta» e não uma ordenação de um acon- interpenetração teatral, nas quais o teatro novo
tecimento sagrado. O público ao tomar vai, com certeza, surgir do âmago do velho,
consciência de que ocorre uma simulação, aceitando a sua realidade social ou assumin-
permite ao teatro definir o seu terreno es- do ajudar na sua transformação.
pecífico, fazendo a sua desconexão do rito É no século XX com grandes e rápidas
ou pré-teatro4 (Wunenburger cit. in Barbosa alterações socio-culturais que se dá a grande
1982 : 181). A separação entre a mística e viragem na estrutura dramática tradicional.
o teatro «disciplinado» era inevitável devido Apesar das influências tecnológicas (às quais
a uma postura mais equilibrada perante o se deve o recurso a mecanismos, quer na
sagrado. produção, como também na divulgação desta
Os gregos têm um papel preponderante arte), o teatro sente a necessidade de recuar
nessa desmistificação, alterando todo o pro- no tempo, indo em busca da sua essência
cesso comunicacional, passando as represen- perdida. Vão surgindo diferentes vertentes de
tações a ter um carácter de entretenimento, experimentação teatral que recusam por
em locais fechados, palcos definidos, sepa- completo o teatro convencional, a ficção, a
678 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

divisão entre palco e plateia, e procuram a consciente de ritualização. O trabalho geral


comunhão entre o público e os actores. O do teatro vivencial define-se na prática, como
«teatro ritual» herdado dos primitivos é um teatro unificante, fazendo com que se
novamente reencontrado pelas exigências de reúnam actor e espectador, abolindo a dis-
uma sociedade moderna e criativa. Nesse tância espacial, e mesmo temporal. Busca
caso, poder-se-á dizer com Pedro Barbosa,6 uma linguagem comum a todos, para melhor
que “a pré-história do teatro reencontra-se direccionar o interesse do seu público.11
assim com a sua pós - história”. O perfil do A «cena à italiana», característica do
teatro moderno-interactivo vai sem dúvida ao teatro convencional, ou «cena fechada», como
encontro das práticas primitivas em toda a Roman Ingarden12 lhe chama, impossibilita
sua consumação. Mas, apelidar de pós-his- o público de participar na peça, reduzindo-
tória às novas formas teatrais, implicaria sair -o ao mero papel de observador impotente
dos parâmetros concebíveis de «teatro», e distante. Ao invés, o «teatro verdadeiro»
apesar da insistência de ausência de ficção obriga a destruição desta «quarta parede» ou
nestas formas de expressão, na qual “se «parede invisível» (barreira que impossibi-
recusavam a representar tradicionalmente, lita a aproximação actor-público), fundindo
recusavam a divisão entre palco e plateia, o palco e a sala, criando nos actores e
recusavam a máscara, a maquilagem, a fan- espectadores a referida unificação de um só
tasia, todo o fascínio da mentira”. 7 grupo em perfeita comunhão.
Ainda sobre a panorâmica evolucional, Da mesma forma que o teatro moderno
poder-se-á constatar que o teatro é um orga- se opõe ao convencional, a força de vendas
nismo sujeito às mutações civilizacionais, e distingue-se da venda tradicional, com a
que interage com a cultura em que se encon- aproximação vendedor-cliente. Esta comuni-
tra inserido, de uma forma mais ou menos cação não se baseia em afirmações com um
intervencionista. Concordando com Luíz Fran- único sentido, mas sim numa ligação
cisco Rebello,8 “o teatro é sem dúvida, a arte bidireccional. 13 O «feed-back» facilita a
que mais directa e estreitamente se prende com possibilidade de conduzir as atitudes de
os factores sociais, económicos e políticos do acordo com as reacções do comprador e as
tempo da sua produção(…)”. Qualquer que exigências da situação na consecução do
seja o rumo que a sociedade tome, o teatro objectivo pretendido. Uma prática conivente
empenha-se na busca de novos argumentos com uma atitude aberta, flexível e capaz de
para uma melhor interpenetração. se readaptar facilmente a qualquer situação.14
Na opinião de Noronha Cangemi,15 pode
O Teatro Moderno como Modalidade de ser vantajoso o cliente sentir confiança e
Comunicação Interactiva : Sua Influência amizade com o vendedor, proporcionando
no Marketing de Vendas Directas mais «contactos» futuros. O «contacto»
estabelece-se com maior envolvência quando
O teatro actual tem a preocupação de a venda proporciona manifestações de gru-
realizar um «espectáculo vivo», ligado direc- po. O vendedor é «transformado» num
tamente à realidade social, crente num di- anfitrião ou animador, num ambiente de
álogo verdadeiro entre espectadores e públi- convivialidade, assente na escuta, no calor
co, acerca dos problemas mais urgentes, mais humano e na partilha de pontos em comum.
contraditórios da vivência quotidiana.9 O teatro deixa de ser uma imitação de
Patrice Pavis10 aponta o sentido nostál- acções ou recriações, para se tornar numa
gico que o teatro europeu sente da sua origem integração de actos, surgidos de improviso,
cúltica, onde predomina o rito na vida social. de acordo com o desenrolar da cena. Nesse
Esse regresso às fontes tem em Antonin sentido, o teatro deveria ser um espectáculo
Artaud uma figura emblemática que rejeita econoclasta, antidogmático, criativo e abso-
o teatro burguês, fundado sobe o verbo, a lutamente livre, numa vivência e autentici-
repetição mecânica e a rentabilidade. O teatro dade, com a busca de valores nos diferentes
depois de se ter desfeito do rito e da domínios do humano
cerimónia, procura desesperadamente reen- Estas modalidades do teatro interactivo,
contrar-se, mas agora através de uma forma não sendo totalmente reais, são anti-ilusionis-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 679

tas, pelo esforço desempenhado no encontro dindo dos cenários, das cortinas ou pano de
com a verdade e transparência. A simbologia fundo e desmistificando os mistérios e ilu-
passa a real com a abolição da máscara e sões. Só um espaço assim permite um es-
a recusa à representação tradicional. Dá-se pectáculo de envolvimento, facilitando a
uma procura à experimentação, na medida ligação entre o público e os actores.
em que o mimetismo vai ao encontro da O processo interactivo no teatro moder-
verosimilhança ou anti-ilusionismo.16 no, que vai às suas origens («pré-teatro»)
Segundo as palavras de Michael Beer,17 buscar a sua fundamentação, quando pratica
as vendas modernas também recorrem ao anti- um «espectáculo vivo», num espaço aberto,
-ilusionismo, promovendo o confronto do sem barreiras, encontra nas forças de venda
vendedor e cliente, com mais vivencialidade, uma situação não muito diferente. Por sua
não podendo, tal como o teatro moderno, vez, o comércio actual anexado a uma visão
prescindir em nenhuma das situações, de um mais moderna, alarga o seu espaço de acção,
encontro franco e verdadeiro. dando preferência a locais mais amplos, onde
Além desse elemento referido, também se todos, de uma forma interactiva participem.
verifica uma inquietude nestas duas modali- Os técnicos de vendas terão que estudar
dades comunicacionais convergentes. Criando o lugar adequado aos comportamentos ma-
a arte cénica, mecanismos que facilitem uma nifestados pelos clientes. Os próprios locais
abertura ao imprevisto, tendencialmente fica onde se processa o acto negocial tem influ-
aberta uma faculdade que lhe é confinada – ência psicológica no potencial comprador.22
a improvisação.18 Esta, por seu turno, propor- A expressão dramática é uma actividade
ciona uma atmosfera na qual todo o grupo que funciona como motivação para ambas as
se sentirá à vontade, unidos com a confiança práticas em apreço. O teatro moderno recor-
instalada num processo de livre incorporação re à expressão dramática para melhor com-
de experiências. Os participantes preocupados bater a apatia e o desinteresse. Esta prática
em desvencilharem-se das influências, dos dá-se numa permeabilidade do grupo, que
padrões pré-concebidos, rompem com a es- goza da possibilidade de permutar as suas
tética convencional, enriquecendo o seu tra- diversas experiências no enriquecimento da
balho, em favor de uma criatividade.19 personalidade de cada um, a partir do con-
A não memorização e recusa da ilusão vívio de todos.23
previsível e esteriotipada faz da venda Hoje, contrariamente a épocas anteriores,
moderna um encontro autêntico, enquanto atribui-se a devida importância ao treino dos
aventura sempre renovada, enquanto comuni- vendedores, desde a modalidade mais simples
cação dual simétrica, e não hierarquica. Dave de reuniões de grupo, que intensificam o
Patten20 afirma que é a imprevisibilidade que diálogo dos participantes, à mais moderna
constitui o fascínio das vendas, de modo a forma de interactividade criativa, que desen-
que não existem públicos iguais (até a mesma volve, motiva e suscita o intercâmbio de ideias,
pessoa não tem sempre o mesmo comporta- através do jogo entre os intervenientes.24 Como
mento) e cada cliente proporciona um desen- incentivo ao moral do vendedor, rompem-se
rolar do acto negocial de forma ímpar. com todas as barreiras monótonas e
O «espaço cénico» é outro elemento a desmotivantes que possam prevalecer. Uma das
ter em consideração quer no teatro moderno, medidas modernas é o visionamento de
quer na força de vendas. Todo o espaço pode «sketches» cómicos, por parte dos vendedo-
ser cénico, mas não há espaços iguais, ou res, para criar boa disposição e um compor-
que surtam o mesmo efeito quando postos tamento de êxito com o cliente. Esta activi-
em prática. Na perspectiva de Peter Brook,21 dade é muito interessante e inovadora, mas
cada situação é única, e para que a comu- não tem o mesmo impacto que outras mais
nicação se processe da melhor forma entre activas, que unem a equipa, mobilizando as
actores e público, deve-se coadunar o espaço energias, insuflando um espírito «lutador» nas
com todos os elementos intervenientes no vendas, como o «role playing», o «teatro de
processo dramático. vendas» ou o «slip writing».
O teatro moderno adequa o seu espaço Um outro factor comum ao teatro mo-
de acordo com as suas pretenções, prescin- derno e ao marketing de vendas directas tem
680 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

que ver com o actor/vendedor investigador Jean Baudrillard29 alerta para o controlo que
de novos comportamentos sociais. Reportan- a mitologia baseada na sociedade de consu-
do à intenção expressa a respeito da co- mo pode exercer sobre o indivíduo. Este
relação estabelecida entre o teatro e a so- fenómeno, por sua vez, provocou um sis-
ciedade, aferiu-se que toda a obra tem uma tema de marketing mais voltado para os pro-
função social, e o teatro mais que nenhuma blemas sociais, chamado marketing social.30
outra arte acompanha toda a evolução Esta perspectiva aplica-se a ideias, causas ou
civilizacional, sofrendo influências e colabo- acções sociais, de uma forma formativa,
rando também para a sua transformação. salvaguardando as responsabilidades éticas e
O teatro para se afirmar como forma criativa sociais. Estas actividades vão no sentido de
no trabalho social, terá que nascer enquanto mudar as atitudes, valores e comportamentos
provocação, levando o actor a investigar tudo dos membros - alvo de uma sociedade, através
o que envolve o indivíduo e a sociedade en- da aceitação de uma ideia ou causa.31 Daí
volvente, com a convicção de que não existe o papel influenciador da força de vendas, que
uma certeza definida, pondo a dúvida e a mais próximo dos clientes, poderá utilizar o
incerteza como princípios de reflexão. Neces- contacto co-presente, colaborando na forma-
sariamente, o teatro participa na vida das so- ção de uma sociedade livre de mitos
ciedades, definindo o seu campo de acção, ditado incontroláveis.
pela procura de novos recursos expressivos.25 Da panorâmica observada nestas duas
Na reunião das premissas para a eficácia vertentes comunicacionais, constata-se uma
do vendedor, deverá constar, impreterivel- «coincidência» no percurso das suas políti-
mente, o conhecimento do mercado em geral, cas comunicacionais, com uma convergência
o que o freguês pretende, e qual a sua razão. nos seus pontos chave, tendo por base uma
Esta postura faz do vendedor um investigador maior aproximação entre os intervenientes,
de novos comportamentos sociais, que tem de a intensificação da referida co-presença.
prestar atenção às tendências do ambiente de Parece também visível a importância que
marketing. As mutações dominantes na soci- exerce o relacionamento da cultura com o
edade podem influenciar a actuação dum pro- teatro e com as vendas. Pensa-se que é esta
duto no mercado. Nada é estático neste interacção que origina mudanças nos seus
ambiente, por isso os «investigadores» só terão procedimentos.
êxito se mantiverem uma avaliação constante Actualmente, o teatro e o marketing de-
das forças gravitacionais e reagirem às mu- monstram a construção de uma referência na
danças nessas forças.26 regularização da diversidade cultural muito
Da mesma forma que o teatro investiga vivenciada pelas manifestações de expressão
comportamentos da sociedade onde se pre- dramática num processo de desenvolvimento
tende engajar, vai, a partir desse conhecimen- comunitário, estabelecendo bases para um
to do público receptor, utilizar a melhor maior intercâmbio cultural. Mas, pensa-se que
estratégia para a sua formação. A envolvência tanto o teatro moderno como o marketing de
do teatro e sociedade permite, como que uma vendas directas ainda não conseguiram soli-
relação de «causa-efeito» entre o actor in- dificar as suas filosofias comunicacionais.
vestigador, e actor formador de culturas.27 Existem presentemente muitas práticas céni-
O teatro sempre foi didáctico em toda a cas que não vão ao encontro do público,
sua evolução, mas o moderno, aquele que vai mantendo os espaços de representação vazios,
além da atitude contemplativa e configura-se assim como se encontram nas vendas
como meio de comunicação e expressão cul- interpessoais, comportamentos que dissuadem
tural, responde de pronto aos anseios sociais, os clientes, não estando em conformidade com
culturais e políticos de determinada civiliza- as novas formas de marketing. Terá que haver
ção. Artaud28 considera que uma civilização é necessariamente, uma maior interpenetração
sinónimo de cultura, sendo o teatro moderno do teatro e marketing com o ambiente socio-
a pôr essa cultura-em-acção, instrumentalizado cultural, para uma fomentação e transmissão
para os fins pedagógicos pretendidos. de valores verdadeiros e transparentes, impos-
O marketing de vendas directas também tos pelo teatro vivencial e assimilados pelo
deverá ter um papel formador de culturas. marketing de vendas directas.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 681

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24 30
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25
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26
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31
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27
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COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 683

Identidade e Estilo de Vida:


Novos Impactos no Contexto da Comunicação Organizacional
João Renato Benazzi e João Maia1

“Olha que coisa mais linda, em um contexto organizacional. Privilegiam-


Mais cheia de graça, se as novas percepções relativas à auto-
É ela menina, que vem e que passa, imagem dos indivíduos e seus desdobramen-
Num doce balanço, a caminho do tos para a constituição da cultura organiza-
mar”.2 cional. Na contemporaneidade noções como
valores, atitudes, preferências, tempo, gera-
Na modernidade os locais precisos de ção, nostalgia, auto-imagem são imprescin-
atividades ditas culturais exerciam o poder díveis para se falar na junção entre comu-
ou a função de demarcar e qualificar o nicação, cultura e organização. As ações dos
ambiente social. As referências culturais sujeitos envolvidos e suas percepções do
definiam o sujeito como moderno e assim contexto organizacional em que estão inse-
os lugares de circulação e de interação na ridos redimensionam a questão da relação
cidade seriam pretensamente seguros para subjetividade/organização. Mais precisamen-
classificar o homem que circulava na vida te nos referimos ao sujeito e seu estatuto no
pública. Porém, hoje, surgem indícios de universo da comunicação organizacional. O
novas conjunturas e gerenciamentos para se conceito de organização aqui utilizado,
interpretar o mundo da cultura. O sujeito que embora abrangente, foca as relações de grupo
foi caracterizado e interpretado pela classe, no contexto empresarial.
renda, etnia ou gênero cede lugar ao sujeito Trabalhamos especificamente sobre as
“desterritorializado”. O ambiente cultural da questões relacionadas à constituição e
atualidade, caracterizado pela introdução das desconstrução da noção do sujeito, com foco
novas tecnologias, há cerca de duas décadas, específico nas formas subjetivas de se iden-
e pela falência dos grandes relatos e das tificarem com grupos ou segmentos e suas
instituições culturais modernas propicia a potencialidades de inserção organizacional na
existência de um sujeito sem fixidez territorial cultura contemporânea. Não perderemos de
para ser classificado culturalmente. vista a objetividade buscando em determi-
Estas conjunturas afetam a constituição nados recortes respostas para as nossas
do sujeito, suas formas de relações no to- inquietações teóricas. Teremos interesse em
cante ao afetivo, ao consumo e às formas mostrar especificamente nos segmentos, a
sociais de interação organizacional. Afetam partir da idade e do gênero, a importância
o que chamaremos de “estilo de vida”, isto que se deposita na questão cultural para a
é, a forma como que o sujeito constrói formação da imagem da organização e para
imagens sobre si e sobre as suas afiliações vislumbrar a atitude de um sujeito possivel-
organizacionais enfim, seu contexto. mente desterritorializado.
Objetivamos caracterizar o modo como as O mundo conhece a letra da música
relações interacionais se estabelecem rumo Garota de Ipanema que foi reproduzida na
a uma construção de valores fundamentais epígrafe do texto. É um hino, não oficial,
que possibilitam o viver em conjunto para do Rio de Janeiro para qualquer cidadão do
se criar o ambiente cultural da organização. mundo. Um samba canção é o hino. Será essa
Na questão em torno do “estilo de vida” a identidade cultural de uma cidade? Cons-
é de relevância focalizarmos a importância truímos, nós cariocas, a representação da
dada aos valores depositados pelos indivídu- cidade, através dos produtos de cultura, dessa
os na formação da cultura, ou seja, os sig- forma maravilhada. Lugar de riqueza sim-
nificados dos processos interacionais que nos bólica materializada na natureza generosa.
remetem a pensar no campo da comunicação Generosidade da beleza da menina caminhan-
684 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

do lentamente em direção a natureza que é só encontrada em sonhos. Esse era o cenário


ela mesma no paraíso banhado pelo mar. Esse que Américo Vespúcio vislumbrou em 1502
“ethos” do carioca, sempre não oficial, quando aportou em nossas terras e que
encantado se espraia em toda e qualquer permanece até os nossos dias. Colocou os
associação que se desenrola na cidade. Vitrine pés na terra, batizou-a e a cidade do Rio de
e exposição da cultura da preguiça produtiva Janeiro ficou fadada a ser para sempre o
de quem vive no paraíso. paraíso sobre a terra.
Os colonizadores fizeram a festa. Fran-
“...Ela passava, ali no cruzamento de ceses, portugueses e espanhóis lutaram,
Montenegro e Prudente de Morais, em cansaram, se refestelaram e fizeram muita
demanda da praia, e nós a achávamos história e criança por aqui. Salve a mulata!
demais. Do nosso posto de observa- Hoje produto de exportação. Terra de
ção, no Veloso, enxugando a nossa permissividade e mistura. Riqueza e beleza.
cervejinha, Tom e eu emudecíamos à Assim fomos construindo nossa identidade
sua vinda maravilhosa. O ar ficava de cidade. Cidade maravilhosa, confusa e
mais volátil como para facilitar-lhe o híbrida. Produtiva e festiva. Terra de samba,
divino balanço do andar. E lá ia ela suor e cerveja.
toda linda, a garota de Ipanema, Cidade dos superlativos. Imaginaram ou
desenvolvendo no percurso a geome- viram o tamanho do Cristo? E do Estádio
tria espacial do seu balanceio quase de futebol Maracanã? Da ponte Rio-Niterói
samba, e cuja fórmula teria escapado com certeza apareceu na televisão. Nem
ao próprio Einstein; seria preciso um precisamos do livro Guiness para marcar
Antônio Carlos Jobim para pedir ao nossas grandiosidades. Elas estão expostas,
piano, em grande e religiosa intimi- gritando aos olhos para qualquer estrangeiro
dade, a revelação do seu segredo. (site ver. O Estádio do Maracanã foi inaugurado
oficial da Hêlo Pinheiro – 31.03.2004) em 16 de julho de 1950. E nessa época não
precisávamos de monumentos de grandiosi-
Esse é um trecho de uma declaração do dade para expressar a nossa imagem de
Vinícius de Moraes sobre o processo de exagero, esse sentimento já percorria as ruas
criação da música emblema da cidade. Ele da cidade.
“enxuga a cervejinha”, sentado com um Na construção mesmo da cidade moder-
amigo, num botequim no meio da rua pra na, no início do século XX, nosso Prefeito
ver a menina passar lentamente, sendo cha- Pereira Passos queria transformar a cidade
mada pela mãe natureza e produz uma bela numa Paris das Américas. Na origem a
música. Esse é o estilo de vida e de pro- natureza transbordando generosidade e na
dução, enraizado no nosso modo de ser, que idealização arquitetônica moderna a exube-
se espalha pelo todo social, inclusive nas rância copiada de Paris.
empresas. A identidade da cidade e do in- A partir de 1915 no centro do Rio de
divíduo se misturam. Essa é a nossa questão Janeiro, mais precisamente na Lapa, bairro
primeira. Inventaram uma cidade maravilho- boêmio até hoje, começam a surgir as casas
sa. A representação está inscrita no imagi- ditas suspeitas. Estava nascendo naquele
nário de todos. Foi-se construindo na lite- momento uma Lapa de malandragem, festas,
ratura, no cinema, na música, nos produtos crimes sem castigos, encontros sem hora
da cultura de maneira generalizada a ima- marcada. Cabarés e casinos já estavam ins-
gem de maravilhosa na cidade, que cá pra talados por lá. A heterogeneidade da nossa
nós é fabulosa mesmo. Essa é a identidade identidade cultural já impera soberana nas
da cidade. ruas da cidade. As mulheres elegantes, de
Montanhas morrendo na imensidão azul acordo com o figurino europeu, desfilavam
do mar, rios incandescentes de tão pelo bairro, ao lado da dama com baton
translúcidos, areias escaldantes servindo de exageradamente vermelho.
borda para a floresta, gente nua, simpática Desde o início do século passado a
e feliz por todos os lados, frutas exóticas, efervescência cultural na noite era de espan-
novos cheiros e sabores numa terra de pureza tar os cronistas da cidade. Brito Broca
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 685

relembrando seu tempo de boemia assim Para Ulf Hannerz (1980) com a análise
descreve a animação do Rio: Identidade e das redes podemos verificar como as rela-
Estilo de Vida: ções sociais se articulam entre si e especi-
ficamente como os indivíduos conhecendo
“A noite era difícil conseguir uma pessoas em comum e outras diferentes se
cadeira num café. O largo, quase articulam. A noção de rede é interessante para
intransitável, fervilhava. Os cabarés, pensar a comunicação dentro das organiza-
cheios. O vozerio era ouvido à dis- ções na medida que servirá de suporte para
tância – todo mundo bebendo e can- a análise do estudo em conjunto cada vez
tando, feliz. Uma beleza.” (BROCA, mais diversificado de estruturas sociais.
1966). Sabemos que o indivíduo possui diversos
papéis que irá combinar de acordo com as
O Rio de Janeiro produziu grandes per- situações que podem ser diversas. Em um
sonagens que andavam na contramão de esquema estruto-funcionalista podemos com-
qualquer assepsia que se quisesse elaborar preender a sociedade através dos grupos
na imagem da cidade. Madama Satã, por permanentes e por suas instituições. Tudo se
exemplo, foi um desses emblemas de con- torna mais complexo, porém, quando intro-
fusão, mistura e distúrbio. Esse personagem duzimos em nossas análises os comportamen-
era violento, malandro e homossexual. Um tos que podem se inscrever num quadro
dos nossos especialistas em cultura urbana institucional, mas que podem paralelamente
carioca, Paulo Francis, assim falava: introduzir mudanças através de adaptações e
estratégias. Assim, vemos que as redes
“Satã representa a própria cobrem os grupos permanentes e as institui-
contracultura, que é essa que aí está, ções e por outro lado, que elas cobrem outros
apesar de seus valores intrínsecos e planos sociais. Nestes outros planos as liga-
universais, nos foi imposta de fora ções sociais obedecem menos a regulamen-
para dentro, o que as vezes é bom, tos propriamente ditos do que a obrigações
outras, não. Já Satã emergiu desse impostas pelos próprios participantes, seja os
asfalto, deste clima, deste ragu cul- explicitando e de comum acordo, seja de
tural brasileiro que tentamos negar maneira implícita com um dinamismo pró-
inutilmente, mas que tal qual o rio prio.
do poema de Eliot, é um deus pri- Podemos dizer que nas organizações
mitivo, capaz de adormecer, apenas, complexas da contemporaneidade, devido às
e sempre vivo, vingativo e traiçoeiro. crises e instabilidades da “sociedade de risco”,
A sociedade urbana, de consumo, aqui para usarmos o termo de Ulrich Beck (1997),
é puro verniz, descascando visivel- as coesões se estabelecem muito mais cimen-
mente. Outras forças supridas, estão tadas nesses outros planos sociais, naqueles
aí, poderosamente latente, acumulan- que criamos nos espaços de vivência coti-
do impacto” (FRANCIS, 1975:151). diana.
Levamos em consideração que vivemos,
Esse tipo de inscrição mundana de nos- depois de um determinado tempo, o processo
sas representações mostra que os sonhos, da “modernização reflexiva”. Uma nova
paixões e práticas cotidianas se enraízam forma social está sendo elaborada na super-
como vetor de sociabilidade. Essas “outras fície das nossas associações. As transforma-
forças supridas” formam um dos aspectos ções estão ocorrendo, na maioria dos setores
marcantes da representação da cidade do Rio da sociedade, de maneira silenciosa. Os riscos
de Janeiro e de seus habitantes. individuais, sem citarmos outros riscos, são
As histórias banais em forma de sociabi- controlados pela sociedade pós-industrial. O
lidade criam a ambiência da cidade. A cama- processo atual é o da autoconfrontação com
radagem, como fundo da sociabilidade, tem todos os efeitos da Modernidade e avanços
registro nos estudos de redes em antropo- tecnológicos. A tradição, os hábitos cotidi-
logia. A vida é a intensa e permanente troca anos, os estilos de vida sedimentados no
com o outro para formar a cidade. tempo se distendem podendo criar rupturas
686 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

e fissuras no tecido social. Levando em Sem os radicalismos identitários, pode-


consideração que a comunicação é a base para se romper certas cadeias e redes de sub-
a existência da cultura na cidade, pois é serviência do sul em relação ao norte ou
através e por ela que os significados e os mesmo da periferia em relação ao centro. A
sentidos dados às coisas pelo povo, circuns- identidade privilegiou centralidades3. Carto-
crito em determinada cidade, pode-se revelar grafias centrais na modernidade são deten-
elementos constitutivos da identidade do toras de limites de circulação. A identidade
cidadão de um lugar. A comunicação tem a pode servir de dispositivo de imobilidade.
função ainda de difundir e assegurar as Fazendo-se de maneira bem diversa, e mesmo
informações que irão se materializar no como força de resistência à centralidade que
espaço e assim ser índice de compreensão se elabora no mapa-mundi, temos as iden-
sobre a dinâmica das sociabilidades contem- tidades flexíveis que possibilitam e incenti-
porâneas. vam a circulação de informação, signos,
Alguns elementos sensíveis podem criar idéias, espíritos e morais em um dado ter-
o que consideramos “lugar” através dos ritório.
vínculos sociais apoiados no tempo que se Hoje se mostra importante pensar o social
compartilha um mesmo território. O tempo em suas tramas a partir do simbólico, do
da lentidão, que marca o território e o ritmo imaginário espacial que fortalece a comuni-
preguiçoso das associações mundanas, que cação circulante, privilegiando os aconteci-
se estabelecem cotidianamente, são elemen- mentos que se dão de forma a respeitar as
tos que irão nortear as interpretações sobre características culturais do local em que se
as organizações. Essas organizações devem compartilha o dia a dia. A questão da iden-
levar em conta que, ao lado da velocidade tidade, dessa forma, não poderá mais ser
da produção moderna, existe um fluir de conceituada de maneira ortodoxa, pois se
elementos que são criados nas associações mostra reflexiva e flexível, quando respeita
afetuosas e diárias que não são contabilizadas as diferenças que se realizam nos embates
no final do mês. cotidianos. Sofremos interferências internas
Se chegarmos em uma repartição públi- e externas, os centros perdem limites e
ca, no Rio de Janeiro, em uma sexta-feira fronteiras, a periferia invade centros plurais.
depois do almoço o que podemos esperar em Nessa configuração social não é possível falar
termos de eficácia de atendimento? Alguns de um paradigma globalista em contraposição
justificaram a ineficácia na situação geral do a um outro que seja localista e extremamente
trabalhador esquecendo que ele faz parte de enrijecido. Constatamos a configuração de um
um “ethos”: o tempo de folga que está paradigma que se mostra caleidoscópico. Os
presente em toda e qualquer associação que elementos que conformam o institucional,
se estabeleça na sociedade carioca. o convencional e o produtivo estarão em
permanente troca com as características que
A identidade cultural e as organizações na compõem o banal cotidiano da cultura que
cidade das maravilhas: comunicação e vive nas ruas, da nossa necessidade de
resistência. vagabundagem, de certa dose de malandra-
gem.
A idéia de indivíduo é criada, como parte Na discussão a cerca dos impactos dos
de um grande projeto na Modernidade, novos modos e estilos e vida característicos
sugerindo tanto unidade como fragmentação da contemporaneidade na comunicação or-
concomitantemente. Por um lado temos a ganizacional cabe, primeiramente, tentar
unidade na estrutura do sujeito individual delimitar a própria concepção de comunica-
diante de suas opções no mundo social em ção organizacional.
formação – integridade, rigidez de formação Parte-se de um pressuposto que os pro-
moral e altivez – mas, ao mesmo tempo, cessos de comunicação na empresa moderna
temos a idéia de fragmentação diante do são fortemente caracterizado por sua confi-
outro, na questão da alteridade, de seu grupo guração em rede, com marcante reciproci-
étnico, de sua classe social, de seu gênero dade e seus diversos mecanismos de tradu-
e de sua religião. ção. As informações que circulam são
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 687

retrabalhadas, passam pelo crivo e são exclusão do processo de decisão, quer no


modificadas e mesmo reconfiguradas pelos nível estratégico, quer no nível tático ou ainda
vários agentes envolvidos, já que não se no nível operacional, enseja resistências
imagina que o modelo clássico telegráfico diversas na própria ambiência do dia a dia
permaneça como forma de descrever a com- da empresa.
plexidade da comunicação na empresa con- Tais resistências são ainda intensificadas
temporânea. As conversas de corredor e os por barreiras de natureza sociocultural, na
grupos de colegas de trabalho que almoçam medida em que os múltiplos assentamentos
juntos e os que saem para o chope após o sociais presentes na sociedade brasileira se
expediente na sexta-feira validam, criticam, reproduzem na estrutura hierárquica de nossas
aceitam, rejeitam, enfim, geram, recebem e organizações. Na esfera comportamental, tais
transformam as informações que circulam na resistências são também positivamente influ-
empresa em moto contínuo. enciadas pela maior variedade de papéis,
No entanto, na medida em que, via de atitudes e valores que os trabalhadores são
regra, a comunicação organizacional também convocados a internalizar no exercício de suas
pretende o convencimento do receptor da funções. As linguagens, os símbolos e repre-
mensagem através do discurso, para que este sentações da realidade características dos
último produza respostas desejáveis - isto é, diferentes grupos de pertença organizacional
comportamentos adequados a esquemas de acabam por provocar o aumento da distância
validação fundamentados na cultura da or- entre estes mundos.
ganização e que contribuam positivamente na Temos algumas ilustrações que denunci-
consecução de seus objetivos organizacionais, am novas formatações nas associações até
cabe enfatizar que esse processo de circu- bem pouco tempo consideradas conservado-
lação de informação tem se caracterizado por ras pelo conjunto da sociedade. Profissões
seu caráter de compartilhamento. Deste modo centrais estão se tornando até certo ponto
existe uma parte do processo de comunica- periféricas em nossos dias. Nas organizações
ção que se encarrega dos aspectos da for- militares, por exemplo, oficiais e soldados
mação da cultura da empresa, de sua dis- almoçam em grupos separados e raramente
seminação e tradução a um conjunto de se envolvem em laços de amizade, dentro
colaboradores. Mais especificamente é de do trabalho, mas podem morar na mesma
interesse salientar que tais processos comunidade. Oficiais não se vêem nem se
comunicacionais visam disseminar e reforçar sentem próximos aos soldados, nem preten-
valores, diretrizes e a visão do corpo diri- dem estender seu convívio para além do
gente da organização por toda a organização, contexto do trabalho, mas o motorista que
num esforço de convencimento do restante o leva ao sítio no final de semana e participa
do corpo de colaboradores. Projetos que dos segredos da família é aquele que almoça
visam construir ou alterar aspectos da cul- ao lado. A carreira militar até poucos anos
tura da organização, gerenciando valores merecedora de méritos se desgasta pelo
internos, aspectos do clima organizacional e próprio esvaziamento do sentido de Estado
possuem uma etapa de comunicação clara- e Pátria. Outro exemplo do esgarçamento
mente assentada neste pressuposto, ainda que sofrido nas representações profissionais tra-
promova o debate, a discussão e participação dicionalmente respeitáveis está nos médicos.
dos envolvidos. Deste modo repete-se a Eles formam ainda um grupo coeso, sim e
perspectiva taylorista em que os de menor tendem a se relacionar com seus pares em
poder e visibilidade, os que operacionalizam organizações hospitalares, muito embora em
as tarefas e projetos, são mantidos distantes seu trabalho cotidiano travem intensa con-
do processo de concepção e planejamento da vivência com técnicos e auxiliares de enfer-
agenda de ações a serem implementadas. No magem, até aí está claro. Porém, nos jornais
entanto nosso interesse essencial, menos do cariocas freqüentemente divulgam as brigas
que apontar as assimetrias de poder nos devido as dívidas da previdência, dos planos
processos de decisão organizacional, cami- de saúde privados que pagam valores irri-
nha no sentido de enfatizar as barreiras em sórios aos seus médicos. No Rio se torna cada
tal processo de difusão das informações. Tal dia mais difícil depender dos hospitais
688 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

públicos e com isso vemos o desgaste da das decisões cotidianas e do modo de ser,
identidade do médico. Ele agora briga por pensar e decidir que foram construídos a partir
salários dignos e por hospitais em melhores de estilos de vida.
condições para o atendimento da população. Diferentemente de grande variedade de
O médico está presente nas discussões or- estudos desta área que apontam a importân-
dinárias. Com o salário de médico onde esse cia da organização – isto é, da porção da
profissional poderá morar? Em lugares de vida das pessoas que se passa no contexto
distinção? Com certeza ele terá que fazer do trabalho em empresas – pelos ecos que
parte de assembléias de condomínios medi- produzem direta ou indiretamente na vida de
anos em áreas não tão nobres. seus colaboradores e, em seqüência, em suas
Parece relevante apontar também que, da famílias e na sociedade em geral, parte das
mesma forma em que a comunicação orga- demandas sobre sua força de trabalho parece
nizacional é eficaz em “vender” aos mem- estar condicionada a fenômeno de sentido
bros da empresa os novos valores, conceitos inverso: são os estilos de vida de seus
e normas de validação, ela também é ins- colaboradores que parecem irrigar, com
trumento útil para a exposição de pessoas e qualificações preciosas, a vida na empresa.
comportamentos desviantes para o público- As empresas assim, nesse cenário em per-
alvo mais restrito, na busca da coesão de manente transformação, se relacionarão
esforços, atitudes e comportamentos. Em tal melhor com o lugar onde devem se instalar
processo, as grandes diferenças de repertó- e dialogarão com a identidade cultural do
rios ou mapas de referência entre os indi- local e do povo. A linguagem do house-
víduos que ocupam cargos de diferentes níveis organ, press-release, mesmo o jornal mural
na estrutura organizacional somam-se às e até a intranet devem suportar as atitudes,
diferenças derivadas da identidade, tal como os vocabulários, as ambiências, as
se insere na vida contemporânea. desestruturas, enfim, o estilo de vida que se
Em que pese a existência de um aspecto estabelece na sociedade de riscos e mais
da organização e sua distribuição de poder especificamente ainda com o habitante da
e funções de caráter formal, as evidências cidade maravilhosa que pára para “enxugar
provenientes da nova inserção da identidade sua cervejinha após o trabalho com o seu
cultural no contexto da vida cotidiana apon- chefe imediato. Na sua repartição a sua
tam para um fortalecimento dos vínculos de relação pode até se estabelecer apenas através
natureza informal. Podem surgir embates e de petições, cartas formais ou petições, mas
a situação comunicacional se tornar caótica. a produção vai se estabelecer e se fortalecer
Cada vez mais moldamos nossas aspirações realmente é no espaço informal do botequim.
de pertença, nossos modelos de comporta- Os grupos de referência organizacionais
mento, nossos heróis e mitos organizacionais e, em maior intensidade, os grupos de as-
à semelhança (e segundo uma agenda de piração, parecem desempenhar papel relevan-
prioridades) oriunda de nossa vida civil, longe te no novo mosaico de representações soci-
do alcance da estrutura formal de prioridades ais descentradas na organização. Na medida
organizacionais. Cada vez mais se exige em que o indivíduo almeja pertencer e
flexibilidade, criatividade, capacidade e identifica-se com determinado grupo, mobi-
improvisação para se lidar com a adversi- lizam-se suas energias, suas capacidades, sua
dade dentre as habilidades de capacidades do força produtiva. Por outro lado, se tais
ator organizacional, do gerente. Tais carac- mecanismos de atração passam por período
terísticas vão solicitar fundamentos e ener- de rápidas mudanças, perdendo objetividade
gias individuais que estarão fortemente sob o ponto de vista dos interesses da or-
calcados em sua história de vida e não ganização, o processo de mobilização do
necessariamente em seu percurso numa or- indivíduo perde tanto força quanto direção:
ganização específica. É importante lembrar e o seu esforço em sintonia com o conjunto
que esse sujeito da cultura estará sempre em que se insere fica comprometido. Con-
pronto para mudar de emprego ou mesmo figura-se mais um sinal rumo à resistência
diante da possibilidade do desemprego. frente aos propósitos organizacionais e mais
Estará, portanto, dependente do modo de agir, uma fonte de desalinhamento no tecido
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 689

interno a empresa. Essa situação tende a se desdobramentos para a constituição da cul-


intensificar, adicionalmente, já que esta agenda tura organizacional. Na contemporaneidade
de afiliações passa a depender principalmente noções como valores, atitudes, preferências,
do crivo da reflexividade individual, mais do tempo, geração, nostalgia, auto-imagem são
que das conveniências formais e de concepção imprescindíveis para se falar na junção entre
planejadamente produtiva da organização, e comunicação, cultura e organização. As ações
também conta com impressionante grau de dos sujeitos envolvidos e suas percepções do
provisoriedade derivada da mobilidade e va- contexto organizacional em que estão inse-
riabilidade do processo de identificação. ridos redimensionam a questão da relação
Estas conjunturas afetam a constituição indivíduo/organização. Mais precisamente nos
do sujeito, suas formas de relações no to- referimos ao sujeito e seu estatuto no uni-
cante ao afetivo, ao consumo e às formas verso da comunicação organizacional. O
sociais de interação organizacional. Afetam conceito de organização aqui utilizado,
o que chamamos de “estilo de vida”, isto é, embora abrangente, enfoca as relações de
a forma como que o sujeito constrói imagens grupo no contexto empresarial e cultural da
sobre si e sobre as suas afiliações cidade.
organizacionais enfim, seu contexto. Carac- Trabalhamos especificamente sobre as
terizamos o modo como as relações questões relacionadas à constituição e
interacionais se estabelecem rumo a uma desconstrução da noção do sujeito, com foco
construção de valores fundamentais que específico nas formas subjetivas de se iden-
possibilitam o viver em conjunto para se criar tificarem com grupos ou segmentos e suas
o ambiente cultural da organização. potencialidades de inserção organizacional na
Privilegiam-se as novas percepções rela- cultura contemporânea e especificamente na
tivas à autoimagem dos indivíduos e seus identidade cultural de sua cidade.
690 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Bibliografia de Janeiro, Fundação Casa Rui Barbosa,


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Broca, Brito. A Lapa de sempre. 3
Algumas questões aqui levantadas em torno
Guanabara, no. 2, 1966. da identidade foram desenvolvidas no curso do
Francis, Paulo e outros. As grandes professor Eduardo Portela no Programa de Pós-
entrevistas do Pasquim. Rio de Janeiro: Graduação da Escola de Comunicação da Uni-
Codecri, 1975. versidade Federal do Rio de Janeiro, em seu curso
Lopes, Antonio Herculano (org). Entre Modernidade e Contra-Modernidade. Segundo
Europa e África: a invenção do carioca. Rio semestre de 2003.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 691

Comunicação institucional em organização pública.


O caso da Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro – 2001/2004
Lino Martins da Silva e Sonia Virgínia Moreira1

Introdução a um mesmo mundo cultural. Por isso, a


comunicação seria um processo dotado de
No livro Comunicação e cultura – a relativa previsibilidade.
experiência cultural na era da informação,
o autor chama a atenção dos leitores para “É uma relação fundamentalmente
a importância de reconhecermos o que per- intersubjetiva; enraíza-se na experiên-
tence ao domínio da informação e aquilo que cia particular e singular dos
pode ser entendido como experiência interlocutores, fazendo apelo tanto à
comunicacional. Compreender a diferença experiência individual como à expe-
entre informação e comunicação seria impor- riência coletiva que entendem por em
tante porque, comum” (Rodrigues, 1999: 27).

“apesar da planetarização da informa- Comunicação, portanto, seria processo de


ção, assistimos hoje ao recrudescimen- troca simbólica, enquanto informação seria
to dos regionalismos, dos nacionalis- via de mão única – dados do emissor para
mos e dos fundamentalismos, fenô- o receptor utilizando algum meio como canal
menos que parecem resistir à força da mensagem. Dessa forma, da massa de
homogeneizadora da informação pla- informação que nos chega apenas uma pe-
netária, a promover a sua própria quena parte acaba por integrar a nossa
ordem de valores à margem das experiência ‘culturalmente pertinente’.
pretensões universalizantes da ordem
informativa mediática” (Rodrigues, A aplicação prática da teoria
1999: 19).
A partir deste entendimento do que
Sob esse aspecto, os acontecimentos são podemos identificar como informação e como
tanto mais informativos quanto menos pre- comunicação foi desenvolvida a atividade de
visíveis e, portanto, ainda mais inesperados. comunicação institucional adotada pela
Quanto menor for a probabilidade de um Controladoria Geral do Município do Rio de
acontecimento ocorrer, tanto maior será o seu Janeiro (CGM-Rio) no período compreendi-
valor informativo, uma vez que do entre 2001 e 2004. A percepção é de que
os temas relacionados à área de controle
“(...) a informação pertence à esfera compõem-se de dados informativos especí-
da transmissão, entre um destinador ficos, que para a sua circulação em espaços
e um ou mais destinatários, de dados restrito (interno) e amplo (externo) insere
de acontecimentos, de conhecimentos. também processos comunicacionais.
O seu objectivo é um interesse rela- De um lado, a população da cidade do
tivamente independente da experiên- Rio de Janeiro e de qualquer lugar do mundo
cia subjectiva daqueles que informam está informada sobre as contas municipais –
e daqueles que são informados.” uma vez que na página oficial da CGM na
(Rodrigues, 1999: 27). Internet estão disponíveis: a prestação de
contas da Prefeitura do Rio; a relação de
A comunicação, diferentemente da infor- auditorias em andamento ou concluídas; os
mação, envolveria um processo que ocorre padrões de evolução do caixa do Tesouro;
entre duas pessoas dotadas de razão e liber- dados sistematizados em um banco de infor-
dade, entre si relacionadas por pertencerem mações gerenciais – e sobre assuntos
692 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

correlatos, como a legislação pertinente à nistração municipal. Para tanto observa como
área; tabelas de preços de mercado de gê- eixos principais da sua atividade a legalida-
neros alimentícios, de material hospitalar, de de, a legitimidade, a economicidade, a
limpeza, etc, que servem como referência para razoabilidade, a aplicação das subvenções e
todos os setores da administração. a renúncias de receitas.
Por outro lado, além do público geral, Assim está inserida a Controladoria na
segmentos da população – em especial estrutura organizacional da Prefeitura da
auditores, contadores e profissionais que Cidade do Rio de Janeiro, cuja administra-
operam no campo da administração pública ção geral atualmente se distribui por 24
– têm acesso via web a produtos específicos: secretarias, cada uma responsável por campo
o informativo bimestral Prestando Contas, a específico de desempenho. Dependendo das
revista-clipping bimestral na forma de dossiês suas atribuições, algumas secretarias possu-
temáticos, intitulada Fraudes & Corrupção, em departamentos vinculados: são as
e as publicações quadrimestrais de ensaios autarquias, fundações e empresas públicas.
editados com o título de Cadernos da Ao todo, os setores encarregados da execu-
Controladoria, gerados de palestras proferi- ção de inúmeras atividades, projetos e pro-
das por convidados de diferentes áreas do cessos de trabalho somam 50, alguns deles
conhecimento, funções e regiões do país, com órgãos descentralizados, como as 1.029
sempre ancoradas em temas da atualidade que escolas, as 468 creches e as 117 unidades
se configurem como de interesse público. de saúde (postos e hospitais)2.
Entende-se, dessa forma, que a atividade Por reunir tal universo de atuação, a
de comunicação institucional no âmbito do Prefeitura do Rio conta com milhares de
poder público necessitaria dessas duas abor- unidades prestadoras de serviço, que por sua
dagens simultâneas: informativa e vez representam um expressivo universo de
comunicacional. Para fora, dirigindo-se a trabalho para os técnicos da área de controle,
públicos heterogêneos, que inclui tanto o envolvidos em atividades de contabilidade,
cidadão comum como o profissional espe- de auditoria e de informações consolidadas
cialista no setor. Ao adotar tal enfoque tra- de gestão. Assim, os três vértices das
balha também para dentro, incentivando a atividades de controle no município do Rio
participação da equipe técnica em eventos de Janeiro são a Contadoria Geral, a Audi-
internos dirigidos para o âmbito da adminis- toria Geral e a Coordenação Geral de Nor-
tração pública local. mas e Informações Gerenciais.
Ao operar a informação e a comunicação Encarregada da prestação anual de con-
em uma área carente de dados, como é o tas da gestão municipal, a Contadoria Geral
campo do controle no setor público brasi- produz todos os relatórios de execução or-
leiro, a Controladoria Geral atua no parti- çamentária e de gestão fiscal do Município.
cular (difusão das ações de controle das A Auditoria Geral avalia a eficiência com a
contas municipais) em sintonia com a pro- qual são administrados os recursos públicos
pagação do geral (conhecimento das ações e os programas desenvolvidos para atendi-
da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro). mento à comunidade local, com o objetivo
de oferecer para a administração e para os
A Controladoria Geral no âmbito da habitantes da cidade avaliações objetivas,
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro precisas e imparciais dos serviços e ações
prestados pela Prefeitura.
O Rio de Janeiro foi o primeiro muni- Com a inclusão da massa de dados
cípio brasileiro a incluir em sua estrutura relativos à gestão do município no sistema
administrativa um setor dedicado exclusiva- de informações gerenciais, a Controladoria
mente ao controle interno. A Controladoria pretendeu permitir maior nível de delegação
Geral do Município, criada há exatos dez de autoridade aos administradores públicos,
anos, em dezembro de 1993, tem como sem a perda do controle e eliminando a figura
funções principais exercer o controle dos do ‘dono da informação’. A implantação desse
setores contábil, financeiro, orçamentário, sistema teve como objetivo estimular a cri-
operacional e patrimonial de toda a admi- atividade dos usuários e mostrar que resulta-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 693

dos podem ser atingidos tanto pela redução Na função de Estado, a forma de atuação
das despesas como pela utilização eficiente deve estar apoiada em uma metodologia
dos recursos disponíveis. Para a execução própria e permanente, que independa das
desta estratégia foi criada a Coordenadoria políticas de governo para implementá-la ou
Geral de Normas e Informações Gerenciais, mantê-la. Por isso, no exercício dessas fun-
cuja principal atribuição é fornecer à ções deve ser observada a autonomia técnica
Controladoria e aos órgãos estratégicos da e profissional cabendo aos órgãos enquadra-
Prefeitura informações gerenciais consisten- dos nessa função avaliar a implementação das
tes e confiáveis que subsidiem o processo políticas de governo pelos órgãos pertinentes.
decisório e aprimorem os processos internos Em relação à função de Governo, a forma
para alcançar as metas e os resultados al- de atuar varia de acordo com as políticas
mejados. administrativas prometidas ao eleitorado pelo
Do ponto de vista interno, a repercussão candidato vitorioso durante o processo de
do trabalho independente da Controladoria eleitoral. Neste caso, as diretrizes a serem
foi a melhora nos procedimentos administra- praticadas em cada órgão de governo deve-
tivos da execução orçamentária e financeira rão ser aderentes à essas políticas.
e, como conseqüência, a eliminação de perdas Neste contexto, a Controladoria Geral do
e desperdícios. Do ponto de vista externo, Município do Rio de Janeiro é considerada,
a divulgação dos relatórios e demonstrativos no âmbito da Prefeitura, uma função de
por meio da página oficial da CGM na Estado. O que torna imprescindível garantir-
Internet passou a constituir elemento impor- lhe a independência técnica imprescindível
tante de consulta para os interessados em para gerar a credibilidade necessária a um
finanças públicas e controle governamental. órgão avaliador. Desde o seu início, a direção
Alguns avanços do projeto de divulgação dos setores ligados à atividade-fim da
institucional registram-se na maior Controladoria Geral tem sido exercida por
conscientização, por parte dos profissionais técnicos integrantes do seu quadro próprio.
da área de controle, do seu verdadeiro papel. Essa diretriz garante continuidade das ações
Aos poucos, estão sendo abandonadas for- e a imparcialidade requerida para a realiza-
mas burocráticas de controles formais e ção de controle e avaliações.
adotadas medidas de controle de desempe- Assim, as diversas ações desenvolvidas
nho, além da realização de auditorias base- pela Controladoria desde a sua criação con-
adas na análise e na avaliação de riscos das sistem em colocar o setor na vanguarda por
ações administrativas e das políticas públi- meio da utilização de metodologias e instru-
cas. O importante passou a ser “o que não mentos modernos de gestão, que possibili-
pode dar errado”, em lugar de “o que está tem ampliar a atuação do controle por meio
errado”. Com isso, a expectativa é que, no da mudança de foco. O desafio tem sido fazer
futuro, a Controladoria seja de alguma forma com que o controle desloque sua ênfase,
recompensada por ter colaborado para a gradativamente, dos aspectos formais para os
transformação de um setor público melhor aspectos gerenciais, implementando iniciati-
em relação ao atendimento das necessidades vas pioneiras no âmbito municipal.
da sociedade.
Comunicação Social e Comunicação
Funções de Estado X Funções de Governo Institucional

Neste ponto torna-se importante um Ainda que em anos recentes as atividades


destaque: posicionar a Controladoria Geral de comunicação desenvolvidas em organiza-
do Município do Rio de Janeiro na vanguar- ções públicas ou privadas brasileiras tenham
da no setor público municipal adotando passado por inúmeras transformações para
instrumentos de gestão estratégica e apostan- atender demandas das próprias organizações
do numa quebra de paradigma tem sido a ou do seu respectivo público, de uma ma-
meta a nortear, desde a criação da CGM em neira geral o exercício de tarefas conside-
1993, a mudança de foco do controle da radas como de comunicação social inclui
legalidade para a atuação gerencial. algumas ações e práticas comuns. Entre estas
694 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

estão: o atendimento à imprensa (tanto no Selecionados, que se subdivide em assuntos


provimento de informações aos jornalistas correlatos: relatórios do Instituto Brasileiro
encarregados de cobrir aquele setor especí- de Administração Municipal, textos sobre
fico da administração pública como no corrupção, Lei de Responsabilidade Fiscal,
encaminhamento de sugestão de pautas de análises de conjuntura, Grupos de Estudos
assuntos internos julgados como de interesse Técnicos, gestão do conhecimento, apresen-
para a coletividade); a produção do que no tações de técnicos da CGM em eventos e
Brasil é chamado de house organ (publica- canal aberto – área criada para que profis-
ções que circulam internamente geralmente sionais externos possam enviar textos ou
na forma de boletins e que, como tais, estão apresentações para inserção na página.
direcionadas basicamente para assuntos re- Parte do material atualizado de modo
lacionados ao cotidiano dos profissionais que permanente no endereço oficial na web
integram a organização); outras atividades de também é editada em volumes para circu-
rotina, como a manutenção de murais infor- lação restrita (caso dos Relatórios de Audi-
mativos, produção artesanal de folder e ência Pública, de fluxo contínuo, com três
cartazes, etc. edições a cada ano) ou ampliada (como o
A opção por uma abordagem da área de volume Manual de Normas e Procedimentos
comunicação com ênfase na característica de Controle Interno, distribuído entre os
institucional representou, no caso específico setores da Controladoria e secretarias de
da Controladoria Geral do Município do Rio, finanças ou de controle de várias capitais
uma experiência para adequar o conteúdo brasileiras).
(controle interno municipal) às formas de
divulgação disponíveis (impressa e digital), 2 • Produção editorial: mídia impressa e
para além das atividades entendidas como eletrônica
básicas para a comunicação social.
A proposta de acrescentar dados de - Pauta, apuração e redação do informa-
conjunturas nacional e internacional, em tivo Prestando Contas. Diferente do house
especial nos campos da economia e da organ, a publicação tem distribuição princi-
administração pública, às informações de palmente externa. Por essa razão, aborda
conteúdo característico (demonstrações temas que sejam de interesse geral, não se
contábeis, auditorias, informações gerenciais) limitando à cobertura de pautas exclusivas
e de serviço (tabelas de preços de mercado da administração, que por sua vez também
para produtos de consumo regular) pode ser fazem parte do informativo, com enfoque
considerada um dos elementos que melhor direcionado a públicos variados.
definem a atividade diferenciada nas tarefas - Identificação de temas, seleção de
de ‘comunicação institucional’, em compa- notícias e organização de recortes de mate-
ração com o que tradicionalmente entende- rial publicado em seis jornais diários e duas
se como ‘comunicação social’. revistas de circulação nacional, que compõem
O desenho adotado para operacionalizar a série da revista-clipping Fraudes & Cor-
o trabalho de comunicação institucional na rupção, apresentada na forma de dossiês
Controladoria implementado no período monotemáticos.
compreendido entre 2001 e 2004 atendeu aos - Transcrição de original em áudio de
seis pontos que seguem. palestras, adaptação da linguagem oral para
a linguagem escrita, edição e revisão do texto
1 • Identidade de conteúdo: final que compõe cada edição dos Cadernos
da Controladoria.
Organização e classificação de material - Conversão de dados em gráficos,
informativo para divulgação via Internet, em diagramação e editoração de relatórios resu-
especial aquele relacionado à atividade-fim midos das contas anuais do município, que
da Controladoria recebido dos diversos resulta na série intitulada Prestação de Contas
setores operacionais, como prestação de Simplificada.
contas, auditorias e normas. A estas infor- Interessante observar que todas as edi-
mações acrescenta-se a seção intitulada Textos ções mencionadas estão reunidas na página
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 695

oficial da Controladoria na web, produzidas trole em geral e do status do controle pú-


para circular simultaneamente nas versões blico no Brasil.
impressa e digital. - Pasta própria para acondicionar infor-
mações institucionais e publicações: dados
3 • Organização de eventos sobre a estrutura da Controladoria (resumo
de cada setor), organograma e publicações
- Seminários da Controladoria – de (edições recentes de Prestando Contas, Frau-
periodicidade quadrimestral, com palestras de des & Corrupção e Cadernos da
profissionais de áreas diversas, convidados Controladoria).
para apresentações à equipe técnica da
Controladoria e representantes das secreta- 6 • Edições Especiais
rias e empresas do município, sobre temas
atuais de conjuntura geral ou econômica. Aqui Parte das atividades de comunicação
se identifica um diferencial da comunicação institucional tem origem em demandas pon-
institucional, em que a geração de informa- tuais, como a edição do livro Controladoria
ção constitui elemento essencial e contribui 10 Anos, produzido em 2003 para marcar a
para a formação dos técnicos da área de primeira década do setor. As edições espe-
controle, principais destinatários desse tipo ciais também abrangem iniciativas diversas
de acesso. da Controladoria, caso da edição e editoração
- Jornada Brasileira de Controle Interno dos Anais da Jornada Brasileira de Controle
– de periodicidade eventual, a mais recente Interno, reunindo todas as palestras do even-
foi realizada em dezembro de 2003 pela to. Compreendem ainda a edição de produ-
Controladoria Geral em conjunto com o ções internas para distribuição externa, caso
Conselho Regional de Contabilidade do Rio dos volumes Guia dos Gestores de Recursos
de Janeiro. O evento reuniu cerca de 400 Públicos e Planejamento Estratégico para
profissionais de diversas regiões do país, de Priorização das Auditorias – Auditora base-
organizações públicas e privadas. O tema ada em risco. Os três últimos estão atualmente
central da 5ª Jornada, que contou a partici- em fase de produção.
pação de 14 palestrantes de diferentes áreas,
foi “Auditoria: uma abordagem Conclusão
interdisciplinar, aspectos relevantes para o
setor público”. De todas as iniciativas de comunicação
institucional previstas para desenvolvimento
4 • Identidade Visual: papelaria, peças de no período de quatro anos, duas carecem de
divulgação, material de apoio, sinalização implementação neste momento: a versão em
A área de comunicação produz material inglês e espanhol de seções exclusivamente
institucional (apresentação gráfica e institucionais da página na Internet (dados
multimídia); papelaria (padronização gráfica sobre a controladoria, estrutura e os textos
para memorandos, ofícios, comunicados, de introdução de cada área específica –
cartões); peças de divulgação (cartazes, folder, auditoria, prestação de contas, etc); e a
cartões virtuais); apoio gráfico (desenvolvi- produção de vídeo institucional com dez
mento de modelo para relatórios, cursos); minutos de duração, com roteiro, gravação
sinalização (atualização e manutenção das e montagem a serem desenvolvidos pela
placas, painéis e avisos internos). equipe da MultiRio, empresa municipal li-
gada à Secretaria de Educação, a partir de
5 • Divulgação interna e externa material fornecido pela Controladoria Geral.
Em linhas gerais, uma evidência é a de
- Apresentação institucional: roteiro em que o formato de comunicação institucional
power point com o resumo das principais adotado pela Controladoria Geral do Muni-
áreas de atuação da Controladoria, em telas cípio do Rio de Janeiro funciona como
elaboradas a partir do material referente à recurso possível para agregar valor informa-
Controladoria Geral que consta da página na tivo em uma área que, por sua vez, reúne
Internet e de dados sobre sistemas de con- conhecimento e conteúdo específicos: con-
696 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

tabilidade e administração pública. Isso foi dinheiro); a seleção de matérias publicadas


possível, em boa parte, pela facilidade de em jornais e revistas e a sua reunião em
acesso a ferramenta de grande utilidade para dossiês que, organizadas tematicamente, são
os gestores públicos: a Internet. focos de interesse para o corpo técnico e para
Além disso, a produção editorial que pesquisadores, com distribuição externa
circula em praticamente todos os estados centrada principalmente em órgãos públicos
brasileiros (aqui representados pelas secre- e universidades; e o acesso médio atual de
tarias municipais de controle ou de finanças 1.130 visitantes/dia, do Brasil e do exterior,
das principais capitais ou cidades de grande à página oficial na web são exemplos con-
porte); a realização regular de palestras que tribuem para fornecer uma dimensão precisa
trazem para o ambiente da Controladoria do alcance do material institucional produ-
temas de interesse regional, nacional ou zido e divulgado pela Controladoria Geral
mesmo internacional (caso da lavagem de do Município do Rio de Janeiro.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 697

Bibliografia Rodrigues, Adriano Duarte. Comunica-


ção e Cultura, a experiência cultural na era
Brittos, Valério (org). Comunicação, da informação. Lisboa: Editorial Presença,
informação e espaço público. Rio de Janei- 1999.
ro: Papel & Virtual, 2002.
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_______________________________
Internet e política, teoria e prática da de- 1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
mocracia eletrônica. Belo Horizonte: Edito- Controladoria Geral do Município
ra UFMG, 2002. 2
Fonte: Rio Informa 2000.
698 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 699

Comunicação Estratégica:
Aplicação das Ideias de Dramaturgia, Tempo e Narrativas
Luís Miguel Poupinha1

Estórias e Comunicação das Organizações sibilidades que os media têm de interferir no


quotidiano das sociedades, das comunidades
Em certas perspectivas, a Comunicação e dos seus membros, seja pela possibilidade
das Organizaçõees remete para uma noção de determinar tanto os temas a considerar,
de “storytelling”, de narrativas ou, ainda e seja pela possibilidade de colocar em circu-
noutro contexto conceptual, de dramaturgia, lação conteúdos e formas que surgem da ou
assumindo uma lógica representacional de- vão para a sociedade (teoria cultural), ideias
liberada dos meios e dos discursos pelos quais apresentadas tanto em perspectivas
a existência da organização e os seus assun- conducentes à optimização da acção comu-
tos são comunicados. Esta ideia assenta na nicativa quanto da análise crítica e
premissa de que a acção da Comunicação Es- desconstrutiva efectuada relativamente à
tratégica nas Organizações é, antes do mais, acção mediática.
uma actividade de representação construída Dado esse poder da acção mediática de
a partir da percepção dos indivíduos acerca interferir na sociedade e nas suas relações,
dos factos em seu redor, permitindo consi- foi lógico que os actores organizacionais
derar o que Weber afirma desde o princípio gerassem funções de relacionamento com a
da Sociologia como a acção humana orien- imprensa, num dado momento (daí o valor
tada pelo e para o sentido. histórico de Ivy Lee) assim como, mais tarde,
Esse storytelling é típico da actividade o surgimento de serviços especializados nessa
jornalística e a actividade jornalística está, função: boa parte desses serviços oferecidos
em grande medida, na génese das Relações por uma agência de comunicação ou por um
Públicas, no modo como na modernidade as gabinete de Relações Públicas se centram em
organizações de maior escala tiveram a ne- redor da relação com os meios de Comu-
cessidade de definir funcionalidades nicação Social: assessoria de imprensa,
organizacionais que respondessem ao adven- comunicação de crise, clipping, entre outros.
to de uma sociedade em vias de massificação Contudo, a comunicação nas organizações
e que tomava contacto com a realidade não se limita a essa ideia de contar a estória
circundante em larga medida a partir dos para o exterior, ou tentar que a contem pela
grandes meios de comunicação social. Esta organização, mas implica ainda a definição de
relação entre meios e sociedade é represen- representações de pendor narrativo para o
tada nas primeiras grandes teorias da Comu- interior daquela. Daí os boletins internos e as
nicação de Massas pela noção de “bullet suas notícias, num processo de criação oficial
theory”, assumindo a capacidade de os meios de uma realidade social que tem tanto de pontual
de comunicação estimularem directamente, (aquela notícia, aquela entrevista) como de algo
pelas suas mensagens, uma massa vasta de em permanente construção, se tomarmos em
indivíduos que então reagiriam quase de conta uma focagem mais vasta sobre, por
imediato e em função dos conteúdos das exemplo, todos os textos que foram publicados
mensagens compostas pelos mediadores. O ao longo de um ano no boletim interno. Depois,
modelo implica a assumpção do poder dos para além destes meios de comunicação,
media no direccionamento das reacções dos existem outros meios de comunicação nas
indivíduos. organizações que, pela sua natureza descritiva,
Com o decorrer do tempo, e fruto tanto implicam um contar “o que foi”, “como se está”,
da pesquisa entretanto desenvolvida quanto “o que se pretendia”, “quais os obstáculos”
das mudanças sociais ocorridas, a perspec- “quais os parceiros”, “qual o método”: propos-
tiva alterou-se, mas nunca sem alterar as pos- tas e relatórios de trabalho.
700 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Para além dos processos oficiais e registáveis mente referida de Issues Management, po-
de trabalho ou, recorrendo à noção de Débray, dem ser de maior ou menor relevância para
dos vestígios relativamente fixos e duros que a organização, consoante o impacto que
perduram no tempo, existe uma outra dimensão possam impor-lhe.
onde as estórias circulam, em relação com a Os assuntos, para Heath, têm um ciclo
dimensão narrativa oficial da organização. No de vida e esse ciclo oferece fases próprias
filme “A Comunicação Interna”, a relação de de algo que tem vida: nascimento, crescimen-
quase confronto entre estas duas dimensões é to, emergência, queda, dormência, numa
visível no modo como se tenta resolver o hiato relação com a escala do seu impacto social
entre a versão dos acontecimentos ou seja, a medida em que se vão tornando
organizacionais dos gestores e a (s) versão (ões) públicos com referência a um universo de
dos colaboradores, por via de um incorrecto uso indivíduos aos quais eles dizem respeito. A
de meios de comunicação interna que não lógica do Issues Management, que pode ser
conseguiram evitar a especulação e tão só isso, uma lógica de trabalho, implica
sobreinterpretação dos acontecimentos. pois tanto a capacidade de reacção a assun-
Nessas histórias que circulam, nessas tos que já assumiram impacto nos públicos
narrativas que se vão produzindo e reprodu- da organização quanto a capacidade de
zindo consoante as lógicas próprias às re- antecipação e proacção da organização e dos
lações sociais e às capacidades próprias dos seus actores sobre assuntos que ainda não
indivíduos em estruturarem as versões dos o são em pleno para as audiências. Na referida
seus interlocutores, os acontecimentos são classificação, toma-se também em conta a
narrados e os indivíduos são representados, fase dormente, no sentido em que de algum
assumindo o valor de personagens numa modo a vida de um assunto tem um ponto
acção que se vai perpetuando, cabendo a cada final ou, pelo menos, um momento de saída
um os seus papéis e a todos os que narram das zonas de atenção dos públicos.
a estória uma função própria dentro de uma Aqui, de algum modo, destrinça-se três
certa ideia de intertextualidade na rede de tempos neste processo: o que pode ser, o que
relações sociais no interior da organização. pode vir a ser e o que foi. Esta é também
a lógica do filósofo Charles S. Peirce, no
Assuntos modo como aborda os signos, entendidos
como as coisas do mundo que existem para
De que se fala nas organizações, para o os indivíduos. De algum modo, a realidade
interior e para o exterior, seja em processos que cerca os indivíduos. Os assuntos, tam-
de comunicação interna, de patrocínio, de bém.
relações com Comunicação Social, sites, em
todos os momentos? De tudo. Esse tudo Primeiro, Segundo, Terceiro: o que pode
implica um sistema temático que pertence ao ser, o que está a ser, o que ficou estabe-
universo da organização. Na área de espe- lecido
cialidade das Relações Públicas denominada
como “issues management” encontramos uma O valor da narratividade organizacional
resposta para essa multiplicidade temática da ou das estórias em que a existência desta é
organização: a actividade desta é composta configurada remete, se combinada com as três
por diversas vertentes, essas vertentes por categorias de Peirce: Primeidade,
diversos aspectos. Para além disso, existe Secundeidade, Terceidade. Em resumo,
também um ambiente, recorrendo à teoria de Primeidade implica um valor de potenciali-
sistemas, ambiente esse decomponível em dade daquilo que Wittgenstein chama o estado
diversos aspectos pela análise estratégica da de coisas. Secundeidade remete para a noção
gestão das organizações como, por exemplo, do que se encontra a decorrer; Terceidade
através da análise PEST (Factores Políticos, é a zona das versões estabelecidades sobre
Económicos, Sociológicos, Tecnológicos). o que aconteceu, mesmo que potencialmente
Dentro dessas grandes classificações em mudança ao longo do tempo.
temáticas, existem assuntos mais específicos, Dentro desta sequência, estórias
assuntos esses que, na perspectiva anterior- organizacionais, funcionalidade comunicati-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 701

va e estrutura de assuntos a abordar nessa d. Ponderação e preparação estratégica


composição actorial e narrativa do viver dos modos como se pretende ou como podem
organizacional, a destrinça a partir das ló- vir a ser representados no futuro tanto os
gicas de Peirce permitem a estruturação das actores quanto os assuntos expostos nas
representações dos assuntos organizacionais histórias;
a três níveis, assumindo: e. Análise e interpretação da acção dos
a) uma zona de estórias estabelecidas, narradores (por exemplo, jornalistas e
visíveis nos “históricos” dos recortes da comunicadores organizacionais).
organização; Neste sentido, e nesta valorização
b) uma zona de estórias em movimento, aplicativa da acção comunicativa organiza-
visíveis nos projectos e respectiva acção de cional a partir dos conceitos apresentados,
comunicação da organização no momento verifica-se uma construção primeira das
presente; possibilidades de uma meta-linguagem que
c) uma zona de estórias potenciais, re- pode permitir um mapeamento, obviamente
lativas a: estratégico, do valor da organização e dos
a. assuntos que façam parte da estratégia seus assuntos ao longo do tempo, estruturando
da organização e que impliquem tratamento e fazendo significar uma existência aparen-
futuro e a planear; temente descoordenada da narração relativa-
b. assuntos que possam estar a fazer parte mente aos assuntos organizacionais através
ou que já tenham existido na existência da perspectiva humana primária de existên-
narrada da organização, mas que em algu- cia em relação ao tempo (Passado, Presente,
mas das suas dimensões não estarão a fazer Futuro) quanto ainda da perspectivação do
parte do domínio público, circulando em trabalho estratégico: análise do passado,
espaços privados de relação e conhecimento controle e interpretação do presente, prepa-
(como, por exemplo, assuntos em “off-the ração do futuro.
record” ou informações que circulação
embora sem confirmação legal ou oficial); Conclusões?
Nesta sequência de ideias, a organização
enquanto estória oferece hipóteses potenciais Perspectivada consoante apresentada
de tratamento, a partir de uma estruturação atrás, a Comunicação nas Organizações re-
de trabalho que se pode basear nas seguintes mete para a ponderação do seu carácter
premissas: construído de modo narrativo, considerando
a) Três dimensões da existência das que acima de tudo se representam realida-
organizações e dos seus assuntos num espa- des e se contam “estórias” acerca dos seus
ço de representações composto por diversos factos e, de modo mais lato, dos seus
palcos: “media” (ou “medium” específicos), assuntos, Essa narratividade implica em
publicações organizacionais, referências “net” algum grau aspectos de dramaturgia orga-
e outros, segmentando essas possibilidades nizacional, no sentido em que se compõem
classificatórias por critérios operacionais quadro de autoapresentação da organização
(custo, assunto vs. alvo vs. meio); para utilização pública, em “frontstage”,
b) Referências de análise a partir de opondo-se esta noção à ideia de “backstage”,
noções típicas da análise narrativa, como de comportamentos menos construídos e
sejam: menos direccionados para a valorização
a. Valor semântico das estórias contadas, pública da organização. Deste modo, e
com expressão em indicadores semânticos assumindo essas duas esferas de acção
(por exemplo, a análise de “key words”) comunicativa das organizações (“backstage”
b. Análise e interpretação do valor pú- e “frontstage”, privada e pública), relacio-
blico de um assunto, tanto ao nível do na-se com elas a evolução das estórias
passado, quanto do presente quanto das relativas às organizações, no modo como
possibilidades futuras; transpõem a barreira entre um lado e outro,
c. Análise da evolução dos actores ao assumindo que a dimensão pública é a da
longo das estórias, no sentido da averiguação existência oficialmente válida das versões
da sua caracterização; da realidade.
702 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Nesse sentido, a comunicação das Orga- A partir daqui, a noção de Comunicação


nizações apresenta três tempos de existência assume o valor de Comunicação Estratégica,
dos conteúdos circulantes, tomando em conta no sentido em que se debruça sobre as
a distinção de Peirce: um tempo Potencial, um representações circulantes, contadas, relati-
tempo Actual, um tempo relativo às narrativas vas à organização e, obviamente, às crenças
estabelecidas, considerando as possibilidades de que lhe são relativas, ligando ao que afirma
mutação dos assuntos e da sua circulação tanto Soros relativamente ao valor das crenças na
na esfera pública quanto privada. construção da coisa económica.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 703

Bibliografia Hallahan, Kirk (2001) “The Dynamics


of Issues Activation and Response: An Issues
Cheney, George (1992) “The Corporate Process Model”, Journal of Public Relations
Person Represents Itself” in Toth, Elizabeth, Research, vol. 13., n.1 27-59.
Heath, Robert (eds.) Rhetorical and Critical Peirce, Charles S. (s.d.); Semiótica e
Approaches to Public Relations; Hillsdale: LEA. Filosofia; S. Paulo: Cultrix.
Goffman, Erving; A Apresentação do Eu Poupinha, Luís (2000) Theatre
na Vida de Todos os Dias, Lisboa: Relógio Perspectives in Public Relations, in NIZNIK,
d’Água. Józef, WOLSTEHOLME, Sue (eds.) Public
Godet, Michel (1993) Manual de Relations Education in Europe-Looking For
Prospectiva Estratégica, Lisboa: Publicações Inspirations;Warsaw-Brussels: Ifis Publishers.
D. Quixote.
Grunig, James (1984) Managing Public
Relations; Hillsdale: Harcourt, Brace _______________________________
1
Jovanovich. Instituto Superior de Novas Profissões.
704 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 705

Cátedra Unesco/Umesp e seu papel articulador no cenário da comunicação:


desafios no século XXI1
Maria Cristina Gobbi2

Introdução É neste sentido que as ações desenvolvi-


das pela Cátedra Unesco/Umesp têm buscado
A Cátedra Unesco de Comunicação para consolidar e privilegiar o ensino, a pesquisa
o Desenvolvimento Regional está sediada na e a extensão, valorizando do trabalho de
Universidade Metodista de São Paulo – pesquisa e do desenvolvimento científico.
Umesp -, desde o ano de 1996. Seu propó- As atividades de ensino realizadas pela
sito é estimular o intercâmbio entre a aca- Cátedra Unesco/Umesp têm por objetivos
demia e os setores empresarial/profissional, promover uma permanente reflexão sobre os
tanto nacional como internacionalmente. mais importantes e atuais temas da Comu-
Voltada para os propósitos de formação no nicação Social.
contexto universitário e na prática profissi- Com o objetivo de estimular o contato
onal de pesquisadores e estudiosos da comu- dos alunos da Pós-Graduação e da Gradu-
nicação, desenvolve suas atividades tendo por ação em Comunicação Social com outras
base o tripé que caracteriza o aprendizado, culturas, a Cátedra Unesco/Umesp também
ou seja, “Ensino, Pesquisa e Extensão”. Esses recebe pesquisadores de outros países, pos-
fatores têm permitido o desenvolvimento de sibilitando uma maior integração dos estu-
um núcleo permanente de reflexão e ações dantes com a área de Comunicação Social.
sobre a área da Comunicação Social. Desta Essas atividades permitem a ampliação do
forma, as atividades realizadas pela Cátedra espaço-ação e um maior conhecimento das
Unesco/Umesp têm contribuindo para a pesquisas que estão sendo desenvolvidas em
preservação das identidades culturais naci- todos os continentes.
onais/regionais. Quando o professor José Marques de
Melo recebeu da Unesco - Organização das
Inserida em um cenário global, pela Nações Unidas para a Educação, Ciência e
amplitude das ações que realiza, mas, Cultura – a autorização para implantar no
ao mesmo tempo, tem funcionado Brasil uma Cátedra de Comunicação, definiu
como articuladora e incentivadora dos que esse espaço teria como função básica o
processos comunicacionais ocorridos intercâmbio entre o mundo acadêmico e os
nas micro e macro regiões do Brasil setores empresarial/profissional, bem como
e da América Latina, reforçando o propiciaria a cooperação internacional no
nosso perfil regional de desenvolvi- campo da comunicação de massa. É neste
mento. sentido que a Cátedra Unesco/Umesp vem
desenvolvendo suas atividades.
A busca de respostas para questões que Existem atualmente 26 Cátedras Unesco de
abrigam as diferenças entre as localidades e Comunicação em todo mundo, que conformam
os constantes desafios de se constituir um uma rede chamada Orbicom–– Word Network
espaço mais ou menos homogêneo, eleva a of Unesco Chairs in Communication. Dessas,
possibilidade de ações conjuntas e comple- seis estão localizadas na América Latina: Brasil,
mentares nas áreas comunicacionais, tanto Colômbia, México, Uruguai, Chile e Peru.
locais quanto regionais. O desafio desta
transformação tem permitido ultrapassar as Estrutura técnica/organizacional
próprias fronteiras geo-culturais e visualizar
um conjunto global de atividades, predomi- A Cátedra Unesco/Umesp está instalada
nando o sentimento de cooperação e de no campus Rudge Ramos, da Universidade
integração global/nacional/regional. Metodista de São Paulo, Brasil.
706 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Na estrutura da Universidade, a Cátedra realiza e das publicações que disponibiliza


encontra-se vinculada à Reitoria da Umesp, tem propiciado à disseminação dessa produ-
sendo academicamente integrada ao Progra- ção nas universidades brasileiras, estimulan-
ma de Pós-Graduação em Comunicação Social, do a experimentação de novos modelos
da Faculdade de Comunicação Multimídia, comunicacionais sintonizados com as deman-
interagindo também com as demais unidades das da sociedade contemporânea.
de ensino da área comunicacional: Faculdade Do mesmo modo espera formar recursos
de Jornalismo e Relações Públicas e Facul- humanos e realizar pesquisas para atender às
dade de Publicidade, Propaganda e Turismo. carências pedagógicas da rede nacional de
O Catedrático, Prof. Dr. José Marques de faculdades de comunicação, sensibilizando ao
Melo é doutor em Ciências da Comunicação mesmo tempo os dirigentes/profissionais da
e livre-docente em Jornalismo pela Univer- indústria midiática para o fortalecimento da
sidade de São Paulo, e Catedrático Unesco cidadania.
de Comunicação da Universidade Autônoma Demonstrando capacidade de mobilização
de Barcelona (Espanha). acadêmica a Cátedra Unesco/Umesp vem for-
Conta também com diversas equipes de talecendo os eixos do ensino, da pesquisa e da
apoio às atividades realizadas. Dentre elas extensão através das diversas atividades que
destacamos: realiza. Ancorada no Grupo Comunicacional de
Equipe Consultiva: Integrada por perso- São Bernardo, cuja abrangência extrapola o
nalidades legitimadas pelas comunidades território universitário em que se enraíza his-
acadêmica e profissional da área de Comu- toricamente. Buscando ampliar esse campo de
nicação Social, das quais os Profs. Drs. Isaac atuação foram estabelecidas diversas parcerias
Epstein e Sandra Reimão pertencem ao qua- com outras universidades, prefeituras municipais,
dro docente da Umesp. Os demais integrantes empresas públicas e privadas, sociedades cien-
são pesquisadores, profissionais ou empresá- tíficas, organizações não-governamentais e pes-
rios vinculados a outras instituições nacionais. quisadores independentes.
Triênio 2003/2006 – Prof. Dr. Belarmino César A demonstração de nossa capacidade de
Guimarães da Costa – Universidade Metodista realização acadêmica está bem explícita neste
de Piracicaba - UNIMEP (Piracicaba – SP); artigo, quer pela variedade de atividades ou
Profa. Dra. Sonia Virginia Moreira – Univer- pelas parcerias e publicações realizadas.
sidade Estadual do Rio de Janeiro - UFRJ; Abaixo disponibilizamos uma breve des-
Profa. Dra. Desirée Rabello – Universidade crição das principais atividades realizadas.
Federal do Espírito Santo - UFES; Jornalista
Sérgio Gomes, Diretor da ONG Oboré Co- Atividades Ensino
municações e Artes – SP; Editor Antonio Seminários Nacionais
Costella, Diretor da Editora Mantiqueira –
Campos do Jordão – SP. Dentre as atividades realizadas destaca-
Equipe Executiva: Integrada por docen- mos os seminários – Unescom - Seminário
tes/pesquisadores/funcionários pertencentes de Divulgação das Pesquisas do Grupo
ao quadro permanente da instituição-sede: Comunicacional de São Bernardo - que
Diretor Titular: Prof. Dr. José Marques de aconteceram mensalmente, durante o perío-
Melo; Diretora Suplente – Profa. Dra. Maria do letivo, no campus da Umesp. Dedicado
Cristina Gobbi, Assistente Acadêmica: aos alunos de mestrado, doutorado e
Damiana Rosa de Oliveira; Estagiárias: Keila graduandos, as atividades contribuem para a
Baraçal e Larissa Didone. integração entre Graduação e Pós-Graduação,
visando estimular a iniciação, a pesquisa
Fortalecimento acadêmico científica e o conhecimento das linhas de
pesquisa do Programa de Pós-Graduação em
Tem merecido nossa atenção o conheci- Comunicação da Umesp.
mento produzido pela Escola Latino-Ameri- Os temas escolhidos nos diversos encon-
cana de Ciências da Comunicação - tros buscaram estreitar os laços entre pesqui-
ELACOM. Neste sentido a Cátedra Unesco/ sa e atualidades, permitindo a graduandos e
Umesp através das diversas atividades que pós-graduandos desenvolverem o saber
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 707

midiático de forma participativa, em uma troca nidades para a participação dos alunos em
constante de conhecimentos e experiências. eventos internacionais, realizados e/ou apoi-
Deste modo a Cátedra Unesco contribui para ados pela Cátedra Unesco/Umesp.
a excelência na formação dos estudantes.
Regiocom – Curso Internacional de Comu-
Seminários, cursos, reuniões e workshops nicação para o Desenvolvimento Regional
internacionais
Cursos anuais de aperfeiçoamento para
Com o objetivo de permitir o contato dos docentes, pesquisadores e profissionais, ca-
alunos da Pós-graduação e da Graduação em pacitando-os para a implementação de po-
Comunicação Social com outras culturas, a líticas democráticas de comunicação. Esse
Cátedra Unesco/Umesp abre um espaço para encontro, realizado anualmente, também
receber pesquisadores de outros países. Essas busca estimular a presença de professores-
atividades possibilitam uma maior integra- visitantes, oriundos de outros países/regiões,
ção entre estudantes brasileiros e de outros incrementando o intercâmbio cultural como
países, permitindo o conhecimento das pes- forma de coexistência pluralista, de solida-
quisas que estão sendo desenvolvidas nos riedade humana e de fortalecimento da paz.
vários continentes. Também oferece oportu- Os encontros já realizados foram:

Ano Temática
1996 - I Regiocom Comunicação, Informação e Políticas Públicas
1997 - II Regiocom Comunicação Regional Comparada
1998 - III Regiocom Fluxos Midiáticos Regionais no Brasil
1999 - IV Regiocom Rádio, Cidadania e Serviço Público
2000 - V Regiocom Televisão Comunitária
2001 - VI Regiocom Comunicação e Turismo: perspectiva para o desenvolvimento regional
2002 - VII Regiocom Mídia Local
2003 - VIII Regiocom Mídia Regional em tempo de Globalização
2004 - IX Regiocom Mídia Glocal: a comunicação cidade-mundo

Parceria com a Revista Imprensa Atividades de pesquisa

O espaço aberto pela revista Imprensa à Essas atividades objetivam promover es-
pesquisa, fruto do empenho do professor José tudos destinados a diagnosticar o estágio atual
Marques de Melo, tem facilitado o intercâm- de desenvolvimento da indústria da comu-
bio e diminuído a distância entre a teoria e nicação e detectar o grau de sintonia par-
a prática. tilhado em relação às demandas coletivas.
Entre as pesquisas realizadas, destacamos:

Pesquisas realizadas
Imagens Midiáticas do Natal 1996: o primeiro projeto de pesquisa realizado pela Rede Nacional de
Pesquisa Comparativa (RNPC/N). O estudo contou com a integração de pesquisadores de todo o Brasil.
O objetivo foi desenvolver estudos sobre os impactos globais nas identidades regionais da cultura
brasileira, através da observação de jornais editados nos pólos nacionais, nos macro-regionais, nos pólos
meso-regionais e micro-regionais, além de contar com colaboradores que observaram como a televisão,
o rádio, a imprensa feminina, a imprensa católica, e a imprensa evangélica tratam o assunto.
Perfil da Imprensa Regional de São Paulo: Tratou-se de um estudo comparativo do perfil da imprensa
regional paulista com os jornais brasileiros de prestígio nacional, durante uma semana (21 a 27 de maio
de 1996).
Memória das Ciências da Comunicação no Brasil: estudo desenvolvido sobre o perfil do cientista e as
tendências da comunicação existentes nas sociedades científicas, através de levantamento realizado na
Intercom e Compós. A conclusão gerou a publicação: Memória das Ciências da Comunicação no Brasil:
o grupo gaúcho editado pela EDIPUCRS, Porto Alegre.
708 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Histórias de vida: este projeto também contempla também a reconstituição das histórias de vida de alguns
cientistas mais destacados no conjunto da comunidade científica, na área de comunicação, pertencentes
a Escola Latino-americana. Trata-se de esforço empreendido em duas etapas: a) elaboração de perfis
bio-bibliográficos dos principais cientistas brasileiros da comunicação; b) coleta de depoimentos desses
protagonistas, a maioria dos quais ainda está viva e em plena atividade intelectual. Está em fase de edição
um CDRom contendo os perfis bio-bibliográficos de pesquisadores representativos de diferentes gerações
dos Grupos Comunicacionais Paulistas, bem como o desenvolvimento da Enciclopédia do Pensamento
Comunicacional na América Latina.
História da difusão do Pensamento Latino Americano no Brasil: o papel das revistas de ciências da
comunicação. Este esforço apontou como os pensadores brasileiros assimilaram as idéias importadas e
as transformaram em idéias inovadoras sintonizadas com as identidades mega-regionais, inserindo se na
escola latino-americana ou perfilam se como discípulos das escolas européias e norte-americanas.
Imagens midiáticas do Carnaval Brasileiro: a celebração popular dos 500 anos do Brasil. Realizada com
uma rede de 90 pesquisadores brasileiros e de outros países, procurou estudar o modo pelo qual a
imprensa Brasileira e Internacional faz a cobertura do Carnaval Brasileiro, por meio de registro de
informações e análise.
O Mercosul na imprensa do Mercosul: Análise da imprensa escrita na efetiva consolidação do Mercosul.
Participaram os países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
Saúde na mídia: integrante da Rede Comsalud, a pesquisa investigou as bases empíricas para
compreender a complexidade da relação saúde e comunicação, e em especial de como os próprios
profissionais do setor de saúde podem ser agentes facilitadores da tarefa de comunicar a sociedade.
Dicionário Bio-Bibliográfico dos pesquisadores Brasileiros das Ciências da Comunicação: Procurou
recolher informações num dicionário sobre vida e obra de pesquisadores do Pensamento Comunicacional
Brasileiro, pioneiros e pesquisadores recentes, com o objetivo de difundir e facilitar o acesso de estudantes
às informações.
Enciclopédia on line do Pensamento Comunicacional na América Latina: com os mesmos objetivos do
dicionário, procura montar um guia de consulta sobre o Pensamento Comunicacional Latino-Americano,
no intuito de recolher o maior número possível de informações sobre publicações, pesquisas e resultados.
Acervo do Pensamento Comunicacional Latino-Americano “José Marques de Melo”: trata-se de um acervo
documental, disponível na Cátedra Unesco/Umesp, com aproximadamente 10 mil volumes entre livros,
documentos, fitas de vídeo, revistas, fotografias, fitas, entre outros. O principal objetivo é ser um espaço
de referência na pesquisa em Comunicação da e para a América Latina.
A produção acadêmica da Umesp: trata-se de inventário das dissertações de mestrado defendidas no
Programa de pós-graduação em comunicação social da Umesp, no período de 1981/1996. O projeto está
sob a coordenação da prof.a. Anamaria Fadul e consta do levantamento de 400 dissertações e 32 teses,
defendidas até fevereiro de 2004, indexadas na base de dados construída a partir do software microisis.
A pesquisa (em fase de correção e aperfeiçoamento dos dados obtidos relativos aos macros-descritores)
servirá para classificar através dos índices dos Thesaurus da Unesco.
Identidade da imprensa brasileira no liminar do século XXI: o projeto corresponde a um estudo comparativo
dos jornais diários de prestígio nacional e regional do Brasil. Trata-se de estudo comparativo entre a mídia
impressa e digital.
Festas populares como processos comunicacionais: pesquisa realizada em 2001 pelos integrantes da
Rede Folkcom. Seus resultados foram apresentados durante a IV Conferência Brasileira de
Folkcomunicação, realizada no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Perfil dos Grupos Comunicacionais Paulistas: realizada no primeiro semestre do ano 2000 foi elaborado
um mapeamento dos Grupos Comunicacionais Paulistas, considerando as seguintes regiões: Butantã;
Perdizes: São Bernardo; Barão Geraldo; Avenida Paulista; Santo Amaro; Vila Clementino; Vila Mariana;
Santos; Bauru; Marília; Taubaté. O resultado destas pesquisas foi uma contribuição, através de verbetes,
a ENCIPECOM – Enciclopédia do Pensamento Comunicacional na América Latina.
O discurso comunicacional do Grupo de São Bernardo e seus discípulos: a pesquisa tratou dos discursos
da comunicação científica da Umesp a partir do estudo da produção científica de mestrandos e
doutorandos do Pós-Graduação em Comunicação Social.

Atividades de Extensão atividades diversas tendo como parceiros


outras instituições, de ensino e pesquisa,
As atividades de extensão têm por organismos públicos e privados e pesquisa-
objetivos disponibilizar, integrar e realizar dores associados.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 709

Redes de Comunicação
Rede Mercomsul: criada em 1998 tem por objetivos promover atividades de cooperação e intercâmbio
entre docentes, discentes e pesquisadores, bem como entre faculdades, cursos e centros de investigação
da Comunicação.
Rede Folkcom: grupo de pesquisadores brasileiros que tem como meta resgatar, registrar e promover a
folkcomunicação como forma original de comunicação e preservação da cultura. Rede FOLKCOM conta
com inúmeros estudiosos que pesquisam e escrevem a respeito de usos, costumes, festas populares e
de cunho religioso. A Rede edita mensalmente o Jornal Brasileiro de Folkcomunicação.
Rede Nacional de Pesquisa Comparada: até o momento congrega pesquisadores das seguintes
universidades: Universidade do Vale dos Sinos, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Universidade Estadual de Londrina, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Universidade de São
Paulo, Universidade Metodista de Piracicaba, Universidade Federal de São João Del Rey, Universidade
Federal de Viçosa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal Rural de Pernambuco,
Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Sergipe, Universidade de Brasília e
Universidade Federal do Amazonas.
Rede Formada pelo Comitê Acadêmico: Universidade Metodista de Piracicaba, Universidade Federal do
Espírito Santo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, ONG Oboré Comunicações e Artes – SP; Editora
Mantiqueira – Campos do Jordão – SP.
TD(i)Tj-0.3061
e Acadêmica:0cTDa9j-0.3061
onstituída por0 dTDa9jTD(a)Tj-0.8999
ocentes e/ou pesqu0isa
TD(s)Tj-0.5841
dores atuante0s TD(e)Tj-0.3611
em instituições0 pTD(r(o)Tj-0.5841
úblicas, 0 TD(d)Tj-0.7329 0
710 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

b) Folkcom: Conferência Brasileira de mediação exercida pela indústria cultural. O


FolkComunicação - tem por objetivos per- estudo contempla fenômenos singulares do
mitir a analise e a interação entre as culturas calendário folclórico brasileiro: Natal, festas
regionais e a cultura global, a partir da juninas e carnaval.

Ano Temática
1998 - I Folkcom Folkcomunicação: disciplina científica
1999 - II Folkcom Folkcomunicação e cultura brasileira
2000 - III Folkcom Meios de comunicação, folclore e turismo
2001 – IV Folkcom As festas populares como processos comunicacionais
2002 – VI Folkcom A imprensa do povo
2003 – VII Folkcom Folkmídia: difusão do Folclore pelas indústrias midiáticas
2004 – VIII Folkcom Folkcomunicação Política: a comunicação na cultura dos excluídos

c) Celacom: Colóquio Internacional so- graduação e pós-graduação. Além da pro-


bre a Escola Latino-Americana de Comu- moção do evento, a Cátedra Unesco/Umesp
nicação - realizados anualmente no Campus se propõe a fazer um levantamento das
da Umesp, são espaços de reflexão e debate obras para incorporar ao acervo bibliográ-
entre a personalidade em estudada, outros fico, bem como publicar os resultados da
pesquisadores e estudantes em nível de reflexão.

Ano Temática
1997 - I Celacom A trajetória comunicacional de Luis Ramiro Beltrán
Comunicação, cultura, mediações - o percurso intelectual de Jesús Martín-
1998 - II Celacom
Barbero
Gênese do Pensamento Comunicacional Latino-americano: CIESPAL,
1999 - III Celacom
ICINFORM, ININCO (o protagonismo das instituições pioneiras)
Contribuições brasileiras ao Pensamento Comunicacional Latino-Americano:
2000 - IV Celacom
Décio Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio Caparelli
Marxismo e Cristianismo: matrizes das idéias comunicacionais Latino-
2001 – V Celacom
Americanas
2002 – VI Celacom A participação da mulher nos estudos comunicacionais latino-americanos
2003 – VII Celacom Pensamento Crítico: impacto e efeitos na Comunicação Latino-Americana
2004 – VIII Celacom Sociedade do Conhecimento: aportes latino-americanos
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 711

Publicações Unesco/Umesp d) CDRoms: 1) FOLKCOM - Memória das


Conferência Brasileira de Folkcomunicação:
a) Série UNESCO/UMESP 1998, 1999, 2000, 2001, 2003; 2) CELACOM
Identidades culturais latino-americanas em – Memória dos Colóquios Internacionais sobre
tempo de comunicação global - José Mar- a Escola Latino-Americana de Comunicação:
ques de Melo, (org.), 1996. 2001, 2002, 2003, 2004 e 3) COMSAÚDE –
Identidade da imprensa brasileira no final Memória das Conferências Brasileiras de
do século: das estratégias comunicacionais Comunicação e Saúde; 4) PCLA - Pensamento
aos enraizamentos culturais - José Marques Comunicacional Latino-Americano – revista
de Melo e Adolpho Queiroz, (orgs.), 1998. digital, volume 1, ano I, 2000.
De Belém a Bagé: imagens midiáticas do
Natal brasileiro - José Marques de Melo e e) Série Anais da Conferência Brasileira
Waldemar Kunsch, (orgs.), 1998. de Comunicação e Saúde: Mídia e Saúde,
Televisão na América Latina – 7 estudos organizado pelos professores José Marques
– Sandra Reimão, (org.), 2000. de Melo, Isaac Epstein, Conceição Sanches
Mídia em Debate – José Marques de e Sergio Barbosa, 2001.
Melo, Maria Cristina Gobbi, Conceição
Sanches e Gilson J. Parisoto, (org.) 2002. 9. Outras publicações - ativas
b) Série Anais da Escola Latino-Ameri- a) Jornal Brasileiro de Ciências da
cana de Comunicação Comunicação – JBCC: Boletim semanal, que
A trajetória comunicacional de Luis contém informações da área de Comunica-
Ramiro Beltrán - José Marques de Melo e ção Social. Tem se destacado como um canal
Juçara Brittes, (orgs.), 1998. de comunicação entre diversos organismos
Comunicação, cultura, mediações - o
e pesquisadores da área. Sua abrangência é
percurso intelectual de Jesús Martín-Barbero
nacional e internacional, cobrindo hoje pes-
- José Marques de Melo e Paulo da Rocha
quisadores dos 5 continentes. Atualmente, é
Dias, (orgs.), 1999.
veiculado para aproximadamente 18 mil e-
Gênese do Pensamento Comunicacional
mails. Todas as edições estão disponíveis na
Latino-americano: CIESPAL, ICINFORM,
home-page: www.metodista.br/unesco .
ININCO (o protagonismo das instituições pi-
oneiras) - José Marques de Melo e Maria
Cristina Gobbi, (orgs.), 2000. b) Midi@Fórum on line: fórum de dis-
Contribuições brasileiras ao Pensamento cussão sobre assuntos disponibilizados na
Comunicacional Latino-Americano: Décio média. Está disponível na home-page:
Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio Capparelli www.metodista.br/unesco .
– José Marques de Melo, Maria Cristina
Gobbi e Marli dos Santos, (org.), 2001. c) Enciclopédia do Pensamento
Matrizes Comunicacionais Latino-Ame- Comunicacional na América Latina: Publicação
ricanas. Marxismo e Cristianismo – José on-line que faz um levantamento sobre a obra
Marques de Melo, Maria Cristina Gobbi e de pesquisadores no campo da Comunicação e
Waldemar Luiz Kunsch, (org.), 2002. seus colaboradores, pessoas que tem ou tiveram
Comunicação Latino-America: o relevância para a construção do pensamento em
protagonismo feminino - José Marques de Comunicação na América Latina. Pode ser
Melo, Maria Cristina Gobbi e Sergio Bar- consultada em “publicações”, na página:
bosa (org.), 2003. www.metodista.br/unesco. Outras informações
Pensamento Comunicacional Latino- pelo e-mail: mcgobbi.unesco@metodista.br
Americano: da Pesquisa-Denúncia ao
Pragmatismo Utópico - José Marques de Melo d) São Bern@ardo.com.br - Revista
e Maria Cristina Gobbi (org.), 2003. Acadêmica do Grupo Comunicacional de São
Bernardo. Veículo acadêmico, destinado a
c) Periódicos: Anuário UNESCO/UMESP estimular o diálogo intergeracional, dissemi-
de Comunicação Regional, dos anos: 1997, nando e divulgando estudos e reflexões de
1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 autoria dos pesquisadores formados pelo
712 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

Programa de Pós-Graduação em Comunica- Grupo Comunicacional de São Bernardo –


ção Social da Universidade Metodista de São GCSB.
Paulo. Formato: publicação semestral, aberta
a inserções mensais, contendo cinco seções: e) Home Page da Cátedra Unesco/Umesp:
a) Artigos – textos originais, revisados pelos Além de manter atualizado o espaço
membros do conselho editorial; b) Comuni- disponibilizado pela rede Orbicom, a Cáte-
cações – textos previamente apresentados em dra brasileira divulgar sua história, projetos,
reuniões científicas e selecionados pelos eventos, produções e notícias em uma home
membros do conselho consultivo; c) Repro- page criada dentro do domínio da UMESP
duções – textos previamente publicados em no endereço www.metodista.br/unesco.
anais, livros ou periódicos; d) Diálogos
protagonizados pelos integrantes do Grupo
_______________________________
Comunicacional de São Bernardo - GCSB - 1
Material faz parte integrante do Relatório
ou focalizando seu pensamento e ação e Unesco/Umesp de Comunicação, referente ao ano
e) Resenhas: Textos analíticos sobre livros, de 2003, elaborado pela professora Dra. Maria
periódicos, eventos e similares que tenham Cristina Gobbi.
contado com participação de membros do 2
Universidade Metodista de São Paulo.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 713

El estado del Corporate en la empresa extremeña:


el diseño y la imagen corporativa
Maria Victoria Carillo Duran e Ana Castillo Díaz1

Relevancia de la imagen corporativa en el organización, en la época en que vivimos,


marco empresarial actual puede subsistir sin comunicar sus ventajas
de manera adecuada. La imagen debe basarse
Desde que los directivos de fuertes en la realidad corporativa y destacar sus
empresas advirtieron que la ventaja puntos fuertes expresando, de manera
diferencial de sus organizaciones se ubicaba atractiva, la identidad corporativa.
en una zona más próxima a los atributos La gestión de la imagen debe ser una
intangibles que a los físicos comenzaron a función del management; la imagen puede
cobrar especial relevancia aspectos como la representar unitariamente todas las
gestión del conocimiento, la cultura capacidades competitivas de la empresa
corporativa o la imagen corporativa. Sin duda puesto que la gestión de la imagen es
una serie de factores que, hasta el momento, transversal, enseña todas las actuaciones de
no habían formado parte de las decisiones la empresa sin tener en cuenta la exclusividad
trascendentales en la organización. de actividades que puede desarrollar la
En un principio fueron las grandes organización en cada departamento.
corporaciones empresariales quienes prestaron Antes de lanzarnos a comunicar una
atención a este valioso activo aunque, de imagen de empresa es imprescindible la
manera paulatina, las pequeñas y medianas definición de la imagen actual que tiene el
empresas comienzan a tomar conciencia de público de la empresa (si es que existe con
la necesidad de situar los proyectos sobre anterioridad) y determinar la importancia de
imagen e identidad corporativa entre los los elementos básicos de la identidad. La
planteamientos más serios y rigurosos creación de una estrategia de imagen
determinados con respecto a la supervivencia comprende el conjunto de acciones que una
y el éxito de la organización. organización acomete para lograr una imagen
Como advierte Paul Capriotti2 (Capriotti, intencional que favorezca la consecución de
1999: 70), el proceso de formación de la imagen sus metas corporativas.
corporativa plantea un cambio dentro del Algunas apreciaciones terminológicas:
paradigma comunicativo tradicional. Así, el identidad, imagen, identidad visual
destinatario adquiere un papel absolutamente corporativa.
activo, como intérprete y re-creador del mensaje Antes de seguir adelante, nos parece
en base a toda la información recibida acerca oportuno hacer un alto en el camino para realizar
de una organización por medio de diversas una serie de apreciaciones terminológicas en
fuentes, realizando un proceso particular de torno al Corporate, siguiendo a Villafañe
procesamiento y formación de esa estructura (1993,1999)3.
mental que es la imagen de la organización. En primer lugar, indicar que la identidad
La imagen corporativa no es sólo cuestión corporativa de una organización es su esencia,
de los departamentos de comunicación sino lo que es y no lo que parece; en este sentido
que en ella debe estar implicada de forma no debemos confundirla con la imagen (que
directa la gerencia o la dirección general. Por sería lo que parece, más que lo que es). La
otra parte, la base de una imagen corporativa identidad corporativa es el punto en el que
se compone de una combinación adecuada convergen la historia de la organización, su
de hacer y decir, aunque debe predominar cultura y su proyecto empresarial.
el hacer. Ninguna imagen corporativa creada Otro factor que entra en juego en este
sobre la base del decir se puede sostener concurrido ambiente terminológico del
mucho tiempo. Tampoco ninguna Corporate, y que nos interesa especialmente,
714 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

en el contexto regional de Extremadura, es imagen corporativa en las empresas de


el de Identidad Visual Corporativa. Se trata Extremadura.
de un símbolo que traduce visualmente la Hoy en día, sin lugar a dudas, podemos
identidad corporativa. En esta traducción se decir que hemos pasado de un entorno
produce el proceso de identificación de los caracterizado por la producción y la
atributos más característicos de la identidad comunicación masivas hacia la apuesta por
de una organización, con una imagen visual. la especialización. Los avances tecnológicos
La interpretación simbólica implica siempre en los procesos productivos y comunicativos
la existencia de una serie de códigos visuales requieren un tratamiento especialmente
que, para satisfacer su función, deben expresar cuidadoso de cada componente de la
el criterio de pertenencia al que responden. estrategia empresarial con el fin de avalar
Los códigos visuales en los que se basa la una ventaja competitiva a la empresa.
traducción simbólica siempre tienen algo de Uno de los elementos diferenciadores más
convencionales, y el carácter arbitrario irá apreciados en este mercado saturado de
disminuyendo a medida que crezca el productos prácticamente similares es la
consenso en su descodificación. imagen. A través de las diferentes
La identidad visual corporativa, junto a herramientas derivadas de la imagen la
la comunicación, son las herramientas para empresa y sus productos o servicios son
transmitir la personalidad corporativa de la inmediatamente identificados por el cliente
organización, debiendo cumplir las siguientes potencial y se obtiene esa estimada
funciones: diferenciación con el resto de las compañías
Identificación: facilitar el reconocimiento y productos del sector. Este trayecto nos
de la identidad de la organización. conduciría al concepto de marca empresa,
Diferenciación: individualizar la identidad como algo global e independiente de la
visual y diferenciarla de las demás naturaleza de los productos, como algo que
organizaciones. acoge a toda la organización y que diseña
Memoria: debe recordarse y permanecer su formas de hacer y cómo se manifiestan
el mayor tiempo posible en la memoria. al exterior e interior de la empresa. Nos
Asociación: asegurar el vínculo entre la tropezamos aquí con el concepto de Alloza,
identidad visual y la organización. A, recogido en Villafañe (2004) de marca
En el panorama actual de una región experiencia, en donde convergen aspectos
como Extremadura, donde tímidamente se estructurales y formales de la empresa.
empiezan a tener en cuenta los elementos Casi se puede prescindir de un estudio
relacionados con la imagen de las empresas, pormenorizado para afirmar que en el tejido
es muy importante empezar por la creación empresarial extremeño apenas existe la
de manuales de Identidad Visual Corporativa, conciencia de la necesidad de utilizar la
con el propósito de buscar un consenso en imagen como herramienta competitiva. El
lo que se refiere a la personalidad que planteamiento del impulso de esta variable
muestra la organización a sus públicos. estratégica tiene su sentido más trascendental
al programarse en una región que debe
Diseño e imagen corporativa en la empresa invertir cuantiosos recursos para incrementar
extremeña su capacidad competitiva con respecto a otros
lugares y regiones donde sí se gestiona la
Como sucede en muchas ocasiones, imagen como valioso recurso para el
teorizamos en gran medida sobre la situación desarrollo institucional.
de empresas lejanas físicamente y somos
verdaderos desconocedores de la realidad más Círculo Extremeño del Diseño: Plan de
próxima. Entendiendo que los activos Impulso del Diseño
intangibles son igualmente importantes para
las empresas con independencia de su En la región extremeña recientemente ha
localización geográfica o sus dimensiones, iniciado su andadura una entidad denominada
queremos reflejar un estudio panorámico del Círculo del Diseño, que engloba a
estado actual del interés y desarrollo por la profesionales y académicos relacionados con
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 715

el diseño y la imagen empresarial, con el Fase I. Jornadas de Sensibilización.


propósito de estimular la gestión de la imagen
corporativa en las empresas. Esta iniciativa, Esta primera etapa ha consistido en la
respaldada por la Junta de Extremadura y el puesta en marcha de acciones de
Gobierno español, está demostrando en su sensibilización sobre el sector empresarial de
corto periplo que las empresas de la región la Comunidad Autónoma de Extremadura.
requieren formación y concienciación sobre Concretamente se trata de la realización de
esta necesidad, así como instrumentos para unas jornadas con la finalidad de presentar
satisfacer estas carencias. Conscientes de la y concienciar sobre los beneficios del uso
existencia de una debilidad en cuanto a la del diseño y los planteamientos de imagen
gestión de la imagen y el diseño corporativos, corporativa en la estrategia empresarial.
el Círculo del Diseño, propone abordar un Como elemento de apoyo fundamental se
plan que contemple todas las actuaciones contempló la participación de empresarios y
necesarias para la promoción del diseño en diseñadores líderes de diversas regiones y de
la Comunidad Autónoma de Extremadura, así diversos sectores económicos que
como su aplicación concreta a las empresas contribuyeron aportando su experiencia
ubicadas en esta región, que se podrían servir positiva al haber utilizado el diseño. El
de él como contribución al fomento de su objetivo perseguido es dar una visión práctica
consolidación y competitividad. y real de la aplicación de la imagen
Entre los objetivos iniciales del Círculo corporativa en proyectos empresariales en
del Diseño se establece el de realizar un aras a fomentar su utilización.
proyecto en que se involucre la mayor parte Para mostrar cómo las empresas han
del sector empresarial, haciéndoles ver a los procedido a implementar proyectos de este
empresarios los beneficios que el diseño les tipo, el contenido de estas jornadas obedecía
puede reportar en cuanto a la prosperidad de al siguiente esquema:
sus capacidades competitivas. Está claro que _ Situación de partida de la empresa.
los objetivos de la mayoría de las empresas _ Problemática y deficiencias.
se orientan hacia la consecución de _ Forma de resolución: el proyecto de
beneficios, no obstante hay que tener en diseño en la empresa.
cuenta que muchas veces la principal barrera _ Resultados obtenidos.
que encuentra el éxito empresarial es el
desconocimiento de los puntos débiles y no Fase II. Realización de un servicio de
una falta de interés por solucionarlos. auditoría de imagen y diseño en una
La implementación de este proyecto se muestra de treinta empresas de la
sustenta en unas fases de trabajo diferenciadas comunidad. Estudio de necesidades sobre
y con entidad propia y al mismo tiempo diseño en la comunidad autónoma de
complementarias, de modo que contribuyan Extremadura.
a la consecución del objetivo final del
proyecto: el impulso del diseño en la En este período se plantea llevar a cabo
Comunidad de Extremadura. una auditoría de diseño en treinta empresas
_ Realización de jornadas de pertenecientes a diferentes sectores. El estudio
sensibilización en diseño. recoge la información básica para analizar
_ Realización de una auditoría de imagen las fortalezas y debilidades de la entidad en
en una muestra de 30 empresas de la cuanto a la utilización de esta herramienta.
comunidad. En función de los resultados extraídos se
_ Experiencia piloto: incorporación del determinarán las necesidades sobre diseño e
diseño aplicado a la estrategia de imagen imagen corporativa en Extremadura,
corporativa en una muestra de empresas del obteniendo un material informativo de valor
sector de Turismo Rural y Actividades para la conformación de las futuras estrategias
Complementarias. a implementar en esta materia. En este sentido
_ Guía de recursos de diseño e imagen se lleva a cabo tanto una investigación de
corporativa en Extremadura. la demanda existente en la Comunidad, como
716 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

de la oferta de servicios de diseño, tanto de participarán tanto las propias empresas como
Extremadura como de aquellas otras regiones los diseñadores encargados de la realización
de España que oferten servicios profesionales de los proyectos.
a Extremadura. A partir del examen anterior - Realización de un catálogo con las
quedará definido el mapa de fortalezas, aplicaciones realizadas, compuesto por una
debilidades, amenazas y oportunidades de la amplia documentación gráfica e información
Comunidad en cuanto a diseño se refiere para tanto de empresas y diseñadores, como del
conformar una base sólida sobre la que proceso de diseño realizado para la empresa.
implantar las estrategias adecuadas.
Fase IV. Guía de Recursos de Diseno en
Fase III. Experiencia Piloto: Incorporación Extremadura
del diseno gráfico aplicado a la estrategia
empresarial en una muestra de empresas Como actuación complementaria al
del sector de Turismo Rural y Actividades “Impulso del Diseño” se prevé la edición de
Complementarias una guía de recursos de diseño para la
Comunidad Autónoma de Extremadura. Se
Esta etapa consiste en una intervención tratará de una guía editada en papel y que
en el sector del Turismo Rural y Oferta además será preparada para ser expuesta en
Complementaria, como sectores de gran auge la web de la Junta de Extremadura, de forma
en Extremadura. Se trata de incorporar tal que tengan acceso a ella todas las
estrategias vinculadas a la imagen en una empresas, profesionales y demás interesados
muestra de quince empresas a través de la en la materia.
prestación de un servicio profesional en
diseño. El proceso de implantación de los Situación actual y reflexión sobre el
proyectos en las compañías se conformará proyecto
en base a una serie etapas de trabajo:
- Sensibilización: realización de una Hasta el momento se ha implementado
jornada inicial. la fase de sensibilización y los hechos parecen
- Captación, definición del proyecto, apuntar a que los emprendedores extremeños
briefing, selección del diseñador y encargo están tomando conciencia sobre la
del proyecto. Una vez se hayan determinado conveniencia de incorporar la imagen y el
estas sociedades, será preciso definir el diseño como elementos decisivos en sus
proyecto a realizar: planteamientos de mercado.
- Diseño de marca y logotipo. Lo que se pretende a largo plazo es que
- Manual de Identidad Visual Corporativa, los empresarios asuman naturalmente la
incluyendo papelería básica. gestión profesional de su imagen corporativa,
- Señalización. desde la dirección de sus compañías. Estamos
- Cartas de menús, listas de precios, etc. en la primera fase, pretendiéndose que como
- Folleto promocional. parte de esa gestión profesional, también se
- Página web, etc. En base a la comunique.
información extraída se determinarán los A pesar de que las inversiones en
elementos prioritarios para el proyecto de comunicación, en Extremadura al igual que
diseño en la empresa, estableciendo el tipo en el resto de España, suelen ser entendidas
de plan a ejecutar. A través del briefing se como gasto y no como inversión, cada vez
comunicará al diseñador los aspectos existe una mayor conciencia sobre la
recogidos en la definición del proyecto a imperiosa necesidad de establecer
desarrollar. mecanismos comunicativos como elementos
- Implementación del proyecto de diseño fundamentales para la diferenciación de la
en las empresas seleccionadas. oferta. Como hemos advertido anteriormente
- Jornada final: presentación de resultados. es el desconocimiento de los puntos débiles
Con las conclusiones de los proyectos o la desconfianza a invertir en aspectos de
realizados y las aplicaciones de diseño gráfico difícil cuantificación quienes constituyen la
se realizará una jornada final donde principal barrera para emprender acciones
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 717

relacionadas con la difusión de la imagen duda, el hecho de plantear este tipo de


corporativa. En ese sentido este proyecto actuaciones ya denota que existe un germen
contempla una sensibilización como elemento fundamental que intenta despertar la apuesta
de partida hacia el colectivo empresarial por los activos intangibles en la empresa.
extremeño. Además, el hecho de ilustrar el Aunque aún queda un largo camino por
proceso con ejemplos reales de aplicación del recorrer, al menos ya atisbamos cierta
diseño a la empresa supone un incentivo a concienciación sobre la necesidad de
las posibles iniciativas. emprender nuestra andadura por los senderos
Del análisis del estado de la cuestión del del corporate. Hasta el momento sólo hemos
que hemos partido en este documento podemos transitado el primer tramo, el trayecto más
apreciar que el diseño es únicamente una visible dentro de esos intangibles pero, sin
porción, uno de los elementos del corporate duda, esta alerta, esta llamada de atención
o lo que es lo mismo, un elemento gestionable es un factor indicativo de que el corporate
para conseguir mejor imagen y en no es algo de interés exclusivo para las
consecuencia mejor reputación corporativa, y grandes multinacionales.
por tanto, un planteamiento que debe ser A pesar de no poder trasladar las
complementado con una serie de estrategias conclusiones extraídas de este proyecto aún
globales y pormenorizadas, con el objeto de en marcha entendemos que este
conseguir esa ansiada reputación corporativa, planteamiento de gestión de la imagen
como desideratum del comportamiento y la corporativa es nuevo y sus resoluciones
imagen de la empresa (Villafañe4, 2004). pueden resultar enriquecedoras para otras
No obstante, y aunque el proyecto se provincias y países que puedan impulsar
encuentra aún en fase de ejecución y no proyectos semejantes a los ya en
podemos extraer conclusiones generales, sin funcionamiento en Extremadura.
718 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 719

El desarrollo de la competencia comunicativa de los portavoces


de la organización (propuesta pragmática y retórica)
Mª Isabel Reyes Moreno1

La imagen de cualquier organización intermedios. La credibilidad que ellos


empresarial, social, institucional, académica manejan es, o debería ser, mayor que la que
o política se construye también a través de se otorga a los mensajes de un lanzamiento
sus portavoces y, específicamente, de sus publicitario o mediático. El hecho de que en
intervenciones públicas. La comunicación muchos casos los directivos no concedan a
cara a cara con un auditorio suele estar esta cuestión la importancia debida puede
dirigida a los stakeholders – clientes, estar relacionado con tres razones: la
accionistas, empleados y comunidad en comparecencia de un portavoz no implica la
general –, a los que un representante de la administración de gran presupuesto, sus
organización pretende informar, persuadir, mensajes interpersonales no transcienden al
motivar o formar. En esta situación de gran público y, lo que a menudo es más
copresencia es clave la competencia determinante, modificar los hábitos
comunicativa de quien habla, lo que nos comunicativos de los que hablan no supone
remite fundamentalmente a recursos tan una tarea fácil.
intrínsecos a la persona como la Mientras los responsables de marketing
comunicación verbal, la kinésica, la utilizan los medios masivos y mueven
paralingüística o la proxémica. partidas presupuestarias cuyo volumen obliga
Esta ponencia hace una propuesta de a dar cuentas sobre sus objetivos,
formación, basada en la retórica y la planificación y resultados, los directores de
pragmática, dirigida a desarrollar la comunicación luchan todavía en algunos
competencia comunicativa de quienes realizan casos para que sus reivindicaciones sean oídas
esta actividad. cuando se trata de mejorar la imagen que
da la empresa a través de las intervenciones
La capacidad comunicativa es públicas: transmisión del estilo corporativo,
patrimonio de la persona, diferenciación con respecto a la competencia,
ella lo adquiere al socializarse mensajes bien preparados, implicación del
y lo hace real cuando se relaciona con auditorio a través de valores, destreza en el
otras personas. manejo de la situación, capacidad en fin de
obtener resultados que contribuyan a mejorar
La imagen de una organización la imagen y la credibilidad de la organización.
empresarial, social, institucional, académica El camino para obtener beneficios en este
o política se construye a través de todos sus aspecto pasa, en primer lugar, por entender
mensajes, los deliberados y los no las presencias públicas como una parte más
controlados, y a través del conjunto de de la estrategia comunicativa de la
conductas personales y corporativas llevadas organización y, en segundo, por incorporar
a cabo por los miembros de la organización. procesos que procuren la mejora de la
Cuando cualquiera de ellos habla en público competencia comunicativa2 de las personas
como medio para transmitir un mensaje sobre que desempeñan estas tareas. Por cierto, que
los productos, el servicio, la cultura o su número es mayor del que se cree a primera
cualquier aspecto de la compañía está vista, como también lo es la frecuencia y la
participando en el proceso de creación de la trascendencia de las comparecencias que
imagen corporativa. realizan. La comunicación cara a cara con
Los portavoces y específicamente sus un auditorio suele estar dirigida a los
intervenciones son material sensible para los stakeholders – clientes, accionistas,
públicos, ya sean internos, externos o empleados y comunidad en general–, a los
720 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

que un representante de la organización • El portavoz: sus características,


pretende informar, persuadir, motivar o formación, dominio del tema, del escenario
formar. En esta situación de copresencia son y de su comunicación verbal y no verbal.
claves recursos tan intrínsecos a la persona Para quienes, por una u otra razón, tienen
como la comunicación verbal, la kinésica, la que ejercer la labor de hablar en público desde
paralingüística o la proxémica. su papel de pertenencia a una empresa o una
Esta ponencia plasma algunas de las institución estos aspectos cobran especial
conclusiones que forman parte de una interés, seguramente debido a la alta
investigación más amplia cuyo objetivo es implicación personal que supone cada
hacer una propuesta de formación dirigida comparecencia. Ésta es la expresión textual
a desarrollar la competencia comunicativa de recogida entre algunos portavoces:
quienes realizan esta actividad. Tal propuesta Mientras miras a la audiencia, justo antes
está basada en la retórica y la pragmática de decir la primera palabra, tomas conciencia
y su marco de referencia es la gestión de de que representas a la empresa y al equipo,
la comunicación corporativa. Esencialmente pero mucho más de que quien se la está
analizamos el hecho de hablar en público y jugando en ese momento es uno mismo.
las posibilidades persuasivas del portavoz. Para los profesionales que trabajan con
los portavoces (directores de comunicación,
1. ¿Se puede actuar sobre la competencia jefes de prensa, otros directivos o ejecutivos
comunicativa? de la organización) es un tema controvertido
ya que parte de su papel consiste en la
Investigar sobre la mejora de una preparación de los mensajes e, incluso, en
habilidad implica un punto de partida: haber el asesoramiento personal y la evaluación de
aceptado que es posible actuar sobre la las comparecencias. Este último campo
capacidad humana y desarrollarla. En el caso supone un terreno interesante ya que al hablar
de la destreza a la que nos referimos, como en público se manifiestan multitud de rasgos
en otros ámbitos, se debate la vieja máxima del portavoz que, como dice Carlos E. Sluzki,
de si el comunicador nace o se hace. Sobre Director del Mental Research Institute de Palo
esta discusión consideramos el hecho de que, Alto, California,(Watzlawick, Bavelas y
a partir de las condiciones propias de un Jackson, 1997: 13) refiriéndose al hecho
individuo normal, éste puede reforzar su comunicacional, “pese a ser transmitidos,
capacidad y aumentar sus posibilidades de aprendidos, enseñados, corregidos y
obtener el objetivo buscado. “recorregidos” una y mil veces, se dan
La siguiente pregunta que surge de habitualmente fuera del campo de la
manera natural es ¿cómo puede el portavoz percatación consciente, tal vez en su misma
desarrollar su capacidad comunicativa? frontera”3.
Lograrlo implica una doble intervención, por En unos y otros, portavoces y asesores,
un lado, en el ejercicio de la comunicación pueden observarse diferentes posturas que
estratégica, por otro, en la formación del se sitúan entre dos extremos, el de aquellos
portavoz en cuestión. Tal intervención que al hablar en público consideran
provoca la necesidad de tomar decisiones en desdeñosamente aspectos como el control de
torno a aspectos que pueden agruparse en tres la mirada o la organización del contenido
apartados: y el de quienes, por el contrario, ven en
• La comparecencia: presencia o ausencia la forma de decir las cosas la principal causa
en un espacio público concreto; quién debe del efecto que producen.
representar a la organización en la ocasión; Al margen de otras investigaciones
cuál debe ser el objetivo que se desea también interesantes y abordables en el futuro,
alcanzar; cuál la puesta en escena. nos concentramos en lo que bien puede ser
• El mensaje: adaptación a la audiencia, la base de partida, esto es, avanzar en el
determinación del contenido, información que conocimiento y la formación del portavoz
debe aportar, estructura, apoyos técnicos mediante la reflexión sobre lo aportado desde
durante la intervención. diferentes disciplinas. Dicho de manera
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 721

sencilla, un modo de mejorar la eficacia de criterio de Aristóteles (Spang, 1997: 18): “un
la comunicación interpersonal de la discurso que no tiene como objetivo la
organización es actuar sobre la competencia persuasión es una contradicción en sí
de sus portavoces en lo que se refiere al mismo”4. Ello nos lleva a ocuparnos de las
dominio de la comunicación verbal/no verbal condiciones del lenguaje eficaz, lo que
y su autocontrol. hacemos a través de la retórica (Baylon y
No obstante, somos conscientes de que Mignot, 1997: 202), “el primer campo del
para conocer la figura del portavoz hay que saber que se interrogó sistemáticamente sobre
entender, por una parte, el contexto en el que el lenguaje en tanto que medio de
comunica y, por otra, cómo se articula la comunicación y que propuso técnicas
relación de él, como individuo, consigo sistemáticas para hacer más eficaz la acción
mismo y con el público al que habla. De comunicativa”5.
la misma forma que los investigadores de la Este campo de conocimiento ha seguido
Universidad invisible llegaron a la conclusión un largo recorrido desde el siglo V antes de
de que aislar al individuo impide su Cristo – pasando por etapas de prestigio y
conocimiento real, partimos de la idea de que desatención – y está considerado en palabras
es preciso reconstruir el proceso de su de Baylon y Mignot un vector esencial de
interacción para poder después proponer transmisión de la cultura. La retórica clásica
formas de ampliar la competencia se define como el arte de hablar bien,
comunicativa. Hablamos de la capacidad de enunciado que incluye un sentido moral y
traducir la intención del portavoz en un de estilo. Hoy se estudia como (Ortega
mensaje verbal y no verbal que contribuya Carmona, 1997: 42) “la práctica y teoría del
a persuadir al público. Esta destreza está por discurso dirigido a producir un efecto de
tanto en relación con dos parámetros: su persuasión y convicción”6.
intención, u objetivo que busca alcanzar con Por tanto, para estudiar el intercambio
la intervención, y el efecto que produce comunicativo proponemos aplicar algunos
realmente, entendiendo que éste no depende supuestos teóricos de la pragmática; para
en exclusiva de él. profundizar en la competencia comunicativa
Las comparecencias públicas representan encaminada a cumplir una función y alcanzar
casos de comunicación interpersonal, que en un objetivo determinado recurrimos a la
el contexto organizacional sólo se justifican retórica; y para comprender la figura del
por la posibilidad de obtener una rentabilidad. portavoz y las situaciones de comunicación
Para comprender la manera en que el entorno que afronta estudiamos su papel en la gestión
determina la comunicación del portavoz, es de la comunicación corporativa.
decir lo que dice y cómo es interpretado, nos
acercamos a las claves de la filosofía del 2. Actuaciones que permiten actuar sobre
lenguaje corriente de Austin, la teoría de los la competencia comunicativa
actos de habla de Searle, el principio de
cooperación de Grice, la teoría de la Presentamos de forma esquemática nueve
argumentación de Anscombre y Ducrot, la principios pragmáticos básicos para el
teoría de la relevancia de Sperber y Wilson desarrollo de la competencia comunicativa:
y los estudios de cortesía. Aportaciones 1º El portavoz debe elegir el lenguaje
pragmáticas todas ellas sobre aspectos del corriente a la hora de hablar en público y
sentido que dependen de factores complementarlo con el lenguaje específico
extralingüísticos y que, en su conjunto, que comparten los destinatarios (Filosofía del
representan una manera distinta de contemplar lenguaje corriente).
los fenómenos que caracterizan el empleo del 2º El portavoz debe dar un sentido o una
lenguaje. fuerza determinada al contenido de su
Un miembro de la organización, así mensaje en función del objetivo que persigue
identificado, habla a un público en un lugar (Teoría de los actos de habla).
determinado a una hora concreta para obtener 3º El portavoz debe realizar una
algo, de otra forma no se encontraría allí. intervención acorde con el propósito del
Sin duda, en este contexto se cumple el intercambio comunicativo, esto es, cooperar
722 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

en cada situación concreta (Principio de a través de indicadores como la entonación


cooperación). del emisor, el énfasis prosódico o el orden
4º Una comparecencia es un acto que de las palabras, aspectos que pertenecen al
pretende que el público admita una conclusión terreno de la comunicación no verbal, la
gracias a los argumentos expuestos por el paralingüística y la estructuración del
portavoz (Teoría de la argumentación). mensaje. Estos aspectos marcarán al público
5º El portavoz debe proporcionar el sentido en el que deben interpretar lo que
información relevante cuando el objetivo de les dice el portavoz (Teoría de los actos de
la intervención es aportar información útil habla).
a los destinatarios o modificar sus creencias • Actuar sobre la habilidad de
(Teoría de la relevancia). argumentar
6º Al elegir la información más relevante Anscombre y Ducrot, desde el terreno
el portavoz ha de tener en cuenta la relación lingüístico, defienden que hay unas leyes
“esfuerzo que exige-efecto que proporciona” internas que rigen el mensaje y determinan
(Teoría de la relevancia). la estructura de los enunciados. El portavoz
7º El portavoz debe decidir si su puede aprender a utilizar estas leyes para
comunicación va a ser interaccional, dirigida definir claramente su contenido y asegurarse
a mantener la relación social con el público, la adecuada interpretación por parte del
o transaccional, dirigida a transmitir una público (Teoría de la argumentación).
información eficazmente, o en todo caso la • Actuar sobre la capacidad de
prioridad que le dará a cada objetivo (Teoría identificar la información relevante
de la relevancia y Estudios de cortesía). Sperber y Wilson recuerdan que del total
8º El portavoz debe observar la estrategia de estímulos que recibimos nos pasa
de la cortesía cuando el objetivo de la desapercibido todo lo que entendemos que
intervención es crear, mantener, reforzar o destruir no nos aporta nada; sólo procesamos una
relaciones sociales (Estudios de cortesía). mínima parte de la información, aquella que
9º Con el fin de proteger su imagen nos puede resultar interesante ya que refuerza
pública el portavoz puede aplicar las normas nuestros pensamientos o disputa con ellos.
de la cortesía, especialmente adecuadas si se A partir de su teoría puede afirmarse que el
decide llevar a cabo acciones que la amenazan portavoz será más persuasivo en la medida
(Estudios de cortesía). que aprenda a identificar la información
De acuerdo con los planteamientos relevante para cada público y situación, así
pragmáticos expuestos, es razonable asegurar como la manera relevante de presentarla, sin
la posibilidad de desarrollo de las habilidades olvidar que tal relevancia está relacionada con
comunicativas de cualquier portavoz. En este el esfuerzo que exige descodificar la
sentido la pragmática proporciona, además información (Teoría de la relevancia).
de principios, orientaciones concretas: • Actuar sobre el nivel de conocimiento
• Actuar sobre el dominio del lenguaje del público que atañe al mensaje del
corriente y la eficacia del mensaje portavoz (los supuestos)
Austin confirma la oportunidad del lenguaje Si se quiere producir un efecto en las
del día a día si se quiere comunicar con garantía creencias del público, sea cambiándolas o
de transmitir el mensaje y Grice estima que reforzándolas, resulta estratégico conocer
es posible asegurar la eficacia de la transmisión previamente cuáles son esas creencias y su
cuando el contenido es pertinente con lo que estado. A pesar de la dificultad de conocerlas
espera obtener el público y siempre que se provocada por los frecuentes cambios que registra
contemplen las máximas de cantidad, veracidad, el público es interesante aproximarse a sus
relación con el tema y claridad de la información supuestos, ya que permite además conocer los
(Filosofía del lenguaje corriente y Principio mecanismos deductivos que utiliza para inferir
de cooperación). lo que le decimos (Teoría de la relevancia).
• Actuar sobre la intención (fuerza • Actuar sobre la destreza en el uso de
ilocutiva) la cortesía
Para Searle se puede actuar sobre la fuerza Lakoff, Leech, Brown y Levinson aportan
que el portavoz da al contenido de su mensaje los principios que rigen la cortesía en el
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 723

lenguaje. Más allá de la recopilación de que la persuasión no es sólo una cuestión


normas de comportamiento vigentes se llega intelectual sino de emoción, por eso al
a entender que la cortesía es un factor comunicar transmite ideas y sentimientos. (r.
estratégico que aumenta la capacidad de la Ilustración y del XIX).
persuasiva del portavoz e influye sobre su 10ª Persuadir, a diferencia de convencer,
imagen pública (Estudios de cortesía). significa buscar un efecto en el terreno real
A continuación seleccionamos entre las y no sólo en el mental, esto es, lograr
aportaciones de la retórica aquellas que se modificaciones de actitud o/y comportamiento
refieren más directamente a las hipótesis de del público con respecto al asunto en cuestión.
trabajo que plantea esta investigación: (r. del XX).
1ª La capacidad persuasiva implica 11ª Persuadir es lo opuesto a imponer.
manejar determinados recursos pero también Aceptar la discusión supone ponerse en el
actuar de acuerdo con determinados valores punto de vista del interlocutor. La oratoria,
(retórica griega). tal como lo entiende la retórica clásica,
2ª La credibilidad del portavoz está implica la posibilidad de respuesta por parte
comprometida por lo que representa, lo que del público, esto es, suscribir el juego de la
dice, lo que hace y la consideración que se libertad de expresión. Bajo esta mentalidad
tiene de él (r. griega) . y en una situación real el portavoz necesita
3ª El portavoz, como el orador, se argumentar (r. del XX).
distingue por ser capaz de hablar 12ª La competencia del portavoz influye
adecuadamente para persuadir, lo que en la eficacia obtenida con la intervención,
significa con fundamento, soltura y elegancia no obstante ser percibido como un experto
(r. latina) . en técnicas oratorias puede minimizar su
4ª La habilidad persuasiva que ejerza el credibilidad. El público suele apreciar la
portavoz mediante la comunicación se puede naturalidad, incluso la espontaneidad (r.
mejorar. El punto de partida son sus griega y del XX).
condiciones innatas, que pueden desarrollarse, La retórica asegura a lo largo de la historia
evolucionar (r. latina). que se puede formar a las personas como
5ª La eficacia del mensaje del portavoz oradores, de hecho muestra caminos que les
depende de cómo lo ejecute realmente ante permitan superar o al menos enfrentarse a
el público, de ahí que deba dominarse no los inconvenientes que ofrece esta actividad.
sólo el tema, sino la situación (r. griega, latina Dichos caminos, que deben adaptarse al nivel
y del XX). de competencia de cada portavoz, se plasman
6ª Asumir la misión del portavoz, en seis líneas de trabajo:
persuadir al público, puede actuar como el • Perfeccionar la condiciones naturales
principal estímulo (r. medieval), a ello debe del portavoz
unirse el conocimiento de la materia y de En general los maestros retóricos
las técnicas oratorias (r. griega y latina). entienden que para hablar en público, tal
7ª Creer en lo que se está contando y como ellos lo conciben, son precisas unas
en el beneficio que proporciona activa la condiciones naturales. No obstante, también
capacidad natural de transmitir el mensaje afirman que el orador puede evolucionar a
con claridad, incluso aunque no se disponga partir de ellas. La formación permite
de toda la información (r. medieval). precisamente que se amplíen los límites de
8ª Profundizar en el conocimiento de la los que parte.
naturaleza humana, autoconocimiento y • Demostrar pasión al hablar en público
conocimiento del público, permite ampliar la La actitud ante el aprendizaje es un
capacidad persuasiva del portavoz (r. de la determinante para el avance. En este sentido
Ilustración y del XIX). cuando se habla de pasión no deberíamos
9ª La eficacia de la comunicación requiere hacer referencia sólamente al calor que se
que el portavoz sea consciente de la necesidad le da a las palabras durante la intervención,
de coherencia entre el contenido y la sino al modo en que el portavoz se hace cargo
expresión a cualquier nivel (verbal, kinésico, de la preparación y de la valoración de sus
paralingüístico y proxémico), y del hecho de resultados.
724 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

• Aprender los conceptos y la técnica • Practicar antes de la intervención y


de la oratoria como método de mejora
La oratoria es el arte o la técnica de El trabajo previo al momento de encontrarse
hablar bien, su sistema proporciona el eje ante el público es una fórmula muy segura para
de construcción del mensaje y sus preceptos comprobar los aciertos y los posibles errores.
orientan sobre la importancia de cuidar Se trata de ejercitarse en la propia intervención
todos los aspectos que entran en el juego antes de ejecutarla ante el público y de
de la comunicación cara a cara, persuasiva reflexionar sobre lo que proporciona esta
por naturaleza, de un hombre ante un experiencia, pero también de participar en
público. situaciones diversas que permitan experimentar
• Imitar a los que hablan bien el aprendizaje por la vía de la experiencia.
La observación es una técnica de recogida • Escribir y leer como actividades
de información que, una vez procesada, puede habituales
ser realmente útil para el portavoz. Los Quien tiene habilidad en el uso de la
mejores oradores son una fuente de palabra escrita parte de un conocimiento que
aprendizaje y, aunque se trate de casos no va a volcar sobre la transmisión oral. Escribir
enteramente brillantes, es muy posible que el discurso es una manera de mejorarlo, tener
destaquen por algún o algunos aspectos que el hábito de la escritura suele proceder del
puedan ser aplicados en una próxima de la lectura. Ambos son caminos de constante
comparecencia del portavoz. mejora del estilo y de la eficacia comunicativa.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 725

Bibliografía con él al conocimiento que un hablante tiene de


su propia lengua (N. Chomsky, Aspectos de la
Baylon, Ch. y Mignot, X, La teoría de la sintaxis, Madrid, Aguilar, 1970).
Posteriormente ha sido utilizado por diferentes
comunicación, Madrid, Cátedra, 1996.
autores y disciplinas como la etnografía de la
Chomsky, Noam. Aspectos de la teoría comunicación, la lingüística y la semiótica,
de la sintaxis, Madrid, Aguilar, 1970. aportando matices conceptuales desde los que se
Ortega Carmona, A., Retórica, Madrid, defienden términos derivados como competencia
Fundación Canovas del Castillo, 1997, p. 42. lingüística, competencia comunicativa o
Spang, K., Fundamentos de la retórica competencia pragmática. Es el de competencia
literaria y publicitaria, Pamplona, Eunsa, comunicativa, aportado por los etnógrafos en los
1997. sesenta, el que más sintoniza con la categoría a
Watzlawick, P., Bavelas, J. B. y Jackson, la que nos referimos, ya que engloba el estudio
de la comunicación verbal y la no verbal.
D. D., Teoría de la comunicación humana, 3
C. E. Sluzki, en P. Watzlawick, J. B. Bavelas,
Barcelona, Herder, 1997. y D. D. Jackson, Teoría de la comunicación
humana, Barcelona, Herder, 1997, p. 13.
4
K. Spang, Fundamentos de la retórica
_______________________________ literaria y publicitaria, Pamplona, Eunsa, 1997,
1
Universidad Complutense de Madrid p. 18.
5
(Comisión de servicios en la Universidad Rey Juan Ch. Baylon, y X. Mignot, La comunicación,
Carlos hasta septiembre 2004) Madrid, Cátedra, 1996, p. 202.
2 6
El término competencia tiene su origen en A. Ortega Carmona, Retórica, Madrid,
la gramática generativa. Noam Chomsky se refiere Fundación Canovas del Castillo, 1997, p. 42.
726 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 727

O estado da arte em Comunicação Organizacional.


1900 – 2000: um século de investigação
Teresa Ruão1

Introdução aumento expressivo da investigação


empírica), a definição do campo teórico que
O estudo da comunicação nas organiza- a caracteriza está longe de ser concluído.
ções tem-se revelado um campo de enorme Tompkins e Wanca-Thibault2 atestam bem
potencial, pelo papel de destaque que assu- esta ideia, afirmando que ao entrarmos num
miram as organizações nas sociedades con- novo século, no momento em que as orga-
temporâneas. No entanto, o estabelecimento nizações enfrentam um complexo ambiente
de uma identidade científica própria requer global, os investigadores continuam a desen-
um percurso de afirmação progressiva, onde volver esforços para definir pontos de inte-
se cruzam as preocupações empíricas com resse, estabelecer fronteiras e encontrar pis-
a exigência de desenvolvimento de uma tas para o futuro das Ciências da Comuni-
massa crítica de diferenciação teórica, capaz cação no domínio organizacional.
de gerar novos conhecimentos. E a Comu- Esta problematização do campo
nicação Organizacional tem vindo a procurar conceptual (teórico-metodológico) da disci-
esse terreno de confirmação. plina de Comunicação Organizacional cons-
Desde sempre, os estudos na área segui- titui o principal vector deste trabalho. Pro-
ram de perto os desenvolvimentos produzi- curar-se-á, assim, fazer uma análise do es-
dos nas Ciências da Comunicação e nos tado actual da disciplina, a partir do estudo
Estudos Organizacionais, enfrentando dificul- do seu percurso histórico. Por isso, num
dades na delimitação do seu objecto e na primeiro momento analisaremos o início do
articulação de verdadeiras teorias da comu- esforço de afirmação da Comunicação Or-
nicação organizacional. Esta é, aliás, uma das ganizacional como campo científico autóno-
críticas mais frequentes ao campo, a de que mo. Numa segunda fase discutiremos os
os investigadores da Comunicação Organi- principais quadros teóricos de investigação
zacional foram negligentes na articulação das que encontramos actualmente, como resul-
investigações empíricas com pressupostos tado dessa evolução histórica e de uma
teóricos sustentados. Talvez, uma tal articu- herança multididisciplinar. Num terceiro
lação só seja possível depois de um percurso ponto procederemos à catalogação dos temas
de trabalho e de exploração de material de pesquisa dominantes, nos últimos anos.
teórico e empírico, capaz de dar origem a E terminaremos com uma reflexão sobre o
um corpo de conhecimento solidificado. E futuro da disciplina.
isso exige tempo e depende de um conjunto
de factores contextuais, como, aliás, pode- 2. Percurso histórico
mos verificar quando estudamos o nascimen- 2.1 O período positivista
to de qualquer domínio científico. A Comu-
nicação Organizacional parece estar ainda a Embora o estudo do fenómeno da comu-
fazer esse percurso. nicação nas organizações, em certo sentido,
Na verdade, as organizações constituem date da antiguidade3, os investigadores ten-
uma realidade complexa, mas absolutamente dem a localizar a génese da disciplina, como
fundamental na análise social da actualidade. campo académico identificável, entre 1940
A comunicação organizacional é, por isso, e 19504. Antes dessas datas, a literatura refere-
ainda que recente, uma disciplina que vem se a um percurso evolutivo largo, onde se
demonstrando pertinência científica. E, ape- destacam como raízes conceptuais do cam-
sar do seu claro desenvolvimento nas últi- po: a teoria retórica tradicional, as teorias das
mas décadas do século XX (sobretudo pelo relações humanas, e as primeiras teorias
728 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

organizacionais e de gestão. E surgem enun- atura. E destacam-se, ainda, duas datas


ciadas, ainda, alianças estabelecidas com particulares: 1959 que foi denominado de “o
outras disciplinas como: a Ciência da Ad- ano da cristalização”, correspondendo à
ministração, a Antropologia, a Psicologia circunstância do reconhecimento académico
Social, o estudo do Comportamento Orga- da área; e 1967, designado de “ano da
nizacional, a Ciência Política, a Sócio-lin- aceitação oficial”, marcado pela realização
guística, a Sociologia, a Retórica e até a da primeira Conferência sobre Comunicação
Crítica Literária5. Ou seja, a emergência da Organizacional, em Hunstville-Alabama, que
Comunicação Organizacional surge marcada reuniu destacados investigadores, e permitiu
por uma herança diversa, recebida de outras a produção de uma revisão sobre a pesquisa
disciplinas científicas que cunham, até hoje, realizada9 .
o “estado da arte”. Por volta da década de 60, a perspectiva
Os estudos iniciais, que podemos já positivista na investigação científica entra, no
classificar como de Comunicação Organiza- entanto, em declínio. Surgem novas argumen-
cional, usaram o modelo positivista que tações que põem em causa os postulados do
predominava na investigação científica em “realismo ontológico, da objectividade
finais do século XIX, princípios do século epistemológica e da axiologia livre de va-
XX. Segundo Redding e Tompkins6, estes lores”10 típicas do positivismo clássico. Novas
primeiros estudos concentraram-se na análi- teorias emergem, apontando para o facto das
se das questões da eficiência comunicativa, observações poderem também ser influenci-
com objectivos de prescrição para as empre- adas pela posição teórica do investigador. Tal
sas. E, neste contexto, produziram-se exames, deita por terra o principal argumento dos
sobretudo, descritivos, onde o investigador positivistas: a objectividade absoluta. Além
se colocava como observador neutro dos de colocar em causa o método da compro-
fenómenos. Os estudos realizados, entre 1900 vação pelos sentidos. Afirmam-se, então,
e 1970, centraram-se em temas como a modelos alternativos de investigação, também
comunicação superior-subordinado, as redes na Comunicação Organizacional, e emergem
emergentes de comunicação e canais e os as perspectivas interpretativa e crítica.
componentes do clima organizacional7. Tra-
ta-se de investigações que privilegiavam o 2.2 O Movimento Interpretativo
estudo do processo comunicativo e a sua
relação com a eficiência organizacional, numa A década de 70 vai marcar um ponto de
abordagem funcionalista dos fenómenos. E viragem fundamental no desenvolvimento das
tornou-se generalizado o uso de métodos investigações em Comunicação Organizaci-
quantitativos, variáveis de análise e testes onal. Inicia-se um novo período, no seu
hipotético-dedutivos, suportados por aborda- percurso de afirmação disciplinar, que ficou
gens mecanicistas, psicológicas e sistémicas. designado de momento da maturidade e
Redding e Tompkins8 descrevem dois inovação, pelo crescimento da pesquisa
momentos neste período de nascimento dos empírica e pelo desenvolvimento das premis-
estudos de Comunicação Organizacional sas teóricas do campo11.
autónomos. O primeiro entre 1900 e 1940, O principal vector desta mudança foi a
correspondendo ao momento da preparação afirmação das dimensões simbólica e expres-
para a emancipação, onde se destacam os siva das organizações nos estudos
trabalhos sobre as competências comunica- comunicacionais, com crescentes abordagens
tivas. E o segundo, entre 1940 e 1970, que à questão da cultura organizacional12. Em-
designaram de momento da identificação e bora os sociólogos estudassem a cultura há
consolidação, correspondendo à fase da já muitas décadas, os estudos em gestão e
sedimentação da “comunicação industrial e a etnografia sugerem agora novos caminhos,
de negócio” (como foi então designada), que influenciam a disciplina. Sendo de re-
enquanto disciplina científica autónoma. ferir também outros domínios de interferên-
Neste período salienta-se o aparecimento de cia como: a fenomenologia (de Husserl, 1964,
publicações especializadas no campo e o 1976; e Heidegger, 1962), o estruturalismo
nascimento dos primeiros cursos de licenci- (de Saussure, 1915, 1966), ou mais especifi-
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 729

camente a semiótica. O estruturalismo e a bolismo tornaram-se o terceiro tema mais


semiótica floresceram nos anos 60, e o seu frequente, só antecedido das relações
impacto no interpretativismo foi imediato, interpessoais e das habilidades e estratégias
pelas mãos de Foucault (1969, 1972) e comunicativas. Tornando-se, também, visível
Derrida (1976, 1988)13 . a formalização dos métodos qualitativos de
Um momento marcante neste período de pesquisa, para os quais se procurou a demons-
viragem foi a realização da Conferência sobre tração do seu grau de confiança e validade15.
Abordagens Interpretativas ao Estudo da O campo de investigação da Comunica-
Comunicação Organizacional, em Alta – Utah ção Organizacional abriu-se, assim, a novos
(1981). Esta constituiu um encontro de in- temas, novas metodologias e diferentes
vestigadores em Comunicação Organizacio- quadros teóricos. A viragem interpretativa, na
nal, na procura colectiva de alternativas ao década de 80, trouxe à disciplina maior
modelo positivista. Uma das razões para esta riqueza conceptual e metodológica.
busca de novas soluções estava relacionada
com a insatisfação de muitos investigadores 2.3 A Teoria Crítica e o Pós-Modernismo
com os métodos positivistas prevalecentes na
área, e a sua visão restritiva dos dados Entre 1980 e 1990, a Comunicação
empíricos e da teoria. E uma segunda razão Organizacional passa por um período de crise
ligava-se à preocupação em distanciar a de legitimidade e representação, face à
pesquisa em Comunicação Organizacional aplicação das teorias críticas ao seu domí-
dos estudos em gestão, na procura de um nio16. Um grupo de investigadores, precisa-
caminho independente. E, em consequência, mente no âmbito interpretativo, começou a
neste encontro afirmar-se-á a perspectiva pôr em causa alguns dos pressupostos desta
emergente no estudo da comunicação nas tendência de pesquisa, nomeadamente a
organizações: a abordagem interpretativa. lógica consensual de cultura organizacional
Para os autores do movimento unificada, sugerindo uma maior atenção aos
interpretativo, as organizações deveriam ser seus pontos de fragmentação, tensão e con-
conceptualizadas como unidades de partilha flito. Desta forma, alguma pesquisa foi-se
de significados, e a comunicação analisada movendo para uma esfera mais crítica, pela
como um processo intrasubjectivo e social- consideração de uma certa intenção
mente construído. Estes investigadores agre- hegemónica nos fenómenos de comunicação
gavam, assim, à Comunicação Organizacio- organizacional. Ora, estas alterações da linha
nal preocupações de análise das dimensões de pensamento inicial foram conduzindo parte
simbólicas das organizações, que iam muito da investigação interpretativa para outros dois
além dos interesses dos estudos iniciais, tipos de discurso: o crítico e o pós-moderno.
centrados no desenvolvimento de competên- A teoria crítica é uma abordagem com
cias práticas. O objectivo expresso de muitos influência transversal nas ciências sociais, que
dos estudos ditos interpretativos era mostrar sugeriu a análise das dinâmicas de poder e
como cada organização constitui uma reali- das questões políticas nos estudos de Comu-
dade particular, que é socialmente produzida nicação Organizacional. As organizações
e desenvolvida, através de conversas, histó- passaram a ser descritas como locais polí-
rias, ritos, rituais e outras actividades diárias. ticos, onde se debatem questões de hegemonia
Preocuparam-se com a questão da partilha e assimetria, mediadas pelo poder. Sendo que
de valores e práticas comuns, como fontes as diferentes formas de exercício do poder,
de harmonia das comunidades organizacio- como distorções comunicativas, rotinas,
nais. E sugeriram a resolução de problemas normalizações ou falsos consentimentos,
de falta de sentido ou de legitimidade, pela produziriam efeitos negativos sobre os pro-
afirmação grupal e aculturação social14. cessos de tomada de decisão e gerariam
Pela consideração desta tendência conflitos organizacionais. As organizações,
interpretativa de pesquisa, os tópicos de entendidas como instituições positivas e
investigação mais abordados nas revistas da importantes ao desenvolvimento social, es-
especialidade alteraram-se. A partir da déca- tariam, assim, sujeitas a significativas perdas
da de 80, a cultura organizacional e o sim- e ineficiência por via destas formas de poder
730 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

e dominação. E, sem pôr em causa a abordagens ao fenómeno da comunicação nas


pertinência da abordagem interpretativa, a organizações, agora menos prescritivas e mais
teoria crítica passou a constituir uma forma analíticas. E o quadro de investigação passa
de discurso sobre a comunicação nas orga- a caracterizar-se pela coexistência de várias
nizações, a par com outras tendências17. metodologias de pesquisa e discursos teóri-
A abordagem pós-moderna nos estudos cos no seio da Comunicação Organizacional.
em Comunicação Organizacional, por seu Num esforço de sistematizar esse quadro
lado, resultou de uma radicalização da pers- de investigação, Deetz19 identificou quatro
pectiva crítica, que ganhou visibilidade na tendências visíveis nos estudos actuais. A
literatura organizacional, também nos anos primeira designa-a de abordagem normativa,
90. Tal como a perspectiva crítica, os estu- que emerge de um repensar das posições
dos ditos pós-modernos preocuparam-se com positivistas do passado (opondo-se aos prin-
a assimetria e dominação no processo de cípios da objectividade absoluta, da depen-
comunicação organizacional, mas evitaram a dência da observação e do caminho
predefinição de grupos e tipos de domina- sequencial da cumulação do saber), mas
ção. Pelo contrário procuraram estudar os partindo, ainda assim, do pressuposto que as
indivíduos marginalizados e os micro-proces- organizações são algo natural e objectivo,
sos de poder e resistência. A dominação pelo que passíveis de previsão e controlo.
passou a ser entendida como situacional e A segunda seria a abordagem interpretativa,
sem lugar nem origem. Mesmo as identida- que considera que as organizações são, pelo
des individuais ou grupais não poderiam ser contrário, formas subjectivas, socialmente
fixadas nem unitárias. Neste sentido, esta construídas pelos seus membros, devendo os
abordagem afastou-se das narrativas globais, estudos em comunicação levar em conside-
procurando resolver problemas de margina- ração essa característica. A terceira corres-
lidade e supressão de conflito. Mais do que ponde à abordagem crítica, que analisa os
a reformulação do mundo, os estudos pós- processos sociais e comunicativos que criam
modernos procuraram mostrar a parcialidade condições à emergência da hegemonia nas
da realidade e os pontos escondidos da organizações. E, por último temos a abor-
resistência e complexidade organizacional. dagem pós-modernista que designa os estu-
A década de 90 foi, portanto, uma fase dos em comunicação organizacional que se
de desenvolvimento teórico e empírico no preocupam com as assimetrias, a
seio da Comunicação Organizacional, pela marginalidade e os focos de resistência
integração de abordagens transversais a outros organizacio-nais. E é neste quadro de pro-
domínios científicos. gramas de discurso e pesquisa que se encon-
tra hoje a investigação em Comunicação Or-
3. Analisar o presente ganizacional, como uma herança histórica e
3.1 Os Quadros de Investigação Contem- interdisciplinar.
porâneos
3.2 Os Temas Dominantes
Os primeiros anos do século XXI pare-
cem constituir o momento de seguir o pre- Para além desta catalogação das tendên-
sente, acompanhando os últimos desafios que cias presentes na investigação e discurso da
se impõem ao campo, e que Taylor e Trujillo18 Comunicação Organizacional contemporânea,
identificaram, como: a teoria crítica, o fe- existe ainda um outro caminho para aferir
minismo, os estudos étnicos e o pós-moder- o “estado da arte”: o estudo dos tópicos mais
nismo. Trata-se de abordagens teóricas ou investigados. Trata-se da compilação e ca-
domínios de análise de eleição da investi- talogação dos temas mais explorados na área
gação em Comunicação Organizacional nos e publicados nas revistas da especialidade.
últimos anos. Destacando as pesquisas mais recentes,
Este quadro da pesquisa resultou, em referimos o trabalho de Allen, Gotcher e
grande medida, da mudança operada em Seibert20 sobre os tópicos mais analisados em
meados do século XX. Depois do período revistas científicas do campo, entre 1980 e
positivista, e a partir de 1970, emergem novas 1991. Neste estudo, considerado como o mais
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 731

exaustivo dos últimos anos, os autores re- ligados às competências comunicativas


ferem-se a 17 áreas de análise no domínio (correspondendo às preocupações iniciais do
da comunicação nas organizações: (1) rela- campo), mas também o estudo das lingua-
ções interpessoais; (2) competências comu- gens, da cultura e do simbolismo (resultantes
nicativas e estratégias; (3) cultura e simbo- dos movimentos interpretativo, crítico e pós-
lismo; (4) fluxos e canais de informação; (5) moderno). Ainda que, actualmente, perma-
poder e influência; (6) processos de tomada neçam as preocupações de melhorar a
de decisão e resolução de problemas; (7) redes performance comunicativa das organizações,
de comunicação; (8) estilos de comunicação caminha-se para temáticas mais políticas e
e gestão; (9) interfaces organização-ambien- críticas.
te; (10) tecnologia; (11) linguagem e con-
teúdos das mensagens; (12) estrutura; (13) 4. O futuro da disciplina
incerteza e adequação da informação; (14)
grupos e eficiência organizacional; (15) éti- Em 1989, Charles Redding, um nome
ca; (16) pesquisa transcultural; e (17) clima incontornável no estudo da comunicação nas
organizacional. organizações, afirmava que para adivinhar o
Putman, Philips e Chapman21, por seu futuro era necessário conhecer o passado22.
lado, desenvolveram aquela que é designada Ora esse foi o procedimento que adoptámos
como a revisão mais abrangente e original neste trabalho. O que nos leva a sugerir que
da evolução da pesquisa em Comunicação o futuro da Comunicação Organizacional, à
Organizacional. Na tentativa de organizarem semelhança do seu percurso passado, impli-
os discursos produzidos no domínio, a partir cará a convivência de vários métodos, teo-
dos temas tratados, identificaram 7 clusters rias ecléticas, pressupostos diferenciados e,
metafóricos: (1) conduta, (2) lente, (3) liga- inevitavelmente, muito rigor.
ção, (4) desempenho, (5) símbolo, (6) voz Como podemos constatar pela revisão
e (7) discurso. da literatura efectuada, a diversidade teórico-
A metáfora da conduta identifica os metodológica constitui um factor definidor
estudos em que as organizações são tratadas do percurso histórico da Comunicação Or-
como “contentores” ou canais de fluxos de ganizacional. A sua emergência, enquanto
informação e comunicação. A ideia da lente disciplina diferenciada, é relativamente recen-
caracteriza os trabalhos em que a comuni- te (acontecendo por volta de 1940, nos EUA)
cação é vista como um sistema perceptual e enquadra-se no entendimento da época
que monitoriza o ambiente, filtra a informa- sobre a comunicação humana e, em parti-
ção, e desenvolve modelos de conexão. O cular, sobre o papel da comunicação nas
cluster da ligação representa as investigações organizações. Neste contexto, o ponto de
centradas na análise dos sistemas e redes de partida para o nascimento do campo come-
contacto organizacional. A ideia da çou por ser o estudo das necessidades prá-
performance classifica as pesquisas dedicadas ticas e teóricas das organizações, como forma
ao estudo da forma como a comunicação de melhorar as suas apetências comunicati-
coordena acções e interacções sociais. A vas e, desta forma, desenvolver a sua
metáfora do símbolo é usada para catalogar performance económica. Trata-se de uma
os trabalhos que representam as organizações, visão, que hoje podemos considerar, algo
essencialmente, como lugares onde se pro- limitada do papel da comunicação nas or-
duzem actividades interpretativas. A voz ganizações, mas que perdurou nos primeiros
designa os estudos em que a comunicação estudos realizados (1940-1950). O grande
é apresentada como a expressão da própria salto na conceptualização do campo aconte-
organização. E, por fim, o cluster do dis- ceu com o aparecimento das teorias sistémicas
curso integra as pesquisas que privilegiam, da organização, que reconhecem à comuni-
na organização, os textos, diálogos, géneros cação um papel fundamental.
e outras manifestações discursivas. Com os estudos sistémicos, a investiga-
Como podemos constatar, a análise ção precipita-se da metáfora da organização
temática vai de encontro ao estudo histórico, como “contentora” de comunicação para a
já que reflecte a consideração dos tópicos sua visão como fundamental ao estudo das
732 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

organizações. Nessa medida, as organizações do colectivo e da orientação para a


deveriam ser vistas como sistemas onde performance organizacional, que tornam o
interagem indivíduos, que pela comunicação fenómeno num objecto científico particular,
estão activamente envolvidos no processo de justificando a afirmação disciplinar, em
criar e recriar a sua ordem social única. Como meados do século XX.
afirma Tompkins23 “a comunicação constitui- Mas tal não significou a eleição de uma
ria a organização”. metodologia de estudo única ou de uma abor-
Com esta evolução, a disciplina passa a dagem teórica unificada. Antes a disciplina se
revelar um objecto de estudo específico e caracterizou pelo recurso a vários métodos e
consistente: o estudo da comunicação huma- diversos paradigmas teóricos, que trouxe, em
na em contexto organizacional. Consideran- particular, das Ciências da Comunicação e dos
do-se a comunicação como um processo Estudos Organizacionais. E, embora se discuta,
central à vida da organização, e que, embora ainda hoje, a identidade da disciplina de
revelando naturais semelhanças com qualquer Comunicação Organizacional, como campo
acto de comunicação humana, integraria, autónomo do saber, tendemos a considerar que
também, particularidades resultantes do con- a unidade disciplinar não implica um único
texto em que ocorre. Assim, concordamos método de pesquisa, um único nível de análise,
com a definição de Mumby24 para a Comu- ou uma única abordagem teórica. Talvez, seja
nicação Organizacional, como o processo de nessa diversidade teórico-metodológica que
criação de estruturas de significado colecti- reside a sua riqueza conceptual. Consideramos
vas e coordenadas, através de práticas sim- que a Comunicação Organizacional pode be-
bólicas orientadas para atingir objectivos neficiar da co-ocorrência de múltiplas aborda-
organizacionais. E seriam esses princípios, gens metateóricas e transdisciplinares.
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 733

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(eds.), Perspectives on Organizational Communication, Advances in Theory, Research
Communication: finding common ground, and Methods, Thousand Oaks, Sage Publications,
2001, pp. xvii – xxxi.
New York, The Guilford Press, 2000, pp. 47 3
Cf. B. J. Allen, P. K. Tompkins e S.
– 67. Busemeyer, “Organizational Communication”, in
Mumby, D., “Power and Politics”, in F. Salwen e Starcks (eds.), An integrated approach
M. Jablin e L. L. Putman (eds.), The new to communication theory and research, New York,
handbook of Organizational Communication, Lawrence Erlbaum, 1996, pp. 383-395.
734 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

4
Cf. W.C. Redding e T.K. Tompkins, finding common ground, New York, The Guilford
“Organizational communication: past and present Press, 2000, pp. 17 – 45.
15
tenses”, in G. Goldhaber e G. Barnett (eds.), Taylor e Trujillo, Ob Cit. pág. 3.
16
Handbook of Organizational Communication, New Taylor e Trujillo, Ob Cit. pág. 3.
17
York, Ablex, 1988.B.C Taylor e N. Trujillo, S. Deetz, “Conceptual foundations”, in F.
“Qualitative Research Methods”, in F.M Jablin e M. Jablin e L. L. Putman (eds.), The new handbook
L.L. Putman (eds.), The new handbook of of Organizational Communication, Advances in
Organizational Communication, Advances in Theory, Research and Methods, Thousand Oaks:
Theory, Research and Methods, Thousand Oaks, Sage Publications, 2001, pp. 3-46.
18
Sage Publications, 2001, pp. 161 – 194. M. J. Ob. cit. pág. 3.
19
Jablin e L.L. Putman, (eds.) The new handbook S. Deetz, “Describing the differences in
of Organizational Communication, Advances in approaches to organization science: rethinking
Theory, Research and Methods, Thousand Oaks, Burrell and Morgan and their legacy”,
Sage Publications, 2001. Organization Science, nº 7, 1996, pp. 191-207 e
5
J.R. Taylor, A. J. Flanagin, G. Cheney e D. ob. cit. pág. 8.
20
R. Seibold, “Organizational Communication M. W. Allen, J.M. Gotcher, e J.H. Seibert,
Research: key moments, central concepts and “A decade of organizational communication
future challenges”, in W.B. Gudykunst (ed.), research: journal articles 1980-1991”, in S.A.
Communication Yearbook 24, Thousand Oaks, Deetz (ed.), Communication Yearbook, 16,
Sage Publications, 2001, pp. 99 – 137. Newsbury Park, CA, Sage, 1993, pp. 252-330.
6 21
Ob. Cit. pág. 3. L. L. Putman, N. Philips e P. Chapman,
7
Como atestam os trabalhos de revisão de “Metaphors of communications and organization”,
Tompkins, 1967, Redding, 1972 e Jablin, 1978, in S. R. Clerg, C. Hardy e W. R. Word (eds.),
in Tompkins e Wanca-Thibault ob. cit. pág. 2. Handbook or Organizational Studies, Thousand
8
Ob. Cit. pág. 2. Oaks, Sage, 1996, pp. 375-408
9 22
C. Redding, 1985, in Taylor e Trujillo, ob. P. M. Buzzanell, e C. Stohl, “The Redding
cit. pág. 3. tradition of organizational communication
10
K. Miller, “Common ground from the post- scholarship: W. Charles Redding and his legacy”,
positivist perspective. From“‘straw person’ argument Communication Studies, vol. 50, nº4, 1999, pp.
to collaborative coexistence”, in S.R. Corman e M.S. 324 – 337.
23
Poole (eds.), Perspectives on Organizational P. K. Tompkins, “The functions of
Communication: finding common ground, New York, communication in organizations”, in C. Arnold e
The Guilford Press, 2000, pp. 47 – 67. J. Bowers (eds.), Handbook of rhetorical and
11
Redding e Tompkins, Ob. Cit. pág. 3. communication theory, New York, Allyn & Bacon,
12
Taylor e Trujillo, Ob Cit. pág. 3. 1984, pp. 659-719.
13 24
Taylor, Flanagin, Cheney e Seibold, ob. D. Mumby, “Power and Politics”, in F. M.
cit. pág. 3. Jablin e L. L. Putman (eds.), The new handbook
14
G. Cheney, “Interpreting Interpretive of Organizational Communication, Advances in
Research”, in S.R. Corman e M.S. Poole (eds.), Theory, Research and Methods, Thousand Oaks,
Perspectives on Organizational Communication: Sage Publications, 2001, pp. 585 – 623
COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 735
736 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

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