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Editorial Sumário
O Bakuninismo na
Caros leitores,
É com satisfação que lançamos primeiro número da nova revista de teoria política da Primeira Internaci-
União Popular Anarquista, a Via Combativa. A nova revista substitui a antiga revista onal dos Trabalha-
Ruptura, e acompanha a definição da linha política e de massas da nossa organização.
O objetivo dessa nova fase é a instrumentalização do bakuninismo enquanto ferramenta
dores
de interpretação e transformação da sociedade brasileira. Essa nova fase é marcada pela - página 3
consolidação da nossa proposta teórica, expressa nas resoluções de nosso terceiro congres-
so.
A construção de uma teoria que seja capaz de explicar a realidade social é de importância A Filosofia
fundamental. Durante esses seis anos de existência da nossa organização procuramos avançar Bakuninista:
nos debates internos em temas imprescindíveis para consolidação teórica do anarquismo. Ao
mesmo tempo buscamos sistematizar importantes discussões teóricas iniciadas por Bakunin.
dialética da ação e
Isso é essencial, uma vez que sua obra encontra-se fragmentada. A revista vai dar prosse- o materialismo
guimento a esse processo, só que visando difundi-lo entre militantes e a classe trabalhadora sociológico
em geral.
Buscamos sair de um marco estritamente conjuntural e historicista e avançar na constru- - página 7
ção de uma verdadeira crítica anarquista. Com o desenvolvimento de conceitos centrais à
análises sociológicas de fatos e processos sociais.
Os artigos presentes neste número representam justamente esse novo passo na cons-
Uma Teoria do Anti-
trução teórica, tanto na continuação dos pressupostos teóricos como na sua sistematização. Estado
Eles foram, no princípio, teses apresentadas no III Congresso da UNIPA, realizado em 2007. A Comuna de Paris e
As teses sobre a análise do desenvolvimento e economia brasileira serão publicadas progres-
sivamente nos próximos números. a Organização Polí-
Os artigos dessa revista fazem uma sistematização das bases da teoria bakuninista, em tica Socialista
termos de conceitos e métodos. A revista contém seis artigos que justamente marcam a
nossa preocupação: O Bakuninismo na Primeira Internacional dos Trabalhadores; - página 12
A Filosofia Bakuninista: dialética e ação do materialismo sociológico; Uma Teo-
ria do Anti-Estado: A Comuna de Paris e a Organização Política Socialista; O
Bakuninismo e a Teoria da Organização Política; O Estatismo na História: expe-
O Bakuninismo e a
riência e teoria; Forças Coletivas e Classes Sociais: o funcionamento da econo- Teoria da Organi-
mia e sociedade . zação Política
O primeiro artigo tem como objetivo demonstrar a experiência histórica do
Bakunisnismo na 1º Internacional; o segundo, explicar a dialética e o materialismo bakuninista, - página18
demonstrando os elementos principais que compõem o método bakuninista; o terceiro, funda-
mentar um crítica do Estado e uma teoria do Anti-Estado à luz da experiência da Comuna de
Paris; o quarto, procura desenvolver a Teoria da Organização Política à partir da experiência
O Estatismo na Histó-
da Aliança Socialista; o quinto, um artigo sobre o Estatismo, conceito fundamental na teoria ria: experiência e
social bakuninista; e, por fim, o último artigo visa esclarecer e aprofundar a reflexão a teoria
respeito do funcionamento da sociedade e da economia, à partir de uma teoria das classes
sociais e da ação destas. - página 25
Portanto, a revista Via Combativa ganha um conteúdo bem diferente da sua antecessora,
Ruptura, ao procurar sistematizar o desenvolvimento teórico da organização, com a apre-
sentação de reflexões históricas, políticas e sociológicas.
Forças Coletivas e
Classes Sociais:
Anarquismo é Luta! Bakunin Vive e Vencerá! o funcionamento
da economia e
sociedade.
Fotos : - página 31
Na capa: Tre inam e nto de re be l
de s e m Angola - 19 61 (abaixo - à e s q ue rda)
Contra-capa: Quadro de um típico s ans -cul otte porLouis -Léopol d Boil ly
(à dire ita)
O revolucionário anarquista z ação da teori a revol uci onári a Podemos afirmar que Bakunin tem
Mikhail Alexandrovitsch Bakunin nas- bakuninista. Para tanto começaremos seus primeiros contatos com as filo-
ceu em 1814 na ci d ade de com uma discussão histórica sobre as sofias e com as teorias contestatórias
Premukhimo, província russa de Twer, bases fi losóficas e polí ti cas do do seu tempo em 1834, quando em
e faleceu em 1876 na Moscou participou
cidade de Berna, Suí- de importantes cír-
ça. Oriundo de uma culos de discussões
família da nobreza ru- filosóficas. Nestes
ral , Bakuni n vi veu círculos, teve aces-
numa Rússia absolu- so a debates sobre
tista, onde o povo era autores do roman-
explorado pela aristo- tismo e da filoso-
cracia rural e pela bu- fia alemã, do soci-
rocracia czarista. al i s mo francês
Sua bi og rafi a é nas cent e e da
marcada por intensa questão dos povos
atividade política revo- eslavos. Os deba-
lucionária, participan- tes eram sobre os
do das mais importan- escritos dos mais
tes revoltas e organi- influentes intelec-
zações do proletaria- tuais de sua época.
do do século XIX. É Identificamos, nes-
importante destacar te per í o do ,
que sua participação afiliações teóricas
não foi secundária, de Bakunin com a
mas sim central, influ- fil os ofi a al emã,
enciando, construindo que tinha em Hegel
e teorizando. Bakunin seu maior expoen-
nos deixou um legado te, e com o socia-
fundamental: sua teo- lismo francês, a
ria e sua ideologia re- partir dos escritos
volucionárias. de Saint-Si mon.
Apesar de sua im- Continuando seus
portância, a obra de estudos de filoso-
Bakunin encontra-se fragmentada, bakuninismo. Por fim, apresentare- fia na Universidade de Berlim, já em
esparsa, carecendo de uma sistema- mos uma sistematização inicial de sua 1840, aprofunda seu conhecimento
tização (deixou vários de seus escri- teoria, que compreende uma filosofia sobre a dialética hegeliana, mas ago-
tos incompletos). Sendo assim, o pre- política e um método sociológico. ra à l uz da i nt erpretaçã o do s
sente artigo tem por objetivo contri- 1. As revoluções: Bakunin no hegelianos de esquerda.1
buir para a sistematização e a atuali- contexto do século XIX O contato com os hegelianos de
Este texto irá discutir uma proble- político da “Comuna de Paris” que surreição popular, ocorrida em mar-
mática fundamental: o programa re- se iniciou a construção do socialismo ço de 1871, durante a Guerra Fran-
volucionário anarquista e a teoria que na Rússia em 1917 e foi pelo aban- co-Prussiana. É necessária uma rápi-
lhe serve de sustentação. A divisão dono dos seus postulados fundamen- da contextualização histórica: 1) a
do movimento socialista revolucioná- tais que se pode explicar, em parte, a França era então governada por Luis
rio entre as vertentes comunista e burocratização seguida pela contra- Bonaparte, sobrinho de Napoleão
anarquista legou um debate acerca revolução stalinista (1924-1953) Bonaparte, e seu regime político era
da definição dos objetivos, imediatos e pela restauração burguesa uma monarquia imperial; 2) a Alema-
e históricos, e também acerca da es- (1985-1991). A incompreensão dos nha estava em processo de unifica-
tratégia de construção da sociedade limites da experiência da Comuna de ção política e passava a disputar a
sem-classes e sem-estado. Paris também levou a impasses no hegemonia na Europa com Inglater-
Esta diferença de legados marcou momento de eclosão das situações ra e França; 3) os alemães estavam
profundamente a história do século vencendo a Guerra contra a França,
XX. A teoria comunista1 , desenvol- sitiando a cidade de Paris, e o povo
vida pelo marxismo até suas últimas francês estava agora ameaçado pela
conseqüências, defendia que a cons- opressão externa, que substituiria a
trução do socialismo exigia o Esta- opressão interna da monarquia 4) o
do; a teoria anarquista, o movimento operário na França esta-
bakuninismo, se pautava na negação va consolidando sua organização
do Estado e na defesa de uma nova política e sua consciência de classe,
forma de organização política, que ire- através da Associação Internacional
mos denominar pelo conceito de dos Trabalhadores (AIT). Estava mo-
anti-Estado. As experiências do bilizado para a luta reivindicativa e
movimento operário e das revoluções começava a tomar parte nas ques-
do século XX também acrescentaram tões da guerra.
importantes teorias sobre o desenvol- Na Guerra entre França e Alema-
vimento da revolução e sobre seu nha, Bismarck, chanceler alemão,
programa, como a teoria das revolu- prendeu Luis Bonaparte. A oposição
ções em etapas (revolução democrá- se agita; os opositores burgueses pro-
tico-burguesa), a teoria da “revolu- clamam a república em 4 de setem-
ção permanente” (Trotski) e a teoria bro de 1870, assumindo um Gover-
da revolução de “Nova Democracia” no Provisório. Entretanto, além da
(Mao Tsé-Tung). oposição burguesa, existia uma forte
Para compreender a diferença de oposição operária e popular. O cho-
teorias e estratégias práticas é preci- que entre estas duas oposições no
so analisar os debates existentes. Um interior da França é que precipitou a
dos pilares de construção dos mode- Blanqui - líder do eclosão da Comuna de Paris.
los políticos, anarquista e comunista, republicanismo revolucionário A insurreição começa em 1871,
foi fornecido por um dos principais francês quando o Governo Provisório dá uma
acontecimentos da experiência revo- ordem de desarmar o povo da cida-
lucionária: a Comuna de Paris. É pela revolucionárias. Este texto visa tra- de de Paris. A Guarda Nacional, insti-
compreensão das diferentes análises zer elementos para tal reflexão. tuição legada pela Revolução de 1789
deste evento – e de toda sua reper- e que materializava a idéia do “povo
cussão histórica – que poderemos 1 – A Comuna de Paris no Pen- em armas”, se rebelou. Os Guardas
chegar a uma definição mais clara do samento Revolucionário. prendem os generais Lecomte e
programa revolucionário bakuninista O que foi a “Comuna de Paris”? A Thomas e os fuzilam. Começa a In-
e de sua fundamentação teórica. Comuna de Paris foi uma experiência surreição da Comuna de Paris: um
Foi pela apropriação do modelo de auto-governo, surgida de uma in- ato de rebelião, em favor da resistên-
Uma das principais formulações nizar-se em função do Estado; 2º) a no: reforma protestante e revo-
do pensame nto ana rquista de tendência à disseminação de uma lução francesa.
Bakunin é a idéia de que o Estado é “doutrina” ou “ideologia” que afirma Bakunin em uma conferência
uma das forças agentes que deter- a necessidade do Estado e da exten- dada aos operários do Vale Saint-
minam as formas de organização da são de suas atribuições, legitimando- Immier, traça dois acontecimentos
sociedade. Logo, o Estado aparece a e glorificando-a; 3º) uma etapa his- para demarcar as origens do Estado-
não somente como um fenômeno tórica em que ao mesmo tempo tais Moderno, Nacional e Burguês:
der ivado da estrutura “Dos hechos históricos,
econômica, mas como um dos revoluciones memorables
fator determinante da estrutu- habían constituido lo que
ra sociedade, inclusive da eco- llamamos el mundo moderno,
nomia. Ao mesmo tempo o el mundo de la civilización bur-
Estado apresenta-se como for- guesa. Uno, conocido bajo el
ma histórica que marca o pró- nombre de Refor ma, al
prio desenvolvimento das so- comienzo del siglo XVI, había
ciedades humanas, desde a an- roto la clave de la bóveda del
tiguidade até a modernidade. edifico feudal, la omnipotencia
A emergência de Estados cada de la iglesia; al destruir ese po-
vez mais vastos e com maio- der preparo la ruina del poderío
res poderes, e a tendência de independiente y casi absoluto
sua expansão, é apontada por de los señores feudales que,
Bakunin como um dos princi- bendecidos y protegidos por la
pais fatores a influenciar histó- iglesia, como los reyes y a
ria da humanidade, inclusive do menudo también contra los
desenvolvimento econômico. reyes, hacían proceder direc-
Nesse sentido, o conceito tamente de la gracia divina; y
de estatismo recobre esta re- por eso mismo dio un impulso
levância e importância atribuí- nuevo a la emancipación de la
da ao Estado enquanto unida- clase burguesa, lentamente
de política, e mesmo não es- preparada, a su vez, durante
tando plenamente sistematiza- los dos siglos que habían pre-
do em Bakunin, sintetiza algu- cedido a esa revolución religio-
mas teses e análises históricas sa, por el desenvolvimiento
do autor que cabe aqui dar sucesivo de las libertades
forma teórica mais acabada. comunales y por el del comer-
A teorização e a crítica do cio y de la industria, que habían
estatismo podem ser defendi- sido a l mismo tie mpo la
das como os principais elemen- Capa do livro O Leviatã de condición y la consecuencia
tos do pensamento sociológi- Thomas Hobbes - 1650 necesaria.” (Bakunin, Confe-
co de Bakunin. O “estatismo” rência, p. 1)
em Bakunin compreende três signifi- tendências sociais e doutrina afirmam- Nesse sentido, a reforma pro-
cados distintos: 1º) a tendência do se e tornam-se dominantes dentro da testante criou as condições necessá-
Estado-Nacional moderno estender sociedade. É a definição de tal con- rias para a derrocada do feudalismo
de forma “geométrica” suas funções ceito a partir da obra de Bakunin que e declínio do poder da Igreja. O de-
e atribuições, tanto social como iremos realizar adiante. senvolvimento comercial nos séculos
territorialmente, e da sociedade orga- 1. A Origem do Estado Moder- XIV e XV teriam exatamente possibili-