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VIDA CRISTÃ
"Não mais eu... mas Cristo"
Watchman Nee
Tradução do italiano: Daniela Raffo
Baixado da Internet de esnips
Em quarta-feira, 29 de agosto de 2007, 15:05:14
Terminado de traduzir em terça-feira, 11 de dezembro de 2007,12:57:29
Disponível em http://digilander.iol.it/camminocristiano/
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CAPÍTULO 1 – O SANGUE DE CRISTO
Em que consiste a verdadeira vida cristã? Faremos bem em considerar esta questão
desde o início. O objetivo destes estudos é demonstrar quanto ela é diferente da vida da
maior partes dos cristãos. De fato, uma meditação da Palavra escrita de Deus —por
exemplo, o Sermão da Montanha— deveria impulsionar-nos a nos perguntar se uma
semelhante vida tenha sido jamais vivida sobre a terra, aparte do Filho de Deus mesmo.
A resposta encontra-se justamente nesta última afirmação.
O apóstolo Paulo nos dá a sua definição da vida cristã na carta aos Gálatas, no
capítulo 2, versículo 20: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas
Cristo vive em mim". O apóstolo, aqui, não expõe uma maneira de viver particular, um
cristianismo de alto nível, mas apresenta simplesmente aquilo que Deus pede de cada
cristão.
Deus nos revela em sua Palavra que Ele tem somente uma resposta para cada
necessidade humana: seu Filho Jesus Cristo. Em cada relação dEle conosco Ele opera
colocando-nos aparte e pondo Cristo em nosso lugar.
O Filho de Deus morreu em nosso lugar para o nosso perdão, e vive, em nosso lugar,
para a nossa liberação. Podemos assim falar de duas substituições: um Substituto sobre
a Cruz que nos procura o perdão, e um Substituto dentro de nós, que nos assegura a
vitória. Nos ajudará enormemente e ficaremos protegidos de muitas confusões, se nos
lembrarmos sempre deste fato: Deus resolverá todos os nossos problemas de uma única
forma, ou seja, com a revelação sempre mais profunda do seu Filho.
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O DUPLO REMÉDIO DE DEUS: O SANGUE E A CRUZ
Portanto, os oito primeiros capítulos da Epístola aos Romanos nos apresentam dois
aspectos da salvação: primeiro o perdão dos nossos pecados, e depois a liberação do
pecado. Porém agora, levando em conta este fato, devemos considerar mais uma
diferença.
Na primeira parte de Romanos 1-8 (versículos de 1:1 até 5:11) menciona-se duas
vezes o sangue de Jesus, no versículo 3:25 e no versículo 5:9. Na segunda parte
(versículos de 5:12 até 8:38) é introduzida, no versículo 6:6, uma nova idéia, quando
nos é dito que nós fomos "crucificados" com Cristo. O tema tratado na primeira seção
concentra-se sobre aquele aspecto da obra do Senhor Jesus, que é representado pelo
"sangue" vertido pela nossa justificação através da "remissão dos pecados". Esta
terminologia já não é utilizada na segunda seção, onde o tema se concentra sobre o
aspecto de sua obra, representado pela "Cruz", ou seja, pela nossa união com Cristo em
sua morte, em sua sepultura e em sua ressurreição. Esta distinção tem um grande valor.
Veremos assim que o sangue tem a ver com o que temos feito, enquanto que a Cruz
refere-se ao que somos. O sangue cancela nossos pecados, ao passo que a Cruz se
ocupa da origem de nossa natureza pecaminosa. Este último aspecto será a substância
de nossa meditação, nos capítulos que se seguem.
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Se não temos esta consciência, não podemos dizer que estejamos encaminhados em
nossa via. Examinaremos estes três temas mais de perto.
DEUS É SATISFEITO
A santidade de Deus e a justiça de Deus requerem que uma vida sem pecado seja
entregue pelo homem. A vida está no sangue e aquele sangue deve ser vertido por mim
a causa dos meus pecados. É Deus quem o reclama, Deus é Aquele que pede que o
sangue seja oferecido, para satisfazer a sua justiça; é Ele mesmo que declara: "vendo eu
sangue, passarei por cima de vós". O sangue de Cristo satisfaz plenamente a Deus.
Gostaria aqui de dar uma palavra aos meus mais jovens irmãos no Senhor, porque é
neste ponto que achamos, com freqüência, dificuldades. Antes de acreditar em Cristo,
talvez nunca tenhamos sido turbados pelas nossas consciências, até que a Palavra de
Deus não começou despertá-la. A nossa consciência estava morta e Deus não pode fazer
nada com aqueles cuja consciência está morta. Porém mais tarde, quando cremos, a
nossa consciência acordada tornou-se extremamente sensível e isto pode constituir-se
num verdadeiro problema para nós. O sentimento do pecado e da culpa pode tornar-se
tão grande e tão terrível, que pode até chegar a paralisar-nos, fazendo-nos perder de
vista a verdadeira eficácia do sangue. Nos parece, então, que os nossos pecados sejam
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muito reais, e qualquer pecado em particular pode atormentar-nos tão freqüentemente
que pode fazer-nos acreditar que os nossos pecados sejam maiores que o sangue de
Cristo. Ora, todas as nossas dificuldades provêm disto: provar a sentir o valor do sangue
e estimar subjetivamente o que ele significa para nós. Mas não podemos fazer isto,
porque não é assim que se fazem as coisas. É Deus quem, antes que nada, deve ver o
sangue. Depois, nós devemos aceitar em seguida o valor que Deus lhe dá. somente
então compreenderemos o valor que tem para nós. Se, ao contrário, tratamos de avaliá-
lo segundo o nosso modo de pensar, não obteremos nada, ficaremos no escuro. É uma
questão de fé na Palavra de Deus, devemos acreditar que o sangue de Cristo é precioso
diante de Deus, porque Ele disse que assim era. "Sabendo que não foi com coisas
corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da sua vã maneira de viver que
por tradição recebestes dos seus pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de
um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual, na verdade, em outro tempo foi
conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos
por amor de vós" (1 Pe 1:18-20). Se Deus pode aceitar o sangue de Cristo como uma
expiação dos nossos pecados e como preço da nossa redenção, podemos estar seguros
que a dívida ficou paga. Se Deus está satisfeito com o sangue, quer dizer que o sangue é
aceitável. O valor que nós atribuímos ao sangue deve se corresponder com o que Deus
lhe atribui, nem mais nem menos. Não pode certamente ser mais alto, mas também não
deve ser mas baixo. Lembremos que Deus é Santo e justo, e que um Deus justo e santo
tem o direito de declarar que o sangue de Cristo O tem agradado o satisfeito
plenamente.
Temos visto que os oito primeiros capítulos da epístola aos Romanos podem ser
divididos em duas partes.
Foi-nos mostrado, na primeira parte, que o sangue age segundo o que temos feito;
enquanto, na segunda parte, veremos que a Cruz1 age segundo o que nós somos.
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O autor aqui, e através deste estudo, usa o termo "a Cruz" num sentido particular. Muitos
leitores conhecerão bem o uso da expressão "a Cruz" para significar, em primeiro lugar, a inteira
obra redentora cumprida historicamente na morte, sepultura, ressurreição e ascensão do Senhor
Jesus (Fp 2:8-9); e, em segundo lugar, num sentido mais amplo, a união dos crentes com Ele
através da graça (Romanos 6:4; Efésios 2:5-6). Desde o ponto de vista de Deus, neste uso do
termo, a função de "o sangue" em relação ao perdão dos pecados (como tratado no capítulo
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Precisamos do sangue de Jesus para o perdão; e precisamos da Cruz para ser liberados.
Tratamos brevemente nas páginas precedentes o primeiro aspecto e nos deteremos
agora no segundo; porém, antes de fazê-lo, consideraremos ainda algum outro passo
importante, referente em toda esta seção que sublinha a diferença entre o tema tratado
e os pensamentos seguidos nestas duas partes.
OUTRA DISTINÇÃO
Dois aspectos da ressurreição são mencionados nas duas partes, com referências aos
capítulos 4 e 6. na epístola aos Romanos, 4:25, a ressurreição do Senhor Jesus está
ligada à nossa justificação: "O qual (Jesus) por nossos pecados foi entregue, e
ressuscitou para nossa justificação." O tema em vista neste fragmento é a nossa posição
diante de Deus. mas em Romanos 6:4 a nossa ressurreição nos é mostrada como o dom
de uma nova vida, com vistas a um caminho santificado: "...para que, como Cristo foi
ressuscitado (...) assim andemos nós também em novidade de vida". A palavra que está
aqui diante de nós tem a ver com o nosso caminho diante de Deus. Por outra parte, se
fala da paz nos capítulos 5 e 8. Romanos 5 fala da paz com Deus que é o fruto da
justificação mediante a fé em seu sangue: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos
paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5:1). Isto significa que havendo eu
recebido o perdão pelos meus pecados, Deus já não mais será para mim causa de terror
e de angústia. Eu, que era inimigo de Deus, fui "reconciliado com Ele pela morte de seu
Filho" (Rm 5:10). Porém, em seguida, me lembro que estou por mim mesmo sujeito a
grande tormento. Existe ainda incerteza em mim, porque há no fundo do meu "eu"
alguma coisa que me empurra a pecar. Tenho a paz com Deus, mas não tenho a paz
comigo mesmo. Existe, de fato, a guerra no meu coração. Há uma descrição muito clara
em Romanos 7, onde a carne e o espírito desencadearam um conflito mortal em mim.
Mas partindo daqui, a Palavra nos conduz ao capítulo 8, à paz interior pelo caminho
segundo o Espírito. "Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é
vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à
lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser" (Rm 8:6-7).
Prosseguindo ainda no nosso estudo, vemos que a primeira metade da segunda seção
trata em geral da questão da justificação. Veja por exemplo: "Sendo justificados
gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus
propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela
remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da
sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem
fé em Jesus." (Romanos 3:24-26).
E ainda: "Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé
lhe é imputada como justiça (...) Mas também por nós, a quem será tomado em conta,
os que cremos naquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; o qual
por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação." (Romanos
4:5,24-25).
A segunda metade da seção tratada, pelo contrário, tem como sujeito principal o
interrogativo correspondente à santificação. De fato, em Romanos 6:19 e 22 diz: "...pois
que, assim como apresentastes os seus membros para servirem à imundícia, e à
maldade para maldade, assim apresentai agora os seus membros para servirem à justiça
para santificação (...) Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o
seu fruto para santificação, e por fim a vida eterna". Então, quando conhecemos a
preciosa verdade da justificação pela fé, conhecemos somente a metade. Temos
resolvido somente o problema de nossa posição diante de Deus mas, à medida que
avançamos no conhecimento, Deus tem alguma coisa a mais para nos oferecer; ou seja,
a solução do problema de nossa conduta. O desenvolvimento do pensamento, nestes
capítulos da epístola aos Romanos, sublinha a importância deste ponto. O segundo passo
é o resultado do primeiro e se nós ficamos no primeiro teremos uma vida cristã ainda
imperfeita, ou por debaixo do normal.
precedente), é claramente incluída (com tudo que se segue neste estudo) como uma parte da obra
da Cruz.
Neste e nos seguintes capítulos, contudo, o autor foi constrangido, por falta de um termo
alternativo, a utilizar "a Cruz" num sentido doutrinário muito mais particular e limitado, a fim de
traçar uma útil distinção entre a substituição e a identificação, como sendo, de um ponto de vista
humano, dois aspectos separados da doutrina da redenção.
Portanto, o nome do inteiro e usado por uma das partes. O leitor deverá ter presente isto nos
textos que se segue (N. do E.).
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Como podemos, então, viver uma vida cristã normal? Como poderemos fazer? É
preciso, naturalmente, começar por resolver o perdão dos pecados; é necessária a
justificação e a paz com Deus: isto constitui um fundamento indispensável. Porém, uma
vez estabelecida esta base como o nosso primeiro ato de fé em Cristo, fica claro, do que
precede, que devemos avançar para alguma coisa a mais. Assim vemos que o sangue
tem efeito sobre os nossos pecados. O Senhor Jesus os levou em nosso lugar sobre a
Cruz, como nosso substituto, e assim obteve o perdão para nós, a justificação e a
reconciliação. Mas devemos, agora, dar um passo adiante no conhecimento do plano de
Deus para compreender como age sobre o princípio do pecado que há em nós. O sangue
pode cancelar os meus pecados, mas não pode suprimir meu "velho homem". É preciso
que a Cruz o faça morrer. O sangue deixa os pecados de lado, mas é necessária a Cruz
para pôr de lado o pecador.
Acharemos raramente a palavra "pecador" nos primeiros quatro capítulos da epístola
aos Romanos, porque não são os pecadores o alvo principal, mas o pecado que têm
cometido. A palavra "pecador" aparece pela primeira vez no capítulo 5, e é importante
observar como é introduzida a idéia do pecador. Diz-se neste capítulo que o pecador é
assim porque nasceu pecador, e não porque cometeu pecados. A diferença é importante.
É verdade que amiúde, para convencer o homem da rua de que é um pecador, o servo
do Senhor utiliza a instância bem conhecida de Romanos 3:23, onde diz que "todos
pecaram"; mas o uso deste texto não está estritamente de acordo com as Escrituras. Os
versículos que são utilizados assim comumente podem, às vezes, pôr em perigo a
integração e conduzir a uma conclusão errada. De fato, a epístola aos Romanos não
ensina que sejamos pecadores porque cometemos pecados, senão que cometemos
pecado porque somos pecadores. Somos pecadores por natureza, antes que pelo nosso
comportamento. Como declara Romanos 5:19: "pela desobediência de um só homem,
muitos foram feitos pecadores". Como nos convertemos em pecadores? Pela
desobediência de Adão. Nós não nos convertemos em pecadores por aquilo que fizemos,
mas a causa daquilo que Adão fez e daquilo em que se converteu. Eu falo inglês, mas
isso não me converte num inglês. Eu sou em verdade chinês. Assim, o capítulo 3 chama
a nossa atenção para o que temos feito. "Todos pecaram", mas não é porque pecamos
que nos convertemos em pecadores. Um dia fiz esta pergunta a uma aula de escolares:
"Quem é um pecador?" A resposta imediata deles foi: "Aquele que peca". Sim, aquele
que peca é um pecador, mas o fato de que peca é simplesmente a prova de que ele já é
um pecador, não é a causa. Aquele que peca é um pecador, porém também é verdade
que aquele que não peca, mas pertence à raça de Adão, é igualmente um pecador e
precisa de redenção. Vocês me seguem? Existem maus pecadores e também bons;
existem pecadores "morais" e pecadores "corruptos"; porém todos são igualmente
pecadores. Nós pensamos, às vezes, que se não tivéssemos feito certas coisas, tudo iria
melhor; mas o mal está escondido muito mais profundamente que naquilo que nós temos
cometido: está dentro de nós. Um chinês pode ter nascido em América e ser incapaz de
falar uma palavra em chinês, mas isto não evita que fique chinês pelo fato de que ele é
chinês. É o nascimento, a origem o que conta. Assim, eu sou um pecador porque nasci
em Adão. Não é pela minha conduta, mas pela minha herança, pela minha ascendência.
Não sou um pecador porque peco, mas peco porque desço de uma cepa malvada. Eu
peco porque sou um pecador. Nós nos inclinamos a pensar que aquilo que temos
cometido é muito mau, porém que nós mesmos não somos tão maus. No entanto, o
Senhor quer nos fazer compreender que a nossa natureza é malvada, fundamentalmente
malvada. A raiz do mal é o pecado; é necessário agir sobre ele. Os nossos pecados são
lavados pelo sangue, porém quanto a nós mesmos, devemos morrer sobre a Cruz. O
sangue nos assegura o perdão para tudo o que temos feito; a Cruz nos assegura a
liberação daquilo que somos.
A nossa velha vida terminou sobre a Cruz;a nossa nova vida começa na Ressurreição.
"Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis
que tudo se fez novo" (2 Coríntios 5:17). A Cruz dá um fim à primeira criação, e da
morte surge uma nova criação em Cristo, o segundo homem. Se formos "em Adão", tudo
aquilo que há em Adão nos é forçosamente transmitido; tudo se faz nosso
involuntariamente, porque não devemos fazer nada para nos apropriarmos disso. Não
temos necessidade de tomar uma decisão para irar-nos, ou para cometer qualquer outro
pecado, porque tudo nos chega espontaneamente, queiramos ou não. Do mesmo jeito,
se formos "em Cristo", tudo aquilo que é "em Cristo" é nosso pela graça, sem esforço
algum de nossa parte, mas sobre a base da simples fé.
Porém dizer que tudo o que precisamos é nosso "em Cristo" por pura graça, ainda que
seja verdade, pode parecer impossível de se atuar na prática. Como acontece isso na
vida? Como pode converter-se em real em nossa própria experiência?
Estudando os capítulos 6, 7 e 8 da epístola aos Romanos, veremos que existem quatro
condições necessárias para uma vida cristã normal. Elas são: 1) Saber; 2) Considerar; 3)
Confiar em Deus; 4) Caminhar segundo o Espírito; na ordem em que são apresentadas.
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Se nós desejamos viver aquela vida, deveremos aceitar e submeter-nos a estas quatro
condições, não cumprir somente uma ou duas, ou três, senão todas, as quatro. Ao passo
que estudemos cada uma delas, confiemo-nos no Senhor para que Ele ilumine a nossa
inteligência com o seu Santo Espírito e peçamos agora o Seu auxílio para realizar o
primeiro grande passo, examinando a primeira condição: Saber.
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A expressão "com Ele" de Rm 6:6 inclui, naturalmente, um sentido doutrinário e um sentido
histórico (ou temporal). Só no sentido histórico a afirmação é reversível (W.N.).
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Jesus, posso crer na minha própria morte com a mesma certeza com a que acredito na
dEle.
Porque vocês acreditam que o Senhor morreu? Sobre que coisa baseiam a sua fé? E
porque sentem que morreu? Não! Vocês nunca sentiram isso. Vocês acreditam porque a
Palavra de Deus diz isso. Quando o Senhor Jesus foi crucificado, dois malfeitores foram
crucificados ao mesmo tempo. Vocês não têm a mínima dúvida que eles tenham sido
crucificados com Ele, porque as Escrituras o afirmam claramente. Acreditam na morte do
Senhor Jesus e acreditam na morte dos dois ladrões com Ele. Ora, o que pensam da sua
própria morte? A sua crucifixão é mais do que a deles. Eles foram crucificados junto com
o Senhor, mas sobre cruzes diferentes, enquanto vocês estavam nEle que Ele morreu.
Como podem sabê-lo? Podem saber porque Deus o disse, e esta é uma razão suficiente.
Isso não depende dos seus sentimentos. Se sentem que Cristo morreu, Ele morreu; e se
não sentem que Ele tenha morrido, ainda assim Ele morreu; e se não sentem de estar
mortos com Ele, ainda assim vocês estão igualmente mortos com Ele. Estes são fatos de
ordem divina: que Cristo morreu é um fato; que os dois malfeitores morreram, é um
fato; e que vocês morreram e também um fato. Permitam-me dizer: Vocês estão mortos!
Acabou para vocês. Estão fora. O "eu" que odeiam está sobre a Cruz com Cristo. E
"aquele que está morto está justificado do pecado" (Rm 6:7). Este é o Evangelho para os
crentes. Não chegaremos nunca a realizar a nossa crucifixão com a nossa vontade, nem
pelos nossos esforços, mas somente aceitando aquilo que o Senhor Jesus cumpriu sobre
a Cruz. É necessário que os nossos olhos sejam abertos sobre a obra cumprida sobre o
Calvário. Talvez, algum de vocês, antes da conversão, tenha tentado obter a salvação
por si mesmo. Liam a Bíblia, pregavam, iam à Igreja, davam esmolas. Depois, um dia, os
seus olhos foram abertos e viram que a salvação perfeita já tinha sido conquistada para
vocês sobre a Cruz. A aceitaram simplesmente e agradeceram a Deus, e a paz e o gozo
inundaram seus corações. E agora a boa notícia é que a sua santificação foi feita possível
exatamente sobre as mesmas bases. É-vos oferecida a liberação do pecado com o
mesmo dom de graça com o qual receberam o perdão dos seus pecados. Porque a via
que Deus segue para liberar-nos do pecado é completamente diferente da via do homem.
A via do homem consiste em suprimir o pecado, tentando vencê-lo; a via de Deus
consiste em pôr aparte o pecador. Muitos cristãos se lamentam de suas debilidades,
pensando que se fossem mais fortes tudo daria certo. A idéia que não podemos viver
uma vida santa a causa de nossas debilidades, e que mais alguma coisa nos é exigida,
conduz todo mundo naturalmente ao falso conceito de um meio de liberação. Se
estivermos preocupados pela força do pecado que nos domina e pela nossa incapacidade
de combatê-lo, concluiremos logicamente que para vencê-lo deveremos ter mais força.
"Se somente eu fosse mais forte...", dissemos, "poderia dominar os meus acessos de
cólera", e pedimos ao Senhor para fortificar-nos, a fim que possamos controlar a nossa
natureza.
Mas este é um erro grave; isto não é cristianismo. Os meios pelos quais Deus nos
libera do pecado não consistem no fazer-nos mais fortes, senão no fazer-nos mais fracos.
É certamente um modo bastante singular para nos conduzir à vitória, vocês dirão, porém
é este o meio de que Deus se serve.
O Senhor nos arrancou do poder do pecado não fortificando o nosso velho homem,
mas crucificando-o; não o ajudando a conseguir qualquer coisa, mas colocando-o fora de
combate. Talvez vocês tenham tentado durante anos, em vão, exercer um controle sobre
vocês mesmos, e talvez esta seja ainda hoje a sua experiência, mas quando vejam a
verdade reconhecerão que são completamente incapazes de fazer qualquer coisa e que,
afastando vocês, Deus cumpriu tudo, Ele mesmo no seu Filho. Esta revelação põe fim às
lutas e a todos os esforços humanos.
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Estas citações foram extraídas de "Hudson Taylor e a Missão interna na China".
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mais louvores que pedidos. Pedimos muito para nós mesmos, porque estamos cegos a
respeito do que Deus tem realizado para nós.
Lembro-me de uma conversação que tive um dia em Xangai com um irmão que estava
muito preocupado com o seu estado espiritual. Ele me dizia: "Existem tantos crentes que
têm uma vida bela e santa. Eu tenho vergonha de mim mesmo. Me chamo cristão, mas
quando me confronto com os outros, sinto que não o sou para nada. Gostaria conhecer
esta vida crucificada, esta vida de ressurreição, mas não a conheço e não vejo meio
algum para chegar até ela". Havia um outro irmão presente e os dois nos entretivemos
por mais duas horas com este homem, tentando lhe fazer compreender que não poderia
ter obtido nada fora de Cristo, mas em vão. O nosso amigo disse: "A melhor coisa que
um homem pode fazer é orar". "Mas se Deus já nos tem dado tudo, o que pode
necessitar pedir?", perguntamos. "Mas não tem me dado tudo", respondeu o homem,
"porque eu continuo a me irar e a cometer toda espécie de erros; e por isso que devo
orar mais".
"E assim", dissemos nós, "você recebeu o que pediu?" "Lamento dizer, porém, que em
verdade não tenho recebido nada de nada", replicou ele. Nos esforçamos, então, para
fazê-lo compreender que, não tendo absolutamente a certeza de sua justificação, não
podia fazer mais nada, nem sequer pela sua santificação.
Neste ponto, apareceu um terceiro irmão que o Senhor usava muito. Sobre a mesa
havia uma garrafa térmica; o irmão a pegou e lhe perguntou: "O que é isto?" "Um
termo". "Bem, suponha por um instante que esta garrafa possa orar, e então comece a
pedir: —Senhor, eu desejo tanto ser um termo. Você não poderia fazer de mim uma
garrafa térmica? Senhor, faze-me a graça de eu me converter num termo. Faze-o, eu te
imploro! —, o que você diria disto?"
"Acredito que nem sequer uma garrafa térmica possa ser tão louca", respondeu o
nosso amigo, "é uma bobagem orar assim: ela já é um termo!" "É isso exatamente o que
você está fazendo", respondeu-lhe então o nosso irmão. "Deus colocou você em Cristo,
já faz tempo. Não pode, então, dizer hoje: 'Quero morrer; quero ser crucificado; quero
ter a vida e a ressurreição'. O Senhor olha para você e simplesmente te diz: 'Você já está
morto! Você já tem nova vida!' toda a maneira de você orar é tão absurda quanto à da
garrafa térmica. Você já não precisa pedir ao Senhor para que faça alguma coisa por
você; só deve pedir ter os olhos abertos para ver que Ele cumpriu tudo".
Este é o ponto essencial. Não precisamos esforçar-nos para morrer, não necessitamos
esperar pela nossa morte, nós já estamos mortos. Temos somente necessidade de
reconhecer o que o Senhor tem feito por nós, e louvá-lo por isto. A luz iluminou aquele
homem, que com lágrimas nos olhos disse: "Ah, eu te louvo por aquilo que fizeste por
mim, porque já me colocaste em Cristo! Tudo o que é dEle é meu!" A revelação veio e
pela fé pode ser firmado; se vocês tivessem encontrado esse irmão mais tarde, teriam
constatado a mudança que tinha ocorrido nele!
Toquemos agora um tema sobre o qual existe uma certa confusão de pensamento
entre os filhos de Deus.
Vamos deter-nos sobre tudo nas palavras de Romanos 6:6: "Sabendo isto, que o
nosso homem velho foi com ele crucificado".
O tempo deste verbo é dos mais preciosos, porque localiza o fato exatamente no
passado. Este fato é definitivo, cumprido de uma vez por todas. A coisa foi feita e não
pode ser anulada. O nosso velho homem foi crucificado de uma vez por todas, e nunca
mais pode ser tirado da Cruz. Eis aqui o que devemos saber.
Quando sabemos isto, o que mais temos a fazer? Voltemos a ler novamente nosso
texto. O seguinte passo encontra-se no versículo 11: "Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado". Estas palavras são claramente a continuação natural do
versículo 6. Vamos lê-las de novo juntos: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi
com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos
mais ao pecado (...) Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor". Esta é a ordem natural. Uma vez que
sabemos que o nosso velho homem foi crucificado em Cristo, o passo seguinte é
considerá-lo como morto. Apesar disso, apresentando a verdade de nossa união com
Cristo, demasiadas vezes foi colocado o acento sobre este segundo ponto —considerar-
nos como mortos—, como se fosse o ponto de partida, enquanto a ênfase deveria melhor
ser colocada sobre o "saber-nos mortos". A Palavra de Deus mostra claramente que
"saber" deve preceder a "reconhecer-se". "Sabendo que... façam de conta que..." o fato
de "considerar-se" deve estar baseado sobre uma revelação divina, de outra forma a fé
não terá fundamento sobre o que se apoiar. Quando sabemos, então espontaneamente
nos consideramos como mortos.
Assim, tratando este argumento, não será preciso remarcar demasiadamente a
exigência de considerar-nos mortos. Fomos demasiado tentados a nos considerar sem
antes saber. Se não temos recebido primeiro uma revelação do fato pelo Espírito e
tentamos considerar-nos, nos veremos arrastados em todo tipo de dificuldade. Quando
chegue a tentação, começaremos a repetir febrilmente: "Eu estou morto, estou morto,
estou morto!" Mas pelo mesmo esforço acabaremos por irritar-nos; e então dizemos:
"Isto não serve de nada. Romanos 6:11 não pode ser realizado". E devemos admitir que
o versículo 11 não pode ser compreendido sem o versículo 6.
Chegaremos, então, à seguinte conclusão: até não sabermos que o estar mortos com
Cristo é um fato, mais nos esforçaremos para nos considerarmos assim, e mais intenso
será o conflito, e mais segura a queda.
Durante anos após a minha conversão eu fui ensinado a me considerar como morto
em Cristo. Eu tentei fazê-lo desde 1920 até 1927. Mais me reconhecia morto para o
pecado, mais me manifestava vivo. Não podia simplesmente acreditar-me morto, e não
podia procurar a morte. Quando procurei ajuda dos outros, me disseram para ler
Romanos 6:11, e mais eu lia esse versículo, tentando aplicá-lo a mim mesmo, mais a
morte parecia se distanciar; eu não conseguir chegar. Estava intensamente desejoso de
obedecer àquele ensino, de considerar-me morto, mas não conseguia compreender por
que não podia conseguir. Devo confessar que este pensamento atormentou-me por
longos meses. Disse ao Senhor: "Se eu não consigo compreender claramente, se não
consigo chegar a ver esta verdade fundamental, não farei mais nada. Não mais
predicarei; não poderei mais te servir; devo, antes que nada, ser iluminado sobre estas
coisas".
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Durante meses continuei a minha busca, às vezes jejuei, mas sem nenhum resultado.
Lembro-me de uma manhã: foi uma manhã tão real que nunca poderei esquecê-la. Eu
estava em meu escritório, sentado em minha escrivaninha, lendo a Palavra de Deus e
orando, e disse: "Senhor, abri os meus olhos!" Então, num raio de luz, vi. Vi a minha
união com Cristo. Vi que eu estava nEle e que quando Ele morreu, também eu morri. Vi
que a questão da minha morte era um fato do passado e não do futuro, e que eu tinha
morrido verdadeiramente como Ele, porque eu estava nEle quando Ele morreu. A luz
tinha finalmente esclarecido as minhas trevas e mi iluminava completamente. Esta
grande revelação inundou-me de tal gozo que pulei da minha cadeira e gritei: "O Senhor
seja louvado, eu estou morto!" Desci as escadas à carreira e me deparei com um dos
meus irmãos que ajudavam na cozinha; eu o peguei do braço e lhe disse: "Irmão, você
sabe que eu estou morto?" Devo admitir que a sua expressão foi de estupefação. "O que
você quer dizer?", perguntou-me. Continuei: "Você não sabe que Cristo morreu? Não
sabe que eu morri com Ele? Não sabe que a minha morte é um fato tão verdadeiro
quanto à dEle?" Oh, eu estava tão seguro! Tinha vontade de correr por todas as ruas de
Xangai e proclamar a todos a minha nova descoberta. Daquele dia, nunca mais duvidei,
nem por um único instante, da importância definitiva destas palavras: "Já estou
crucificado com Cristo" (Gl 2:20).
Não quero dizer que não devamos pô-las em prática. Existem certas aplicações desta
morte que consideraremos por um instante, mas temos aqui, antes que qualquer coisa, o
fundamento. Eu fui crucificado: este é um fato cumprido.
Qual é, então, o segredo que nos conduz a considerar-nos como mortos? Para dizê-lo
numa palavra, é uma revelação. É uma revelação do próprio Deus.
"Não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus" (Mt 16:17);
Ef 1:17-18). É necessário que os nossos olhos se abram a esta realidade da nossa união
com Cristo; isto é mais que conhecê-la como uma doutrina. Uma semelhante revelação
não tem nada de vago ou indefinido. Quase todos nós podemos nos lembrar do dia em
que vimos claramente que Cristo morreu por nós; e deveremos estar igualmente seguros
do momento no qual vimos que estamos mortos com Cristo. Isto não deve ser nebuloso
ou incerto, mas bem preciso, porque é sobre esta base que avançaremos. Não é me
considerando morto que eu o serei. Mas é porque já estou morto —porque vejo o que
Deus tem feito de mim em Cristo— que posso mi considerar morto. Este é o modo justo
de considerar-se. Não se trata de fazê-lo para chegar à morte, mas considerar-se morto
para avançarmos.
CONSIDERAR-SE PELA FÉ
Os primeiros quatro capítulos e meio da carta aos Romanos falam de fé, de fé e de fé.
Somos justificados pela fé em Cristo (Rm 3:28-5:1). A justiça, o perdão dos nossos
pecados, a paz com Deus, tudo nos chega pela fé e sem a fé na obra perfeita de Jesus
Cristo, não se pode obter nada. Mas na segunda parte da carta aos Romanos, não
achamos mais repetida a mesma teoria da fé, e poderia parecer, a primeira vista, que a
ênfase fosse colocada sobre outras coisas. Porém, não é assim, porque onde falta a
palavra "fé" e "crer" achamos, em seu lugar, a palavra "considerai-vos"; e "considerar-
se" e "crer" praticamente têm o mesmo significado.
O que é a fé? A fé é a aceitação de um fato de Deus. Ela sempre tem seu fundamento
no passado. O que diz respeito ao futuro é esperança mais que fé; ainda que seja
verdade que a fé tem como objetivo e fim o futuro, como vemos em Hebreus 11. Talvez
por esta razão a palavra aqui escolhida é "considerar-se". Este é um termo que se refere
exclusivamente ao passado: a tudo aquilo que vemos cumprido no passado, e não como
um acontecimento que deva se repetir no futuro. Este é o tipo de fé que descreve Marcos
em 11:24: "Tudo o que pedirdes em oração, crede que o recebereis, e tê-lo-eis". O que
aqui se afirma é que se acreditamos de ter já obtido aquilo que pedimos (em Cristo,
naturalmente), nos será concedido. Crer que o poderemos obter, ou que o obteremos
não é fé no sentido aqui entendido. Crer que já o obtivemos, eis a verdadeira fé. A fé,
neste sentido, apóia-se sobre o que já foi cumprido no passado. Aqueles que dizem:
"Deus pode", ou bem "Deu poderia", ou ainda "Deu deve" e "se Deus quiser", não
acreditam nada. A fé afirma sempre: "Deus o fez".
Quando é, então, que eu tenho fé para tudo o que concerne à minha crucifixão? Não
certamente quando digo: "Deus pode" ou "se Deus quiser", ou "Ele deve crucificar-me",
mas quando afirmo, com alegria: "Deus seja louvado, eu fui crucificado em Cristo!"
Em Romanos 3, vemos como o Senhor Jesus carregou os nossos pecados até morrer
em nosso lugar, como o nosso substituto, para que nós sejamos perdoados. Em
Romanos 6 nos vemos incluídos na morte com a qual Cristo cumpriu a nossa liberação.
Quando nos foi revelado o primeiro fato, acreditamos nEle para a nossa justificação.
Agora Deus nos pede para reconhecer o segundo fato para a nossa liberação. Assim,
praticamente, na segunda parte da carta aos Romanos, "considerar-se" tomou o lugar de
"crer". O sentido é o mesmo, e a ênfase não é diferente. Como entramos na vida cristã
normal, a vivemos progressivamente pela fé numa realidade divina: em Cristo e em sua
Cruz.
24
para mim". Cinco minutos depois adormeci e durmi, e na manhã seguinte, quando
acordei, estava bem.
É evidente que num fato pessoal como este eu pude errar ao interpretar o que Deus
queria me dizer; mas no que se refere ao fato da Cruz não pode haver qualquer dúvida.
Devemos acreditar em Deus, por muito que os argumentos de Satanás possam parecer-
nos convincentes.
Um hábil mentiroso não age somente com as palavras, mas também com os
comportamentos e as ações; pode passar facilmente tanto uma moeda falsa quanto uma
mentira. O diabo é um hábil mentiroso, e nós não devemos esperar que as suas mentiras
se limitem às palavras.
Ele recorre a sinais, sentimentos e enganos no esforço de esfriar a nossa fé na Palavra
de Deus. Fique bem claro que não contesto a realidade da "carne". Teremos muito para
dizer sobre este tema no curso do nosso estudo. Mas aqui se trata do que pode nos fazer
vacilar da nossa posição em Cristo, a qual nos foi revelada. Devido a que temos aceitado
de estarmos mortos com Cristo como um fato cumprido, Satanás fará de tudo para nos
convencer, valendo-se das nossas experiências cotidianas, que não morremos
completamente, mas estamos bem vivos ainda. Devemos então escolher. Acreditaremos
nas mentiras de Satanás ou na verdade de Deus? Nos deixaremos levar pelas aparências
o ficaremos firmes no q d disse?
Eu sou W. Nee. Eu sei que sou W. Nee. É um fato sobre o qual não tenho dúvidas.
Poderei perder a memória e esquecer que sou W. Nee, ou ainda sonhar que sou uma
outra pessoa. Porém, quaisquer sejam meus sentimentos, enquanto durmo sou W. Nee,
e quando estou desperto sou W. Nee. Se me lembro, sou W. Nee, e se mi esqueço,
igualmente sou W. Nee.
Mas naturalmente, se pretendo ser uma outra pessoa, tudo será muito mais diferente.
Se tentasse de me apresentar como o Sr. C..., deverei repetir-me a cada minuto: "Você
é o Sr. C..., Lembra, não esqueça que é o Sr. C...", e apesar de todos os meus esforços,
é muito provável que não fique muito seguro de conservar esta personalidade; penso
que se alguém me chamasse: "Sr. Nee!" eu responderia em seguida ao meu nome
verdadeiro. A lealdade triunfaria sobre a ficção, e tudo quanto eu tiver feito para
sustentar uma personalidade cairia no momento crucial da prova. Mas eu sou W. Nee,
não tenho portanto nenhuma dificuldade em considerar-me W. Nee. É um fato, uma
realidade e nada de quanto eu faça ou deixe de fazer a pode mudar.
Sendo assim, quer eu o sinta ou não, eu estou morto com Cristo. Como posso estar
seguro? Porque Cristo morreu e: "se um morreu por todos, logo todos morreram" (2
Coríntios 5:14). Que eu possa prová-lo ou que possa tentar de provar o contrário, o fato
persiste igualmente. Enquanto defenda este fato, Satanás não pode me vencer.
Lembremos que os seus ataques são sempre dirigidos à nossa segurança. Se pode
conseguir nos fazer duvidar da Palavra de Deus, ele terá conseguido seu objetivo e nos
tem na mão; mas se ficarmos firmes na certeza de quanto Deus tem estabelecido,
seguros que Ele não pode trair sua obra ou sua palavra, pouco importam, então, as
táticas de Satanás; poderemos muito bem rir dele. Se alguém tentasse me convencer
que eu não sou W. Nee, eu poderia rir com razão.
"Andamos por fé, e não por vista" (2 Coríntios 5:7). Talvez vocês se lembrem da
experiência destes três personagens: a Ação, a Fé e a Experiência em "O peregrino". Eles
caminhavam juntos sobre o fio de um muro. A Ação avança resolutamente sem olhar
para trás. A Fé a segue e tudo vai bem enquanto mantém os olhos fixos sobre a Ação;
porém apenas se preocupa com a Experiência e se volta para ver como essa esta indo,
perde o equilíbrio e cai, arrastando consigo a pobre Experiência.
Cada tentação começa com olhar dentro de nós mesmos, considerando as aparências
e tirando o olhar do Senhor. A Fé encontra sempre uma montanha, considerando as
aparências de evidências que parecem contradizer a Palavra de Deus, uma montanha de
contradições no domínio dos fatos concretos. Assim, ou a fé, ou a montanha, uma das
duas deve ceder. Ambas não podem subsistir juntas. O que é mais triste é que amiúde a
montanha fica e a fé vai embora. Isto não deve acontecer. Se recorremos aos nossos
sentidos para descobrir a verdade, veremos que as mentiras de Satanás estão
freqüentemente de acordo com as nossas experiências; porém se nos negarmos a nos
deixar convencer de tudo o que contradiz a Palavra de Deus, e se mantemos firme a
nossa fé nEle sozinho, veremos que as mentiras de Satanás se dissolverão e a nossa
experiência entrará progressivamente em harmonia com a Palavra de Deus.
Para alcançar este resultado é necessário que nos ocupemos de Cristo de modo que
Ele vá se fazendo mais vivo em nós, na vida de todos os dias. Em cada ocasião o vemos
25
como a verdadeira justiça, a verdadeira santidade, a verdadeira vida da ressurreição em
nós. Aquilo que vemos nEle de maneira objetiva, age em nós de maneira subjetiva —
porém real—, a fim que se manifeste em nós naquela precisa circunstância.
Esta é a marca da maturidade. Isto quer dizer Paulo quando escreve aos gálatas:
"Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado
em vós" (Gl 4:19). A fé assimila as obras de Deus; e a fé é sempre a assimilação das
coisas eternas, de tudo aquilo que é eternamente verdadeiro.
PERMANECER NELE
Ainda que já nos demoramos bastante neste tema, existe uma outra coisa que pode
nos ajudar a entender mais claramente.
As Escrituras declaram que "estamos verdadeiramente mortos", mas não dizem que
estejamos mortos em nós mesmos. Procuraremos em vão a morte em nós mesmos; é
justamente aqui que não a acharemos. Estamos mortos não em nós mesmos, mas em
Cristo. Fomos crucificados com Ele porque estávamos nEle.
Conhecemos bem as palavras do Senhor Jesus: "Permanecei em mim, e eu
permanecerei em vós" (João 15:4). Meditemos nelas um instante. Elas nos recordam, em
primeiro lugar, ainda mais uma vez, que não devemos lutar para entrar "em Cristo". Não
nos é pedido entrar nEle, porque já estamos ali; mas nos é pedido de permanecer onde
fomos colocados. É obra de Deus, Ele mesmo nos colocou em Cristo; nós devemos
somente permanecer nEle. De fato, estas palavras colocam em nós um princípio divino, o
de que Deus cumpriu a obra em Cristo e não em nós individualmente. A morte e a
ressurreição do Filho de Deus que nos incluem a todos, foram completadas plenamente,
na plenitude dos tempos, fora de nós. É a história de Cristo a que deve converter-se na
experiência do crente, e nós não temos experiências espirituais fora dEle. As Escrituras
nos dizem que fomos crucificados com Ele, com fomos vivificados, ressuscitados e
sentados com Deus nos lugares celestiais (Rm 6:6, Ef 2:5-6, Cl 2:10). Esta não é
simplesmente uma obra que deve ser completada em nós (ainda que seja assim,
naturalmente), mas uma obra que já foi cumprida em união com Ele.
Vemos nas Escrituras que nenhuma experiência existe por si mesma. O que Deus
completou em seu desígnio de graça é a associação com Cristo. O que Deus cumpriu em
Cristo, o cumpriu no cristão; o que cumpriu na cabeça, o cumpriu também nos membros.
É então um erro pensar que podemos alcançar qualquer experiência espiritual
simplesmente por nós mesmos, fora de Cristo. Deus não deseja que nós adquiramos
nada exclusivamente pessoal em nossa experiência. Ele não fará nada neste sentido,
nem por vocês, nem por mim. Toda a experiência espiritual do crente está já em Cristo
(ver o fim do capítulo 5). Ela já foi vivenciada por Cristo. O que chamamos de "nossa"
experiência é somente o nosso ingresso em sua história e em suas experiências.
Seria estranho que uma vara de videira dê uvas brancas, enquanto uma outra vara
produza uvas verdes, e ainda uma outra, pretas; que cada galho produzisse um fruto de
sim mesmo, sem ter relação com a videira. Isto é impossível, inconcebível. É a videira
que determina a natureza dos galhos. E ainda assim, alguns cristãos procuram as
experiências simplesmente como experiências. Pensam na crucifixão como em um
acontecimento, na ressurreição como em um outro acontecimento, na ascensão como em
um outro ainda, sem nunca perceber que tudo isso está ligado a uma Pessoa. Somente
quando o Senhor abre os nossos olhos para ver a Pessoa, nós podemos ver
verdadeiramente.
Toda a verdadeira experiência espiritual significa que tomamos um dato cumprido em
Cristo e que começamos a fazer parte dele; tudo o que não provém dEle neste modo é
uma experiência destinada a se dissolver muito pronto. Eu tive esta revelação em Cristo;
então, Deus seja louvado, ela é minha! A possuo, Senhor, porque está em Ti. Que coisa
grande é o conhecer a realidade de Cristo como fundamento da nossa experiência!
Assim, o princípio fundamental sobre o qual Deus nos dirige em nossas experiências,
não consiste em dar-nos coisas. Não consiste em nos fazer passar por um certo caminho
para colocar em nós, como resultado, alguma coisa que possamos chamar de "nossa
experiência". Deus não cumpriu em nós uma obra que nos permitirá dizer: "Eu morri em
Cristo no passado março", ou "Eu ressuscitei em 1º de janeiro de 1937", nem "Quarta-
feira passada pedi uma experiência precisa e a obtive". Não, não é assim. Eu não procuro
a experiência em si mesma, neste tempo de graça. A noção de tempo não pode conduzir
o meu pensamento quando considero a história do espírito. Mas, dirá alguém, o que
devemos pensar das crises que muitos de nós têm atravessado? É verdade, alguns de
nós temos atravessado verdadeiras crises em suas vidas. George Muller, por exemplo,
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pode dizer, dobrando-se até o chão: "Houve um dia em que George Muller morreu". O
que significa isso? Não, não duvidamos da realidade das experiências espirituais que
atravessamos, nem da importância das crises pelas quais Deus nos conduz em nosso
caminho com Ele; já ressaltamos a necessidade de sermos bem precisos sobre o motivo
central das crises que atravessamos em nossas vidas. Porém o fato que nos interessa é
que Deus não nos dá experiências simplesmente individuais. Tudo aquilo que
experimentamos é somente a entrada naquilo que Deus já cumpriu. É a "realização" no
tempo das coisas eternas. A história de Cristo se converte em nossa história espiritual;
nós não temos a nossa história separada da dEle. Toda a obra que nos abrange não é
assim feita em nós, senão em Cristo. Ele não separa a obra que cumpre no individuo
daquele cumprida sobre a Cruz. Nem a vida eterna nos é entregue separadamente; a
vida está no Filho e "quem tem o Filho tem a vida" (1 Jo 5:12): Deus cumpriu todo em
seu Filho e nos colocou nEle; nós estamos incorporados em Cristo. Ora, o ponto
importante nisso tudo é o valor prático e real da aplicação da fé que diz: "Deus me
colocou em Cristo, portanto, tudo aquilo que é verdade dEle é verdade de mim. Eu quero
permanecer nEle". Satanás procura sem parar de nos fazer desviar da nossa posição em
Cristo, de ter-nos fora dEle, de nos convencer que estamos longe, e com tentações,
erros, sofrimentos, provas, nos fazer cruelmente sentir que não estamos em Cristo. O
nosso primeiro pensamento é que, se estivéssemos em Cristo, não estaríamos nesse
estado de debilidade, e portanto, a julgar pelo que estamos passando, devemos estar
separados dEle; assim começamos a orar: "Senhor, coloca-me em Cristo". Não! Deus nos
pede para "permanecer" em Cristo; este é o caminho da liberdade. Por quê? Porque isto
abre a Deus a via para intervir em nossa vida e cumprir a sua obra em nós. Isto permite
a ação do seu poder divino, o poder da ressurreição (Rm 6:4 - 9:10), a fim que as
realidades que se encontram em Cristo se tornem progressivamente as realidades da
nossa experiência cotidiana, e porque lá, onde primeiro "reinava o pecado" (Rm 5:21),
podemos constatar com alegria que já não somos mais "escravos do pecado" (Rm 6:6).
Quando nos apoiamos firmemente sobre a base daquilo que Cristo é para nós,
achamos que tudo o que é verdade dEle, transforma-se em verdade em nós, em nossa
vida. Se, ao contrário, voltarmos sobre a base daquilo que somos que de nossa velha
natureza, repetimos as mesmas experiências de desconforto e escravidão (ver capítulo
6). Se estamos em Cristo, temos tudo; se voltamos onde estávamos antes, já não temos
nada.
Amiúde nos colocamos no ponto errado para achar a morte em nós mesmos. Ela está
em Cristo. Nós não temos que olhar em nós para ver que estamos bem vivos para o
pecado; porém, no momento em que fixamos o olhar por cima de nós, no Senhor, Deus
vê que a morte opera aqui, mas que a "novidade de vida" opera em nós. Estamos "vivos
em Deus" (Rm 6:4-11).
"Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós". Estas palavras testemunham duas
coisas: um mandamento acompanhado de uma promessa. Isto significa que há na obra
de Deus um aspecto objetivo e um subjetivo, e que o aspecto subjetivo depende do
objetivo; o "Eu permanecerei em vós" é a conseqüência do "permanecei em mim".
Devemos estar atentos a não preocupar-nos demasiado com a parte subjetiva, para não
voltar-nos de mais em nós mesmos. Devemos afirmar-nos na parte objetiva "permanecei
em mim", deixando que Deus se ocupe da parte subjetiva. Isto é o que Ele começou a
fazer.
Podemos parangonar tudo isto com a luz elétrica. Vocês estão num quarto onde
escurece, o dia declina. Desejariam ter luz para poder ler. Há uma luminária sobre a
mesa. O que vocês farão? Olharão fixo para que ela ligue? Ou pegarão um pano para
poli-la? Não, vocês se levantarão, cruzarão a habitação até o interruptor e então ligarão
a luz. A vossa atenção vá até a fonte da energia e quando fazemos o necessário, a luz
brilhará no quarto. Assim é no nosso caminho com o Senhor: a nossa atenção deve estar
fixa em Cristo. "Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós". Esta é uma ordem
divina. A fé nos fatos objetivos transforma estes fatos verdadeiros subjetivamente. Como
diz o apóstolo Paulo: "Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho
a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem..." (2
Coríntios 3:18). O mesmo princípio é verdadeiro no que diz respeito ao fruto da nossa
vida: "quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto" (João 15:5). Nós não devemos
tentar produzir fruto, nem concentrar a nossa mente em nossos produtos. O que
devemos fazer é manter firme o nosso olhar sobre Ele. E enquanto o fazemos, Ele é fiel
para cumprir a sua Palavra em nós.
27
Como permanecer nEle? "Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de
seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor" (1 Coríntios 1:9). Era assunto de Deus colocar-nos
nEle e Ele o fez. Assim, estamos nEle! Não voltamos sobre o nosso ser particular. Não
olhamos mais a nós mesmos, como se não estivéssemos em Cristo. Olhamos para Jesus
com a certeza que estamos nEle. Permanecemos nEle. Repousamos sobre o fato que
Deus nos colocou em seu Filho, a avançamos com a confiança que Ele cumprirá a sua
obra em nós. É Ele que realiza em nós a gloriosa promessa de que "o pecado não terá
domínio sobre vós" (Rm 6:14).
O Reino deste mundo não é o Reino de Deus. Ele estabeleceu um sistema universal,
um universo de Sua criação que devia ter como cabeça Cristo, seu Filho. "Porque nele
foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam
tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele
e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele."
(Colossenses 1:16-17). Mas Satanás, operando através da carne do homem, estabeleceu
em vez disso um sistema rival, que as Escrituras chamam "o mundo", um sistema no
qual estamos envolvidos e sobre o qual ele domina, porque se converteu no "príncipe
deste mundo" (João 12:31).
DUAS CRIAÇÕES
Assim, por obra de Satanás, a primeira criação se converteu na velha criação, que já
não tem interesse para o Senhor. O interesse de Deus está agora concentrado na
segunda e nova criação, um novo reino e um novo mundo, no qual nada da velha
criação, do antigo reino do antigo mundo poderá ser transferido. É necessário agora
considerar dois reinos rivais, e ver a qual deles nós pertencemos.
Em verdade, o apóstolo Paulo não nos deixa dúvidas de qual destes dois domínios
seja, hoje, o nosso. Ele diz que Deus, na redenção, "nos tirou da potestade das trevas, e
nos transportou para o reino do Filho do seu amor" (Colossenses 1:12-13). A nossa
cidadania de agora em diante pertence a este reino.
Mas para nos fazer entrar nele, Deus deve cumprir em nós alguma coisa nova. Deve
fazer de nós novas criaturas. Não podemos pertencer ao novo reino sem sermos criados
de novo. "O que é nascido da carne é carne" (João 3:6), e "carne e o sangue não podem
herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção" (1 Coríntios 15:50). Seja
qual for o nível de seu desenvolvimento, de sua cultura ou de seu valor, a carne
permanece sempre carne. A nossa possibilidade de pertencer ao novo reino dependa da
criação à qual pertencemos. Somos da velha ou da nova? Nascemos da carne ou do
Espírito? A condição definitiva para pertencer ao novo mundo depende da nossa origem.
Não depende "do bom ou do mau", mas "da carne e do Espírito". Aquele que nasceu da
carne é carne, e nunca será outra coisa. Aquilo que pertence à velha natureza não
poderá jamais passar para a nova... desde que compreendemos realmente o que Deus
procura, ou seja, alguma coisa profundamente nova para Ele sozinho, vemos claramente
que nós não podemos aportar, neste novo nascimento, nenhum elemento da antiga
natureza.
Deus queria nos ter para si mesmo, mas não podia nos fazer entrar em seu plano
assim como nós éramos; então, antes que nada nos fez morrer por meio da Cruz de
Cristo, e depois, com a sua ressurreição, nos deu nova vida. "Assim que, se alguém está
em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2
Coríntios 5:17).
Sendo agora novas criaturas, com uma nova natureza e um conjunto de novas
faculdades, podemos entrar no novo reino e no novo mundo. A Cruz foi o meio pelo qual
Deus se serviu para pôr fim às "velhas coisas", deixando inteiramente de lado o nosso
"velho homem", e a ressurreição é o meio pelo qual Deus nos deu tudo aquilo que
necessitávamos para viver neste novo mundo. "De sorte que fomos sepultados com ele
pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela
glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida" (Rm 6:4).
A grande negação do universo é a Cruz, porque por meio dela Deus cancelou tudo
aquilo que não era dEle: o fato mais positivo no universo é a ressurreição, porque por ela
Deus deu existência a tudo aquilo que desejava ter no novo mundo. Assim, a
ressurreição é a fonte do novo nascimento. É uma bênção ver que a Cruz dá fim a todo
28
aquilo que pertencia ao primeiro regime e que a ressurreição introduz aquilo que se
adapta ao segundo. Tudo o que teve inicio antes da ressurreição deve ser cancelado. A
ressurreição é o novo ponto de partida de Deus.
Estamos agora diante da presença de dois mundos, o antigo e o novo. Sobre o antigo
Satanás exerce soberania absoluta. Vocês podem ser homens bons na velha natureza,
mas enquanto permaneçam estarão sob uma sentença de morte, porque nada do velho
pode passar para o novo. Através da Cruz, Deus declara que tudo aquilo que é da velha
natureza deve morrer. Nada do que esteve no primeiro Adão pode ultrapassar a Cruz;
tudo acaba lá. Quanto antes o vejamos, melhor será, porque através da Cruz Deus abriu
a via para liberar-nos desta velha natureza. Ele reuniu tudo aquilo que era de Adão na
pessoa de seu Filho e o crucificou; tudo o que era de Adão foi, portanto, destruído nEle.
Assim Deus proclamou diante de todo o universo: "por meio da Cruz destruí todos
aqueles a não são meus; vocês que pertencem à velha natureza estão compreendidos
nesta obra: também vocês foram crucificados com Cristo!" Ninguém pode fugir a este
veredicto.
Isto nos leva à questão do batismo.
"Ou, porventura, ignorais que todos quantos fomos batizados em Cristo Jesus fomos
batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte..." (Rm
6:3-4). Devemos agora nos perguntar o que significam estas palavras.
Nas Escrituras o batismo está associado à salvação: "Quem crer e for batizado será
salvo" (Marcos 16:16). Não podemos falar, segundo as Escrituras, de "regeneração pelo
batismo", mas podemos falar de "salvação pelo batismo". O que é a salvação? Ela está
em relação não com os nossos pecados nem com o poder do pecado, mas com o cosmos,
vale dizer, com o sistema deste mundo. Nós estamos no sistema do mundo satânico.
Estar salvos significa sair deste sistema para entrar naquele de Deus.
Pela Cruz do Senhor Jesus Cristo, diz Paulo: "o mundo está crucificado para mim e eu
para o mundo" (Gálatas 6:14). Este é o tema desenvolvido por Pedro quando fala das
oito pessoas que "se salvaram através da água" (1 Pedro 3:20). Entrando na arca, Noé e
os seus saíram, pela fé, deste velho mundo corrupto para passar a um novo mundo. A
coisa essencial não é que foram pessoalmente salvos do dilúvio, mas que saíram deste
sistema corrupto. Esta é a salvação.
Pedro continua a seguir:
"...que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, o batismo..." (versículo
21). Em outras palavras, por este aspecto da Cruz que está representado pelo batismo,
vocês são liberados deste presente mundo malvado, e o confirmam com a sua imersão
na água. Este é o batismo "em sua morte", que põe fim a uma criação; mas é também o
batismo "em Jesus Cristo" que faz uma nova criatura (Romanos 6:3). Vocês entram na
água e o seu mundo, simbolicamente, desce com vocês. Vocês ressurgem em Cristo,
porém o seu mundo permanece submergido. "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo,
tu e a tua casa. E lhe pregavam a palavra do Senhor, e a todos os que estavam em sua
casa. E, tomando-os ele consigo naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os vergões; e
logo foi batizado, ele e todos os seus" (Atos 16:31-33). Com este ato o carcereiro e os
que estavam com ele deram testemunho diante de Deus, ao seu povo e às potencias
espirituais que estavam realmente salvos de um mundo condenado. Como resultado,
lemos, se alegraram grandemente porque "haviam acreditado em Deus".
Portanto está claro que o batismo não é uma simples questão relativa a um copo de
água ou a um batistério. É uma coisa muito maior, ligada à morte e à ressurreição do
nosso Senhor Jesus Cristo, tendo em vista dois mundos. Todos os que têm trabalhado
em países pagãos conhecem quão tremendas discussões são provocadas pelo batismo.
5
Do grego "sumphutos", "plantado e crescido com Ele", "convertidos numa mesma coisa com".
A palavra é utilizada no grego clássico no sentido de "enxertada". Na esplêndida ilustração que
vimos, penso que a analogia de "enxertado" não seja expressa demasiado exatamente, por quanto
não é prudente dizer, fora de qualquer precisão, que Cristo foi "enxertado" na velha cepa. Mas qual
palavra pode descrever adequadamente o milagre da nova criação? (Ed.).
6
O "Long-Ien" (Euforia Longana) é uma árvore originaria da China. Seu fruto é grande como
um damasco e tem uma noz redonda, uma casca similar a papel seco, marrom claro, polpa
deliciosa, branca, similar à uva. Se come fresco ou seco, e os chineses o apreciam pelo ser valor
nutritivo (Ed.).
31
Uma enfermeira estrangeira ofereceu então um pedaço de pele e a operação foi um
sucesso. A pele nova se grudou à velha e a mulher deixou o hospital com os braços
perfeitamente curados; permaneceu, porém, sobre os seus braços amarelos uma seção
de pele branca estrangeira, para lembrá-la da história passada. Vocês perguntarão como
podia a pele de um outro crescer sobre os braços daquela mulher? Eu não sei, só sei que
aconteceu.
Se um cirurgião deste mundo pode enxertar um fragmento de pele de um ser
humano para transplantá-lo em outro, o Divino Cirurgião não poderá transplantar a vida
de seu Filho em mim? Eu não sei como Ele faz. "O vento assopra onde quer, e ouves a
sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é
nascido do Espírito" (João 3:8). Nós não podemos fazer nada e não temos nada a fazer
para contribuir, porque com a ressurreição Deus já fez tudo.
Deus já cumpriu tudo. Existe uma única vida fecunda no mundo, e essa foi enxertada
em milhões de outras vidas. Nós a chamamos "novo nascimento". O novo nascimento é a
infusão de uma vida que eu não possuía antes. Não é uma transformação da minha vida
natural, é uma outra vida, inteiramente nova, absolutamente divina e que se
transformou em minha vida.
Deus deu fim à velha criação com a Cruz de seu Filho, para poder introduzir, com a
ressurreição, uma nova criação em Cristo. Ele fechou a porta ao antigo reino de trevas e
me fez entrar no reino de seu amado Filho. Eu exulto pelo fato que tudo foi cumprido;
que, pela Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, este velho mundo foi crucificado em mim, e
eu fui crucificado para o mundo" (Gl 6:14). O meu batismo é o testemunho público que
eu rendo deste fato. "Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz
confissão para a salvação" (Rm 10:10).
7
Dois verbos gregos, "paristano" e "paristemi" são traduzidos como "dar" na versão revisada
(original), enquanto a versão antiga diz "oferecer". "Paristemi" é utilizado freqüentemente com
este significado, por exemplo em Rm 12:1; 2 Co 11:2; Cl 1:22,28; Lc 2:22, onde se refere à
apresentação de Jesus no Templo. Ambos verbos têm um sentido de ação, pelo qual a versão
revista é a que deve preferir-se. "oferecer" contém antes bem uma idéia passiva de abandono que
tem muita influência sobre o pensamento evangélico, mas que não está em harmonia com o
contexto que temos aqui em Romanos (Ed.).
Tanto na ARA como na PJFA a palavra é traduzida como "apresentar". Nas outras passagens
mencionadas acima também, em todas, tem a mesma tradução (N. do T.).
32
dos mortos, analogamente, reconheço de estar "vivo para Deus em Cristo Jesus"
(versículos 9 e 11), porque os dois aspectos da Cruz, o da morte e o da ressurreição,
devem ser aceitos por fé. Quando cheguei a este ponto, o me dar a mim mesmo a Deus
é uma conseqüência natural. Na ressurreição Ele é a fonte da minha vida, é a minha
vida; assim posso doá-Lhe tudo, porque tudo é dEle, nada é meu. Porém se não passo
através da morte, não tenho nada para consagrar a Ele, e não há nada em mim que
Deus possa aceitar, porque Ele condenou sobre a Cruz tudo aquilo que pertence ao
"velho homem". A morte eliminou tudo aquilo que não pode ser consagrado e só a
ressurreição permite a consagração. Dar-me a Deus significa, de agora em diante, que
considero a minha vida inteira como pertencente ao Senhor.
SERVO OU ESCRAVO?
Se nos damos sem reservas a Deus, muitas modificações acontecerão em nossa vida,
em nossa família, em nosso trabalho, em nossas relações de igreja e nas nossas opiniões
pessoais. Deus não permitirá que subsista nada de nós mesmos. Os seus dedos tocarão
ponto por ponto tudo aquilo que não provém dEle e nos dirá: "Isto deve desaparecer".
Estamos prontos para isso? É uma loucura resistir a Deus e é sempre sábio submeter-se
a Ele. Reconheçamos que muitos de nós temos ainda contrastes com o Senhor. Ele quer
uma coisa, enquanto nós queremos outra. Existem coisas que nós não ousamos sondar,
pelas quais não nos atrevemos a orar, às quais não ousamos nem sequer pensar por
medo de perder a nossa paz. Podemos assim subtrair-nos a certos problemas, mas isto
nos faz evadir a vontade de Deus. É sempre tão fácil evadir-nos de Sua vontade, mas
que precioso é que voltemos a colocar-nos em Suas mãos para que Ele possa agir em
nós como Ele deseja!
Como é precioso sermos conscientes de pertencermos ao Senhor e não a nós
mesmos! Não existe nada de mais precioso no mundo! É isso que nos dá a certeza de
Sua presença contínua e a razão é clara. Devo, antes que nada, ter a certeza de
pertencer a Deus para ter, a seguir, consciência de Sua presença em mim. Quando sinto
que Lhe pertenço, não posso mais fazer nada em meu interesse pessoal, porque sou de
Sua exclusiva propriedade. "Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos
para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte,
ou da obediência para a justiça?" (Rm 6:16). A palavra "servo" é, de fato, muito
apropriada. A encontramos repetidamente nesta segunda parte de Romanos 6.
Qual é a diferença entre um servo e um escravo? Um servo pode servir um outro, mas
o direito de propriedade não passa àquele outro. Se um servo gosta do seu patrão ele o
serve, mas se não gosta, pode desligar-se dele e procurar um outro patrão. Como eu me
converti em escravo do Senhor? Eu fui comprado por Ele e me entreguei a Ele. Em
virtude da redenção eu sou propriedade de Deus, mas para ser seu escravo devo doar-
me voluntariamente a Ele, porque Ele nunca vai me constranger. O que mais nos
entristece hoje é que muitos cristãos têm idéias demasiado restritas a respeito do que
Deus exige deles. Com quanta leviandade dizem: "Senhor, eu estou pronto para tudo".
Sabemos que Deus nos pede a nossa própria vida? Há sonhos prediletos, fortes
vontades, relações preciosas, um trabalho muito amado que devem ser abandonados;
porém, se nos negamos a desapegar-nos inteiramente, não podemos doar-nos a Deus.
porque Deus tomará a sua palavra, ainda quando vocês não a cumpram seriamente.
34
O que fez o Senhor quando o rapaz da Galiléia lhe entregou seu pão? O partiu. Deus
partirá sempre o que Lhe é oferecido. Ele rompe aquilo que pega, mas depois de tê-lo
rompido o abençoa e o adota para responder às necessidades dos outros. Depois que
vocês tenham se entregado ao Senhor, Ele começará partir o que vocês Lhe ofereceram.
Tudo parece então andar mal e vocês protestam e acreditam ver erros nas vias de Deus.
Mas desta forma serão somente um vaso quebrado, sem utilidade alguma para o mundo,
pois se distanciaram demasiado dEle e assim não pode servir-se de vocês. Não estão
mais de acordo com o mundo e, ao mesmo tempo, estão em contraste com Deus. Esta é
a tragédia de muitos crentes.
O donativo de mim mesmo ao Senhor deve ser um ato inicial e fundamental. A seguir,
dia após dia, devo continuar no oferecimento de mim mesmo, sem achar injusta a forma
da qual Ele se serve de mim; mas aceitando com agradecimento também aquilo pelo
qual a carne se rebela. Eu sou do Senhor e não considero mais a minha vida como
própria, mas de propriedade e direito dEle. Este é o comportamento interior que Deus
exige, e mantê-lo é a verdadeira consagração.
"Eu não me consagro para ser um missionário ou um predicador; me consagro a Deus
para fazer a Sua vontade, lá onde eu estou, seja na escola, no trabalho ou no escritório,
seja na cozinha aceitando tudo aquilo que Ele me confia como o melhor, porque somente
aquilo que é bom pode ser a parte daqueles que são inteiramente dEle. Esperamos ser
sempre conscientes de não pertencemos mais a nós mesmos, mas ao Senhor.
Temos constatado que para viver a verdadeira vida cristã necessitamos revelação, fé,
consagração. Mas se não vemos o objetivo que Deus tem se fixado, não
compreenderemos nunca claramente como estas experiências sejam necessárias para
conduzir-nos a este fim. Portanto, antes de considerar mais profundamente a questão da
experiência interna, prestemos atenção principalmente sobre o grande ponto divino que
está diante de nós.
Qual é o desígnio de Deus na criação? E qual é seu desígnio na redenção? Pode ser
resumido em duas frases, e cada uma trata de uma das duas partes em que dividimos a
carta aos Romanos: "a glória de Deus" (Rm 3:23) e "a glória dos filhos de Deus" (Rm
8:21). Lemos em Rm 3:23: "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de
Deus". O fim que Deus tinha previsto para o homem era a glória, mas o pecado
obstaculizou este desígnio e impediu o homem de alcançar a glória de Deus. Quando
pensamos no pecado, pensamos instintivamente no juízo que produziu; o associamos
invariavelmente à condena e ao inferno. O pensamento do homem gira sempre em volta
do castigo que terá aquele que pecar; mas o pensamento de Deus está sempre voltado à
glória que o homem perderá se pecar.
O resultado do pecado é que nós somos privados da glória de Deus; o resultado da
redenção é que estamos de novo no caminho para a glória. O objetivo de Deus na
redenção é a glória, a glória, a glória.
O GRÃO DE TRIGO
Mas como pode o Filho unigênito de Deus se converter em Seu Filho primogênito? Isto
está explicado em João 12:24: "Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo,
caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto". A quem
representa este grão de trigo? Ele representa o Senhor Jesus. Em todo o universo, Deus
não possuía senão um único "grão de trigo"; não tinha um segundo. Deus colocou este
grão de trigo em terra; Ele morreu e na ressurreição o grão único tornou-se o grão
primogênito; porque deste único grão nasceram muitos outros.
No que diz respeito à sua divindade, o Senhor Jesus fica sozinho: "o Filho unigênito de
Deus". Existe porém um outro sentido no qual, da ressurreição e durante toda a
eternidade, Ele é também o primogênito e sua vida, partindo daquele momento, se
encontra em muitos irmãos. Porque nós que somos nascidos do Espírito nos tornamos,
por isso, em "participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:4). Não porém de nós
mesmos, mas, como veremos dentro de pouco, só porque isso depende de Deus em
virtude da nossa posição "em Cristo". Nós temos "recebido o espírito de adoção de filhos,
pelo qual clamamos: Aba! Pai! O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que
somos filhos de Deus" (Rm 8:15-16). É pela encarnação e a Cruz que o Senhor Jesus
rendeu isso possível. Assim o coração paterno de Deus ficou satisfeito, porque pela
obediência de seu Filho até a morte, o Pai conseguiu muitos filhos.
O primeiro e o vigésimo capítulo de João são, a este respeito, muito preciosos. No
início de seu Evangelho, João nos fala de Jesus como do Filho unigênito que veio do lado
do Pai (João 1:14). No fim do seu Evangelho, João nos lembra que o Senhor Jesus,
36
depois de sua morte e ressurreição, disse a Maria Madalena: "Vai para meus irmãos, e
dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus" (Jo 20:17). Até
aqui, neste Evangelho, o Senhor tinha dito freqüentemente: "o Pai" ou bem "meu Pai";
ora, na ressurreição, Ele agrega: "o vosso Pai". É o Filho maior, o primogênito quem fala.
Graças à sua morte e à sua ressurreição, muitos irmãos foram introduzidos na família de
Deus; por isso, no mesmo versículo, Ele os chama "meus irmãos". Assim fazendo Ele
afirma que "não me envergonho de chamá-los meus irmãos" (Hebreus 2:11).
37
Duas ordens de vida tinham sido propostas a Adão: aquela da vida divina, em
dependência de Deus, e aquela da vida humana, com seus recursos "independentes". A
escolha desta última, realizada por Adão, foi "pecado" porque ele se aliou com Satanás
para opor-se ao desígnio eterno de Deus. Isto ele fez escolhendo desenvolver a sua
humanidade para se tornar talvez um homem muito diferente, aliás, um homem
"perfeito" desde o seu ponto de vista, porém longe de Deus. Mas o fim devia ser a morte,
porque não tinha em si a vida divina, necessária à realização do desígnio de Deus em sua
existência, e porque ele tinha preferido se tornar, com "a independência", um agente do
inimigo. É assim que em Adão todos nós nos convertemos em pecadores, dominados
como ele por Satanás, sujeitos como ele à lei do pecado e da morte e merecendo, como
ele, a cólera divina.
Aqui vemos a razão divina da morte e da ressurreição do Senhor Jesus. Vemos,
também, a razão divina da verdadeira consagração, da necessidade de considerar-nos
como mortos para o pecado, mas como vivos para Deus em Jesus Cristo, e de
apresentar-nos a Deus como vivificados, feitos vivos dos mortos que éramos. Devemos ir
todos à Cruz, porque aquilo que está em nós é por natureza uma vida egoísta em vez de
uma vida divina; assim Deus deveu ajuntar tudo o que havia em Adão e deixá-lo de lado.
O nosso "velho homem" foi crucificado. Deus nos colocou a todos em Cristo e o crucificou
como o último Adão, assim tudo o que era de Adão foi cancelado. Depois, Cristo
ressuscitou sob uma nova forma, tendo ainda um corpo, mas no espírito e não mais na
carne. "O último Adão em espírito vivificante" (1 Coríntios 15:45). O Senhor Jesus tem
agora um corpo ressuscitado, um corpo espiritual, um corpo glorioso e, como não está
mais na carne, pode ser agora recebido por todos; "quem de mim se alimenta, também
viverá por mim" (João 6:57), disse Jesus.
Os judeus indignavam-se diante do pensamento de comer sua carne e de beber o seu
sangue, e de fato não podiam recebê-lo então porque ainda estava literalmente presente
na carne. Agora que está no Espírito, cada um de nós pode recebê-Lo; e é participando
de sua ressurreição que nos convertemos em filhos de Deus. "Mas, a todos quantos o
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu
nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do
homem, mas de Deus" (João 1:12-13).
Deus não está operando na reformação de nossa vida. O seu objetivo não é o de levar
a nossa vida até um grau de afinamento, porque isto significaria colocar esta vida sobre
um plano inteiramente errado. Sobre tal plano Deus não poderia, agora, levar o homem
è glória. Ele deve criar um novo homem; um homem nascido de novo, nascido de Deus.
A regeneração e a justificação vão a passos juntos.
A EFUSÃO DO ESPÍRITO
Antes que nada tomemos o livro dos Atos dos Apóstolos, 2:32-36, e consideremos
brevemente este parágrafo:
(32) Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas.
(33) De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa
do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis.
(34) Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio diz: Disse o Senhor ao meu
Senhor: Assenta-te à minha direita,
(35) Até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés.
(36) Saiba, pois com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós
crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.
Deixemos de lado, por um instante, os versículos 34 e 35 (que são uma citação do
Salmo 110 e constituem um parêntese), e consideremos juntos os versículos 33 e 36
para poder discernir melhor a força do discurso de Pedro, não levando em conta o início.
Pedro declara, no versículo 33, que o Senhor Jesus foi "exaltado pela destra de Deus".
Qual foi o resultado? Recebeu do Pai o Espírito Santo que tinha sido prometido. O que
veio depois? O prodígio do Pentecoste!
O resultado de sua ascensão foi "isto que vós agora vedes e ouvis".
Sobre qual base, então, foi entregue o Espírito Santo pela primeira vez ao Senhor
Jesus, a fim que o derramasse sobre seu povo? Fui o fato de sua ascensão ao céu. Este
passo esclarece completamente que o Espírito Santo foi derramado porque o Senhor
Jesus foi exaltado. A efusão do Espírito Santo não tem nenhuma relação com seus
méritos, nem com os meus, mas unicamente com os méritos do Senhor Jesus.
Não nos interessa considerar aquilo que somos, mas somente o que "Ele é". Ele é
glorificado; por isso o Espírito foi derramado. Porque o Senhor Jesus morreu sobre a
Cruz, eu recebi o perdão dos meus pecados; porque o Senhor Jesus ressuscitou dos
mortos, eu recebi a nova vida; porque o Senhor Jesus foi elevado à destra do Pai, eu
recebi o Espírito que Ele espalhou. Tudo foi a cauda dEle; nada a causa de mim. A
remissão dos pecados não está baseada sobre méritos humanos, mas sobre a crucifixão
do Senhor; e o revestimento do Espírito Santo não está baseado em méritos humanos,
mas sobre a exaltação do Senhor. O Espírito Santo não foi derramado sobre vocês ou
sobre mim para demonstrar como somos grandes, mas para mostrar a grandeza do Filho
de Deus.
Agora tomemos o versículo 36. Há aqui uma palavra que deve atrair a nossa atenção:
a palavra "pois". Quando usamos geralmente esta palavra? Não para introduzir uma
declaração; mas como conseqüência de uma declaração que já foi formulada. Sua
utilização se refere sempre a alguma coisa que já foi mencionada. Ora, de que foi
precedido este "pois" no nosso texto? Com que coisa está relacionado? Não pode estar
40
ligado logicamente ao versículo 34 nem ao 35, mas está claramente ligado ao versículo
33. Pedro faz menção da efusão do Espírito sobre os discípulos; "isto que vós agora
vedes e ouvis" e agrega: "Saiba, pois com certeza toda a casa de Israel que a esse
Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo". Pedro, em substância, disse
aos seu ouvintes: "Esta efusão do Espírito, da qual vocês foram testemunhas com seus
olhos e ouvidos, é a prova de que Jesus de Nazaré, a quem vocês crucificaram, é agora
Senhor e Cristo". O Espírito Santo foi derramado sobre a terra para demonstrar aquilo
que aconteceu nos céus, a ascensão de Jesus de Nazaré à destra de Deus Pai. O fato do
Pentecoste prova a soberania de Jesus Cristo.
Havia um jovem chamado José que era ternamente amado pelo seu pai. Um dia
chegou ao pai a notícia de que seu filho tinha morrido, e por muitos anos Jacó chorou a
morte de José. Mas José não tinha morrido; havia, pelo contrário, obtido uma posição de
glória e poder. Depois de ter chorado por anos o filho morto, chega de improviso a Jacó a
notícia que não só José estava vivo, mas ocupava também uma posição muito elevada
no Egito. No princípio pareceu-lhe uma coisa incrível. Era demasiado belo para ser
verdade. Mas finalmente se persuadiu da veracidade da notícia. E como foi possível fazê-
lo acreditar? Saiu, e viu os carros que José tinha lhe enviado do Egito.
O que representam esses carros? Prefiguram certamente o Espírito Santo, enviado
como prova de que o Filho de Deus está na glória, para transportar também nós. Como
sabemos que Jesus de Nazaré, crucificado dois mil anos atrás por homens malvados, não
morreu simplesmente como mártir, mas está sentado à destra do Pai, na glória? Como
podemos ter a certeza que é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis? Podemos ter esta
certeza incontestável, porque Ele derramou o seu Espírito sobre nós. Aleluia! Jesus é o
Senhor! Jesus é o Cristo! Jesus de Nazaré é de vez o Senhor e o Cristo!
A ascensão do Senhor Jesus é a base sobre a qual foi enviado o Espírito Santo. É
possível, então, que o Senhor Jesus tenha sido glorificado e que vocês não tenham
recebido o Espírito? Sobre que base tiveram o perdão dos seus pecados? E por que
oraram com tanta seriedade, ou por que leram a Bíblia de uma ponta até a outra, ou por
que assistiram regularmente à Igreja? É pelos seus méritos? Não! Um milhão de vezes
não! Sobre que base os seus pecados foram perdoados? "Sem derramamento de sangue
não há remissão" (Hebreus 9:22). O único meio de perdão é o derramamento do sangue;
e como o sangue precioso foi vertido, os seus pecados estão perdoados.
Ora, o princípio pelo qual estamos revestidos do Espírito Santo é exatamente o
mesmo pelo qual recebemos o perdão dos pecados. O Senhor foi crucificado e por isso
fomos perdoados; o Senhor foi glorificado e por isso o Espírito Santo foi derramado sobre
nós. Será possível que o Filho de Deus tenha vertido seu sangue e que os pecados de
vocês, amados filhos de Deus, não tenham sido perdoados? Jamais! Então, é possível
que o Filho de Deus tenha sido glorificado e que vocês não tenham recebido o seu Santo
Espírito? Jamais!
Mas talvez algum dirá: "Eu estou de acordo com isso todo, mas nunca tive esta
experiência. Posso adotar uma atitude serena e declarar que possuo tudo, quando sei
perfeitamente de não ter nada?". Não, não devemos contentar-nos com um
conhecimento objetivo da verdade. Temos absolutamente necessidade de um
conhecimento subjetivo; mas teremos tal experiência somente na medida em que
repousemos sobre as realidades divinas. Os feitos de Deus e a obra por Ele cumprida,
constituem o fundamento de nossa vida.
Retornemos um momento ao fato da justificação. Como fomos justificados? Não é
certamente procurando fazer alguma coisa, mas aceitando simplesmente o fato que o
Senhor já cumpriu, Ele mesmo, tudo. Nós recebemos o Espírito Santo exatamente da
mesma forma, não contando com as nossas boas ações, mas tendo fé absoluta naquilo e
o Senhor tem já realizado.
Se não tivemos esta experiência, devemos pedir a Deus somente uma revelação deste
fato eterno, que o batismo do Espírito Santo é o dom do Senhor glorificado para a sua
Igreja. Quando tenhamos compreendido isto, cessará todo esforço, e a nossa oração
mudará em louvor. Uma revelação daquilo que o Senhor cumpriu para o mundo deu fim
aos nossos esforços para achar o perdão dos pecados; da mesma forma, uma revelação
daquilo que o Senhor tem feito pela sua Igreja, porá fim a cada esforço nosso para obter
o batismo do Espírito Santo. Se nos esforçamos é porque não temos compreendido a
obra de Cristo. Mas uma vez que a tivermos entendido, a fé jorrará dos nossos corações
e a medida que acreditamos, a experiência da vida nova si efetuará.
Faz um tempo um jovem, novo crente de somente cinco semanas, e que tinha sido
antes um violento opositor do Evangelho, assistiu a uma série de reuniões que eu
41
presidia em Xangai. Depois de uma destas reuniões, na qual eu tinha falado sobre o
tema que nos ocupamos agora, foi a sua casa e começou orar intensamente: "Senhor, eu
quero o poder do Espírito Santo. Já que Tu és agora glorificado, não desejas derramar o
teu Espírito sobre mim?". Depois se corrigiu: "Oh, não, Senhor, não é isso!". E
recomeçou a orar: "Senhor Jesus, nós estamos unidos numa mesma vida, Tu e eu, e o
Pai nos prometeu duas coisas: a glória para Ti e o Espírito para mim. Tu, Senhor, tens
recebido a glória; portanto, não é possível que eu não tenha recebido o Espírito. Senhor,
eu te louvo. Tu tens já recebido a glória, e eu o Espírito". Daquele dia, o poder do
Espírito entrou na consciência daquele jovem.
A FÉ É AINDA A CHAVE
Como no perdão, a vinda do Espírito Santo sobre nós é inteiramente uma questão de
fé. Apenas vemos o Senhor Jesus sobre a Cruz, sabemos que os nossos pecados são
perdoados, e apenas vemos o Senhor Jesus sobre o Trono, sabemos que o Espírito Santo
foi derramado sobre nós. A base sobre a qual recebemos o revestimento do Espírito
Santo não consiste nas nossas orações, nem no jejum, nem na esperança, mas
unicamente na ascensão de Cristo ao Trono. Aqueles que insistem sobre a esperança
organizando "reuniões de esperança", somente erram, porque o dom não está reservado
a "algum privilegiado", mas é para todos, sendo que não foi acordado sobre a base
daquilo que somos, mas sobre a base daquilo que é Cristo. O Espírito foi derramado para
provar a Sua bondade e a Sua grandeza, não a nossa. Temos recebido o perdão porque
Cristo foi crucificado: fomos revestidos do poder do Alto, porque Ele foi glorificado. Só
pelo Seu mérito possuímos tudo. Suponhamos que um incrédulo expresse o desejo de
ser salvo. Depois de lhe ter explicado o caminho da salvação, oramos com ele.
Suponhamos agora que ele ore assim: "Senhor Jesus, eu acredito que Tu morreste por
mim e que pode cancelar todos os meus pecados. Eu creio verdadeiramente que vás me
perdoar".
Vocês têm a certeza de que aquele homem é salvo? Quando terão a certeza de que
ele seja realmente nascido de novo? Não será quando ore: "Senhor, eu acredito que Tu
desejas perdoar os meus pecados", mas quando diga: "Senhor, eu te agradeço porque
Tu perdoaste os meus pecados. Tu morreste por mim; e por isso os meus pecados estão
cancelados". Nós acreditamos que uma pessoa seja salva quando sua oração se
transforma em louvor, quando cessa de pedir ao Senhor que a perdoe, e o louva porque
Ele já o fez quando o sangue foi vertido.
Podem também orar da mesma forma durante anos, sem nunca realizar a experiência
do Espírito Santo; porém, quando cessem de suplicar ao Senhor para que derrame o seu
Espírito sobre vocês, louvando-O em vez disso com plena fé, tendo já recebido o Espírito,
porque o Senhor Jesus já foi glorificado, descobrirão que o seu problema já foi resolvido.
Deus seja louvado! Nenhum de seus filhos necessita desfalecer, nem esperar para que o
Espírito lhe seja entregue. Jesus não deve ser feito Senhor; Ele já é o Senhor! Assim,
não devo esperar para receber o Espírito: eu já o recebi! É toda uma questão de fé, que
nos chega pela revelação. Assim que os nossos olhos são abertos para ver que o Espírito
já foi derramado, porque Jesus já foi glorificado, a oração muda em nossos corações em
louvor.
Todas as bênçãos espirituais nos são entregues sobre uma base bem determinada. Os
dons de Deus nos são oferecidos gratuitamente, mas de nossa parte devemos responder
a certas condições para receber aqueles dons. Existe um passo, na Palavra de Deus, que
nos mostra claramente quais são as condições de nossa parte para poder receber o dom
do Espírito Santo: "Pedro então lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o
dom do Espírito Santo. Porque a promessa vos pertence a vós, a vossos filhos, e a todos
os que estão longe: a quantos o Senhor nosso Deus chamar" (Atos 2:38-39).
Quatro coisas são mencionadas neste passo: o arrependimento, o batismo, o perdão e
o Espírito Santo. As primeiras duas são condições, as últimas duas são dons. Quais são
as condições impostas para termos o perdão dos pecados?. Segundo a Palavra são duas:
o arrependimento e o batismo.
A primeira condição é o arrependimento, que significa uma mudança de pensamento.
Antes pensava que pecar fosse agradável, mas agora mudei de pensamento a esse
respeito; outras vezes achava que o mundo era atraente, mas agora compreendo mas
claramente o que é; antes pensava que teria sido uma coisa piedosa me converter num
crente, mas agora penso tudo o oposto. Houve uma época em que eu achava certas
coisas deliciosas, agora as vejo com desgosto; havia outras que julgava de nenhum
42
valor, agora as observo e as considero como as mais preciosas. Nenhuma vida pode ser
realmente transformada, se não passa por uma semelhante conversão de pensamento.
A segunda condição é o batismo. O batismo é a expressão externa da fé interna.
Assim que eu acredito sinceramente em meu coração que eu estou morto com Cristo,
que fui sepultado e ressurreto com Ele, então peço o batismo. Por meio dele declaro
publicamente aquilo em que creio com todo o meu coração. O batismo é a fé em ação.
O perdão dos pecados é, então, submetido a duas condições fixadas por Deus: o
arrependimento e a fé expressada publicamente. Estão arrependidos? Deram testemunho
de sua união com o Senhor? Receberam então a remissão dos pecados e o dom do
Espírito Santo? Vocês dizem ter recebido somente o primeiro destes dons e não o
segundo. Contudo, amigo meu, Deus ofereceu dois dons se você cumpriu com estas duas
condições. Por que você pegou um só? O que você faz com o segundo?
Supunham que eu entre numa livraria e que escolha um livro em dois volumes pelo
preço de R$ 500, que pague o preço inteiro, mas saia da loja com um volume só,
deixando o segundo sobre o balcão. Reparando na distração, o que eu deveria fazer,
segundo vocês? Deveria voltar à livraria para pegar o volume que completa a obra sem
minimamente pensar em pagar o que eu já paguei. Explicaria simplesmente ao lojista de
ter já pago os dois volumes e lhe pediria para me entregar o segundo volume; assim,
sairia feliz da loja com meu livro debaixo do braço, sem ter pago nenhum suplemento.
Nem fariam também vocês o mesmo numa situação análoga?
Mas vocês estão nessa mesma condição. Se já cumpriram as condições, têm o direito
a receber os dois dons e não somente um. Vocês já retiraram o primeiro, por que não
pegam em seguida também o outro? Digam ao Senhor: "Senhor, eu me submeti às
condições necessárias para receber a remissão dos pecados e o dom do Espírito Santo,
mas, em minha ignorância, somente peguei o perdão dos pecados. Agora venho a Ti para
receber o dom do Teu Santo Espírito e te agradeço e te louvo por isso".
A DIFERENÇA DA EXPERIÊNCIA
Talvez vocês se perguntem: "Como saberei que o Espírito Santo desceu sobre mim?"
Eu não posso dizer como vocês saberão. A Palavra de Deus não nos descreve a sensação
e a emoção que experimentaram os discípulos naquele momento, no dia de Pentecoste.
Nós não sabemos exatamente o que sentiram, mas sabemos que seus sentimentos e seu
comportamento foram uma coisa fora do comum, porque quem os viu disse que estavam
bêbados. Quando o Espírito Santo desce sobre os filhos de Deus, acontecem coisas que o
mundo não sabe explicar-se. Podem ser manifestações sobrenaturais, ainda que não
sejam mas que um sentimento perturbador da presença de Deus. Nós não podemos,
nem devemos nunca descrever as formas particulares dos fenômenos que acompanham
a experiência, mas uma coisa é verdade: que todos aqueles sobre quem desce o Espírito
Santo, o sentem infalivelmente.
Enquanto o Espírito Santo descia sobre os discípulos em Pentecoste, houve alguma
coisa extraordinária na sua conduta, e Pedro deu uma prova àqueles que estavam
presentes com uma poderosa explicação extraída da Palavra de Deus. Eis aqui, em
substância, o que ele disse: "Assim que o Espírito Santo desce sobre os crentes, alguns
profetizam, outros têm sonhos, outros, visões. Isto é o que Deus declarou por boca do
profeta Joel". Mas Pedro profetizou? Em realidade não no senso que entendia Joel. Os
cento e vinte profetizaram e tiveram visões? Isto não foi dito. Tiveram sonhos? Como
poderiam tê-los quando estavam todos acordados? O que queria dizer então Pedro
citando um parágrafo que parece ter pouco a ver com respeito ao advento? No
fragmento citado (Joel 2:28-29) se diz que a efusão do Espírito será acompanhada de
profecias, sonhos e visões, enquanto estas demonstrações parecem faltar no dia de
Pentecoste.
Por outra parte, a profecia de Joel não fala de "um som, como de um vento veemente
e impetuoso" nem de "línguas repartidas, como que de fogo", como sinais que
acompanhassem a efusão do Espírito Santo; contudo, estas coisas se manifestaram "na
sala de cima". E onde se menciona, no profeta Joel, o falar em línguas? Ainda assim, em
Pentecoste, o fizeram.
O que queria dizer então Pedro? Imaginemos enquanto cita a Palavra de Deus para
provar que a experiência do Pentecoste é a efusão do Espírito anunciado por Joel,
enquanto nem um único signo visível dos mencionados pelo profeta foi manifestado. O
que o livro menciona os discípulos não o experimentaram e o que eles experimentaram o
livro não o menciona! A citação feita no discurso de Pedro parece desmentir sua
demonstração antes que confirmá-la. Qual é a explicação deste mistério?
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Lembremos que Pedro mesmo falava sob o controle do Espírito Santo. O livro de Atos
dos Apóstolos foi escrito sob a inspiração do Espírito Santo e nem uma única palavra foi
escrita ao acaso. Na existe nenhum erro, mas uma harmonia perfeita. Notem
atentamente que Pedro não disse: "O que vocês vêem e ouvem é a mostra daquilo que
foi dito pelo profeta Joel" (At 2:16). Não se trata do cumprimento, mas de uma
experiência da mesma ordem. "Isto é o que foi dito" quer dizer: "o que vocês vêem e
ouvem é da mesma ordem do que foi predito". Quando se trata de um cumprimento,
cada experiência se repete e a profecia é profecia, os sonhos são sonhos, as visões são
visões; mas quando Pedro diz "Isto é o que foi dito", não significa que aquilo que foi
anunciado se repita exatamente igual agora, mas que a experiência atual é da mesma
ordem à da profecia antiga. "Isto" é como "aquilo"; "isto" é o equivalente de "aquilo";
"isto" é "aquilo". O que fica em evidência pelo Espírito Santo por meio de Pedro é a
diversidade das experiências. Os signos externos podem ser inumeráveis e diversos e
devemos admitir que, talvez, sejam estranhos; mas o Espírito é Um, e é o Senhor (1
Coríntios 12:4-6).
Qual foi a experiência de R. A. Torrey quando o Espírito Santo desceu sobre ele,
depois de anos de ministério? Deixemos que ele mesmo o diga em suas próprias
palavras:
"Lembro perfeitamente o lugar onde estava ajoelhado em meu escritório... Era um
momento muito tranqüilo, um dos momentos de maior calma que eu tenha conhecido...
Então Deus me disse, simplesmente, não de forma audível, mas dentro de meu coração:
o Espírito está em você. Agora vá a predicar. Já o tinha dito em 1 João 5:13-14, mas
então não conhecia bem a minha Bíblia como a conheço agora e Deus teve piedade da
minha ignorância e falou diretamente a minha alma... Fui a predicar e depois daquele
dia, até hoje, fui um servo novo... Algum tempo depois desta experiência (não me
lembro bem de quando), enquanto eu estava sentado em meu quarto...
improvisamente... comecei a gritar (não estou habituado a semelhantes manifestações e
não tenho um temperamento barulhento), mas gritei como o mais entusiasta dos
metodistas: 'Glória a Deus, glória a Deus, glória a Deus!', sem poder parar... Mas não foi
aquele o momento em que fui imerso no Espírito Santo. Fui imerso no Espírito Santo no
instante em que o recebi com a simples fé na Palavra de Deus" 8.
As manifestações externas, no caso de Torrey, não foram as mesmas descritas por
Joel e por Pedro, mas "isto é aquilo". Não é uma imitação, ainda assim é a mesma coisa.
E o que sentiu D. L. Moody, como se comportou quando o Espírito Santo desceu sobre
ele?
"Eu gritava sem repouso a Deus para que me enriquecesse com o Seu Espírito. Então,
um dia, em Nova Iorque —que dia!—, não posso descrevê-lo e falo disso raramente; é
uma experiência quase demasiado sagrada para falar dela. Paulo teve uma experiência
da qual não falou durante quatorze anos. Posso somente dizer que Deus se revelou a
mim, e eu tive uma semelhante consciência de Seu amor que tive de pedi-Lhe de deter a
Sua mão. Continuei a predicar. Os sermões não eram diferentes, não apresentavam
novas verdades; porém centenas de pessoas se convertiam. Eu não gostaria de voltar
aonde estava antes de ter tido esta experiência abençoada, ainda que me oferecessem o
mundo inteiro —não seria senão um minúsculo peso sobre a balança" 9.
As manifestações externas que acompanharam a experiência de Moody não se
correspondem exatamente com a descrição de Joel ou com a de Pedro ou que a de
Torrey, mas quem poderia duvidar que "esta" experiência de Moody não foi senão o
mesmo que "aquela" experimentada pelos discípulos em Pentecoste? Não foi a mesma
manifestação, mas a essência a certamente a mesma.
E qual foi a experiência do grande Charles Finney, quando o poder do Espírito Santo
desceu sobre ele?
"Recebi um poderoso batismo do Espírito Santo, sem nenhuma particular espera, sem
ter havido antes a mínima idéia que uma tal coisa fosse para mim, sem a lembrança de
ter jamais ouvido alguém falar disso sobre a terra; o Espírito Santo desceu sobre mim de
tal forma que me pareceu que penetrou o corpo e a alma. Nenhuma palavra poderia
expressar o amor maravilhoso que se espalhou em meu coração. Chorei de gozo e de
amor" 10.
8
"O Espírito Santo – Quem é e o que faz", de R. A. Torrey, D. D. pp. 198-9.
9
A vida de L. D. Moody e seu filho W. R. Moody.
10
Autobiografia de Charles Finney, capítulo 2.
44
A experiência de Finney não foi certamente uma reprodução do Pentecoste, nem a
experiência de Torrey, nem a de Moody; mas "esta" certamente foi "aquela".
Conquanto o Espírito Santo foi derramado sobre os filhos de Deus, as suas
experiências são muitos diferentes umas das outras. Alguns recebem uma nova visão;
outros conhecem uma nova liberdade para conquistar as almas; outros proclamam a
Palavra de Deus com nova energia, outros ainda são cheios de gozo celestial ou de
entusiasmo desbordante. "Isto", e "isto" e "isto"... é "aquilo"! louvemos o Senhor por
cada nova experiência que está em relação com a exaltação de Cristo, da qual se possa
verdadeiramente dizer que "isto" é uma evidência de "aquilo". Não há nada de
estereotipado nas vias de Deus com respeito a seus filhos. Não devemos, então, com as
nossas prevenções e preconceitos, encerrar dentro de um compartimento fechado a obra
do Espírito, tanto em nossas vidas como nas vidas dos outros. Isto se aplica também
àqueles que exigem particulares manifestações do Espírito, como o "falar em línguas"
como prova da vinda do Espírito sobre eles, e àqueles que negam a existência de
qualquer manifestação. Devemos deixar a Deus a liberdade de agir como Ele quer, e de
dar a expressão que deseja às obras que cumpre. Ele é o Senhor, portanto não está em
nós Lhe impormos a nossa vontade.
Alegremo-nos que Jesus está no Trono e louvemo-Lo porque, desde o momento de
sua glorificação, o Espírito foi derramado sobre todos nós. Quando o contemplamos lá
encima, e aceitamos a realidade divina em toda a sua simplicidade de fé, O
reconheceremos com tal segurança em nossos corações que ousaremos proclamar com
confiança: "isto" é "aquilo".
46
explícita do fato que o Espírito habita em seus corações pode revolucionar a vida de cada
crente.
Devemos agora voltar à carta aos Romanos. Nos detivemos no fim do capítulo 6 para
considerar dois temas ligados àquele estudo, ou seja, o desígnio eterno de Deus, que é a
razão e o objetivo de nosso caminho com Ele, e o Espírito Santo em quem achamos a
força e os recursos necessários para perseguir este fim. Chegamos agora ao sétimo
capítulo, um capítulo que muitos consideram quase supérfluo. Talvez seria assim, se os
crentes tivessem compreendido que a antiga criação foi realmente colocada de lado pela
Cruz de Cristo, e que uma nova criação completamente nova foi introduzida mediante a
sua ressurreição. Se tivéssemos chegado ao ponto de "saber" realmente isto, de
"reconhecer" isto, e de "apresentar nós mesmos" sobre este fundamento, então, talvez
não teríamos necessidade do sétimo capítulo de Romanos
Outros sentiram que este capítulo não está em seu lugar. O teriam colocado entre o
quinto e o sexto. Depois Del capítulo 6 tudo é tão perfeito, tão claro, tão límpido; e então
este derrubamento e este grito: "Miserável homem que eu sou!". Pode se ver uma virada
pior que essa? Porém, alguns pensam que Paulo descreve aqui a sua experiência
precedente à conversão, e o seu insucesso em observar as leis do bom israelita.
Precisamos admitir efetivamente que algumas das coisas aqui descritas não entram na
experiência "cristã", e ainda muitos cristãos têm estas tristes experiências. Qual é,
então, o ensino deste capítulo?
O capítulo 6 nos fala da liberação do pecado. O capítulo 7 trata da liberação da lei. No
capítulo 6, Paulo nos ensina como podemos ser libertos do pecado, e concluímos que é
tudo de que necessitamos. O capítulo 7 nos ensina que a liberação do pecado não é tudo,
e que temos também necessidade de conhecer a liberação da lei. Se não formos
completamente libertos da lei, não poderemos nunca conhecer a plena liberação do
pecado. Mas qual é a diferença entre a liberdade do pecado e a liberdade da lei? Nós
compreendemos bem o valor da primeira, mas nem sempre compreendemos qual é a
necessidade da segunda. Para entender isto devemos, antes que nada, perguntar-nos o
que é a lei e qual seja o seu valor especial para nós.
50
Eu sou um homem "vendido sob o pecado" (Rm 7:14). O pecado domina sobre mim.
Em verdade, enquanto me deixa em paz posso parecer um homem bom. Mas quando me
é pedido fazer alguma coisa, então a minha natureza de pecado se manifesta.
Suponhamos que tenham um servo doente e que ele fique simplesmente sentado sem
fazer nada; a sua indisposição não será vista. Se não faz nada em todo o dia, será pouco
útil, em verdade, mas não causará dano algum. Mas se vocês lhe pedem: "Vamos, não
perca mais tempo, levante e faça algo", então as dificuldades começarão. Alçando-se,
fará cair a cadeira, tropeçará num banquinho, quebrará um vaso precioso apenas o
toque. Se não lhe pedem para fazer nada, a sua enfermidade não se manifestará; mas
desde o momento em que vocês lhe dêem uma ordem, a sua indisposição será evidente.
As ordens eram justas, mas o homem não estava em condições de executá-las. Estava
doente tanto quando estava sentado como quando trabalhava, mas quando lhe foi pedido
de servir foi revelado o seu estado de saúde.
Nós somos todos pecadores por natureza. Se Deus não nos pede nada, todo parece
andar bem, mas apenas Ele exige alguma coisa de nós, é a ocasião para demonstrar a
nossa miserável natureza. A lei deixa em evidência a nossa debilidade. Enquanto fico
tranqüilo, pareço em perfeito estado, mas apenas se apresenta a exigência de cumprir
alguma coisa, não existe em mim a possibilidade de fazê-lo. Uma lei santa e justa não
pode ser respeitada e cumprida por um homem pecador. No momento em que esse
homem deva observá-la escrupulosamente, se manifestará plenamente a sua
incapacidade e seu estado de pecado.
Deus sabe quem eu sou; Ele sabe que da cabeça aos pés estou cheio de pecado; Ele
sabe que sou a debilidade em pessoa, que não posso fazer nada. O problema é que eu
não o sei. Admito, sim, que todos os homens são pecadores, e que, em conseqüência,
também eu sou pecador, mas penso de não ser tão malvado quanto os outros. Deus nos
deve conduzir ao ponto no qual possamos ver que somos profundamente fracos e
impotentes. Podemos reconhecer isto sem acreditá-lo completamente; assim Deus deve
fazer alguma coisa para nos convencer.
Sem a lei não teremos nunca conhecido a medida de nossa debilidade. Paulo chegou a
compreendê-lo. Ele nos mostra claramente quando diz em Romanos 7:7: "eu não
conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não
dissesse: Não cobiçarás". Qualquer tenha sido a sua experiência a respeito dos outros
mandamentos, foi o décimo (que traduzido literalmente significa: "Não desejarás") o que
o fez conhecer a sua verdadeira natureza. Aqui ele percebeu a sua total incapacidade!
Mais nos esforçamos em observar a lei, mais a nossa debilidade se manifestará e
afundaremos mais profundamente em Romanos 7, enquanto não fiquemos plenamente
convencidos de nossa desastrosa debilidade. Deus sabia tudo isso, mas nós o
ignorávamos, e por isso Ele deve conduzir-nos através de experiências dolorosas até que
reconheçamos esta verdade. Devemos ter a prova incontestável de nossa debilidade.
Por isto Deus nos deu a lei. Assim podemos dizer, com respeito, que Deus não nos
deu a lei para que a observemos, mas para que a transgredíssemos. Ele sabia bem e
éramos incapazes de cumpri-la. Nós somos tão malvados que Ele não nos pede nenhum
favor nem espera nenhum serviço. Nunca homem algum conseguiu agradar a Deus por
meio Deus da lei. No Novo Testamento não está escrito de observar a lei, mas é dito que
a lei foi dada para que houvesse transgressão. "Sobreveio, porém, a lei para que a
ofensa abundasse" (Rm 5:20). A lei nos foi dada para fazer-nos conhecer que éramos
transgressores! Sem dúvida alguma, eu sou um pecador em Adão, mas "eu não conheci
o pecado senão pela lei... porquanto onde não há lei está morto o pecado... mas assim
que veio o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri" (Rm 7:7-9). Por meio da lei se
revela a nossa verdadeira natureza. Apesar de tudo, somos tão orgulhosos e nos cremos
tão fortes que Deus deve fazer-nos atravessar uma prova para mostrar-nos quão fracos
somos. Quando finalmente o percebemos, confessamos: "Eu sou um pecador da cabeça
aos pés, e não posso próprio fazer nada por mim mesmo para gostar a Deus".
Não, a lei não foi entregue com a esperança que nós pudéssemos observá-la. Ela foi
dada com a plena certeza que seria violada; e quando a transgredimos tão plenamente a
ponto de ficarmos convencidos de nossa extrema miséria, a lei alcançou seu objetivo. Ela
foi o nosso pedagogo (aio) para conduzir-nos a Cristo, a fim que Ele mesmo a cumprisse
por nós. "A lei se tornou nosso aio, para nos conduzir a Cristo, a fim de que pela fé
fôssemos justificados" (Gálatas 3:24).
51
Vimos em Romanos 6 como Deus nos liberou do pecado; depois, em Romanos 7 como
nos libera da lei. No cap 6, a liberação do pecado está explicada com a figura de um
patrão e o ser escravo; no capítulo 7, a liberação da lei está mostrada com a figura de
dois maridos e de uma única esposa.
A relação entre o pecado e o pecador é aquela do patrão e o escravo; a relação entre
a lei e o pecador é aquela do marido e a mulher.
Consideremos, antes que nada, este texto: "Ou ignorais, irmãos (pois falo aos que
conhecem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que ele vive?
Porque a mulher casada está ligada pela lei a seu marido enquanto ele viver; mas, se ele
morrer, ela está livre da lei do marido. De sorte que, enquanto viver o marido, será
chamada adúltera, se for de outro homem; mas, se ele morrer, ela está livre da lei, e
assim não será adúltera se for de outro marido. Assim também vós, meus irmãos, fostes
mortos quanto à lei mediante o corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, àquele que
ressurgiu dentre os mortos a fim de que demos fruto para Deus" (Rm 7:1-4).
Nesta figura que ilustra a nossa liberação da lei, há uma única mulher, enquanto há
dois maridos. A esposa está numa posição muito difícil, porque não pode ser mulher
senão de um só dos dois, e desgraçadamente está unida àquele menos agradável dos
dois. Não nos enganemos, o homem ao qual ela está ligada é um homem bom e se aqui
existe uma dificuldade, é porque o marido e a mulher não foram feitos o um para a
outra. Ele é um homem muito meticuloso, correto no modo mais elevado; ela, ao
contrário, é completamente desprezível. Nele tudo é definido e preciso, nela tudo é
desordenado e abandonado. Ele deseja que todo esteja em seu lugar; ela deixa as coisas
assim mesmo, onde caem. Como poderá haver harmonia numa tal casa?
E depois, o marido e tão exigente! Sempre reclama de alguma coisa à mulher. E
ninguém pode dizer que esteja errado, porque como marido tem o direito de ser lei,
tanto mais que suas reclamações são perfeitamente legítimas. Não existe nada de mau
neste homem, não há nada de errado em suas exigências; mas o problema é que não
tem a mulher justa para satisfazê-lo. São dois seres que não poderão se entender nunca:
as suas naturezas são demasiadamente contrastantes. A pobre mulher encontra-se assim
numa grande angústia. Ela é plenamente cônscia de continuamente cometer falhas;
porém vivendo com semelhante marido, parece que todo o que ela faz esteja errado.
Que esperanças há para ela? Se somente estivesse casada com outro homem, talvez
todo iria melhor. Ele não seria menos exigente que este marido, mas saberia ajudá-la
mais. Ela estaria feliz de desposá-lo, mas seu marido ainda está vivo. Como poderia
fazer? Ela está "ligada pela lei a seu marido enquanto ele viver" e, a menos que ele
morra, não pode legitimamente casar que o outro homem.
Esta figura não é minha, mas do apóstolo Paulo. O primeiro marido representa a lei, o
segundo, Cristo; e nós somos a mulher. As exigências da lei são infinitas, mas não
oferecem nenhuma ajuda para serem cumpridas. As exigências do Senhor Jesus são
igualmente grandes, sim, e ainda maiores (Mateus 5:21-48), mas o que nos pede Ele
mesmo o tem realizado em nós. A lei nos dá ordens e nos deixa incapazes de obedecê-
las; Cristo nos dá ordens, mas Ele mesmo já cumpriu as suas prescrições.
Não devemos surpreender-nos se a mulher deseja liberar-se do primeiro marido para
unir-se com este outro homem! A sua única esperança de liberação está na morte do
primeiro marido; mas ele está firmemente apegado à vida. Não existe nenhuma
possibilidade de que morra. "Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se
omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido" (Mateus 5:18).
A lei existe para toda a eternidade. Mas se a lei não desaparecerá nunca, como posso
eu estar unido a Cristo? Como posso desposar meu segundo marido, se o meu primeiro
se recusa energicamente a morrer? Não há mais que uma saída. Se ele não quer morrer,
posso morrer eu, e se eu morro a ligação do matrimônio será rompida. Este é
exatamente o meio pelo qual Deus nos libera da lei. O ponto mais importante a notar em
Romanos 7 é a passagem do versículo 3 ao versículo 4. Nos versículos 1 a 3 nos foi
mostrado que o marido deve morrer, mas no versículo 4, em realidade vemos que é a
mulher quem morre. A lei não acaba, sou eu que morro e pela morte sou liberado da lei.
Entendamos bem, com claridade, que a lei não passará nunca. As exigências justas de
Deus existem sempre e se eu vivo devo responder a estas exigências; mas se morro a lei
perde os seus direitos sobre mim. Ela não pode me seguir além do túmulo.
Assim exatamente o mesmo princípio tem cumprido a nossa liberação da lei e a nossa
liberação do pecado. Quando eu morri, o meu velho patrão, o pecado, continua a viver,
mas o poder que tem sobre seu escravo chega até o túmulo e ali acaba. Pode me
empurrar a fazer cem coisas enquanto eu tenho vida, mas quando estou morto me
52
chama em vão. Agora estou livre de sua tirania. É a mesma coisa à respeito da lei.
Enquanto a mulher vive está ligada ao marido, mas, pela sua morte, o vínculo do
matrimônio é revogado, e ela é "liberada da lei do marido". A lei pode ainda ter as suas
exigências, mas já não tem mais o poder de as impor a ela.
Agora surge a pergunta vital: "Como posso morrer?" É aqui si vê tudo o valor precioso
da obra do nosso Senhor: "Assim também vós, meus irmãos, fostes mortos quanto à lei
mediante o corpo de Cristo" (Rm 7:4). Quando Cristo morreu, seu corpo foi destruído, e
como Deus nos colocou nEle, também eu fui destruído. Quando Ele foi crucificado, eu fui
crucificado com Ele. Diante de Deus, a sua morte incluía a minha. Sobre o monte do
Calvário isso foi cumprido de uma vez e para sempre. O marido da mulher é talvez muito
forte e cheio de vida, mas se ela morre, não poderá mais lhe impor as suas exigências;
elas não terão mais poder sobre ela. A morte a libertou de todos os direitos do marido.
Nós estávamos no Senhor Jesus quando Ele morreu; sua morte, que incluiu a nossa, nos
liberou para sempre da lei. Mas não é tudo. O nosso Senhor não ficou no sepulcro. No
terceiro dia Ele ressuscitou; e como nós ainda estamos nEle, ressuscitamos também nós.
O corpo do Senhor Jesus fala não somente de sua morte, mas de sua ressurreição,
porque a sua ressurreição foi uma ressurreição corpórea. Assim, "pelo corpo de Cristo"
nós estamos não somente "mortos para a lei", mas vivos para Deus.
Unindo-nos a Cristo, Deus não tinha só um objetivo negativo: tinha um gloriosamente
positivo. "Assim também vós... fostes mortos quanto à lei... para pertencerdes a outro"
(Rm 7:4). A morte dissolveu a ligação do primeiro matrimônio, de forma que a mulher,
empurrada à desesperação pelas contínuas exigências do primeiro marido, que nunca
teria alçado um dedo para ajudá-la, está finalmente livre para desposar este outro
homem, que para cada coisa que lhe peça, dará a ela a força necessária para cumpri-la.
E qual será o resultado desta nova união? "A fim de que demos fruto para Deus" (Rm
7:1-4). No corpo de Cristo, esta mulher insensata e pecadora está morta, mas como ela
se uniu a Ele em sua morte, está da mesma forma ligada a Ele em sua ressurreição, e no
poder da vida ressurreta leva frutos a Deus. A vida ressuscitada do Senhor nela a
capacita para responder em tudo o que a santidade de Deus exige da lei. A lei de Deus
não foi anulada, antes bem é perfeitamente cumprida, porque o Senhor ressurreto vive
agora sua vida na lei e a sua vida é sempre agradável ao Pai. O que acontece quando
uma mulher se casa? Ela deixa de levar seu nome de nascimento e toma o de seu
marido; e herda não somente o nome, mas também seus bens. Tudo aquilo que pertence
a ele pertence igualmente a ela. A mesma coisa acontece quando nós nos unimos a
Cristo; todo o que é dEle passa também a ser nosso e, com seus recursos infinitos a
nossa disposição, seremos capazes de responder a todos seus pedidos.
53
homem. Chegados, finalmente, o ponto de desconfiar das nossas capacidades, colocamos
toda a nossa confiança no Senhor, para que Ele manifeste a Sua vida ressurreta em nós.
Permitam-me ilustrar isto com uma cena da realidade de meu país. Na China, certos
carregadores conseguem levantar sacolas com pesos de 120 kg, outros chegam até 250
kg. Vem um homem que tem a força para levantar 120 kg, e se encontra diante de um
peso de 250 kg. Ele sabe perfeitamente que não poderá levantá-lo, e se é esperto dirá:
"Eu não posso nem sequer tentar". Mas a tentação de provar faz parte da natureza
humana, assim, ainda sabendo de sua incapacidade, ele tenta de levantar aquele peso.
Quando eu era um rapaz me divertia amiúde observando dez ou vinte destes homens
enquanto se esforçavam para demonstrar entre eles a sua força, ainda sabendo de não
poder superar o limite; acabavam por ceder passo aos mais fortes, os que tinham a
capacidade necessária.
Também nós devemos abandonar o antes possível as nossas tentativas de fazer as
coisas sozinhos, porque enquanto monopolizarmos o trabalho, não deixamos espaço para
o Espírito Santo. Mas se dizemos: "Senhor, eu não posso fazer isto e confio em Ti, para
que Tu o faças por mim", acharemos uma força superior à nossa que age por nós.
Em 1923 encontrei um célebre evangelista do Canadá. Num discurso, eu tinha falado
alguma coisa sobre o tema de que estamos nos ocupando. Enquanto voltávamos juntos à
sua casa, depois da reunião, ele observou: "É raro, em nossos dias, que alguém fale de
Romanos 7; é bom que este argumento seja lembrado. O dia em que eu fui liberto da lei,
foi como se para mim tivesse descido o céu na terra. Depois de anos de vida cristã, eu
fazia ainda todos os meus esforços para agradar a Deus, mas mais tentava de fazê-lo,
menos conseguia. Considerava a Deus como a pessoa mais exigente do universo e me
sentia impotente para corresponder os seus mínimos requerimentos. Improvisamente,
um dia, enquanto lia Romanos 7, se fez a luz no meu espírito e vi que, não somente eu
estava livre do pecado, mas também da lei. Na minha maravilha, me levantei de um pulo
que exclamei: "Senhor, então é verdade que Tu não exiges nada de mim? Então não
preciso fazer nada para Ti!"
As exigências de Deus não mudaram, mas nós continuamos sempre na
impossibilidade de satisfazê-las. Deus seja louvado! Ele é o legislador e aquele que
obedece no meu coração. Ele que deu a lei e também Ele que a observa. Ele faz os
pedidos, mas Ele mesmo os responde.
O meu amigo podia verdadeiramente pular e gritar de alegria, quando entendeu que
não tinha mais nada a fazer, e todos aqueles que fazem este descobrimento
experimentarão o mesmo alívio. Enquanto nos esforcemos para fazer alguma coisa, Deus
não pode agir em nós. E justamente a causa dos nossos esforços que caímos e voltamos
cair. Deus quer nos mostrar que não sabemos que não podemos fazer nada por nós
mesmos, e até que o reconheçamos plenamente, os nossos desapontos e as nossas
desilusões não cessarão.
Um irmão que tentava de chegar à vitória lutando, me fez, um dia, esta confissão: "Eu
não sei por que sou tão fraco". Eu respondi: "O seu mal é que você é demasiado fraco
para cumprir a vontade de Deus, mas não é bastante fraco para não tentar de fazê-la.
Você não é ainda bastante débil. Quando seja reduzido a uma debilidade extrema, e seja
persuadido de sua absoluta incapacidade, então Deus fará tudo". Nós todos precisamos
de chegar no ponto de dizer finalmente: "Senhor, sou incapaz de fazer a mínima coisa
para Ti, mas confio em Ti, para que Tu faças cada coisa em mim".
Me achava, um dia, na China, com uma vintena de outros irmãos, numa casa cuja
instalação do banheiro era insuficiente; íamos então, cada manhã, a mergulhar no mar
na praia vizinha. Um dia, um irmão, enquanto nadava, sofreu uma câimbra e eu o vi
subitamente desaparecer sob as águas; fiz então um sinal a um outro irmão, hábil
nadador, para que se precipitasse em sua ajuda. Mas, ante o meu grande estupor, ele
não se mexeu. Comecei a me preocupar seriamente e lhe gritei: "Não vê que o homem
está se afogando?", e os outros irmãos, angustiados como eu, gritavam também eles a
todo volume. Mas o bom nadador não se mexia. Calmo e tranqüilo, ele estava imóvel
com o ar de quem se recusa a fazer uma coisa desagradável. Entanto, a voz do pobre
irmão que se afogava era cada vez mais fraca, e seus esforços diminuíam. Eu pensei, em
meu coração: "Este homem não tem coração! Pode deixar se afogar um irmão sob seu
nariz sem socorrê-lo!"
Mas, no momento em que o irmão desapareceu sob as ondas, em poucas e rápidas
braçadas o destemido nadador aproximou-se dele e os dois estiveram pronto a salvo
sobre a praia. Apenas tive a ocasião, declarei-lhe os meus sentimentos: "Nunca vi um
crente que pensasse em si mesmo como você. Pense um pouco no sofrimento que você
54
poderia ter evitado àquele irmão se tivesse pensado menos em você mesmo e mais
nele". Mas o nadador sabia melhor que eu o que era preciso fazer. "Se eu tivesse me
lançado antes", me disse, "ele teria se pendurado de mim, e os dois teríamos nos
afogado. Um homem que se afoga pode ser salvo somente quando está completam
exausto, e já não pode fazer esforços para se salvar a si mesmo".
Vocês percebem? Nós paramos de tentar fazer uma coisa, Deus a pega em sua mão.
Ele compreende que estamos no extremo de nossos recursos e que não podemos fazer
mais nada por nós mesmos. Deus condenou tudo aquilo que fazia parte da velha criação,
e o encravou sobre a Cruz. A carne não presta para nada! Deus disse que é digna só de
morte. Se acreditarmos nisto, verdadeiramente devemos confirmar a sentença de Deus,
abandonando todo esforço de vontade para agradá-Lo. Porque cada tentativa nossa de
cumprir com a Sua vontade é uma desmentida que opomos àquilo que Ele declarou com
a Cruz; ou seja, que somos completamente impotentes para fazê-lo.
Guardando a lei pensamos de devê-la cumprir, mas devemos lembrar-nos que, por
muito que a lei seja perfeitamente boa em si mesma, já não o é quando aplicada a
pessoas que não podem observá-la. O "miserável" de Romanos 7 se esforçava para
cumprir ele mesmo o mandamento da lei, e essa era a causa do seu tormento.
O repetido uso do pronome "eu" neste capítulo nos deve fazer compreender a causa
da falha. "Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico" (Rm
7:19). Havia um erro fundamental de conceito no pensamento deste homem. Ele
imaginava que Deus lhe pedisse de observar a lei, e então tentava naturalmente de fazê-
lo. qual era o resultado? Longe de fazer o que era agradável a Deus, achou-se tentando
cumprir o que lhe desagradava. Em seu próprio esforço para cumprir a vontade de Deus,
fazia exatamente o contrário daquilo que sabia ser essa vontade.
A CARNE E O ESPÍRITO
A carne está ligada a Adão, o Espírito está ligado a Cristo. Deixaremos de lado a
questão de saber se estamos em Adão ou em Cristo, que já foi discutida, e nos
perguntaremos: Como vivo eu, na carne ou no Espírito?
Viver na carne é fazer alguma coisa "que provém" de mim mesmo e de Adão. É por
extrair a minha força da velha fonte de vida que herdei dele, que provo nas minhas
experiências todas as disposições para o pecado de Adão, das quais conhecemos bem os
efeitos. Ora, é a mesma coisa para aqueles que estão em Cristo. Para experimentar em
minha vida aquilo que é verdadeiramente meu, se estou nEle, devo saber o que quer
dizer caminhar no Espírito. O fato que a minha velha natureza tenha sido crucificada com
Cristo é já um fato do passado, enquanto é uma realidade do presente que eu seja
abençoado com "todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo" (Ef 1:3). Se
eu não vivo no Espírito, a minha vida estará em contraste com o fato que estou "em
Cristo", mas devo também compreender que o meu velho caráter é ainda demasiado
forte.
Como pode ser este dilema? É que eu aceitei a verdade somente de forma "objetiva",
enquanto o que é verdadeiro objetivamente deve também converter-se em verdadeiro
subjetivamente; e isso acontecerá na medida em que eu vivo no Espírito.
Não somente estou "em Cristo", mas Cristo está em mim. E da mesma forma que o
homem não pode fisicamente viver e trabalhar na água, mas somente no ar, assim,
espiritualmente, Cristo habita e se manifesta não na "carne", mas somente no "espírito".
Porque, se eu vivo "segundo a carne", me persuado que aquilo que é meu em Cristo
está, por assim dizer, suspendido em mim. Ainda que, na realidade, eu esteja em Cristo,
se vivo na carne, vale dizer em minha natureza e segundo a minha própria vontade,
acharei com dor que se manifesta ainda em mim a natureza de Adão. Se desejar
verdadeiramente conhecer tudo aquilo que está em Cristo, devo aprender a viver no
Espírito.
Viver no Espírito significa que confio no Espírito Santo para que cumpra em mim
aquilo que eu não posso fazer por mim mesmo. Esta vida é completamente diferente
daquela que eu viveria naturalmente por mim mesmo. Cada vez que enfrento um novo
pedido do Senhor, olho para Ele a fim de que cumpra Ele mesmo o que pretende em
mim. Não devo tentar, mas crer; não lutar, mas somente repousar nEle. Se tenho um
caráter irritável, pensamentos impuros, uma língua demasiado comprida, ou um espírito
crítico, não tentarei de me transformar com um esforço que me pareça apropriado, ao
contrário, considerando-me como morto em Cristo para todas estas coisas, esperarei do
Espírito de Deus a calma, a pureza, a humildade, a doçura de que preciso. Isto significa:
"Estai quietos, e vede o livramento do Senhor, que ele hoje vos fará" (Êx 14:13).
Muitos de vocês tiveram sem dúvida uma experiência semelhante: lhes foi pedido de
visitar um amigo muito pouco simpático, mas se confiaram com o Senhor a fim que
ajudasse vocês a cumprir com este dever. Falaram com Ele, antes de sair de casa, que
por vocês mesmos caminhariam inevitavelmente rumo ao fracasso e Lhe pediram tudo
aquilo que era necessário para esse encontro. Depois, para sua surpresa, não se
sentiram irritados para nada, ainda que seu amigo não tivesse sido amável. No regresso,
repensando, se alegraram de terem permanecido tão calmos e procuraram uma
explicação. É esta a explicação: o Espírito Santo guiou vocês nesta ação.
Apesar de tudo, realizamos esta experiência somente uma vez cada tanto, quando ela
deveria ser contínua. Quando o Espírito Santo toma a nossa vida em suas mãos, não
devemos opor-nos. Não se trata de apertar os dentes, pensando que assim estamos
magnificamente controlados e conseguimos uma gloriosa vitória. Não! Onde há uma
verdadeira vitória, não foram os esforço humanos os que a conseguiram, mas o Senhor.
O objetivo da tentação é sempre o de conduzir-nos a fazer alguma coisa. Durante os
primeiros três meses da guerra da China contra Japão, perdemos um grande número de
tanques e assim foi impossível enfrentar os tanques japoneses até que não foi aplicada a
tática seguinte. Um de nossos melhores atiradores, apostado, devia tirar um único tiro de
fuzil contra um tanque japonês. Depois de um intervalo de tempo bastante longo, este
primeiro tiro devia ser seguido por um segundo, depois, um outro silencio, mais um tiro,
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até que o capitão do tanque, ansioso para descobrir a posição inimiga, tirasse fora do
tanque a cabeça, para dar uma olhada em volta. O disparo seguinte, executado com
precisão, devia pôr fim aos seus dias.
Enquanto ele ficava al reparo estava seguro. A estratagema foi planejada com o
objetivo de fazê-lo sair. Da mesma maneira, as tentações de Satanás não têm por
primeiro escopo fazer-nos cometer alguma coisa particularmente pecaminosa, mas
simplesmente induzir-nos a agir com as nossas próprias faculdades; mas apenas
deixamos o nosso reparo para agir desse modo, ele já tem a vitória sobre nós.
Enquanto permanecemos quietos e não deixamos o refúgio de Cristo para voltar ao
domínio do nosso "eu", ele não pode nos atacar.
O caminho da vitória que Deus nos procura exclui tudo aquilo que queremos fazer por
nos mesmos, ou seja, tudo aquilo que está fora de Cristo. Isto porque, apena damos um
passo, coremos o perigo a causa de nossas inclinações naturais que nos empurram na
falsa direção. Onde devemos então procurar auxílio? Leiamos Gálatas 5:17: "Porque a
carne luta contra o Espírito, e o Espírito contra a carne". Em outras palavras, a luta
contra a carne não é assunto nosso, mas do Espírito Santo, porque existe já essa tal
oposição entre eles; e é o Espírito, não nós, a combater e triunfar sobre a carne. Qual é o
resultado? "Para que não façais o que quereis".
Penso que amiúde não alcançamos a compreender o profundo significado da última
parte deste parágrafo. Consideremos atentamente o que isso significa. O que "faríamos
nós naturalmente"? Nos lançaríamos numa linha de ação ditada pelos nossos próprios
instintos, fora de vontade de Deus. Em vez disso, a recusa de agir por nós mesmos
permite ao Espírito Santo dominar a carne que nos tiraniza, portanto não fazemos aquilo
que estaríamos inclinados a realizar por natureza. Ao invés de proceder pela via indicada
pelas nossas inclinações naturais, acharemos o nosso gozo em permanecer em seu plano
perfeito.
Porém, temos esta ordem bem concreta: "Andai em Espírito, e não cumprireis a
concupiscência da carne" (Gálatas 5:16). Se vivermos no Espírito, se caminhamos pela fé
em Cristo ressuscitado, podemos realmente "permanecer separados", enquanto o
Espírito reporta cada dia novas vitórias sobre a carne. Nos foi entregue para que
assumíssemos este encargo. A nossa vitória consiste em esconder-nos em Cristo, e em
confiar com simples, mas absoluta certeza em seu Espírito Santo, para que supere as
nossas paixões carnais com seus novos desejos. A Cruz foi entregue para nos procurar a
salvação; o Espírito nos é dado para colocar esta salvação em nós. O Cristo ressuscitado
e ascendido no céu é o fundamento de nossa salvação; o Cristo que mora em nossos
corações pelo Espírito é seu poder, o que o faz efetivo.
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pode chegar a vontade é a uma boa disposição. "Na verdade, o espírito está pronto, mas
a carne é fraca" (Mateus 26:41).
Se nós devemos realizar tantos esforços em nossa vida cristã, significa simplesmente
que não somos verdadeiramente cristãos. Não fazemos nenhum esforço para falar em
nossa língua materna. De fato, devemos recorrer à nossa força de vontade somente nas
coisas que não fazemos espontaneamente. Poderemos consegui-lo, talvez, por um certo
tempo, mas a lei do pecado e da morte se assenhoreará no final.
Podemos dizer: "Eu tenho a vontade e agirei bem durante duas semanas". Mas
deveremos em seguida confessar: "Não sei como fazê-lo". Não, se sou, já não preciso
tentar de sê-lo. Se desejo sê-lo é porque reconheço que não o sou.
Vocês perguntarão: "Por que os homens cumprem seus esforços de vontade para
agradar a Deus?". Pode haver duas razões para isto. Ou não têm nunca experimentado o
novo nascimento, e neste caso não têm a vida operante neles; ou, se nasceram de novo
e têm neles esta vida, não aprenderam a confiar nesta nova força. Esta falta de
consciência os conduz sempre à derrota e ao pecado, de modo que acabarão por duvidar
da possibilidade de uma vida melhor.
Mas se faltamos à fé, não quer dizer que a débil vida que experimentemos alguma vez
represente tudo aquilo que Deus nos deu. Romanos 6:23 declara que "o dom gratuito de
Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor"; e em Romanos 8:2 aprendemos
que "a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus" veio em nossa ajuda. Assim, Romanos
8:2 não nos fala de um novo dom, mas da vida já apresentada em Romanos 6:23. Em
outras palavras, se trata de uma nova revelação daquilo que já possuímos. Sinto que não
posso remarcar suficientemente esta verdade. Não é uma coisa que devemos esperar da
mão de Deus, mas é um novo conhecimento da obra já cumprida em Cristo, porque as
palavras: "te livrou" estão em tempo passado. Se eu entendo bem isto e coloco a minha
fé em Cristo, não é absolutamente necessário que repita a experiência de Romanos 7,
seja a respeito dos esforços inúteis e das contínuas quedas, seja no que concerne à
infrutífera explicação de minha vontade carnal.
Se abandonarmos a nossa força de vontade e confiamos nEle, nós nunca cairemos e
não seremos surpreendidos, mas entraremos no domínio de uma lei diversa, a lei do
Espírito da vida. Porque Deus não nos deu somente a vida, mas uma lei de vida. E como
a lei da gravidade é uma lei natural e não o produto de legislações humanas, assim a lei
da vida é uma "lei natural", similar ao princípio da lei que regula as batidas do coração,
ou que controla os movimentos de nossas pálpebras. Nós não precisamos pensar em
nossos olhos, nem decidir a freqüente das batidas das pálpebras para mantê-los limpos;
e muito menos de aplicar a nossa vontade para o bom funcionamento de nosso coração.
Em efeito, não conseguiremos senão complicações. Não, enquanto o coração tem vida,
age espontaneamente. A nossa vontade só pode complicar a lei da vida. Eu conheci esta
realidade, um dia, da seguinte maneira.
Sofria freqüentemente de insônia. Depois de muitas noites transcorridas sem dormir,
depois de muito ter orado neste aspecto, esgotados todos os meus recursos, acabei por
confessar a Deus que devia haver algum erro em mim, e Lhe pedi que o mostrasse.
Disse a Deus: "Peço uma explicação"; e a sua resposta foi: "Acredita nas leis da
natureza". O sono é uma lei como à da fome, e percebi que, se não estava preocupado
de saber se eu tinha ou não fome, também não deveria ter-me atormentado pela minha
insônia. Eu havia procurado ajudar a natureza e essa é a armadilha na qual caem a
maioria daqueles que enfrentam a insônia. Mas desde aquele momento coloquei a minha
confiança não somente em Deus, mas também na lei natural de Deus; em pouco tempo
consegui dormir bem.
Não devemos nós ler a Bíblia? Evidentemente que devemos lê-la, de outra forma a
nossa vida espiritual se ressentiria. Mas isto não significa que devemos esforçar-nos para
lê-la. Existe em nós uma nova lei que nos dá a fome pela Palavra. Então, uma meia hora
será mais eficaz que cinco horas de leitura forçada. E é o mesmo com a liberalidade no
oferecer os nossos dons, as predicações, os testemunhos. A predicação forçada pode ser
o anúncio do Evangelho expressado com calor, enquanto o coração permanece frio, e nós
sabemos o que significa um "amor frio".
Se deixarmos viver em nós a nova lei, seremos menos cônscios da antiga. Ela ainda
existe, mas não domina mais e nós não estamos mais sob a sua influência. Por isso o
Senhor diz em Mateus 6: "Olhai para as aves... Considerai como crescem os lírios...". se
fosse possível perguntar às aves se elas não têm medo da lei da gravidade, o que
responderiam? Diriam simplesmente: "Nós nem conhecemos o nome de Newton. Não
conhecemos sua lei. Voamos porque a lei de nossa vida é voar". Não somente têm nelas
62
uma vida que tem o poder de voar, mas a lei desta vida faz que essas criaturas sejam
capazes de vencer espontaneamente a lei da gravidade. Ainda assim, a gravidade
permanece. Se vocês se levantam cedo uma manhã de intenso frio, e a neve cobre o
solo, e se acham um pássaro morto no pátio, lembrarão imediatamente desta lei. Mas
enquanto as aves têm vida, vencem a lei da gravidade pela força natural que está nelas.
Deus foi realmente bom para nós. Nos deu a nova lei do Espírito e "voar", para nós,
não e mais uma questão de nossa vontade, mas de Sua vida. Vocês imaginam quão
árduo trabalho seria o de querer transformar um cristão impaciente num cristão
paciente? Seria suficiente pedi-lhe um pouco de paciência para enfermá-lo de exaustão.
Mas Deus nunca nos pediu para esforçar-nos para ser o que não somos por natureza,
nem para tentar, com a força do pensamento, acrescentar nossa estatura espiritual. A
extremada solicitude pode diminuir o nível espiritual de um homem, mas certamente
nunca o tem elevado. "Não estejais apreensivos", nos disse o Senhor; "Considerai os
lírios, como crescem" (Lc 12:22,26). Ele coloca nossa atenção sobre a Sua vida que está
em nós. Oh! Se pudéssemos apreciar esta vida nova que é nossa!
Que maravilhoso descobrimento! Ele pode fazer completamente novo um homem,
porque opera tanto nas coisas pequenas como nas grandes.
Falava, um dia, com um amigo meu, crente, e ele me diz: "Veja, eu acredito que se
um quer viver para a lei do Espírito da vida, acabará verdadeiramente educado". "O que
você quer dizer?", perguntei. Ele respondeu: "Esta lei tem o poder de fazer de um
homem, um gentil-homem perfeito". Alguém disse com desprezo: "Vocês não podem
repreender estas pessoas pelos seus modos de agir; vêm do campo e não tiveram
possibilidade de educação". Mas a verdadeira pergunta é: "Têm eles a vida do Senhor
dentro deles? Porque, eu digo, esta vida pode dizer a eles: 'A sua voz é demasiado forte',
ou bem 'esse riso está fora de lugar', ou ainda 'a razão pela qual você fez essa
observação não foi boa'". Em cada particular, o Espírito da vida pode ensinar como agir e
produzir neles uma verdadeira educação. Não existe um semelhante poder na educação
normal. Ainda assim, o meu amigo era um educador!
Mas é verdade. Tomemos por exemplo o conversar. Você é uma pessoa que fala
demais? Quando se encontra em sociedade, pensa: "O que devo fazer? Eu sou crente e
se desejo glorificar o nome do Senhor devo falar menos. Hoje deverei me controlar". E
durante uma ou duas horas conseguem fazê-lo, até que, com um pretexto ou outro,
esquecendo da proposta, perdem o controle e, antes de saber onde estão, encontram-se
mais uma vez em dificuldades por causa de sua língua. Sim, estamos seguros que a
nossa vontade será inútil neste caso. Se eu exortasse vocês a exercitar sua vontade a
este respeito, seria como oferecê-lhes a vã religião do mundo, e não a vida de Jesus
Cristo. Porque, observemos ainda: uma pessoa charlatã fica assim ainda quando
permanece calada durante um dia inteiro; porque uma lei "natural" a domina e a impele
a falar; exatamente como uma macieira será sempre uma macieira, produza maçãs ou
não. Mas, convertidos em crentes, descobrimos em nós uma nova lei, a lei do Espírito da
vida, que vence todas as outras, e que já nos liberou da "lei" da conversa. Se
acreditarmos na Palavra de Deus e obedecemos à nova lei, ela nos dirá quando devemos
parar, ou se não devemos nem sequer começar, e nos dará a força para fazê-lo. Sobre
esta base podem visitar seus amigos, ficar duas ou três horas, ou ainda dois ou três dias,
sem nenhuma dificuldade. À volta agradecerão a Deus pela sua nova lei de vida.
Esta vida espontânea é a vida cristã. Ela se manifesta em amor para aqueles que não
são amáveis, para o irmão que naturalmente não desejam amar e que, em verdade, não
poderiam amar. Porque esta lei age sobre a base das possibilidades que o Senhor
discerne nestes irmãos.
"Senhor, Tu vês quem pode ser amado e o amas. Ama-o agora, te rogo, através de
mim!". Esta lei produz uma verdadeira vida, um caráter moral sincero e leal. Existe
demasiada hipocrisia na vida dos cristãos, demasiada comédia. Nada prejudica tanto a
eficácia do testemunho cristão quanto a pretensão dos filhos de Deus de querer parecer
aquilo que realmente não são, porque o homem da rua acaba por penetrar neste
disfarce, e nos reconhece por aquilo que somos. Vice-versa, a ficção cede o lugar à
realidade, quando confiamos sinceramente na lei da vida.
64
receber o perdão dos pecados. Realizaram o novo nascimento, e uma luz e um gozo novo
entrou em suas vidas, porque a sua conversão era verdadeiramente sincera.
Dei-me com todo cuidado a fazer conhecer a eles claramente o que tinha acontecido;
depois chegou o frio e eu devi regressar a Xangai.
Durante os meses invernais, o homem estava costumado a beber vinho nas comidas,
e era inclinado a fazê-lo em excesso. Depois de minha partida, quando voltou o frio, o
vinho reapareceu em sua mesa. Como estava habituado a fazer, o marido inclinou a
cabeça para agradecer a Deus pela comida; mas as palavras não vinham. Depois de uma
ou duas tentativas vãs, voltou-se à mulher e lhe perguntou: "O que há que não vá? Por
que não podemos orar, hoje? Pega a Bíblia e vejamos o que diz de beber". Eu tinha
deixado a eles um exemplar das Sagradas Escrituras mas, ainda que a mulher soubesse
ler, não conhecia ainda a Palavra e assim ela voltava as páginas sem achar a resposta a
essa pergunta. Eles não sabiam ainda como consultar o livro de Deus, e era para eles
impossível consultar um enviado de Deus, estando eu a muitos quilômetros longe deles,
e podiam transcorrer meses antes que nos encontrássemos de novo. "Bebe entretanto
teu vinho", disse a mulher. "Falaremos disto ao irmão Nee na primeira ocasião". Porém,
o marido reconheceu que não podia agradecer ao Senhor por aquele vinho. "Tira ele da
mesa", disse no fim; e quando ela assim o fez, pediram juntos a bênção do Senhor para
a sua comida.
Quando, mais tarde, o homem pode vir a me encontrar em Xangai, me contou a
história. Servindo-se de uma expressão comum em chinês, ele me disse: "Irmão Nee, o
Patrão Residente não me permitiu beber!" "Muito bem, irmão", respondi. "Obedeça
sempre ao Patrão Residente".
Muitos de nós sabemos que Cristo é a vida. Acreditamos que o Espírito Santo de Deus
resida em nós, mas este fato não tem muito efeito em nosso modo de comportar-nos. A
pergunta fundamental, então, é esta: "O conhecemos como uma Pessoa viva ou o
conhecemos como Patrão?"
Antes de tocar o nosso último importante tema, queremos deter o nosso pensamento
sobre o caminho recorrido, para resumir as etapas passadas. Tentamos mostrar
simplesmente e explicar claramente algumas das experiências que atravessam
habitualmente os cristãos. Mas é evidente que os novos descobrimentos que realizamos,
a medida que procedemos como nosso Senhor, são numerosos e devemos velar contra a
tentação de simplificar além da medida a obra de Deus. Isto poderia induzir-nos numa
grande confusão.
Alguns filhos de Deus acreditam que a salvação, que para eles compreende
igualmente a questão de viver uma vida santa, reside inteiramente no saber apreciar o
valor do sangue de Cristo. Têm razão de insistir sobre a necessidade de vigiar para estar
em regra com Deus a respeito de certos pecados conhecidos, assim como sobre a
eficácia contínua do sangue de Cristo que cancela os pecados que cometemos; mas eles
pensam também que aquele sangue cumpre tudo. Eles acreditam numa santidade que
significa simplesmente a separação do homem de seu passado; eles crêem que,
cancelando o que o homem cometeu, sobre a base do sangue vertido, Deus separa este
homem do mundo a fim que Lhe pertença e que esta seja a santidade; e de detêm aqui.
Eles ficam então deste lado das exigências fundamentais de Deus e, em conseqüência,
dos recursos abundantes que Ele tem provido. Espero que, neste ponto, tenhamos
percebido claramente como este modo de interpretar é incompleto.
Existem outros que vão mais longe e reconhecem que Deus os têm incluído na morte
de seu Filho sobre a Cruz, a fim que seu velho homem seja crucificado em Cristo, e eles
sejam libertos do pecado e da lei. Estes têm uma fé real no Senhor porque gloriam-se
em Jesus Cristo e cessaram de colocar sua confiança na carne (Filipenses 3:3). Deus tem
neles um fundamento claro, sobre o qual pode edificar. E desta posição de partida muitos
chegaram além, e reconheceram que a consagração —adotando esta palavra em seu
verdadeiro sentido— significa abandonar-se sem reservas nas mãos do Senhor para
segui-Lo. Tudo isto representa somente os primeiros passos, partindo dos quais teremos
alcançado outras fases da experiência preparada por Deus para nós, e que muitos
conhecem. É sempre essencialmente necessário recordar-nos que cada passo, ainda que
represente um fragmento precioso da verdade, não é para nada, em si mesmo, a inteira
65
verdade. Nós experimentamos todos eles como o fruto da obra de Cristo sobre a Cruz, e
não podemos ignorar nem um sequer.
Deus tem plenamente provido à nossa redenção por meio da Cruz de Cristo, mas não
se deteve nisto somente. Na Cruz também segurou, contra toda possibilidade de falha, o
desígnio eterno do qual Paulo fala em Efésios 3:9-11: "...e demonstrar a todos qual seja
a dispensação do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou,
para que agora seja manifestada, por meio da igreja, aos principados e potestades nas
regiões celestes, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor".
Dizemos que da obra da Cruz resultaram duas conseqüências, ligadas diretamente ao
cumprimento deste plano em nós. De uma parte, mediante esta obra, a vida de Cristo foi
entregue para encontrar sua expressão em nós, por meio do Espírito Santo que mora em
nós. Por outra parte, ela fez possível aquilo que chamamos "carregar a cruz"; vale dizer,
a nossa cooperação na ação do dia-a-dia de sua morte, para que esta nova vida seja
manifestada em nós, de forma que o "homem natural" seja progressivamente conduzido
ao lugar que deve ocupar em submissão ao Espírito Santo. Estas duas conseqüências são
claramente dois aspectos, um positivo e o outro negativo, da mesma obra. Está claro que
nos referimos particularmente ao problema do proceder em uma vida vivenciada para o
Senhor. Até aqui, estudando a vida cristã, nos detivemos nas crises que constituem seu
início. Nos ocuparemos agora especialmente do caminho do discípulo, tendo mais
claramente em vista seu adestramento para ser um servo de Deus. Dele tem dito o
Senhor Jesus: "Quem não leva a sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo"
(Lucas 14:27).
Devemos então examinar o que é um homem natural e que significa "levar a cruz".
Para compreendê-lo é preciso voltar mais uma vez ao Gênesis, e considerar como Deus
queria que fosse o homem, quando o criou, e como seu plano foi obstaculizado.
Poderemos, deste modo, compreender os princípios em base aos quais fomos feitos
aptos para viver novamente em harmonia com este plano.
72
A VERDADEIRA NATUREZA DA QUEDA
Se tivermos somente uma revelação limitada do plano de Deus, não podemos menos
que perceber a importância atribuída à palavra "homem". Nós diremos com o salmista:
"O que é o homem, para que te lembres dele?" (Salmo 8:4). A Bíblia nos mostra
claramente que aquilo que Deus deseja sobretudo é um homem, um homem segundo
Seu coração.
Deus cria, então, um homem. Nós aprendemos de Gênesis 2:7 que Adão foi criado
"alma vivente", dotado de um espírito com que podia comunicar-se com Deus, e de um
corpo físico para estar em contacto com a natureza material. (Diversos fragmentos do
Novo Testamento, como 1 Tessalonicenses 5:23 e Hebreus 4:12, confirmam esta tríplice
natureza do ser humano). Por meio de seu espírito, Adão estava em contacto com o
mundo espiritual de Deus; através de seu corpo estava em contacto com o mundo físico
das coisas materiais. Ele reunia em si estes dois aspectos da ação criadora de Deus e se
convertia, assim, numa personalidade, uma entidade vivente no mundo, auto-
determinada e com a faculdade da livre escolha. Considerado em seu conjunto, ele era
então um ser consciente de si e capaz de expressar-se por si mesmo, uma "alma
vivente"
Vimos já que Adão foi criado perfeito; com isto queremos dizer que não tinha
imperfeições, porque foi criado por Deus, mas não tinha ainda sido "convertido" em
perfeito. Ainda necessitava de um último retoque: Deus não havia cumprido tudo o que
tinha intenção de fazer em Adão. Ele tinha alguma coisa a mais em vista, porém tudo
isso estava então suspenso. Deus havia procedido ao cumprimento de Seu plano criando
o homem, mas seu plano ia além do homem, porque devia assegurar a Deus todos os
seus direitos no universo, graças a um instrumento: o homem mesmo. Mas como podia o
homem ser o instrumento do plano de Deus? Unicamente com uma cooperação derivante
de uma união vivente com Deus. Deus procurou ter sobre a terra não somente uma raça
de homens do mesmo sangue, mas uma raça em cujo membro residisse a Sua vida. Uma
raça como essa devia superar a queda de Satanás e efetivar tudo aquilo que Deus tinha
no coração. Isto era o que Deus tinha em vista na criação do homem.
Vimos, também, que Adão foi criado neutro. Ele tinha uma espírito que o capacitava
para estar em comunhão com Deus; mas como homem ele não estava ainda, por assim
dizer, definitivamente orientado; tinha o poder e a faculdade de escolher, porém podia,
se o desejasse, tender para o lado oposto. O fim de Deus para o homem era "o estado de
filho", ou, em outras palavras, a demonstração de sua vida nos seres humanos. Esta vida
divina estava representada no jardim do Éden pela árvore da vida, a qual produzia um
fruto que o homem podia receber, aceitar, comer. Se Adão, criado neutro, tivesse se
encaminhado voluntariamente nesta via e, escolhendo depender de Deus, tivesse
recebido o fruto da árvore da vida (que representava a vida mesma de Deus), Deus teria
sua vida em comunhão com os homens; Ele teria obtido filhos espirituais. Mas se, ao
contrário, Adão se tivesse voltado para a árvore do conhecimento do bem e do mal, teria
estado, em conseqüência, "livre" para desenvolver-se, segundo seus próprios instintos,
fora de Deus. Porém, como esta última escolha implicava cumplicidade com Satanás,
Adão encontrou-se assim na impossibilidade de alcançar o fim a que Deus o tinha
destinado.
A ALMA HUMANA
Agora conhecemos o caminho escolhido por Adão. Achando-se entre as duas árvores
cedeu a Satanás e pegou o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Isto
determinou a orientação do seu desenvolvimento. Daquele momento em diante, ele
dispus de uma consciência; "ele conhecia". Mas —e aqui chegamos ao ponto— o fruto da
árvore do conhecimento do bem e do mal fez do primeiro homem um ser sobre-
desenvolvido em sua alma. A emoção foi tocada, porque o fruto era desejável aos olhos,
e ele "desejou"; a mente, com sua possibilidade de arrazoar, se desenvolveu porque ele
foi feito "inteligente"; e a sua vontade fortificou-se de forma de poder sempre, no futuro,
decidir seu caminho. O fruto serviu para a apertura e desenvolvimento da alma, de forma
que o homem não foi mas somente uma alma vivente, mas daí em diante viveu segundo
a sua alma. O homem não possui então mais simplesmente uma alma, mas daquele dia
em diante, a alma, com seu poder indispensável de livre escolha, tomou o lugar do
espírito como força animadora do homem. Devemos fazer aqui uma distinção entre as
duas coisas, porque a diferença é muito importante. Deus não se opõe ao fato —que é
uma realidade em Suas intenções— de que nós tenhamos uma alma como aquela que foi
73
dada a Adão. Mas o plano que Deus nos assinou é o de desenvolver alguma coisa. Existe,
hoje, algo no homem que não deriva simplesmente da existência de sua alma, mas do
fato que ele vive segundo a sua alma. Isto é o que Satanás introduziu por meio da
queda. Ele empurrou o homem a empenhar-se num caminho onde sua alma ter-se-ia
desenvolvido a ponto tal de converter-se na fonte mesma de sua vida.
Devemos, porém, prestar atenção. Para remediar isto, não é necessário que nós
procuremos anular todo aquilo que está na alma. Ninguém pode fazer isto. Se hoje a
Cruz age verdadeiramente em nós, isto não significa que fiquemos inertes, insensíveis,
sem caráter. Nós possuímos ainda uma alma e todas as vezes que recebemos alguma
coisa de Deus, ela nos resultará útil, mas como um instrumento, uma faculdade
submetida exclusivamente a Deus. Todavia, o interrogante é o seguinte: no que
concerne à alma, ficamos nos limites fixados por Deus, ou seja, nos termos que Ele
estabeleceu no princípio no jardim do Éden, ou nos saímos destes limites?
O que Deus está fazendo agora é o trabalho do vinhateiro quando constrói uma sebe
em volta da vinha. Existe, em nossa alma, um desenvolvimento indisciplinado, um
crescimento desregulado que deve ser controlado. É necessário que Deus elimine tudo
isto. É necessário que os nossos olhos sejam abertos a estes aspectos da ação de Deus
em nós. Por um lado, o Senhor procura deixar-nos em condições de viver a vida de seu
Filho. Por outra parte, Ele prossegue uma ação direta em nosso coração, para destruir os
outros recursos naturais que são o fruto do conhecimento. A cada dia aprendemos estas
duas lições: um acréscimo da vida de seu Filho, e uma limitação, até a extinção, da outra
vida da alma. Estas duas ações continuam sem trégua, porque o Senhor deseja um
desenvolvimento perfeito da vida de seu Filho em nós, com o objetivo de revelar a Si
mesmo; e por este meio nos re-conduz, naquilo que concerne a nossa alma, ao ponto de
partida de Adão. Paulo disse a este respeito: "pois nós, que vivemos, estamos sempre
entregues à morte por amor de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste
em nossa carne mortal" (2 Coríntios 4:11).
O que significa isto? Quer dizer simplesmente que eu não empreenderei nada sem
confiar-me a Deus. Não acharei nenhuma capacidade em mim mesmo. Não darei
nenhum passo porque não tenho o poder de dá-lo. Embora tenha em mim aquele poder
que herdei, não o usarei; não colocarei fé alguma em mim mesmo. Tomando o fruto,
Adão se converteu em possuidor de um poder de agir autonomamente; contudo, de um
poder que, mantendo-o independente de Deus, o colocou diretamente nas mãos de
Satanás. Nós perdemos este poder de atuar quando chegamos a conhecer o Senhor. Ele
nos libera e descobrimos que agora nos resulta impossível agir segundo as nossas
próprias iniciativas. Nós devemos viver pela força de UM OUTRO; devemos receber tudo
dEle.
Meus queridos amigos, eu creio que conhecemos nós mesmos até um certo ponto;
mas demasiado freqüentemente não trememos por aquilo que somos. Podemos dizer,
com uma espécie de condescendência para com Deus: "Se o Senhor não quer isto, eu
não posso fazê-lo", mas, em realidade, o nosso subconsciente afirma que podemos agir
muito bem por nós mesmos, também quando o Senhor não no-lo pede e nem nos dá a
força para fazê-lo. Somos, demasiado amiúde, impulsionados a atuar, a pensar, a
decidir, a manifestar a nossa força independentemente dEle. Muitos cristãos entre nós
hoje em dia são seres sobre-desenvolvidos na alma. Somos demasiado grandes em nós
mesmos; estamos "dominados pela nossa alma".
Quando nos encontramos neste estado, a vida do Filho de Deus está limitada em nós,
e quase que obstaculizada em sua ação.
74
Porém, reflitamos um instante. Onde conseguiu este homem o seu bom caráter? De
onde lhe vêm estas atitudes de bom organizador e a sua segurança de ação? Não do
novo nascimento, porque ele não é ainda nascido de novo. Sabemos que todos nós
somos nascidos da carne; portanto, é necessário nascer de novo. Mas o Senhor Jesus
disse, a este propósito, em João 3:6, que "o que é nascido da carne é carne". Tudo
aquilo que provém não do novo nascimento, senão da natureza, é carne, e somente pode
dar glória ao homem, nunca a Deus. Esta declaração é amarga, mas verdadeira.
Falamos do poder da alma ou energia natural. O que é esta energia natural? É
simplesmente o que posso fazer, o que eu posso de mim mesmo, o que eu herdei em
dons e recursos naturais. Não existe ninguém entre nós que possua esta força da alma, e
a nossa primeira grande necessidade é a de reconhecer sua natureza real.
Tomemos por exemplo a inteligência humana. Eu posso ter por natureza um
pensamento e um razoamento claro, bem estabelecido. Antes de meu novo nascimento,
eu possuo por natureza, como alguma coisa que se desenvolveu em mim normalmente
desde o meu nascimento natural. Mas a dificuldade surge aqui. Eu me converti, nasci de
novo, uma obra profunda atuou em meu espírito, uma união essencial foi estabelecida
com o Pai em meu espírito. Existem então duas coisas em mim: eu estou unido a Deus,
com uma ligação que se estabeleceu em meu espírito, mas ao mesmo tempo carrego
alguma coisa em mim que deriva ainda do meu nascimento natural. O que devo fazer
com isto?
A tendência natural é esta: eu exercia antes a minha inteligente com grande interesse
na história, nos feitos, na química, nos problemas deste mundo, na literatura, na poesia.
Consagrava todo o meu pensamento a alcançar aquilo que havia de melhor nestes
estudos. Agora, os meus desejos mudaram, e eu utilizo hoje a minha mente, exatamente
da mesma forma, nas coisas de Deus. Tenho então mudado o objeto do meu interesse,
mas não mudei o meu método de trabalho. Eis a solução do problema. Os meus
interesses foram completamente mudados (Deus seja louvado por isto!), mas agora,
para estudar a epístola aos Coríntios e aos Efésios, realizo o mesmo empenho que antes
adotava para estudar história ou geografia. Mas este engenho não pertence à nova
criação, e Deus não pode ficar satisfeito somente com esta mudança de interesse. A
dificuldade para muitos de nós reside no fato que mudamos a direção rumo a qual
estavam voltadas as nossas energias, sem ter mudado a fonte destas energias.
Veremos que existe uma quantidade de coisas deste estilo que transferimos do
domínio natural para o serviço do Senhor. Consideremos o dom da eloqüência. Existem
homens que são oradores natos; eles podem apresentar um tema de forma convincente.
Eles se convertem e nós, sem perguntar-nos qual seja a posição deles a respeito das
coisas espirituais, os colocamos sobre um púlpito e os convertemos em predicadores. Os
encorajamos para usar seus dons naturais para a predicação do Evangelho, e isto é ainda
uma mudança do objeto, conservando a mesma fonte de energia. Esquecemos que,
quando se trata dos recursos necessários para tratar das coisas de Deus, não é mais
questão de valor efetivo, mas de origem; é necessário ver de qual fonte obtemos as
nossas energias. Não se trata daquilo que fazemos, antes bem dos recursos que
utilizamos e de quem dirige estas energias. O homem apto para ser utilizado por Deus,
pode muito bem ser eloqüente, mas existe o signo da Cruz sobre essa eloqüência, e no
modo como a usa é evidente a marca da ação do Espírito de Deus. Nós não pensamos
suficientemente na fonte de nossas energias, e pensamos demasiado no objetivo ao qual
estão dirigidas, esquecendo que, para o Senhor, o fim não justifica os meios.
O exemplo que se segue nos permitirá provar a verdade destes pensamentos.
O senhor A. é um excelente orador; pode falar com grande facilidade, de forma
convincente sobre qualquer argumento, mas para as coisas práticas da vida não tem
nenhuma aptidão. O senhor B., ao contrário, é um orador mísero; não sabe nem sequer
se expressar com clareza, e gira sempre em volta do seu argumento sem nunca atingir
uma conclusão; porém, é um organizador cheio de recursos, competente em muitos
campos; um homem prático. Estes dois homens se convertem e são verdadeiros crentes.
Suponhamos agora que eu peça aos dois de tomar a palavra numa reunião, e que os dois
aceitem.
O que acontecerá? Eu pedi a mesma coisa aos dois homens, mas qual dos dois,
segundo vocês, se preparará mais seriamente em oração? Certamente o senhor B. Por
quê? Porque é ciente de sua incapacidade oratória e sabe que não possui nenhum
recurso natural sobre o qual se apoiar. Assim orará: "Senhor, se Tu não me dás a
capacidade de fazê-lo, eu não poderei falar de Ti". Sem dúvida o senhor A. orará
75
também, mas talvez não na mesma forma que o senhor B., porque ele sabe que possue
os recursos naturais.
Suponhamos agora que eu peça a eles não de falar, mas de solucionar muitos
problemas de caráter prático na reunião. O que acontecerá então? A sua posição
recíproca estará exatamente invertida. Agora será o sr A. quem orará intensamente
sabendo bem de não ter nenhuma capacidade organizativa. Também o senhor B. orará,
seguramente, mas não com a mesma insistência, porque, ainda reconhecendo ter
necessidade de Deus, não tem a mesma consciência de incapacidade do senhor A. pelas
coisas práticas.
Vêem a diferença entre os dons naturais e os dons espirituais?
Tudo aquilo que podemos fazer sem oração e sem uma constante dependência
completa em Deus provém daquela fonte de vida natural que está em relação com a
carne. É necessário compreender isto muito claramente. Certamente isto não significa
que sejam qualificados para um particular trabalho somente aqueles que não têm os
dons naturais para cumpri-lo. O ponto a ressaltar é este: quer nós possuamos dons
naturais ou não, é necessário que conheçamos a obra da Cruz, o que significa a morte de
tudo aquilo que é natural e a nossa dependência completa no Deus da ressurreição.
Invejamos demasiado facilmente o nosso próximo que tem algum dom natural,
esquecendo que, se possuirmos nós mesmos algum dom, fora da ação da Cruz, ele
poderia facilmente ser um obstáculo àquilo que Deus tenta de manifestar em nós.
Pouco tempo depois de minha conversão fui predicar o Evangelho nas favelas. Tinha
recebido uma boa instrução e conhecia bem as Escrituras; me considerava, então, bem
preparado e capaz de ensinar à gente do campo, entre os quais havia muitas mulheres
analfabetas. Mas, depois de algumas visitas, percebi que, apesar de sua ignorância,
essas mulheres tinham um conhecimento íntimo do Senhor. Eu conhecia bem o livro que
elas liam com dificuldade, mas elas conheciam bem Aquele de quem falava o livro. Eu
tinha uma riqueza na carne; elas tinham uma riqueza no espírito. Quantos cristãos hoje
tentam de ensinar aos outros, como eu fazia então, confiando maiormente na força de
sua sabedoria humana!
Achei, um dia, um jovem irmão –jovem quanto aos anos, mas com um conhecimento
profundo do Senhor. O Senhor o tinha conduzido através de muitas provas. Durante a
nossa conversação lhe perguntei: "Irmão, o que o Senhor tem te ensinado realmente
nestes dias?". Ele respondeu: "Uma única coisa: que não posso fazer nada sem Ele".
"Você quer dizer que verdadeiramente não pode fazer nada?", perguntei ainda. "Bem,
não", replicou ele, "eu posso fazer muitas coisas! Mas é isto justamente o meu problema.
Sabe, sempre tive tanta confiança em mim mesmo! Sei muito bem que posso fazer uma
quantidade de coisas". Então perguntei: "O que você quer dizer então, quando diz que
não pode fazer nada sem Ele?" Ele respondeu: "O Senhor me mostrou que posso fazer
qualquer coisa, mas que Ele declarou: "Sem mim nada podeis fazer". O resultado então é
que tudo o que fiz e posso fazer ainda sem Ele não vale nada!"
É necessário chegar a esta compreensão. Eu não quero dizer que não se possam fazer
muitas coisas: de fato, podemos. Nós podemos organizar reuniões, edificar igrejas,
podemos ir até os confins da terra e fundar missões e podemos acreditar de obter fruto;
mas lembremos a palavra do Senhor: "Toda planta que meu Pai celestial não plantou
será arrancada" (Mateus 156:13). Deus é o único autor legítimo do universo. "No
princípio, criou Deus os céus e a terra" (Gênesis 1:1), e o seu Santo Espírito é o único
verdadeiro criador em nossos corações. Tudo aquilo que vocês ou eu possamos projetar
e pôr em obra sem Ele tem a marca da carne e não alcançará nunca o domínio do
Espírito, apesar de toda a seriedade com que invoquemos as bênçãos de Deus para o
nosso esforço. Este estado de coisas pode se prolongar por anos e então poderemos
pensar em cumprir um avanço aqui, um melhoramento lá, e talvez levar tudo sobre um
plano melhor; mas não poderemos fazer nada de tudo isto.
A origem de uma coisa determina seu destino, e o que é "da carne" na origem não
poderá nunca se converter em espiritual, apesar de qualquer "aperfeiçoamento". O que
nasceu da carne é carne e nunca poderá ser outra coisa. Tudo aquilo que podemos
cumprir por nós mesmos é "nada" aos olhos de Deus, e devemos aceitar a Sua
desaprovação e reconhecer que é mesmo "nada"! "A carne para nada aproveita" (João
6:63). Somente aquilo que provém do Alto pode subsistir.
Nós não podemos compreender esta verdade, pelo simples fato que a sentimos dizer.
É necessário que Deus nos ensine o que significa, colocando seu dedo sobre uma coisa
que Ele vê e dizendo-nos: "Isto é natural; isto tem sua fonte na velha criação e não tem
origem em Mim, e portanto não pode subsistir". Até o momento em que Deus não
76
intervenha desse modo, nós poderemos estar de acordo com o princípio, mas não
poderemos compreendê-lo realmente. Poderemos aprovar esta verdade, e também
jubilar-nos, mas não teremos verdadeiramente horror de nós mesmos. Um dia chegará
no qual Deus abrirá os nossos olhos. De frente a uma situação particular deveremos
reconhecer como de uma revelação: "Isto é sujo, é impuro; Senhor, eu vejo!" Esta
palavra "pureza" é uma palavra preciosa. Eu a relaciono sempre com o Espírito. A pureza
representa uma coisa que é absolutamente do Espírito. A impureza significa confusão.
Quando Deus abre os nossos olhos e nos mostra que a vida natural é uma coisa que Ele
não poderá jamais utilizar em sua obra, percebemos que não podemos mais seguir
certas doutrinas. Sentimos horror da impureza que existe em nós; mas quando estamos
prevenidos acerca disto, Deus começa sua obra de liberação.
Em seguida veremos como Deus proveu para esta liberação; mas devemos deter-nos
ainda sobre o fato da revelação.
78
sempre que ela está imersa na luz, e que aquela luz ilumina os outros. Aquele é o
verdadeiro testemunho.12
A luz obedece a uma única lei: aclara as coisas onde penetra. Esta é a única condição
que impõe. Nós podemos rejeitá-la; é a única coisa que ela teme. Mas se nos abrimos e
nos abandonamos a Deus, Ele se revelará. As dificuldades acontecem quando temos em
nós zonas fechadas, ângulos hermeticamente cerrados em nosso coração, onde
pensamos com orgulho ter a razão. A nossa derrota consiste então menos no fato de que
erramos que em não saber que erramos. O erro pode ser uma questão de força natural;
a ignorância é questão de luz. Podem ver a força natural nos outros, mas eles não podem
vê-la em si mesmos. Oh, como temos necessidade de sermos sinceros e humildes, e de
abrir-nos diante de Deus! Aqueles que são abertos, podem ver. Deus é luz, e nós não
podemos viver em sua luz e permanecer fechados. Repetimos ainda com o salmista:
"Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem" (Salmo 43:3).
Nós agradecemos a Deus porque hoje mais que antes o pecado é colocado diante da
consciência dos cristãos. Em muitos lugares os olhos dos crentes foram abertos para ver
que a vitória sobre o pecado é importante na vida cristã; e em conseqüência muitos
caminhamos mais perto de Deus para procurar nEle a liberação. Louvamos o Senhor por
cada movimento que nos aproxima mais dEle, por cada movimento que nos reconduz a
uma verdadeira santidade diante de Deus. Contudo, ainda não é suficiente. Existe uma
coisa que deve ser curada e é a vida mesma do homem, não somente seus pecados. No
centro do problema está a energia de sua alma, a força que o move. Fazer alguma coisa
do pecado ou ainda da carne em suas manifestações naturais é continuar a permanecer
na superfície, não alcançar a raiz da questão. Adão não fez entrar o mundo no pecado
cometendo assassinato. Isto aconteceu depois. Adão deixou entrar o pecado escolhendo
ter uma alma desenvolvida a ponto de poder caminhar sozinho, independente de Deus.
Quando, ao contrário, Deus cria para Sua glória uma raça de homens que será o
instrumento de que se servirá para cumprir seu plano no universo, esta raça constituirá
um povo cuja vida, cujo próprio alento dependerá dEle. Ele será para eles "a árvore da
vida".
A necessidade que eu sinto sempre mais forte em mim mesmo é a de crer que todos
nós, como filhos de Deus, devemos pedi-Lhe a verdadeira revelação de nós mesmos.
Repito, não entendo com isso examinar-nos continuamente a nós mesmos, perguntando-
nos: "Isto é da alma ou do Espírito?". Isto não nos conduzirá a nada; é somente
escuridão. Não, as Escrituras nos mostram como os santos chegaram a um conhecimento
deles mesmos. Foi sempre por uma luz proveniente de Deus, e essa luz é Deus mesmo.
Isaias, Ezequiel, Daniel, Pedro, Paulo, João, todos eles chegaram a um conhecimento de
si mesmos porque o Senhor fez resplandecer sua luz sobre eles e aquela luz produziu
revelação e conhecimento (Is 6:5; Ez 1:28; Dn 10:8; Lc 22:61-62; At 9:3-5; Ap 1:17).
Nós não conheceremos nunca suficiente como o pecado seja odioso e como a nossa
natureza seja enganosa até que Deus não nos tenha iluminado com a Sua luz. Eu não
falo de uma sensação, mas de uma revelação interior do Senhor mesmo, através de sua
Palavra. Esta irrupção da luz divina faz por nós o que a doutrina sozinha não poderá
jamais fazer.
Cristo é a nossa luz; e é a Palavra vivente. Quando lemos a Escritura, esta vida nEle
nos traz a revelação. "E a vida era a luz dos homens" (João 1:4). Uma semelhante luz
pode não penetrar de repente por completo, mas gradualmente; mas ela será sempre
mais clara e penetrante, até que vejamos a luz de Deus e toda a confiança em nós
desapareça. Porque a luz é o que há de mais puro no mundo. Ela purifica, esteriliza,
elimina o que não deve existir. Em sua claridade "a divisão de juntas e medulas"
converte-se num fato para nós e cessa de ser um ensino. Experimentamos temor e
tremor a medida que compreendemos a corrupção da natureza humana, o odioso de
nosso "eu", e a verdadeira ameaça que para a obra de Deus tem a vida de nossa alma e
a energia não controlada pelo seu Espírito Santo. Como nunca antes, vemos agora
quanto é necessário da ação severa de Deus em nós, se Ele deve utilizar-nos, e sabemos
que sem Ele somos servos completamente inúteis.
Mas aqui a cruz, em seu significado mais amplo, vem ainda em nossa ajuda e
procuraremos agora compreender um aspecto de sua obra que toca e resolve o problema
12
Este é uma das muitas referências do autor à defunta Miss Margaret B. Barber da Eremita da
Pagoda, de Foochow (Ed.).
79
de nossa alma. Porque somente uma compreensão completa da Cruz pode conduzir-nos
àquela posição de dependência que o Senhor Jesus voluntariamente aceitou quando
disse: "Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma. Como ouço, assim julgo; e o
meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me
enviou" (João 5:30).
85
Este é a postura do Servo de que fala o Salmo 40, nos versículos 7 e 8: "Então disse:
Eis aqui venho; no rolo do livro de mim está escrito. Deleito-me em fazer a tua vontade,
ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração". Mas semelhante espírito não
está naturalmente em nenhum de nós. Manifesta-se somente quando a nossa alma, que
é a sede de nossas energias, de nossa vontade e dos nossos sentimentos naturais, tenha
sido atraída à Cruz sob a lei do Senhor. Ele deseja achar em nós esta disposição para o
serviço. O caminho para alcançá-la pode ser longo ou pode se chegar num instante:
Deus tem seus caminhos e nós devemos respeitá-los.
Todos os verdadeiros servos de Deus devem conhecer, num momento dado, esta
debilidade sem remédio, pela qual não serão mais os que antes foram. É necessário que
se estabeleça em vocês aquele sentimento pelo qual, de agora em diante, terão
realmente medo de vocês mesmos. Terão medo de agir segundo os impulsos de sua
alma, porque sabem que remorsos experimentarão perante Deus, em seu coração, se
assim fizerem. Tiveram a experiência de ter sobre vocês a mão do Deus do amor que
corrige, do Deus que "vos trata como filhos" (Hebreus 12:7). Seu Espírito mesmo dá
testemunho em seu espírito desta ligação de filiação, como da herança e da glória que
são nossas "se sofremos com Ele" (Romanos 8:16-17), e a resposta de nosso espírito ao
Pai, é: "Aba, Pai!"
Mas, quando estas experiências foram realmente vivenciadas por vocês, encontram-se
sobre uma base nova que chamamos "base de ressurreição".
Pode ser que a morte tenha produzido uma crise em sua vida natural, mas quando a
tenham superado, compreenderão que Deus libertou vocês com a ressurreição e que
aquilo que tinham perdido é restituído, ainda que numa natureza diferente. O princípio
da vida está operando agora em vocês, como uma coisa que os conduz, lhes dá força, os
enche de uma vida nova e divina. De agora em diante aquilo que tenham perdido será
devolvido, mas revestido de uma nova força, porque está para sempre sob o controle dos
céus.
Permitam-me que exponha de novo tudo isto de uma forma mais clara. Se quisermos
ser homens e mulheres espirituais, não temos necessidade de cortar-nos as mãos ou os
pés: podemos ainda conservar intacto o nosso corpo. Do mesmo modo, podemos
conservar a nossa alma, com o uso pleno de suas faculdades; mas ela não é mais a
inspiradora de nossa vida. Não vivemos mais nela traindo a nossa razão de vida. A
utilizamos, somente. Se o corpo se converter na base de nossa vida, viveremos como as
bestas. Se a alma se transforma na base de nossas vidas, viveremos como rebeldes e
fujões diante de Deus —inteligentes, cultos, espertos sem dúvida alguma, mas estranhos
à vida de Deus. porém, quando cheguemos a viver nossa vida no Espírito e pelo Espírito,
ainda que continuemos a usar as faculdades de nossa alma, tanto como utilizamos as
nossas forças físicas, elas estão agora ao serviço do Espírito; e quando estamos nestas
condições, Deus pode servir-Se de nós com eficácia.
A dificuldade para muitos de nós é aquela noite escura. O Senhor, em Sua graça, me
colocou aparte, uma vez em minha vida, por muitos meses, e me deixou,
espiritualmente, numa escuridão absoluta. Foi quase como se me tivesse abandonado,
como se tudo tivesse acabado. Depois, pouco a pouco, me devolveu aquilo que parecia
ter desaparecido. Nós temos sempre a tentação de querer ajudar a Deus, retomando as
coisas por nós mesmos, mas lembremos que é necessário transcorrer uma noite inteira
no santuário, uma completa noite na escuridão. Ninguém pode apressar o fim; Deus sabe
o que faz.
Desejaríamos viver a morte e a ressurreição no espaço de uma hora. Retrocedemos
diante o pensamento de que Deus possa afastar-nos por um tempo tão longo; não
podemos suportar a espera. E eu não posso dizer quanto tempo passará, mas penso que
podemos estar seguros que será um período bem definido no qual Ele terá vocês assim.
Parecerá que nada aconteça, que tudo aquilo que vocês apreciam esquiva suas mãos.
Terão a impressão de estar detrás de um muro sem saída. Parecerá que todos os outros
sejam abençoados e ativos, e que vocês tenham sido ultrapassados e esquecidos.
Fiquem tranqüilos. Tudo está nas trevas, mas somente por uma noite. Deve ser uma
noite completa, mas isso é tudo. Verão depois que isso tudo redundará numa gloriosa
ressurreição, e nada poderá medir a diferença entre o que era antes e o que será depois.
Estava eu, uma noite, jantando com um jovem irmão ao qual o Senhor tinha falado
deste problema da energia natural. Ele me disse: "Que experiência abençoada saber que
o Senhor tem achado e tocado você daquela forma decisiva, e saber que, depois daquele
encontro, as nossas forças partiram".
86
Havia diante de nós, na mesa, um prato com bolachas; eu peguei uma e a parti em
duas partes como para comê-la. Depois, voltando unir os dois pedaços com cuidado,
disse: "Parece de novo como antes, porém, já não será mais o mesmo, verdade? Quando
a sua força é partida, só resta abandonar-se sempre mais ao mínimo toque de Deus".
É assim, o Senhor sabe o que faz com os seus, e não sobra nenhum aspecto de nossa
vida para o qual Ele não provê com a sua Cruz, a fim que a glória do Filho seja
manifestada nos filhos. Os discípulos que percorreram esta via podem plenamente ecoar-
se das palavras do apóstolo Paulo, que podia dizer de ter servido o Senhor "em meu
espírito, no evangelho de seu Filho" (Romanos 1:9).
Eles aprenderam, como ele, o segredo de um semelhante ministério. "...nós, que
servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na
carne" (Filipenses 3:3).
Poucos podem ter uma vida mais ativa que a do apóstolo Paulo. Em sua carta aos
Romanos, ele lembra de ter predicado o Evangelho desde Jerusalém até o Ilírico (Rm
15:19), e afirma estar pronto para ir até Roma (1:10) e dali, se possível, até a Espanha
(15:24-28). Contudo, neste serviço que abraça todo o mundo mediterrâneo, seu coração
está fixado sobre um único objetivo: a exaltação dAquele que o fez possível. "De sorte
que tenho glória em Jesus Cristo nas coisas que pertencem a Deus. Porque não ousarei
dizer coisa alguma, que Cristo por mim não tenha feito, para fazer obedientes os gentios,
por palavra e por obras" (Rm 15:17-18). Isto é serviço espiritual.
Queira o Senhor fazer de cada um de nós, tão profundamente como o era Paulo, "um
escravo de Jesus Cristo".
Tomaremos como ponto de partida, para este último capítulo, um episódio dos
Evangelhos que tem lugar à sombra mesma da Cruz, um episódio que, em seus detalhes,
é histórico e profético ao mesmo tempo. "E, estando ele em Betânia, assentado à mesa,
em casa de Simão, o leproso, veio uma mulher, que trazia um vaso de alabastro, com
ungüento de nardo puro, de muito preço, e quebrando o vaso, lho derramou sobre a
cabeça (...) Jesus, porém, disse: (...) Em verdade vos digo que, em todas as partes do
mundo onde este evangelho for pregado, também o que ela fez será contado para sua
memória" (Marcos 14:3,6,9).
O Senhor quis então que a história de Maria, que o ungiu com nardo de grande preço,
acompanhasse sempre a predicação do Evangelho; que o que Maria tinha feito estivesse
sempre unido ao que o Senhor fez. Esta é a sua ordem. O que quis nos ensinar com isto?
Sem dúvida todos nós conhecemos muito bem a história de Maria.
Dos detalhes que João provê no capítulo 12 de seu Evangelho, onde o fato acontece
não muito depois da volta à vida de seu irmão Lázaro, podemos compreender que a
família não é tão rica. As irmãs deviam realizar elas mesmas o serviço da casa; devido a
que está escrito que naquela festa "Marta servia" (João 12:2, confrontar com Lucas
10:4)14, podemos pensar que cada centavo tivesse valor para eles. Ainda assim, uma das
irmãs, Maria, que guardava entre seus pertences mais prezados um vaso de alabastro
contendo um perfume de preço de trezentos denários, o ofereceu, completamente, ao
Senhor. Segundo a apreciação comum, este dom era demasiado excessivo; era como dar
ao Senhor mais do que lhe fosse devido. Por isto Judas, junto com outros discípulos,
tomou a iniciativa de expressar a desaprovação de todos, julgando o ato de Maria como
um desperdiço de dinheiro.
DESPERDIÇO
"Mas alguns houve que em si mesmos se indignaram e disseram: Para que se fez este
desperdício do bálsamo? Pois podia ser vendido por mais de trezentos denários que se
dariam aos pobres. E bramavam contra ela" (Marcos 14:4-5). Estas palavras nos
conduzem àquilo do que, penso eu, o Senhor quer que reflitamos juntos, ou seja, que
significa o termo "desperdiço".
O que é um desperdiço? Desperdiçar significa, entre outras coisas, dar além do
necessário. Se R$ 1 é suficiente para pagar um objeto e vocês entregam R$ 100, isto é
desperdiçar. Se alcançam 2 g e vocês usam 1 kg, também isto é um desperdiço. Se três
14
O autor segue aqui a crença comum que "a casa de Simão o leproso" fosse a habitação de
Maria, Marta e Lázaro; e que Simão fosse um parente deles (Nota do Editor).
87
dias bastam para terminar bem um serviço e vocês usam cinco dias ou uma semana, é
um desperdiço. Desperdiçar quer dizer dar demasiado para demasiado pouco. Se alguém
recebe mais do que pensa que seja justo, aquilo que lhe foi entregue de mais é
desperdiçado. Mas lembremo-nos que estamos tratando um argumento que o Senhor
disse que devia ser difundido como o Evangelho, em qualquer lugar onde o Evangelho
seja predicado. Por quê? Porque Ele quer que a predicação do Evangelho produza alguma
coisa similar à ação de Maria, vale dizer, homens e mulheres que venham para
desperdiçar-se com Ele. Este é o resultado que Ele procura.
É necessário considerar este fato de desperdiçar-se com o Senhor sob dois aspectos: o
de Judas (João 12:4-6) e o dos outros discípulos (Mateus 26:8-9), e para o nosso escopo
atual confrontaremos com histórias paralelas.
Os doze discípulos julgaram o gesto de Maria como um desperdiço. Para Judas, que
não tinha jamais chamado a Jesus de "Senhor", evidentemente tudo aquilo que lhe era
oferecido era desperdiçado. Não somente o ungüento era um desperdiço, mas também a
água o teria sido.
Judas representa aqui o mundo. Aos olhos do mundo o serviço do Senhor e a entrega
de nós mesmos a Ele, para Seu serviço, são um desperdiço. Ele nunca foi amado, nunca
teve um lugar nos corações do mundo. Muitos dizem: "Este homem poderia ter uma boa
posição no mundo se não fosse um crente!". Se um homem tem talentos naturais de um
certo valor aos olhos do mundo, é considerado uma vergonha de sua parte servir ao
Senhor. Pensa-se que um semelhante homem valha demasiado como para dedicar-se a
Ele. "Que desperdiço de vida útil", se dirá.
Permitam-me contar uma experiência pessoal. Em 1929, eu voltei de Xangai a
Foochow, a minha cidade natal. Um dia, enquanto caminhava na rua apoiado numa
bengala, a causa de minha grande debilidade e má saúde, encontrei um dos meus velhos
professores da Universidade. Ele me convidou a uma casa de chá, e nos sentamos.
Olhando-me da cabeça aos pés e dos pés à cabeça, me disse: "Escuta, durante os seus
estudos tínhamos muita estima de você, e esperávamos que teria feito grandes coisas.
Você quer me dizer que isto é tudo o que você conseguiu fazer?" Me fez esta pergunta
cortante, fixando-me com seus olhos penetrantes. Devo confessar que, ouvindo-o, o meu
primeiro impulso foi o de me declarar vencido e chorar. A minha carreira, a minha saúde,
tudo estava perdido, e agora o velho professor que tinha me ensinado direito na
Universidade estava ali, diante de mim, e me perguntava: "Você ainda está no mesmo
ponto, sem nenhum sucesso, sem nenhum progresso, sem nada de valor?"
Mas um instante depois —e devo dizer que aquela foi a primeira vez em minha vida—
conheceu realmente o que significava o "Espírito de poder" sobre ele. O pensamento de
ter podido dar a minha vida pelo meu Senhor enchia a minha alma de energia. Aquilo
que estava sobre mim naquele momento não era nada menos que o Espírito do poder.
Pude alçar novamente os olhos e sem reticência alguma disse: "Senhor, eu te agradeço!
Esta é a melhor coisa possível: sei que escolhi o caminho certo". Aos olhos do meu velho
professor parecia uma perda total o fato de servir o Senhor; mas este é o verdadeiro
objetivo do Evangelho: conduzir cada um de nós a uma reta apreciação de seu valor.
Judas predicou, então, que aquilo era um desperdiço. "Nós teríamos podido fazer
daquele dinheiro um melhor uso, utilizando-o de uma outra forma. Existem tantos
pobres! Por que não dá-lo melhor a uma obra de caridade, cumprir uma obra social para
ajudar os pobres de maneira prática? Por que desperdiçá-lo sobre os pés de Jesus?"
(veja João 12:4-6).
O mundo arrazoa sempre assim: "Não pode achar uma forma melhor de utilizar sua
vida? Não pode fazer alguma coisa melhor para você? É demasiado audaz entregar-se
assim, inteiramente, ao Senhor".
Mas se o Senhor é digno, como pode ser um desperdiço?
Ele é digno de ser servido assim. Ele é digno de me ter como um prisioneiro; Ele é
digno de que eu viva unicamente para Ele. Ele é digno! Pouco importa o que o mundo
pensa. O Senhor disse: "Não andeis ansiosos". Então, não nos inquietemos. Os homens
podem dizer o que querem, mas nós podemos confiarmos nestas palavras do Senhor:
"Ela fez uma boa ação; nem todas as verdadeiras obras são realizadas para os pobres;
cada verdadeira obra é feita para mim". Quando nossos olhos se abriram ao valor do
nosso Senhor Jesus, nada é demasiado bom para Ele.
Mas não queremos prolongar-nos demasiado sobre Judas. Tentemos compreender o
comportamento dos outros discípulos, porque as suas reações nos tocam mais que
aquelas de Judas. Nós não nos inquietamos tanto com o que diz o mundo; podemos
suportá-lo, mas damos uma grande importância àquilo que dizem outros cristãos que
88
deveriam entender. Contudo achamos que os outros discípulos expressam o mesmo
pensamento que Judas; não se limitavam a dizê-lo, mas se mostraram vivamente
contrariados e indignados pelo fato. "E os seus discípulos, vendo isto, indignaram-se,
dizendo: Por que é este desperdício? Pois este ungüento podia vender-se por grande
preço, e dar-se o dinheiro aos pobres" (Mateus 26:8-9).
Sabemos que existe um comportamento mental demasiado comum que faz dizer aos
cristãos: "Tentem obter o máximo resultado com o mínimo preço". Isto porém não é
para nada aquilo de que estivemos falando, que é muito mais profundo. Um exemplo nos
ajudará a compreender melhor. Nunca disseram a vocês "Quanta gente poderia ocupar-
se deste ou daquele serviço. Poderiam ajudar neste ou naquele grupo. Por que não são
ativos?" Falando assim se tem em vista somente a utilidade. Tudo deveria ser utilizado a
fundo do modo comumente retido mais útil. Alguns se preocuparam porque certos
amados servos de Deus não pareciam suficientemente ativos. Pensavam que teriam
podido realizar muito mais tentando de introduzir-se em algum ambiente, e obtendo
consideração e influência em determinados círculos. Teriam assim podido ser úteis em
modo mais eficaz.
Já falei de uma irmã que conheci muitos anos atrás e que, penso, foi a pessoa que
maiormente tenha me ajudado. Ela foi um verdadeiro instrumento nas mãos do Senhor
durante todo o tempo em que eu estive em contato com ela, ainda que nem sempre o
percebesse. A minha preocupação era: "Ela não é útil!" Eu me repetia continuamente:
"Por que não vá a algum lugar a organizar reuniões, a fazer alguma coisa? Ele desperdiça
a vida vivendo naquela favela onde nunca sucede nada!". Algumas vezes, quando ia
visitá-la, estava tentado a repreendê-la. Eu dizia: "Ninguém conhece o Senhor como
você. Vive realmente a Palavra de Deus. Não vê quanto há para fazer lá fora? Por que
não faz alguma coisa? É uma perda de tempo, uma perda de energia, uma perda de
dinheiro, uma perda de tudo ficar ali sem fazer nada!"
Não, irmãos, esta não é a primeira coisa que se deve fazer para o Senhor. Ele quer
certamente que vocês e eu sejamos úteis. Deus me livre de predicar a inatividade, ou de
aprovar um comportamento de indiferença no que diz respeito às necessidades do
mundo. Como Jesus disse: "O Evangelho será predicado em todo o mundo". Mas
tentemos compreender aquilo que é essencial. Pensando novamente nisso hoje,
compreendo quanto o Senhor usava aquela cara irmã por falar conosco, os jovens,
enquanto nos preparávamos em sua escola para a obra do Evangelho. Não poderei
jamais agradecer o suficiente ao Senhor por ela e pela influência que sua vida exerceu na
minha.
Qual é, então, o segredo? É claramente este: que aprovando o ato cumprido por Maria
em Betânia, o Senhor Jesus estabelecia o princípio fundamental de cada serviço: oferecer
a Ele tudo o que vocês têm, o seu inteiro ser; e se isto é tudo o que Ele permite vocês de
fazerem, é suficiente. Não é necessário ver, como primeira coisa, se "os pobres" foram
socorridos ou não, isto virá depois; mas, antes que nada é preciso se perguntar: "O
Senhor está satisfeito?"
Podemos predicar num grande número de reuniões, organizar numerosos convênios,
tomar parte de muitas campanhas de evangelização. Estamos certamente em condições
de fazê-lo.
Podemos trabalhar e ser utilizados plenamente; mas o Senhor não se ocupa muito de
nosso empenho incessante em Sua obra; não é este seu primeiro desejo. O serviço do
Senhor não pode ser misturado com resultados tangíveis. Não, amigos meus, o que o
Senhor considera de nós, acima de tudo, é se nos ajuelhamos aos seus pés para ungir a
sua cabeça. Qualquer seja o nosso "vaso de alabastro", a coisa mais preciosa, aquela que
nos é mais cara no mundo —até, permitam-me dizer, a manifestação de uma vida que
procede da Cruz—, entreguemos tudo isto ao Senhor.
Para muitos, também entre aqueles que deveriam compreender, isto poderá parecer
um desperdiço; mas é o que o Senhor procura acima de tudo. Muito freqüentemente o
entregar-se a Ele será um serviço sem fatiga, mas Ele se reserva o direito de suspender
o serviço por um tempo, para fazer-nos compreender se estamos apegados ao serviço ou
a Ele mesmo.
A UNIÃO ANTECIPADA
"Jesus, porém, disse: Deixai-a, por que a molestais? Ela fez-me boa obra. Porque
sempre tendes os pobres convosco, e podeis fazer-lhes bem, quando quiserdes; mas a
mim nem sempre me tendes. Esta fez o que podia; antecipou-se a ungir o meu corpo
para a sepultura" (Marcos 14:6-8).
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O Senhor Jesus, com este termo "antecipado", levanta uma questão de tempo; e este
elemento não pode ter uma nova aplicação hoje, porque é tão importante para nós como
o foi então para Maria. Saibamos todos que no século futuro seremos chamados a uma
obra maior, e não a inatividade. "Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel,
sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor" (Mateus 25:21), confrontar com
Mateus 24:47: "Em verdade vos digo que o porá sobre todos os seus bens" e Lucas
19:17: "Bem está, servo bom, porque no mínimo foste fiel, sobre dez cidades terás
autoridade". Sim, haverá um serviço maior, porque a construção da casa de Deus
prosseguirá, justamente como na história continuou a preocupação pelos pobres. Os
pobres estiveram sempre com os discípulos, mas estes não tiveram sempre o Senhor.
Esta ação de Maria, esta unção de Jesus com o perfume de nardo precioso, devia ser
cumprida com antecipação, porque uma semelhante ocasião não se teria mais
apresentado. Eu acredito que naquele dia amaremos todos o Senhor, como não o temos
amado jamais neste período de nossa vida; porém penso que existirá uma maior bênção
para aqueles que tiveram entregado tudo a Ele, hoje, desde agora. Quando o vejamos
face a face, estou seguro que todos romperemos nossos vasos e verteremos seu
conteúdo aos seus pés. Mas hoje, o que fazemos hoje?
Tempo depois de Maria ter quebrado o vaso de alabastro e derramado o perfume
sobre a cabeça de Jesus, algumas mulheres saíram bem cedo para ungir o corpo do
Senhor. O fizeram? Conseguiram cumprir seu projeto naquele primeiro dia da semana?
Não, houve uma única pessoa que pôde ungir o Senhor, Maria, que o havia ungido
antecipadamente. As outras mulheres nunca o puderam fazer, pois Ele tinha
ressuscitado. Acredito que, da mesma forma, a escolha do momento possa ter a máxima
importância também para nós, e que a primeira pergunta a fazer-nos seja esta: "O que
posso fazer hoje para o Senhor?"
Nossos olhos foram abertos sobre o precioso valor daqueles que servimos? Chegamos
a compreender que somente aquilo que nos é mais querido, mais caro, mais precioso, é
digno dEle? Chegamos a entender que trabalhar para os pobres, trabalhar para o bem do
mundo, trabalhar para as almas dos homens, para o bem eterno dos pecadores —coisas
todas necessárias e úteis— são bem feitas somente se estão em seu justo lugar? Em si
mesmas não têm valor algum se confrontadas com aquilo que é feito para o Senhor.
É necessário que o Senhor abra nossos olhos sobre aquilo que Ele significa para nós.
Se existe no mundo algum precioso tesouro de arte, e se eu pago o elevado preço que se
exige por ele, sejam R$ 1000, R$ 10.000 ou até R$ 1.000.000, alguém ousará dizer que
é um desperdiço? A idéia do desperdiço penetra em nosso modo de pensar só quando
avaliamos em menos o real valor de nosso Senhor. Todo se resume nesta pergunta:
"Que valor tem o Senhor para nós, agora?". Se nós não lhe atribuirmos muito, é evidente
que tudo aquilo que Lhe oferecemos, também as pequenas coisas, nos parecerá um
"desperdiço" insensato. Mas quando Ele é realmente precioso para a nossa alma, nada
será demasiado caro, nada será demasiado precioso para Ele; tudo aquilo que
possuímos, nosso tesouro mais prezado, nosso tesouro sem preço, o depositaremos aos
seus pés, e não nos envergonharemos jamais de tê-lo feito.
O Senhor disse a Maria: "Ela fez o que podia". O que significa isto? Significa que ela
ofereceu tudo, sem guardar nada para o futuro. Ela derramou sobre Ele tudo aquilo que
tinha; por isso, na manhã da ressurreição, não tinha nenhuma razão para chorar sua
extravagância. E o Senhor estará contente de nós somente quando tenhamos feito "o
que está em nosso poder". Lembrem-se que com isto não entendo gastar as nossas
forças e energias para tentar fazer alguma coisa para Ele. O que o Senhor Jesus procura
em nós é uma vida depositada aos seus pés; em vista de sua morte e sepultura e de um
dia futuro. A sua sepultura estava já em vista, aquele dia, na casa de Betânia. Hoje está
em vista sua coroação no dia em que será aclamado na glória como o Ungido, o Cristo de
Deus. sim, naquele dia derramaremos tudo o que teremos sobre Ele. Unjamo-Lo,
portanto, hoje, não com o óleo material mas com algo mais precioso, com alguma coisa
que provenha diretamente de nosso coração.
Aquilo que é somente externo e superficial não pode ter lugar aqui. Foi deixado de
lado por meio da Cruz e nós aceitamos o juízo de Deus sobre isso e experimentamos o
efeito de sua supressão. Aquilo que Deus nos pede agora está representado pelo vaso de
alabastro: alguma coisa extraída do profundo, folhada, cinzelada e esculpida; alguma
coisa que é para nós tão valiosa porque o é também para o Senhor, que nos é preciosa
como a Maria era precioso seu vaso e que não ousamos quebrar. Vem de nosso coração,
do mais profundo de nosso ser; e vamos com ele ao Senhor, o quebramos para derramar
o conteúdo em seus pés e Lhe dizemos: "bem, Senhor, estamos aqui com todo o nosso
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ser. Todo é Teu, porque Tu és digno". Assim o Senhor tem aquilo que deseja. Possa Ele
receber hoje uma semelhante unção de nós.
FRAGRÂNCIA
"E encheu-se a casa do cheiro do ungüento" (João 12:3). Desde o momento em que
foi rompido aquele vaso e o Senhor Jesus foi ungido, a casa foi invadida do perfume mais
doce. Todos podiam senti-lo, e ninguém podia ignorá-lo. O que significa isto?
Quando vocês encontram um cristão que realmente tem sofrido, alguém que tenha
atravessado com o Senhor experiências que tenham ultrapassado seus limites, e que, ao
invés de tentar ser liberado para ser "útil", se deixou fazer prisioneiro dEle, aprendendo
assim a encontrar sua satisfação somente no Senhor, imediatamente percebem alguma
coisa; a nossa sensibilidade espiritual perceberá em seguida um doce perfume de Cristo.
Alguma coisa, naquela vida, foi quebrada, triturada, e por isso vocês sentem a
fragrância. O perfume que encheu a casa de Betânia naquele dia continua a encher hoje
a Igreja; a fragrância de Maria não desaparece nunca. Foi suficiente um único golpe para
romper o vaso para o Senhor, mas este gesto, aquela dedicação ilimitada de si e do
perfume daquela unção, permanecem até hoje.
Nós falamos aqui daquilo que somos não do que fazemos ou predicamos. Talvez
tenham pedido ao Senhor que se sirva de vocês durante muito tempo, de forma que
possam levar aos outros alguma coisa dEle. Naquela oração não pediram o dom da
predicação ou do ensino, mas o de poder levar em seu contato com outros, alguma coisa
de Deus, da presença de Deus, depois de ter colocado tudo o que possuiam de mais
prezado aos pés do Senhor Jesus.
Mas uma vez que chegaram a este ponto, vocês podem parecer bem utilizados ou
não, numa forma externa, mas o Senhor começará a utilizar vocês para suscitar em
outros o desejo dEle. Os outros sentirão em vocês o perfume de Cristo; até o menos
ligado a estas coisas estará em condições de discerni-lo. Cada um perceberá que há aqui
um que caminha com o Senhor, que sofreu, que não agiu por si mesmo, que aprendeu o
que significa submeter tudo a Ele. Uma vida deste gênero suscita impressões, as
impressões produzem desejos e o desejo impulsiona os homens a buscar, até que sejam
introduzidos pela revelação divina, na plenitude da vida em Cristo.
Deus não nos colocou aqui com o primeiro objetivo de trabalhar ou de predicar para
Ele. A primeira razão pela qual Ele nos coloca aqui é para que nós suscitemos fome nos
outros. Isto é, depois de tudo, o que prepara o fundamento da predicação.
Se vocês apresentam um gostoso doce diante de pessoas que voltam de um bom
almoço, qual será sua reação? Elas comentarão, admirarão seu magnífico aspecto, se
interessarão pela receita, pensarão no preço, mas não o comerão! Porém, se elas
tivessem verdadeiramente fome, não passaria muito tempo antes que o doce tenha
completamente desaparecido. Assim é com as coisas do Espírito. Nenhuma obra
verdadeira poderá ser iniciada numa vida, se antes que nada não é suscitada nela a
verdadeira necessidade. Mas como pode isto ser feito? Nós não podemos suscitar pela
força um apetite espiritual nos outros; não podemos constrangê-los a ter fome. A fome
deve se produzir espontaneamente, e só pode acontecer através daqueles que levam em
si a marca de Deus.
Gosto de pensar nas palavras daquela mulher "importante" de Suném. Falando do
profeta que havia hospedado sem ainda conhecê-lo, disse: "Eis que tenho observado que
este que sempre passa por nós é um santo homem de Deus" (2 Reis 4:9). O que
produziu esta impressão nela não foi o que tinha feito ou o que tinha falado o profeta
Eliseu, mas aquilo que ele era. Em sua forma simples de pensar, ela havia podido
perceber alguma coisa; tinha enxergado. O que vêem os outros em nós? Podemos deixar
muitos tipos de impressões; podemos deixar a impressão de que somos inteligentes, que
somos cultos, que somos isto ou aquilo. A impressão que deixava Eliseu era uma
impressão de Deus mesmo.
A influência que podemos ter sobre os outros depende de uma única coisa, da obra
que cumpriu a Cruz em nós, pela confirmação da vontade de Deus. Ela pede que eu
tente de obedecer somente o Senhor, sem me preocupar daquilo que vai me custar. A
irmã de que falei antes encontrou-se, um dia, numa situação muito difícil, que podia lhe
custar tudo. Eu estava perto dela, naquele momento, e nos ajoelhamos para orar, que os
olhos úmidos. Alçando o olhar para o céu, ela disse: "Senhor, estou pronta para deixar
quebrantar meu coração para satisfazer o teu". Falar assim, de coração partido, poderia
ser para muitos de nós só um lance de puro sentimentalismo, mas para ela, na situação
em que estava, queria dizer exatamente isso.
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Deve haver alguma coisa —um consentimento à entrega de nós mesmos no quebrar o
vaso e verter tudo o conteúdo para Ele— que permita ao perfume de Cristo se expandir e
se reproduzir em outras vidas; uma consciência da necessidade deles que os impulsione
a procurar e conhecer o Senhor. Isto me parece ser o centro de tudo.
O Evangelho tem por único objetivo criar em nós, pecadores, uma disposição que
satisfaça o coração de nosso Deus. Para que isto aconteça, nós viemos a Ele com tudo
aquilo que temos, com tudo o que somos —sim, com tudo o que mais amamos de nossas
experiências espirituais— e Lhe dizemos: "Senhor, eu estou pronto para abandonar tudo
isto por Ti; não pela tua obra, não pelos teus filhos, não por outras coisa, mas por Ti,
somente para Ti".
Oh, sermos desperdiçados nEle! É uma coisa abençoada sermos desperdiçados para o
Senhor. Muitas pessoas eminentes, no mundo cristão, não sabem nada disto. Muitos de
nós fomos utilizados plenamente, talvez demais, mas não sabemos o que quer dizer
sermos desperdiçados em Deus.
Gostamos de estar sempre "ocupados"; o Senhor poderia preferir alguma vez ter-nos
em prisão. Nós vemos tudo em termos de viagens apostólicas; Deus se digna ter seus
maiores embaixadores acorrentados.
"Graças, porém, a Deus que em Cristo sempre nos conduz em triunfo, e por meio de
nós difunde em todo lugar o cheiro do seu conhecimento" (2 Coríntios 2:14).
"E encheu-se a casa do cheiro do bálsamo" (João 12:3).
Que o Senhor nos dê a graça de saber sempre como agradá-Lo. Quando, como Paulo,
prefiramos este escopo supremo (2 Coríntios 5:9), o Evangelho terá alcançado seu
objetivo.
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ÍNDICE
CAPÍTULO 1 – O SANGUE DE CRISTO..................................................................3
O nosso duplo problema: os pecados e o pecado
O duplo remédio de Deus: o sangue e a cruz
O problema dos nossos pecados
Primeiramente o sangue tem valor diante de Deus
Deus é satisfeito
A via pela qual o crente vai a Deus
A vitória sobre o acusador
CAPÍTULO 2 – A CRUZ DE CRISTO.......................................................................9
Outra distinção
A condição natural do homem
Como em Adão, assim em Cristo
O meio divino da liberação
O que a sua morte e ressurreição representam e abrangem
CAPÍTULO 3 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: SABER............................................15
A nossa morte com Cristo é um fato histórico
O primeiro passo: "sabendo que..."
A revelação divina é a base essencial da consciência
A cruz na raiz do nosso problema
CAPÍTULO 4 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: FAZER DE CONTA DE ESTAR
MORTOS........................................................................................................19
O segundo passo: assim, vocês considerem-se como...
Considerar-se pela fé
As tentações e as quedas, desafio à fé
Permanecer nEle
CAPÍTULO 5 – O PODER DI SEPARAÇÃO DA CRUZ.............................................26
Duas criações
A sepultura significa um fim
A ressurreição em novidade de vida
CAPÍTULO 6 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: APRESENTAR-SE A DEUS................31
O terceiro passo: "apresentai-vos..."
Separado para o Senhor
Servo ou escravo?
CAPÍTULO 7 – O DESÍGNIO ETERNO..................................................................33
O primogênito de muitos irmãos
O grão de trigo
A escolha que Adão deveu enfrentar
A escolha de Adão, razão da cruz
Quem tem o Filho tem a vida
Todos nasceram de um homem só
CAPÍTULO 8 – O ESPÍRITO SANTO....................................................................37
A efusão do Espírito
A fé é ainda a chave
A diferença da experiência
A permanência do Espírito em nós
O tesouro no vaso de barro
A soberania absoluta de Cristo
CAPÍTULO 9 – O SIGNIFICADO E O VALOR DO SÉTIMO CAPÍTULO DA
CARTA AOS ROMANOS...................................................................................46
A carne e a derrota do homem
O que ensina a lei
Cristo, até a lei
O fim de nós mesmos é o princípio de Deus em nós
Graças sejam dadas a Deus!
CAPÍTULO 10 – O CAMINHO DO PROGRESSO: CAMINHAR SEGUNDO O
ESPÍRITO......................................................................................................54
A carne e o Espírito
Cristo, a nova vida
A lei do Espírito da vida
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A manifestação da lei da vida
O quarto passo: "caminhar segundo o Espírito"
CAPÍTULO 11 – UM ÚNICO CORPO EM CRISTO..................................................62
Uma porta e um caminho
Os quatro aspectos da obra de Cristo sobre a cruz
O amor de Cristo
Um único sacrifício vivente
Mais que vencedores em virtude de Cristo
CAPÍTULO 12 – A CRUZ E A VIDA DA ALMA.......................................................69
A verdadeira natureza da queda
A alma humana
A energia natural na obra de Deus
A luz de Deus e o conhecimento
CAPÍTULO 13 – O CAMINHO DO PROGRESSO: CARREGAR A CRUZ.....................76
A obra subjetiva da cruz
A cruz e a abundância dos frutos
Uma noite escura – uma manhã de ressurreição
CAPÍTULO 14 – O OBJETIVO DO EVANGELHO....................................................82
Desperdiço
Servir por prazer ao Senhor
A união antecipada
Fragrância
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