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Uropatia Obstrutiva
cientes, sendo 1.137 pacientes (0,3%) portadores de uropa- dronefrose desde o período pré-natal até a adolescência.
tia obstrutiva congênita.3 Apesar disso, mais de um terço dos casos são diagnostica-
No período de 1989 a 1993, 2% dos pacientes que esta- dos no adulto.
vam em diálise nos Estados Unidos apresentavam uropa- Em crianças, o achado mais freqüente é presença de
tia obstrutiva.4 massa abdominal e, nos adultos, dor em cólica lombar ou
Segundo levantamento chileno, a obstrução do trato flanco. Pelve dilatada à ultra-sonografia não implica tra-
urinário é a etiologia mais prevalente (18,1%) de insufici- tar-se de obstrução clinicamente significante. Dos casos
ência renal crônica pediátrica.5 Percentagem semelhante foi suspeitos no período pré-natal, pelo menos 50% desapa-
encontrada na França (10,2%)6 e na Suécia (20,9%).7 recem ou permanecem assintomáticos. Pode ser bilateral
Na população adulta na Índia, a prevalência de uropa- em 10 a 30% dos casos.
tia obstrutiva é de 2,1%.8 Vários fatores estão implicados na obstrução causada
A incidência de hidronefrose encontrada em necrópsi- pela estenose de JUP, mas acredita-se que o mais relevan-
as é de 3,1%.9 te seja a presença de um segmento de ureter aperistáltico,
com abundância de fibras colágenas, impedindo a progres-
são de urina. Por vezes, há o cruzamento da via excretora
ETIOLOGIA com um vaso hilar anômalo, levando à compressão da JUP.
Particularmente em crianças, a presença de refluxo
Uropatia obstrutiva é um problema comum na prática vésico-ureteral (RVU) maciço pode levar à dilatação da
clínica e deve ser sempre lembrada em casos de perda de pelve renal, mimetizando estenose da JUP, razão pela qual,
função renal, infecção urinária, distúrbio miccional, hema- nesta idade, o diagnóstico de estenose da JUP, primário,
túria ou dor de origem gênito-urinária. só pode ser estabelecido após avaliação por imagem da
Qualquer segmento do trato urinário pode ser local de presença ou não de RVU.
processo obstrutivo, do túbulo renal ao meato uretral. O ureter pode ser sede de obstrução devido a pregas de
Uma visão panorâmica, global, dos fatores causais de mucosa, válvulas (pregas de mucosa com músculo liso) e
obstrução do trato urinário encontra-se na Fig. 34.1. pólipos fibroepiteliais benignos.
Por questão de ordem didática, as causas de obstrução Ureter retrocava é o nome de uma anomalia venosa na
serão divididas em congênitas e adquiridas. gênese da veia cava inferior onde o ureter, geralmente o
direito, circunferencia a veia cava inferior, passando por trás
da mesma. O achado urológico sugere um J invertido, mas
Congênitas o diagnóstico definitivo é dado pela tomografia abdominal.
Entre as congênitas, em forma descendente, estenose da A estenose da junção ureterovesical (JUV) também pode
junção ureteropiélica (JUP) é a causa mais comum de hi- ocorrer e está associada ao megaureter congênito.
Uretra
Bexiga
Doenças do Trato
Gastro-intestinal
Externas ao
Meato Uretral Problemas Vasculares
Arteriais ou Venosos
Doenças do
Retroperitônio
Iatrogênicas
Fig. 34.1 Causas de uropatia obstrutiva.
622 Uropatia Obstrutiva
Ureterocele é a dilatação cística do ureter intramural e, Não só problemas anatômicos podem causar uropatia
por vezes, associada à estenose do meato ureteral. obstrutiva. A bexiga, que tem duas funções, armazenamen-
A presença de divertículo vesical, muitas vezes conco- to e eliminação de urina, pode ter esta última prejudicada
mitante à duplicidade pielo-ureteral, pode ser causa de por etiologia neurogênica como lesão medular, miogênica
obstrução ureteral ou mesmo vesical. como nas hiperdistensões prolongadas, e por ação de dro-
Ao nível uretral, a válvula de uretra posterior (VUP) é a gas, particularmente aquelas com ação anticolinérgica.
afecção mais temida. Ocorre só no sexo masculino e na Nestas circunstâncias poderá ocorrer retenção urinária e
maioria das vezes é diagnosticada antes da idade adulta, obstrução funcional.
através da cistouretrografia miccional. Apesar de não ser tão
freqüente, por obstruir o esvaziamento vesical, nos casos
EXTRÍNSECAS
severos compromete os rins, levando à insuficiência renal.
Entre as causas extrínsecas, algumas são próprias do
Patologias externas ao meato uretral como fimose e fu-
gênero. No homem, a próstata é sede de hiperplasia benig-
são labial são possíveis, mas não muito freqüentes, causas
na e maligna. Com o envelhecimento, aumentam as chan-
de uropatia obstrutiva, identificáveis ao exame físico.
ces de aparecerem sintomas decorrentes destas afecções.
Este conjunto de sintomas era conhecido anteriormente
Adquiridas como prostatismo, designação não mais recomendada, pois
não está relacionado exclusivamente a problemas prostá-
Entre a causas adquiridas de obstrução do trato uriná- ticos. Hoje é preferível empregar a expressão MUTI ou
rio, há que distinguir as intrínsecas (intraluminal e intra- LUTS, em inglês, Lower Urinary Tract Symptoms.
mural) e as extrínsecas. Na mulher, várias doenças do aparelho reprodutor,
como neoplasia de ovário, útero e vagina, e seus tratamen-
INTRÍNSECAS tos são causas extrínsecas de obstrução.
Há os depósitos tubulares de cristais de ácido úrico (ne- Das doenças benignas destacam-se os abcessos tubo-
fropatia úrica), indinavir e aciclovir. São de diagnóstico ovarianos, a endometriose, o prolapso uterino e as iatro-
difícil por imagem. A história clínica e o antecedente de genias cirúrgicas.
tratamento de neoplasia e AIDS são de fundamental im- A gravidez pode também ter efeito deletério sobre o tra-
portância. to urinário secundário à obstrução ureteral, principalmente
Entre as causas intrínsecas de uropatia obstrutiva, sem à direita, podendo, entretanto, ser bilateral.
dúvida a mais prevalente é a litíase urinária, podendo obs- Neoplasias e doenças inflamatórias, entre elas a doença
truir desde o cálice até o meato uretral. Em geral é unilate- de Crohn e a retocolite ulcerativa, podem levar à obstru-
ral e atinge o sexo masculino preferencialmente (3:1). O ção ureteral por contigüidade e extensão do processo in-
cálculo urinário pode impactar-se no ureter, nos pontos flamatório ou pela associação com litíase urinária.
mais estreitos como a JUP, o cruzamento com os vasos ilí- Pancreatite e abcesso periapendicular também são cau-
acos e a JUV, levando a aumento agudo da pressão intra- sas de obstrução do ureter direito.
luminal, à montante, e distensão abrupta da pelve e cáp- Algumas doenças vasculares, arteriais e venosas, devi-
sulas renais, causando dor. do à sua posição anatômica, podem comprometer o livre
Outras causas de cólica lombar além de litíase são: coá- fluxo urinário. Aneurismas da aorta abdominal e das ilía-
gulos oriundos de sangramento de lesões benignas ou cas, assim como iatrogênicas secundárias ao seu reparo
malignas e a migração de papilas renais, como ocorre na cirúrgico, podem obstruir o trato urinário superior.
papilite necrotizante resultante de abuso de analgésicos, Entre as obstruções devidas ao sistema venoso desta-
anemia falciforme e diabetes mellitus. cam-se a síndrome da veia ovariana, exclusiva do ureter
Tumores uroteliais, isto é, originários do epitélio de re- direito, a tromboflebite puerperal da veia ovariana e o ure-
vestimento mucoso do trato urinário, podem também, ao ter retrocava ou circuncava.
crescer ou sangrar, promover a obstrução urinária. A fibrose retroperitoneal idiopática (doença de Ormond)
Processos infecciosos como tuberculose e esquistosso- é uma entidade que acomete ambos os sexos, sendo duas
mose urinária, por estreitamento inflamatório, e candidí- vezes mais freqüente em homens, e tem seu pico de inci-
ase urinária, por fungus ball, podem também cursar com dência por volta da 5.ª e 6.ª décadas da vida. Acomete em
obstrução. geral o terço médio dos ureteres, podendo ser uni- ou bi-
Estenose de uretra em homens, pós-uretrite, trauma ou lateral. Apesar de idiopática, há situações clínicas associa-
instrumentação urológica, e em mulheres, por exemplo, das, como: uso crônico de metisergida para enxaqueca,
pós-radioterapia externa ou braquiterapia no tratamento presença de neoplasia maligna, arterite aórtica, colangite
de neoplasias ginecológicas, é situação que deve ser inves- esclerosante, tromboflebites e doença de Crohn.
tigada sempre que houver Manifestações Urinárias do Tra- Há também situações específicas em que ocorre obstru-
to Inferior (MUTI). ção ureteral por reação do retroperitônio.
capítulo 34 623
gens e riscos e sua indicação deve ser analisada individu- suspeitas de uropatia obstrutiva, a dissociação entre a hi-
almente caso a caso. pótese clínica e o achado de exame exige a realização de
outros procedimentos diagnósticos.
nária pode ter repercussão sistêmica e só deve ser feito sob crianças, objetivando a distinção entre dilatação da via
controle, com cobertura antimicrobiana. excretora com obstrução ao fluxo de urina de simples di-
latação anatômica, sem obstrução (obstrução ⫻ dilata-
ção).
Tomografia Computadorizada A administração endovenosa de diurético — furose-
Tendo em vista sua alta sensibilidade, é um exame bas- mida — cerca de 20 minutos após a injeção endovenosa
tante eficiente no diagnóstico da uropatia obstrutiva e é do radioisótopo serve para evidenciar este ponto. Caso
uma opção válida e útil quando outros procedimentos, tais não haja obstrução, o diurético promoverá diurese, acar-
como ultra-sonografia e urografia excretora, falharam. retando queda da captação de radioatividade pela gama-
A tomografia computadorizada, mesmo realizada sem câmera.
contraste endovenoso, permite ver a via excretora particu- Quando há obstrução, não ocorre o wash-out e os índi-
larmente se estiver dilatada. Além disso, fornece informa- ces de radioatividade permanecerão inalterados, proximal-
ções sobre o que está ocorrendo “em volta” nas proximi- mente ao ponto de obstrução.
dades da via excretora, sendo muito útil nos casos de obs- Como fornece informações sobre a função renal relati-
trução extrínseca do ureter, identificando o fator causal. va, é empregado como mais um instrumento na tomada
Desta forma, pode ser empregada em pacientes com de decisão entre retirada ou preservação do rim obstruído
contra-indicação ao uso de contrastes iodados endoveno- e correção do fator obstrutivo. Serve também no acompa-
sos. nhamento pós-operatório de cirurgias reconstrutivas ava-
A tomografia computadorizada espiral é particularmen- liando a recuperação da função renal.
te eficiente no diagnóstico da litíase ureteral, tendo inclu-
sive maior sensibilidade que a urografia excretora neste
quesito.14
Pielografia Anterógrada ou Retrógrada
A visualização da pelve e ureter por injeção direta de
contraste, por via anterógrada (punção renal)17 ou retrógra-
Ressonância Magnética da (cateterização do meato ureteral), é um meio invasivo
Apesar de alguns pontos positivos, como não empregar de obter informações sobre detalhes anatômicos da via
contraste iodado nem radiação ionizante, trata-se de um excretora. Entretanto este pode fornecer a última palavra
método oneroso, com tempo de execução ao redor de 40- quando os exames anteriores falharem.
60 minutos, bom para a visualização da dilatação mas pou- Muitas vezes a pielografia é realizada na própria sala de
co sensível na identificação da litíase ureteral, em casos cirurgia, imediatamente antes do procedimento cirúrgico
agudos.15 visando corrigir a obstrução ou aliviar seus efeitos sobre o
Deve ser reservado, preferencialmente, para pacientes rim. Isso é particularmente verdade, pois a injeção de con-
com alteração da função renal ou com alergia ao emprego traste acima do local obstruído pode acompanhar a intro-
de contraste iodado. dução de microrganismos. Nestes casos têm-se uma infec-
ção de difícil controle e erradicação.
teral completa e aguda (24 horas), pois nessa situação as Função Tubular
alterações ficam mais evidentes.19
A uropatia obstrutiva é marcada por alteração no trans-
porte tubular. A deterioração desse transporte é dependen-
Hemodinâmica Glomerular te da duração e da severidade da obstrução. Esse defeito é
mais proeminente nos segmentos distais e é devido a dois
A obstrução do trato urinário é marcada por uma redu-
fatores: lesão intrínseca do epitélio tubular e ação hormo-
ção do fluxo sangüíneo renal (FSR) e do ritmo de filtração
nal extratubular.32
glomerular (RFG). Apresenta comportamento diferente
Na obstrução prolongada ocorrem lesões irreversíveis,
conforme o tipo de obstrução.20
tais como alterações inflamatórias crônicas do interstício
Na obstrução ureteral unilateral aguda, podem-se obser-
e atrofia tubular. Por outro lado, na obstrução recente ob-
var três fases distintas.21 Na primeira fase, com duração de
serva-se no túbulo proximal e porção espessa ascendente
2 horas, ocorre aumento da pressão ureteral e do FSR (va-
da alça de Henle edema mitocondrial e redução das inter-
sodilatação da arteríola aferente). Essa hiperemia inicial é
digitações na membrana basolateral, e nos ductos coleto-
decorrente da redução da pressão da parede vascular, uma
res, achatamento do epitélio e ampliação do espaço inter-
resposta miogênica reativa mediada por prostaglandinas.22
celular.33
Na segunda fase, até 5 horas, observa-se que o aumen-
Podem-se observar diminuição na capacidade de con-
to da pressão ureteral transmitida ao túbulo proximal pro-
centração urinária, alterações na reabsorção ou secreção de
porciona aumento da pressão hidrostática da cápsula de
sódio, potássio, fósforo, cálcio e magnésio e incapacidade
Bowman. Apesar de ocorrer também aumento da pressão
de acidificar a urina.34
do capilar glomerular (vasoconstricção da arteríola eferen-
Essas alterações tubulares são diagnosticadas após a li-
te), a diferença entre as pressões hidrostáticas diminui,
beração da obstrução e podem ter comportamento diferen-
resultando em redução do ritmo de filtração glomerular.
te na obstrução ureteral unilateral e bilateral.
Na terceira fase, após seis horas de obstrução, inicia-se
uma diminuição da pressão tubular proximal de tal mon-
ta que após 24 horas a pressão intratubular será igual ou Reabsorção de Sódio e Água
menor que a pressão prévia à obstrução. A despeito dessa
redução, ocorre uma diminuição do fluxo sangüíneo renal, Ao liberar a obstrução unilateral, a fração de excreção de
da pressão no capilar glomerular e do ritmo de filtração sódio é maior que no rim contralateral.35 Entretanto, a quan-
glomerular devido à vasoconstricção (pré- e pós-glomeru- tidade de sódio e água excretada é maior na pós-obstrução
lar) mediada pela angiotensina II,23 tromboxane A224 e hor- bilateral em comparação à unilateral (diurese pós-obstruti-
mônio antidiurético (HAD).25 va).36 Essa maior fração de excreção depende do nível plas-
Há evidências de redução na perfusão dos néfrons super- mático de uréia e da expansão do volume extracelular.
ficiais e aumento na perfusão dos néfrons justamedulares.26 A obstrução bilateral apresenta também níveis plasmá-
Em outras palavras, nas fases iniciais o aumento da pres- ticos elevados de peptídeo natriurético atrial (ANP),37
são tubular proximal contribui para a redução do ritmo de muito provavelmente pela hipervolemia.
filtração glomerular. Nas fases mais tardias esta redução é Ao estudar a reabsorção tubular de sódio ao longo do
perpetuada pela vasoconstricção. néfron, observa-se que no túbulo proximal dos néfrons
Na obstrução ureteral bilateral aguda, após 24 horas, superficiais ocorre aumento na obstrução unilateral38 e re-
ao contrário da obstrução unilateral, não ocorre redução dução na bilateral.39 Por outro lado, a reabsorção de só-
da pressão intratubular. O FSR e o RFG estão reduzidos em dio e água no túbulo proximal dos néfrons justamedula-
decorrência da vasoconstrição e da persistente hipertensão res é reduzida após a liberação da obstrução unilateral e
intratubular.27 bilateral.40
Na obstrução do trato urinário ocorre também infiltração Na porção espessa ascendente da alça de Henle, que é
de mononucleares no córtex e medula.28 Macrófago é o prin- menos permeável à água, tanto na obstrução unilateral
cipal mononuclear que aparece quatro horas após a obstru- quanto na bilateral, a reabsorção de cloreto de sódio está
ção com pico máximo em 24 horas. O segundo tipo de célu- diminuída, impondo uma redução na tonicidade do in-
la é o linfócito T supressor (CD8).29 A proliferação interstici- terstício medular, aumentando a excreção de água pela
al coincide com a redução do fluxo sangüíneo renal e do rit- diminuição de reabsorção desta na porção fina descen-
mo de filtração glomerular, mostrando que os mononucle- dente.41
ares poderiam, pelo menos em parte, causar estas alterações A redução de reabsorção de sal na porção espessa
hemodinâmicas através da liberação de tromboxane A2.30 pode ser devida ao decréscimo da atividade da Na⫹:K⫹:
Na período pós-obstrutivo, a manutenção da vasocons- ATPase basolateral pela elevação da prostaglandina E2
trição da arteríola aferente com redução da pressão do ca- (PGE2).42
pilar glomerular é responsável pela permanência do RFG Outros fatores que contribuem para hipotonicidade
reduzido.31 medular são: redução da reabsorção de uréia no ducto
capítulo 34 627
coletor e aumento do fluxo sangüíneo medular (lavagem Pode haver repercussão clínica devido ao aumento na
de solutos). excreção de magnésio decorrente da liberação da obstru-
ção uni- ou bilateral.49
Concentração Urinária
Metabolismo Renal
A obstrução do trato urinário promove uma incapaci-
dade na concentração urinária, que é produto da hipoto- A obstrução proporciona redução do consumo de oxi-
nicidade do interstício medular,43 e diminuição da sensi- gênio e da produção de dióxido de carbono, com aumento
bilidade do ducto coletor cortical à ação do HAD para re- do quociente respiratório, configurando o metabolismo
absorção de água. A infusão de vasopressina não concen- anaeróbio. A glicólise anaeróbica deve-se à lesão precoce
tra a urina.44 Essa menor sensibilidade pode ser decorren- da mitocôndria, estando os níveis de ATP reduzidos de 50
te da redução na expressão de aquaporina 2 — canal de a 70%.50 O túbulo proximal reduz a gliconeogênese e a ca-
água sensível ao HAD, localizado nas células principais dos pacidade de produzir amônia a partir da glutamina (amo-
ductos coletores.45 niogênese).51
A resultante hidroeletrolítica dessa poliúria hipotônica Pode-se também constatar aumento da síntese de trigli-
é desidratação com hipernatremia. cérides por diminuição da oxidação de ácidos graxos e
aumento da liberação de ácidos graxos dos fosfolípides por
aumento da fosfolipase.52
Secreção de Potássio e
Acidificação Urinária Pontos-chave:
Em pacientes com uropatia obstrutiva, a fração de ex- • Obstrução urinária reduz o fluxo sangüíneo
creção de potássio é menor em comparação à observada renal e o ritmo de filtração glomerular
em renais crônicos.46 Então é comum o aparecimento da • Uropatia obstrutiva causa redução na
acidose tubular renal distal (acidose hiperclorêmica,
concentração urinária
hipercalêmica, hiato aniônico normal e pH urinário alcali-
no). As causas plausíveis para explicá-la são: 1) redução na
produção de renina (acidose tubular renal distal tipo 4 —
hiporreninêmica e hipoaldosteronêmica); 2) diminuição da DIURESE PÓS-OBSTRUTIVA
sensibilidade do túbulo distal à ação da aldosterona; 3)
redução da secreção de íons H⫹ pelas células intercaladas Poliúria (⬎ 125 ml/hora)53 ocorre após a liberação da
do túbulo distal, por diminuição da produção de amônia obstrução bilateral, com excreção de grande quantidade de
no túbulo proximal e de secreção de ácido titulável (fosfa- água e eletrólitos, podendo resultar em hipocalemia, hipo-
to) no túbulo distal. natremia ou hipernatremia e hipomagnesemia.54
É importante salientar que na liberação da obstrução É autolimitada, com duração de até uma semana. Para
bilateral pode ocorrer aumento da secreção de potás- se avaliar a necessidade da reposição de água e eletrólitos,
sio pelo túbulo distal em virtude da diurese pós-obstru- deve-se levar em conta peso, sinais vitais, volume uriná-
tiva. rio, grau de hidratação e nível plasmático dos íons.
Vários mecanismos55 estão implicados para explicar essa
diurese abundante: 1) expansão do volume extracelular; 2)
Reabsorção de Fósforo, Cálcio e acúmulo de uréia plasmática; 3) alteração da função tubu-
Magnésio lar (diminuição da reabsorção de sódio e água/redução da
capacidade de concentração urinária); 4) diminuição da
Ocorre aumento na excreção urinária de fósforo após a sensibilidade do túbulo distal à ação da aldosterona e ducto
liberação da obstrução ureteral bilateral. Esse aumento é coletor ao HAD; 5) aumento dos níveis plasmáticos de
diretamente proporcional ao acúmulo de fósforo plasmá- ANP.56
tico no período obstrutivo.47
A excreção de cálcio pode estar aumentada ou diminu-
ída, dependendo da espécie estudada ou do tipo de obs- FIBROSE INTERSTICIAL E
trução.
A fração de excreção de cálcio no homem está aumen- LESÃO TUBULAR
tada após a liberação da obstrução bilateral.48 Em ratos a IRREVERSÍVEL
excreção não apresenta variação nesse tipo de obstrução.
Por outro lado, a paratireoidectomia em ratos promove A fibrose intersticial tem início após três dias de obstru-
aumento na fração de excreção de cálcio. ção. Várias citocinas são secretadas pelos macrófagos e lin-
628 Uropatia Obstrutiva
fócitos T supressores que estimulam a proliferação de fi- A idade do paciente por ocasião do diagnóstico da uro-
broblastos, produzindo colágenos tipo I, III e IV. Os colá- patia obstrutiva pode nos alertar sobre problemas associa-
genos tipo I e III estão aumentados somente no interstício. dos. Por exemplo, em lactentes e crianças, a maioria das
O colágeno tipo IV está depositado em ambos: interstício obstruções são causadas por malformações congênitas. Em
e membrana basal tubular. Este aumento provavelmente obstruções intra-útero baixas, severas, como em casos de
contribui para as alterações na função tubular.57 válvula de uretra posterior, existirá oligúria e oligoidrâm-
A angiotensina II pode, além de seu efeito hemodinâ- nio e conseqüente hipoplasia pulmonar. A cirurgia fetal tem
mico, apresentar também ação pró-inflamatória e pró- raras indicações e é feita sob critérios muito rígidos, com
fibrogênica. A administração de inibidor da enzima con- indicação em menos de 1% dos casos de hidronefrose diag-
versora da angiotensina I ou antagonista do receptor (AT1) nosticada intra-útero. Às vezes, o sexo, masculino ou femi-
da angiotensina II pode minimizar a fibrose intersticial em nino, tem implicações no diagnóstico causal da obstrução.
animais com obstrução unilateral.58 Tumores ginecológicos podem comprometer o fluxo uriná-
A lesão tubular irreversível pode ser decorrente de qua- rio tanto em nível ureteral quanto uretral e o tratamento da
tro fatores: obstrução deve considerar a doença de base, seu prognósti-
1) aumento da pressão intratubular; 2) isquemia propor- co e suas próprias perspectivas terapêuticas.
cionada pela angiotensina II e tromboxane A2; 3) infiltra- O caráter da obstrução, se aguda ou crônica, tem reper-
ção de macrófagos e linfócitos T, liberando proteases e ra- cussão direta sobre a intensidade da lesão, da nefropatia
dicais livres de oxigênio; 4) fibrose intersticial. obstrutiva, e a espessura do parênquima remanescente,
além da cintilografia renal, serão úteis para estimar, ainda
que de modo impreciso, o potencial de recuperação renal.
Pontos-chave: Lateralidade e intensidade da obstrução têm implicações
• Ocorre poliúria (⬎ 125 ml/hora) após diretas sobre a gravidade do quadro clínico. Obstruções bi-
liberação da obstrução bilateral laterais e completas associam-se a anúria e diminuição da
• A diurese pós-obstrutiva pode ocasionar função renal. O tempo para desobstrução nestes casos é vi-
tal. Por outro lado, obstrução unilateral, mesmo que total,
desidratação, hipocalemia, hipo- ou
pode cursar com função renal normal. Nesta situação, a
hipernatremia e hipomagnesemia
menos que haja infecção, não há risco de morte, mas o mon-
tante da lesão renal é função do tempo de obstrução. Obs-
truções parciais, crônicas, associam-se a disfunção tubular e,
TRATAMENTO ocasionalmente, perda excessiva de água (diabetes insípido
nefrogênico), além de sódio, cloro e bicarbonato pela urina.
É extremamente ampla a gama de opções terapêuticas As obstruções vesicais e infravesicais têm potencial de
frente à uropatia obstrutiva. Vários são os aspectos a se- gravidade maior, pois repercutem nos dois rins. O catete-
rem considerados (Fig. 34.2). rismo vesical de demora ou intermitente é solução eficiente
Idade e Sexo
Presença e Gravidade
Uni- ou Bilateral
de Co-morbidades
Lesão Renal
Transitória ou Definitiva
Uropatia Obstrutiva Nível da Obstrução
Fig. 34.2 Check List que precede o planejamento terapêutico da uropatia obstrutiva.
capítulo 34 629
mas nem sempre possível. Estenoses severas de uretra ou corrigidas antes de qualquer intervenção. Quando associadas
falsos trajetos conseqüentes a manobras inadequadas em a co-morbidades, podem pôr a vida do paciente em risco.
tentativas de cateterização pregressas podem determinar a Em face do exposto, vemos que a tomada de decisão fren-
necessidade de derivação externa como cistostomia. te à uropatia obstrutiva é muitas vezes complexa e exige
A mais freqüente causa de obstrução intrínseca é a uro- experiência e conhecimento das opções técnicas disponíveis,
litíase, e seu tratamento, quando necessário, pode ser to- muitas das quais foram aqui apenas mencionadas.
talmente endoscópico, sem necessidade de incisões cutâ-
neas. Outra alternativa muito pouco invasiva para estes
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insidiosa e, silenciosamente, podem levar à perda defini- 12. RAO, K.G.; HACKLER, R.H.; WOODLIEF, R.M. Real-time renal
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As obstruções infravesicais agudas são potencialmente 13. PARFREY, P.S.; GRIFFITHS, S.M.; BARRETT, B.J. Contrast materi-
muito dolorosas mas podem manifestar-se por incontinên- al-induced renal failure in patients with diabetes mellitus, renal in-
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plicação temida na vigência de obstrução. Os efeitos dele- 14. KAYE, A.D.; POLLACK, H.M. Diagnostic imaging approach to the
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térios sobre o rim ficam potencializados, além dos riscos 15. ROY, C.; SAUSSINE, C.; GUTH, S. MR urography in the evaluation
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se obtiver a desobstrução do sistema. 18. KLAHR, S.; HARRIS, K.P.G.; PURKERSON, M.L. Effects of obstruc-
tion on renal functions. Pediatr Nephrol, 2:34-42, 1988.
Função renal diminuída pode ser importante obstáculo 19. KLAHR, S.; HARRIS, K.P.G. Obstructive uropathy. In Seldin, D.W.;
para estabelecer-se a abordagem terapêutica, pois restrin- Giebisch, G. (eds) The Kidney: Physiology and Pathophysiology, 2nd ed.
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Em casos onde a função renal esteja definitivamente onship between renal blood flow and ureteral pressure during 18
comprometida e extremamente reduzida, a melhor tera- hours of total unilateral ureteral occlusion. Invest Urol, 13: 246-251, 1975.
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Alterações hidroeletrolíticas e metabólicas podem ser siol, 238:229-234, 1980.
conseqüências da disfunção renal e devem ser avaliadas e 23. YARGER, W.E.; SCHOCKEN, D.D.; HARRIS, R.H. Obstructive
630 Uropatia Obstrutiva
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