O documento discute a evolução histórica da criminologia e do direito penal. Apresenta as teorias da criminologia positivista e da escola liberal clássica, e como autores como Beccaria, Romagnosi e Carrara contribuíram para o desenvolvimento de uma abordagem jurídica e filosófica ao invés de uma abordagem biológica ou psicológica ao crime.
O documento discute a evolução histórica da criminologia e do direito penal. Apresenta as teorias da criminologia positivista e da escola liberal clássica, e como autores como Beccaria, Romagnosi e Carrara contribuíram para o desenvolvimento de uma abordagem jurídica e filosófica ao invés de uma abordagem biológica ou psicológica ao crime.
O documento discute a evolução histórica da criminologia e do direito penal. Apresenta as teorias da criminologia positivista e da escola liberal clássica, e como autores como Beccaria, Romagnosi e Carrara contribuíram para o desenvolvimento de uma abordagem jurídica e filosófica ao invés de uma abordagem biológica ou psicológica ao crime.
I. A ESCOLA LIBERAL CLSSICA DO DIREITO PENAL E A CRIMINOLOGIA POSITIVISTA
1. A Criminologia Positivista E A Escola Liberal Clssica Do Direito Penal
A partir dos anos 30, a criminologia contempornea caracteriza-se pela tendncia a superar as teorias baseadas sobre caractersticas biolgicas e psicolgicas que diferenciam os sujeitos criminolgicos dos indivduos normais, e sobre a negao do livre arbtrio. Teorias prprias da criminologia positivista. A novidade de sua maneira de enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal a esta era constituda pela pretensa possibilidade de individualizar sinais antropolgicos da criminalidade e de observar os indivduos assim assinalados em zonas rigidamente circunscritas dentro do mbito do universo social (o crcere e o manicmio judicirio). Tende-se a ver, nas escolas positivistas, o comeo da criminologia como uma nova disciplina, um universo de discurso autnomo, que tem por objetivo o homem delinquente, clinicamente observvel, e no o propriamente o delito. A criminologia, em sua origem, tem, como funo especfica, individualizar as causas desta diversidade, os fatores que determinam o comportamento criminoso, para combat-los com uma srie de prticas que tendem, sobretudo, a modificar o delinquente. A matriz positivista continua fundamental na histria da disciplina at os nossos dias. Ainda que as orientaes tenham deslocado a ateno dos fatores biolgicos e psicolgicos para os sociais (os quais predominaram), o modelo positivista da criminologia como estudo das causas ou dos fatores da criminalidade para individualizar as medidas adequadas para remov-los, intervindo, sobretudo, no sujeito criminoso permanece dominante dentro da sociologia criminal contempornea. Isto enquanto este modelo no foi posto em dvida e substitudo por um novo paradigma cientfico (o do labeling approach paradigma da reao social). A considerao do crime como um comportamento definido pelo direito e o repdio do determinismo e da considerao do delinquente como um indivduo diferente, so aspectos essenciais da nova criminologia. Na reconstruo histrica dos antecedentes desta disciplina, a ateno dos representantes da nova criminologia foi chamada para as ideias desenvolvidas no mbito da filosofia poltica liberal 2
clssica na Europa (sculo XVIII - XIX) cujos pressupostos, apesar de serem muito diferentes daquela, receberam um novo significado. De fato, a escola liberal no considerava o delinquente como um ser diferente dos outros, detinha-se, principalmente, sobre o delito, entendido como conceito jurdico violao do direito e daquele pacto social que estava na base do Estado e do direito. O delito surgia da livre vontade do indivduo e no de causas patolgicas, por isso o delinquente no diferente, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas aes. O direito penal e a pena era considerados, pela escola clssica, no como meio para intervir sobre o delinquente, mas como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando uma contramotivao. Os limites da cominao e da aplicao da sano penal eram assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princpio de legalidade. Neste ultimo aspecto, as escolas liberais clssicas se situavam como uma instncia crtica em face da prtica penal e penitenciria do ancien rgime (antigo regime), objetivando substitu-la por uma poltica criminal inspirada em princpios radicalmente diferentes deslocam sua ateno da criminalidade para o direito penal. Quando se fala da escola liberal clssica como um antecedente ou como a poca dos pioneiros da moderna criminologia, faz-se referencia a teorias sobre o crime, sobre direto penal e sobre a pena. Quando se fala da criminologia positivista como a primeira fase de desenvolvimento da criminologia, entendida como disciplina autnoma, faz-se referencia a teorias desenvolvidas na Europa entre o final do sc. XIX e o comeo do sc. XX, no mbito da filosofia e da sociologia do positivismo naturalista.
2. Da Filosofia Do Direito penal A Uma Fundamentao Filosfica da Cincia Penal. Casare Beccaria
Neste primeiro perodo do desenvolvimento do pensamento penal italiano, assistimos a um processo que vai de uma concepo filosfica para uma concepo jurdica, mas filosoficamente fundamentada, dos conceitos de delito, responsabilidade penal, de pena. Esta fase abre-se com o tratado Dei delitti e dele pene, escrito por Cesare Beccaria. A consequncia resultante para a histria da cincia penal a formulao pragmtica dos pressupostos para uma teoria jurdica do delito e da pena, assim como do processo, no quadro de uma concepo liberal do estado de direito, baseada no princpio utilitarista da maior felicidade para o maior nmero, e sobre as ideias do contrato social e da diviso dos poderes. 3
Para Beccaria, a base da justia humana a utilidade comum; mas a ideia da utilidade comum emerge da necessidade de manter unidos os interesses particulares, superando a coliso e oposio entre eles, que caracteriza o hipottico estado de natureza: foi, pois, a necessidade que constrangeu a ceder parte da prpria liberdade (). A soma destas mnimas pores possveis forma o direito de punir; tudo o mais abuso (). As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depsito da sade pblica so injustas por sua natureza (). Do princpio utilitarista da mxima felicidade do maior nmero e da ideia do contrato social segue-se que o critrio da medida da pena o mnimo sacrifcio necessrio da liberdade individual que ela implica. A excluso da pena de morte derivada da prpria funo do contrato social: este contrastaria com aquela, j que impensvel que os indivduos espontaneamente coloquem no depsito pblico, no s uma parte da prpria liberdade, mas sua prpria existncia. Da ideia da diviso de poderes e dos princpios humanitrios iluministas derivam, pois, a negao da justia de gabinete e a afirmao da exigncia de salvaguardar os direitos do imputado por meio da atuao de um juiz obediente lei e no ao executivo. A essncia e a medida do delito esto no dano social, que, por sua vez, junto com a defesa social, constituem os elementos fundamentais da teoria do delito e da teoria da pena.
3. O Pensamento de Giandomenico Romagnosi. A Pena Como Contra-Estmulo ao Impulso Criminoso
Trouxe a necessidade de fazer surgir o sistema de direito penal de uma verdadeira e prpria filosofia do direito. Esta filosofia do direito e da sociedade afirma a natureza originariamente social do homem e nega o conceito abstrato de uma independncia natural, qual o individuo renunciaria por meio do contrato para entrar no estado social, que permite aos homens conservar mais adequadamente a prpria existncia e realizar a prpria racionalidade. O princpio essencial do direito natural a conservao da espcie humana e a obteno da mxima utilidade. Deste princpio derivam as trs relaes tico-jurdicas fundamentais:
i. o direito e o dever de cada um de conservar a prpria existncia; ii. o dever recproco dos homens de no atentar contra sua existncia; iii. o direito de cada um de no ser ofendido por outro.
O fim da pena a defesa social. A pena possui, em relao ao impulso criminoso, um contra-estmulo, que seria o limite lgico da pena, no devendo ser superada jamais. 4
Contudo, a pena no o nico meio de defesa social: antes, o maior esforo da sociedade deve ser colocado na preveno do delito, atravs do melhoramento e desenvolvimento das condies de vida social.
4. O Nascimento da Moderna Cincia do Direito Penal na Itlia. O Sistema Jurdico de Francesco Carrara
Com Carrara nasce a moderna cincia do direito penal italiano. Contudo, a filosofia que a apadrinha. A viso rigorosamente jurdica tem, contudo, uma validade formal que , de algum modo, independente do contedo que a filosofia de Carrara d ao conceito de direito. Toda imensa trama de regras que, ao definir a suprema razo de proibir, reprimir e julgar as aes dos homens, circunscreve, dentro de limites devidos, o poder legislativo e judicial, deve remontar a uma verdade fundamental. O delito no uma ente de fato, mas um ente jurdico, porque sua essncia deve consistir, indeclinavelmente, na violao de um direito. Quando Carrara fala de direito, refere-se a uma lei que absoluta, porque constituda pela nica ordem possvel para a humanidade. Este significado absoluto permite distinguir a parte terica da parte prtica do direito penal: para a primeira, o fundamento lgico dado pela verdade, pela natureza das coisas, da qual deriva a prpria ordem, imutvel, da matria tratada; para a segunda, em troca, tal fundamento dado pela autoridade da lei positiva. O edifcio terico construdo por Carrara foi o primeiro edifcio cientfico do direito penal na Itlia, na qual toda a teoria do delito deriva de uma considerao jurdica rigorosa do mesmo, entendido no como fato danoso para a sociedade, mas como violao do direito. Disso decorre que a considerao objetiva do delito predomine sobre a considerao subjetiva do ru. A distino entre considerao jurdica do delito e considerao tica do indivduo torna-se, pois, a base da qual parte Carrara para proceder a uma nova afirmao da tese de que a funo da pena , essencialmente, a defesa social. O fim da pena no a retribuio, mas a eliminao do perigo social que sobreviria da impunidade do delito. A reeducao do condenado pode ser um resultado acessrio e desejvel da pena, mas no a sua funo essencial, nem o critrio para sua medida. A atitude racionalista de Carrara encontrou amplo eco na cincia italiana, determinando uma orientao de pensamento, a Escola Clssica, que tem nele seu ponto de partida.
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5. A Escola Positiva e a Explicao Patolgica da Criminalidade. O Criminoso Como Diferente: Cesare Lombroso
A atitude filosfica racionalista e jusnaturalista da Escola Clssica havia conduzido a um sistema de direito penal, no qual o delito encontra sua expresso propriamente como ente jurdico. O delito, como ao, , para Carrara e para a Escola Clssica, um ente juridicamente qualificado, possuidor de uma estrutura real e um significado jurdico autnomo, que surge de um princpio por sua vez autnomo: o ato da livre vontade de um sujeito. A metafsica naturalista levava a uma nova maneira de considerar o delito; a uma reao contra as hipteses racionalistas de entidades abstratas: o ato, o indivduo, sobre os quais se baseava a filosofia da Escola Clssica, e que agora perdiam sua consistncia em face de uma viso filosfica baseada sobre o conceito naturalista de totalidade. O delito , tambm, para a Escola Positiva, um ente jurdico, mas o direito que qualifica este fato humano no deve isolar a ao do indivduo da totalidade natura e social. Lombroso considerava o delito como um ente natural, um fenmeno necessrio, como o nascimento, a morte, a concepo, determinado por causas biolgicas de natureza sobretudo hereditria. tese propugnada pela Escola Clssica, da responsabilidade moral, da absoluta imputabilidade do delinquente, Lombroso contrapunha, pois, um rgido determinismo biolgico. O delito era reconduzido assim, pela Escola Positiva, a uma concepo determinista da realidade em que o homem est inserido, e da qual todo o seu comportamento , no fim das contas, expresso. O sistema penal se fundamenta, pois, na concepo das aes delituosas, quanto sobre o autor do delito, e sobre a classificao tipolgica dos autores. Esta orientao de pensamento buscava a explicao da criminalidade na diversidade ou anomalia dos autores de comportamentos criminalizados. O desenvolvimento da Escola Positiva levar, portanto a acentuar as caractersticas do delito como elemento sintomtico da personalidade do autor, dirigindo sobre tal elemento a pesquisa para tratamento adequado. A responsabilidade moral substituda pela responsabilidade social. Se no possvel imputar o delito ao ato livre e no-condicionado de uma vontade, contudo possvel referi-lo ao comportamento de um sujeito, isto explicado a necessidade de reao da sociedade em face de quem cometeu o delito. Mas a afirmao da necessidade da ao delituosa faz desaparecer todo carter de retribuio jurdica ou de retribuio tica da pena. Novamente, vemos reafirmada, na histria do pensamento penalstico italiano, a concepo da pena como meio de defesa social. Mas, como meio de defesa social, a pena no age de modo exclusivamente repressivo, segregando o delinquente e dissuadindo com sua ameaa os possveis autores de delitos, mas, 6
tambm, e sobretudo, de modo curativo e reeducativo. A consequncia politicamente to discutvel e discutida desta colocao a durao tendencialmente indeterminada da pena, j que o critrio de medio no est ligado abstratamente ao fato delituoso singular, ou seja, violao do direito ou ao dano social produzido, mas s condies do sujeito tratado; e s em relao aos efeitos atribudos pena, melhoria e reeducao do delinquente, pode ser medida sua durao. Os autores da Escola Positiva partiam de uma concepo do fenmeno segundo a qual a criminalidade, portanto, podia tornar-se objeto de estudo nas suas causas, independentemente do estudo das reaes sociais e do direito penal.