Luciano de Samósata critica historiadores que escreviam história de Roma com esperança de recompensas ou medo de perder privilégios. Segundo Luciano, um historiador deve escrever como um estrangeiro, com autonomia e isenção, para ser verdadeiro. O tradutor analisa como Luciano renovou os debates sobre historiografia na Antiguidade, ao questionar a servidão de historiadores a interesses políticos e defender a independência intelectual.
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Luciano de Samósata. Como Se Deve Escraver a História. Pt
Luciano de Samósata critica historiadores que escreviam história de Roma com esperança de recompensas ou medo de perder privilégios. Segundo Luciano, um historiador deve escrever como um estrangeiro, com autonomia e isenção, para ser verdadeiro. O tradutor analisa como Luciano renovou os debates sobre historiografia na Antiguidade, ao questionar a servidão de historiadores a interesses políticos e defender a independência intelectual.
Luciano de Samósata critica historiadores que escreviam história de Roma com esperança de recompensas ou medo de perder privilégios. Segundo Luciano, um historiador deve escrever como um estrangeiro, com autonomia e isenção, para ser verdadeiro. O tradutor analisa como Luciano renovou os debates sobre historiografia na Antiguidade, ao questionar a servidão de historiadores a interesses políticos e defender a independência intelectual.
LUCIANO. Como se deve escrever a histria. Traduo, introduo,
apndices e o ensaio Luciano e a histria: Jacyntho Lins Brando. Belo Horizonte: Tessitura, 2009, 278 pp. Henrique Estrada Rodrigues Professor substituto de Brasil Contemporneo Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) henriqueestrada@hotmail.com Rua Apucarana, 85/103 - Ouro Preto Belo Horizonte - MG 31310-520 Brasil Palavras-chave Luciano de Samsata; Escrita da histria; Teoria da histria. Keyword Lucian of Samosata; History writing; Theory of history. histria da historiografia ouro preto nmero 03 setembro 2009 194-197 194 Enviado em: 30/07/2009 Aprovado em: 06/08/2009 Como se deve escrever a histria o nome de um pequeno texto de Luciano de Samsata. Natural da Sria, ele vivera no segundo sculo de nossa era, num mundo submetido influncia do Imprio Romano e do patrimnio cultural grego. Cultor de gneros como o dilogo cmico-filosfico, o panfleto e o romance, Luciano nunca adentrou pelo terreno da historiografia, embora tenha produzido, com esse como se escreve, um significativo tratado sobre a histria. As aspas para o tratado so de Jacyntho Lins Brando, autor da mais recente traduo do texto lucinico para a lngua portuguesa, publicada em edio bilngue, anotada e comentada. De fato, o intrprete de Luciano, em ensaio aposto obra traduzida, prefere nomear o texto como uma espcie de panfleto poltico anti-romano, cujos aspectos tericos estariam a servio da polmica e das necessidades que o presente impe (BRANDO 2009, p.165). 1 O presente, no caso, diz respeito poca do reinado de Marco Aurlio (161 a 180 d.C.), com destaque para o perodo em que o Imprio Romano entra em guerra contra os partos, no Oriente, entre 162 e 166 d.C. J a polmica era dirigida contra historiadores que, perante os eventos em curso, escreviam histrias de Roma com esperana ou temor: a esperana de obter ou o medo de perder recompensas do pblico filo-romano salrio, proteo, vitria em concursos. Ento, para Luciano, como se deveria escrever a histria? Segundo a leitura de Lins Brando, como se o historiador fosse estrangeiro nos livros. Ou seja: escrevendo de um ponto de vista outro que o daqueles autores excessivamente harmnicos com os interesses do momento, prdigos em ditarem fartas lies de servilismo ou adulao. Em muitas de suas obras polmicas e, freqentemente, satricas, Luciano evita apresentar embates de ordem geral, sem que as idias se encarnem em personagens (BRANDO 2009, p.231). O mesmo teria ocorrido em Como se deve escrever a histria, cuja crtica ao servilismo se faz a partir da identificao dos vcios de um amplo leque de historiadores, notadamente daqueles empenhados em narrar as recentes guerras prticas. Toda essa crtica reconstituda e analisada com detalhe pelo ensaio de Lins Brando, enfrentando a dificuldade de lidar com nomes ou obras que tm, nos testemunhos do polemista de Samsata, sua nica fonte conhecida. Contudo, apesar de encarnasse suas crticas em historiadores especficos, Luciano tambm no deixara de condensar seus pensamentos no plano das formulaes universais. Por esse motivo, Lins Brando interpela essas formulaes a partir de uma questo bem especfica, que parece orientar todos os passos de sua anlise: se a histria procura dizer a verdade por intermdio da qual ela se separa da poesia , sob quais condies o historiador poderia ser verdadeiro? Essa foi uma questo chave para Luciano. E a partir dela que o tradutor brasileiro, desdobrando estudo anterior, intitulado A potica do hipocentauro (BRANDO 2001), orienta os dois eixos centrais de seu comentrio: de um lado, Henrique Estrada Rodrigues 195 histria da historiografia ouro preto nmero 03 setembro 2009 194-197 1 Nesta resenha, todas as citaes de Jacyntho Lins Brando so provenientes do ensaio Luciano e a histria, que acompanha a obra traduzida. Luciano de Samsata e a escrita da histria 196 histria da historiografia ouro preto nmero 03 setembro 2009 194-197 trata-se de analisar os pressupostos tericos da diferena entre poesia e histria, a partir dos quais a historiografia fora pensada, na Antiguidade, em meio a um debate sobre os diferentes gneros de discurso; de outro lado, Lins Brando investiga detidamente qual seria o estatuto da verdade da escrita historiogrfica, contraposta, em Como se deve escrever a histria, no apenas mentira, mas, especialmente, adulao interesseira. certo que Luciano era tudo, menos historiador, reafirma o ensasta brasileiro na esteira de Hartog (HARTOG 2001, p.223). Mas teria vindo do polemista grego (ou melhor, que escrevera em grego) uma teorizao explcita sobre a histria, do mesmo modo que a teoria potica, na Antiguidade, ganhou direito de existncia pela obra no de poetas, mas de filsofos (Plato e Aristteles) e, depois, retores (BRANDO 2009, p. 254). Aproximando-se da teoria, esse contemporneo de Marco Aurlio amplia o dilogo da histria com uma ampla tradio, no s historiogrfica, como tambm retrica, potica e filosfica, no deixando de atribuir ao historiador as mais altas qualidades que espera encontrar em qualquer que se dedique atividade intelectual, independentemente da disciplina de que se ocupe. (BRANDO 2009, p.262-263). Entretanto, uma vez que a histria compe um patrimnio que se transmite de gerao a gerao, Luciano de Samsata tambm dirigira sua verve crtica e terica para um outro dilogo: o da historiografia com a esfera dos assuntos pblicos. Estrangeiro nos livros e no aos assuntos da cidade , uma das mais altas qualidades de um historiador a de ser dotado de inteligncia poltica (LUCIANO 2009, p. 65). Em outros termos, na sntese proposta por Lins Brando, de nada adiantaria ser amigo da verdade sem ter a coragem de exercitar, ao menos, trs virtudes: a parrsia, ou seja, a obrigao de falar com franqueza; a justeza no julgamento, com a qual o intelectual se diferencia dos que avaliam em vista da recompensa; e a iseno na anlise, ou melhor, o dever de escrever com autonomia, sem se preocupar com o que achar este ou aquele. Ressalte-se, nas trilhas de seu tradutor brasileiro, que Luciano intercala, figura do historiador justo e imparcial, qualidades como autonomia, equidade e liberdade, reforando, por este caminho, a presena do poltico no interior do debate historiogrfico. Essa presena no se revelaria, apenas, na delimitao de um objeto especfico de anlise ou na defesa de determinadas teses. Antes disso, o poltico se apresentaria, no ensaio lucinico, como uma certa poltica da histria. Em outros termos, Luciano delineia, como prprio de seu panfleto, uma contnua interrogao sobre o contexto em que se inserem os intelectuais quando escrevem seus textos, sobre as prticas de legitimao das obras historiogrficas. Particularmente, Como se deve escrever a histria questiona autores que, incorporando a heteronomia na prpria ordem do conhecimento, escreviam suas histrias como cauo de interesses que no ousavam se dizer enquanto tais. Reconhecendo o interesse e a adulao como as ptrias da servido, mereceria o nome de historiador, para Luciano, quem fosse verdadeiramente aptrida. Foi, assim, um estrangeiro prpria disciplina que renovou os combates pela histria a partir de uma perspectiva explicitamente reflexiva e sistemtica, da qual a historiografia era at ento carente. Segundo Lins Brando, essa carncia talvez se justifique pelo fato de a prosa historiogrfica ter ultrapassado, na Antiguidade, a forma narrativa da poesia, sem, contudo, assumir a dico argumentativa da retrica ou da filosofia (BRANDO 2009, p. 254). certo que os historiadores antigos sentiram necessidade de justificar suas opes, seus objetivos e suas referncias cannicas. A esse respeito, Lins Brando relembra, por exemplo, certas reflexes de Polbio e de Flvio Josefo, interpostas no decorrer de suas prprias narrativas historiogrficas. Porm, a partir do livro que aqui se resenha, no deixa de ser interessante pensar que a teoria da histria ganha foro especfico com um desafio vindo de fora ou como o prprio foro desse desafio, sem o qual a relevncia terica poderia esmorecer perante hbitos ensimesmados. Referncias bibliogrficas: BRANDO, Jacyntho Lins. A potica do hipocentauro: literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de Samsata. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. HARTOG, Franois (org.). A histria de Homero a Santo Agostinho. Prefcios de historiadores e textos sobre a histria reunidos e comentados por Hartog, traduzidos para o portugus por Jacyntho Lins Brando. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. LUCIANO. Como se deve escrever a histria. Traduo, introduo, apndices e o ensaio Luciano e a histria: Jacyntho Lins Brando. Belo Horizonte: Tessitura, 2009. Henrique Estrada Rodrigues 197 histria da historiografia ouro preto nmero 03 setembro 2009 194-197
Para que todos entendais. Poesia atribuída a Gregório de Matos e Guerra - Vol. 5: Letrados, manuscritura, retórica, autoria, obra e público na Bahia dos séculos XVII e XVIII