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INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO COMPLEXO

Ciências Sociais na perspectiva da Complexidade.

Os seres humanos são dependentes de um sistema


simbólico, ideológico, para poder sobreviver. Nesse sistema há
um lugar relevante para as crenças, sem as quais ninguém dá
sentido à sua vida
Crença não significa religião. É também religião, mas
abarca um espectro muito mais amplo. Em tudo o que fazemos
há pôr trás uma crença. Acreditamos no alimento que
comemos, no remédio que ingerimos, na condução que
tomamos, no candidato em que votamos, na prece que fazemos,
no casamento que assumimos, na educação que
proporcionamos, e assim, em todos, absolutamente todos os
atos de nossas vidas.
As crenças não são apenas individuais ou grupais,
são também sociais. As sociedades também acreditam na
educação que proporcionam, no modelo de saúde que adotam,
na religião que predomina em seu espaço físico, na alimentação
a que seus membros estão acostumados, e mais, acreditam em
sistemas de crenças globalizantes, que dão sentido a tudo o que
se passa em seu meio – são os sistemas cosmológicos.
Na Antigüidade e na Idade Média o modelo
Aristotélico-Ptolomáico imperou na Civilização Ocidental com
seu geocentrismo, dando sentido às ações que se desenvolviam
no seu espaço físico, onde a Igreja atuava de forma hegemônica.
Na Idade Moderna, com a Primeira Revolução
Científica ocorrida nos séculos XVI e XVII, o sistema de crenças
sofreu uma modificação considerável, de um lado pela
conformação do que hoje se conhece como ―ciência moderna‖,
mas também pelo surgimento de uma nova cosmologia, agora
heliocêntrica. Neste período a humanidade produziu uma visão
mecanicista e reducionista de universo, concebendo todas as
realidades como meros mecanismos de relojoaria, em que
bastaria conhecer o funcionamento de cada um para controlá-lo
e direcioná-lo; e esse conhecimento se faria pela redução,
conhecendo as partes para compreender o todo.

O pensamento mecanicista consiste essencialmente


em reduzir todos os fenômenos da física, e mesmo da natureza,
a sistemas de forças que atuam entre corpos materiais. Nessas
condições, os aspectos mais definitivos de qualquer fenômeno
estariam, em última instância, subordinados às leis da
mecânica. Do campo físico esse paradigma foi se estendendo
para outras ciências, como as biológicas, humanas e sociais.
Por trezentos anos esse paradigma reducionista,
mecanicista imperou, e ainda impera em muitos segmentos da
vida social, produzindo resultados conflitantes e muitas vezes
dramáticos para a humanidade.
A Segunda Revolução Científica, ocorrida no início
do século XX, demonstrou a fragilidade da concepção
mecanicista e a sua redução a uma faixa bem estreita do campo
físico-químico, com as descobertas no âmbito da microfísica, do
Princípio de Incerteza, da Relatividade, da entropia,
A Teoria da Relatividade demonstrou que não existe
um sistema de referência absoluto, e o estudo dos fenômenos
físicos terá que ser feito mediante variáveis relativas que
expressam leis idênticas em diferentes sistemas inerciais.
As hipóteses de Einstein, em sua teoria restrita, se
completaram com a equação da equivalência entre massa e
energia como uma das manifestações paralelas do mesmo
fenômeno. A lei da conversão entre matéria e energia, expressa
pela equação matemática E = mc2, enuncia que a massa de
uma partícula submetida a altas velocidades se transforma em
energia pura,
Toda a gama de novos conhecimentos da Física da
primeira metade do século XX e, sobretudo, as hipóteses
relativistas elaboradas por Albert Einstein para explicar a
estrutura do cosmos transcenderam o âmbito científico e, com o
passar dos anos, se transformaram num símbolo paradigmático
da filosofia e do modo de entender o mundo durante o que se
chamou de era da relativização.
Metáforas a respeito de uma nova cosmologia
começaram a circular. Geofrey Chew, (1968) afirmou com a
sua teoria denominada ―bootstrap‖ que o universo se compara
a alguém que se sustentasse erguendo-se pelas próprias botas.
Nessa teoria, não haveria uma estrutura de sustentação do
universo. Tudo se ligaria a tudo e ajudaria o todo a sustentar
cada uma das partes. Concepção semelhante levou o notável
físico Eisenberg a afirmar: ―o universo é feito de música‖.
Estava instalado no campo da cosmologia, e da vida
como parte dela, a incerteza, o relativismo, o probabilismo,
contestando o paradigma mecanicista.
O novo golpe nesse paradigma e nessa cosmologia
seria dado pela Terceira Revolução Científica, a segunda do
século XX, iniciada em várias frentes dos anos 60. Ela gerou
grandes desdobramentos que levaram a ligar, contextualizar e
globalizar os saberes até então fragmentados e
compartimentados pelo paradigma mecanicista, com a sua
diretriz de separar as partes para entender o todo, e que, por
conseqüência, dividia também as disciplinas e fragmentara o
conhecimento.
O paradigma decorrente da Terceira Revolução
Científica permitiu articular os conhecimentos advindos das
mais diversas as disciplinas, ligando umas às outras, de modo
mais fecundo.
Esse paradigma trouxe a idéia de sistema, que
começou a minar progressivamente a validade de um
conhecimento reducionista.
Formulada por Bertalanffy, ao longo dos anos 50, a
Teoria Geral dos Sistemas, que parte do fato de que a maior
parte dos objetos da física, da astronomia, da biologia, da
sociologia, átomos, moléculas, células, organismos, sociedades,
astros, galáxias formam sistemas, ou seja, conjuntos de partes
diversas que constituem um todo organizado, retomou a
idéia, freqüentemente formulada no passado, de que um todo é
mais que o conjunto das partes que o compõem. Na mesma
época, a cibernética estabelecia os primeiros princípios
concernentes à organização das máquinas que dispunham de
programas informatizados e de dispositivos reguladores, cujo
conhecimento não podia ser reduzido ao de suas partes
constitutivas.
A organização em sistema produz qualidades ou
propriedades desconhecidas das partes concebidas
isoladamente. Assim, as propriedades do ser vivo são
desconhecidas na medida de seus constituintes moleculares
isolados; elas emergem nesta e para esta organização. A rotina,
fruto da ciência disciplinar, era tão forte, que, por muito tempo,
o pensamento sistêmico permaneceu afastado das ciências,
tanto naturais como humanas, e, ainda hoje, é marginalizado.
O desenvolvimento anterior das disciplinas
científicas, tendo fragmentado e compartimentado mais e mais o
campo do saber, demoliu as entidades naturais sobre as quais
sempre incidiram as grandes interrogações humanas: o cosmo,
a natureza, a vida e, a rigor, o ser humano.
As novas ciências desenvolvidas de forma original a
partir desse período realizam o restabelecimento dos conjuntos
constituídos, a partir de interações, retroações, inter-retroações,
e constituem complexos que se organizam por si próprios. Ao
mesmo tempo, ressuscitam entidades naturais:
o Universo (Cosmologia),
a Terra (ciências da Terra),
a Natureza (Ciências da Vida, da humanidade, da
Sociedade),

todas são poli ou transdisciplinares: têm por objeto não um


setor ou uma parcela, mas um sistema complexo, que forma um
todo organizado.
Assim, todas essas ciências rompem o velho dogma
reducionista de explicação pelo elementar: elas tratam de
sistemas complexos onde as partes e o todo produzem e se
organizam entre si e, no caso da Cosmologia, uma complexidade
que ultrapassa qualquer sistema.

As Ciências da Vida

Tome-se a Ecologia como exemplo.


A noção de ecossistema significa que o conjunto das
interações entre populações vivas no seio de uma determinada
unidade geofísica constitui uma unidade complexa de caráter
organizador: um ecossistema. Como é sabido, só a partir dos
anos 70 a pesquisa ecológica entendeu a biosfera como um
todo, sendo esta concebida como um megassistema auto-
regulado que admite em seu âmago os desenvolvimentos
técnicos e econômicos propriamente humanos que passam a
perturbá-lo.
A Ecologia, que tem um ecossistema como objeto de
estudo, recorre a múltiplas disciplinas físicas para apreender o
ambiente e às disciplinas biológicas (Zoologia, Botânica,
Microbiologia) para estudar a biocenose. Além disso, precisa
recorrer às ciências humanas para analisar as interações entre
o mundo humano e a biosfera. Assim, disciplinas extremamente
distintas são associadas e orquestradas na ciência ecológica.

As Ciências da Terra

Nos anos 60, depois da descoberta da teoria tectôníca


das placas, as ciências da Terra perceberam nosso planeta
como um sistema complexo que se autoproduz e se auto-
organiza; articulam-se com disciplinas outrora isoladas, como a
Geologia, a Meteorologia, a Vulcanologia, a Sismologia. Sugerem
que a diminuição de peso na extremidade continental do
sudeste asiático, sob o efeito da erosão anual devida aos
ciclones, pode provocar um contrabalanceamento no oeste da
Anatólia e um empuxo causador de tremores de terra ou
erupções vulcânicas na Grécia e na Itália, encaminhamo-nos
para uma concepção geobiofísíca da Terra, em que os caracteres
físicos de origem biológica (o oxigénio do ar, o calcário etc.)
estão integrados como sistema e onde a vida não é apenas um
produto, mas também um agente da física terrestre.
O desenvolvimento das ciências da Terra e da
Ecologia revitalizaram a Geografia, ciência complexa por
excelência, uma vez que abrange a física terrestre, a biosfera e
as implantações humanas.
Marginalizada pelas disciplinas vitoriosas, a
Geografia, que, de resto, forneceu profissionais à Ecologia,
reencontra suas perspectivas multídimensíonais, complexas e
globalizantes. Desenvolve seus aspectos geopolíticos e reassume
sua vocação originária como Ciência da Terra dos homens.

A Cosmologia

O cosmo fora liquidado no início do século XX pelo


conceito einsteiniano de espaço-tcmpo. Sua ressurreição tem
início com a descoberta de Hubble da dispersão das galáxias, a
hipótese do átomo primitivo de Lemaítre, e é concluída nos anos
60, notadamente depois da descoberta da radiação isótropa que
vem de todos os pontos do Universo e pode ser interpretada
como o resíduo fóssil de um acontecimento térmico inicial.
A partir daí, impõe-se o conceito de um universo
único e em evolução.
Para conhecer esse cosmos e conceber, sobretudo, a
formação dos nódulos, dos átomos, e as inter-retroações no
interior dos astros, a observação astrofísica é associada aos
resultados das experiências microfísicas, isto é, a disciplina do
infinitamente grande à disciplina do infinitamente pequeno; a
exemplo de Pascal, alguns cosmólogos, meditando sobre a
situação humana entre esses dois infinitos, tentam introduzir a
possibilidade da vida e da consciência em sua ideia de cosmo
(princípio anatrópico).

Conclusões iniciais

Edgar Morin em sua obra ―A cabeça bem-feita‖, na


qual se baseou este capítulo, propõe que o importante não é a
quantidade de conhecimentos que acumulamos, mas a
capacidade de organizá-los e, com isso, evitar sua acumulação
estéril.
―Todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma
tradução e uma reconstrução, a partir de sinais, signos,
símbolos, sob a forma de representações, ideias, teorias,
discursos.
A organização dos conhecimentos é realizada em
função de princípios e regras, comporta operações de ligação
(conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação,
oposição, seleção, exclusão). O processo é circular, passando da
separação à ligação, da ligação à separação, e, além disso, da
análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento
comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e
síntese.
Nossa civilização e, por conseguinte, nosso ensino
privilegiaram a separação em detrimento da ligação, e a
análise em detrimento da síntese. Ligação e síntese
continuam subdesenvolvidas. E isso, porque a separação e a
acumulação sem ligar os conhecimentos são privilegiadas
em detrimento da organização que liga os conhecimentos.
Como nosso modo de conhecimento é pontilhado de
heranças dos paradigmas anteriores, desune os objetos entre si.
Precisamos conceber o que os une. Como ele isola os objetos de
seu contexto natural e do conjunto do qual fazem parte, é uma
necessidade cognitiva inserir um conhecimento particular em
seu contexto e situá-lo em seu conjunto. De fato, a psicologia
cognitiva demonstra que o conhecimento progride menos pela
sofisticação, formalização e abstracão dos conhecimentos
particulares do que, sobretudo, pela aptidão a integrar esses
conhecimentos em seu contexto global.
A partir daí, o desenvolvimento da aptidão para
contextualizar e globalizar os saberes torna-se um
imperativo da educação.
O desenvolvimento da aptidão para contextualizar
tende a produzir a emergência de um pensamento
"ecologizante", no sentido em que situa todo acontecimento,
informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade
com seu meio ambiente — cultural, social, econômico, político
e, é claro, natural.
Não só leva a situar um acontecimento em seu
contexto, mas também incita a perceber como este o modifica
ou explica de outra maneira. Um tal pensamento torna-se,
inevitavelmente, um pensamento complexo, pois não basta
inscrever todas as coisas ou acontecimentos em um "quadro" ou
uma "perspectiva". Trata-se de procurar sempre as relações e
inter-retro-ações entre cada fenômeno e seu contexto, as
relações de reciprocidade todo/partes: como uma modificação
local repercute sobre o todo e como uma modificação do todo
repercute sobre as partes. Trata-se, ao mesmo tempo, de
reconhecer a unidade dentro do diverso, o diverso dentro da
unidade; de reconhecer, por exemplo, a unidade humana cm
meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades
individuais e culturais em meio à unidade humana.
Enfim, um pensamento unificador abre-se de si
mesmo para o contexto dos contextos: o contexto planetário.
Para seguir por esse caminho, o problema não é
bem abrir as fronteiras entre as disciplinas, mas
transformar o que gera essas fronteiras: os princípios
organizadores do conhecimento.
O problema chave permanece: quais são os princípios
que poderiam elucidar as relações de reciprocidade entre partes
e todo, bem como reconhecer o elo natural e insensível que liga
as coisas mais distantes e as mais diferentes?

COSMOLOGIA

CIÊNCIAS
DA TERRA

CIÊNCIAS
DA VIDA

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