You are on page 1of 14

JORNALISMO

Fotografia
jornalística e
mídia impressa:
formas de
apreensão NA MÍDIA IMPRESSA em geral, atualmente, a
fotografia é a forma de representação visu-
RESUMO al mais utilizada. Para além dos recursos
Este texto busca atentar para a importância do fotojor- gráficos (layout, tipografia, cores etc.), a fo-
nalismo enquanto forma de representação visual na mídia tografia salta aos nossos olhos como men-
impressa na atualidade. Mais especificamente, procura-se sagem, como texto visualmente relevante e
pensar o papel da relação fotografia-jornalismo nos proces- carregado de sentido. A fotografia não está
sos de construção de sentido existentes nos veículos impres- ali por acaso. Ela tem uma função, aparece
sos jornalísticos de grande circulação. Neste percurso são em um formato, possui uma intenção. A
explorados alguns aspectos e características da linguagem própria maneira como está impressa resul-
fotojornalística, bem como sua inserção no contexto ta de uma série de negociações – às vezes
midiático e social. tensas e conflituosas – que envolvem um
complexo processo de produção editorial.
ABSTRACT No mercado da mídia impressa – e no
This article underlines the importance of photojournalism seu alcance dentro da sociedade – desta-
as a form of visual representation on daily newspapers. cam-se os veículos jornalísticos. Um rol de
More specifically, it considers what role the relationship revistas e jornais povoa as bancas, além de
between photography and journalism has in the processes se tornarem disponíveis em espaços públi-
of meaning production in newspapers of wide circulation. cos e privados. Em muitos formatos, ende-
With this purpose in mind, we will explore some of the reçados a públicos distintos, jornais e revis-
aspects and characteristics of the photojournalistic tas têm funções e objetivos informacionais
language, as well as its insertion in the media and in the diferentes, o que pesa no seu processo pro-
social context. dutivo, nas mensagens (no conteúdo de
seus produtos finais), na sua periodicida-
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) de, no seu valor. Diante deste contexto, é
- Fotojornalismo (photojournalism) sempre bom lembrar das várias faces que a
- Mídia Impressa (printed media) realidade que nos cerca pode assumir. Em
- Jornal Diário (daily newspaper) cada veículo de comunicação há uma pro-
posta de leitura sobre o mundo, sobre um
aspecto dele. Em cada publicação há uma
espécie de construção própria da realida-
de. Olhando jornalisticamente para este
universo pode-se dizer: em cada um desses
veículos há uma tentativa de se circunscre-
ver o real, às vezes buscando dar conta de
seu todo – como o fazem (ou tentam fazer)
Frederico de Mello Brandão Tavares os jornais diários – ou de algum de seus
& aspectos (caso das revistas especializadas,
Paulo Bernardo Ferreira Vaz por exemplo). Desta forma, compete ao lei-
GRIS/UFMG tor olhar para cada um destes veículos di-

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 125


mensionando suas várias facetas, procuran- com outras mídias. Além disso, deve-se di-
do entender a conexão existente entre a(s) mensionar o que há de específico e caracte-
realidade(s) da vida cotidiana e as leituras rístico nestes produtos: o que dizem, o que
ou as imagens construídas sobre ela(s) nos representam e o que constroem na vida co-
jornais e revistas que tem sob os olhos. tidiana, pois nela estão inseridos, tornan-
De alguma maneira, os meios de co- do-a mais complexa.
municação moldam o horizonte de conheci- Destacando a fotografia nesses veícu-
mento do leitor sobre um determinado nú- los, devem ser relembradas as palavras de
mero de realidades, sejam elas realidades Susan Sontag: “[...] a importância da ima-
atuais ou do passado – e até mesmo, “reali- gem fotográfica como o meio através do
dades do futuro”, ainda inexistentes. Ao qual um número cada vez maior de even-
ressaltar a presença e o papel da mídia na tos penetra nossa experiência é, finalmente,
vida cotidiana, construindo experiência e apenas um produto paralelo da sua capaci-
apreendendo sentidos sobre o mundo, Ro- dade de propiciar-nos conhecimentos dis-
ger Silverstone diz: “Nossa mídia é onipre- sociados da experiência e independentes
sente, diária, uma dimensão essencial de dela” (SONTAG, 1981, p. 150). Para a auto-
nossa experiência contemporânea. É im- ra, a fotografia redefine o conteúdo de nos-
possível escapar à presença, à representa- sa experiência cotidiana e acrescenta vastas
ção da mídia” (SILVERSTONE, 2002, p. quantidades de material (pessoas, coisas,
12)1 . Para o autor, na atualidade, a mídia eventos etc.) que jamais chegamos a ver ou
situa o homem no mundo e dimensiona presenciar. As palavras de Sontag nos re-
suas experiências. Seu papel na vida cotidi- metem para uma função importante do fo-
ana é de grande relevância e daí a impor- tojornalismo. Nesse sentido, no jornal, as
tância de se pensar o que a mídia faz e o imagens funcionam como ponte entre o
que pode o leitor fazer com ela. acontecimento e o leitor, permitindo a esse
Como no Brasil a presença midiática imaginar o cenário e de alguma forma a
se dá de forma mais forte na vida dos cida- ação que ali ocorre.
dãos através da televisão, não se pode A pensar nesse caráter da fotografia,
comparar o alcance de um canal televisivo deve-se ter em mente as formas como a foto
com o de um jornal impresso. Mesmo se se presentifica em nossa vida e como suas
tratando do jornal de maior circulação no especificidades são determinantes. Mas
país, o seu número de leitores é infinita- como classificar as fotografias na ampla
mente inferior ao de telespectadores. Essa gama de imagens fotográficas espalhadas
situação, entretanto, não torna menos rele- pelas revistas e jornais impressos? O que
vante a grande importância da atuação da há nelas de específico? Como tais especifi-
mídia impressa. Como um jornal, por me- cidades se apresentam na construção de
nor que seja a sua tiragem, é distribuído sentido realizada por estas imagens? Se for
em milhares de exemplares, e como é sabi- feita uma espécie de radiografia de todas
do que se multiplicam (por quatro) o nú- as fotografias presentes nessas mídias
mero de leitores de cada jornal em circula- pode-se, a princípio, criar uma divisão bi-
ção, pode-se falar então da relevância de polar. De um lado estariam todas as foto-
sua representatividade, de sua penetração grafias jornalísticas, ligadas aos textos (ma-
na sociedade e das possíveis conseqüênci- térias, reportagens, colunas) e do outro, as
as de seu processo de leitura. fotografias publicitárias, presentes nos
Assim, o interesse em estudar a mídia anúncios destes veículos. Feita essa separa-
impressa nos coloca o desafio de pensar os ção, fica claro que ao se referir a fotojorna-
veículos jornalísticos diários, cuja repre- lismo, fala-se de um determinado tipo de
sentatividade deve ser sempre relevada, fotografias. Este trabalho quer pensar esta
mesmo que em um cenário comparativo categoria fotográfica, além de procurar

126 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral


suas especificidades e sua relação com o jornalismo como atividade que “[...] pode
contexto para o qual ela se volta e para o visar informar, contextualizar, oferecer co-
tipo de construção da realidade por ela rea- nhecimento, formar, esclarecer ou marcar
lizada. pontos de vista (‘opinar’) através da foto-
Jorge Pedro Sousa busca definir o que grafia de acontecimentos e da cobertura de
seria o fotojornalismo. Para o autor, tal de- assuntos de interesse jornalístico”2 (SOU-
finição é complexa, uma vez que há uma SA, 2000, p. 12).
multiplicidade de fotógrafos que se “cla- Conceitualmente, as diferenças entre
mam” como pertencentes ao setor, mesmo as definições sobre o fotojornalismo são tê-
que seu trabalho não tenha convergências nues. O que talvez marque mais precisa-
com o fazer temático, técnico e com pontos mente o caráter das fotografias jornalísticas
de vista jornalísticos presentes na grande são o imediatismo e o inesperado, presen-
maioria das fotografias jornalísticas. “E tes no dia-a-dia do repórter fotográfico. Di-
mesmo quando se fala do fotojornalismo ferentemente de um fotodocumentarista, o
como atividade orientada para a produção fotojornalista não dispõe para o seu traba-
de fotografias para a imprensa, repara-se lho de um longo tempo de preparação e
que vários fotógrafos que se reclamam elaboração3 . Há uma certa urgência na pro-
igualmente jornalistas apostam noutros su- dução fotográfica e em seus resultados. As-
portes de difusão.” (SOUSA, 2000, p. 11) sim, em meio aos vários tipos de fotos jor-
Devido a essa complexidade de classifica- nalísticas e as suas classificações possíveis,
ção e definição, o autor propõe abordar o este trabalho se volta para o fotojornalismo
conceito de fotojornalismo num sentido dos grandes jornais diários e procura o ca-
amplo e num sentido restrito, lembrando ráter testemunhal e informacional da foto-
que “[...] em qualquer caso, para se abordar grafia, sem abrir mão de pensar o significa-
o fotojornalismo tem-se que pensar numa do desta em relação à notícia (texto) e como
combinação de palavras e imagens” (SOU- notícia (ela própria)4 .
SA, 2000, p. 11-12), sendo que as primeiras A discussão sobre o caráter fotojorna-
devem contextualizar e complementar as lístico da fotografia coloca em evidência al-
segundas. gumas noções como informação, notícia,
Seguindo, portanto, com a proposição acontecimento. Nas reflexões de Roland
de Sousa, o fotojornalismo seria, em um Barthes (1984) sobre o studium fotográfico e
sentido mais amplo, uma atividade “de re- o papel do Operator e do Spectator em rela-
alização de fotografias informativas, inter- ção a ele, a fotografia assume uma série de
pretativas, documentais ou ‘ilustrativas’ funções tais como: representar, surpreen-
para a imprensa ou projetos editoriais liga- der, dar significação, provocar desejo. A es-
dos à produção de informação de atualida- tes atributos, poderiam ser acrescentados:
de” (SOUSA, 2000, p. 12). Por isso, há uma documentar, testemunhar, comunicar. No
proeminência da intenção, da finalidade e entanto, entremeando estas designações,
não do produto. O autor inclui aqui as fo- encontra-se uma função, talvez a mais im-
tos documentais (fotodocumentarismo), portante, das imagens fotográficas: a de for-
ilustrativas (fotos de divulgação, por exem- necer informações. Segundo Susan Sontag
plo) e dois outros tipos fotográficos que ele (1981), o valor fotográfico se dá a partir
assim denomina (SOUSA, 2000, p. 12): spot deste atributo: “A fotografia é valorizada
news (fotografias únicas que condensam porque nos fornece informações” (SON-
uma representação de um acontecimento e TAG, 1981, p. 21). Roland Barthes (1984,
o significado deste) e feature photos (fotogra- 1990) também trabalha com esta idéia, as-
fias de situações peculiares encontradas es- sim como Jorge Pedro Sousa (2000, 20045 ),
pontaneamente pelos fotógrafos). Já em Lorenzo Vilches (1983, 1993), Adriano Du-
sentido mais restrito, Sousa aponta o foto- arte Rodrigues (1994) e outros autores. Des-

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 127


sa forma, ao pensar o fotojornalismo, toma- No entanto, deve ser melhor dimensionado
se a fotografia como notícia. Trabalhar com esse papel do jornalista, a maneira como
esse caráter informacional torna-se essenci- ele olha para a realidade que o cerca e que
al. A fotografia jornalística é notícia que realidade é esta. No mundo atual, o jorna-
possui informação sobre algum aconteci- lismo é uma entre várias outras práticas de
mento, transmitindo e comunicando algo. se ver e contar a realidade. Não há nas soci-
Mas, antes de aportar no fotojornalismo, edades, no espaço das grandes cidades,
deve-se transitar pela mídia impressa para por exemplo, somente um narrador, so-
a qual dirigimos nosso olhar. mente um contador de estórias. Nas socie-
dades hodiernas, o jornal e o jornalista de-
vem ser tomados como narradores especi-
alizados, mas não são únicos nem exclusi-
1 O jornalismo e o jornal impresso: vos no contexto das várias narrativas e nar-
um modo de narrar o mundo ratividades que circundam a vida atual. E
no próprio jornal – tanto nas imagens quan-
Para delimitar as funções ou o papel de- to nos textos – jornalista e fotógrafo nunca
sempenhado pelo jornalismo deve-se che- estão sozinhos. As fontes e suas falas, os
gar a uma série de atributos. Muitos auto- personagens fotográficos e suas ações, dei-
res que estudam o jornalismo – conceitua- xam clara a existência de um processo nar-
ções, técnicas, linguagem – atribuem a essa rativo dinâmico e polifônico no qual se in-
prática uma variedade de características. serem os “narradores oficiais” do jornalis-
Dessa forma, chegar a uma idéia única so- mo. Há no jornal uma narrativa, não há
bre a questão pode ser problemático. Ape- como negar. Mas essa narrativa compõe-se
sar disso, não há como negarmos que, em da materialização de várias outras formas
geral, o jornalismo e mais especificamente de se narrar e se ver o mundo. Os aconteci-
os jornais possuem como função preponde- mentos para os quais se volta a prática jor-
rante “relatar a realidade” através das notí- nalística encontram-se (des)organi-zada-
cias; transformar os acontecimentos da vida mente dispostos na realidade social, mas
cotidiana em fatos a serem noticiados, em não são vazios de sentido. Eles incorporam
informação a ser veiculada6 . Segundo Nel- formas e visões de mundo; corporificam
son Traquina, o jornalismo pode ser expli- tempos7 e espaços que lhes são também ex-
cado ou sinteticamente definido “[...] pela ternos e anteriores; sem, no entanto, deixar
frase de que é a resposta à pergunta que de envolvê-los. Assim, o jornalista, como
muita gente se faz todos os dias – o que é “narrador profissional”, faz convergir para
que aconteceu/ está acontecendo no mun- uma esfera de comunicação especializada
do?” (TRAQUINA, 2004, p. 20). O jornalis- uma série de elementos já dispostos na tra-
mo, nesse sentido, é a atividade de “contar ma comunicativa do cotidiano.
estórias”, onde o contador é o jornalista e Nesse sentido, o jornalismo é uma
cuja transmissão se dá através de um veí- prática especializada, uma forma profissio-
culo que, no nosso caso, é o jornal impres- nal de narrar o mundo e as várias outras
so. A ação do jornalista, assim, está na no- narrativas que dele fazem parte. Na pers-
vidade, no curioso, no acontecimento (na- pectiva de Vera França, o jornalismo está
quilo que se torna acontecimento para ele). enraizado no terreno da palavra humana e
O jornalismo está atento aos fatos que ocor- constitui-se em uma maneira própria de di-
rem no mundo, está ligado aos sujeitos e às zer a sociedade. A palavra jornalística, sua
suas relações. Ele é mediador de experiên- mensagem, “[...] se constrói como uma pa-
cias e partilhas. Possui e constrói um tem- lavra especializada que se distancia pouco
po e um lugar, assim como faz parte de um a pouco de outras dinâmicas de circulação
lugar e de um tempo. da informação na sociedade” (FRANÇA,

128 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral


1998, p. 28). A palavra jornalística (que não jornal é apenas um operador entre um con-
necessariamente se restringe aos textos) junto de operadores sócio-simbólicos, sen-
possui meios distintos e próprios de circu- do, aparentemente, apenas o último [...].”
lação, que a tornam, também, mediação. (MOUILLAUD, 2002, p. 51) Neste sentido, a
O texto jornalístico – seja ele textual informação produzida e veiculada pelo jor-
ou visual – reconta a realidade através de nal não é o transporte de um fato12 mas sim
um formato próprio, organizando os acon- um ciclo ininterrupto de transformações. A
tecimentos e transformando-os em informa- informação, materializada na forma de no-
ção e notícia8 . O acontecimento, por isso, tícia, é resultado de uma série de acordos e
seria a própria realidade, o que nos é exter- disputas que se dão desde o momento do
no e é por nós experienciado espontanea- acontecimento em si, passando pelos seus
mente na movimentação do dia-a-dia. A re- agentes e interlocutores (os mais diversos),
alidade fragmentada e em constante movi- até chegar aos jornalistas e aos leitores do
mento faz com que o acontecimento se jornal13 . Estes últimos, também interlocuto-
constitua na matéria-prima que alimenta o res, um após o outro, informam (no sentido
fazer jornalístico. O jornalista, olhando de dar forma) o acontecimento, agregando-
para os muitos fragmentos que se apresen- lhe sentidos continuamente. Ressalta-se aí,
tam visíveis no mundo, faz com que não o portanto, o papel mediador do jornal e seu
acontecimento, mas os acontecimentos (dis- lugar numa certa “cadeia comunicativa de
postos de forma aleatória na realidade coti- sentidos” da qual ele faz parte. Os aconte-
diana) saiam do seu estado de entropia e se cimentos devem ser vistos como também
ajustem, coerentemente, em um dispositi- determinados (ou pertencentes) a proces-
vo 9 . “As notícias são o resultado de um sos de informação anteriores a eles, existen-
processo de produção, definido como a tes na dinâmica espaço-temporal da socie-
percepção, selecção e transformação de dade. E, devido a tais determinações, os li-
uma matéria-prima (os acontecimentos) mites do acontecimento, como relembra o
num produto (as notícias).” (TRAQUINA, próprio Mouillaud, não são unívocos. “O
1993, p. 169) Mais que narrativas comuns, acontecimento só é um acontecimento no
as notícias são resultado de um processo plural” (MOUILLAUD, 2002, p. 68), cuja
que envolve um conjunto de negociações e moldura, ao enquadrar, já sugere uma ex-
disputas10 . E o sentido daí produzido não pansão. Uma expansão que virá tanto do
se esgota somente no produto final, deven- fazer jornalístico (desdobramentos da notí-
do também ser buscado e apreendido nas cia) quanto dos interlocutores (desdobra-
interlocuções existentes no seu processo de mentos de sentido a partir dos jornalistas e
produção e recepção 11 . Por este motivo, dos leitores do jornal).
mais do que informar, podemos dizer que Sob o prisma da abertura de sentidos
o jornalismo também comunica, servindo existente no processo de fabricação e apre-
como mediador da/na sociedade, entrela- ensão dos acontecimentos e das notícias,
çando a realidade cotidiana em suas esfe- devemos lembrar que os conteúdos discur-
ras macro e micro, organizando sua cons- sivos dos jornais de modo algum podem
tante desordem. ser tomados como neutros ou imparciais. O
Baseado nessa perspectiva, Maurice jornalismo é uma prática social marcada
Mouillaud diz que o processo de produção pelo mito da objetividade mas, antes de
da notícia não deve ser apreendido como tudo, é uma forma de olhar e registrar o
uma interação face a face do jornal em rela- cotidiano social, a sociedade e o mundo
ção ao caos do mundo. Para ele, a mídia nos quais ele se insere. “Os jornais existem
em seu conjunto está situada no fim de em contextos específicos que vão orques-
uma extensa cadeia de transformações que trar de maneira singular seus elementos
lhe entregam um real já domesticado. “O constituintes e sua configuração.” (FRAN-

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 129


ÇA, 1998, p. 29) Neles, a subjetividade está por uma dinâmica temporal presos à hie-
constantemente presente e, por isso mes- rarquização de conteúdos e à urgência do
mo, é instrumento da construção de seus tempo 15 , a uma normatização discursiva
discursos e está implícita em seus conteú- própria; o que varia, segundo Mauro Wolf
dos e mensagens. A informação é uma (2001), de acordo com a organização do tra-
construção simbólica e, também, objetiva- balho específico de cada redação e de cada
ção de uma subjetividade. Se na base dessa meio de comunicação. Cada jornal incorpo-
cadeia de sentidos temos os sujeitos pro- ra tais características jornalísticas de manei-
dutores da notícia e os acontecimentos (am- ras próprias e singulares. Além de serem
bos objetivados e subjetivados a todo mo- veículos, em sua maioria, de grande circu-
mento), também temos em outro extremo lação, o que lhes atribui especificidades em
os sujeitos leitores, aqueles que consomem relação a outros tipos de jornalismo, há di-
a produção noticiosa, que lidam com reali- ferenças entre suas linhas editoriais, entre
dades distintas e com as realidades jorna- as hierarquizações das notícias por eles
lísticas interagindo-as e dando a elas novos praticadas, entre suas fontes, entre suas ro-
significados. tinas produtivas. Há entre eles formas dis-
O jornalismo, ao emoldurar o fluxo da tintas de linguagem. Textos, imagens, for-
vida cotidiana recortando seus fragmentos, mato, diagramação, tipografia, projeto grá-
reproduz (recriando) uma realidade funda- fico e até o preço de cada jornal expressam
mentada em uma série de mecanismos e maneiras jornalísticas particulares e ofere-
procedimentos próprios que, acima de cem diferentes construções narrativas (in-
tudo, possuem uma função social e um cluindo-se aqui não só o produto, mas tam-
comprometimento com a sociedade da qual bém o processo produtivo) sobre a realida-
ele diz e para a qual ele fala. O jornalista, de. Há também diferenças no público-alvo,
socialmente, atua como interlocutor entre a assim como em sua tiragem e no alcance/
sociedade e ela mesma. Um jornal, mais do penetração de cada um deles. Há diferença
que trazer notícias, “testemunha também o entre os temas os quais cada um deles
sentimento de uma sociedade, seu padrão apresenta e representa.
de sociabilidade, sua maneira de falar” Considerada a importância de parti-
(FRANÇA, 1998, p. 17). Assim, o jornal pro- cularidades do jornal, voltamos nosso
move uma passagem, permitindo uma tro- olhar para uma forma discursiva específica
ca comunicacional e relacional entre os su- presente no jornalismo impresso: suas foto-
jeitos e o mundo. Ele provoca um elo entre grafias. O que torna jornalística a fotografia
interpretações e significações, possibilitan- presente no jornal? O que há de jornalístico
do ao seu leitor se reconhecer e, conse- no fotojornalismo? Na dinâmica existente
qüentemente, se situar no contexto espaço- entre foto e jornalismo há a conformação de
temporal de sua realidade, uma realidade um contexto de sentido que possui regras e
ali construída e transmitida. funcionamento próprios, o que marca mui-
Esse posicionamento de sujeitos per- to propriamente as mensagens que advêm
mitido pelo jornal faz com que a informa- dessa relação, sem retirar-lhe o caráter sim-
ção jornalística traga as marcas de seu tem- bólico e fechar-lhe o sentido.
po, do presente que ela aborda, da atuali-
dade. O cotidiano é reorganizado e sua di-
nâmica passa a ser moldada por uma ca- 2 O fotojornalismo: narrativas
deia de procedimentos valorativos e caden- visuais no jornal
ciados de noticiabilidade14 . Há nos proces-
so de produção, seleção e apresentação das A fotografia não aparece no jornalismo im-
notícias, rotinas marcadas por um fazer es- presso apenas para ilustrar. Por isso, o pa-
pecífico, por um ambiente organizacional, pel que ela desempenha nesse suporte é de

130 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral


tamanha importância. Estampada no jornal, va. Isto é tão certo que, se mudarmos o
a fotografia torna-se uma munição para o ponto de vista ou a cena, muda o aconteci-
jornalista, que busca dar sempre veracida- mento.”18 (VILCHES, 1993, p. 141, tradução
de àquilo sobre o que escreve. Segundo Lo- nossa) A fotografia do jornal nos aproxima
renzo Vilches, “toda fotografia produz uma de determinado acontecimento, fazendo-
‘impressão de realidade’ que no contexto nos conhecê-lo e dando-nos a sensação de
da imprensa se traduz por uma ‘impressão que dele participamos. Muitas vezes, quan-
de verdade’”16 (VILCHES, 1993, p. 19, tra- do pensamos em determinado episódio,
dução nossa). A foto funciona no jornal são as imagens da mídia que nos vêm à
como se fornecesse provas. “Determinada mente como se tivéssemos vivido determi-
coisa de que ouvimos falar, mas que nos nada situação. As imagens fotojornalísticas
suscita dúvidas, parece-nos comprovada são responsáveis diariamente pela confor-
quando dela vemos uma fotografia. Uma mação e pela criação de cenas que nos dão
das variantes da utilidade da câmara foto- versões imagéticas da realidade cotidiana
gráfica está em que seu registro denuncia.” que nos cerca.
(SONTAG, 1981, p. 5) A foto, assim, não é Dessa forma, dentre os instantâneos
só imagem da notícia. Ela também é notí- fotográficos,
cia17 .
a fotografia de imprensa adquiriu, no
A fotografia jornalística é atividade mundo actual, uma autonomia e um
especializada, cujo desempenho en- estatuto próprios. O estatuto óbvio de
volve conhecimento muito além do testemunho da actualidade represen-
manuseio do processo. Trata-se de se- tada é acrescido de cargas valorativas.
lecionar e enquadrar elementos se- Este acréscimo ou este excesso de sig-
mânticos de realidade de modo que, nificações conotadas é, antes de mais,
congelados na película fotográfica, o resultado da sua própria selecção,
transmitam informação jornalística provém do facto de ser esta e não ou-
(LAGE, 1999, p. 26, grifo do autor). tra fotografia qualquer que foi tirada,
seleccionada e publicada. A fotografia
Assim como na produção textual, a jornalística converte por isso o aconte-
produção jornalístico-fotográfica molda a cimento fotografado em acontecimen-
realidade, partindo dos pressupostos de to notável, em cena emblemática
noticiabilidade existentes, aliando-os a (RODRIGUES, 1994, p. 125).
princípios e fundamentos técnicos (angula-
ção, lentes, luz, enquadramento etc.). Con- A foto jornalística, como notícia, dita
forme aponta Susan Sontag, ao ser “[...] fo- visualmente a informação, legitimando
tografada, determinada coisa torna-se parte algo que devemos saber e que está marca-
de um sistema de informações amoldado a do para ser percebido.
esquemas de classificação e armazenamen- A moldura jornalística realizada pela
to [...]” (SONTAG, 1981, p. 150). O fotojor- fotografia opera simultaneamente, no senti-
nalismo torna acessível em imagens a reali- do apontado por Maurice Mouillaud: um
dade para a qual o jornal se volta, reforçan- corte e uma focalização. Um corte porque
do as palavras e contribuindo para a cons- separa um determinado espaço, separan-
trução de um imaginário a respeito dos do-o daquilo que o envolve; uma focaliza-
acontecimentos traduzidos como fragmen- ção porque, “[...] interditando a hemorragia
tos metonímicos do mundo pelo jornal, cri- do sentido para além da moldura, intensifi-
ando também os próprios acontecimentos ca as relações entre os objetos e os indiví-
fotográficos. “Ali onde o fotógrafo decide duos que estão compreendidos dentro do
apontar sua câmera nasce a cena informati- campo e os reverbera para um centro”

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 131


(MOUILLAUD, 2002, p. 61). O repórter fo- veiculada. Por este motivo, conclui Vilches:
tográfico – assim podemos chamar também “A foto de imprensa se apresenta como
o fotojornalista – institui uma cena do acon- uma enciclopédia onde leitores diversos
tecimento, isolando um fragmento da expe- podem buscar significados diversos segun-
riência (no espaço e no tempo), separando- do seus interesses” 22 (VILCHES, 1993, p.
o de seu contexto, permitindo sua conser- 84, tradução nossa). Em toda sua reflexão, o
vação e seu transporte. autor ressalta a importância da leitura foto-
Neste sentido, o fotojornalista realiza gráfica na apreensão dos significados exis-
constantemente, na formatação visual da tentes nas fotos dos jornais. Para ele, as fo-
informação, um enquadramento. Conforme tos são como textos que se oferecem para
proposto por Jacques Aumont (2001), todo serem lidos. E, ao lermos tais imagens,
enquadramento estabelece uma relação en- mais que ver a verdade das coisas, nós as
tre um olho fictício – o do pintor, da câma- percebemos; e a percepção é um processo
ra, da câmara fotográfica – e um conjunto criativo no qual nós promovemos a relação
organizado de objetos no cenário19 . No jor- de nossas referências materiais, sociais e
nal, o enquadramento é temático. Enqua- afetivas23 .
dra-se editorialmente. Há jornais que prefe- Sendo assim, a estrutura da imagem
rem mostrar a ferida e jornais que preferem jornalística é por vezes complexa e, por
mostrar o curativo. A fotografia jornalística isso, a mesma se configura como um pro-
é parte de um conjunto de mensagens ma- duto de diversas transformações discursi-
terializadas em um veículo chamado Jor- vas. Buscar nas fotos jornalísticas a repre-
nal, cada qual com sua linha editorial, o sentação de sujeitos sociais é saber lidar
que reflete diretamente sobre a produção com realidades históricas que, marcadas
fotográfica. Junto a sua bagagem cultural, pela dinâmica dos meios de comunicação
ideológica, política, o fotógrafo é orientado impressa, são atualizadas e re-significadas
a todo momento pela linha editorial do veí- diariamente. O jornal, ao veicular imagens,
culo em que trabalha, pela pauta prevista possui objetivos e sabe o que pretende
pela editoria daquela cobertura. A fração mostrar. As fotografias jornalísticas não são
da realidade a ser captada por ele20 possui inocentes: elas traduzem um acontecimen-
uma enorme carga semântica intencional, to, construindo-o. Recortam uma realidade,
embora o resultado expressivo da fotogra- são notícia e transmitem informação. Além
fia seja muitas vezes espontâneo21 . “Os fo- disso, funcionam, assim como o jornal e
tojornalistas trabalham com base numa lin- seus textos, como mediadoras e peças im-
guagem de instantes, numa linguagem do portantes para a construção de uma ima-
instante, procurando condensar num ou em gem (no sentido de um imaginário) sobre
vários instantes, ‘congelados’ nas imagens algo específico; sobre uma realidade espe-
fotográficas, toda a essência de um aconte- cífica.
cimento e seu significado.” (SOUSA, 2004,
p. 13)
Lorenzo Vilches nos diz que o aspecto 2.1 Diálogos entre a foto e o texto
semântico da imagem jornalística é consti- verbal
tuído pelos códigos de conteúdo que orga-
nizam as formas de expressão em unidades O jornal é por nós entendido como um veí-
de leitura. O plano da expressão, em outras culo de comunicação dotado de estratégias
palavras, organiza a “visibilidade” do texto comunicativas que se articulam na co-pre-
visual, enquanto que o plano do conteúdo sença texto e imagem, assim como na dia-
organiza sua “legibilidade” ou compreen- gramação destes elementos na página.
são. Ao leitor do jornal caberá buscar o con- Todo esse conjunto, a composição por ele
teúdo implícito e explícito da fotografia estabelecida, faz com que as fotografias

132 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral


nele presentes não sejam meramente ilus- interagem, complementam-se e esclarecem-
trativas, mas, antes, narrativas dotadas de se com uma energia revitalizante. Longe de
uma mensagem específica e intencionada. se excluir, as palavras e as imagens nu-
Tais intenção e especificidade fazem com trem-se e exaltam-se umas às outras.”
que a conexão texto-imagem dentro do jor- (JOLY, 1996, p. 133)
nal, na página do jornal, crie uma interde- Mas como todas essas proposições se
pendência contínua. Diagramação, títulos e materializam no fotojornalismo? Qual a
legendas possuem papel decisivo na per- contribuição e a complementaridade dos
cepção da fotografia jornalística. textos na construção da realidade promovi-
Para Jorge Pedro Sousa, a conciliação da pelas fotografias nos jornais?
de fotografias e textos é uma das estratégi- Existem basicamente três tipos de tex-
as do fotojornalismo para informar. Não tos relacionados diretamente à fotografia
existe fotojornalismo sem texto, diz o autor. no contexto do jornalismo impresso: as
Sousa defende que “[...] quando se fala de manchetes (títulos e subtítulos), as legen-
fotojornalismo não se fala exclusivamente das e o texto das matérias jornalísticas em
de fotografia” (SOUSA, 2004, p. 12). Os tex- si. Ivan Lima também realiza essa divisão
tos, neste sentido, seriam complementares apontando que “na imprensa, a relação da
à construção de sentido da mensagem foto- fotografia com a escrita se dá em três ní-
jornalística. Lorenzo Vilches (1993) não par- veis, que por sua vez se inter-relacionam:
tilha totalmente destas idéias e reitera que, 1) fotografia-legenda; 2) fotografia-manche-
apesar de serem complexas e interdepen- te; 3) fotografia-texto” (LIMA, 1988, p. 31).
dentes as relações existentes entre o texto Para o enfoque específico de nosso traba-
visual fotográfico (icônico no sentido colo- lho, exploremos um pouco mais a relação
cado pelo autor) e o texto verbal, devemos foto-legenda e a relação foto-manchete.
ter sempre em mente que o fotojornalismo Segundo Lima, a legenda é parte inte-
é dotado de certa autonomia. grante de uma fotografia. “Na fotografia de
Em sua reflexão estruturalista sobre a imprensa, a legenda faz a relação entre a
imagem fotojornalística, Roland Barthes imagem e o texto, referindo-se ao fato e,
(1990) também aponta para a relação entre portanto, ao espaço e ao acontecimento, de
o texto verbal e a imagem. Para o autor, o forma mais específica.” (LIMA, 1988, p. 31-
texto verbal funciona como método de co- 32) Para o autor, a legenda pode tanto en-
notação da imagem fotográfica. Não é so- dossar o que se passa na imagem quanto
mente a imagem que ilustra a palavra e modificar inteiramente o que se vê na foto-
contribui para a denotação desta. Há uma grafia. Muniz Sodré (1979) afirma que a le-
inversão de papéis. É a imagem que se tor- genda da fotografia de imprensa serve para
na conotada e tem o texto como aliado nes- fixar ou realçar os significados pertinentes
te processo. da imagem em sua polissemia. A relação
Martine Joly diz que a relação entre entre a foto e a legenda estabelece um con-
imagem e texto é, na maioria das vezes, texto pragmático que influi na percepção,
abordada em termos de exclusão (como ex- na leitura e na compreensão da imagem fo-
cludentes) ou em termos de interação, mas tográfica. Segundo Milton Guran, é função
raramente em termos de complementarida- da legenda ativar no leitor “[...] todos os
de. Joly trabalha não só com as palavras conhecimentos e sentimentos correlatos
que estão ligadas às imagens em um mes- àquela cena mostrada. No caso do jornalis-
mo contexto e suas funções, mas também mo, naturalmente, a legenda deve compre-
com a questão da interpretação. Não há ender as informações circunstanciais que
como analisar uma imagem, interpretá-la, de resto são parte integrante da notícia
sem descrevê-la. “[...] quer queiramos, quer como nomes, locais etc.” (GURAN, 1992, p.
não, as palavras e as imagens revezam-se, 58) Nesse sentido, segundo o autor, uma

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 133


boa legenda é aquela que funciona como forma (linguagem, composição, relação
“um convite ao leitor para explorar melhor com os textos e as formas produtivas), con-
a imagem, descobrindo-lhe os significados teúdo (o acontecimento, a informação, a no-
menos evidentes, mas nem por isso menos tícia) e seus sentidos (relações entre as
importantes” (GURAN, 1992, p. 58). mensagens – presentes nos formatos e nos
As manchetes, entendidas aqui por temas – e os contextos de produção e re-
nós como títulos e subtítulos, cumprem um cepção), caberia então dimensionar para
papel próximo ao desempenhado pela le- qual(quais) realidade(s) se voltaria a cons-
genda. “Em alguns casos, o título do assun- trução jornalística. A apreensão dessas rea-
to funciona como uma legenda: é o caso lidades será fundamental para aqueles que
das grandes manchetes.” (LIMA, 1988, p. se aventurarem na pesquisa fotojornalísti-
34) Estas, em conjunto com a fotografia, são ca. O fotojornalismo possui como pano de
alvo da leitura-primeira realizada pelo lei- fundo a vida social, diariamente re-elabora-
tor. Quando de posse de um jornal, aquele da pelo discurso visual jornalístico. Por
leitor que fizer uma leitura rápida, “passar isso, dimensionar o processo de represen-
os olhos” brevemente sobre as páginas dos tação aí inserido e os contextos para os
jornais, certamente terá sua atenção atraída quais ele se dirige será sempre um esforço
primordialmente por suas manchetes e instigante, urgente e da maior importância .
imagens. Daí a importância da relação en-
tre elas. Há uma complementaridade de in-
formações, um diálogo entre ambas. As Notas
manchetes ainda estão relacionadas ao tex-
to das matérias e, com estes, realizam uma 1 O autor complementa: “Passamos a depender da mídia,
outra relação; importante relação, mas da tanto impressa como eletrônica, para fins de entreteni-
qual não trataremos no momento. mento e informação, de conforto e segurança, para ver
Dentre as principais funções do texto algum sentido nas continuidades da experiência e tam-
no fotojornalismo, Jorge Pedro Sousa (2004) bém, de quando em quando, para as intensidades da
lista cinco delas: chamar a atenção para a experiência” (SILVERSTONE, 2002, p. 12).
fotografia ou para alguns de seus elemen-
tos; complementar a informação das foto- 2 Tal interesse segundo o autor pode variar de um para
grafias; denotar a foto (direcionar o leitor outro órgão de comunicação social e não tem necessaria-
para o significado explícito na imagem); co- mente a ver com critérios de sociabilidade dominantes.
notar a fotografia, abrindo o leque de signi-
ficações possíveis; e, por fim, analisar e in- 3 Sousa acrescenta que “enquanto a ‘fotografia de notíci-
terpretar e/ou comentar a fotografia e/ou as’ é, geralmente, de importância momentânea, repor-
seu conteúdo. tando-se à ‘atualidade’, o fotodocumentarismo tem,
De outra forma, podemos dizer que tendencialmente, uma validade quase intemporal”
fotos e textos desenvolvem processos cog- (SOUSA, 2000, p. 12-13).
nitivos do leitor. As associações existentes
entre texto e imagem possibilitadas pelas 4 Em reflexão posterior, Sousa (2004) aproxima-se desta
fotos em relação aos textos jornalísticos nossa idéia fotojornalística. Segundo ele, “de forma prá-
permitem várias associações mentais e dão tica”, podemos considerar as fotografias jornalísticas
margem a uma abertura de sentidos da como sendo “aquelas que possuem ‘valor jornalístico’ e
mensagem fotojornalística, sem que a infor- que são usadas para transmitir informação útil em con-
mação básica se perca. junto com o texto que lhes está associado” (SOUSA,
Resta dizer: para onde se dirige a 2004, p. 11). Para o autor, “valor jornalístico” diz respei-
mensagem jornalística? Uma vez que alcan- to a critérios específicos de valorização da informação
çamos uma dimensão mais global do foto- que, independentemente do órgão de comunicação, di-
jornalismo, pensando potencialmente sua zem respeito às valorações empregadas consciente ou in-

134 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral


conscientemente pelos jornalistas na construção das no- de social fornecida pelos mass media.” (WOLF, 2001, p.
tícias. Nesse sentido, encaramos os fotojornalistas tam- 185).
bém como repórteres fotográficos.
11 “[...] o jornal, o acontecimento e o leitor são três instânci-
5 “De qualquer modo [...] a finalidade primeira do as que se mantêm juntas no interior da mesma presen-
fotojornalismo, entendido de forma lata, é informar.” ça.” (MOUILLAUD, 2002, p. 73).
(SOUSA, 2004, p. 11)
12 Mouillaud trabalha com os conceitos de “acontecimento”
6 Em nosso estudo vamos trabalhar com as noções de e “fato” como sinônimos: “[...] o acontecimento é a som-
notícia, fato, acontecimento baseando-nos sempre em bra projetada de um conceito construído pelo sistema de
pressupostos das teorias da comunicação e do jornalis- informação, o conceito de fato” (MOUILLAUD, 2002, p.
mo, de forma a evitar questões relativas a estes termos e 51).
que estejam ligadas a outros campos das ciências sociais
e humanas. 13 Devemos sempre ter em mente o processo de produção
jornalística como um processo tenso, conflituoso,
7 Mesmo abordando essa questão por uma outra ótica, é permeado por embates e obstáculos de diversas ordens e
interessante ressaltarmos a proposição de Jacques de diversas instâncias. Como aponta o jornalista Clóvis
Aumont em relação ao tempo e ao acontecimento. Rossi, “entre a ocorrência de um fato e a sua veiculação,
“Pode-se então dizer que, se a duração é a experiência seja por jornais ou revistas, seja pela televisão, percorre-
do tempo, o próprio tempo é sempre concebido como um se um caminho relativamente rápido, se medido em ho-
tipo de representação mais ou menos abstrato de conteúdos ras, mas bastante tortuoso e complexo” (ROSSI, 2000, p.
de sensações. Ou seja, o tempo não contém os aconteci- 17).
mentos, é feito dos próprios acontecimentos, na medida
em que esses são apreendidos por nós.” (AUMONT, 14 “A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisi-
2001, p. 107). tos que se exigem dos acontecimentos – do ponto de
vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação
8 Nelson Traquina acrescenta sobre isso a seguinte idéia: e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas –
“As notícias não podem ser vistas como emergindo na- para adquirirem a existência pública de notícias.”
turalmente dos acontecimentos do mundo real; as notí- (WOLF, 2001, p. 190).
cias acontecem na conjunção de acontecimentos e de tex-
tos. Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia 15 Inseridos nos requisitos de noticiabilidade, segundo
também cria o acontecimento” (TRAQUINA, 1993, p. Mauro Wolf (2001), estão os valores-notícia (news values).
168). O autor reforça o papel do jornalismo na leitura do Baseado nas reflexões da teoria jornalística do news-
mundo, a informação como aquilo que o jornalismo jul- making, o autor aponta que estes valores constituem crité-
ga importante e como aquele que ele in-forma. rios de relevância para a tarefa jornalística de se
dimensionar quais acontecimentos devem ser transfor-
9 Segundo Maurice Mouillaud, o discurso do jornal está mados em notícia, assim como se classificar hierarquica-
encaixado em um dispositivo. “Os dispositivos são os mente tais notícias. Wolf ainda aponta que tais valores-
lugares materiais ou imateriais nos quais se escrevem notícia não são abstratos, estão ligados a uma certa cul-
(necessariamente) os textos [...].” (MOUILLAUD, 2002, tura profissional e podem mudar com o tempo. Além
p. 34). Nessa perspectiva, o texto seria qualquer forma disso, segundo ele, os valores-notícia derivam de pressu-
(de linguagem, icônica, sonora, gestual etc.) de inscrição postos implícitos ou de considerações relativas ao con-
conformada na estruturação espaço-temporal do dispo- teúdo das notícias, à disponibilidade do tratamento
sitivo. informacional do acontecimento, ao público e à concor-
rência; sendo que em cada um destes há uma série de
10 “As exigências organizativas e estruturais e as caracterís- variáveis a serem consideradas. Sobre os valores-notícia,
ticas técnico-expressivas próprias da realidade de cada ver também CORREIA (1997, p. 137-166).
meio de comunicação de massa são elementos funda-
mentais para a determinação da reprodução da realida- 16 “[...] toda fotografía produce una ‘impresión de

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 135


realidad’ que en el contexto de la prensa se traduce por ela faz parte de um conjunto, que é o jornal, a fotografia
una ‘impresión de verdad’.” (VILCHES, 1993, p. 19). jornalística pode, muitas vezes, ser reduzida ou alterada
ao longo do fechamento da matéria e da diagramação do
17 Milton Guran, ao dizer sobre as imagens fotojor- exemplar a ser veiculado. Além disso, na dinâmica de
nalísticas, propõe: “[...] a fotografia aparece na imprensa praticamente todos os jornais, os fotógrafos não partici-
em três situações: como ilustração, como informação pam das etapas de fechamento da edição e da escolha
principal em relação ao texto, ou como complemento das fotografias que serão publicadas; cabendo essa fun-
deste. Paralelamente, desempenha variadas funções que ção aos editores de fotografia e das outras editorias.
vão desde a recuperação de outras informações e aspec-
tos colaterais da notícia (quando a foto de arquivo é a 22 “La foto de prensa se presenta como una enciclopedia
grande matéria-prima) até constituir-se na própria notí- donde lectores diversos pueden buscar significados di-
cia, ou em parte dela [...] Este leque de funções se com- versos según sus intereses.” (VILCHES, 1993, p. 84).
pleta com a ‘crônica visual’ (ensaio), e com a foto apre-
sentada como editorial visual (opinativo)” (GURAN, 23 Jacques Aumont (2001), baseado nas proposições de
1992, p. 57). Ernest Gombrich, afirma que o papel do espectador é
fazer existir a imagem através de seus atos psíquicos e
18 “Allí donde el fotógrafo decide apuntar su cámara allí perceptivos. Aumont, ao elencar um conjunto de autores
nace la escena informativa. Esto es tan cierto que, si (de diferentes abordagens) que tratam da recepção da
cambiamos el punto de vista o la escena, cambia el imagem, de seu espectador, sintetiza que o leitor
acontecimiento.” (VILCHES, 1993, p. 141). imagético é aquele que vê e conhece cognitivamente uma
mensagem, através de um saber e de expectativas e que,
19 Segundo Sousa (2004), entra-se no terreno da composi- além disso, também deseja a imagem. Ele é um sujeito
ção fotográfica quando se fala dos elementos da imagem de afeto, cujas pulsões e emoções também intervêm con-
e da forma, como estes se apresentam como informação sideravelmente na sua relação com a imagem e nas ações
para o leitor do jornal. de seu imaginário. Nessa perspectiva, assim como o fo-
Sobre a composição fotográfica, Milton Guran afirma: tógrafo, o leitor também é parte do processo de criação
“A composição fotográfica tem como finalidade dispor da fotografia. Ele é parceiro ativo da imagem, também
os elementos plásticos percebidos através do visor para age no seu processo de significação, assim como a ima-
conferir significado a uma cena. É resultado da gem age sobre ele.
harmonização de diversos fatores de ordem técnica e de
conteúdo, constituindo, na essência, o pleno exercício da
linguagem fotográfica” (GURAN, 1992, p. 23). Referências
No comentário do célebre fotógrafo Henri Cartier-
Bresson, a composição “[...] deve ser uma das preocupa- AUMONT, Jacques. A Imagem. 6. ed. Campinas: Papirus,
ções constantes, mas no momento de fotografar ela só 2001.
pode sair da intuição do fotógrafo, pois o que queremos
é capturar o momento fugidio, e todas as inter-relações BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio
em jogo acham-se em movimento” (CARTIER-BRES- de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
SON, 1971, p. 22).
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio
20 Vale dizer ainda que o repórter fotográfico, embora ob- de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
servador mais atento do acontecimento, não tem condições
de apreender todos os detalhes durante o desenrolar do CARTIER-BRESSON, Henri. O momento decisivo. In:
fato. O fotojornalismo, por ser um instantâneo de uma fra- BACELLAR, Mário Clark, STOLLEY, Richard, MY-
ção de realidade, reduz, mas não exclui, por isso, as possibi- DANS, Carl et al. Fotografia e jornalismo. São Paulo: Escola
lidades de conotação a serem transmitidas pelas fotos. de Comunicação e Artes, 1971. p. 19-25

21 A fotografia, assim como o texto, também passa por um CORREIA, Fernando. Os valores notícia e prática jor-
processo de edição e seleção após revelada. Uma vez que nalística. In: CORREIA, F. Os jornalistas e a notícia. Lisboa:

136 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral


Editorial Caminho, 1997. p. 137-166. 121-127.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 5. ed. Campi- RODRIGUES, Adriano Duarte. O Acontecimento. In:
nas: Editora Papirus, 2001. TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: Questões, Teorias e “Es-
tórias”. Lisboa: Veja, 1993. p. 27-33.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma fu-
tura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relumé- RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação:
Dumará, 2002. Questão comunicacional e Formas de Sociabilidade. Lis-
boa: Presença, 1990.
FRANÇA, Vera. Jornalismo e Vida Social: a história amena de ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 2002.
um jornal mineiro. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
SAMAIN, Etienne. Um retorno à Câmara clara: Roland
FREUND, Gisele. Fotografia e Sociedade. Lisboa: Vega, 1989. Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.).
O fotográfico. São Paulo: HUCITEC, 1998. p. 121-134.
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide ou a es-
sência do jornalismo. In: GENRO FILHO, A. O segredo da SANTAELLA, Lúcia & NÖTH, Winfried. Imagem: cognição,
pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto semiótica, mídia. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.
Alegre: Tchê, 1987. p. 185-201.
SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precária: sobre o dispositi-
GURAN, Milton. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janei- vo fotográfico. Campinas: Papirus, 1996. p. 09-94.
ro: Rio Fundo Editora, 1992.
SCHMITT, Fernando Bohrer. Newsmaking e fotografia: um
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 5. ed. São Paulo: exemplo das rotinas de produção noticiosa aplicadas ao
Papirus, 2002. fazer fotográfico. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre, n° 9,
p. 98-110, Dezembro de 1998.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP:
Ateliê Editorial, 1999. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo:
Loyola, 2002.
KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. 4. ed. São Paulo:
Ática, 2000. SODRÉ, Muniz. Como Olhar a Imagem. In: Tempo Brasileiro –
Revista de Cultura. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasilei-
LAGE, Nilson. Linguagem Jornalística. São Paulo: Ática, 1999. ro, p. 144-147, 1979.

LIMA, Ivan. A Fotografia é a sua Linguagem. Rio de Janeiro: Es- SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Compa-
paço e Tempo, 1988. nhia das Letras, 2003.

MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: introdução à fotogra- SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Ed.
fia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Arbor, 1981.

MOUILLAUD, Maurice; PORTO, Sérgio Dayrell (org.). O jor- SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: introdução à história, às
nal: da forma ao sentido. 2. ed. Brasília: Editora Universi- técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa.
dade de Brasília, 2002. p. 09-213. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.

RANGEL, Renata. Mais “catchup” para o leitor. In: Seminário de SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó:
Jornalismo. São Paulo: Folha de S.Paulo, 1986. p. 91-96. Argos, 2002.

RODRIGUES, Adriano Duarte. A imagem e o texto. In: SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental.
RODRIGUES, A. Comunicação e Cultura; A experiência cul- Chapecó: Grifos; Florianópolis: Letras Contemporâneas,
tural na era da informação. Lisboa: Presença, 1994. p. 2000.

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 137


TAVARES, Frederico de Mello Brandão. Na cidade, o fotojor-
nalismo; no fotojornalismo, Belo Horizonte. 2005. 168 f. Disserta-
ção (Mestrado em Comunicação Social) – Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias


são como são. Vol. 1. Florianópolis: Editora Insular,
2004.

TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São


Leopoldo: Editora Unisinos, 2001.

TRAQUINA, Nelson. As Notícias. In: TRAQUINA, N.


(org). Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias”. Lisboa:
Veja, 1993. p. 167-176.

VILCHES, Lorenzo. Teoría de la imagen periodística. Barcelona:


Paidós Editora, 1993.

VILCHES, Lorenzo. La lectura de la imagen: prensa, cine,


televisión. Barcelona: Piados Editora, 1983.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 6. ed. Lisboa: Presença,


2001.

138 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral

You might also like