Professional Documents
Culture Documents
(Moambique)
A varanda do Frangipani
Quinto captulo
A Confisso do Velho Portugus
- Como o mar se d bem neste lugar!
Falei assim, naquela tarde. Falava com ningum? No,
conversava com as ondas l em baixo. Sou portugus, Domingos
Mouro, nome de nascena. Aqui me chamam Xidimingo. Ganhei
afecto desse rebaptismo: um nome assim evita canseira de me
lembrar de mim. O senhor inspector me pede agora lembranas de
curto alcance. Se quer saber, lhe conto. Tudo sempre se passou aqui,
nesta varanda, por baixo desta rvore, a rvore do frangipani.
Minha vida se embebebeu do perfume de suas flores brancas, de
corao amarelo. Agora no cheira a nada, agora no tempo das
flores. O senhor negro, inspector. No pode entender como sempre
amei essas rvores. que aqui, na vossa terra, no h outras rvores
que fiquem sem folhas. S esta fica despida, faz conta est para
chegar um Inverno. Quando vim para frica, deixei de sentir o
Outono. Era como se o tempo no andasse, como se fosse sempre a
mesma estao. S o frangipani me devolvia esse sentimento do
passar do tempo.
No que eu hoje precise de sentir nenhuma passagem dos dias.
Mas o perfume desta varanda me cura nostalgias dos tempos
que vivi em Moambique. E que tempos foram esses!
Quando veio a Independncia, faz agora vinte anos, a minha
mulher se retirou. Voltou para Portugal. E levou-me o mido que j
estava em idade de tropear. Na despedida, minha esposa ainda me
ralhou assim:
- Voc fica e eu nunca mais lhe quero ver.
Me sentia como se tivesse entrado num pntano. Minha vontade
estava pegajosa, minhas querncias estavam atoladas no matope.
Sim, eu podia partir de Moambique. Mas nunca poderia partir para
uma nova vida. Sou o qu, uma rstia de nenhuma coisa?
Lhe conto uma histria. Me contaram, coisa antiga, dos tempos
de Vasco da Gama. Dizem que havia, nesse tempo, um velho preto
que andava pelas praias a apanhar destroos de navios. Recolhia
restos de naufrgios e os enterrava. Acontece que uma dessas tbuas
que ele espetou no cho ganhou razes e reviveu em rvore.
Pois, senhor inspector, eu sou essa rvore. Venho de uma tbua
de outro mundo mas o meu cho este, minhas razes renasceram
aqui. So estes pretos que todos os dias me semeiam. Converso-lhe,
lengalengo-lhe? Vou chegando perto, como o besouro que d duas
voltas antes de entrar no buraco.
Desculpe-me este meu portugus, j nem sei que lngua falo,