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Isso,
para alguns, tem a ver com a capacidade que a arte tem de tocar a alma hu-
mana em profundidades nebulosas, indizíveis. É por isso que as manifestações
artísticas incitam as paixões mais incandescentes e os desentendimentos mais
irracionais. A se levar isso tudo em conta, esta primeira década do século XXI,
em vias de se encerrar, foi um banquete temático para o mundo das artes.
Uma a uma, certezas cristalizadas na centena passada foram caindo por terra:
a inevitabilidade prática do neoliberalismo, o progresso dos valores democrá-
ticos ocidentais, a liderança insular dos EUA, a estabilidade do clima na Terra,
a nossa capacidade de produzir comida, energia e outros recursos por tempo
e em quantidade ilimitada.
máticas dos últimos anos. Ele fala sobre essa e outras faixas do multicolorido
M
Bitte Orca, disco fundamental deste final de década.
Y
que cria perturbadoras esculturas em cera e metal, além de telas e outros tra- MY
como morto, mas conta em detalhes como está se reinventando para uma
nova era musical. Como o fez a cidade de Seattle, que da decadência e falta
de perspectivas de uma geração mudou a cultura dos anos 1990. O fotógrafo
Michael Lavine estava lá desde 1982 e registrou tudo com olhar privilegiado.
A decadência urbana também é o que atrai Formiga, que assina o ensaio de
fotos desta edição e dá mais uma prova inconteste de que o belo está nos
olhos de quem vê. E não foi outra convicção que levou Mônica Nador a aban-
donar uma carreira promissora nas artes para criar um centro de convivência
revolucionário no Jardim Miriam, um dos bairros mais pobres de São Paulo.
Em 2010, a +Soma deseja que todos (nós, você, o Brasil e o planeta Terra, tudo
junto e misturado) encontrem a força, a coragem e a visão necessárias para
começar a construir, das cinzas de um mundo que já tem cheiro de velho, um
outro mundo. E que, nesse mundo, mais e mais pessoas dotadas de olhares
privilegiados passem de espectadores a atores de transformações reais.
4detalhe da obra “antes da briga #2” . acrílica sobre tela . 2009 . foto por Tatiana Blass
+conteúdo
é o nome do d
99 isc
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Lançamento do novo album $ 1,99
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sangue bom..
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16 18 30 36 42 48 56 62 68 72 76 82 84 86 88 90 94 98
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ais, leva u
shuffle
robert crumb
dirty projectors
tatiana blass
rimon
ensaio de fotos: formiga
coletivos de cinema
entre (outros)
rzo
mayer hawthorne
michael lavine
velho de câncer
quem soma: mônica nador
seleta: newton carlos
mini
reviews
melhores
quadrinhos
ezekielbrasil.com
10 11
O projeto +Soma é uma iniciativa da Kultur, estúdio criativo com sede em São Paulo.
Iniciativa . ssssssssssssssssss
Kultur Studio
www.kulturstudio.com
Janeiro 2010
Fundadores . Kultur
Alexandre Charro, Fernanda Masini,
Ricardo “Mentalozzz” Braga & Daniel “Ouriço” Peixoto, Stêvz e Rafael Sica
Gostaríamos de agradecer a Lora Fountain, Rogério de Campos, Marcos Sacchi e Luis Guidi;
Jake Lovepump, Sérgio Ugeda, Fabrício e Larissa Nobre, Leo Razuk, Marília Assis e Priscilla
Deretti; Lucas Pexão e Ana Ferraz; Clarissa Campolina, Daigo Oliva, Marcos Diego, Nathalia
Birkholz, Amanda Louzada, Rafael Argemon, Fabio Zimbres, Agência Alavanca, a todos os
nossos colaboradores de texto, foto e arte, aos que enviaram material para resenha, anunciantes
Muito obrigado!
Agradecimento especial a todos que direta ou indiretamente colaboram para que a revista
Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de Auto Retrato - R. Crumb . 2001
Periodicidade . Bimestral
Publicidade . Cristiana Namur Moraes Distribuição . Gratuita em lojas, restaurantes, galerias de arte, museus, centros culturais,
Para anunciar ou enviar material para review, entre em contato através Impressão . Prol Gráfica
santapinup.com.br
+colaboradores
Rafael Sica Fernando Eichenberg Daniel Tamenpi Nathalia Birkholz Tiago Mesquita Arthur Dantas
É de um lugar frio e selvagem. Correu Jornalista, há doze anos vive Jornalista, pesquisador musical Jornalista, produtora e fã de rap Tiago Mesquita é crítico de 31 anos. O capitalismo roubou minha
atrás do tempo perdido, mas trocou em Paris, de onde colabora para e DJ especializado em soul, funk nacional. Teve textos publicados por arte, professor e está fantasiado virgindade e atualmente sou contra
as pernas. Vestiu as mãos antes que diversas publicações brasileiras. É e hip-hop. Escreve o blog Só veículos como O Estado de S. Paulo, de pirata. TUDO que tá aí. Ama Crass, 4 Walls
perdesse os dedos e se ergueu sob autor do livro Entre Apas - Diálogos Pedrada Musical, onde apresenta revista Joyce Pascovitch, DJ Mag e Itamar Assumpção. A favor da
um pequeno ponto de luz. Radicado Contemporâneos (ed. Globo, 2006), lançamentos e clássicos da etc. Às vezes acaba na frente das paz, do amor e da esperança.
no mesmo lugar, desenha com seu compilação de entrevistas com 27 música negra. câmeras, mas seu negócio mesmo é
par de luvas de boxe. personalidades europeias. batucar linhas.
Lucas Pexão Amanda Louzada Marcos Diego Rafael Argemon Lauro Mesquita Nik Neves
Skatista, jornalista, curador Fotógrafa , já fez trabalhos para É jornalista, gosta de som alto, Jornalista, cocacólatra, toxicômano, Jornalista, foi vocalista e guitarrista Misto de ilustrador e viajante, tem
independente, art dealer. Editora Globo, Grupo Estado e cerveja gelada e camisa xadrez. cinéfilo, gamer e não vive sem do Space Invaders. Nas horas nos quadrinhos seu porto. Produz
Proprietário da galeria FITA TAPE, X-Games, entre outros. Mas também Não à toa, entrevistou o fotógrafo geleia de mocotó de copinho. vagas escuta um som e aproveita com o grupo Bestiário a revista
sócio do escritório noz.art e escreve faz as vezes de cinegrafista. Clicou que documentou a cena Grunge a vida em Belo Horizonte, Pouso PICABU 5. A história desta edição
para as revistas Vista e Void. No os caras do RZO na laje e com entre os anos 80 e 90. Alegre e na idílica Heliodora. é uma homenagem ao universo das
tempo livre, conspira pela abolição uma ajudinha do tempo – parou de Apesar de negar com veemência, é BD europeias, especialmente Hergé
do sistema monetário. chover só na hora de fazer as fotos. roqueiro brasileiro nato. e seu Tintin.
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com Chris Couto
Por tiago nicolas
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E pítetos não faltam para qualificar Robert
Crumb: papa da cultura underground dos comix
americanos, iconoclasta, um dos artistas mais
importantes do século XX, e por aí vai. Seu precioso
portfolio é composto de personagens que se tornaram
James (do século XVII) e a recente tradução The Five Books of
Moses (2004), de Robert Alter, crítico literário norte-americano e
professor da Universidade de Berkeley (EUA).
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U
Desde o lançamento de Gênesis, você já soube de alguma reação
m articulista afirmou no
adversa de fundamentalistas ou de outros grupos mais radicais? Washington Post que era
Ainda não. E não tenho certeza de que eles irão atacar o livro
ou a mim. É possível, mas não tenho ideia. Não sei o que poderá
um absurdo alguém como
acontecer quando for a Austin, no Texas, onde há cristãos eu, conhecido pelo trabalho artístico
fundamentalistas. Não estou ridicularizando o Gênesis. Quem ler
o livro verá um trabalho de ilustração bastante rigoroso. Fui muito
escandaloso, pornográfico, de imagens
cuidadoso, não queria de forma alguma ridicularizar nada, mas racistas malucas e tudo o mais, fazer
que o texto falasse por si mesmo por meio de ilustrações. Dei o
melhor de mim e tentei ser o mais fiel possível na interpretação
uma ilustração correta da Bíblia. Ele não
do que realmente estava escrito. O texto abre espaço a várias entendeu: “O que ele está fazendo, qual
interpretações. Quando Deus, desapontado e enojado com a raça
humana, provoca o Dilúvio, ele não o explica. Está decepcionado o objetivo disso?”. De certa forma, é uma
com o comportamento do ser humano, com a fraqueza de seu boa pergunta, à qual não posso responder
coração, mas não diz especificamente o que o incomoda tanto.
Então tive que inventar, mostrei pessoas sendo cruéis umas claramente. Não sei.
com as outras. Há muitas situações assim, abertas a diferentes
interpretações visuais, e eu tentei o máximo que pude não desviar
os desenhos do texto. Eu me contive em colocar qualquer tipo de
piada ou outras coisas que pudessem distrair as pessoas. Não é
uma abordagem irônica, mas completamente fiel. E fui criticado
por isso. Alguns críticos não gostaram, esperavam que eu fosse
escandaloso. Uma das peças de propaganda da versão inglesa
dizia: “Crumb fez uma sátira escandalosa da Bíblia”. Obviamente, menos de Alá. Mas entre os católicos as imagens estão em todo
a pessoa que escreveu isso não leu o livro. Falei para minha o lugar, em todas as igrejas. É engraçado que eles tiveram medo
agente, Lora Fountain: “Diga para não usarem isso, não é uma de mostrar isso. Não sei que tipo de reação poderia ocorrer no
sátira escandalosa, não foi isso que eu fiz”. Mas era o que as Brasil. Não tenho ideia.
pessoas esperavam, já que sou conhecido por isso. Um articulista
afirmou no Washington Post que era um absurdo alguém como Considerando o fato de que quase nenhuma palavra do texto
eu, conhecido pelo trabalho artístico escandaloso, pornográfico, original do Gênesis foi alterada, que não há ilustrações de pênis
de imagens racistas malucas e tudo o mais, fazer uma ilustração em ereção ou cenas de sexo explícito, por que a advertência
correta da Bíblia. Ele não entendeu: “O que ele está fazendo, qual inserida na capa da edição americana: “Supervisão adulta
o objetivo disso?”. De certa forma, é uma boa pergunta, à qual não recomendada para menores”?
posso responder claramente. Não sei. Imagine um pai indo na [rede de livrarias] Barnes & Noble: “Oh,
uma versão em quadrinhos da Bíblia, vou comprá-la para o meu
A verdadeira subversão reclamada pelos críticos está na filho”. Aí chegam em casa e veem pessoas fodendo no livro. Não
fidelidade ao texto original? se mostra nenhum pênis, mas há pessoas fazendo sexo, mulheres
Exatamente. A coisa mais subversiva é a exposição do texto. O nuas, corpos nus. Cristãos e pessoas conservadoras nos EUA
objetivo de todo o trabalho que tive foi esse, iluminar um texto poderão ficar bastante inquietas ao ver isso, e na verdade eles
tão importante para a civilização ocidental. Isso nunca havia compraram o livro para o filho. Eles vão reclamar, vão chamar a
sido feito antes: ilustrar cada palavra desse texto. Assim, ele é polícia para prender o coitado que está trabalhando na loja, que
revelado mesmo em suas partes estranhas e esquisitas, que as vendeu o livro para uma católica de direita que achou que fosse
pessoas na maioria das vezes leem de forma rápida e superficial. uma HQ para crianças. Essa é a razão da advertência na capa.
Elas geralmente pulam as partes bizarras, que não fazem Foi engraçado, porque quando colocaram, o Norton (da editora
sentido para as pessoas da nossa época. Por exemplo, quando Norton) disse: “Que ótimo, agora a criançada vai querer comprar
Abraão oferece sua mulher ao Faraó. Mas que diabo é isso? mesmo!” (risos). Foi minha ideia incluir isso, pela experiência que
Normalmente, as pessoas não atentam para isso. Não faz sentido tive anteriormente com os quadrinhos, sabe? Eram os vendedores
para pessoas modernas. que iam presos e não os artistas ou a editora. Era o coitado que
trabalhava na loja.
O Brasil é o maior país católico do mundo. A editora brasileira
de Gênesis fez para o livro uma capa que procurasse não ferir Ao fazer esse trabalho, você ficou surpreso com a força e a
suscetibilidades e evitar eventuais reações contrárias, sem importância do papel desempenhado pelas mulheres no Gênesis?
mostrar a imagem de Deus. Sim, foi algo bastante surpreendente. Eu li o Gênesis antes de
É, fiquei sabendo disso, a Lora me mostrou a capa. Mostra só a fazer meu livro, mas você faz uma leitura geral e não foca nisso
palavra “Gênesis” no meio daquele vazio negro que dá voltas, ou naquilo. Então, peguei um livro chamado Sarah The Priestess
não é? Eles têm medo de mostrar a imagem de Deus na capa? - The First Matriarch of Genesis, de Savina Teubal.
É engraçado porque, de todos os cristãos, os católicos são os Ela apresenta tudo isso de forma bastante forte, com
que mais mostram a imagem de Deus. Você pode ir à Capela argumentos muito incisivos. Há mapas e representações
Sistina, em Roma, e ver a imagem de Deus por Michelangelo, gráficas nesse livro mostrando que o clã iniciado por Abraão
de barba branca. É o mesmo cara (risos). Eu não entendo isso, é matrilinear, e que são as mulheres que decidem quem vai
mostrar Deus não é considerado blasfêmia na tradição católica. herdar a aliança com Deus. Ela apresenta detalhes do contexto
Na tradição ortodoxa judaica não é permitido. Na tradição histórico daquela época, de 2000 a.C., dos sumérios, que
islâmica não se pode fazer nenhuma imagem de Maomé, muito tinham um poder patriarcal e matriarcal.
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E os dois eram iguais – tinham atribuições diferentes, mas eram dá para ver os detalhes. Mas ainda assim é bem útil. Os filmes
iguais. Muito mais tarde isso mudou, e a sociedade se tornou maquiaram alguns detalhes, mas são úteis.
inteiramente patriarcal. Mas a tradição desse sistema matriarcal
ainda era bastante forte em 2000 a.C. Havia uma sacerdotisa Desde o início dos anos 1980, você tem feito uma série de
responsável pelos celeiros. O sacerdote era um tipo de dalai lama, adaptações literárias, de autores como James Boswell, Richard
homem sagrado e governante ao mesmo tempo. von Krafft-Ebing, Jean-Paul Sartre ou Franz Kafka. Sua versão
do Gênesis já foi definida como o ápice de seu “impulso de
Seu traço em Gênesis apresenta um detalhismo maior em relação ilustração clássica”. Você concorda?
a obras anteriores. Você mudou sua maneira de desenhar? Sim, é o meu maior impulso de ilustração clássica. Precisamente.
Aprendi muito. Acho que aperfeiçoei minhas habilidades em É certamente o meu maior trabalho em muito tempo. É o maior
alguns aspectos. Nunca tinha desenhado animais de forma tão trabalho que já realizei para um único livro desde quando tinha
realista – burros, camelos, ovelhas, cabras. Aprendi a me educar 19 anos, quando fiz aquele livro colorido, The Big Yum Yum Book
nesse sentido. Primeiro, copiava de outras fotografias e de outros (risos). Foi o meu maior projeto desde aquele tempo.
desenhos. Com o tempo passei a desenhar sem copiar. Aprendi
a desenhar camelos e burros muito bem. Nunca tinha desenhado Especialmente a partir dos anos 1990, tem havido uma
um camelo na vida (risos)! Também melhorei no desenho da reavaliação da sua obra, com destaque para o célebre texto
anatomia humana. Desenhei tantas e tantas figuras humanas, do Robert Hughes que o compara a Pieter Bruegel. Como
em diferentes posições de ação, que acabei progredindo. você vê esse tipo de abordagem à sua obra e em relação aos
Também desenhei muito essas roupas drapeadas. Todos eles quadrinhos em geral?
vestem roupas compridas, soltas e drapeadas. Acho que minhas A minha abordagem com os quadrinhos é bastante conservadora.
qualidades nessa área ainda são toscas, nunca consegui atingir Não uso layouts extravagantes e o meu traço é tradicional.
um alto nível no entendimento da ciência das dobras das roupas. Não uso efeitos cinematográficos e dramáticos, como fazem
Em ilustração, isso se chama “conceito das dobras”. É uma ciência muitos outros. Alguns críticos dizem que é cansativo ler meus
aprender a desenhar tecidos drapeados. Nunca estudei em quadrinhos. Mas não se pode agradar a todos.
escolas de artes, onde se tem aulas só para isso. Eles aprendiam
a desenhar aquelas dobrinhas. Se você pegar a arte europeia
do período pré-Renascentista, entre 1300 e 1400, muitas vezes
A
os artistas ficam completamente absorvidos nesse conceito das
dobras. São temas religiosos, mostram a Virgem Maria ou alguém prendi muito. Acho que
assim, mas os artistas dedicavam a maior parte do tempo a essas aperfeiçoei minhas habilidades
dobras, era algo novo. Se você deixa cair um tecido no chão,
como seriam as dobras? É muito complicado tentar desenhar em alguns aspectos. Nunca
isso (risos)! No começo, passei muito tempo corrigindo erros
em relação a roupas drapeadas e à anatomia das pessoas. No
tinha desenhado animais de forma tão
início, desenhava braços longos demais, havia muitas coisas a ser realista – burros, camelos, ovelhas, cabras.
corrigidas. Usava corretor líquido sem parar.
Aprendi a me educar nesse sentido.
Você teve a ajuda de seu amigo e ilustrador Peter Poplaski na Primeiro, copiava de outras fotografias e
pesquisa iconográfica.
Ele é um ótimo ilustrador. Entende o que é preciso para fazer
de outros desenhos. Com o tempo passei a
as coisas direito. Por iniciativa própria, passou bastante tempo desenhar sem copiar. Aprendi a desenhar
assistindo para mim a todos esses DVDs de filmes bíblicos
antigos como Os Dez Mandamentos (Cecil B. DeMille, 1956) e
camelos e burros muito bem. Nunca tinha
fazia fotos da tela da TV. Eu tinha centenas de fotos espalhadas desenhado um camelo na vida (risos)!
na minha mesa enquanto trabalhava. Os Dez Mandamentos foi
realmente o que mais me ajudou. Eles gastaram muito dinheiro
nos detalhes desse filme.
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Depois da turnê americana do Gênesis, você pretende começar tentaram. Espero que Obama e sua equipe possam interromper
um novo projeto de livro com Aline [Kominski, esposa de isso, pelo menos um pouco. Essa máquina destruidora que é o
Crumb]. Como será? estado fascista corporativo tem muita força nos EUA, e o Obama
Queremos usar algumas das coisas antigas que fizemos para a não pode pará-la sozinho. Mas ele representa uma esperança em
New Yorker. Já temos muitas ideias, e com a Aline é tudo muito relação a isso. O mundo inteiro espera que ele possa parar essa
fácil, o livro se faz sozinho. Quando começo a trabalhar com ela, máquina. Aqui na França, todos o amam, o mundo ama Obama. É
o humor judeu começa a jorrar. Ela é uma comediante stand up uma esperança de que o estado fascista corporativo não vingue.
como Lenny Bruce, tem ideias o tempo todo. Uma herança judaica
nova-iorquina (risos). O problema é organizar aquilo tudo e editar, Você votou pela primeira vez na vida nas últimas eleições
cortar, porque tem sempre muito material. presidenciais americanas, em Obama. Como vê o primeiro
ano de seu governo e todas as reações que começam a
Você ainda lê quadrinhos? Que artistas atuais você aprecia? aparecer contra ele?
Não tenho nenhum artista favorito. Procuro ver novas coisas, É assustador. Ele pode ser morto. Posso imaginá-lo sendo
mas também leio HQs antigas. Há muita coisa interessante sendo assassinado por brancos racistas. Mas por trás desses racistas
criada por jovens artistas, desconhecidos, e tento acompanhar o pode haver um amplo programa do estado fascista corporativo,
que se passa na EUA e também aqui na Europa. instigando e provocando racistas a matá-lo, sem que isso afete a
reputação delas, sem que prejudique a imagem de pessoas que
Você ainda tem contato com Harvey Pekar, com quem não gostam dele, mas que estão no topo desse sistema. Tudo
colaborou no passado? depende de o quanto Obama conseguir ser eficaz. A eficácia
Não nos falamos mais com tanta frequência. Fico feliz por ele dele pode gerar grande raiva e ressentimento na direita. Se ele
estar bem de saúde e vivo, após quase ter morrido de câncer há não for tão eficiente, provavelmente não vão querer matá-lo. Não
alguns anos. Ele fez um livro ótimo, chamado Our Cancer Year, sei. A única coisa que sei é que a maior parte das pessoas que
cem páginas sobre sofrer de câncer. É um grande contador de gostam do Obama esperam que ele não seja atingido por essas
histórias, na tradição judaica. coisas, mas os americanos estão bastante preocupados e o resto
do mundo também. Já ouviu falar de uma ideia dos neocons,
Quais as principais mudanças que você notou nos EUA e na o “Projeto Para Um Novo Século Americano”? Um think tank
França desde que passou a morar aqui? formado no governo Bush por nomes como Dick Cheney, Paul
Vivo numa pequena aldeia no Sul. Cheguei em 1990 e não tenho Wolfowitz e Richard Pearl elaborou, no ano 2000, um relatório
visto tanta modernização por lá. Era um lugar bem atrasado para intitulado “Defesas Americanas”, algo assim. Há cerca de um
a França, que é considerado um país ocidental desenvolvido. mês, alguém baixou o texto para mim no computador; eu li, e é
A eletricidade e as linhas de telefone não funcionavam muito chocante. Eles afirmam de forma bastante clara que os Estados
bem – era como se fosse o Terceiro Mundo da França. Mas está Unidos são, desde o fim da União Soviética, a única superpotência
cada vez mais moderno, melhoraram bastante as estradas, do mundo, e que essa é a oportunidade para os EUA dominarem
construíram supermercados. Por um lado é bom; por outro, é militarmente todo o planeta. Está escrito ali. E não somente o
ruim. Tempos atrás, eu e a Aline nos envolvemos numa luta planeta, mas o espaço: eles querem dominar militarmente o
contra a instalação de um supermercado em nossa aldeia. Vários espaço, e também o ciberespaço. Durante anos essas pessoas
moradores queriam o supermercado, ficaram maravilhados, eram influenciaram o governo Bush para efetivar um programa de
T
ingênuos, não entendiam o que estavam fazendo para a cidade. dominação do mundo. De onde vinham os recursos, quem estava
Mas conseguimos embargar o supermercado. Algumas pessoas empos atrás, eu e a Aline nos pagando por isso? Eles tiveram que ignorar liberdades civis, a
que também eram contra me pediram para fazer um cartaz contra
o supermercado. Eu fiz um desenho e ele foi espalhado por toda
envolvemos numa luta contra a democracia teve que sofrer. Isso é fascismo na forma mais simples
e literal, como defendido por Mussolini. Não podemos confundir
parte. As pessoas que eram a favor direcionaram toda a raiva instalação de um supermercado em com nazismo, mas é fascismo.
contra mim. Cheguei a ser agredido fisicamente por um jovem
que estava arrancando os cartazes. Houve essa mudança pela
nossa aldeia. Vários moradores queriam o Quando entrevistei Claude Lévi-Strauss (1908-2009), ele
modernização. Agora o lugar está mais parecido com os EUA supermercado, ficaram maravilhados, eram manifestou sua inquietação pelo fato de que, quando nasceu,
– eles se vestem como americanos, estão mais gordos, a dieta
mudou, comem mais snack food. A cultura consumista está na
ingênuos, não entendiam o que estavam havia 1,5 bilhão de homens sobre a Terra; quando entrou na
Universidade de São Paulo, eram 2 bilhões; hoje, há quase
moda. As crianças da nova geração são mais obesas. As coisas fazendo para a cidade. 7 bilhões, e daqui a 20 ou 30 anos teremos 9 bilhões. Você
acontecem muito rápido, é espantoso. diz ter a mesma preocupação com o rápido aumento da
população mundial.
Você pretende retornar aos EUA? Isso certamente terá um efeito significativo no planeta e em nossas
Não. Eu volto com bastante frequência, pelo menos uma vez relações sociais. Mas, às vezes, penso que essa grande multiplicação
por ano. Sinto falta dos meus amigos e da família, gostaria de de seres humanos também possa ter um lado positivo. Haverá
vê-los mais vezes. É muito complicado viajar de avião hoje, os mais energia mental no planeta, como nunca houve, por causa
aeroportos são horríveis. Mas para rever essas pessoas tenho que desse crescimento. A energia mental humana poderá atingir uma
voltar de vez em quando. Para mim, a cultura dos EUA está se massa crítica e provocar um salto na evolução da inteligência.
tornando ainda mais corporativa. É repugnante. Dentro ou fora Essa é a teoria mais otimista em relação à explosão populacional:
de casa, você é constantemente bombardeado por propaganda coletivamente, poderemos atingir um ponto em que nos tornaremos
corporativa, para consumir. Começou com o Reagan, mas acredito mais sensíveis ao bem-estar coletivo ou à nossa intenção coletiva.
que nos anos Bush houve um impulso muito agressivo em direção Mas também podemos regredir e nos tornar novamente bárbaros.
a um estado fascista corporativo. Não acho que conseguiram, mas É difícil dizer (risos).
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Você se define como gnóstico.
Gnóstico é alguém que busca o conhecimento de Deus. Sou alguém
em busca desse conhecimento. Não tenho a pretensão de dizer que
possuo algum conhecimento, mas o procuro. Quando você medita, tenta
compreender a natureza da realidade, da nossa existência, da vida. Tenta
unificar o todo da vida. Isso é muito gnóstico. Existe um texto gnóstico
descoberto nos anos 1940, chamado “Nag Hammadi”, que é muito
interessante. Fui bastante reprimido. A Igreja cristã e outras não gostavam
de gnósticos – é algo muito vago, solto, sem doutrina suficiente. Os
primeiros católicos se doutrinaram muito rapidamente. Queriam verdades
absolutas, e todos que não concordavam com essas verdades eram
excomungados. Por volta de 300 d.C., um bispo decidiu que todos que
não reconhecessem Jesus como a encarnação de Deus não eram cristãos.
Foi aí que começou o conflito em torno da heresia e dos hereges, de
quem discordava da Igreja, milhões de pessoas perseguidas ao longo dos
séculos. Ser gnóstico é não se limitar e não ter doutrinas. É diferente de ser
agnóstico. Agnósticos duvidam da existência de Deus. Não são exatamente
ateus, mas é um jeito de dizer “isso não é comigo”. Mas os gnósticos são
interessados e praticam essa busca, na forma de meditação.
Você medita?
D
Sim, tento meditar todos os dias. Às vezes estou muito ocupado e não
urante anos essas pessoas consigo, mas tento meditar todos os dias. É algo muito benéfico e útil.
de dominação do mundo. De onde entrevista, estava ouvindo alguns 78 rotações que consegui aqui em Paris,
há três dias, com um cara que os garimpa em feiras de antiguidades.
vinham os recursos, quem estava Troquei os discos por desenhos (risos). Ele achou ótimos discos –
pagando por isso? Eles tiveram que franceses, da África do Norte, Turquia e um disco grego fabuloso. Coisas
desconhecidas, perdidas. É como se você resgatasse esses discos do
ignorar liberdades civis, a democracia esquecimento. Muitas vezes é preciso lavá-los, porque estão sujos,
mais simples e literal, como defendido Você também já mencionou que aprecia discos brasileiros.
Sim, coisas antigas. Mas é muito difícil de encontrar fora do Brasil, muito
por Mussolini. Não podemos confundir pouca coisa saiu em alguns raros CDs. Aqui na França há muito mais
com nazismo, mas é fascismo. interesse do que nos EUA. Tenho amigos que colecionam discos de 78
rotações e um deles conseguiu achar alguns brasileiros excelentes. Há
diferentes estilos e tipos de música. Acho muito interessante o período do
final dos anos 1920 e começo dos anos 1930. É música de primeira linha.
Gostaria de ouvir mais, mas, mesmo para mim, que sou colecionador, é
muito difícil de achar. Esse amigo encontrou discos brasileiros em Portugal.
2saiba mais
crumbproducts.com
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dirty projectors indie rock de breque Por Mateus Potumati
30 31
Dave Longstreth falou com a +SOMA, na única entrevista que deu durante sua
passagem pelo Brasil, depois de uma escapada para comprar vinis. Nacionais,
“A música deles tem elementos é claro.
familiares, e mesmo assim “Cannibal Resource” tem uma letra bastante forte sobre os problemas
muitas vezes soa como música que o mundo vive hoje – que basicamente se resumem ao uso predatório
dos recursos humanos e naturais –, e sobre a postura de cada um de nós
pop feita por alguém que leu a respeito. Ao mesmo tempo em que é pessimista, tem uma certa dose
sobre a forma, mas nunca de esperança. É possível ficar bem com o mundo no ponto em que che-
gamos?
ouviu as músicas, e depois Não sei. Não sei dizer se os nossos dias estão definitivamente contados por
pegou os elementos básicos conta do que fizemos com o clima. A consciência está aumentando, mas a
responsabilidade não segue o mesmo ritmo. O planeta está irremediavel-
para compor. Mas isso não é mente fodido? Não sei. O que é certo é que a forma como vivemos – ou
verdade, porque Dave tem um melhor, como as Américas e a Europa vivem e o resto do mundo se inspira
– não é sustentável, exige muito da Terra. Parece impossível pensar em me-
conhecimento profundo sobre lhorar a qualidade de vida na Terra com a população aumentando de forma
tão acelerada como está agora. É mais lógico pensar em uma diminuição
músicas e seus respectivos acelerada como fruto das nossas próprias ações.
autores. Mesmo assim, o Houve um ponto em que você decidiu partir de uma visão mais idiossin-
som da banda segue sendo crática, como em Rise Above [disco de 2007 em que a banda faz uma
releitura do clássico álbum punk Damaged, do Black Flag], para tratar de
completamente estranho e assuntos mais abrangentes como esse?
estranhamente familiar ao Até você ter colocado dessa forma eu não tinha pensado nisso, e talvez
nunca pensasse em organizar as coisas sob essa lógica progressiva. Acho
mesmo tempo.” David que a música tem a capacidade de falar sobre todos os tipos de coisas que
Byrne encontramos pela frente na vida, e desde que comecei a compor é assim
que eu penso. Mesmo Rise Above, que tem esse conceito mais idiossincrá-
tico, acho que trata de coisas tão amplas e universais como qualquer coisa
O salto se deu com o lançamento, em junho, de Bitte Orca (“bitte” do ale- no disco novo.
mão “por favor”), que ampliou o estilo peculiar de composição de Lon-
gstreth em direção a um pop de vanguarda – algo como um indie-rock Ainda falando sobre letras, “Stillness Is The Move” é inspirada em um
com déficit de atenção, que une de forma inteligente estilos como punk/ diálogo de Asas do Desejo, do Win Wenders, que fala sobre um anjo que
pós-punk, no-wave, rock progressivo, música africana, r&b, hip-hop e a se apaixona por uma mulher e quer se tornar humano. É um filme impor-
composição europeia contemporânea. Antropofagia tropicalista pura, ver- tante pra você?
são Brooklyn do século XXI. Quando entrevistei Longstreth, horas antes de Eu não vi o filme, na verdade, porque não tive tempo. Mas queria ver e li a
seu show no Goiânia Noise 2009, comentei que, na minha opinião, o Dirty respeito, e parece o tipo de filme com o qual a Amber [Coffman, vocalista,
Projectors fazia um som mais “brasileiro” do que a maioria das bandas do para quem Longstreth compôs a música] se identificaria muito. Aí, como
festival. “Vou encarar isso como um elogio”, ele disse, se divertindo com a uma forma de assistir sem assistir, pedi a ela para lembrar as frases do filme
ideia. Quatro dias depois, no final de seu show apoteótico em São Paulo, que mais chamaram sua atenção e elas foram inseridas no esqueleto vocal,
ele diria: “É uma honra para nós ter encerrado nossa turnê tocando para que já existia.
vocês. Os brasileiros são capazes de qualquer coisa. Vocês são o povo mais
musical do mundo”. Um pouco parecido com o que você fez em Rise Above.
Isso, um pouco.
Bitte Orca, sexto álbum do grupo (excluídos EPs e singles), fisgou pesos-
pesados como David Byrne, Arto Lindsey e o já citado Caetano – que, para O que na história se parece com a Amber, para você? “O que me preocupa sobre
felicidade geral dos Projectors, compareceu ao show da banda no Rio de Eu sei só o básico do roteiro: um anjo se apaixona por uma mulher e quer se
Janeiro. Em seu blog, Byrne disse: “A música deles tem elementos familia- tornar humano, com todas as imperfeições. É uma história bonita. É difícil consciência ecológica nos
res, e mesmo assim muitas vezes soa como música pop feita por alguém
que leu sobre a forma, mas nunca ouviu as músicas, e depois pegou os ele-
verbalizar, mas a Amber é uma pessoa muito apaixonada. As primeiras fra-
ses vão do ponto mais grave do alcance vocal dela, e os vocalises no final
EUA é que ela tem um aspecto
mentos básicos para compor. Mas isso não é verdade, porque Dave tem um atingem as notas mais agudas, então também é feito pra ela nesse sentido. fetichista. As grandes empresas
conhecimento profundo sobre músicas e seus respectivos autores. Mesmo E o clima r&b da música também é totalmente pensado nela. A Amber ou-
assim, o som da banda segue sendo completamente estranho e estranha- via muito esse tipo de música quando era adolescente. estão na onda de se definirem
mente familiar ao mesmo tempo”. Quem assistiu a algum show sabe que é como ‘verdes’. É a palavra
como pagar por uma banda e ver umas 40 ao mesmo tempo. Muito disso é Acho interessante a forma incomum como você encaixa os acentos das
culpa de seu conjunto magnífico, formado por Amber Coffman (voz e gui- palavras nessa música. Às vezes é como se a criança do começo da letra da moda, e eu não sei até que
tarra), Angel Deradoorian (voz, teclados, guitarra e baixo), Brian Mcomber
(bateria), Haley Dekle (voz) e Nat Baldwin (baixo). A dinâmica entre os seis
estivesse cantando, tentando encaixar no ritmo coisas que ela acabou
de inventar. Eu não ousaria cantar aqui agora, mas você sabe do que eu
ponto os produtos [dessas
gera resultados tão impressionantes – no disco e mais ainda ao vivo – que estou falando, não? empresas] são diferentes do
fica claro estarmos diante de um desses encontros que não acontecem com (Risos) Sei, sim. Obrigado pelo comentário. Não sei explicar, é minha forma
muita frequência. de compor. Tentar encaixar música e ideias verbais. que já temos disponível.”
32 33
“É uma ótima época para fazer
Gosto de um verso em “Temecula Sunrise” em que você canta “I know the música, os discos não são O que você acha de pessoas como Thom Yorke e Bono, que criaram essa
horizon is bright and motionless/ Like an EKG of a dying woman” (“Sei que persona pública imensa, ativista e às vezes caricata? Sem levar em conta
o horizonte é brilhante e imóvel/ Como o eletrocardiograma de uma mu- mais posicionados como o que você pensa da música deles.
lher que está morrendo”). É trágico, mas ao mesmo tempo tem uma ironia. produtos como antes, não há Você diz a posição do rockstar como um tipo de autoridade social, uma
Nos EUA, muita gente muda para o Sul quando fica velha e se aposenta, persona em prol do ativismo? Especificamente em relação ao meio-am-
porque lá é quente. Como na Flórida, no Sudoeste ou no Sul da Califórnia. praticamente mais interesse em biente? Em princípio, acho legal. [É legal] usar a plataforma que eles têm
Isso é uma coisa. E a outra é que a primeira vez que passamos de carro
pela região de Temecula (cidade ao sul da Califórnia, próxima a San Die-
discos como produtos. Por para atrair atenção a uma área tão importante. Acho ótimo, na verdade.
Acho que o Bono tem feito um trabalho imenso na África, em relação à
go), durante a primeira turnê de Rise Above, uma garota chamada Susanna isso, estamos provavelmente AIDS, ao perdão da dívida externa. É algo grande demais para ser realizado
[Waiche], que canta no disco com Amber e é de San Diego, ficou surpresa por um homem só. Por outro lado, não sei muito a respeito, talvez seja cheio
com o desenvolvimento, as casas novas. Ela dizia “nossa, lembro de vir aqui mais livres do que nunca para de furos e eu não esteja ciente de tudo. O mesmo vale para Thom Yorke.
quando era criança, na primavera, com a minha avó, fazer piquenique na criar o que quisermos. “ Há uma linha nebulosa entre ser consciente, chato e hipócrita, de certa for-
colina, entre os arbustos”. Acho que pensei na imagem da avó dela, velha, ma, porque ambos usam caminhões imensos – 50, 100 por show – e levam
morrendo no deserto. centenas de milhares de pessoas, que às vezes dirigem duas horas, até are-
nas gigantes. É difícil não se tornar uma força desse tamanho na Terra, com
Você fala sobre morte aí e em “Cannibal Resource”. Acha que há uma um impacto ambiental tão grande, quando sua música é tão conhecida.
ligação entre as duas nesse sentido, de começar a sentir de forma mais
concreta a proximidade da morte? Uma escritora brasileira, Hilda Hilst, diz em um de seus livros que “os
Talvez. “Temecula Sunrise” também é uma música sobre o fim do mundo, gigantes devem ser mortos porque são gigantescos”.
à sua maneira. Certamente sobre o fim dos EUA. Faz sentido estabelecer Há uma certa aura revolucionária por trás dessa frase, uma força, uma
essa ligação. Os EUA estão perto do fim, isso é muito visível agora. O espí- intensidade agressiva na forma como essa escritora colocou a coisa.
rito está cansado – o espírito da nação, da democracia participativa. Não Em geral, penso que gigantes tendem a tropeçar, cair e quebrar o pescoço
há muita inspiração hoje, as pessoas não percebem que têm o poder de por si próprios. Não é necessariamente preciso acabar com eles.
mudar as coisas.
Como na história do sonho de Nabucodonosor, na Bíblia, em que ele é
Um ano atrás, com Obama, estava um pouco diferente. uma estátua com pés de barro.
O Obama é um cara incrivelmente carismático, e depois do Bush nós todos Não conheço isso, em que parte da Bíblia é?
levantamos a cabeça e percebemos que precisávamos de alguma mudança
nominal. Mas estou falando... Sinto que o tipo de mudança que produz um No livro de Daniel, acho. A estátua é gigante, com cabeça de ouro etc., mas
crescimento recíproco real é a soma das tarefas pequenas que as pessoas os pés são de barro. Aí uma pedra gigante cai do céu bem nos pés e derruba
realizam em sua vida diária. Algo para poupar energia, usar menos água, tudo. A interpretação bíblica tem a ver com o futuro do judaísmo, a chegada
menos papel, gerar menos lixo, esse tipo de coisa. de Cristo e tal, mas independentemente disso é uma imagem interessante.
Oh, eu não sabia disso. Parece legal, vou procurar me informar. Acho que
isso costuma acontecer com muita frequência.
Muito pouca gente faz isso.
Exato. Mas se você tiver 35 milhões de pessoas mudando seus hábitos A sua voz foi uma das mais influentes na música americana este ano. Você
cotidianos, para fazer algo... O que me preocupa sobre consciência eco- se imagina crescendo a ponto de estar em uma posição parecida no futuro?
lógica nos EUA é que ela tem um aspecto fetichista. As grandes empre- Não sei. Foi um grande ano para nós, fizemos uma turnê muito extensa,
sas estão na onda de se definirem como “verdes”. É a palavra da moda, e o público nos nossos shows é muito maior do que antes. Mas eu ainda
eu não sei até que ponto os produtos [dessas empresas] são diferentes me sinto como se o nível de relacionamento fosse de pessoa para pessoa.
do que já temos disponível. Por outro lado, a História é muito extensa. A É difícil imaginar qualquer banda ou artista hoje ocupando o espaço cul-
janela de 23 anos de consciência que eu tive até agora (o músico tem 27 tural que aquelas bandas tiveram no passado, porque tudo é bem menor.
anos) é muito pequena para julgar o cenário inteiro. Na história do meu É uma ótima época para fazer música, os discos não são mais posicionados
país, houve outras vezes em que a nação e a União estiveram fracas, e as como produtos como antes, não há praticamente mais interesse em discos
pessoas choraram pelo fim dos EUA da mesma forma que fazem agora. como produtos. Por isso, estamos provavelmente mais livres do que nunca
Então, não sei. Realmente não sei. Mas acho que nós realmente precisa- para criar o que quisermos.
mos mudar as coisas.
Sem contar que dez, quinze anos atrás seria inimaginável uma banda
Você faz alguma coisa para ajudar, na sua vida diária? como vocês tocando no Brasil.
(Pensativo) Tento usar menos papel. Mas não estou envolvido em nenhuma Com certeza. Todos nós na banda sabemos que temos muita sorte por
forma de ativismo. E, claro, nós [gastamos muita energia] nos locomovendo estarmos onde estamos hoje, e por podermos tocar no Brasil. Somos
o tempo todo de avião e van em turnê. É difícil conciliar ações com crenças. muito gratos por isso. É a primeira vez de todo mundo, estamos todos
muito empolgados. 3
2saiba mais
dominorecordco.com/artists/dirty-projectors
34 35
não é assim que as coisas são:
por Tiago Mesquita
.
36
4Cão cego #2 . parafina preta . 2009 . foto por Andrew Kemp
4Cão cego #1” . latão fundido e parafina . 2009 . foto por Andrew Kemp
38
4Teatro para cachorros . acrílica sobre tela . 2009 . foto por Milene Rinaldi
2saiba mais
www.tatianablass.com.br
40
“Eu não compararia com essa geração, não sei...
Cada artista tem um traço diferente, mas o que
admiro no desenho dele é como ele cria, é bem
fluido e criativo. Gosto das situações e de como
usa as linhas. E ele é um desenhista de verdade.
Eu, ao contrário dele, não me considero um
desenhista, não sei desenhar como ele e admiro
isso. Ele é mais solto do que eu, sou mais
acadêmico.” A afirmação do jovem artista Pjota
faz todo sentido em relação ao igualmente
jovem curitibano Rimon Guimarães, ou
simplesmente Rim, cujo trabalho de linhas
sinuosas apresenta figuras dissolvidas em
meio ao entrelaçamento de formas obtusas,
linhas irregulares e padronagens mil. O
preto no branco predomina, mas é a cor
que o diferencia, o que imprime o traço de
personalidade do autor, que a usa com certa
parcimônia. “Sempre desenhei e sempre
busquei me aprimorar nisso. Só de estar 99%
do dia ativando essa prática, mesmo que seja
desenhando em meu cérebro, já é um bom
exercício”, explica o artista sulino de apenas
21 anos, assinando embaixo a máxima de
Thomas Edison: “a genialidade é fruto de 1% de
inspiração e 99% de transpiração”. 1
livre e inquieto
42 43
Se eu olhasse no seu mp3 player ou iPod, o 4tabuleiro romã, 2008
que encontraria?
Música espanhola e latina, Axel Krieger,
Juana Molina, afrobeat, novos compositores
Sou um pouco índio, africano, brasileiros, Moacir Santos, Bonobo, Tosca
italiano, português – não Tango Orchestra, tudo do Evard. Muita coisa de
vários estilos.
consigo especificar ao certo.
Curitiba, acima de tudo, é A produção de pôsteres e flyers é algo
presente na vida de vários artistas. Como
uma cidade brasileira, mas você se interessou por esses meios? Quais os
critérios que usa para ilustrar esse tipo
com muitos gringos de material?
im é tranquilo – nas poucas vezes que que fugiram de Geralmente ilustro flyers e pôsteres de
o vi parecia observar algo que não nos festas que eu ou algum amigo meu promove.
era possível ver. “Aqui tá tranquilo”, guerras e situações O critério é liberdade e calma.
escreveu, quando me desculpei pelo avançar das
horas madrugada adentro. A indeterminação de
desconfortáveis em O fato de ser negro influencia de alguma
seus desenhos é transposta em seu discurso. “As seu país de origem. forma seu trabalho? Para você, isso é um
organizações naturais, que vão além do físico, assunto a ser discutido em uma pintura?
a pura intenção de uma semente crescendo,
Racismo tem sido Na realidade, sou uma grande mistura, como a
essa imaterialidade do impulso que nos mantém um problema tão grande maioria no Brasil.
infinitos” foi sua resposta ao perguntar o que era
necessário para um trabalho lhe inspirar. bobo no mundo
No caso de um artista autodidata tão jovem,
é natural e importante que o imponderável aja
inteiro... Ainda mais
sobre seu discurso e prática. no Brasil.
Como você gostaria de ser lembrado pelos Acompanhar isso te influenciou de
que te conhecerem no futuro? alguma maneira?
Gostaria de ser lembrado pelos meus Sim, tem essa coisa de fazer com as próprias
atos, e não só por palavras. Atos de liberdade mãos, não pegar as coisas prontas, entender
e inquietação. todo o processo industrial.
Seu trabalho expressa isso em algum sentido? Você falou sobre pesquisa contínua. Tem algo
Sim, em todo o processo. que te interesse em particular? Alguma
questão ou temática?
Como é sua rotina de trabalho? Disciplinada Estou fazendo muitas experiências com sons,
ou caótica? O seu estúdio é daqueles que composições atmosféricas. Também sempre
parecem um hospital ou quarto de moradia gostei de fazer vestimentas – desenho minhas
estudantil? próprias roupas e às vezes lanço algo em
Minha rotina é bem volúvel, nunca é igual pequena escala pra ser vendido.
– até fujo disso. A disciplina que tenho é
natural, sempre estou desenhando algo ou Seu foco no momento é mais em música do
observando de maneira investigativa as que em artes plásticas?
coisas. Meu ateliê mais parece uma instalação Não, o lance é muito mesclado: sempre se cria
em processo contínuo. uma relação. É algo de percepção, com várias
vias novas e distintas.
Sendo autodidata, como tomou
conhecimento de todo esse mundo das artes, Vi uma foto sua tocando trompete. Que
ateliê, galerias etc? instrumentos você toca?
Sempre transitei nesses espaços, busco o Flauta barroca de bambu com palheta de sax e
que me instiga no momento. Tenho uma piano. Com o trompete ando meio parado – às
pesquisa permanente. vezes arrisco um violão. Mas os instrumentos
vocais são os meus prediletos.
Alguém de sua família é envolvido com artes?
Minha mãe sempre foi criativa, fazia minhas Quais seus interesses em música?
roupas quando era menor. Na costura ela não Experimentar, descobrir, compor, ampliar,
tem limites (risos). desmistificar, gravar, remixar etc.
44 45
Creio que espaços
expositivos têm que ser
livres pra manifestações meticulosamente a disposição dos elementos
totalmente novas e na tela (na rua sempre é mais livre, penso
eu), seu traço é muito solto. É como se não
desconcertantes – é bom respeitasse nunca a ideia do esboço, tem uma
que tenha uma mutação indeterminação no ato em si.
Sim, meus desenhos falam coisas que eu não
no espaço de acordo sabia, muitas descobertas e novos ângulos.
46 47
48 49
é no ínfimo que vejo a exuberância
Ensaio fotográfico por Formiga
50 51
52 53
É com a epígrafe de Manoel de Barros que o ensaio (em constante construção) do fotógrafo
paulista Formiga se apresenta. Um olhar curioso e incansável, que enxerga a beleza em locais
onde a maioria das pessoas prefere simplesmente desviar o olhar.
Paredes corroídas que não resistiram à ação do tempo, metais enferrujados e outros materiais em
processos de degradação reverenciam a obra de artistas como Miró, Munch, Picasso e Turner.
Um projeto que vem amadurecendo a cada dia em dois anos de produção e que já conta com
mais de 1000 imagens captadas com uma singela câmera digital portátil de 6.2 megapixels. Um
registro intenso de cores e texturas que aguçam (e às vezes confundem) nosso olhar e nos levam
a crer que beleza, na fotografia, é ponto de vista. 4Saiba mais
flickr.com/photos/-formiga-
Por Fernanda Masini Veja a exposição no mezzanino do Espaço +Soma até 23 de Janeiro de 2010.
54 55
Por Lauro Mesquita . Imagens Divulgação Existe um cinema As produções não estão no circuito
novíssimo sendo feito comercial: são exibidas nos mais de Filmes de Quintal
no Brasil. Uma produção 150 festivais de cinema no Brasil, em A Filmes de Quintal tem um
que acontece fora do eixo mostras, universidades, cineclubes e ou- papel importante nisso. O grupo
Rio-São Paulo e é coletiva. tros espaços que raramente contam com vai além dos filmes e nasceu para
Os grupos realizam filmes, bilheterias ou lanterninhas. “O Alexandre explorar o diálogo constante entre
organizam mostras, Veras (diretor cearense que é uma espécie cinema e antropologia. O Forumdoc.bh
promovem debates e de mentor do Alumbramento) faz um cálculo é a produção mais vistosa deles. Organi-
publicam suas reflexões do número de salas de aula em que ele exibiu zado desde 1997, o evento, que carrega o
sobre o audiovisual. Ao o filme dele, Vilas Volantes, e de acordo com subtítulo de Festival do Filme Documentário
contrário das produtoras os números o público do filme já é bem maior e Etnográfico, é reconhecidamente um dos es-
independentes da tal do que o de muitos festivais e filmes em circuito paços mais ricos de discussão sobre antropologia,
“retomada do cinema comercial. Porque o que mais tem é sala de cine- documentário e cinema com proposta estética mais
brasileiro dos anos 1990”, ma vazia”, diz Fred Benevides, montador e um dos inovadora. “Criamos o Forumdoc pra assistir aos fil-
a ideia não é criar para diretores do Alumbramento. mes que a gente não via. Até hoje é um pouco assim”,
o mercado televisivo de diz Junia. Doze anos depois, o festival extrapola Belo Ho-
sempre e nem levar a E é nesse circuito que os filmes começam a fazer rizonte e vai a várias cidades do interior de Minas e grandes
estética das propagandas e barulho. Radical e sem nenhuma concessão, o longa centros como São Paulo e Barcelona. Na capital mineira, ar-
cinema
dos filmões hollywoodianos Sábado à Noite, de Ivo Lopes Araújo, foi o vencedor rasta multidões. A programação conta com um público majo-
para as telas refrigeradas do prêmio do júri jovem do último festival de cinema de ritariamente jovem. As mostras não se fecham no documentário
brasileiras. 1 Tiradentes. Aboio, primeiro longa-metragem de Marília etnográfico. “Tem muita ficção e filmes experimentais que carregam
Rocha, da Teia, recebeu o prêmio de melhor filme brasi- reflexões parecidas com a do documentário”, diz Junia.
leiro no É Tudo Verdade em 2005. Já Trecho, de Clarissa
Campolina e Helvécio Martins Jr., também da Teia, recebeu
os prêmios de curta-metragem, fotografia e montagem no
festival de Brasília no ano seguinte. Outros trabalhos seguem
recebendo prêmios e sendo discutidos em vários eventos no
em grupo
Brasil. Eles se reproduzem pela Internet e em DVDs copiados
nas faculdades e entre os jovens cinéfilos. Mas, para além disso,
esses coletivos têm construído uma nova dinâmica de produção,
em que os filmes e o pensamento sobre cinema andam de mãos
dadas, sem formalismo e de maneira absolutamente natural.
A +Soma conversou com pessoas de três desses coletivos: ba potencializando o que a gente tem de me-
Alumbramento, de Fortaleza, Filmes de Quintal e Teia, am- lhor”. Ivo, que também trabalha como diretor
bos de BH. Em todos eles, o entusiasmo com a nova produ- de fotografia, explica: “Quando é um filme no
ção audiovisual brasileira é grande. O trabalho em conjunto esquema mais tradicional, cada pessoa cumpre
– apesar de todas as dificuldades administrativas e de orga- seu papel e a equipe técnica acaba não toman-
nização – é encarado como a melhor possibilidade de produ- do muito parte do processo criativo dos filmes.
zir um cinema independente mais barato e menos atrelado É tudo muito especializado, bem no esquema de
aos sabores do mercado. “Os grupos garantem as condições indústria. Quando a gente faz em conjunto não há
de produzir trabalhos autorais com independência. A vanta- como escapar. Todo mundo cria, interfere, mesmo
gem é que a gente consegue fazer muitas coisas sem tanto que respeitando a vontade do diretor”.
dinheiro”, explica Junia Torres, antropóloga, documentarista
e uma das integrantes da Filmes de Quintal. Todos os três coletivos já têm um currículo com muitos
filmes. Para se ter uma ideia, no Alumbramento, só os ir-
A organização em coletivos, como explica Clarissa Cam- mãos Ricardo e Luiz Pretti – conhecidos pelo furor criativo
polina, diretora e montadora da Teia, também oferece a – já produziram mais de quatro filmes este ano. Um deles, o
possibilidade de trabalhar fora de um esquema cruel, que longa Rumo, foi totalmente captado com imagens de celular.
acaba arrastando os profissionais do cinema para a pu- Os filmes em geral são feitos com verbas dos editais que se
blicidade e outros trabalhos comerciais. Para o diretor multiplicam pelos estados e municípios ou com a cara e a co-
cearense Ivo Lopes Araújo, do Alumbramento, além da ragem. É por isso que quase sempre as equipes são pequenas e
questão dos custos, “Esse nosso trabalho em grupo aca- as ideias na cabeça, bem grandes. 4público durante exibição no forumdoc.bh
56 57
4Imagem do filme Roda, de Carla Maia
58 59
4cinco dos seis integrantes do coletivo teia, de bh
No encerramento do Tecer, o
documentarista João Moreira
Salles desistiu de falar sobre sua
filmografia e preferiu perguntar à
plateia: “por que Minas Gerais tem uma
filmografia tão singular e diferente do
resto do Brasil?” O silêncio da plateia e da
mesa durou longos segundos e mostrou que
a resposta não era fácil. Sem dúvida, o estado
parece ser um dos poucos lugares onde cineas-
tas e pensadores como Jean Louis Commolli, Pedro
Costa e documentaristas como Jean Rouch parecem
ter mais público e adesão do que em qualquer outro lu-
gar no país. “BH não tem uma indústria de produção. Esse
é um fator que propicia um ambiente adequado para produ-
ções menores, um ‘cinema de cozinha’”, diz Clarissa, citando a
expressão de Cao Guimarães. A diretora ainda aponta a proximi-
dade dos realizadores com a universidade e a tradição de eventos
de cinema na capital mineira como fatores decisivos para esse debate
profundo sobre o audiovisual.
em grupo acaba
diovisual da Vila das Artes, de Fortaleza, e depois na pro- um projeto de residência artística colaborativo que rode Ceará, Paraíba, Pernambuco e
dução de Vilas Volantes, do próprio Veras. “Esse longa era Minas. “A ideia é tentar criar uma rede em que as pessoas exibam seus filmes nesses esta-
potencializando o que a
do Alpendre, não tinha nada formalizado, mas foi quando dos e interfiram diretamente no processo artístico local”, explica o diretor, músico e técnico
começamos a trabalhar todos juntos”, conta Fred Benevides. de som Danilo Carvalho. Essa articulação pode ser o pulo do gato para esse cinema, que já
60 61
Jaime Bregantin 4flickr.com/photos/bregantin
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64
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RZO parte 2 O Retorno
“Está na hora de voltar”, afirmou
KL Jay, DJ dos Racionais MCs, se
referindo ao RZO em entrevista
publicada na + Soma 6, em fevereiro
de 2008. Pouco tempo depois, a
Rapaziada da Zona Oeste estava nos
palcos. Na época da dissolução do
Por Nathalia Birkholz . Fotos por Amanda Louzada
deles estão olhando. festas de rap – assim como o rap faz parte da
programação de muitas baladas “de boy” – e importante passar
um lançamento que com certeza vai bombar
no mercado é o disco póstumo do Sabotage,
Se esses pais veem que hoje todos disputam espaço nas mesmas
pistas. Curtem o funk carioca e admiram sua
mensagens para que está sendo produzido por Daniel Ganjaman.
“Só falta terminar as faixas do Helião e do Mano
que nós estamos bem, evolução. Sandrão afirma ter sido o primeiro a todos os tipos de Brown”, conta Sandrão.
vão falar que o rap subir no palco com cantores de funk, no auge
do Proibidão, quando São Paulo ainda nem público, mas também Com tantas possibilidades nas mangas, o
faz bem.” conhecia essa linha. “Acho que a música está
para os maiores de retorno era iminente. Da mesma forma como
aí pras pessoas optarem pelo que querem”, começaram em 1990, cantando nas festas da
pensa. O rapper chegou a gravar com Mr. Catra 18 anos. A gente tem Chic Show e da Black Magic, o RZO está de
a música “As Cachorras”, do disco WX (2006).
“O funk é envolvente pra caramba, as batidas,
nossos momentos de volta à cena. Afinal, quem é, é; quem não é
cabelo voa! 3
a dança... E a gente está estudando uma forma
de fazer um som nessa pegada também”, conta
descontração, né?
o rapper. “É importante passar mensagens para (risos)” 2Saiba mais:
myspace.com/rzobrasil
todos os tipos de público, mas também para
70 71
O ano de 2009 teve ótimas novidades na música, e o cantor, produtor,
arranjador, multi-instrumentista e engenheiro de som Mayer Hawthorne foi
uma das principais, tornando-se a nova sensação da música soul. Natural de
Ann Arbor, Michigan, o rapaz de 29 anos roubou a cena com o lançamento de
seu primeiro disco, ótimos videoclipes e ideias criativas, como um single em
vinil vermelho com formato de coração.
Mayer
duas músicas, Hawthorne conseguiu
um contrato com um dos selos mais
criativos do mundo, que lançou, entre
outros, Madlib, DOOM e o finado Jay
Dilla. Seu disco de estreia, Strange
Arrangement, foi lançado em outubro
e teve ótimas críticas, com um estilo
Hawthorne
Dozier. São 14 faixas em pouco mais
de meia hora, nas quais o branquelo
com jeitão de nerd conta histórias
românticas em baladas, intercalando
com músicas agitadas perfeitas para
requebrar no salão. Em conversa com a
+Soma, Mayer conta tudo isso e mais
um pouco.
Primeiramente, como começou sua história com a música? Antes do Mayer Hawthorne, você tinha projetos diferentes. Conte-nos um
Eu tive sorte de crescer em uma família musical. Meu pai é um grande bai- pouco sobre suas outras facetas.
xista e me ensinou a tocar quando eu tinha seis anos de idade. Minha mãe Eu sou DJ de hip-hop e produtor há mais de dez anos. Lancei diversos
toca piano e também canta. Dela, tirei as lições de piano. Toquei em várias projetos com o nome DJ Haircut. Você pode conferir no meu site (www.
bandas durante o colegial, mas era algo que ia mais pro punk rock. Até fiz asideworldwide.com). Chegou um momento em que resolvi mudar pra
coisas com o funk, mas o vício mesmo veio mais tarde. Depois me envolvi Los Angeles e seguir com a música como uma carreira de tempo integral.
muito com o hip-hop e comecei a tocar como DJ e a produzir beats para Mas o meu foco era o hip-hop, não o soul. O Mayer Hawthorne era um
MCs. Minhas influências são muito amplas. Vão de The Police a Smashing projeto paralelo que eu estava gravando no meu quarto, experimentando,
Pumpkins, passando por Steel Pulse, Stereolab, Public Enemy, Slum Village somente por diversão. Nunca imaginei que isso fosse me levar aos luga-
e, claro, os clássicos da Motown, Barry White, Curtis Mayfield e outros. res aonde estou indo nos últimos meses, ou que me traria aqui pra essa
entrevista pro Brasil.
Você é de Michigan. Nos conte como o seu estado e, principalmente, a
cidade de Detroit influenciaram a sua vida e sua música. Sua musica é considerada retrô, mas pessoalmente a considero muito atu-
Tenho muito orgulho de representar Ann Arbor e Detroit. A história musical al. Como você a define?
dessa área é incrível. Boa parte da melhor musica já feita no mundo vem As pessoas sempre vão tentar rotular, então eu não ligo muito. Não estou
de Detroit. E falo de todos os gêneros, não só do soul, que é o mais citado. simplesmente fazendo musica retrô. Eu tento fazer uma música atemporal.
Acho que parte disso tem a ver com o frio intenso do inverno e a mentalida- Espero que as pessoas procurem meus discos daqui a trinta anos e que
de trabalhadora das pessoas daqui. Detroit respira criatividade! ainda soe atual. Esse é o objetivo.
72 73
Quais instrumentos você toca no disco? No clipe de “Maybe So, Maybe No”, vemos
Eu toquei a maioria dos instrumentos nas músi- muitas referências ao skate. Você se aventura
cas do álbum. Bateria, baixo, guitarra, piano, sin- nas rodinhas?
tetizadores, sopros, percussão, etc. Tento tocar Eu ando, mas não sou muito bom. Eu amo o ska-
o máximo possível, mas, ao mesmo tempo, te- te, faz parte da minha vida desde sempre e faço
nho músicos convidados incríveis que comple- o possível para apoiar e reverenciar essa comu-
mentam no que é necessário. nidade. Só gostaria de andar melhor (risos).
Li declarações entusiasmadas de Peanut Butter Sendo bem sincero, escutei seu álbum em mp3
Wolf falando do seu trabalho. Como foi o con- fazendo download na internet. Aqui no Brasil,
tato entre vocês? se não for através de blogs ou sites de música,
Conheci o PB Wolf numa festa. Fui apresentado as cenas alternativas não chegam ao público.
a ele por um amigo em comum que havia escu- Como você vê essa situação?
tado minhas demos de soul. Mas, pra falar a ver- Essa história de downloads ilegais está mudan-
dade, eu ainda estava muito focado no hip-hop do a direção da música, quer a gente goste,
naquele momento. Nunca havia nem pensado quer não. Não tem como evitar. Tem tanto efei-
em gravar um álbum completo de música soul tos negativos quanto positivos, mas o principal
até o Wolf me chamar pra conversar e propor o é que veio para ficar e é melhor a gente aceitar
álbum pela Stones Throw. e seguir em frente, pensar em alternativas pra
lidar com isso.
E logo a Stones Throw, né? Um dos selos mais
interessantes da música atual. Como você se Você conhece música brasileira?
sente estando em uma das safras mais criativas Eu simplesmente amo a música brasileira. É in-
da música americana? descritível. Sou grande fã de Marcos Valle, João
Falou tudo! Criatividade é definitivamente a pa- Donato, Azymuth, Tim Maia, Jorge Ben, Arthur
lavra chave! É uma honra estar gravando para Verocai e vários outros. Os ritmos e arranjos
o selo de Jay Dilla, Madlib, MF Doom e todos são muito criativos, e o português é uma língua
os que fazem parte da equipe. Eu, pessoalmen- linda para a música. Espero ter a oportunidade
te, sou um grande fã do Dam-Funk e do James de conhecer o Brasil, fazer shows. Tomara que
Pants. Existe um respeito mútuo e realmente é essa entrevista faça um barulho por aí pra que
como uma grande família. Mas é perigoso quan- isso aconteça.
do todos nós vamos nos aventurar em lojas de
vinis usados (risos). Pra fechar, gostaria de pedir que você faça um
top 5 pessoal da música soul.
O single de “Just Ain’t Gonna Work Out” saiu Minha lista muda toda semana, mas aqui está a
em um formato de coração e fez muito barulho desta semana:
na cena pela inovação. Foi ideia sua? Danny Hunt – “What’s Happening to Our
Foi ideia minha, sim. Eu queria fazer do meu pri- Love Affair”
meiro disco algo especial para colecionadores Dee Dee Warwick – “It’s Not Fair”
de vinil como eu. A ideia já estava na cabeça, Barbara Randolph – “You Got Me Hurting
mas fazer um disco vermelho e em forma de All Over”
coração é um processo bem caro e complicado. The Four Mints – “Row, Row, Row Your Boat”
Fiz a proposta à Stones Throw sem muitas espe- Frankie Karl and the Dreams – “Don’t Be
ranças e fiquei surpreso quando eles concorda- Afraid, Do As I Say”
ram com a minha ousadia.
74 75
por Marcos Diego
Fotos Por Michael Lavine/Divulgação
4Mudhoney, 1988
E o que é o grunge para você?
Grunge foi o rótulo dado pela imprensa tradicional para um amplo leque de
estilos musicais que estavam rolando por todo o país. Eles basicamente jun-
taram algumas bandas de metal e punk sob esse rótulo. Não significa muita
78 79
O prefácio do seu livro é do Thurston Moore. Como ele entrou na história?
A ideia inicial do livro foi dele. Ele é meu amigo há muitos anos, meu vizi-
nho, e um dia, há uns dez anos, perguntou por que eu não fazia um livro. Há
quatro anos, novamente, ele lembrou da ideia. Demorou três anos para que
o livro ficasse pronto, o processo de seleção e compilação foi bem longo.
Todas possuem uma Pensei que sua resposta seria Kurt Cobain. Como era o relacionamento
história, mas fiquei muito entre vocês?
Pois é, Kurt não foi difícil comigo porque era meu amigo. Ele me respeita-
feliz que as fotos dos va, eu acho, então foi uma boa relação de trabalho.
Mas ser amigo da banda é importante para conseguir uma boa foto?
Não, de jeito nenhum. Às vezes pode ser um problema, se você ficar con- 2saiba mais 4nirvana, 1991
versando e não se concentrar no trabalho. (risos) www.michaellavine.com
80 81
De antemão, um aviso: se você
nunca sentiu “raiva espiritual”, é
desaconselhável continuar a leitura.
s
air para farrear com Zé Ulisses é Dito isso, comecemos. Existem tudo isso era o fato de que para onde eu ia me
fundamental para entendê-lo: assuntos que cabem melhor no sentia deslocado, inclusive na minha própria
em voo rasante por ruas e bares campo da mitologia, do folclore. O casa, como se a coisa estivesse dentro de mim.
obscuros da boemia porto- Velho de Câncer, formado em 2006, O lance do Velho é decepção com gente. Tava
alegrense, o jovem punk rocker de 25 anos uma das melhores bandas brasileiras cansado de montar banda com fórmula, música
concentra as atenções de conhecidos e incautos; de hardcore do século XXI, é um assim, um faz as letras o outro não sei o quê.
bebe e fala em doses/volumes graúdos; tem deles. Assim como Emicida, outro Fiz umas músicas sozinho, chamei uns amigos
acessos de ternura para com os seus talento de um gênero antigos, bem fora do círculo punk, mas que
ao mesmo tempo em que pragueja tinham raiva no coração, moravam na periferia
contra o mundo; tempera seu e o caralho. O problema começou quando a
conhecimento de mundo típico banda começou a ser levada a
de estudante de História com sério pelos outros. A coisa
discursos niilistas contra tudo foi para um lado que nunca
e todos; reconta a vida de seus se quer – me escreveram
pares com um esmero que falando umas paradas
dá às situações mais pesadas etc. Sei lá se é
impossíveis verdade e esse o sentido da coisa. Sei
profundidade; chama que pelas músicas somos responsáveis.
a atenção pelo aspecto
corpulento e marcado Você me falou que tava numas de fazer um
por tatuagens horrendas (“Porra, sabe qual som mais emo...
meu apelido? Porta de banheiro – meus alunos igualmente nevrálgico, no caso de Zé Ah, mano, uns chamam de emo, eu chamo
falam que eu sou grande e todo riscado”). Tudo Ulisses – guitarrista exímio, cronista de reflexão. Tô a fim de pensar um pouco,
nele é hiperbólico e parece empurrá-lo adiante dileto da sarjeta e da desesperança principalmente sobre o que e como dizer
numa espiral que junta rancor, desesperança e vocalista de timbre rasgado e algumas coisas. Acho que um monte de
e um tanto de reflexão. A seguir, com raras decidido –, o imaginário construído coisa tem de ser desconstruída, falando
intervenções, o que se tem é a teogonia de Zé ao redor de si mesmo importa mais especificamente sobre a cena punk. Tá tudo
Ulisses, contada por um dos velhos de câncer do que a averiguação concreta muito bonito, e o bizarro é que vejo gente
típicos de certa classe média urbana que dos fatos, da mesma forma como muito mais tranqueira na igreja do que no punk.
subverteu apatia e alienação em algo muito ninguém se importou por muito
superior: música sincera e inspirada. tempo com o passado construído Ficou fácil, né? “Vamos imitar as bandas skate
por Joe Strummer. Narradores de punk, fazer como as bandas de Washington,
Conta aquela história do seu irmão mais velho, suas próprias vidas, esses tipos tocar punk 77...”
primeiro desajustado, depois crente... de músicos dão eles mesmos a Porra, mano, o lance tá ridículo! Tá na hora da
Pô, cara, meu irmão sempre foi um cara dimensão de quão pertinente é a cena punk acabar e começar outra coisa. A
totalmente perdido. Desde que minha mãe performance de seus discursos. 1 mensagem do punk foi passada e hoje virou um
morreu, ele ficou malucão, começou a usar estilo de vida. Me sinto tão deslocado em show
droga e o escambau. Ele foi tudo: clubber, punk quanto em um emprego de terno e gravata.
skin, rockabilly, regueiro, do hip-hop. Daí um
dia tava muito louco e acabou parando numa Duvido que haja lugar na alma de um evangé-
igreja, onde tá até agora. Só que a parada foi E aquilo de ser o gordinho bobo da escola etc? lico pra "raiva espiritual"...
maluquélvis. Meu irmão é daquelas pessoas Eu moro do lado da minha antiga escola de Lógico que não. Mas em show de hardcore
que são conhecidas pelo nome na Cidade Baixa primeiro grau. Eu era gordinho, é aquele lance: você acha que tem? Eu não!
(bairro boêmio da capital gaúcha), de treta e o pai durão, sem mãe e irmão doidão. Então era um
caralho-a-quatro. Faz três anos isso, mas rolou saco, só que eu era um pouco grande pra minha Então pra quem é o som do Velho de Câncer?
muita treta. Pra ter noção, até eu tô lendo a idade. Dai a única coisa que me deixava feliz Eu não sei mais, cara! Não faço a mínima
Bíblia – mas fique tranquilo, é pra sacar o barato. era ouvir Misfits no walkman. E, se os moleques ideia de quem é nosso público. Quem vai nos
A esposa dele morreu há duas semanas, minha na escola eram playboys, eu ia ser punk. Mas shows aqui são nossos amigos – é algo pela
melhor amiga, e adivinha de quê? CÂNCER! Daí na minha escola ocorreu o oposto de filme de camaradagem e cerveja compartilhada. A única
vi que quem tava com ele nessa parada era nego sessão da tarde: uma vez foram “porrar” um coisa que sei é que é a minha última banda
com Bíblia na mão e amizade no coração. Os colega meu, viadinho, e eu fiquei puto, soquei punk! A parada ainda não teve um fim, porque
anarcorockers, revolta mamãe-com-Nescau, que uns moleques e enfiei a cabeça de um deles na acho que musicalmente ainda tem algo pra
eram os caras que colavam com ele, no máximo privada. Daí os nerds da escola acharam foda, e a fazer. Vamos gravar algo entre março e abril,
foram ao velório, e de má vontade. Hoje meus gente criou uma gangue de gente torta e zoada. temos sete sons novos. 3
amigos são na maioria crentes, mas, pô: quero
dar risada e andar com gente que não bate nas Você tocou em outras bandas. O que te levou
costas e depois te passa o rapa na esquina. ao Velho de Câncer?
Tinha acabado de chegar de Curitiba, onde
Por Arthur Dantas morei um tempo, passava desgosto, boa parte 2saiba mais
Foto por Daigo Oliva por rolos com amigos e garotas. O que ligava myspace.com/velhodecancer
82 83
+quem soma . Mônica Nador . Por Marina Mantovanini
84 85
Quando foram lançados os bonecos?
Esses bonecos foram lançados no EUA em
1964, mas só chegaram aqui, pela Estrela, no
final da década de 1970. O cabelo “flocado” foi
um diferencial.
coisas que gostamos de guardar 2mentalozzz e ouriço sofrem de síndrome do pânico e atuam na censura televisiva.
86 87
Se os DJs podem navegar pelas suas coleções de música
e se divertir colando trechos de canções, por que quem
tem conexão com a palavra não pode fazer algo assim
também? Inspirado pelo documentário Scratch, ouvindo
Endtroducing, do DJ Shadow, e sem a menor habilidade Em vez de browsear música, fui pra outra estante e comecei
pra toca-discos, CDJs (ou pra escrever um romance), a buscar trechos de livros que eu pudesse fazer fluir juntos. Não há perdas em escrever: faz seus dedos do pé rirem enquanto você
resolvi inventar minha própria forma de mixtape. Deixei a mente solta, cortei parágrafos e fui mixando... dorme, faz você andar como um tigre; ilumina seus olhos e coloca você
O resultado está aí. Vamos ver se funciona… 1 frente a frente com a Morte. A sorte da palavra. Vá com ela, mande-a. Seja
o Palhaço das Trevas. Morte é ausência definitiva. Tomei consciência desse
storymixtape
2gustavo mini escreve em fato aos quatro anos de idade, depois de ter ficado órfão. Estava sentado à
oesquema.com.br/conector mesa do café-da-manhã, encolhido por causa do frio. Minha avó espanhola,
de vestido preto, vigiava o leite no fogão de costas para mim.
.1
insuportável. Conviver com a impressão de que ela nos espreita é tão an-
gustiante que organizamos a rotina diária como se fôssemos imortais, e ain-
da criamos teorias fantásticas para nos convencer de que a vida é eterna.
Ilustração guilherme dable Nada transforma tanto o homem quanto a constatação de que seu fim
Eu adoro música. Música profunda e clara, música com alma e suingada, mú- pode estar perto. Existe acontecimento comparável? Um grande amor? O
sica com melodias inspiradoras e harmonias acolhedoras. Música hipnótica, nascimento de um filho? Pior, muito pior do que as escandalosas tempesta-
cheia de elementos etéreos, que te transporta para outros universos. Música des eram os momentos de tensão e expectativas provocados por traiçoei-
dinâmica e dramática com uma orquestração rica, daquelas clássicas ou en- ras calmarias, quando as águas calmas e o vento morto traziam consigo a
tão das que fazem parte da trilha sonora de um filme. certeza de mudanças no tempo e de mar agitado pela frente.
Às vezes, é difícil definir o que é que realmente faz de uma música algo tão Muitas pessoas me disseram que admiram Chris pelo que ele estava ten-
evocativo e emocionante. Talvez seja apenas a sua honestidade, através da tando fazer. Se tivesse sobrevivido, eu concordaria com elas. Mas isso não
qual o compositor conseguiu traduzir emoção em estado puro, sentimentos aconteceu e não há como trazê-lo de volta. Não tem conserto. Não sei se a
ou ideias em ondas sonoras. Como ouvintes, nós re-traduzimos as ondas gente supera esse tipo de perda. O fato de que Chris se foi é uma dor aguda
que saem dos alto-falantes novamente em ideias, sentimentos ou emoção que sinto todos os dias. É realmente duro.
em estado puro. Cientificamente falando, isso tudo é apenas transferência
de energia. Mas eu sei que é mais do que isso. No esquema de coisas de Alguns dias são menos ruins que outros, mas todos os dias pelo resto de
Kathy Torrance, havia um desdém especial reservado para o cantor. Ela o minha vida vão ser duros. Quando a música terminar, apague a luz. Porque
via como um fóssil vivo, um sobrevivente inoportuno de uma era anterior, a música é um amigo muito especial.
menos evoluída. Ele era ao mesmo tempo maciça e insignificantemente fa-
moso, dizia ela, da mesma forma que era maciça e insignificantemente rico.
Kathy considerava a notoriedade um fluido sutil, um elemento universal,
como o flogisto dos antigos, algo disperso uniformemente no momento da
criação por todo o universo, mas com tendência a aglutinar-se, sob condi-
ções específicas, em torno de certos indivíduos e suas carreiras.
88 89
+reviews
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+reviews
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+especial
MELHORES 2Melhores Discos Nacionais . Marcelo Viegas (Cemporcento Skate)
DE
She Science . Wry
E não há tempo para mais nada! 2009 foi definitivamente pro saco, e pra gente Trilha Sonora Intuitiva . Fotograma
aqui vai deixar muitas saudades. Quer saber por quê? Então vai fundo nas Money . Money
listas de melhores do ano do staff e dos colaboradores da +Soma. 1 Granada . La Carne
2009
(H)our . Barfly
94 95
+especial
MELHORES
DE 4Melhores Discos . Daniel Tamenpi (Jornalista e Músico) 2Melhores Documentários . Lucas Pexão (Fita Tape)
2009
Inspiration Information 3 . Mulatu Astatke & The Heliocentrics RE:BOARD . Sesper. (Ele também fez o do Garage Fuzz, que tá foda)
Strange Arrangement . Mayer Hawthorne Beautiful Losers . Aaron Rose
Jay Stay Paid . J Dilla TRANSFER . Antônio Ternurinha (inédito)
Tradition In Transition . Quantic And His Combo Barbaro Captured (Clayton Patterson) . Ben Solomon e Dan Levin
Vagarosa . Céu Ashes of American Flags (Wilco) . Brendan Canty e Christoph Green
4Melhores Shows do Espaço +Soma . Fernando Martins (+Soma) 2Melhores . Edu Lopes (+Soma/A Filial)
Kiko Dinucci + Thiago França + Sérgio Machado Flamengo campeão brasileiro de 2009
P.U.T.S. Sábado Finalizar o ano com a taxa de juros (selic) na casa de 0,60%.
Nathan Bell Recuperação do MCA (Beastie Boys), que teve câncer.
Porto Show do Kiko Dinnucci no Espaço +Soma
SP Underground Batalha de solo do Chris Cole vs Dennis Busenitz no The Batttle at the Berrics
4Melhores . Mateus Potumati (+Soma) 2Melhores da Política no YouTube . Alexandre Boide (+Soma)
Show . Dirty Projectors no Goiânia Noise José Serra explica a gripe suína de forma precisa e didática (bit.ly/Vk7gF)
Disco . Merryweather Post Pavillion . Animal Collective Gilberto Kassab faz piada sem graça sobre o desabamento da obra do metrô paulista (bit.ly/8Om0Sy)
Quadrinhos . Sábado dos Meus Amores . Marcello Quintanilha Yeda Crusius toca fogo na cuia e quase é engolida pelas chamas (bit.ly/24mFww)
Livro . O Resto é Ruído . Alex Ross Sérgio Cabral mostra todo o seu gingado no baile funk (bit.ly/7zfRIi)
Revelação . Emicida José Serra lança slogan da chapa com José Roberto Arruda: “vote num careca e ganhe dois” (bit.ly/6Ysjj8)
4Melhores . Tiago Mesquita (Crítico de Arte) 2Melhores Surpresas . Janaina Felix (Tangerina)
Um dos melhores dias da minha vida . Minha defesa de mestrado Lei Anti-Fumo
A volta do Grupo Imbuia . Muita emoção para os pousoalegrenses Show do Onda Vaga no Niceto, em Buenos Aires
Fazer o Blog do Guaciara com o pessoal mais legal do mundo Christoph Waltz em Bastardos Inglórios
Exposição do Robert Wilson Voom Portraits no SESC Pinheiros In And Out of Control . The Raveonettes
“Once Upon a Time”, trabalho de Steve McQueen no Inhotim Publicação de Retalhos (Craig Thompson) no Brasil
4Melhores Discos . Rodrigo Brasil (+Soma) 2Melhores Discos . Debora Pill (Fortes Villaça)
Woods . Songs of Shame Uhuuu! . Cidadão Instigado
Death . ...For the Whole World to See Sem Nostalgia . Lucas Santanna
Kurt Vile . Constant Hitmaker / God Is Saying This to You Iê Iê Iê . Arnaldo Antunes
Bowerbirds . Upper Air No Chão Sem o Chão . Rômulo Fróes
Cass McCombs . Catacombs Vagarosa . Céu
4Melhores . Rodolfo Herrera (+Soma) 2Filmes Que Marcaram 2009 . Alexandre Charro (+Soma)
Jogo . Call Of Duty - Modern Warfare 2 O Inferno de Clouzot (2009) . Serge Bromberg e Ruxandra Medrea
Disco 1 . I’m Going Away . The Fiery Furnaces The Wild Blue Yonder (2005) . Werner Herzog
Disco 2 . There Is No Enemy . Built to Spill Anticristo (2009) . Lars von Trier
Filme 1 . District 9 . Neill Blomkamp Stalker (1979) . Andrei Tarkovsky
Filme 2 . Funny People . Judd Apatow Salò (1975) . Pier Paolo Pasolini
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DE DE DEZEMBRO ATÉ DE JANEIRO De terça a sábado das 12 às 20h 11 3031 7945 De terça a sábado das 12 às 20h 11 3031 7945