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QUANDO FALTA FÉMarcos Alexandre

ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

LÁGRIMAS
DE ANJO

MARCOS ALEXANDRE
Lágrimas de Anjo
QUANDO FALTA FÉ ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

LÁGRIMAS
DE ANJO

P
MARCOS ensei em fugir,
mas uma legião
ALEXANDRE já havia me
é roteirista e cercado. Um entre
apresentador de incontáveis caídos.
programas de TV, ‘O que vai fazer?
professor, escritor,
compositor e
O que quer de mim?’
acumula mais de 10 anos de gritava, já desesperado,
experiências vividas nas redações enquanto incontáveis
de grandes jornais e assessorias de mãos me agarravam.
imprensa como repórter e editor-chefe. Aproximando-se
Leitor voraz e orador apaixonado, seus
textos, apresentações e palestras
cuidadosamente,
entusiasmam graças ao uso de uma o Primeiro Entre os
técnica moderna, que adapta elementos Caídos encostou seus
eruditos à linguagem popular para lábios em meu ouvido
transmitir conhecimentos e e sussurou: ‘Eu quero
desmistificar, com muito bom-humor,
conceitos e temas complexos,
suas asas!’ O pânico
polêmicos, mas sempre atuais, e o horror me
como fé, religião, sentimentos inundaram e, num mar
e comportamentos sociais. de vertigem, ouvi a
ordem: ‘Arranquem !!!’”
Marcos Alexandre

QUANDO FALTA FÉ ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

LÁGRIMAS
DE ANJO
MARCOS ALEXANDRE

Editora Questão
Lágrimas de Anjo

Agradecimentos:

Ao Deus único
A Cristo Jesus
Ao Espírito Consolador
À minha esposa Rosely e aos meus filhos Suellen,
Alexia Morgana e Marcos Filho
Aos meus pais, minha família e
A todos que me incentivaram a continuar meu trabalho

Capa:
MAX - Marcos Alexandre- Consultoria em Comunicação
Foto do autor: Jovino - Ilustrações: Marcos Alexandre

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pesso-


as vivas ou mortas, locais, situações e instituições
é mera coincidência

Todos os direitos reservados.


Proibida a reprodução,
por qualquer meio conhecido ou a ser desenvolvido
sem a prévia autorização do autor,
exceto para fins de divulgação, desde que citada a fonte.
Marcos Alexandre

Prólogo

L
ágrimas do Anjo é um livro despretencioso,
que não tem como objetivo provar ou negar
a existência dos entes sobrenaturais conhe-
cidos como “anjos”. No entanto, o livro é uma ficção romance-
ada baseada em fatos reais, descritos e narrados por pessoas
que estiveram direta ou indiretamente envolvidas nos aconteci-
mentos.
O livro é uma metáfora, uma parábola, um mosaico,
no qual um homem comum se vê diante do sobrenatural e um
ente sobrenatural, por sua vez, redescobre a grandeza contida
em partilhar do destino da humanidade.
Apesar de falar sobre “Deus”, “anjos”, “demônios”,
o livro não é recomendado a “carolas”, religiosos fanáticos e
rançosos, fariseus encruados e falsos moralistas. Até porque
um dos principais personagens fala palavrões, (dane-se que seja
politicamente incorreto) bebe, fuma e não tem pudores em
mostrar seus defeitos. É um homem que tem, ao menos, uma
grande qualidade: é autêntico.
Lágrimas de Anjo

O anjo, por sua vez, desmitifica a imagem criada


pelos poetas, sábios e pseudo-angelólogos. É um anjo verda-
deiro? Ora quem viu, ouviu ou falou com um anjo? Eu? Você?
Eles? Julgue como achar melhor, caro leitor. Mas seja condes-
cendente. Com o escritor, com o anjo, e comigo, o autor. Leia,
aprenda e retenha o que julgar bom.
Caso não concorde com as colocações dos perso-
nagens, pegue a caneta e escreva a sua versão. O mundo ainda
aguarda o surgimento de um novo Shakespeare, outro Balzac...
e ele pode ser você.
Boa leitura.

Marcos Alexandre de Lima Oliveira


Marcos Alexandre

Considerações

“As crianças, quando morrem até os sete anos de


idade (inocentes) transformam-se em anjos”

Crença popular

“Crianças, quando morrem, não se transformam


em anjos. Tornam-se demônios quando crescem, dependendo
do exemplo dos pais”

Prior Augustini Dominic Frazzelli

“Nós não acreditamos em anjos. Nós não acredi-


tamos em demônios. Nós acreditamos na natureza humana”
Trecho da profissão de fé dos membros da
Igreja do Sangue Púrpura (The Purple Blood Church -
Wisconsin - USA - Tradução livre de Iesion Nascimento)
Lágrimas de Anjo

“Quem pode provar que já viu, ouviu ou falou com


um, digamos, anjo? Tudo isso não passa de especulação,
charlatanismo, mistificação”
César Moraes Cardoso - sociólogo

“Quando se acende uma vela (branca) para o


anjo da guarda, não se deve esquecer de colocá-la em um
local mais alto que a pessoa que oferece a vela. Isso é para
que a proteção comece de cima para baixo, da cabeça para o
corpo. Também não se deve acender duas velas, para dois
anjos da guarda diferentes. Um vai disputar a luz do outro.
Ou seja, se uma mulher e um homem acendem suas velas,
lado a lado, a proteção de um pode ser “roubada” pelo outro
anjo, já que existem anjos com poderes e características
diferentes.”
Marinho de Omulu - babalorixá do terreiro
Sete Flechas - Salvador - Bahia - Brasil

“Mercúrio ou Hermes Trimegisto, na mitologia


greco-romana, poderia ser considerado um arquétipo legítimo
da figura clássica do anjo. Partindo do princípio que o anjo é
um mensageiro do Deus dos cristãos (e dos judeus também) e
Hermes era o mensageiro dos deuses pagãos, as duas figuras
podem ser colocadas lado a lado, pelo menos em termos
comparativamente mitológicos.”
Dr. Phillip Worms - PhD em História Antiga e
Medieval - Oxford - (Tradução de Elias Vieira - Editora
Century)
Marcos Alexandre

“Gostaria de matar um anjo, se é que isso existe.


Seria um prazer arrancar pena por pena aquelas asinhas,
ouvir os gritos de um pulhinha daqueles e brincar com suas
tripas, só pra ver se são parecidas com as entranhas huma-
nas. Pena que dizem que eles não têm sexo. É que a diversão
só fica completa com um bom estupro”
Willian Moebs-Staller - prisioneiro no Centro
Correcional Estadual de Yorkshire - Inglaterra - UK.
(Staller foi condenado a 162 anos de prisão pelo estupro
e assassinato de oito mulheres, de 1972 a 1975. As
vítimas eram enterradas sob o assoalho de sua casa.
Staller foi preso graças a uma denúncia, através de um
telefonema anônimo. O informante disse à polícia britâ-
nica que era um “anjo”)
Extraído da Revista Crime & Castigo nº 65 -
Editora Magnum - Rio de Janeiro - Brasil

“Considerando que Deus enviou Jesus para salvar


os homens, e ao que tudo indica estes foram criados posteri-
ormente aos anjos, que alternativas teriam sido oferecidas
aos primeiros entes criados pelo Pai, quando esses se rebela-
ram contra o Altíssimo?”
Reverendo James North - Igreja da Graça
Sagrada (Holy Grace Church - Califórnia - USA) (Tradu-
ção de Sandra Ramos)
Lágrimas de Anjo

“Os anjos não tinham o direito de pecar. Eram


perfeitos. Conheciam a Deus face a face. Já o homem, mes-
mo tendo sido criado “perfeito”, teve a “desvantagem” de
receber um corpo físico e a inocência. Dois fatores que talvez
tenham facilitado sua queda. Não que Deus tenha errado na
Criação. Talvez fosse exatamente esse o Plano de Deus:
Criação, Queda e Redenção.”
Nasra Najla Tabach - Estudiosa sobre os
assuntos relacionados à angelologia. Muçulmana con-
vertida ao cristianismo.
Marcos Alexandre

Possessão

E
zequias gritava como
um porco e espuma
va como um cão
raivoso e dois diáconos tentavam
segurá-lo. Tentavam impedir que ba-
tesse a cabeça nos bancos. O corpo,
um pedaço de pau, parecia quebrar-se
a cada espasmo. “Ele é-é meu !!! Ele é
meu !!! Pelo amor de D...
aaarrrrghhh!!! Me ajuda !!!! Me Ajuda
!!!”. Eram duas pessoas, duas perso-
nalidades distintas que lutavam para
manter o controle sobre aquele corpo
debilitado. Se continuasse daquele
jeito, Ezequias teria um ataque, um
enfarte...
Assustados, alguns
“irmãos”procuravam se afastar para o
Lágrimas de Anjo

mais longe possível. O pastor da igreja, Geraldo, um rapazote


imberbe, na faixa dos trinta anos, aproximou-se e começou a
ordenar que o demônio saísse daquele corpo. Geraldo suava
e manchas já apareciam em seu paletó, sob as axilas. Infeliz-
mente, o que ou quem estivesse possuindo Ezequias, não
estava disposto a obedecer a nenhuma ordem.
Deixei de lado minha posição como observador e
decidi entrar no conflito. Procurei um canto da igreja, dobrei
os joelhos e fingi estar orando para que aquela pobre alma
fosse “libertada” de seu mal.
Contato. Como sempre, senti vontade de vomitar.
Invadir a mente de um mortal fica mais doloroso a cada
tentativa. Ás vezes, amaldiçôo este dom. Comecei a sentir a
dor de Ezequias aos poucos. Segundos depois, quase não
suportava mais. As memórias dele passaram a ser minhas e
eu vi a enrascada em que ele havia se metido.
Ezequias sempre fôra ambicioso. Até demais.
Comerciante, dono de um pequeno mercadinho, decidiu
procurar “ajuda” no sobrenatural. Daí para as velas pretas,
marafo e galinhas mortas foi um pulo. Meses mais tarde,
havia adquirido uma pequena papelaria e cogitava expandir
sua mercearia, construindo um grande supermercado no lugar.
Mas ele queria mais.
Em uma das sessões de feitiçaria, invocou uma
entidade que identificou-se como sendo o próprio Satã. É
óbvio que não era o Adversário, o Primeiro Entre os Caídos.
Apenas um mequetrefe qualquer se passando por alguém mais
importante...
Marcos Alexandre

Foi selado o pacto de sempre. Riqueza. Poder.


Fama e fortuna em troca de uma simples alma, com a cláusula
especial de que a de Ezequias seria requerida quando com-
pletasse seu quadragésimo aniversário. Plano standart. Pare-
cia aqueles planos de financiamento: “Compre agora e pague
depois. Com juros”. Agora, aquele demoniozinho resolvera
cobrar a dívida. Dentro de uma igreja evangélica e em pleno
culto cristão. Que merda !!!
Até que Geraldo estava fazendo tudo direitinho.
Ordenava “em nome de Jesus” que o demônio deixasse aque-
le corpo, tinha verdadeira fé naquilo que pregava no púlpito,
diante dos fiéis, mas desconhecia o pacto, e mais: que o
demoniozinho não havia simplesmente “invadido” aquele
corpo. Fôra convidado a entrar. Achava que tinha “direitos” e
não iria sair tão facilmente.
No plano físico, já havia se passado três horas.
No culto, interrompido pela interferência demoníaca, resta-
ram apenas uns dez ou doze fiéis orando, ajoelhados, pedin-
do ajuda a Deus para aquela pobre alma, e os dois diáconos,
além do pobre pastor Geraldo, pingando de suor e rouco,
tentando conter os espasmos de Ezequias, insistindo em
ordenar que o demoniozinho saísse dele. Passando por um
dos irmãos em oração, tentava descobrir a chave para o
enigma: Por quê reclamar uma alma com tanta pressa, tanta
urgência, e dentro de uma igreja, se expondo daquela forma?
A resposta só poderia ser uma: Ezequias fôra até a igreja
tentando anular o antigo pacto da única maneira possível :
acertando um novo pacto. Desta vez, com Deus. Só parece
Lágrimas de Anjo

que não houve tempo...


Fiz minha mente retornar ao plano físico e me
aproximei de Ezequias, que começara a urinar e defecar nas
calças. Já revirava os olhos e balbuciava pedidos de socorro
intercalados com os gritos de um possesso (Desculpem o
trocadilho, mas não resisti...). Pastor Geraldo, ensopado em
suor, com o hálito azedo de tanto gritar, pediu-me que voltas-
se ao meu lugar e continuasse em oração. “Esta casta de
demônios só sai com oração e jejum, meu irmão. Sente-se,
volte a orar e nos ajude”, pediu, repetindo as palavras de
Jesus e tentando dissimular seu incontido nervosismo.
Li seu pensamento naquele instante: “Nunca de-
morou tanto... nunca foi tão difícil... será que...” Ele começa-
va a aproximar-se perigosamente do abismo da dúvida.
Dispensei sua atenção, ignorei os gritos de Ezequias e per-
guntei seco a um dos diáconos, a quem, no início do tumulto,
chamaram de “irmão de sangue” do possuído: “Quando
Ezequias nasceu?”. “Quando... ora... que pergunta !!!” res-
pondeu, irritado e surpreso, sem tirar os olhos e as mãos do
irmão possuído e espasmódico. Geraldo me ignorou, por sua
vez, e continuou a gritar com o demônio.
“Em que dia e a que horas ele nasceu?”, perguntei
novamente. “Não sei!!! Não sei, oras !!! Não vê que ele
‘tá morrendo !?! Alguém chame uma ambulância, pelo amor
de Deus !!! Ai, meu Deus... se eu soubesseque ia dar nisso
não tinha convidado ele pro culto...”, dizia, desesperado.
“Em que dia e horas ele nasceu ?!?”, insisti, deixando a
Marcos Alexandre

delicadeza de lado, mesmo sob pena de comprometer meu


disfarce, agarrando o pobre religioso pela gravata. “S-sei lá...
minha mãe diz que ele foi o único dos nossos irmãos a nascer
à noite... e-exatamente à meia-noite... de 30 de outubro”,
respondeu, com os olhos arregalados. Olhei para o relógio.
Faltavam dois minutos!
“Ezequias, olhe para mim!!!”, gritava com o mori-
bundo. “Você perdeu, intrometido !!! Ele já é meu !!!”, ele
respondeu, não ele, mas o demoniozinho dentro dele, fazendo
questão de rilhar os dentes e esbugalhar os olhos da vítima.
Sempre o mesmo teatro. Na falta de argumentos convincentes
ou documentos de posse, os demônios querem ganhar tudo “à
base do grito”. Confiam demais em acordos verbais...
“Me ajuda !!! Me ajuda !!!”. Era Ezequias! Ele
ainda lutava para recuperar o controle. “Isso, lute com ele!
Repita comigo: ‘Perdão, meu Deus...’”, insisti com ele. “Per-
dão, meu D... aaarrrgh! Perdão, o cacete!
Perdão...perdão...meu...D... Ele é meu !!! Você não vai tirá-
lo de mim !!!”, dividia-se.
“Escute aqui, seu merda! Você fez uma tremenda
cagada e só um arrependimento sincero e verdadeiro pode
salvar a sua pele. Se você não quiser apodrecer no inferno,
crie coragem e peça perdão a Deus, reconheça que Jesus é o
Senhor e creia que Ele pode, Ele quer e Ele vai te dar uma
nova chance. Entendeu, seu bosta ?!? Se não, cale essa boca
e deixe logo o diabo levar o que você prometeu pra ele !!!”,
vociferei.
Meu disfarce de “irmão” já tinha ido para o brejo,
Lágrimas de Anjo

mesmo... “P-Perdão, meu Deus... Deus... eu reconheço que


Jesus é o Senhor e aaaa... Meu Deus! Eu quero, p-preciso de
Jesus como meu Salvador... a... amém...”, conseguiu balbuci-
ar Ezequias. O grito do demoniozinho deve ter acordado toda
a vizinhança. Ezequias escapara por pouco. Faltavam poucos
segundos para que completasse quarenta anos. Era o ano, o
dia, a hora do pacto. Que não existia mais. Ele fizera um
novo pacto, que anulava o anterior. Aceitara a Jesus como
Senhor.
Na marra, mas aceitara. Quando a ambulância
chegou, o enfermeiro estranhou a comemoração e os gritos
de “Aleluia”. “Ele morreu ?!?”, perguntou. “Não... ele nasceu
de novo. Afinal, vocês não dizem que a vida ‘começa aos
quarenta’”?, respondi, saindo discretamente.
“O irmão volta no próximo domingo?”, perguntou
o pastor Geraldo, fazendo-me olhar para trás. “Não, pastor.
Tenho outros compromissos”, respondi, já na porta da igreja.
“Irmão, seu nome... como se chama, mesmo?”,
perguntou, enquanto eu me afastava.
“Ariel... mas pode me chamar de amigo...”

(Extraído do diário do Prior Augustini Dominic


Frazzelli - a serviço santo do Vaticano no Brasil. Supõe-se
que o caso tenha ocorrido em uma igreja protestante locali-
zada na Zona Leste de São Paulo - SP - Brasil. Até o momen-
to, não foi divulgada nota oficial da Santa Sé ou da Associa-
ção Brasileira de Igrejas Protestantes sobre o assunto. Estudi-
osos, no entanto, apresentam duas hipóteses: a primeira, de
que o Prior Augustini Dominic Frazzelli pode ter descrito essa
Marcos Alexandre

fantasiosa experiência sob a influência de remédios. A segun-


da, defendida por alguns religiosos não-ortodoxos, é de que
Frazzelli acreditava mesmo ser um anjo, ou como ele insi-
nuou em seu diário, um “ex-anjo”. O paradeiro atual do Prior
Frazzelli é desconhecido. “Ariel” é o nome de um dos anjos
citados pela Cabala Judaica) - História dos Acontecimentos
Inexplicáveis - Gérson Caruso - Editora Grion - 12ª edição)
Lágrimas de Anjo

Igreja

O
que cê acha de
“montar” uma igreja
?!?
_Montar uma o quê ?!?
_Uma igreja, cara. Uma igual
àquela que aparece na televisão...
_E para quê? Você dizia
que não acreditava em mais nada...
faltou dizer que era ateu...
_Ah, não, não sou ateu,
não! Até porque “ateu”significa “contra
Deus”. Como é que eu posso ser con-
tra alguma coisa que não existe ?!?
_ Deus não existe? Bem, se
Ele não existe, pra quê “montar” uma
igreja?
_Pra ganhar dinheiro, oras!
E pr’eu não desperdiçar dois anos de
Marcos Alexandre

faculdade de Filosofia, morou? Une o útil ao agradável !


_Você está falando sério? Isso me parece conver-
sa de botequim...
_Tá certo que a gente tá num bar enchendo os
canecos de cerveja, mas eu tô são, cara. Muito do lúcido. Se
muita gente entrou nessa e ficou rico, porque eu não posso?
_Creio que não é tão simples assim. Você está
distorcendo a situação...
_Distorcendo o cacete! O que é que se precisa
pra abrir uma igreja? Me diz, se você sabe, me diz...
_ Primeiramente, uma doutrina a ser seguida...
_Taí...na minha igreja, o principal mandamento vai
ser: “É proibido proibir!”. As mulheres vão poder cortar os
cabelos, usar calças compridas, brincos, maquiagem... os
homens vão poder usar barba, cabelo comprido, fumar e
beber cerveja...
_Isso não é doutrina - são costumes, regras mo-
rais impostas pelos homens dentro de cada grupo social ou
religioso. Não é apenas deixando de fazer qualquer dessas
coisas que o homem ganha a salvação...
_Ah, você quer saber no que os meus fiéis vão
acreditar...
_É.
_Em Deus !!!
_Qual “deus”?
_Esse aí em que todas as igrejas dizem que acre-
ditam. Um “deus” que pode tudo, ouve tudo, mas que só faz
Lágrimas de Anjo

o que lhe dá em sua santa telha. Afinal, se esse “deus” é tão


bom, como dizem, porque é que eu tô nessa merda? Duro,
desempregado e devendo até o fundo das calças?!?
_Eu deveria saber !?!
_Ah, já saquei! Cê vai me dizer que “os desígnios
de Deus são insondáveis”, né?!?... toda aquela papagaiada
que a gente já anda cansado de escutar dos crentes... Por
isso, é que eu vô montar uma igreja...Pelo menos vô ganhar
dinheiro com isso...
_Ganhar dinheiro ?!?
_Lógico! Vô cobrar o dízimo. Dez por cento de
tudo que cê ganha. Recebeu o salário, ó: dá dez por cento
pra igreja. Pra minha igreja, porque só aqui o investimento é
garantido.
_Como é ?!?
_É. Na minha igreja vai ter a “Noite do Empresá-
rio Endividado”, “Corrente do Dinheiro às Pencas”, “Oração
é Dando que se Recebe” e brevemente, “Bolsa de Ações
Sacras” e Fundo Santo de Commodities”...
_Você está louco! Quem será idiota a ponto de
freqüentar a sua igreja ? Isso é extorsão, pura e simples !!!
_ Não, senhor, isso é fé! Desde que existem
trouxas no mundo, tem que ter gente pra explorá-los. Ou
você devora ou é devorado.
_Deus...
_Está falando com o representante dEle !!! Vou
até mudar meu nome para “Irmão Zé”. Soa bem, não acha?
_E a sua igreja vai oferecer o quê, em troca de
Marcos Alexandre

todo esse dinheiro dado pelos fiéis?


_Felicidade, irmão, felicidade...
_Felicidade ?!?
_É... você vai saber que eu, quer dizer, a “Igreja
do Santo Zé”, (esse vai ser o nome) vamos utilizar seu dinhei-
ro na obra de Deus!
_E que “obra” seria essa?
_A construção de novas igrejas, irmão! Cê tá
descrente ou tá mangando de mim? Ora, cê já viu dinheiro
dado em igreja ser usado pra outra coisa? É tudo obra de
Deus, irmão...
_Falando assim, o seu “deus” deve ser o padroei-
ro das empreiteiras...
_Camarada... quer dizer, irmão (Camarada parece
coisa de comunista, e comunista come criancinha e é do
diabo. Menos o Roberto Freire. Dele eu gosto)... os templos
são pra propagar a mensagem de Deus !!!
_Hummm...
_ É... e você vai ver a festa quando a gente colo-
car à disposição dos fiéis o “Sal Santo”, a “Água Importada
do Rio Jordão”, a “Rosa Branca da Prosperidade”, “Pedaci-
nhos da Cruz do Calvário”, “Folhas das Oliveiras do Monte
das Oliveiras” e a “Arca Perdida Encontrada - Tamanho
Econômico”.
_O quê !!??
_ Cê é surdo, cara ?!? É, é isso aí! Por uma
singela contribuição você vai ter acesso a todo esse material
abençoado!
Lágrimas de Anjo

_Isso está cheirando a charlatanismo...


_ Blasfêmia, cara... blasfêmia. Cê tem que ter fé !
_ E o seu culto, como vai ser?
_Bom, pra começar, eu ponho o meu primo Jorge
pra conduzir os cânticos. Tudo bem moderninho, com rock,
reggae e até samba. É moda, cara ! O João toca guitarra, o
Marcelo, bateria, e o Gustavo fica no baixo. Minha cunhada,
a Tânia, nos teclados. Primeiro, vêm uns hinos bem lentos,
“espirituais”... depois, uns mais agitados. Quando os fiéis
estiverem em “ponto de bala”, o Jorge entra com um hino
bem meloso, bem apelativo. Quase romântico... Aí... tcham,
tcham, tcham, tcham... eu entro em cena!
_Para fazer o quê?
_Pregar, oras! Vou levar uma mensagem de uns
vinte minutos, o tempo certo pra captar a atenção de todo
mundo. Primeiro, digo que meu deus é bom, que ele se inte-
ressa por todos os presentes, que todo mundo é pecador e
que tão todos indo pro inferno. Aí, quando eles estiverem
bem baixo-astral, eu digo que eles podem ser salvos se acei-
tarem a mensagem. Bingo! É só mandar eles se levantarem e
irem pra frente do púlpito... Vô ganhar fiéis aos montes !!!
_Você não acha que isso está muito fácil? Não lhe
parece que falta algo?
_Ah, sim... também vamos ter umas sessões de
exorcismo! Uma vez por semana, eu pego emprestado o Biju,
aquele doidinho, que não bate bem da cabeça, e levo ele pro
culto. Quando eu der um grito na orelha dele, batata !!! Ele
cai duro no chão, começa a babar e tremer e eu grito pro
Marcos Alexandre

Ananás...
_Satanás...
_Esse aí mesmo, sair do corpo dele. Pronto.
Impressiono todo mundo! O problema é que o Biju mija nas
calças quando tem os ataques...
_Ainda não acredito que você esteja pensando
nisso...
_Tô pensando e vou fazer... Imagina quando
conseguir lotar o Morumbi !!!
_ Quê ?!?
_ Morumbi, cara, o do São Paulo. Vô fazer um
culto tão grande que vai lotar o Morumba. Aí, é só eu mandar
todo mundo jogar dinheiro, muletas e óculos no gramado.
_O dinheiro, tudo bem, mas para quê as muletas e
os óculos ?!?
_É prova de fé, cara, prova de fé !!! E depois, se
nenhum cegueta ou manquinho for curado, basta ele comprar
o acessório devidamente abençoado pela “Igreja do Santo
Zé”. Vai ser um sucesso !!!
_ Essa loucura não tem fim ?!?
_Não, e vai ser transmitida em cadeia nacional de
rádio e TV.
_E como você pretende fazer isso?
_Simples! Com o dinheiro arrecadado, eu vou
comprar a Globo!
_A Globo?!?
_É... e vai ser só a primeira. Depois eu vou com-
prar jornaizinhos como a “Folha do Estadão” e o “Populares
Lágrimas de Anjo

em Notícias”. As emissoras de rádio vêm em seguida. Aí, é


só por no ar meu novo programa: “Vi Zé Vindo Aqui na
Hora” !
_E que tipo de programa seria esse?
_ Ah, uma coisa inédita. É um programa de deba-
tes em que todo mundo que participa tem sua própria opi-
nião, desde que concorde com as da “Igreja do Santo Zé”.
Mas toma outra cerveja, cara. Ô Bernardo, traz mais uma
gelada aqui pro meu amigo...
_Não... já chega. Tenho outros compromissos...
_Pô, cara, cê já vai ?!? Justo agora que me bateu
toda essa inspiração? Cê pode ter um cargo na minha igreja...
menos de tesoureiro, porque essa vaga eu tenho que reservar
pra um cara esperto como o Lalau...
_Obrigado, mas eu preciso ir. Mas antes, gostaria
de lembrá-lo de algumas palavras das Escrituras: “Ai daquele
que fizer tropeçar um só dos meus pequeninos. Melhor seria
que lhe atassem uma grande pedra ao pescoço e o atirassem
ao mar”. Pense bem nisso antes de “montar” a sua igreja...
_C-claro, cara, claro... mas pra quê essa cara tão
séria? Por quê cê já tá levantando? Cê nem me disse o seu
nome...
_ Meu nome não importa. Basta saber que será
grande a queda de Babilônia. E a espada de meus irmãos
bebeu o sangue de muitos falsos profetas. Pense nisso... e
espero que não nos encontremos novamente.
_ Ei, cara...ô...Já foi... Ô, Bernardo! Suspende
Marcos Alexandre

aquela gelada e me dá uma dose dupla de conhaque... De


repente me deu uma tremenda dor-de-cabeça...

Texto baseado no depoimento de José Gonçalves


Vieira, proprietário do Bar Princesa, localizado na “Favela do
Gica”, próximo à Estação Ferroviária de Braz Cubas - Mogi
das Cruzes - Interior de São Paulo - Brasil.
Após a divulgação do texto acima, membros de
uma igreja sob a investigação da Receita Federal, do Con-
gresso Nacional e na mira de vários órgãos de imprensa,
publicaram nota pedindo esclarecimentos quanto às “insinua-
ções” na suposta conversa mantida entre os protagonistas
desta história.
Grande parte da opinião pública e várias outras
entidades religiosas, muitas evangélicas ou protestantes,
condenaram o gesto desses religiosos que, a seu ver, “vesti-
ram a carapuça” e “amedrontaram-se” diante de um texto
que, ao que tudo indica, não passa de ficção. Cotidiano -
Caderno do Jornal Espaço Livre
Lágrimas de Anjo

Natureza Humana

V
ós, humanos, sois
controversos.
Talvez por isso o
Altíssimo tenha tanto interesse em vós.
Para nós, anjos, o que não é virtude é
pecado. Vemos tudo em preto e bran-
co. Como disse o Messias, “Quem
comigo não ajunta, espalha”.
Vós, humanos, sois hipócri-
tas. Nasceis no pecado e achai-vos
dignos de julgardes a vós mesmos, uns
aos outros. Errais, mas não dais aos
outros, vossos semelhantes, o “direito”
de também errar. Nos púlpitos, altares,
lares, usais máscaras de virtude, vestis
o manto dos santos. Longe de olhos
estranhos, no entanto, vos consumis
Marcos Alexandre

em desejos proibidos. A maioria deles, proibidos por vós


mesmos.
Desejais realizar vossas fantasias e desistis de
fazê-lo porque temeis a condenação de vossa própria
“sociedade”.Homens, vós, na frente da esposa, desviais os
olhos de outras mulheres. Longe, assoviais e molestais a
primeira que vos passe pela frente.
Condenais as mães solteiras, e esqueceis as filhas
que tendes em casa. Condenais o aborto, mas não hesitais em
pagar a um “açougueiro clandestino” para remover a “semen-
te da vergonha” do ventre de uma das vossas. Proibis o uso
de meios científicos para evitar a gravidez, mas permitis que
casais despreparados encham o mundo de filhos. Dificultais o
uso de técnicas alternativas para a concepção e condenais
casais equilibrados a chegar à velhice sem filhos.
Dificultais a adoção e deixais pais sem filhos e
filhos sem pais. Proibis o casamento a alguns, forçai o de
outros, destruí a felicidade de muitos, desamparando os que
têm dificuldades, mas querem permanecer juntos. Em todo o
tempo, tudo fazeis com dissimulação e vos refugiais em vos-
sos lares, iludindo-vos com um falso senso moralista de que
“tudo fazem pelo bem da comunidade”, quando, na verdade,
sentem gozo em exercer poder sobre as vidas alheias.
Chamais de “desavergonhado” o casal que de-
monstra seu afeto em público. No íntimo, gostaríeis de ter
Lágrimas de Anjo

pelo menos uma noite de prazer com a companheira, ao invés


de passardes a madrugada perdido em fantasias que nunca
irão se realizar.
Tua mulher, aquela, pobre coitada, já há tempos
esqueceu o que é o prazer. Suporta tuas investidas, ó homem,
como uma santa suportaria o martírio: resignada. Depois,
reclamas que não és satisfeito. Não buscas o prazer da ama-
da (se é que é amada). Buscas apenas o teu. E por isso, nada
encontras.
Tu, ó homem, crias as ferramentas que te ferem, a
ti próprio. Tua mulher é enclausurada no lar, acorrentada aos
filhos e esquecida. Quando a encontras desleixada, ao fim de
um dia de trabalho, rodas nos calcanhares e vais aos bares,
prostíbulos, buscar aquilo que não cultivas em casa: uma
mulher ardente.
Tu, mulher, és culpada também. Os maiores peca-
dos cometidos contra ti são fruto de tua própria omissão.
Não foste criada para ser superior ao homem, tampouco para
ser inferior. Foste criada para ser igual ao homem.
Tu, mulher, te deixas dominar e torna-te um mane-
quim ultrapassado. Nos templos, és forçada a cobrir-te
como se fosse vergonhoso exibir tua beleza. Proíbem-te de
usar maquiagem, perfumar-te, ornar-te com brincos, cortar os
cabelos e usar outros mimos porque criaram padrões de
moral nos quais tu és sempre o motivo de “perdição”. E o
Marcos Alexandre

pior: tu acreditas nisso !!!


Tu, mulher, não és a pedra de tropeço. A pedra
de tropeço é a malícia dos que vêem pecado em cada olhar,
nas vestimentas, em tudo.
Homem maligno. Tu participas de entidades filan-
trópicas, mas buscas prazer explorando menores nos
prostíbulos. Pregas a moralidade e acabas-te em orgias.
Homem perverso. Não te satisfazes com o lucro
abusivo que obténs em teu comércio e ainda reduzes o salário
de teus trabalhadores, que são a base de tua fortuna.
Homem sádico. Usas teu poder para constranger,
seduzir e abusar as mulheres que te rodeiam. Seria oportuno
que fosses violado por marginais numa noite qualquer. Talvez
assim soubesses o que uma de suas vítimas sente.
Homem mesquinho. Seu veículo não é uma máqui-
na utilizada para chegar a algum lugar. É um meio de mostra-
res aonde chegastes.
Homem insaciável. Deixas o mato crescer em tuas
terras improdutivas enquanto famílias morrem de fome.
Homem estulto. Deixas morrer de fome os mes-
tres, os médicos, os responsáveis pela limpeza pública, os
trabalhadores braçais que te servem, as mentes brilhantes que
saem das universidades de tua nação e permites a
hipervalorização dos rendimentos de “celebridades”, muitas
delas “fabricadas” por espertalhões.
Lágrimas de Anjo

Homem pequeno. Pagas para conhecer a intimida-


de de teu irmão. Ganhas para revelar a privacidade do teu
igual.
Homem falso. Vendes tua honestidade por um par
de chinelos. Ofereces apoio a um qualquer um em troca de
dinheiro e depois ainda o chamas de corrupto. E tu?!?
Homem mentiroso. Prometes o que não podes, o
que não queres e o que não pretendes fazer para conseguir
dominar teu próximo.
Homem nefasto. Deixas teu irmão sofrer para rires
de sua miséria e deleitar-te com a súplica de teu igual. Quan-
do “socorres” teu irmão, o fazes apenas para passar-te por
“benemerente” e receberes homenagens.Te satisfazes com
isso, e depois, às escondidas, lanças no rosto de teu irmão
cada migalha oferecida.
Homem hipócrita. Lanças fardos, que tu mesmo
não suportas carregar, sobre as costas de teu irmão. Tens
dois pesos e duas medidas para julgares. Caráter, necessida-
de, talento, tudo isso é nada para ti. Dinheiro, aparência,
vantagens... isso é o que te atrai e te motiva.
Homem mau. Deixas o órfão e a viúva sucumbirem
à fome enquanto gastas ou permites que sejam desperdiçadas
fortunas em armas de morte. Financias tuas guerras com
sangue alheio. Mandas para morrer os filhos que não são os
teus. E guerreias por tudo. Tens a ousadia de criar a “Guerra
Marcos Alexandre

Santa”. Guerreias até em nome de Deus. Quando vences,


“agradeces” ao Altíssimo por terdes conseguido matar teus
irmãos. Quando perdes, O amaldiçoas.
Homem procastinador. Corrompes os
ensinamentos do Mestre distorcendo Suas palavras. Obténs
poder e dinheiro ensinando mentiras e abusando da fé alheia.
E não o fazes apenas com os ensinamentos do Filho do
Altíssimo. Ensinamentos de Buda, Maomé, Confúcio,
Prabhupada e outros tantos, também são distorcidos. Tudo
para justificar tuas chacinas, animosidades, guerras, ódios e
medos.
Pobre homem. Justo tu, que entre todos és, abai-
xo de Deus, o rei da Criação. Conquistaste os animais, sub-
jugando-os a todos. Domas a natureza a cada instante. Ven-
ceste inimigos no microcosmo e avanças na cura de doenças
as mais diversas. Tens inteligência tal que com ela conquistas-
te o espaço. Daqui a pouco tempo, não me surpreenderei
com colônias humanas na Lua, em Marte ou até em outros
sistemas solares...
Conquistaste os mares e também não será novida-
de cidades construídas sob o abismo. Prolongaste e prolon-
gas a cada dia tua existência sobre a terra. Tuas obras te
conferem a imortalidade. Teu potencial é infinito. Crias mara-
vilhas, e assim, provas a todos os seres do universo que és a
obra-prima do Criador. No entanto, com a mesma facilidade
Lágrimas de Anjo

que crias, também destróis. A natureza, os animais, tudo


sofre com com a tua ignorância. Acorda, homem !!!
Acorda, desperta! Tu, e somente tu, tens as cha-
ves da tua libertação, da verdadeira satisfação. Mira-te no
espelho e reencontra-te. “Conhece-te a ti mesmo”, seguindo
o conselho de um de teus sábios irmãos. E vê que apesar de
seres um universo (cada ser é um universo), teu equilíbrio é
fácil de alcançar. Basta buscar a simplicidade em cada coisa.
Para entender a complexidade da vida, a única
saída é ser simples.
É mais simples conversar direto com o Altíssimo,
em oração, que buscar auxílio de intermediários.
É mais simples aceitar o sacrifício e o exemplo do
Cristo que tentar justificar-se a si mesmo, através de penitên-
cias.
É mais simples dar vazão aos instintos naturais de
vida (bondade, paz, alegria e outros), que ceder aos instintos
de morte e destruição. (Pense: preparar e perpretar maldades
dá mais trabalho...)
É mais simples cuidar de teus próprios problemas
que esquadrinhar os problemas alheios.
É mais simples amar sem reservas que construir
barreiras em nome da auto-proteção.
É mais simples trabalhar para obter sucesso que
roer-se a vida inteira de inveja do sucesso alheio.
Marcos Alexandre

É mais simples educar as crianças que punir os


adultos mais tarde.
É mais simples buscar o fim da miséria que tentar
esconder-se dos miseráveis.
É mais simples (e acredite, eu sei o que estou
afirmando) ser humano que tentar ser um anjo... ou um demô-
nio.
(Homilia preparada pelo Prior Augustini Dominic
Frazzelli - a serviço santo do Vaticano no Brasil. Uma cópia
deste texto foi obtida por um agente que investiga o desapa-
recimento do religioso. Se Frazzelli tinha ou não intenção de
divulgar esta estranha súmula moral, não se sabe. O texto
acima foi incluído neste livro por sugestão do autor, dada as
implicações de Frazelli no chamado “Caso do Anjo”. Nota do
Editor)
Lágrimas de Anjo

Sombras

T
erceiro copo. Esse
troço é horrível !!!.
Aquele desgraçado
do Sérgio me enganou. É a segunda vez
que ele me vende uísque vagabundo.
Paraguai, com certeza. Merda!”, pra-
guejei.
A frustração não se devia,
sinceramente, à qualidade duvidosa do
uísque. A verdade é que eu estava
sofrendo de um tipo de “bloqueio
literário”. Em uma das minhas últimas
viagens em busca de inspiração - e
sobretudo, para desanuviar a mente, na
tentativa de esquecer minhas perdas
recentes -, ouvi a história triste de um
fazendeiro, na realidade, um pecuarista,
e a tragédia que se abateu sobre ele.
Marcos Alexandre

Dedidido a esquecer minha própria tragédia e


administrar minha vida e carreira em ruínas, decidi transfor-
mar em um livro a história do fazendeiro. Cheguei mesmo a
me reconhecer, guardadas as devidas proporções, na figura
que perdera tanto que talvez nunca se recupere totalmente.
Uma tragédia grega. Como a minha. No entanto, mesmo que
tenha tentado ser prolixo e “encher linguiça” como manda o
“manual”, já que muita gente compra livros pela “grossura” da
lombada, para sair exibindo por aí que está “lendo um livro” -
deviam vender a quilo... self-service... acerte o peso e pague
apenas metade... não dava... O sofrimento de algumas perso-
nagens não me permitiu “esticar” a história como gostaria, e
como deveria, para poder apresentar um “livro” para o
Jorge. Com toda a razão, ele até poderia gostar da história,
mas iria mandar eu enfiar um “simples conto”, uma
“cronicazinha” dessas no meu rabo!
Quatro da manhã e ainda não havia conseguido
escrever mais nada que pudesse ser acrescentado ao “conto”,
como Jorge certamente reduziria meu “projeto de livro”. O
cesto de lixo não aceitava mais os refugos de mais uma noite
insone e improdutiva. As personagens já haviam criado vida,
me manipularam para que eu escrevesse a história, na medida
e da forma como gostariam que ela fosse contada e agora me
travavam com esse “bloqueio”, impedindo que eu “inventas-
Lágrimas de Anjo

se” mais alguma coisa, que “enrrolasse” de forma costumeira


e pior: nem mesmo os nomes das personagens me foi “permi-
tido” alterar. Não que não tivesse tentado... Mas os nomes e
situações estavam por demais “corretos” para permitir qual-
quer alteração. Isso certamente seria um problema quando eu
entregasse, e se entregasse, os originais ao Jorge. Ele talvez
acrescentasse mais ofensas àquelas por eu ter estourado os
prazos novamente - e por algumas outras mágoas mais pesso-
ais -e iria mandar a Márcia, revisora, trocar os nomes das
personagens, logo de cara. Talvez ela conseguisse. Eu não...
Em uma última tentativa de ter um insight, alguma
idéia ou inspiração brilhante, ou ao menos tentar criar cora-
gem para transformar a história em ficção, rompendo com as
personagens que não me deixavam avançar além do que já
havia na tela do editor de textos, voltei ao início e comecei a
reler a história, quase me sentindo como se estivesse sendo
usado...
Marcos Alexandre

Sonho de menino

T
udo começou quando João Saldanha (que além
de nome de técnico da Seleção era fazendeiro
em Mairi, na Bahia) decidiu comprar mais um
boi reprodutor. João era daquele tipo supersticioso, medroso, até
mesmo indeciso, daqueles que precisam consultar desde horósco-
po até ciganas antes de fazer um negócio. Não que isso não tenha
dado certo até aquele momento. João deixara de ser empregado
na Fazenda Boi Guloso para ser dono de seu próprio negócio.
Nunca mais, depois de vinte anos de trabalho quase
escravo - entrara na fazenda aos 8 anos de idade, órfão de pai e
mãe - iria ficar abrindo porteira pra patrão. Principalmente para Zé
Olímpio, um homem baixo, gordo, com um grande anel de ouro no
dedo, barba e bigodes ralos, meio careca, fedido e suado. Fedido,
mesmo! Enquanto se dirigia para a feira de animais, João Saldanha
lembrava até mesmo do cheiro daquele seu ex-patrão imundo. Zé
Lágrimas de Anjo

Olímpio fedia a uma mistura de suor, fumo de rolo e estrume... e, por


não ser muito chegado a um banho - era apenas um por semana, e
sem sabonete, já que tinha alergia a perfumes - o cheiro impregnava
as roupas - sempre brancas, mas encardidas, que ele usava, junto
com as botas de couro marrom e um chapéu de feltro marrom des-
botado, que ele chamava de “chapéu da sorte”. Lembrar de Zé
Olímpio, o ex-patrão malvado e fedido, fazia João Saldanha sentir
o estômago embrulhar. E o cheiro de estrume que vinha dos cur-
rais, logo na entrada da feira de animais, piorava essa sensação.
_ João, ei, João !!! - gritou um homem alto, magro,
com um bigode fino, cabelos pretos já começando a apresentar os
primeiros fios brancos, e uma voz um tanto esgasgada, meio rou-
ca, talvez cansada de tantos anos de fumo, pinga de alambique e
carne seca com farinha. Era Dantas, capataz da fazenda Boi Gulo-
so, justo aquele inferno do qual João Saldanha lutara tanto para
sair. O homem, não contente em chamar João, que acabava de
entrar na feira de animais, se dirigia a ele em passos largos, meio
desengonçado, como que se não quisesse deixar João escapar. João
Saldanha, da sua parte, bem que gostaria de evitar esse encontro,
mas como via que não tinha como fugir, adiantou dois passos em
direção a Dantas e estendeu a mão, dizendo:
_Olá, Dantas! Conseguiu sair para dar um passeio?!?-
desengasgou, um tanto constrangido, mas tentando disfarçar a in-
segurança. Dantas, o capataz, não lhe trazia boas lembranças. João
Saldanha se lembrava do que ele era capaz de fazer para puxar o
saco do patrão. Certa vez, chegou a espremer um limão em dois
Marcos Alexandre

baldes de leite que o negrinho Davi havia ordenhado da Mimosa, a


vaca preferida de Zé Olímpio, só para ver o pobre menino levar
uma sova de cinta do patrão por ter deixado o leite azedar. E se
havia uma coisa que Zé Olímpio adorava, era uma oportunidade
para “dar uma de machão” na frente dos outros. Aquele gordo
sebento!
Bateu tanto em Davi que o menino ficou sem poder
sentar direito por uma semana...
_Pois é, João, o véio Olímpio me deixou vir aqui no
lugar dele pra escolhê uns animar... - respondeu o capataz Dantas,
com aquele português todo errado, coisa não de caipira, mas de
analfabeto que fazia questão de dizer que não precisava aprender a
ler. “Pra se dá bem na vida, moleque João, cê só precisa conhecê
dinheiro, vaca e mulhé, sô!”, dizia a João, quando ele ainda era um
garoto perdido naquele inferno que era a Fazenda Boi Guloso. Ainda
bem que João Saldanha não seguiu o conselho do capataz Dantas,
dito por uma boca suja e mole, na qual apenas dois ou três dentes
cariados apareciam. O resto parecia um túnel de carne preta, tão
preta quanto as noites em que João Saldanha, ainda menino, acor-
dava no celeiro, chorando de medo de dormir com as vacas e os
cavalos. Chorando de medo e chamando pela mãe.
Mas João Saldanha agora era um homem feito. Era até
estranho o contraste entre os dois, João e Dantas, ali, em pé, um
de frente para o outro, na entrada da feira de animais. Enquanto
Dantas era um varapau, um bambú de cutucar estrela, João Saldanha
era mais baixo, mas tinha um corpo mais proporcional. Apesar de
branco como Dantas, João parecia ter a pele mais queimada pelo
sol, e ainda jovem, apresentava uma ou duas rugas na testa - “Ru-
Lágrimas de Anjo

gas de preocupação” - costumava dizer a velha cigana Maria, ben-


zedeira que muitas vezes rezou por ele, desde a infância, até o dia
em que ele finalmente conseguiu sair da fazenda de Zé Olímpio. A
velhinha morava a seis léguas da Boi Guloso e sempre que podia,
mesmo nos últimos dias em que esteve na fazenda de Zé Olímpio,
João Saldanha ia visitá-la e pedir sua benção. João era muito dife-
rente de Dantas. Tinha calos nas mãos, tinha um ar cansado para a
sua idade. Parecia mais sofrido, mais judiado, mas ao mesmo tem-
po, tinha um ar de inteligência e de força maiores de que o homem
à sua frente. João Saldanha era mais forte. Vencera na Fazenda
Boi Guloso através de seu trabalho, sem nunca precisar puxar o
saco do sebento do Zé Olímpio.
Muito diferente de Dantas, esse João Saldanha! Antes
de conseguir fugir daquele inferno que era a Fazenda Boi Guloso,
João passou muito tempo suportando humilhações e privações, tra-
balhando com os bois de Zé Olímpio, desde a ordenha, até o aba-
te, do pasto à invernada. Todos os meses, a partir dos 10 anos de
idade, João guardava cada centavo que ganhava, dentro de uma
moringa quebrada, escondida em um canto do velho galpão. Não
que ganhasse alguma coisa por trabalhar. Zé Olímpio achava que já
estava bem pago aquele órfão, com um pão seco de manhã, um
gole de café preto e dois pratos de comida por dia. Além disso,
João, um moleque sem pai nem mãe, não poderia reclamar de não
ter onde dormir! Pelo menos podia se esquentar junto aos cavalos
e bois, durante as noites de inverno. E para o banho, sempre se
podia contar com o coche d’água da qual os cavalos bebiam.
Marcos Alexandre

Tão diferente de Dantas era João Saldanha, que ao in-


vés de entregar-se à vida rude e pobre que levava, sem ter maiores
inspirações, decidiu aprender a ler e a escrever. Doutor, sabia que
não seria. Mas achava importante saber o porquê das coisas e o
nome que se dava a cada uma das coisas que enchem esse mundão
de meu Deus! Como Zé Olímpio não permitia que seus agregados
freqüentassem uma escola (como ficou bem claro depois da surra
de chicote que João Saldanha tomara ao fugir da fazenda para ten-
tar conhecer a escolinha da Vila Patrícia, mantida pela Paróquia de
São Benedito, a doze léguas de distância), João Saldanha roubava.
Roubava sim, era uma vergonha, mas ele roubava livros, jornais e
revistas dos peões que apareciam por lá. Roubava livros dos vete-
rinários, que uma vez ou outra visitavam a fazenda. Uma vez, rou-
bou uma Bíblia de um padre que foi dar extrema-unção ao tio Pedro,
tio de Zé Olímpio. Mas ela estava toda escrita em uma língua que
ele não reconhecia. Mas era seu livro preferido. Mesmo não enten-
dendo as palavras, achava, em seu coração, que Deus talvez per-
doasse a falta por ele se interessar pela Sua Palavra.O que talvez
tenha acontecido, já que Rosinha surgiu na frente dele, com aquele
vestido de chita florido, laços no cabelo e um chinelo encardido,
cheio de pó da terra batida, em plena festa de São João, a primeira
que ele pôde ir, na Paróquia de São Benedito.
Menina-moça faceira e esperta, Rosinha era filha do
sapateiro Sebastião, homem sisudo e de poucas palavras, e da
costureira Dona Marta, fofoqueira da localidade, mas excelente
costureira. Ela é quem costurava as roupas de Rosinha e da família,
e vez ou outra pegava botões e fazia remendos nas calças e cami-
Lágrimas de Anjo

sas dos peões da fazenda. Rosinha foi o anjo da vida de João


Saldanha. “Vergonhoso”, como se dizia na época, João jamais te-
ria conversado com ela se um vento forte não tivesse levado o fo-
lheto da missa até os pés dele.
_ Faz favor de catar pra mim? - perguntou a mocinha,
com um olhar maroto, ao rapaz de camisa xadrez, calças de brim
meio curtas para o tamanho - dando a impressão de que o defunto
era menor - e botas gastas mas bem limpinhas, como se fossem um
grande tesouro. Abobado com a beleza da menina, o jovem João
se agachou para pegar o pedaço de papel e acabou deixando o
próprio chapéu cair da cabeça, naquele chão empoeirado.
_Tá aqui moça - disse meio desajeitado, entregando a
folha de papel à menina com uma das mãos e com a outra, batendo
o chapéu empoeirado na perna direita, para espanar o pó.
_Obrigada -, disse, emendando - Eu me chamo
Rosinha, e você?
_João -, respondeu, com um pigarro na garganta, e
tomando cuidado para não oitavar, alternando a voz de grave para
o agudo, coisa típica de acontecer com jovens de sua idade. Espe-
cialmente quando se está nervoso.
_Muito prazer, João - retrucou a menina, estendendo-
lhe a mão delicada que ficou suspensa no ar durante um ou dois
segundos, enquanto João tentava decidir o que deveria fazer. Por
fim, e antes que ela recolhesse a mão, dediciu estender a sua e
cumprimentou-a, apertando sua mão delicada com firmeza, talvez
demais, e por um momento sentiu vergonha por ter tantos calos nas
Marcos Alexandre

mãos machucadas pela lida com os animais. Ela sorriu, talvez per-
cebendo o seu embaraço, o que não ajudou em nada.
_ Dá pra perceber que você é do tipo caladão, igual ao
meu pai - ela arrematou, enquanto soltava sua mão, com suavida-
de e como convinha a uma moça de família. Mesmo que meio
espevitada como Rosinha.
_É que... eu saio muito pouco... respondeu, sem saber
o que dizer. “Bo-bonita festa, né?!?” - gaguejou, desviando os olhos
da menina.
_É... todos os anos eu venho aqui, desde pequena. Eu
nunca tinha visto você antes. De onde você é? - perguntou Rosinha,
os olhos fixos nos olhos de João, e com um brilho esquisito, algo
que João nunca tinha visto. “O que uma moça como essa estaria
fazendo conversando com um ajudante como eu?”, chegou a pen-
sar. Ele se sentia mal, estava meio tonto e pensava se alguém esta-
va olhando... não era possível que uma moça de família quisesse
falar com ele e saber alguma coisa sobre sua vida. Ele nem tinha
família, onde morar direito. Não tinha cavalo seu. Sua vida era se-
lar e alimentar cavalos dos outros, especialmente o alazão Tormen-
ta, do seboso do Zé Olímpio. Não havia nada para saber...
_Eu vim da Fazenda Boi Guloso... - respondeu mesmo
assim. “É a primeira vez que me deix... É a primeira vez que eu
venho...” - ele ia dizer que era a primeira vez que o deixavam sair,
assim, sozinho, sem ser para trabalhar, carregando sacos de aveia,
café, ração ou para acompanhar o gado, mas decidiu consertar a
Lágrimas de Anjo

frase para ... será que queria impressionar uma moça que nem co-
nhecia direito?
_Você trabalha lá? - perguntou Rosinha, curiosa.
_É... é... mais ou menos...
_Como, “mais ou menos”? - retrucou, inquieta. “Tra-
balha ou não trabalha?” - disparou.
_ Trabalho... é que eu também moro lá... - disse, sem
pensar direito.
_ Naquela casa grande, branca, com varanda cheia de
plantas; avencas, samambaias e azaléias? - Perguntou, ávida.
_É... hum... (João Saldanha bem que não queria men-
tir, mas sentiu vergonha de dizer que morava junto aos bois, cava-
los e jumentos. O jeito foi fazer de conta...)
_Que legal!!! - A alegria e o espanto dela o fizeram
pensar que talvez tenha sido melhor mesmo não dizer a verdade...
_ Ah, eu tenho que ir... - João emendou, já achando
que o rumo da conversa não estaria agradando...
_Ah, vai não! - disse a moça, agarrando-o pelo braço
e puxando o pobre João Saldanha rumo à barraca do peixinho.
“Antes você vai me ajudar a pescar uma prenda na barraca da
Mirtes e eu aproveito e apresento você pro pessoal da vila” -, de-
cidiu, enquanto puxava João, que nem sabia como protestar.
_ Fica pra outra vez... - tentava se desvencilhar, com
uma polidez que não parecia sua.
_ Não, não, você vem comigo. Tá vendo aquele placa
Marcos Alexandre

ali? Diz que todo mundo é bem-vindo na festa, - apontou.


_ Humm... - João apertou os olhos, como se não esti-
vesse enxergando...
_ Naquela placa ali, ali, ó. Não tá vendo?
_ Hummm... - João franziu a testa.
_ Você sabe ler, não sabe? - Rosinha disse, nem imagi-
nando a punhalada que dava no coração de João que, apesar de já
ter roubado (roubado, não, ele “pegava emprestado”) vários li-
vros, apenas reconhecia a forma das letras e palavras, mas não
conseguia juntar direito as palavras, formando e entendendo as fra-
ses perfeitamente.
_ Não é isso, é que... - João quis continuar mentindo,
como na história da casa, mas não conseguiu. Ficou vermelho e
baixou a cabeça... - “Devia ter ido embora quando pude” - pen-
sou, sem saber o que dizer.
_ Deixa de ser besta, rapaz! Não é vergonha não sa-
ber ler. Vergonha é não querer aprender!!! - disse Rosinha, com
um tom tão maternal que João sentiu sua vergonha aumentar mais
ainda. - “Vamos lá! Você vai conhecer a Mirtes e o pessoal, nin-
guém precisa saber que você não sabe ler e eu posso começar a te
ensinar, qualquer dia desses, se você quiser!” - completou.
A simplicidade, vivacidade e sinceridade da menina
quebraram João ao meio. Erguendo os olhos e se recompondo,
sentiu que alguém, pela primeira vez, estava oferecendo algo a ele,
e não parecia que era apenas para agradá-lo naquele momento.
João confiou em Rosinha. E foi conhecer a tal de Mirtes da barraca
do peixinho.
Lágrimas de Anjo

Um novo começo
D
antas não desgrudava de João nem por um ins
tante. Parecia um carrapato. Para onde quer
que João fosse, Dantas ia atrás, tentando dis-
farçar. Mas para um varapau como Dantas passar despercebido
era a mesma coisa de tentar esconder um bambu no meio de um
capinzal. Isso incomodava João Saldanha. Parecia que Dantas o
estava espionando. Mas espionando para quê? A mando de quem?
De Zé Olímpio? Mas por quê? Decidiu afastar esse pensamento da
cabeça e, enquanto examinava alguns animais, assustados com tanto
barulho de fogos de artifício, cornetas, e a gritaria dos donos e
compradores se misturando, começou a lembrar de novo daquele
dia em que conhecera Rosinha. Talvez fosse o cheiro de sanduíche
de lingüiça, ou do pernil que assava na chapa, a poucos metros,
que o fez lembrar da festa junina na Paróquia de São Benedito,
mais de uma década atrás. Ou talvez fosse o cheiro de pipoca, talvez
o mais provável, que o fizesse se lembrar daqueles bons tempos.
Marcos Alexandre

Apesar de que os pipoqueiros daquela sua época de


adolescente eram mais gordos, mais simples, e não esses
almofadinhas com uniformes coloridos e máquinas cheias de fres-
cura vendendo pipocas tingidas com anilina. Vermelhas, verdes,
azuis, com cobertura de caramelo, chocolate. Pipoca doce... ou
então salgada, mas com pedaços de queijo, bacon... “Para que tan-
ta frescura?” , se perguntava João Saldanha... pipoca boa era aquela,
só com sal, branquinha...
João estava radiante naquela noite, depois da quermes-
se. Nem se importava mais de dormir com os cavalos na cocheira.
Só pensava em rever Rosinha no domingo seguinte. Ia ter que pe-
dir permissão a Zé Olímpio e escapar das artimanhas de Dantas
para ir à missa, além de andar doze léguas a pé. Mas o sacrifício ia
valer a pena. Ele ia ver Rosinha de novo. Iria conversar com ela e
depois da missa, durante uma ou duas horas, ela iria ensiná-lo a ler,
e quem sabe, até a escrever...
E assim foi durante mais ou menos seis meses. João
aprendia com Rosinha todo final de missa, que era rezada por um
padre alemão, o Padre Schultz, e que ninguém entendia nada, não
porque o padre falasse alemão, mas é que ele rezava em latim, a
mesma língua antiga na qual a Bíblia que João tinha estava escrita.
“Por isso é que eu não entendia nada, mesmo!”, pensou, quando
Rosinha explicou-lhe o que era latim...
E Rosinha já sabia que ele não morava naquela casa
grande, na entrada da fazenda, que era órfão, um simples agregado
Lágrimas de Anjo

e que não tinha onde cair morto. E João não sentia mais vergonha
disso. Pelo contrário, essa situação o impulsionava a lutar, traba-
lhar mais ainda e economizar cada centavo, guardando tudo na-
quela moringa quebrada, no fundo do galpão velho. Afinal, um dia
ele iria ter que casar com Rosinha e dar-lhe um lar decente. Isso
mesmo, ele já estava namorando Rosinha há seis meses! E com a
permissão dos pais dela, o sapateiro Sebastião, e da costureira
Dona Marta. Que maravilha! Só a via uma vez por semana, anda-
vam pela praça do coreto, de mãos dadas, mas era o céu. Ele
finalmente tinha alguém...
Mas como nem tudo são flores, na Fazenda Boi Gulo-
so a situação começou a complicar. Zé Olímpio, aquele gordo se-
bento, decidira descobrir porque aquele rapazote João estava tão
feliz nos últimos meses, e que tanto ele ia à missa. E por quê estava
tão mais esperto, falante, articulado, se nunca fôra a uma escola. E
mais, como é que se atrevia a conversar com os veterinários e até
mesmo com um engenheiro que por lá passou uma vez, para dar
um orçamento de perfuração de um poço artesiano para garantir
mais água aos animais?
_Dantas, vai ver o que o João anda aprontando e de-
pois cê me conta... - disse o sebento do Zé Olímpio, soltando uma
baforada do cigarro de palha fedido, daquele que deixa os dentes
pretejados, feito com fumo de corda dos mais vagabundos. Era
esse tipo de fumo que Zé Olímpio gostava: o mais barato. Porque,
mesmo rico, o homem era um sovina, um pão duro que não dava
Marcos Alexandre

nem bom-dia com medo de gastar. E ignorante. E mesquinho. E


invejoso. E corno. Corno porque todo mundo sabia que a sua mu-
lher, Dona Amarante, saia com os peões da fazenda e fazia o que a
vaca faz com o touro: dava-lhe chifres. Mas como ele não queria
dar o braço a torcer, e por ser Dona Amarante quase vinte anos
mais nova que ele, e muito bonita, e apesar de adúltera, discreta,
Zé Olímpio fingia nada saber. Mas sabia, e mesmo que nenhum
peão ou agregado tivesse coragem de comentar o assunto, nem no
confessionário da igreja, Zé Olímpio sabia que todo mundo sabia...
Dantas, aquele pau-mandado, puxa-saco de marca
maior, foi espionar João Saldanha num domingo. O viu com Rosinha,
deu um sorrisinho besta com aqueles dentes que já começavam a
cair de podres (naquele tempo ele tinha uns quinze, catorze dentes,
mas não escová-los e adorar goiabada ajudaram a fazer o estrago
começado pelas cáries e a gengivite) e foi correndo contar para o
patrão Zé Olímpio. O prazer de ver a infelicidade alheia talvez te-
nham feito Zé Olímpio fazer o que fez. Quando João Saldanha che-
gou na Fazenda Boi Guloso, foi chamado à casa do patrão por
Dantas, que mal se continha, antecipando que o garoto, que já se
achava um homem, ia levar uma bronca. Mesmo que sem motivo,
mas ia levar uma bronca.
Na sala imensa, com muitos livros nas estantes em que
Zé Olímpio nunca pôs as mãos, já que os livros estavam ali apenas
para enfeitar, para passar a impressão que Zé Olímpio era tão “es-
tudado” quanto qualquer “dotô”, João Saldanha foi entrando,
ressabiado, e já ouviu o comando:
Lágrimas de Anjo

_Cê não vai mais pra aquela vila...


_ O quê, “seu” Zé Olímpio?!? - João mal podia acre-
ditar nas palavras que ouvia...
_ Cê vai lá pra namorar e aqui cê tem muito o que
fazer. Nada de missa, nada de ir pra vila, nada de ver aquela rapa-
riga. Se quiser, fica com as vacas, que já são muito pra um largado
que nem você, que nem pai e mãe tem. Eu é que te criei... e num foi
pro cê ficá de prosa com rapariga pra depois embuchar ela e trazer
mais uma boca aqui pra fazenda, pra eu sustentar.... - Zé Olímpio
foi fundo, falou o que quis, do jeito que quis e talvez imaginasse
que João Saldanha iria ficar raivoso, revoltado, mas que ia reagir
como sempre reagiu: iria baixar a cabeça e chorar no celeiro...
João sentiu um calor no peito e depois não viu mais
nada. Voou sobre a mesa do patrão, agarrou seu pescoço e come-
çou a apertar, e teria cometido um desatino ainda maior, matando o
patrão, se Dantas não tivesse entrado na sala e o segurado.
_Seu porco gordo, aproveitador !!! Seu sujo !!! Você
não me criou, não. Quem me criou foi Deus !!! Eu vivi todos esses
anos como um boi, no seu celeiro. Tinha menos valor que um boi!
Mas eu sou um homem e eu vou provar! - Espumava de raiva João
Saldanha. - Eu estou indo embora agora mesmo e se alguém me
seguir, eu mato !!! - Virou as costas, deu um empurrão em Dantas
e foi para o velho galpão. Acabou de quebrar a moringa velha,
pegou os trocados que estavam dentro e juntou suas coisas. Saiu
de madrugada, chorando de raiva e felicidade por estar deixando
Marcos Alexandre

para trás os anos de sofrimento na Fazenda Boi Guloso. Dormiu no


pasto, naquela noite, mas não era um pasto de Zé Olímpio, o que
já o deixou muito contente.
Quando acordou, sentiu fome, e teria comido até a la-
vagem dos porcos que alimentava, se a tivesse. Ao invés de conti-
nuar ali sentado, decidiu andar mais um pouco e encontrou a entra-
da da Fazenda Reunidas, de Jeremias Guimarães, tão famoso por
ser considerado homem de bem, mas que pouco aparecia na vila.
Encontrou um peão escovando um alazão e decidiu tentar a sorte:
_ Por favor, precisa de ajudante aqui nesta fazenda? -
perguntou.
_ E o que cê sabe fazer, rapaz? - o vaqueiro respon-
deu, de costas, sem olhar para João.
_ Sei ler, escrever, cuidar de porcos, vacas e cavalos,
senhor...- respondeu.
_Aqui não tem lugar pra dormir... - disse o vaqueiro,
ainda de costas.
_Eu durmo no celeiro, junto com os cavalos.
_Não tem chuveiro pros empregados...
_Eu me lavo na cisterna, tiro água do poço, tomo ba-
nho de mangueira...
_ O salário é mínimo...
_ Dando pra eu comer e juntar dinheiro pra me casar
um dia com a Rosinha, já está bom...
O vaqueiro, impresionado com a humildade do rapaz,
Lágrimas de Anjo

virou-se e disse:
_ Tá empregado. Comece a trabalhar agora, termi-
nando de escovar meu cavalo...
_Sim, senhor !!! Obrigado, senhor !!! - respondeu João
Saldanha, jogando suas coisas no chão, pegando a escova da mão
do vaqueiro e começando a escovar o cavalo. _ Ahnnn... depois
eu levo o cavalo pra onde, senhor...
_ Pra cocheira. E pode me chamar de Jeremias. Eu
sou o dono da fazenda. O almoço é meio-dia. Não se atrase. -
respondeu o vaqueiro, virando de costas, se dirigindo para a casa
grande e deixando um João Sadanha totalmente boquiaberto.
Marcos Alexandre

Jeremias Guimarães

J
eremias Guimarães era um bom homem. Tinha uma
mulher maravilhosa, a Dona Fernanda, que estava
grávida de seis meses e era um homem muito cons-
ciente de suas responsabilidades. Muito diferente de Zé Olímpio.
Jeremias tinha as feições duras, o rosto severo, cabelos castanho-
grisalhos e um nariz grosso e comprido, meio puxado para baixo,
que acentuava a sensação de que ele sempre estivesse bravo, junto
com as sobrancelas grossas e escuras, e um bigode espesso, com
alguns fios branco-amarelados pelo cigarro. Único vício de Jeremias,
o cigarro. Não bebia, não jogava e nem gostava de ver os animais
sofrendo, ao contrário de Zé Olímpio, que adorava até briga de
galo e não perdia uma rinha. Jeremias sempre estava de jeans.
Calças e jaqueta jeans desbotadas, com uma camiseta branca por
baixo, cinto, botas e chapéu de vaqueiro. Nem parecia o dono da
Lágrimas de Anjo

Fazenda Reunidas. Não usava anel no dedo, não usava corrente


de ouro no pescoço e tratava de tudo pessoalmente, levantando
cedo, antes dos próprios empregados, e dormindo quando todo
mundo já tinha ido para a cama, depois de um dia de trabalho.
Fosse ou não fosse coisa do destino, Jeremias ficava
quieto, parado, sozinho em um canto, meio escondido, olhando de
longe a mulher grávida, Dona Fernanda, sentada em uma cadeira
de balanço, tricotando sapatinhos e roupinhas de bebê. Talvez ele
ficasse assim por se achar velho demais para ela, uns dez anos mais
moça. Ou talvez porque fosse o seu primeiro, e provavelmente úni-
co filho ou filha que iria nascer, já que ele havia levado a mulher
para São Paulo, naquelas clínicas caras, de bacanas, e vendido
mais de 200 bois para fazer um tratamento de fertilização in vitro.
“Gozado”, pensava João Saldanha, “por que será que fertilizar uma
vaca é tão mais fácil de fazer que uma mulher? Por que será que
também a mulher acaba saindo tão mais caro?”. Tempos depois,
João acabou escutando na cozinha que o problema não era com
ela, a Dona Fernanda, mas com ele, Jeremias. Não que ele,
Jeremias, não fosse homem, mas tinha algo errado com ele, o mé-
dico da cidade disse. É que ele era quase “estéreo”. “Mas ‘estéreo’
não é o nome daquelas vitrolas que levam pras quermeses?”, pen-
sava João Saldanha. Anos mais tarde é que ele descobriu o que era
“estéril”, e qual a diferença entre as duas coisas...
Mas João estava muito feliz para ficar pensando nas
tristezas do novo patrão, que de patrão tinha muito pouco. Dois
Marcos Alexandre

meses depois que João chegou à Reunidas, Jeremias lhe deu uma
porção de terra para que iniciasse uma plantação e vendeu-lhe umas
cabeças de gado magro, recebendo como pagamento aquele pu-
nhado de trocados que João juntara a vida toda. Pagamento nada!
Jeremias havia dado mesmo aquele gado para ajudar João ! E João
sabia e reconhecia isso. Talvez por esse motivo é que estava se
tornando o mais dedicado empregado que Jeremias já tivera em
toda a sua vida.
João, pela primeira vez, começara a ter sonhos, e de-
via muito a Jeremias. Pouco tempo depois, João já estava se ca-
sando com Rosinha na igreja da Paróquia de São Benedito e os
pais de Rosinha, o sapateiro Sebastião e a costureira Dona Marta,
que fazia questão de contar a todos, boa fofoqueira que ela era,
que o genro João Saldanha iria dar uma boa vida à sua única filha
Rosinha, já que trabalhava na fazenda de um homem bom como
Jeremias Guimarães e estava progredindo na vida.
Nascera gordo e forte e estava crescendo bem e com
saúde, o pequeno Pedrinho, filho de Jeremias Guimarães e Dona
Fernanda. O menino ainda usava fraldas quando Jeremias come-
çou a sentir uma coisa esquisita, um aperto no coração toda a vez
que passava perto do curral. Os animais nunca o haviam incomo-
dado e João Saldanha, o empregado dedicado, que tinha sua pró-
pria terra e seus boizinhos, mesmo assim nunca descuidara dos bi-
chos. Mas alguma coisa o incomodava e todos os empregados
Lágrimas de Anjo

percebiam isso. Mas ninguém tinha coragem de tocar no assunto


com o patrão. Não por medo, mas por respeito ao homem que
lhes era uma verdadeira inspiração.
João Saldanha, não. Ela gostava demais de Jeremias
para deixar esse incômodo esquisito passar em branco. Talvez
Jeremias passasse por dificuldades financeiras, ou estivesse briga-
do com a mulher, Dona Fernanda, ou ainda, estivesse doente. Do-
ente, Pedrinho não estava, mas nunca se sabe... Sendo assim, João
talvez pensou que o patrão pudesse estar arrependido de ter lhe
feito tanto bem, e talvez quisesse as terras ou os boizinhos de vol-
ta... Se fosse, João abriria mão de tudo em favor do patrão, e já
tinha até falado sobre essa hipótese com Rosinha, que meio a con-
tra-gosto, aceitou.
De qualquer jeito, daquele dia não passaria. Ia falar
com o patrão.
Marcos Alexandre

O boi Tufão

P
atrão, o que lhe perturba? - perguntou João
Saldanha de chofre, de repente, sem dar a
Jeremias tempo para pensar. Talvez por isso a
resposta tenha parecido tão absurda, a princípio.
_ Não sei, João. Sinceramente não sei. - respondeu,
balançando a cabeça, Jeremias - “Mas é que toda a vez que eu
passo na frente desse curral eu fico nervoso, com um nó no peito.
Você é a única pessoa que me conhece melhor que minha mulher, e
talvez eu confie mais em você, que eu tenho como se fosse meu
filho, mesmo que não seja, e meu filho verdadeiro, meu único filho
seja o Pedrinho, pra quem eu diria uma coisa dessas... mas eu ando
com muito medo...” - disse Jeremias, com um olhar estranho.
_ Ora, medo do quê, meu patrão? - perguntou João
Sadanha, sem entender.
Lágrimas de Anjo

_ Já te disse que não carece me chamar de patrão... -


disse Jeremias, sem responder à pergunta.
_ Tá bom patr... Jeremias... mas medo do quê? - insis-
tiu João Saldanha.
_ Tenho medo de uma tragédia, mas não sei de onde
vem, o que é, quando vai acontecer e muito menos o que vai cau-
sar. Mas eu sinto que vem tragédia... - disse, cada vez mais confu-
so...
_ Nossa !!! E o patrão sente tudo isso só de passar na
frente desse curral?!? - perguntou João Saldanha, assustado.
_Não é bem o curral, eu acho. Parece que tem a ver
com aquele animal, o boi Tufão... mas é loucura - Jeremias passou
a mão pela testa, tirou o chapéu, apertou os lábios e pôs o chapéu
empoeirado na cabeça de novo. - “Toda vez que eu passo por
este curral, e especiamente quando eu passo pela frente desse boi,
eu sinto um arrepio na espinha. Não dá pra explicar...” - comple-
tou, pensativo e visivelmente assustado.
_Olha, patrão, eu sei que parece bobagem, mas o boi
Tufão é manso, é um reprodutor de primeira e nunca atacou nin-
guém. Também é todo vacinado e não vai passar nenhuma doença
pro resto do gado. Fica tranqüilo... - disse João Saldanha.
_ Eu sei de tudo isso - respondeu Jeremias, irritado.
Mas é alguma coisa que ele tem, que... sei lá, não tá certa - arre-
matou.
Nesse momento, Dona Fernanda se aproximava com
o pequeno Pedro no colo. De repente, o menino desatou a chorar,
Marcos Alexandre

sem nenhum motivo, e o boi Tufão começou a mugir, a esfregar as


patas dianteiras na terra, levantando poeira e pedaços de terra ba-
tida, e estranhamente, todos os outros bichos ficaram em silêncio,
quietos, imóveis, como se esperando alguma coisa acontecer.
Podia parecer loucura, mas Jeremias e João Saldanha
ficaram observando a cena, desconfiados, e prontos para tomar
uma atitude, qualquer que fosse ela. Mas o que estava acontecen-
do? Será que o boi apenas não se irritara com o choro da criança?
Mas porquê a criança chorara de repente, se nada acontecera e
estava acalentada nos braços da mãe? Se não estava doente,
desconfortável, com fome, porque chorava?
E porquê todos os outros animais ficaram em silêncio?
Por quê o nervosismo do boi Tufão e porquê, além de Jeremias,
João Saldanha também estava sentindo um estranho arrepio na es-
pinha?
Lágrimas de Anjo

A velha cigana

J
oão Saldanha não conseguiu dormir direito naque
la noite. Ficou encafifado com o boi Tufão. So
nhou com chifres de boi, com acidentes, com cho-
ro e gritos e acordou suando frio. Rosinha se levantou da cama e
lhe preparou um café com leite bem quente, preocupada com o
marido. “O que poderia ser motivo de tanta aflição?”, pensava,
mas decidiu não perguntar ao marido. Se fosse importante, João
lhe contaria, não contaria? O pior é que João contou.
Depois de contar a Rosinha toda a história sobre os
arrepios na espinha de Jeremias, de toda a sua preocupação, João
argumentou ainda que ele é que deveria ter medo de alguma coisa,
pois sempre fôra supersticioso, e não o patrão, que sempre se
mostrou tão seguro de si. Ele, João, é que na infância não deixava
de pedir a benção à velha cigana Maria, toda a vez que tinha uma
oportunidade...
Marcos Alexandre

_É isso!!! - exclamou Rosinha.


_É isso, o quê ?!? - se assustou João Saldanha.
_Leve o patrão Jeremias até a velha cigana Maria e
peça pra ela ler a sorte dele. Quem sabe ele se convence de que
não está acontecendo nada e deixe de estar assim tão preocupa-
do... - sugeriu a mulher de João.
A idéia agradou João, que logo cedo, saiu à caça de
Jeremias. O encontrou a poucos metros do curral, olhando fixa-
mente para o boi Tufão, que pareceia não estar nem aí com a pre-
ocupação do dono. Nem deveria estar, se é que animais se preo-
cupam. O boi Tufão estava na Fazenda Reunidas há vários anos.
Era muito querido pelos vaqueiros pois, além de ser um excelente
reprodutor, era manso e muito bonito. Para um boi, é claro! De um
branco para cinza prateado, o boi Tufão tinha um porte altivo, era
bem formado, fedia menos que os outros - nunca o lavaram com
perfume, mas o fato é que fedia menos - e não tinha aquelas bicheiras
tão comuns nos outros animais. Não dava trabalho nem aos veteri-
nários, quando ia tomar a vacina contra a febre aftosa. Ia sem re-
clamar, não esperneava, e melhor de tudo: só comia o necessário.
O danado do boi, além de bonzinho, ainda era econômico! Por
que iria se preocupar?
João acabou convencendo o patrão a ir visitar a velha
cigana Maria - isso se ela ainda estivesse viva, é claro. E ela esta-
va. Pelo menos era o que dizia o “seu” Chico, dono da venda que
ficava a duas léguas da casa da velhinha, onde João Saldanha e
Jeremias pararam para descansar um pouco da viagem no lombo
Lágrimas de Anjo

do cavalo. “E quando era mais moço eu andava tudo isso a pé...”,


pensou João, no meio do caminho.
Encontraram, lá pelas cinco horas da tarde, um case-
bre que era exatamente como João Saldanha se lembrava. As por-
tas comidas pelos cupins, as janelas faltando pedaços. Tudo de
madeira. Pau a pique. Mais a pique que a pau, mas pau a pique.
Umas roupas brancas no varal e um cachorro magro no quintal
indicavam que a casa ainda estava ocupada. E pela cigana Maria,
ainda. Velhinha, quase totalmente encurvada, mas viva. E João des-
ceu do cavalo para lhe dar um abraço, e ela convidou seu menino,
agora um homem crescido, para entrar e tomar um café turco (aque-
le com borra no fundo) junto com o seu companheiro de viagem.
Marcos Alexandre

A premonição

E
o que é que você veio fazer aqui na casa desta
cigana cansada de viver, meu filhinho João? Tão
cansada de viver estou que até esqueci de que a
vida dos ciganos não é criar raízes como vocês, gadjê, e sim, como
boa calon que sou, sair por aí como o vento, passando de lugar
em lugar... - disse a velha, enquanto estendia o copo de café para
Jeremias, que estava visivelmente contrariado. Não porque o copo
estivesse sujo, não. Mas porque sempre fôra católico. Não prati-
cante, mas católico. E sabia que nenhum padre aprovaria que um
bom católico, mesmo que não praticante, estivesse ali consultando
uma cigana, de um povo que não pára em nenhum lugar. Dizem que
roubam crianças e que praticam magia negra.
_ Não, cigana Maria, eu...- tentou dizer João Saldanha,
sendo interrompido pela anciã:
Lágrimas de Anjo

_ Antes que diga, meu filho, eu quero dizer pro seu


amigo fazendeiro, que os ciganos não são ladrões de crianças, não.
Nem mexemos com magia negra. Só somos um povo diferente,
com uma cultura diferente e hábitos diferentes... só isso... - disse a
velha, com voz calma e suave, enquanto estendia a mão com outro
copo de café turco para João, que quase queimou a boca ao pro-
var. Esquecera que a velha gostava de café bem quente.
_ A... a senhora lê pensamentos?!? - disse Jeremias à
velha, meio envergonhado, meio surpreso.
_ Não meu filho. É só que, ao longo da história do meu
povo, muitos deles foram queimados, mortos a tiros ou afogados
porque alguns homens que como você pensaram isso deles. Prefiro
dizer antes quem realmente não somos, para que as pessoas pos-
sam depois nos julgar pelo que verdadeiramente somos... - res-
pondeu a velha, enquanto acendia seu cigarrinho de palha. Palha
de milho seca. “Ela sempre adorou cigarro com palha de milho
bem seca”, lembrou-se João Saldanha, enquanto se acomodava
melhor na cadeira e tentava não rir da ingenuidade do patrão
Jeremias.
_E não sei bem o que o menino João lhe contou - con-
tinuou a velha - sou apenas uma mulher que conserva algumas tra-
dições. Alguns se confundem e me consideram benzedeira,
curandeira... Mas benzedor , “curador”, curandeiro, é gente mais
perto de Deus do que eu... - acrescentou, enquanto soltava uma
baforada e, olhos no vazio, cantava uma velha cantiga, como se os
dois nem estivessem ali:
Marcos Alexandre

Benzedor,
Curador,
Benze cruzes
Que luzem
Nas noites de dor
E do andor do santo
Se perdem, saem encantos
Vindos das falanges que rangem
Os dentes pr’o mal
Benzedor,
Curador,
Teias urde,
De proteção
“Sai capapreta, cramulhão !!!”
Nas noites de dor
Do santo do andor
Fulgem luzes
Caem cruzes
Diante da fé
A crença menina
Mais rápida alcança
O que se quer
Do que a velha teoria
Que tal fé vazia
Tropeça, cai, geme
Como quem perdeu um pé
Benzedor,
Curador,
Tremeluze
Sofre, muge
Feito gado
De corte
Sente dores de morte
Nas rezas, nos sinais
Nas dores dos outros,
Nos seus ais
Lágrimas de Anjo

_ Pois bem, Dona Maria, estamos aqui pelo seguinte


motivo - disse João, interrompendo os devaneios da velha e con-
tando toda a história, que é desnecessário repetir - “E precisamos
de sua ajuda”. - completou.
_ Filhos, será que vocês realmente querem saber o que
o futuro lhes reserva? Têm coragem para agüentar saber o que vai
acontecer? - disse a velha, baixando os olhos para a terra batida
que servia de piso para o casebre.
_ Sim, cigana Maria. Eu preciso saber. Nem com todo
o dinheiro que tenho, meu filho Pedrinho, que eu pensei que jamais
pudesse ter e minha mulher Fernanda; nem os bois, nem as terras,
nem mesmo ver a felicidade de João meu amigo e melhor emprega-
do e sua mulher Rosinha, me dão paz. Não sei como vou suportar
outro dia sem saber direito porque ando tão afligido... - respon-
deu, com os olhos marejados, o fazendeiro Jeremias.
_ Pois bem... mas não diga que eu não lhe dei a chance
de não conhecer o que vai acontecer... - disse a velha, pesarosa,
enquanto se levantava, ia até um baú no fundo da sala e o abrindo,
pegava um maço de cartas de tarô.
_ Pode dizer que eu agüento - disse Jeremias com o
peito apertado, queimando, em brasa.
_ Pois não..., respondeu a velha, enquanto dispunha na
mesa algumas cartas.
Marcos Alexandre

João Saldanha e Jeremias ficaram apreensivos, em si-


lêncio, enquanto a mulher olhava para as cartas e parecia que ia
ficando cada vez mais triste o seu rosto e mais pesarosa a sua ex-
pressão...
_ Filho, a tragédia será terrível e não vejo modo de
evitá-la. Quer mesmo saber? - perguntou, esperando que Jeremias
desistisse de saber a resposta.
_ Quero, claro que quero... eu preciso saber!!! - foi a
resposta de Jeremias.
_ Pois saiba que seu filho, seu único filho, vai morrer
no chifre do seu boi mais belo, mais bonito, mais manso. No chifre
do seu melhor boi! - disse a velha, baixando os olhos para as cartas.
_ Não !!! - disse Jeremias, se levantando da cadeira, que
caiu no chão com o impulso, fazendo barulho.
_Calma, Jeremias!!! Calma, patrão !!! - João tentava
acalmá-lo.
_ Calma, nada !!! Vim aqui saber o que me aflige e essa
velha doida me diz que meu filho vai morrer?!? Chega de loucura !!!
Não vou ouvir mais nada !!! Essa velha não passa de uma cigana ladra
e mentirosa como todos os ciganos !!! O que ela quer ?!? Me dizer
que meu filho vai morrer e depois me pedir dinheiro para fazer alguma
magia negra para “salvá-lo” !!! Vamos embora daqui, João !!!” - ter-
minou, gritando e saindo da casa, derrubando o copo com o resto de
café no chão.
_ D-Dona Maria, perdoe o meu patrão... E-ele, E- eu -
João Saldanha tentava se desculpar.
Lágrimas de Anjo

_AGORA, João !!! -, gritou Jeremias, já montando em


seu cavalo, já do lado de fora do casebre.
Sem mover um músculo, a velha cigana, continuando a
olhar para as cartas, apenas disse a João Saldanha:
_Vá filho. Console o coração dele. Essa velha não tem
mais idade para se julgar ofendida e o coração desse pai sabe que
estou dizendo a verdade. Infelizmente, nada pode ser feito... Vá...
_ D-Desculpa, Dona Maria... - tentou desculpar-se João
Saldanha novamente.
_ JOÃO !!! - gritou Jeremias, do lado de fora da casa.
_ Vamos indo - disse João, subindo em seu cavalo e se-
guindo o patrão pela estrada.
Marcos Alexandre

O fim da tempestade

J
oão Saldanha e Jeremias seguiram a viagem toda
calados. Nenhuma palavra foi trocada entre eles.
Quando chegaram na porteira da Fazenda Reuni-
das, Jeremias quebrou o silêncio:
_ João, amanhã bem cedo, quero que você leve o boi
Tufão para o matadouro. - disse.
_ Quê patrão?!? Mas lá o senhor disse que.... - espan-
tou-se João.
_ Eu sei o que disse e mantenho. Mas é melhor preve-
nir. Mate o boi Tufão amanhã cedo e não discuta mais. Nunca mais
eu quero falar sobre esse assunto. - disse secamente Jeremias a
João Saldanha.
_ Mas, patrão....
_ Eu disse NUNCA MAIS, ouviu BEM, João ?!? -
Lágrimas de Anjo

esbravejou Jeremias, e João quase imaginou se o patrão não iria


agredi-lo, pulando do cavalo.
_ Sim, PATRÃO Jeremias - disse João Saldanha, com
amargura na voz. Nunca Jeremias havia falado assim com ele an-
tes. Ele se sentiu humilhado e envergonhado, mas fez como o seu
patrão lhe dissera.
Bem cedo, João Saldanha levou o animal, o manso boi
Tufão, para o matadouro e, com dor no coração, desferiu o golpe
final. Jeremias nem quis saber das opiniões e comentários dos pe-
ões e outros empregados da Fazenda Reunidas, que acharam que
ele estava louco por matar, assim, sem necessidade, um boi
reprodutor tão caro, bonito e manso como o boi Tufão. João partiu
os pedaços do boi Tufão e o dividiu entre os peões, que fizeram
dele um bom churrasco. A cabeça, Jeremia não quis para pendurar
na parede da sala da casa grande, como troféu. Mandou João
Saldanha se livrar dela. João a colocou em um mourão, para secar
e talvez um dia, servir como enfeite. “Sabe-se lá o que eu pensei na
hora”, ainda se recorda quando pensa na tragédia.
Soube-se, anos mais tarde, que a velha cigana Maria
morreu e foi enterrada. João Saldanha, sozinho, foi ao enterro, fei-
to pelos moradores da Vila Patrícia. Jeremias ficou sabendo, atra-
vés de um dos peões, da morte da velha, mas não disse uma única
palavra. Nunca mais se falou em boi Tufão na Fazenda Reunidas.
Até o dia em que Pedrinho, que se prepara para a sua
festa de aniversário - ia completar oito anos - no mês seguinte, foi
brincar no pasto. No mesmo pasto em que havia aquele mourão no
Marcos Alexandre

qual João Saldanha havia espetado a cabeça do boi Tufão. Nessa


época, os cupins já haviam transformado aquele mourão em pó e o
tempo transformado a cabeça em uma caveira com chifres.
Distraído com a beleza do pasto verde, o menino não
viu a caveira, meio encoberta no chão por raízes e pela grama.
_Pedrinho !!! Venha almoçar, menino !!! A comida está
na mesa !!! - era Dona Fernanda, que gritava da soleira da porta
da casa grande.
_ Tô indo, mãe !!! - respondeu o menino, a tragédia se
aproximando.
O menino não viu a fatídica pedra que estava à sua
frente e tropeçou. O menino não viu a cabeça do boi Tufão, a ca-
veira com chifres cravada no chão. Ninguém conseguiria deter a
queda do menino a tempo. Pedrinho estava caído e em seu peito
estava enterrado um dos chifres do boi Tufão. O grito do menino,
mais de espanto que de dor, fez a mãe, Dona Fernanda, gritar tam-
bém. Ela correu fazenda afora, em direção ao pasto, e ao vê-la
correndo, os empregados correram também para ver o que se pas-
sava.
O choro de todos, os gritos, o desespero da mãe, cha-
maram a atenção de peões, dos animais e talvez até da própria
natureza, que via a tragédia e começara a armar uma tempestade,
de repente, de uma hora para a outra. Junto com os primeiros pin-
gos de chuva, chegava o pai de Pedrinho, chamado por um dos
peões, acompanhado de João Saldanha e Rosinha, que pareciam
já sentir o que acontecera, antes de receberem a notícia.
Lágrimas de Anjo

O pai se ajoelhou sobre o corpo do menino, que ofe-


gava e vazava sangue quente e misturava suas lágrimas às da mãe
desesperada. Ninguém se atrevera a tirar o chifre cravado no peito
do menino, com medo de aumentar a hemorragia. Mas o menino já
estava morrendo.
Se esvaindo, em um último momento de lucidez, o me-
nino notou a expressão do pai Jeremias e fez uma pergunta que
ficou sem resposta: “Pai, o senhor sabia que isso ia acontecer ?!?”.
E expirou. O médico da cidade, quando chegou, chamado por um
dos peões, nada pôde fazer.

Pedrinho morreu no chifre do boi Tufão.

_ Ei, João, tu tá gostando dos boi ? - perguntou Dantas


a João Saldanha, que acordou no meio da feira de animais. Ele se
perdera em pensamentos, na tragédia do boi Tufão e quase esque-
cera de que estava ali a trabalho.
_ Ah, sim... mais ou menos. - respondeu, ainda meio
ressabiado com o capataz de Zé Olímpio que há poucos minutos
parecia o estar espionando. E decidiu falar às claras:
_ Escuta, Dantas, que é que você está fazendo aqui,
atrás de mim o tempo todo e tão interessado no que eu faço ou deixo
de fazer? Eu já deixei de ser empregado do Zé Olímpio há muitos
anos!!! - disse nervoso.
Marcos Alexandre

_ Calma, João... Eu vou falar direto, também !!! - re-


trucou o capataz. “É que o Zé sabe que tu tá tomando conta da
Fazenda Reunidas... e que o seu trabalho é muito bom... olha, a
Reunidas é hoje a maior fazenda da região... e ele queria saber se
você não queria mudar de emprego... sei lá, voltar pra Fazenda
Boi Guloso, com um salário dos bão, casa própria e tudo... e eu
tava só sondando ocê, ué !!”! - disse Dantas.
_ Ah, é isso! - disse João Saldanha.
_É... quanto cê qué pra voltar pra Boi Guloso?!? É só
dizer que o Zé Olímpio paga o quanto cê quisé... - disse Dantas, os
olhos brilhando de inveja.
_ Não, Dantas. Não posso e nem quero deixar a Reu-
nidas, nem por todo o dinheiro do mundo. Depois da morte do
Pedrinho, meu patrão Jeremias foi morar em São Paulo com a mu-
lher dele, a Dona Fernanda - pra tentar esquecer um pouco a tra-
gédia - e me deixou no comando. Ele disse que eu ia ser o filho que
ele não pôde criar. E eu prometi não decepcionar aquele que con-
fiou tanto em mim, disse João Saldanha, com os olhos úmidos.
_ Mas, João...
_ Vá embora, Dantas. Agradeça ao Zé, mas tem coisa
que nem eu nem ninguém pode explicar. Como o que o destino faz
com a gente. Como o que o destino faz com os outros. Como a histó-
ria do boi Tufão...
Lágrimas de Anjo

A história do Boi Tufão


Foi há uns anos atrás, no estado da Bahia
Que um ricaço fazendeiro por nome de Jeremias
Leu a sorte de seu filho com a cigana Maria
Ela disse, “Meu amigo, me corta o coração,
Mas se veio pra saber vou lhe dar explicação
O seu filho vai morrer no chifre do boi Tufão”

Fazendeiro Jeremias mandou chamar o empregado

(Domínio Público)
“Vá buscar o boi Tufão, deixa ele encurralado!
Amanhã ao romper do dia, o boi vai ser degolado

O moço era obediente, no cavalo foi montando


Saiu pelo pasto afora, com o coração sangrando
Desceu o chapéu no rosto, pra ninguém o ver chorando
Mataram o boi tufão !

Os anos foram passando,


A cabeça do animal no quintal ficou rolando
Naquele mesmo lugar o menino estava brincando
E na hora do almoço, a sua mãe lhe chamou,
Garoto saiu correndo, numa pedra tropeçou
Caiu na ponta do chifre do boi que seu pai matou

Naquele sertão bravio nada puderam fazer


Mandaram chamar o doutor - doutor não pôde atender
Menino falou baixinho: “Papai preste atenção,
Eu vou pra junto de Deus, me tenha no coração
Meu destino era morrer no chifre do boi Tufão”
Marcos Alexandre

FIM
Lágrimas de Anjo

Luz

N
ada. Li tudo de
novo e... nada. Não
conseguia mudar
mais uma vírgula sequer. Nem nos
poemas incluídos na história, um de
domínio público, que ouvi de uma velha
na Paróquia de São Benedito, e o
segundo, de autoria do um amigo meu,
o professor Marcos Alexandre, um dos
poucos que não me virou as costas.
|Ambos estavam presentes no texto
porque o primeiro resume a tragédia e o
segundo tocou-me particularmente por
transmitir a dor que deve sentir uma
pessoa que pressinta os acontecimentos
futuros - se é que isso existe.
Marcos Alexandre

Depois de reler o texto, contar as páginas e lem-


brar que eu deveria limpar a geladeira algum dia, antes que
inadvertidamente a abrisse e fosse devorado por uma floresta
de fungos, percebi que não poderia nem sonhar em apresen-
tar isso pro Jorge. Ele ia ficar no meu pé pra que eu aumen-
tasse aqui e ali e a situação iria ficar pior. Era melhor imprimir
uma cópia do texto, salvar em disquete e guardar tudo. E
começar tudo de novo, com outro tema, outra história. Talvez
algo que não me lembrasse tanto do Guilherme...
Meus prazos já estavam estourados em dois
meses... talvez um pouco mais. Não estava agüentando a
pressão. Jorge não queria mais saber das minhas desculpas.
Para ele, as minhas olheiras, a barba por fazer e os dedos
manchados de nicotina não passavam de indícios de boas
noitadas longe do computador.
Quem me dera... Depois do divórcio, as coisas
não andavam bem pra mim. As cartas de cobrança já estavam
se acumulando embaixo da porta e a pensão das crianças
estava atrasada há três meses. Carla cansara de esperar e
mandara o advogado me ligar. Três recados na secretária
eletrônica. Cada um mais mal-educado que o outro. Do jeito
que ela devia estar ressentida, podia, tranqüilamente, me
botar em cana por não pagar a pensão alimentícia. Mas eu
perguntava: “Pagar com o quê?!?”
Quarto copo. Último cigarro. Por que é que
sempre acabam os cigarros quando é madrugada, está cho-
Lágrimas de Anjo

vendo ou a gente está duro? Seis da manhã. Preguiçosamen-


te, o sol começava a surgir, me forçando a fechar as corti-
nas... Sentei-me novamente e fechei os olhos só por uns
minutos...
Acordei com a cara afundada no teclado. Que dor
de cabeça !!! A ressaca era tão forte que engoli a quinta
dose só pra me manter meio alto. Como a gente desce ao
fundo do poço...
Depois do meu oitavo livro, “Cartas Marcadas”,
não conseguia escrever mais nada que realmente prestasse.
Não que isso dificultasse o trabalho do Jorge, meu editor.
Aquele vende vento pra fabricante de moinho, que dirá
livros... Uma boa noite de autógrafos, alguns cartazes e
displays, duas ou três entrevistas em talk-shows e ele conse-
gue colocar os livros nas grandes livrarias. Mas ele tem que
ter alguma coisa, algum material com o que trabalhar, e eu
não conseguia escrever nada que prestasse. E o dinheiro do
adiantamento que Jorge havia me dado estava acabando...
Abri a porta olhando para todos os lados,
ressabiado, torcendo para não encontrar ninguém no corre-
dor. Depois de cambalear dentro do elevador, uma volta pelo
quarteirão e alguns cigarros talvez conseguissem me reanimar.
Estava fedendo e com as roupas amarrotadas. Parecia um
mendigo. Três dias sem tomar banho, olhos fixos na tela em
branco do editor de textos.
Caminhei por pouco mais de meia hora e já me
Marcos Alexandre

sentia vencido pelo cansaço. Cigarros. Eles me matavam e eu


já sentia desesperadamente a falta deles. Na padaria, os
primeiros clientes do dia me olhavam com o canto dos olhos,
balançavam a cabeça e me evitavam, como se eu tivesse
alguma doença mortal. Ainda bem que não precisei dizer
“bom-dia” a ninguém. Meu hálito derrubaria até o Tyson...
Dois cigarros, um atrás do outro, restabeleceram
o nível normal de nicotina na minha circulação sangüínea.
Ignorava a vertigem e o súbito enjôo. Não agüentei. Parei, no
meio da calçada, me apoei em um poste e pus pra fora um
resto de pizza da noite anterior e um pouco de bile. As pri-
meiras pessoas que saíam de casa rumo ao trabalho se es-
pantavam, torciam o nariz e me evitavam. Para eles, eu não
devia passar de mais um bêbado qualquer. Estava me sentin-
do mal a ponto de querer morrer. Que merda! Nessa hora,
não me aparece um amigo, um conhecido qualquer, uma boa
alma para ajudar. Meu anjo da quarda devia estar em férias...
“Anjo...é isso!!!” O estalo me sacudiu e eu vi a
solução para os meus problemas. Ao menos, para a minha
crise criativa: lembrei que Jorge havia me dado, meses atrás,
algumas páginas de um diário de um religioso maluco que
acreditava ser um anjo !!! Jorge havia recebido essas páginas
de uma espécie de agente, que investigava o desaparecimento
de um tipo de padre, pastor, sei lá. Rimos muito quando
Jorge me disse que alguma coisa sobre aquele maluco já
havia sido publicado na imprensa, causando polvorosa nos
Lágrimas de Anjo

meios religiosos. Meu negócio eram os romances melosos,


mas à essa altura, eu poderia aproveitar o material e bolar
alguma coisa... Isso !!! Iria escrever um livro sobre esse tal
“anjo” !!! Seria um sucesso!!! O assunto nunca saiu de moda,
os anjos sempre fizeram parte do imaginário popular, fazem
parte da mitologia universal e vários outros escritores já
enriqueceram usando e abusando dessas lendas. “Duendes,
fadas e gnomos já passaram... o negócio são os anjos!!!”,
pensei, ainda meio de ressaca.
Girei nos calcanhares e com um ímpeto, corri até
meu apartamento. Passei a mão no telefone. Dois ou três
pedidos de desculpas depois, um novo adiantamento acerta-
do com a editora do Jorge, a promessa de um novo livro
bastante comercial, e eu me via tirando o pé da lama. Ia
escrever um livro sobre o tal “anjo”... Só havia um problema,
pensei: “Que diabos eu sei sobre anjos ?!?”
Marcos Alexandre

Encontro

U
ma semana depois,
eu já havia conse
guido escrever
trinta e duas páginas do meu novo
livro. Como, até hoje eu não sei! Uma
verdadeira colcha de retalhos... sem
pé nem cabeça, mas ainda assim, já
começava a se formar algo... estava
confiante de que, durante o processo
de criação, surgiria alguma coisa... As
poucas páginas arrancadas de um
diário de um tal de Prior Augustini
Dominic Frazelli causavam estranheza
pela convicção e precisão de alguns
relatos. E também as diferenças de
estilo que eram utilizadas para descre-
ver algumas situações bizzaras. Absur-
das, totalmente fantásticas, devo dizer,
Lágrimas de Anjo

mas com um certo charme... coisa de fanático religioso...


O toque insistente da campainha me despertou de
um cochilo. “Eu já cansei de avisar ao porteiro de que não é
para deixar ninguém subir !!!”, pensei, enquanto me levantava
do sofá e ia atender. “Quem será, a esta hora ?!?”, pensava,
torcendo para não me deparar com outro credor impaciente.
Pelo “olho mágico” não consegui identificar quem era a figu-
ra. Resolvi arriscar e abri a porta.
“Boa noite. Gostaria de tratar consigo de um
assunto de extrema importância espiritual...”, disparou o
homem que se avolumava na soleira da porta.
“Olha aqui, meu irmão, não quero comprar livros,
revistas, e para sua informação, não discuto religião !!!
Passar bem !!!”, respondi, já fechando a porta na cara do
sujeito.
“Não desejo vender-lhe nada, mas você me deve.
Lembra-se de quando seu filho...”
Não esperei que ele concluísse a frase e disse:
“Entre...”
Marcos Alexandre

Ex-Machina

O
estranho entrou na
sala, com pose e
calma de um lorde
inglês. Fiquei nervoso, intimidado por
um momento. Os cabelos dele, casta-
nhos e compridos, estavam cuidadosa-
mente arranjados em um farto rabo de
cavalo. Barba feita, excepcionalmente
bem-feita. Parecia que sua pele nunca
havia visto uma lâmina ou um daqueles
cremes de barbear que prometem
muito e empipocam o rosto no dia
seguinte. O nariz, aquilino, contrastava
com uma boca delicada, vermelha, que
sobressaía na pele pálida. Calças,
sapatos, casaco...tudo negro, exceção
da camisa banca. Parecia um sacerdo-
te, um padre...um exorcista.
Ainda tentando descobrir
do que se tratava, e enquanto o estra-
Lágrimas de Anjo

nho se acomodava no sofá, pequei uma dose de uísque -


daquele que me restara dos bons tempos - no bar. Caubói.
Talvez ajudasse a despertar. Quem seria esse bosta que
aparece de repente e agora quer falar sobre “assuntos espiri-
tuais importantes” ? E mais, como ele soube do Guilherme?
Talvez algo tenha sido publicado algo em algum jornal, o que
eu duvido...
“Apesar de ser a hora de seu filho morrer, insisti
com Ashmel para que deixasse a criança ficar na terra um
pouco mais. Mas não dependia só dele. Estava apenas cum-
prindo ordens. Trabalho... Uma pena...”, disse o estranho,
quebrando o incômodo silêncio.
“Quem é Ashmel? Que merda é essa?”, respondi,
irritado ao extremo. “Como vocês dizem, o ‘anjo da guarda’,
o grigori, de seu filho... o anjo que era seu protetor. Até o
acidente, é claro...”, respondeu, impassível.
Senti um frio na barriga e quis expulsar aquele
maluco do meu apartamento, mas ele parecia saber demais
sobre Guilherme. Lembrei-me de outro doido que parecia
estar tentando socorrer o menino, mas acabou discutindo
com o vento. Parecia drogado, dizendo palavras ininteligíveis
e gesticulando diante de uma figura imaginária.
“Aquele maluco... naquele dia... era você!?!”,
perguntei, boquiaberto, começando a me lembrar porque seu
rosto me era familiar.
“Não sou... para usar um termo seu... maluco,
mas, sim, era eu...”, retrucou.
As lembranças voltaram como um jato de vômito
na minha cara...
Marcos Alexandre

Reminiscências

A
última coisa de
que eu precisava
era um problema
como esse! A julgar pelos últimos
anos da minha vida, podia mudar meu
nome para “Encrenca”... merda... lá
vou eu pensando naquela megera...
coitada... ela não teve culpa. Ah, no
fundo, será que alguém teve culpa?
Na faculdade a gente faz
cada cagada... depois nem acredita...
Quando eu conheci a Carla, ela era
namorada... namorada, não,... noiva
do Marson.
A gente saía juntos, os
três, eu segurando vela, e muito lá de
vez em quando me saindo bem, arran-
jando uma gatinha nesses barzinhos
Lágrimas de Anjo

do Bixiga. Invariavelmente, a conversa passava pelas prefe-


rências literárias, um pouco de filosofia de porta de banheiro
e terminava na cama. No entanto, isso não me satisfazia. No
dia seguinte, já havia jogado o número de telefone da menina
fora e estava sozinho de novo. E isso estava se repetindo
com maior freqüência, à medida em que eu saía mais com o
Marson e a Carla e me incomodava com aquela melação dos
dois. Parecia que eu queria fugir da companhia deles, mas
alguma coisa me atraía.
Talvez fosse o jeito meio maluco do cara, que
fazia as vezes de um irmão mais velho, talvez fosse o olhar
sacana da Carla, toda cheia de mistério. Só sei que o clima
não estava bom pra mim. Mas eu ria, sorria, contava piadas e
fazia de tudo para não dar bandeira. Mas alguma coisa não
estava certa...
Finalmente, a turma da faculdade marcou uma
visita ao Museu de Arte de São Paulo. Eu fui. Carla foi.
Marson, não. Depois de uma overdose de cultura, a gente foi
direto para a lanchonete mais próxima e Carla sentou-se
comigo. Papo vai, papo vem, decidimos dar uma volta. A
ausência de Marson - justificada, descobriria mais tarde, já
que ele estava chapado no porão de sua casa - fazia com que
eu me sentisse um traidor, um safado, mesmo que aquela
conversa com a Carla não passasse daqueles assuntinhos
banais, com direito a todos os clichês do gênero “namoradi-
nha de um amigo meu”...
Mas, de repente, ela começou a conduzir a con-
versa, com aquela sensualidade que me desmontava. Aquela
Marcos Alexandre

voz rouca, aqueles cabelos louros (tingidos, também descobri


mais tarde) compridos e cacheados, aqueles olhos verdes e
aquela boca vermelha eram um convite à perdição. Meu Deus
!!! Uma gata daquelas, com um sorriso lindo e um par de
peitos de fazer inveja à Dolly Parton. O resto também não
era de se jogar fora. Tá certo que ela era meio baixinha, mas
ninguém vende perfume francês em garrafas de dois litros. A
vida ensina que as melhores coisas vêm em pequenas doses
(e os piores venenos também...). Mas ela era noiva do
Marson. Babaca.
Muito papo besta jogado fora, decidimos pegar o
metrô e depois o trem, já que ela iria dormir na casa de uma
tia. Descemos na estação e, na escada, aquela gata me puxou
pra si e me lascou um beijo. Não resisti. Nem lembrava mais
que o Marson existia. Na época, ele era o meu melhor amigo.
Mas, naquele momento, lembrei-me de que já tivera outros
“melhores amigos”. O incrível é que eu não havia planejado
isso...
Na hora, decidi que, já que era pra ferrar com
tudo, ferrado e meio. Peguei a loura pela mão e a arrastei
escada abaixo. Tínhamos descido do penúltimo trem da noite.
A estação estava deserta. Pulamos na linha do trem e anda-
mos uns cinquenta metros, talvez mais, entre abraços e
amassos. Parecíamos dois desesperados. O frio não impediu
que tirássemos parte das roupas (ao menos as peças que a
pressa nos permitiu) e com uma urgência mortal, fizéssemos
amor ali, no meio da linha do trem, em pé mesmo, meio assim
tortos, como dois galhos retorcidos.
Lágrimas de Anjo

Quando ouvi um barulho, abri os olhos (porque


será que a gente sempre fecha os olhos nessas horas?) e vi a
luz, só deu tempo de gritar: “Vai pro outro lado ! Rápido !!!”
e o trem passou, o último trem passou, pela linha em que
estávamos !!! A sensação de perigo, de que alguém nos
tivesse visto, serviu apenas para tornar tudo mais especial.
Mas eu não achei mais o sapato esquerdo.
Ficamos em silêncio, abraçados, durante um
tempo que parecia não ter fim. Eu estava feliz e envergonha-
do ao mesmo tempo, e ela percebia isso, mas procurava não
demonstrar. Fumei uns dez cigarros na meia hora em que
demoramos para chegar à casa da tal tia. Sentia-me ridículo
com as calças e camisa amarfanhadas e sem um dos sapatos.
Esperei um beijo de despedida, depois de uma noite tão
“caliente”, mas ela apenas murmurou um “A gente se vê...”,
enquanto girava sua cópia da chave na fechadura e entrava,
desaparecendo na escuridão da casa, cuja porta se fechou
sem demora.
Não entendi. Chegando em casa, tive um sonho
intranqüilo. Havia gostado demais da experiência e imaginava
mil maneiras de como nós iríamos explicar ao Marson que
estávamos juntos, eu e a Carla. Dane-se que eu tivesse que
me explicar, apanhar, pedir desculpas...íamos ficar juntos, eu
e Carla... estava preparado pra tudo...
Menos para, no dia seguinte, chegar à sala de aula
e ver os dois, Carla e Marson, abraçadinhos, juntinhos.
Quando Marson se levantou e veio me cumprimentar, sorriso
besta na cara, eu me senti muito mal.
Marcos Alexandre

Não porque eu tenha sentido remorsos por ter


traído meu melhor amigo traçando a namorada dele, mas
porque, por cima do ombro de Marson, eu vi Carla me
olhando e tentando segurar o riso. Burro! Eu havia sido só
uma transa, um trouxa. Apenas um brinquedo. Aos poucos,
fui me afastando dos dois e perdi o contato. Não queria mais
ser usado...
Lágrimas de Anjo

Reencontro

N
o entanto, a vida nos
prega peças. Isso
mesmo. Cinco anos
após a formatura, quando eu já pensava
tê-la esquecido, acabei reencontrando
Carla em um barzinho no Bixiga. Parecia
outra pessoa. Nada que lembrasse
aquela estudante imatura que eu conhe-
cera. Seu noivado com o Marson havia
acabado há anos e ela estava muito
mais bonita.
Mesmo ressabiado, começa-
mos a sair juntos e passei a perceber
como Carla havia mudado: estava mais
madura, segura, sensível. Mas não me
rendi logo nos primeiros encontros -
recomeçamos nossa relação apenas
como amigos. A aventura nos dias de
Marcos Alexandre

faculdade e até mesmo o que considerávamos “amizade”


naquela época faziam parte de um passado morto e enterra-
do. Nos tornamos dois amigos que riam muito, pois, invaria-
velmente, completávamos as frases um do outro. Antes que
as palavras me viessem à boca, ela já sabia o que eu ia di-
zer...
Mas a atração que eu sentia por ela, e que ela
parecia desenvolver por mim, não podia mais ficar restrita
apenas às palavras. Em uma noite de verão (benditos todos
os sonhos de uma noite de verão), acampando com alguns
amigos, “aprofundamos” nossa amizade com um beijo. Mas
queríamos mais.
Larguei meu violão sobre a ponte de madeira que
atravessava o córrego e embrenhei-me com ela mata adentro,
em direção a uma pequena capela que havia nas proximida-
des.
A imagem de uma santa, no nicho da capela, nos
via procurando, tocando, sentindo e amando. Apesar do
prurido religioso que arremeteu contra Carla, que pediu para
que nos afastássemos da imagem, eu não conseguia sentir
nenhuma vergonha. Parecia até que os anjos no céu nos viam.
E aprovavam a nossa paixão.
Depois dessa “redescoberta”, continuamos a nos
ver e a nossa relação foi ficando cada vez mais intensa.
Meses mais tarde, decidimos nos casar. Dispensamos as
formalidades religiosas e casamos apenas no civil. Jorge e
Marina foram nossos padrinhos. Estávamos felizes, realmente
felizes.
Lágrimas de Anjo

Depois de um ano e dois meses, a chegada de


Guilherme, nosso primeiro filho, nos uniu ainda mais. Três
anos mais tarde, chegaram as gêmeas, Amanda e Diana. Eu
estava feliz. Tinha uma família feliz e meus livros estavam
vendendo muito bem. Estava lançando meu quinto romance:
“O Homem que era Dezembro”. Mal sabia que, dois anos
mais tarde, estaria no fundo do poço. Queria esquecer de
tudo, mas agora me aparece na porta esse merda, agora
sentado em meu sofá, e me faz lembrar de um tempo em que
fui feliz... e me faz lembrar do começo do fim...
Marcos Alexandre

Pesadelo

M
eu casamento ia
bem, mas
depois de seis
anos, o tédio surgiu e eu fiz a maior
burrada da minha vida. Eu estava me
envolvendo com a Baby. Sobrinha do
Jorge. Ela era uma gracinha. Dez
anos mais nova que eu. Mas bateu a
vontade, ela deu mole e fomos parar
em um restaurante, perto de uma
clínica em que ela trabalhava como
esteticista.
Morena, cabelos pretos,
boca carnuda e um par de coxas
capaz de parar um caminhão. Depois
do jantar e muitos drinques, fomos
parar em um motel. Incrível como um
bom papo e algumas doses têm o
Lágrimas de Anjo

poder de conquistar uma mulher. Talvez porque essa garotada


de hoje só pense em futebol, videogame... desperdiçam
tempo enchendo o carro de homem e dando voltas pelas ruas
da cidade... E com tanta mulher sobrando...
Era pra ser uma aventura. Uma noite agradável e
inconseqüente. Nada sério. Eu vivia bem. Amava minha
esposa e filhos. Amava minha família. Baby sabia que eu era
casado. Para ela, era apenas uma questão de pele, de desejo,
sabia que era apenas uma “transa”. Não iria acontecer mais
nada. Ninguém iria ficar sabendo...
A merda é que ninguém ficou sabendo da primeira
transa. E ladrão que escapa impune, fica mal-acostumado.
Voltamos a sair uma segunda vez... uma terceira... uma quar-
ta. E aí perdemos o controle. Nos “viciamos” um no outro.
Não era amor. Era um hábito. Um hábito perigoso.
Comecei a me ausentar de casa mais do que seria
normal. Tentava disfarçar na cama, mas Carla percebia que
meu interesse havia diminuído. Ela começou a desconfiar.
Baby deixou de usar perfumes e maquiagem quando saíamos,
para evitar um inconveniente colarinho manchado ou uma
camisa com cheiro diferente. Carla passou a ser fria comigo e
discutíamos por bobagem. Era o começo do fim.
Quando vi que podia perder minha mulher, decidi
acabar com a aventura. Nada valia tanto assim. Liguei para
Baby e marquei o que seria nosso último encontro. Burro !!!
Carla estava escutando na extensão.
Marcos Alexandre

Morte

Q
uando me prepara
va para sair, Carla
irrompeu quarto
adentro, furiosa, espumando de ódio.
“Você não vai sair, quem vai sair sou
eu !!!”, gritava, enquanto socava
algumas roupas dentro de uma mala,
apanhada ao acaso. Não tive tempo
de argumentar. Percebi que ela devia
ter ouvido a conversa com Baby e
agora meu casamento ia pro buraco.
Segurei-a pelos ombros e
tentava acalmá-la quando ela largou
as roupas e estourou uma bofetada em
meu rosto. Talvez por instinto, reflexo,
pura estupidez, devolvi-lhe o tapa
com violência redobrada. Ela
esborrachou-se no chão e eu me dei
Lágrimas de Anjo

conta do que acabara de fazer.


“Você nunca mais vai encostar as mãos em mim”,
disse, pausadamente, com a voz carregada de profunda
mágoa. Não imaginava descobrir a fera em que se torna uma
mulher traída. Sentei-me na cama e tentava pensar em uma
saída para aquela situação...
Estava perdendo minha mulher e minutos antes
havia agredido a companheira de tantos anos por causa de
uma aventura. “Que merda !!!”, pensava. Carla saiu em
disparada para a garagem, desistindo de levar a mala e arras-
tando as gêmeas pela mão, rumo ao elevador. “As crianças,
ela vai levar as crianças !”, acordei. Guilherme, maiorznho,
foi atrás da mãe. “Aquele moleque chorão...”, pensei.
Desci pelas escadas,correndo, gritando e prague-
jando. Ela já havia colocado as gêmeas no banco de trás
quando eu me aproximei, peguei-a pelo braço e comecei a
dizer: “Pelo menos briga comigo !!! Não me ignore, merda !!!
Não é sempre você que tem respostas pra tudo ?!?”, gritava,
ensandecido e assustado pelo desprezo com que ela olhava
para mim. Guilherme, assustado, correu para a traseira da
Pajero e se escondeu. Não queria apanhar do pai doido. Aí a
tragédia.
Nos esquecemos, na discussão, de que Guilherme
não estava dentro do carro. Àquela altura dos acontecimen-
tos, o menino podia estar na lua que não iríamos nos dar
conta. Carla fechou a porta, enquanto eu berrava feito louco
e ligou o carro, engatando a ré. Guilherme mal teve tempo de
gritar. Foi prensado contra um pilar da garagem.
Gritei e corri em sua direção. Meu coração pare-
Marcos Alexandre

cia que ia saltar pela boca. Carla olhou para trás e viu o que
tinha acontecido. Hoje, reconheço que foi um acidente, mas
na hora, eu abraçava o corpo ensangüentado do menino e
gritava: “Assassina... assassina !!!”.
Eu a odiava, mais que tudo, naquele momento. Eu
me odiava. Mas não queria acreditar que Guilherme estivesse
morto. Queria que ele respirasse, falasse e que aquele sangue
todo fosse como no cinema... de mentira.
Mas, não. Carla, pulando do carro, caiu de joe-
lhos junto ao menino, segurava a sua mão, tremia, chorava e
gritava: “O que eu fiz? O que eu fiz, meu Deus ?!?”
Um sujeito, talvez esse mesmo sujeito sentado
agora em meu sofá, surgiu do nada, aproximou-se, sem dizer
uma palavra e tentou, em vão, reviver o menino. Na hora,
pensei que fosse um médico, sei lá o que pensei, se é que eu
pensei... não pensei em nada. Só sei que pelo sangue e as
fraturas, eu já sabia que ele estava morto, mas quando o
estranho me tocou, afastando-me com gentileza, porém com
firmeza, do menino, ainda senti uma ponta de esperança.
Primeiro, ele tentou respiração boca a boca,
enquanto, pasmos, eu e Carla ficamos ajoelhados, unidos em
meio à raiva, à sensação de impotência e um incômodo
senso de solidariedade conjugal, esquecendo a briga de
momentos antes, enquanto o estranho de capote negro se
arqueava sobre nosso filho como um abutre humano. As
gêmeas choravam, esquecidas dentro do carro.
Com uma voz ininteligível, o estranho começou a
dizer palavras esquisitas (ao menos não parecia nenhuma
Lágrimas de Anjo

língua que eu pudesse identificar) e a resmungar com alguém


invisível. Parecia que tentava afastar alguém do corpo de
Guilherme. Em choque, vimos o estranho finalmente baixar a
cabeça, balançá-la em sinal de desistência e erguer-se, afas-
tando-se sem olhar para nós, amaldiçoados, desventurados,
pais desfilhados.
“Ashmel recusou meu pedido. A criança já está à
caminho da Cidade Alta...”, disse-nos, como quem informa a
previsão do tempo. “Que porra é você !?!”, revoltei-me, com
os olhos cheios de lágrimas, enquanto o via afastar-se e
imaginava porque havia permitido àquele louco pôr as mãos
no meu filho morto.
Os vizinhos e curiosos foram chegando, cada um
com sua própria e particular expressão de horror estampada
no rosto. Alguém chamou a polícia, que tomou as providênci-
as de praxe. Um amigo influente manteve o caso longe da
imprensa, ao menos tanto quanto foi possível. Guilherme foi
velado e enterrado. Eu, Carla e as gêmeas continuamos no
mesmo apartamento até poucos dias depois do enterro. Nos
esforçamos para não piorar mais ainda a situação e mantive-
mos a dignidade, evitando demostrar que já estávamos em
franco processo de separação.
Carla responde ainda a um processo por homicí-
dio culposo, e não doloso, pois obviamente não houve dôlo,
intenção... mas manteve a guarda das gêmeas, em parte,
porque testemunhei a seu favor, revelando em detalhes o que
motivou a briga, e seu estado emocional na hora do acidente.
Mas a verdade é que eu sei quem matou meu filho:
Marcos Alexandre

meus erros. Sim, eu não conseguia me perdoar, e nem à


Carla. Nossa separação foi amigável, para sair mais rápido.
Mas nosso ressentimento mútuo vem crescendo desde então.
Pra piorar, o Dr. Marcelo, advogado dela, a aconselhou a
manter distância de mim, e a só permitir visitas às crianças
nos dias determinados pela Justiça. Aquele advogado safado
deve estar de olho nela...
Lágrimas de Anjo

Nome

E
“ u disse que fiz o
possível para salvar
seu filho”, o estra-
nho repetiu, como se tentasse me
despertar de um transe. Sentado no
sofá da sala, sua imponência acentua-
va um ar de pretensa superioridade.
“Eu ouvi”, retruquei, irrita-
do, pondo um fim às lembranças.
“Mas você ainda não disse quem é e
o que quer comigo”, continuei.
“Eu sou um anjo. Ou
melhor: um ex-anjo. Quero que você
pare de escrever seu livro imediata-
mente. Também quero que me devol-
va os originais de meu diário, que
foram roubados de mim por um agen-
te que me persegue, e a esta altura,
Marcos Alexandre

poderia estar aqui por perto me vigiando. Há mais sobre mim


que nem a você, nem aos humanos importa saber... Já bastam
as especulações de que fui alvo, pela imprensa, depois que
esse tal agente divulgou partes de meu diário, na clara tentati-
va de me atrair a alguma armadilha, acredito...”, disse, cal-
mamente. A afirmação saiu assim, tão natural, que precisei
segurar o riso diante de um diálogo tão estúpido.
“Um anjo ?!? Se você é um anjo,seu maluco, onde
estão suas asas ?!?”, respondi, com ironia, tentando me
controlar.
“As tomaram de mim”, disse, desviando o olhar.
Quase senti pena daquele maluco. Continuei a brincadeira. “E
por que raios eu deveria acreditar em você e interromper meu
trabalho ?!? Quem diabos, realmente, é você ?!? O que quer
de mim ?!? Olha, se você está aqui a mando de alguma edito-
ra concorrente, eu...”, disse, enquanto tentava me acalmar...
“Nou sou o diabo, embora o conheça bem. E
também não pertenço a nenhuma empresa humana. Sou um
ex-anjo com motivações próprias e simplesmente quero que
desista de seu projeto de escrever mais bobagens. E desta
vez, sobre mim... Não preciso e nem quero publicidade
humana”, arrematou.
Não agüentei mais. Um arrepio me percorreu a
espinha. Parti para cima dele, punho fechado, para dar-lhe
um belo murro na cara. Quem aquele bosta pensava que era,
para aparecer na minha porta, invadir minha privacidade, me
fazer lembrar da morte do meu filho e ainda dizer que era um
anjo?
Lágrimas de Anjo

Impassível, o estranho me deteve com apenas uma


frase:
“Meu verdadeiro nome é ... ”
O nome, impronunciável por lábios humanos,
atingiu-me como um furacão, me lançando a dois metros de
distância, feito um boneco desarticulado. Caí sobre o bar,
quebrando copos e garrafas. Cortei as mãos e os braços,
tentando me apoiar, tentando me levantar. Livros e papéis
voaram pela sala e, em meio ao pandemônio, percebi que
havia irritado o cara errado. O estranho aproximou-se, esten-
deu-me a mão e me ofereceu ajuda para que eu me erguesse.
Afastei sua mão e me apoiei nas paredes.
“Acredita em mim agora?”, perguntou. Meio
zonzo, tentando compreender a situação, só consegui res-
mungar: “Vá à merda...”, “Já estou nela até o pescoço...”,
retrucou. Só mais tarde fui entender o comentário.
“Agora acredita em mim ?”, voltou a perguntar,
enquanto tornava a sentar-se, calmamente, no sofá. “Um anjo
sem asas está na minha casa, pedindo pr’eu parar de escre-
ver o livro que pode me tirar do buraco ?!?”, murmurei,
enquanto me recompunha. “Estamos progredindo ! Pelo
menos, agora, acredita que sou um anjo...e pode me chamar
de um nome pronunciável pelos humanos: Ariel...”, completou
com sarcasmo.
“Eu sei como você deve estar se sentindo. Não é
todo o dia que um simples mortal enfrenta um experiência
como essa. No entanto, apesar de seu limitado intelecto
humano, creio que você poderá encontrar outro tema, e
continuar exercendo sua profissão”, sentenciou.
Marcos Alexandre

Revolta

S
“ eu filho da puta!”,
esbravejei, irritado.
“Você não me conhe-
ce!!! Quem é você e quem te deu o
direito de me menosprezar? Um cara
que diz que é um ex-anjo... não lembro
muita coisa das aulas de catecismo,
mas se você é “ex” é porque é um
caído, um fracassado...”, devolvi a
ofensa. Na boca, um gosto de areia,
fel. Ondas de calor percorriam a minha
espinha.
“Gostaria que me perdoas-
se... Não desejava ofendê-lo”, disse,
no que soava como um pedido de
desculpas.
“Eu também estou muito
nervoso com esta loucura toda...e você
Lágrimas de Anjo

não parece nada com o que eu esperaria ver como um


anjo...”, respondi... “Mas, meu Deus! Como alguém pode
deixar de ser um anjo?”, completei. Era mais uma pergunta
retórica que outra coisa.
“Eu vou lhe contar...”, ele arrematou.
Marcos Alexandre

Queda

N
os primórdios da
Criação, eu era
um deles. Viajava
por entre as estrelas, andava na
superfície dos sóis, mergulhava em
buracos negros e assistia ao nasci-
mento de quasares, andando sobre
táquions e quarks. Meus irmãos se
dedicavam a louvar o Altíssimo, a
brincar na imensidão do cosmo e a
criar esferas de luz na imensidão
negra do espaço.
Na eternidade, nossas
vozes erguiam-se em um coro de
alegria, e nossos corpos dançavam
uma dança louca em um êxtase
inexprimível, imponderável. Éramos
incontáveis. Tantos, que somente
Lágrimas de Anjo

nossa condição de espítiros nos permitia coexistir. Afinal, não


sendo matéria, podíamos ocupar o mesmo espaço ao mesmo
tempo.
Éramos únicos. Uns mais poderosos que outros,
cada um com suas peculiaridades, dentro de sua própria
casta: Potestades, Dominações, Tronos, Querubins, Serafins,
Arcanjos e Anjos. Cada casta com sua função específica e
todos nós, perfeitos. Eu era um Anjo. Eu O amava. Era grato
por Ele ter me criado, concedido a mim a graça da consciên-
cia. Eu era feliz.
E toda essa felicidade durou uma medida de
tempo tão longa que não há números para exprimí-la. Contu-
do, só agora percebo o quanto esse período foi breve, com-
parado à eternidade. Tudo começou a mudar quando ele se
rebelou. A mudança foi sutil, insidiosa, imperceptível.
O mais belo entre nós não participava mais de
nossos folguedos, dos passeios, dos louvores. Ele se fechava,
recolhia-se em si mesmo, cobria-se com suas asas e pairava,
imóvel, sobre as águas acima do firmamento.
Nunca antes havia sido pronunciada a palavra
“dúvida” no Reino. Ninguém jamais conhecera tal sentimen-
to. Mas um desconforto (um conceito novo, que repentina-
mente passamos a conhecer também), algo estranho invadia
nosso peito e espalhava-se, intensificando-se, quanto mais
nos aproximávamos dele. O Portador de Luz não estava feliz.
Como era possível? O mais belo entre todos nós não estava
feliz! O que, em nome dEle, poderia faltar ao menor dos
anjos, que justificasse a ausência de felicidade?!?
Marcos Alexandre

Descobrimos, um a um, o que faltava ao Portador


de Luz. Ele desejava adoração. Queria ser adorado como o
Altíssimo era. Ele desejava ser o Altíssimo. Queria sentar-se
no Trono do Altíssimo e estabelecer uma nova ordem na
Criação.
Ninguém, a princípio, entendeu do que se tratava.
Era o primeiro anjo a ter uma idéia dessas. Nunca nos faltou
nada, nunca fomos maltratados...existíamos, éramos amados,
reconhecidos, conversávamos com Ele face a Face e Ele nos
conhecia pelo nome. Éramos parte dEle. Por quê almejar Seu
lugar? Ele era o único digno de adoração. Ele não era o
Altíssimo à toa... ninguém Lhe dera o cargo. Ele Era, É e há
de Ser desde o princípio dos tempos.
Aos poucos, as idéias do Portador de Luz foram
sendo absorvidas por outros anjos. Ninguém sabia o que era
uma “mentira”. Tudo o que os anjos diziam era o que era: a
verdade. Jamais um anjo teve a necessidade de dizer algo que
não fosse a verdade. Ninguém havia pensado nisso...
Mas ele inventou a mentira. E como um abismo
chama outro abismo, ao fragor de suas catadupas, uma men-
tira chamou outra, até que o cerco se fechou e, entre as
mentiras, uma única verdade surgiu: O Portador de Luz queria
ser a própria Luz, e arregimentava anjos através da promessa
de que, quem o seguisse e se voltasse contra a Verdadeira
Luz, receberia muito poder e teria o privilégio de servi-lo em
seu novo reino (mesmo que a maioria dos anjos não soubesse
nem o que fazer com mais poder... nem necessitassem disso
ou de que qualquer outra coisa...). Cobiça. Ganância. Des-
Lágrimas de Anjo

confiança. Medo. Ódio. Guerra. Essa foi a seqüência.


Apesar da Luz Divina brilhar em sua face e o
Perdão em pessoa abrir Seus braços, Lúcifer (nome latino
que vocês humanos cunharam e que significa “Aquele que
carrega a luz”) não quis voltar atrás. Quanto tempo o
Altíssimo não deve ter dado a ele, esperando que se arrepen-
desse e voltasse aos Seus braços? Quanto tempo? Com
certeza, foi muito, mais do que se pode medir, já que o ou-
trora Portador de Luz teve tempo de arregimentar um terço
dos anjos do céu para combatê-Lo.
A luta encarniçada que se seguiu nunca foi vista
por olhos humanos (vocês nem haviam sido criados ainda) e
só se verá uma igual no Apocalipse. Miguel recebeu a incum-
bência de expulsar os rebeldes e, junto com o Exército
Celestial, precipitou-os para as Trevas Exteriores - um lugar
espiritual, do qual o Altíssimo retirou Sua Presença. Ora, se
Ele é o Bem Absoluto, e sua Presença é Vida, imagine, tente
imaginar, um lugar onde não exista Sua Presença: Morte,
Desolação, Trevas, Fim.
Nesse lugar, Lúcifer e seus asseclas enlouquece-
ram ainda mais. Tramavam sua vingança contra o Eterno e
maquinavam formas de atingí-Lo. Mas não tinham poder
suficiente nem meios para alcançá-Lo.
Então, o Altíssimo criou o Homem. Um ser à Sua
Imagem e semelhança, com um potencial maior que o de
todos os seres da Criação, e pelo qual, tempos depois, Ele
sacrificaria seu próprio Filho numa cruz. O Eterno amava o
Homem, essa criatura volúvel e frágil. E, já que Lúcifer e seus
asseclas não podiam atacar o Eterno diretamente, decidiram
Marcos Alexandre

concentrar seus esforços na destruição daquele a quem Ele


dedicava Amor Infinito. Foi assim que vocês entraram nessa
guerra.
Cada homem que permite que o Eterno faça nele
morada, significa uma vitória de Deus e a salvação do próprio
homem. Cada vez que o homem cede às mentiras de Lúcifer,
o Eterno se entristece. Mas, por quê o Altíssimo, simples-
mente, não condena o Mal à não-existência, livrando o ho-
mem e a Si mesmo do Mentiroso-mor? Juro que não entendo,
mas imagino que a existência do Mal seja uma forma do
Altíssimo manifestar a Sua Bondade, Misericórdia e Amor,
demonstrando o quanto respeita o homem como ser vivente,
oferecendo as dádivas da escolha, do livre arbítrio, já que há
dois caminhos a escolher: o Bem e o Mal...
Mas, voltando ao meu caso, eis que ele é único,
em toda essa trama. Eu não lutei ao lado de Lúcifer e seus
rebeldes. Nem mesmo lutei ao lado de Miguel e o Exército
Celestial. Eu me escondi. Para minha vergonha eterna, eu me
acovardei. Entre todos os anjos do Céu, eu fui o único a me
furtar de tomar uma posição. Tive medo.
Lúcifer era imponente, e se ele vencesse a bata-
lha? Mesmo que isso fosse impossível, como de fato constatei
mais tarde, não quis me arriscar. Se ele tivesse vencido, sua
vingança seria implacável contra os que tivessem lutado ao
lado de Miguel. Por outro lado, nunca havia ocorrido uma
escaramuça no Céu. O que poderia acontecer comigo? Um
anjo pode ser ferido de morte? Ferido de morte, morreria?
Anjos morrem? Eu poderia morrer? O que é morrer? É deixar
Lágrimas de Anjo

de existir? Eu me acovardei...
Depois da guerra vencida pelo Exército Celestial,
eu tentei voltar à Presença, mas os portões do Santo Lugar
estavam trancados. Gritei, clamei, implorei, mas não obtive
resposta alguma. Meus irmãos voavam pelo átrio do Santo
Lugar e pareciam não me ver ou ouvir. Fiquei pairando em
frente ao portão por mais um incalculável tempo, até que
decidi procurar os caídos. Quem sabe eles me receberiam?
Já que não tinha mais lugar entre os santos, busquei entre os
impuros. Não agüentava mais a solidão. Não agüentava mais
o silêncio.
Desci até às Trevas Exteriores e já comecei a me
arrepender de ter saído dos portões do Santo Lugar. Um
imenso “nada” me cercava. A escuridão era tamanha que
somente os sentidos espirituais permitiam vislumbrar o terrível
quadro à minha frente: o ódio dos caídos havia tomado for-
ma. Eram imensas línguas de fogo que ardiam ao redor dos
caídos e lhes conferiam um aspecto aterrador.
Encolhidos, os caídos eram uma paródia blasfema
dos anjos. Sua aparência lembrava mais o animal que os
humanos chamam de morcego, com suas asas enegrecidas e o
semblante deformado. Ao me verem chegar, todos se abriram
num sorriso que mais parecia um esgar. Uma risada como
gelo se quebrando pareceu surgir de um trono tosco, mal
acabado, em torno do qual alguns caídos se reuniam.
“O que vieste fazer aqui, Ariel? Vieste zombar de
nosso infortúnio?”, uma voz carregada de escárnio atingiu-me
como um raio.
Marcos Alexandre

“De maneira nenhuma, Portador de Luz...eu...”,


tentei balbuciar...
“Não me chame por esse nome novamente...
jamais !!!”, ouvi o grito, enquanto garras me apertaram a
garganta e pela primeira vez em minha existência eu soube o
que era a dor. “Eu sei bem quem você é... você é aquele que
não lutou consoco... Não teve fé em nosso propósito e nem
creu na vitória do Altíssimo. Você é um covarde que se es-
condeu da batalha...”, grunhia, enquanto ria, falava, espuma-
va e se contorcia. Não parecia mais, em absoluto, o mais
belo dos anjos. Era um arremedo de dor, loucura e caos.
Com toda a minha força, me libertei e tentei argu-
mentar a meu favor. A situação exigia que eu demonstrasse o
mínimo de reverência, por mais que aquilo me revoltasse o
íntimo. “Não quis ofendê-lo... senhor...”, disse. Honrar aque-
le infame com o título de “senhor” foi a coisa mais degradante
que já fiz, mas naquele momento, temia até pela continuidade
da minha existência... “Vim apenas para ver se entre vós há
lugar para mais um rejeitado...”, acrescentei, tremendo, pela
segunda vez, em uma eternidade.
“Rejeitados ?!? Nós ?!? Nós é que rejeitamos o
Céu! Nós somos livres, agora. Não temos que servir a nin-
guém!!! Somos uma comunidade de seres com um propósito:
reinar, e não servir. Afinal, é melhor reinar no Inferno que
servir no Céu. Não acha, Ariel?”, disse, abrindo os dentes
em um sorriso indecifrável. “Se o... senhor ...diz...”, respon-
di, tentando mostrar segurança.
“Mas acredito que não tenhas lugar entre nós.
Somos a glória de nós mesmos, senhores de nós mesmos,
Lágrimas de Anjo

somos o futuro! Eu sou o deus destes que me rodeiam e não


queremos ter parte contigo, ainda que também sejas um entre
os caídos...”, retrucou o ex-Portador de Luz, agora o Primei-
ro Entre os Caídos, causando-me um imenso alívio. Fôra um
erro ter procurado os renegados. Queria sair dali o mais
rápido possível, mas não podia, nem queria mostrar-me mais
uma vez um covarde. Esse foi o meu segundo erro.
“No entanto, já que vieste nos visitar, a nós, os
‘rejeitados’, como tu dizes, creio que deves ao menos nos
deixar um presente. Que súdito visita um rei, especialmente o
novo rei, sem deixar uma dádiva?”, continuou o Primeiro
Entre os Caídos, seus olhos, duas brasas incandescentes.
Pensei em fugir, mas uma legião já havia me cer-
cado. Um entre incontáveis caídos. “O que vai fazer? O que
quer de mim?”, gritava, já desesperado, enquanto incontáveis
mãos me agarravam. Aproximando-se cuidadosamente, o
Primeiro Entre os Caídos encostou seus lábios em meu ouvi-
do e sussurou: “Eu quero suas asas!”. O pânico e o horror me
inundaram e, num mar de vertigem, ouvi a ordem: “Arran-
quem !!!”
Marcos Alexandre

Cerco

A
cordei em um
deserto. O sol
ardia em minha pele
e minhas costas latejavam. Com imen-
so esforço, cuspi areia e saliva e, com
um esforço maior ainda, tentei tocar
minhas asas. Os dedos encontraram
apenas duas crostas de sangue coagu-
lado. Gritei o mais alto que pude e
desmaiei, vencido pela dor. Trevas.
Acordei novamente, desta
vez com um pano molhado sobre a
testa. Olhando ao redor, percebi que
estava dentro de uma habitação huma-
na. Paredes de pedra. Brasas no chão
assavam uma massa escura. Um velho
sorriu com dentes podres e contou
que havia me recolhido às portas da
cidade, quando abutres e chacais já
Lágrimas de Anjo

esperavam para devorar o que restava de meu corpo, encon-


trado nú sobre o chão.
Tentei balbuciar um agradecimento, mas não
consegui. Nos dias que se seguiram, o velho cuidou de mim,
aplicando ervas nos buracos purulentos onde antes haviam
asas, minhas asas, e me alimentando com um bolo de farinha
que ele chamava de pão - único mantimento que lhe restara.
Enquanto convalescia, o velho me explicava a
situação em que a cidade se encontrava, tentando me distrair
da dor, já que acreditava que a gravidade de meus ferimentos
poderiam afetar o juízo de qualquer homem normal. Para ele,
eu era algum nobre estrangeiro que, ignorando o cerco dos
soldados à cidade, teria sido atacado, ferido, roubado e
deixado para morrer. Talvez eu carregasse provisões ou ouro,
conjecturava. Ouvia tudo com atenção, mas não conseguia
falar. Só conseguia emitir alguns grunhidos. O trauma havia
sido muito grande...
“Não entendo como chegaste aqui, rapaz. Tua
aparência é de um estrangeiro. Apesar de teu abatimento,
conheço um estrangeiro quando o vejo. Deves ser rico, pois
tuas mãos não têm calos, tua pele e cabelos não são queima-
dos de sol e teus pés não se assemelham aos de quem já
cruzou o deserto. Peço-te, portanto, quando o cerco acabar,
e tu melhorares, intercedas em favor deste velho junto aos
conquistadores... se é que eles te ouvirão. Mas, por Yaweh, é
uma esperança!”, choramingava, enquanto cuidava de mim,
limpando minhas chagas com vinagre.
Á noite, os gritos das crianças famintas não nos
deixavam dormir. Durante o dia, ninguém saía às ruas. Desde
Marcos Alexandre

que acordara naquela cama de palha, o velho não havia


aberto a porta de madeira sequer uma vez. Nas noites seguin-
tes, a cidade foi ficando cada vez mais silenciosa, salvo
alguns gritos ocasionais, horríveis e cada vez mais raros.Não
se ouviam mais as crianças, nem seus gemidos. No décimo
dia, o velho chorava, ouvia o silêncio e balançava a cabeça.
desconsolado. “Eles o fizeram... eles o fizeram...”, repetia,
enquanto cortava em tiras o couro de suas sandálias e as
colocava em uma panela de pedra para cozinhar. Algumas
fezes de pombo nos alimentaram durante o décimo segundo
dia desde minha chegada. Já podia sentar-me na cama.
Alta madrugada, acordamos, eu e o velho, com
batidas na porta e berros de uma mulher. “Meu filho !!! Eles
querem meu filho!!!”, gritava. O velho, espavorido, abriu a
porta e uma mulher invadiu a casa gritando, com um bebê nos
braços. Ato contínuo, uma turba atirou-se casebre adentro,
tochas nas mãos, e arrancou a criança chorosa dos braços da
mãe, que a todo custo, tentava defender a cria, gritando e
chutando os agressores de olhos vidrados, pele macilenta e
ossos proeminentes. Um soco na boca e dentes voando
numa cusparada de sangue calou os protestos da mulher,
enquanto eu e o velho assistíamos a tudo, impotentes diante
da multidão que se acotovelava dentro do casebre. Perden-
do-se na noite e arrastando a mulher pelos cabelos, inconsci-
ente, a turba afastou-se da casa, levando a criança e largando
a porta escancarada. O velho tremia e chorava, suplicando ao
seu Deus misericórdia, encolhido num canto. Lá longe, o
choro parou. O cheiro de carne assada não nos deixou dor-
mir mais.
Lágrimas de Anjo

Conquista

N
o décimo oitavo
dia, os portões
caíram. O cheiro
de morte era insuportável. Os que
haviam morrido de fome apodreciam
nas casas e praças, e agora se mistu-
ravam aos mortos feitos pelos solda-
dos. A visão da cidade, através de
uma fresta na porta, horrorizaria até
o mais duro dos homens. Os solda-
dos entraram triunfantes, sob o rufar
de tambores.
Lembrei-me do grupo de
anjos que anunciava, nos céus, as
manifestaçoes do Altíssimo e lem-
brei-me também de que um dos
atributos dEle era ser o “Homem de
Guerra”, o “Senhor da Guerra”...
Eu já começara a melho-
rar e, em um ou dois dias, já estaria
Marcos Alexandre

em boa forma, apesar da fome que sentia, uma sensação nova


nesse corpo material no qual me vi depois do meu encontro
com o Primeiro Entre os Caídos...
Quanto aos soldados, eles estavam exultantes com
a vitória, até perceberem que os habitantes da cidade haviam
praticado canibalismo apenas para não se entregarem. Ho-
mens endurecidos pela guerra não resistiram ao ver ossos de
crianças espalhados pelo chão dos casebres. Loucura de
guerra. Eu viria isso mais duas vezes, no futuro. Bem no
futuro.
Horror. Eu e o velho assistíamos, pela fresta da
porta, os soldados gritarem e passarem a fio de espada todos
os que parecessem adultos. As mulheres eram arrancadas de
dentro de suas casas, estupradas e mortas, tudo sistematica-
mente. Um grupo avançou em nossa direção e o velho, espe-
rando misericórdia, abriu a porta, tentando argumentar com
os conquistadores. Que engano!
Uma espada curta atravessou seu estômago e
entre vísceras e sangue, o velho caiu para trás. O primeiro
soldado foi distraído por um grito providencial, caso contrá-
rio eu teria sido eviscerado também. Ergui o cadáver do
velho e deitei-me embaixo dele, abraçando-o. Quando outro
soldado entrou no casebre, minutos mais tarde, à procura de
sobreviventes da chacina, certamente pensou que eu também
estava morto. Foi minha salvação.
Esperei longas horas, até que o sol se pôs e as
únicas luzes vinham das chamas que ardiam nas pequenas
casas. O sangue do velho já estava seco sobre minha pele.
Lágrimas de Anjo

Virei o cadáver de lado e me senti um inútil por não ter podi-


do fazer nada pelo velho. Absolutamente nada. Fraco como
estava, não tinha um milésimo da energia de minha condição
angélica. Mais tarde, descobriria qual sentido tem para os
humanos os ritos de um funeral. No momento, estava desco-
brindo o que era a morte. Com cuidado, me esgueirei pelas
ruas apinhadas de corpos. Vestia andrajos roubados de um
dos inúmeros cadáveres e, tentando fugir, ocasionalmente
escorregava nas poças de sangue. Finalmente, cheguei a um
dos portões destroçados pelo exército invasor.
Ao longe, divisava um grupo de soldados levando
alguns poucos cativos. Talvez para mostrar aos seus senho-
res, fossem eles quem fossem, seus “troféus” de conquista.
Fiquei ali parado por algumas horas, tentando decidir o que
fazer. Súbito, um gemido me tirou do estupor.Um moribundo.
Aproximei-me dele e num ímpeto, agarrei seus trapos e co-
mecei a sacudí-lo, desejando ardentemente que ele não mor-
resse naquele momento. Não queria ficar sozinho ali. Não
podia ficar sozinho !!! “Desgraçado!”,finalmente consegui
falar, extravasando toda minha raiva e frustração. “Não
morra antes de me dizer onde estou !!! Que lugar é este ?!?
Que lugar é este ?!?”, gritava.
Com o canto da boca que ainda estava inteiro, o
pobre coitado respondeu: “Jerusalém”. Foi sua última pala-
vra.
Choque: eu estava na Cidade do Grande Rei e a
profecia que o Messias, o Salvador dos Humanos, havia feito
sobre a Cidade Santa estava se concretizando diante dos
Marcos Alexandre

meus olhos!
Depois da queda do Primeiro Entre os Caídos, e
meu primeiro encontro com ele, eu assistira, do limbo fora
dos Portões da Cidade Alta, a criação da Terra e o
surgimento do homem. Longe de meus irmãos celestiais, e
mais preocupado em que alguém se lembrasse de mim e me
deixasse entrar novamente na Cidade de Prata, via , ao longe,
e como por uma névoa, o Altíssimo moldando, através da
persona do Verbo, da Sua Palavra, o gênero humano. Du-
rante a parcela da eternidade que fiquei pairando às portas
da Cidade Alta, via o homem sucumbir à mesma tentação na
qual caíram meus irmãos celestiais: querer igualar-se ao
Criador. No caso do homem, seu erro foi acreditar na mentira
do Primeiro Entre os Caídos, de que ao provar do Fruto do
Conhecimento do Bem e do Mal, igualar-se-ia ao Altíssimo.
Outro engano. Ao invés de igualar-se ao
Altíssimo, o homem e toda a sua espécie rebaixou-se à mes-
ma condição de desobediência que levou à queda de Lúcifer,
o Primeiro Entre os Caídos. Corroído pelo remorso e pela
impotência, já que não era ouvido nem pelos meus irmãos
celestiais, quanto mais seria pelos homens, que sequer pode-
riam tomar conhecimento de mim ou de qualquer outro ser
celestial- a não ser que o Altíssimo o permitisse, como o vi
fazer, tempos mais tarde, em algumas poucas ocasiões, assisti
o homem afastar-se, como eu, da Presença do Criador.
Mas, durante a minha solidão que antecedeu
minha derrocada, minha precipitação na Terra depois do
maldito encontro com o Primeiro Entre os Caídos, vi nascer a
Esperança do Perdão para os humanos, através do Messias.
E ainda impotente, e condenado a assistir a tudo, vi os huma-
Lágrimas de Anjo

nos rejeitarem, matarem numa cruz, a chance de reconciliação


com a Presença que lhe foi enviada pelo Altíssimo. Chance
que foi dada aos humanos, e foi negada a nós, anjos caídos, e
merecidamente mais a mim, anjo covarde.
Talvez meu crime, o de faltar com a fé, eu que vi o
Altíssimo Face a Face, tenha sido grave o suficiente para que
eu tivesse que me encontrar com Lúcifer e ser por ele lança-
do aqui, sem asas, acomodado em algo parecido com carne e
órgãos humanos, os seres mais odiados da Criação por
Lúficer e seus asseclas, que viam em vocês um arremedo,
uma cópia defeituosa dos seres celestiais, e que no entanto,
ganharam tamanha afeição e interesse por parte do Altíssimo.
Afeição a ponto dEle fazer encarnar um de seus aspectos,
parte de Si, e tornar-Se Filho para sacrificar-Se em favor de
vocês. Quanto a mim, um condenado, primeiro ao silêncio do
Altíssimo e depois a ser um voyeur durante milhares de anos
da evolução de uma raça de primatas ingratos como vocês,
torneu-me, graças ao amaldiçoado Lúcifer que me arrancou
as asas e me lançou aqui, uma aberração única em toda a
história da Criação.
Mas, retornando à história de minha desgraça
sobre a Terra, depois de ver o horror e a carnificina, cami-
nhei, sob um sol escaldante, por um tempo que não pude
precisar, e acabei chegando a um vilarejo fétido, onde acabei
conseguindo abrigo junto a um gordo mercador, que viu em
mim a oportunidade de aumentar seu contingente de trabalha-
dores braçais. Como se eu não pudesse escapar do horror e
da humilhação, fui colocado para trabalhar em um matadouro,
Marcos Alexandre

carregando as partes ensanguentadas de novilhos, bois e


carneiros.
Meses mais tarde, em uma de suas “inspeções
noturnas” que nada mais eram que uma caçada a candidatos a
amantes, o governador do pequeno distrito, Celso Agripinus,
pôs os olhos em mim. Senti-me devorado. Horas mais tarde,
dois eunucos me conduziam aos aposentos do governador.
Dentro de um grande tanque de água aquecida, efebos se
esfregavam com sais, fazendo companhia a Agripinus.
Apesar de meus protestos, fui despido e nessa
hora, Agripinus e os que acompanhavam soltaram um murmú-
rio de horror, ao verem as cicatrizes nas minhas costas, onde
antes haviam minhas asas. Em suas mentes supersticiosas,
para um homem sobreviver a tamanhos ferimentos só poderia
ter sido abençoado pelos deuses. Quanta ironia...
Depois de ouvir pedidos de desculpas, fui banha-
do cuidadosamente e vestido em linho e seda. Agripinus
passou a manter-me ao seu lado como um amuleto de boa
sorte e proteção divina. Nunca me tocou, apesar de eu ser
obrigado a assistir suas orgias regularmente. Não nego ter
cedido aos caprichos da carne, com efebos ou ninfas,que
começava a conhecer, influenciado pelo ambiente lascivo.
Passei a ter uma vida de cortesão e antes da morte de
Agripinus, vítima de uma devastadora, lenta e desconhecida
doença, fui agraciado por ele com o dote de uma pequena
possessão na Judéia e um pequeno rebanho de carneiros.
Estava, para os padrões da época, relativamente
abastado. E livre, ao menos em relação ao meu destino.
Todas as noites, porém, chorava de saudades do céu. E
rangia os dentes de ódio de Lúcifer.
Lágrimas de Anjo

Peregrinação

P
assei quinze anos na
Judéia, vivendo razoa
velmente bem. Contu-
do, rumores de que havia um homem
que não envelhecia já começavam a me
alertar de que era a hora de“Abner
Ahzel” (nome que adotara nesse perío-
do) “morrer”. Vendi todos os meus bens
e escravos (meu Senhor, tive até escra-
vos, etíopes e núbios), juntei toda minha
fortuna e segui para a Macedônia, onde
me estabeleci como comerciante de
azeite e especiarias por mais de vinte
anos.
Para enganar a solidão, me
entregava ao estudo das Escrituras, do
Torá judaico; aos escritos hoje perdidos
dos essênios, e tudo que se relacionasse
Marcos Alexandre

aos conceitos religiosos da época. Agora, era “Marduk


Asram”, e me fazia conhecido por freqüentar os prostíbulos
locais, para manter a farsa em torno do que era esperado de
um rico comerciante da época. As prostitutas eram regiamen-
te pagas apenas para conversar comigo, e guardar silêncio
sobre as marcas que trazia no corpo.
Ao final desse período, preferi me antecipar às
especulações sobre minha idade e juventude perenes e parti
para a Antioquia. Décadas mais tarde, fui para Corinto. Lá
conheci um certo Paulo de Tarso, que pregava o Evangelho
de Jesus, mas achei-me indigno de conversar ou sequer me
aproximar dele. Troquei tantas vezes de identidades, que por
vezes esqueço detalhes sobre a maioria delas. Sem um objeti-
vo real na minha existência, somente uma esperança me fazia
continuar a viver: descobrir um meio de obter, eu, um ex-
anjo, o perdão do Altíssimo e a graça de voltar à Cidade
Alta.
Por volta do ano 300 de sua era, decidi ingressar
na nova religião adotada, muito convenientemente, pelo
imperador Constantino. Passei a freqüentar suas reuniões,
apesar de não me tornar excessivamente conhecido, dado à
passagem dos anos e à inevitável pergunta: “Por quê ele não
envelhece?!?”
Passei mais mil anos me escondendo à vista de
todos vocês, humanos... Mas, com a queda de Constanti-
nopla, em 1453, afastei-me e descobri a arte, dentro da
religião, como uma das formas de me aproximar dos Céus.
Tornei-me mecenas de vários artistas. Estava rico e meus
Lágrimas de Anjo

negócios prosperavam. Havia me estabelecido em Florença e


divertia-me ver meus protegidos participando do movimento
hoje chamado por vocês de “Renascimento”. Mas, mesmo as
pinturas de Rafael e Michelângelo não passavam, para mim,
de uma pálida e longínqua visão do Céu. Mas eu os patroci-
nava mesmo assim. Pelo menos, minhas sugestões aproxima-
ram seus esboços da magnificência celeste.
Com o tempo, cansei-me de tudo aquilo e segui
para a França. Poucos anos depois, perdi tudo que tinha e
quase fui executado. Tudo por causa da Revolução.
De repente, os nomes dos meses foram trocados,
a religião banida e todos os meus bens confiscados. Já havia
conhecido vários tipos de adversidade, por isso, não me
preocupei tanto com a situação. Até que fui preso e colocado
em uma espécie de “corredor da morte”, esperando a hora de
seguir para a guilhotina. O fato de ter comprado, anos antes,
o título de nobreza do Duque de Alverne deve ter realmente
irritado os revolucionários.
Felizmente, a situação mudou e Danton teve o
mesmo fim que desejava aos nobres: a morte na guilhotina.
Felizmente não tive necessidade de recorrer às poucas facul-
dades angelicais que me restaram para salvar minha vida.
Mesmo em uma época influenciada pelos ideais iluministas,
exibir talentos maiores que os humanos poderia levar-me a
situação pior: ao invés de ter sido mantido preso, situação da
qual me safei, poderia ser tomado como bruxo pela turba
ignota e queimado em uma fogueira.
Empobrecido, embarquei no porão de um carguei-
Marcos Alexandre

ro inglês e acabei chegando a Londres. A cidade estava em


franca efervescência cultural, e um “homem” com meus dotes
intelectuais poderia facilmente infiltrar-se no meio artístico e
ganhar dinheiro, vil metal necessário à sobrevivência neste
mundo corrompido pelas mentiras de Lúcifer. Apresentei-me
como ator, concertista e escritor de peças de teatro.
Estava aprendendo a usar melhor alguns de meus
esquecidos atributos angélicos para conquistar a confiança ë
a admiração de meus “pares”. Sentia seus pensamentos e
correspondia além de suas expectativas, encantando-os com
uma pálida sombra do que aprendera na Cidade Alta.
Uma década e meia depois, já amealhara um
patrimônio considerável e era o cavalheiro preferido pelas
“damas” da noite londrina. Até que algumas delas passaram a
morrer nas mãos de algum louco. Chamavam-no de “Jack, o
Estripador”. A Scotland Yard suspeitava que fosse um médi-
co ou alguém com conhecimentos de medicina, devido ao
modo como trabalhava com o bisturi nos corpos de suas
vítimas.
Devido a meu modo circunspecto e melancólico,
comecei a levantar suspeitas entre as moças da Rua Quincey.
Antes que fosse acusado injustamente e descobrissem que
não tinha documentos, a não ser um contrato forjado, em
nome de “John Wessinger”, resolvi deixar a cidade. Reuni
meus pertences, encerrei minha conta no Lloyds e embarquei
rumo ao Novo Continente: a América.
Estabeleci-me , a princípio, como um fazendeiro
em Louisianna, às margens do Mississipi. Não tive escrúpulos
Lágrimas de Anjo

de voltar a recorrer ao trabalho de escravos, desta vez,


negros, até porque isso era algo perfeitamente aceitável para
a época (se bem que arrependo-me amargamente de ter
contribuído para a perpetuação de tamanho ato vil, o de
escravizar outro ser humano). Mas, já que eram escravos, e
bem podiam ser maltratados por algum sádico senhor, que
servissem a mim, que procurava tratá-los de maneira próxima
a um trabalhador assalariado, sem no entanto, deixar meus
vizinhos perceberem. Correria o risco de cair nas mãos dos
homens da Klan, que não hesitariam em matar alguns de meus
negros, como um “aviso” de que não seriam toleradas “intimi-
dades” de um homem branco com negros escravos. A solu-
ção foi combinar o seguinte: na ausência de estranhos, eu
seria o “patrão-amigo”. Na frente deles, o “patrão-senhor”. E
havia outra regra: quem pusesse o acordo em risco seria
punido. Talvez não por mim, mas por seus próprios irmãos
negros, os maiores beneficiados pela farsa.
Isso funcionou por mais de trinta anos. Mas meu
corpo não apresentava os sinais da decadência provocada
pela chegada da velhice e a nova geração de negros nascidos
em minhas terras passou a me temer. Acreditavam que eu
fosse um espírito desmorto, ou pior, um zumbi criado pelo
vodu, a crenca animista local.
Para evitar mais problemas, decidi voltar à Euro-
pa, e segui para a cidade francesa de Lourdes, onde uma
jovem de nome Bernadette Soubirou afirmava ter visto a
Virgem. Era o ano de 1858 e eu esperava que, em um local
tão místico, pudesse encontrar pistas para continuar minha
Marcos Alexandre

interrompida busca por um meio de voltar ao Céu.


Nada. Nada do que procurava encontrei. Em
1875, voltei à América, seguindo para Nova Iorque, em
busca de conhecimentos e doutrinas expostas por Helena
Blavatski em sua recém-fundada Sociedade Teosófica.
Engano. Eles sabiam menos sobre Deus que eu.
Havia muito de “sociedade” e pouco de “teosofia”. Conheci a
doutrina de Allan Kardec, através do Livro dos Espíritos,
publicado pela primeira vez duas décadas antes, em 1857, e
achei seus pontos de vista, sob a ética e a moral, muito inte-
ressantes. Era algo inovador. Mas também não fazia nenhuma
alusão ao meu caso.
Novas interpretações do cristianismo, como a
promulgação da doutrina da infalibilidade papal e do poder
que deveria deter o sucessor de Pedro, em 1870; a fundação
dos Testemunhas de Jeová, em 1871, além da criação da
Soka Gakkai, em 1930, por Tsunessaburo Makiguti, não
acrescentaram novidades, ao menos, para mim.
Depois da morte de Paulo VI, em 1978, segui
para Roma, a fim de conhecer pessoalmente Albino Luciani,
cardeal patriarca de Veneza, que havia sido eleito pelo Colé-
gio de Cardeais. Ouvira dizer, nos círculos religiosos, que
esse novo papa, que adotara o nome de João Paulo I, guar-
dava em seu íntimo ousadas idéias progressistas e
revisionistas sobre o catolicismo romano. Segundo alguns,
João Paulo I tinha a intenção de desencadear profundas
transformações na Igreja, na tentativa de aproximá-la dos
ideais primevos pregados pelo Cristo. E para tanto, prometia
Lágrimas de Anjo

revelar documentos secretos guardados nos cofres do


Vaticano há mais de um século...
Infelizmente, não consegui encontrar-me com ele
cara a cara, mesmo usando toda a minha influência e dinheiro
para marcar uma audiência. O novo papa morreu, de causas
mal-explicadas até hoje, e isso trinta e três dias depois de
receber o “anel do Pescador”, o símbolo de São Pedro.
Decidi escarafunchar então, os antigos escritos de
São Jerônimo, São Tomás de Aquino e outras obras que
deram origem ao catolicismo como religião clássica. Para
tanto, resolvi aproveitar minha viagem a Roma e usar meus
contatos para conseguir-me uma identidade falsa em particu-
lar: a de um padre falecido precocemente e que tinha grande
semelhança física comigo, o napolitano Augustini Dominic
Frazzelli, que mais tarde, graças ao meu empenho, chegou a
prior de sua ordem e representante do Vaticano em outros
países. Minha última identidade, a de um joalheiro francês,
era preservada, meus bens ficavam guardados em um cofre
em um famoso banco em Paris e (suprema ironia) assumia a
identidade de um religioso católico em franca ascenção.
Minha nova identidade era bem relacionada. Não
me foi negado acesso a nenhum dos arquivos e bibliotecas da
Cúria Romana. Mas nenhum daqueles documentos citava,
nem de longe, algo sobre como um anjo caído poderia conse-
guir novamente o favor do Altíssimo.
Aproveitando as facilidades que ser Frazzelli me
proporcionava, consegui autorização para viajar pelo mundo
na missão de recolher artigos, livros e documentos heréticos,
condenáveis por divergir de pontos fundamentais da Doutrina
Marcos Alexandre

da Santa Sé. Uma espécie de “burocrata da Inquisição” nos


tempos modernos.
Talvez, pensava eu, antes de entregar ou destruir
os “documentos heréticos”, poderia estudá-los e descobrir
algo que me interessasse. Meu primeiro caso levou-me à
Guiana, onde busquei pistas que esclarecessem melhor a
tragédia ocorrida em Jonestown, quando 912 adeptos do
Templo de Deus, do reverendo Jim Jones, se suicidaram no
dia 20 de novembro de 1978. Rumores davam conta de que
um dos adeptos havia sobrevivido e se ocultado, carregando
consigo uma série de escritos de Jones. Talvez algo pudesse
me interessar...
Depois de encontrar o adepto, já um velho
decrépito e esclerosado, e recolher os papéis em seu poder,
descobri que não passavam de notas pessoais. Lixo sem
valor, escrito por um fanático que não teve coragem de suici-
dar-se sozinho e arrastou centenas de pessoas com ele. Caso
encerrado, remeti os papeís ao Vaticano e segui rumo ao
Brasil, um país da América do Sul, do qual as informações
que recebi davam conta de ser um país interessante, com uma
incrível mistura de raças e religiões, onde, certamente, alguma
nova doutrina poderia ter surgido.
Lágrimas de Anjo

Imprimatur

N
o entanto, desde a
minha chegada a
este país, tenho sido
perseguido por um agente das sombras,
que apesar de toda a minha perspicácia
e talentos sobrenaturais, não consigo
identificar. Cheguei mesmo a pensar que
fosse alguns dos asseclas do Primeiro
Entre os Caídos, mas não vejo motivo
para que minha busca possa influenciar
seus planos contra vocês, já que busco
a minha própria redenção e vocês já
têm seu Redentor.
Só sei que o sumiço de
partes de meu diário e a divulgação de
alguns de meus registros pela imprensa
acabaram por comprometer a minha
identidade como Augustini Frazzelli, que
Marcos Alexandre

deve, ao menos, desaparecer por um tempo, enquanto tento


salvar sua reputação. Mesmo não sendo a primeira vez que
me utilizo da identidade de um morto, não gostaria de acres-
centar à lista de minhas faltas ter enlameado o nome deste
religioso. Justamente por isso, através de meus contatos,
cheguei até você e peço que me devolva os fragmentos de
meus escritos e pare com essa bobagem que está escrevendo.
Tomei conhecimento de que sua editora lançaria um livro
sobre “anjos”. O autor, segundo me informaram, nada conhe-
cia sobre o assunto e seu editor tinha a fama de “caça-ní-
queis”. Essa mesma editora já havia publicado, anos antes,
um livro que tratava de outros absurdos teológicos, inclusive
defendendo a existência de um “Deus feminino”, uma “Deu-
sa”. Balela para agradar feministas. Acredite... estive lá e não
vi nada disso... Não que seu livro seja tão importante, seja
qual for o tratamento que lhe dê, mas baseado em meus
registros, a credibilidade de Frazzelli poderia ser completa-
mente arruinada, o que não me convém agora...
Não espero que acredite em tudo o que lhe disse,
mas a verdade é que quando falta a fé, até os anjos podem
Lágrimas de Anjo

cair. Até eles podem pecar. Eu sou a prova disso..


E, finalmente, não lançando-te em rosto, mas
lembra-te de que tentei salvar seu filho... Não desejo ter
meu caminho cruzado por ninguém e ter prejudicada minha
busca por um meio de ser perdoado pelo Altíssimo pelo meu
crime e voltar, um dia, a pisar novamente na Cidade Celestial.
Marcos Alexandre

Dilema

S
inuca de bico. Esse
bosta me pôs numa
sinuca de bico. Entra
na minha casa, me conta uma história
que parece mais “Raízes em
Highlander” e ainda me lembra que eu
lhe devo um favor. Que merda !!!
Ainda pede para que eu pare de
escrever meu livro, a única solução
para que eu possa ganhar uma grana e
pagar as minhas dívidas. E tudo isso
para que ele, um anjinho bunda-mole,
possa voltar ao céu. Se é que esse
maluco realmente é quem diz ser... “É
o fim da picada”, pensei, enquanto o
gelo do meu terceiro uísque naquela
noite, derretia no copo.
“E se eu me recusar? O
que vai fazer, ‘Sr. Cruzado Sem-
Lágrimas de Anjo

Asas’?!?”, perguntei, irônico.


“Nada”, respondeu de pronto. “Você tem livre-
arbítrio. Deve fazer o que achar melhor. Não tenho o direito
de julgá-lo, ou mesmo puní-lo... e estou cansado demais de
vocês humanos, de sua obtusidade, para recorrer à força...”,
acrescentou, soltando um suspiro enfastiado.
“E se eu parar de escrever? O que ganho com
isso?”, perguntei, curioso.
“Talvez, um pouco de conforto. Sinto que você
perdeu tanto quanto eu perdi um dia, mas por motivos dife-
rentes. Nós dois chegamos a ser felizes um dia e por
inconsequência, medo, destino, talvez, perdemos tudo...
gostaria de ver alguém tão amaldiçoado quanto você continu-
ar perdendo mais ainda?”- respondeu, levantando-se, sem
esperar uma resposta. Por um momento, vislumbrei, ou imagi-
nei, sei lá, a glória que esse ex-anjo possuiu um dia. Alto,
esbelto, forte, digno. Muito bem conservado para alguém
com milhares de anos de idade...
Dirigindo-se até a porta do apartamento, o tal ex-
anjo lentamente girou a maçaneta e dirigiu-me um olhar de
desapontamento, tristeza sem fim. Encarei-o, em silêncio o
quanto pude, até que não agüentei mais e desviei os olhos
para o chão. Laconicamente, Ariel abriu a porta, despedindo-
se:
“Espero vê-lo novamente, um dia. Mas esperava
que você, embora humano, compreendesse. Parece que me
enganei...”, disse, enquanto desaparecia pelo corredor. Fiquei
só, com meu bar semi-destruído, sangue nas mãos e um gosto
Marcos Alexandre

amargo na boca. Uísque do Paraguai, com certeza....


“Merda !!! Merda !!! Ele já foi embora - gritava
comigo mesmo - retorne ao trabalho! Consciência tranqüila
não enche barriga e eu tenho um livro para terminar”, tentava
me animar.
Em vão. Comecei a pensar no sofrimento que
aquele pobre-diabo (pobre anjo, melhor dizendo) estava
passando. Perder o Céu... Imagine... lembrei-me de Carla e
das gêmeas. Que saudades do Guilherme... Mas eu ainda
estava sentindo a estranha sensação de que estava sendo
usado...
Lágrimas de Anjo

Epílogo I

A
vida é mesmo
engraçada. Às
vezes, nada é como
se imagina. De fato, concluí meu livro.
Mas não da forma como planejara, a
principio. Toda aquela experiência com
aquele tal ex-anjo mexera comigo.
Ao invés de simplesmente
escrever baboseiras para ganhar di-
nheiro e enxovalhar a memória de um
religioso que talvez apenas tenha sofri-
do algumas alucinações (se bem que eu
também devo ter alucinado...), sim-
plesmente para ter um livro para entre-
gar ao Jorge, decidi contar minha
experiência e as peripécias suposta-
mente vividas por aquele maluco que
se me apresentou como um anjo. O
Marcos Alexandre

resultado é o que você está lendo agora, acrescido de alguns


tópicos, frutos de minhas pesquisas e também do Jorge (não
dá pra desmerecer a contribuição dele...)
Toda essa bagunça resultou em um livro bastante
irregular, cheio de dúvidas, de questões a serem respondidas.
Se é que, algum dia, serão respondidas. Como meu projeto
original foi pras cucuias, resolvi pedir ajuda a um amigo meu,
o professor e repórter Marcos Alexandre. Inclusive, você,
caro leitor, vai notar que é ele quem assina a obra.
Primeiro, porque eu não me senti preparado para
assumir a autoria, e segundo, porque foi ele quem conseguiu
concatenar a maioria das idéias que reuni. Talvez porque ele
tenha experiência em escrever sobre temas inusitados, e já
tenha trabalhado em todo o tipo de textos, de matérias eco-
nômicas a policiais, políticas e o diabo a quatro. Grande
cara...
O importante é que ele conseguiu respeitar minhas
idéias e minhas impressões sobre o espisódio. Acredito até
que os leitores habituais irão me reconhecer em alguma parte
deste livro insólito. Talvez, na “história do boi Tufão”, que
incluí, depois de ter revirado meu apartamento em busca do
disquete em que havia gravado o conto. É uma boa história.
Que podemos até recontar uma outra vez (se o Jorge for
louco de publicar).
Quanto à minha vida pessoal, só para deixar
registrado, parece que Alguém lá em cima se lembrou de
mim. O Jorge cumpriu o contrato de publicação, apesar do
Lágrimas de Anjo

professor Marcos assinar a obra e eu preferir manter o anoni-


mato; consegui pagar alguns meses de aluguel atrasado e
pasmem: voltei a conversar com a Carla.
Está certo que , quando a encontrei naquela
vernissage, a intenção era mandá-la pro inferno e dizer pra
ela dar um jeito naquele advogado que já estava me torrando
a paciência. Mas ela estava muito mal. Foi muito cordial
comigo e me pediu para ir até sua casa ver as gêmeas, quan-
do tivesse tempo. Disse que as meninas sentiam a minha falta.
E ela também. Mas o mais estranho é que ela, ao se despedir,
agradeceu pelo buquê de rosas brancas que eu teria lhe
enviado, com um cartão com os dizeres: “De outro alguém
que quer voltar ao Céu...”. Quando ela perguntou por que eu
não assinei, respondi que ela com certeza iria descobrir quem
mandara as flores. Foi a desculpa que consegui arranjar...
Sei lá se a gente vai voltar a viver juntos um dia,
mas a esperança é a última que morre e um “retorno ao lar”
não está totalmente descartado, especialmente com essa
ajuda de quem lhe enviou as flores. A morte do Guilherme ,
apesar de doer, já faz parte do passado. E se ela me perdo-
ar... Carla continua uma gata... e é a mulher que eu amo...
Marcos Alexandre

Encontro

D
epois daquele
malfadado encontro
com aquele escri-
tor, decidi deixar a América do Sul e
viajar até Calgary, no Canadá. Uma
nova religião estava sendo desenvolvi-
da por descendentes de franceses ali
residentes e talvez algo pudesse me
interessar. Ainda não entendia porque
simplesmente não havia tomado os
fragmentos de meu diário das mãos do
escritorzinho e o impedido de continu-
ar a escrever seu livreto. Pior: ainda
confessei-me com ele como um fiel
faria em um confessionário. Ainda
mais: enviei à sua ex-mulher rosas...
não pude ficar impassível diante do
que vi em sua mente... Talvez ele se
Lágrimas de Anjo

reconcilie com ela como eu gostaria de reconciliar-me com o


Céu...
Talvez tenha me afeiçoado a ele. Foi o primeiro
em séculos a negar um pedido meu. Acho que a passagem
do tempo tem amolecido meu coração. Na época da
Inquisição Espanhola, eu o teria entregue à fogueira...
Será mesmo? Eu também quase fui para a foguei-
ra, acusado de bruxaria... Ah, bons tempos aqueles... Ao
menos, eu me distraia...
Deixei o hotel e decidi caminhar até o metrô.
Nada daqueles ônibus especiais... Depois pegaria um táxi até
o aeroporto. O vento e a chuva fustigavam meu rosto e eu
quase ergui os olhos para os céus e perguntei ao Altíssimo se
aquela tempestade era para me irritar... Como se Ele se
importasse comigo...
“Ora, mas Ele se importa...”, ouvi alguém dizer.
“Quem ?!?”, perguntei, voltando-se para ver de
onde vinha aquela voz familiar.
“Não me reconheces mais, Ariel? Ou devo chamá-
lo de ‘eminência’? Que disfarce ridículo, caro irmão...”,
continuou. Era um rapaz aparentando uns vinte e poucos
anos. Vestia calças jeans desbotadas e puídas nos joelhos,
com a barra desfiada, cobrindo as botas pretas e surradas,
uma camiseta branca e um casaco azul-escuro, comprido. O
sorriso era emoldurado por longos cabelos encaracolados,
Marcos Alexandre

negros como um corvo. Mal pude acreditar no que via!


“Rafael !!!”, gritei, deixando a mala cair na poça
d’água que se formara na calçada. “O que fazes aqui, meu
irmão ?!?”, perguntei, enquanto já me atirava ao seu pescoço
e o abraçava, como se pudesse segurá-lo comigo para sem-
pre. Como se pudesse recuperar um pedaço do Céu.
“Calma, calma...”, disse, enquanto me afastava,
com a delicadeza típica de nossa raça. “Vim trazer-lhe uma
mensagem importante...”, continuou, agravando o tom de voz.
“E o que seria tão importante assim, para Miguel,
aquele ‘caxias’ permitir que te afastasses da Cidade
Celestial?”, perguntei, enquanto me recompunha. Não resisti
e dei uma gostosa gargalhada. Imaginei o que pensariam os
teólogos se vissem o Anjo Rafael de jeans !!!
“Seu tolo !!! És um anjo maldito, estás preso
nesta esfera inferior e ainda te ris ?! Deves ser louco, mes-
mo...” , irritou-se Rafael.
_Ah, ah, não... é que... ah...uff... Rafael, você
consegue imaginar algo mais estranho que dois anjos conver-
sando no meio da rua... na chuva ???
_”Tem razão...”, concordou, e com um sorriso nos
lábios, olhou para as nuvens e a tempestade cessou.
“Sabe que você ficaria rico como meteorologista
nesta esfera?”, brinquei. Pelas Falanges!!! Como estava feliz
em rever um de meus irmãos !!!
“Imagino que deva estar surpreso em me ver
novamente, mas eu devo transmitir-lhe minha mensagem e
Lágrimas de Anjo

retornar à Cidade Alta...”, sentenciou.


“E que mensagem seria essa?”, perguntei. O
coração sobressaltado.
“O Altíssimo quer que você redirecione seu traba-
lho aqui nesta esfera...”, meu irmão respondeu, em tom sole-
ne.
“Que trabalho, Rafael ?!? E como o Altíssimo
pode exigir algo de mim?!? Ele me ignorou durante séculos!”,
explodi.
“Não seja ingrato, Ariel! Alguma vez, você pediu
perdão, de verdade, de todo coração, a Ele ?!? Você sentiu
remorso, desgosto, medo de ficar só. Mas alguma vez, você
se arrependeu, de verdade, de ter duvidado de Seu Poder, de
Sua Soberania ?!?”Rafael havia tocado em um nervo exposto.
“Eu... não... quer dizer...”, balbuciei. Não conse-
guia pensar em uma resposta.
“Então faça isso, Ariel. Faça isso agora, e reate
seus laços com o Eterno. Esqueça o passado, cumpra seu
tempo nesta esfera a serviço dEle e aguarde, paciente, o fim
de tua provação na Terra. O Conflito com o Primeiro Entre
os Caídos ainda não acabou - na verdade, está prestes a
começar de verdade - e agora conta com a participação dos
humanos. De que lado, finalmente, você vai ficar? Até agora,
você apenas tentou, de forma egoísta, voltar ao Céu. Mas
você sabe que isso, apenas isso, não tem valor para Ele. O
Eterno quer compromisso, responsabilidade, obediência. E
você já falhou uma vez...” , disparou, as palavras ferindo
Marcos Alexandre

como um ferro em brasa.


Lembrei-me de quantos episódios vivi, em que
confrontei a mentira e a sordidez dos demônios e humanos.
Na verdade, eu já escolhera o “meu” lado nesta guerra, mas
não havia assumido um compromisso real. Estava mais preo-
cupado em descobrir um meio de voltar à Cidade Alta, nada
mais. Egoísta. As palavras de meu irmão Rafel me feriam mas
eram verdadeiras. E a Palavra dEle me veio à mente: “Eu
repreendo aqueles a quem amo”. Sim, o Eterno ainda me
amava! Ele permitira que Rafel viesse falar comigo. Ele me
quer do Seu lado. Aqui na Terra, mas espiritualmente ao Seu
lado. A emoção me invadiu e meu olhos encheram-se de
lágrimas. Lágrimas de anjo...
“Eu me arrependo, Senhor, de todo o meu cora-
ção, de todas as minhas falhas e de todos os meus erros e
sobretudo, por minha falta de fé. Como o menor dos huma-
nos, e mesmo que Jesus tenha vindo e morrido na Terra para
salvar os humanos, em Nome dEle eu te peço perdão e peço
que Tua Misericórdia se estenda a mim também, eu, que
decaí pela principal falha da raça humana: a dúvida...”, disse
eu, de repente, erguendo os olhos para os céus e nem me
importando com o que acontecia à minha volta.
Nesse instante, as nuvens do céu se abriram e
com uma luz suave, um alívio indizível preencheu o vazio em
meu peito. Senti-me flutuar e súbito, me vi pairando no ar, a
meio metro do solo, e maravilhado, quis perguntar...
Lágrimas de Anjo

“Ah, quanto às suas asas ? Ariel... tanto os anjos


quantos os homens, o que os faz voar é a paz de espírito...”,
Rafael respondeu a pergunta contida. E emendou: “Irmão,
estamos todos felizes por você. Sua existência, como você a
conheceu até agora, vai mudar. Prepare-se... Minha mensa-
gem foi transmitida... É hora de desejar-lhe bons augúrios e
dar-lhe o meu... Adeus...”, completou, enquanto desvanecia
no ar, rumo à Cidade Alta.
Enxugando as lágrimas, não resisti:
“Ei, Rafael... da próxima vez, vista algo mais
apropriado à sua idade !!!”

(Extraído do diário do Prior Augustini Dominic


Frazzelli - a serviço santo do vaticano no Brasil. Estes trechos
foram entregues pelo mesmo agente que investiga o desapare-
cimento do religioso e que semanas antes havia entregue outros
trechos de outros volumes dos diários de Frazzelli, no escritório
da Editora Questão, no Brooklin, em São Paulo - SP - Brasil.
Este trecho foi entregue na editora dias antes da primeira im-
pressão do livro “Lágrimas de Anjo”, de Marcos Alexandre de
Lima Oliveira, e incluídos na obra por sugestão do Editor Jorge
Felipe Ramos. O agente insinuou que obteve esse material
adicional graças a contatos que conseguiram “extraviar” a
bagagem de vários religiosos no embarque para viagens inter-
nacionais em aeroportos de São Paulo. N.E.)
Marcos Alexandre

Epílogo II

C
“ aro amigo:

Muita coisa aconteceu


depois de nosso encontro. Primeira-
mente, gostaria de parabenizá-lo pelo
seu livro. No entanto, sinceramente,
não sei se o aprovo. Mas, como disse,
quem sou eu para julgá-lo? Justamente
eu, que agora encontro-me em um novo
estado de graça. Não, ainda não
retornei ao Céu, - o que o carimbo
postal neste envelope já torna óbvio.
No entanto, escrevo-te esta missiva
para compartilhar uma descoberta que
me fez entender que estou mais perto
da Cidade Celestial do que imaginava.
Durante séculos busquei a Redenção,
como ficaste sabendo através de nossa
conversa.
Lágrimas de Anjo

No entanto, em séculos, não havia percebido o


obvio: se não encontrava perdão como anjo, já que não
poderia ter pecado como pequei, só poderia ser perdoado se
me tornasse humano, ou o mais próximo do homem que
pudesse chegar. O problema é que, apesar de tudo, ainda me
achava “superior” a vocês, meros mortais, simples seres
humanos.
Mas isso mudou. Por meio de um encontro com
alguém que não via há muito tempo, recebi uma mensagem
que mudou minha forma de crer e pensar. Isso me fez reler,
desta vez com contrição e reverência, as Sagradas Escrituras
(...)
(...) Em, suas páginas, senti o amor incomensurá-
vel que o Altíssimo tem por vocês, humanos. Percebi que Ele
oferece salvação, perdão, redenção, vida plena, e Céu,
apenas a vocês, humanos, entre todas as criaturas da Cria-
ção. Atentei para o fato de que o Messias, o Cristo, o Esco-
lhido, o Filho de Deus, não se envergonhou de chamar-se
“Filho do Homem” e chamar vocês, humanos, de irmãos. E
percebi que estava, durante séculos, buscando a redenção
nos lugares errados e da forma errada. Jamais voltaria a
encontrar-me com o Altísismo valendo-se de condição de
anjo, ou de ex-anjo. Diante dEle, nenhuma condição traz
privilégios. Ele é o Senhor, e diante dEle, não há títulos,
condição, raça, casta, ou qualquer distinção. Talvez seja por
isso que Lúcifer e seus anjos nunca tenham sido perdoados.
Marcos Alexandre

Para se obter o Perdão, é necessário despir-se de toda e


qualquer falsa glória e poder. É preciso despir-se do “eu”
interior, e humilhar-se a si mesmo, reconhecendo o Poder
Superior dEle (...)
(...) E eu só pude reencontrar-me com o Criador
quando fiz isso. Só há redenção para quem se rende ao mais
humano de todos os seres que já viveram: Deus em forma de
gente, Jesus Cristo, que sendo Deus, se rebaixou a deixar
toda a Sua Glória e Poder, viver entre os homens, ensinar-
lhes e praticar junto a eles o amor e a justiça e ainda a Si
mesmo se entregar em Sacrifício Perfeito por todos eles. E
por mim, já que deixei minha condição de anjo e hoje vivo e
habito como um de vocês, partilhando do mesmo destino (...)
(...) Pela segunda vez, vivo uma situação única em
toda a história da Criação: fui o único anjo a não tomar
partido na primeira Grande Guerra nos céus e o único anjo a
encontrar a Salvação, a Redenção, ao aceitar e reconhecer
como humano, a Jesus Cristo como Senhor. Como pude ser
tão obtuso, como meus olhos puderam ficar durante tanto
tempo vendados? Não sei. O que sei é que talvez você tenha
feito o que tinha que fazer; talvez tenhamos agido como
deveríamos agir. Se em algum momentos nos sentimos “usa-
dos”, talvez o tenhamos sido, como um artista, um criador
usa suas “ferramentas”, seus “instrumentos”, para concluir sua
obra... Talvez por isso, termino pedindo a você que acres-
cente esta carta ao seu livro, para que, de alguma forma,
Lágrimas de Anjo

tanto você quanto todos que o lerem, busquem ao Altíssimo,


através de Sua Palavra, que revela Seu Filho Jesus, enquanto
há tempo, enquanto se O pode achar. Eu tive tempo, tempo
até demais... (...) (...) O que percebi agora me basta: devo
viver como humano, aceitar o fardo e a riqueza inerentes a
pertencer à humanidade e buscar a redenção nas palavras do
Messias. Que antes, não era “meu Messias” porque Ele não
veio para salvar os anjos, ou ex-anjos, e sim, para salvar
vocês, humanos. Que não seja para vocês a palavra “Ele veio
para os que eram seus, e os seus não o receberam...”
Acerte-se com Ele... hoje.
Sinceramente seu,

Ariel

( P.S. Caro amigo, segue uma cópia, também em português, é


claro, de um pequeno ensaio literário que produzi nas últimas semanas. Os
poemas são letras de canções que recebi em momentos de súbita e abençoa-
da inspiração, depois de meu encontro com Rafael, e que marcam até minha
passagem pelo seu abençoado país. Espero que sirvam para aproximá-lo
dAquele que busquei durante tanto tempo...)

(Trechos de uma carta encontrada na caixa postal


da Editora Questão, uma semana depois da publicação do
livro “Lágrimas de Anjo”, de Marcos Alexandre de Lima
Oliveira. Este texto e os que seguem foram incluídos na
segunda edição da obra, por sugestão do editor Jorge Felipe
Ramos, bem como as ilustrações acrescentadas à obra. No
remetente, o nome do Prior Augustini Dominic Frazzelli. O
carimbo no envelope indica que a carta teria sido postada na
cidade de Quebec, no Canadá)
Marcos Alexandre

Ensaio Literário
por Augustini Dominic Frazzelli
ou “Ariel”

AXIOMA
A VERDADE NÃO É ALGO...
A VERDADE É ALGUÉM...

A
“ xioma” é uma palavra grega que significaria,
em uma tradução livre, “verdade definitiva”
ou “verdade absoluta”. No entanto, não
existe “verdade absoluta”. Todas as verdades são relativas. Isso
porque a noção de verdade depende de um sentimento, de um
julgamento totalmente subjetivo que é conhecido por nós como
“fé”. Partindo do princípio que algo só é verdadeiro quando se
acredita que aquilo é verdade, “verdadeiro” é tudo aquilo em que
se acredita, em que se tem fé.
Por exemplo, não adianta atirar sobre um ateu uma
tonelada de provas sobre a existência de Deus. Ele, o ateu, que
não acredita que exista um Deus, a idéia de que haja um Ser
Onipotente, Onipresente e Onisciente cuidando deste Universo,
por mais que se apresentem fatos que comprovem a veracidade
da idéia, jamais acreditará. Pelo menos, enquanto não estiver
disposto a acreditar.
Analisando, a existência da “verdade” depende da fé.
E a fé busca, desesperadamente, algo em que se apoiar, algo em
que acreditar. A fé busca, eternamente, a verdade. Talvez seja
Lágrimas de Anjo

essa a causa do surgimento de inúmeras religiões, seitas e fac-


ções. Cada um crê em sua própria “verdade” e a difunde. Com-
pletando o quadro, a fé, (independente no que) que habita em
cada ser humano, o sentimento religioso que é inerente ao ho-
mem, buscando a verdade, acaba aceitando as idéias difundidas
por outros como “verdade”.
Conhecedor na natureza humana, Jesus Cristo res-
pondeu sabiamente aos que lhe perguntaram o que era a “verda-
de”. Ele disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Segun-
do Jesus, a verdade não era “algo”, e sim, “Alguém”: Ele mesmo!
A verdade era o próprio Deus, já que Jesus também diria: “Eu e
o Pai somos um”. Mas Jesus disse isso a judeus, pessoas que
acreditavam na existência de um Deus, que havia prometido um
Messias, um Salvador, um Escolhido, um Enviado que lhes traria
paz, libertação, redenção. Havia pré-requisitos para a fé.
De outra forma, mais tarde, sendo julgado por
Pôncio Pilatos, romano, adorador de “deuses”, criados a partir
de lendas e imortalizados pelos poemas de Homero, Jesus foi
novamente questionado acerca da “verdade”. “Mas, o que é a
verdade?”, perguntou o romano a Jesus. E Ele não respondeu...
manteve-se em silêncio.... Ora, mas de que adiantaria dizer a
“verdade” a quem não teria disposição em aceitar aquela “verda-
de”? De acordo com a fé de Pilatos, Jesus não era e nem “pode-
ria” ser a verdade.
Em termos bem simples, a capacidade de aceitar a
Marcos Alexandre

“verdade” depende da aceitação, progressiva, de outras “verda-


des”. Talvez sem atentar conscientemente para este aspecto do
mecanismo da fé, dele se utilizou o apóstolo Paulo de Tarso, ao
pregar a mensagem cristã no Areópago, um grande teatro grego.
Religioso, o povo dali havia erguido altares e colocado neles
imagens (estátuas) de todos os deuses que acreditavam existir.
Isso, para que nenhum “deus esquecido” acabasse por se enfure-
cer e lançar sobre eles alguma praga...
Tão religiosos eram, que acabaram erigindo um altar
e deixando-o vazio, mas com a inscrição: “Ao Deus Desconheci-
do”. Paulo, aproveitando-se da crença daquele povo de que
havia mesmo um “Deus Desconhecido”, apresentou-lhes o “Deus
dos judeus”, como sendo esse “Deus Desconhecido”. Era essa a
“verdade” de Paulo. Que encontrou terreno fértil dentro da
“verdade” dos gregos. E mais: O “Deus Desconhecido” era, na
verdade, o Único Deus, o Criador, o Onipotente, o verdadeiro,
digno de adoração e que fez o Universo. E Seu Filho, Jesus
Cristo, a ponte que permitiria aos homens conhecer o “Deus
Desconhecido”.
Ora, Paulo não disse que os outros deuses eram
“mentira” (mesmo que o fossem, e o são; mas dentro da mente
daquele povo eram verdade) e sim, que o “Deus Desconhecido”
era a “verdade”. Os dogmas só são aceitos, só se tornam “ver-
dade”, portanto, quando se propiciam condições para que isso
ocorra. A verdade só existe se houver fé. Em sua carta aos
Hebreus, que consta da Bíblia, o mesmo apóstolo Paulo explica
Lágrimas de Anjo

que a “fé é a certeza das coisas que não vemos”.


E tudo se encaixa. Só cremos em Deus porque
acreditamos que algum ser superior tenha criado o Universo. Daí,
cremos em Seu Filho, que nos veio falar em nome dEle. Em
seguida, cremos em seus apóstolos, que nos falaram em nome de
Seu Filho, que veio em nome dEle. Finalmente, cremos na Bíblia,
composta por relatos de fé de homens e mulheres que afirmam
ter visto e sentido a ação direta de Deus sobre a vida de humani-
dade, e por esse Livro, para os que crêem, Sagrado, pautamos
as nossas regras de conduta moral e espiritual.
Contudo, a própria Bíblia traz a advertência de que,
“no final dos tempos”, que uns crêem ser breve, outros que é
“já”, “o amor de muitos esfriaria”. Realmente, a cada dia que
passa, novas religiões, seitas e organizações religiosas são funda-
das, cada qual defendendo sua própria visão da “verdade” e
cada dia mais, o homem questiona o que é a “Verdadeira Verda-
de”. É a fé gritando por algo consistente em que se agarrar.
Nestes tempos difíceis, em que as “verdades” pare-
cem mudar a cada instante, o homem sente-se inseguro, frágil,
temeroso, desamparado. E agora, como homem, confesso,
também sinto-me assim, às vezes. No entanto, o que me consola,
o que me sustenta e o que me faz seguir em frente, neste mundo
de valores e verdades tão mutáveis, é acreditar em uma, uma
única verdade que descobri recentemente, ser imutável: a de que
Jesus é a Verdade.
Marcos Alexandre

É uma crença totalmente subjetiva, admito. Mas,


neste mundo em que vivemos, poucas certezas são baseadas
exclusivamente na análise lógica e racional. E até onde tenho
conhecimento, a Ciência ainda não conseguiu criar um substituto
à altura, que consiga dar sentido à minha existência. Ao ler as
poesias que seguem, na verdade, canções que me foram dadas
por inspiração, abra sua mente à Verdade. Talvez, assim, não os
ache tão simples, e até ingênuos. Abrindo a mente à Verdade
Maior - Jesus -, você, caro amigo, poderá realmente entender,
como só entendi depois de aceitar a verdade, as palavras
dAquele que disse, no Sermão da Montanha: “Bem aventurados
os simples de coração... pois eles verão a Deus.
Tende fé... pois quando falta a fé, até os anjos podem
cair...

Prior Augustini Dominic Frazzelli


Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Súplica
Canto ao Senhor, me alegro
Busco ao meu Senhor, me encontro
Fecho os meus olhos e
Enxergo Seu Poder
Eu canto...

Fujo em meio às trevas


Me debato em meio às névoas
Que envolvem minha mente
Meu viver...

Sou pequeno em meio a tantas coisas


Tenho medo...
Se agigantam
Minha dor e meu sofrer

Caio, joelho ao solo,


Ó Senhor, eu Te imploro
Desce logo,
Vem me socorrer

Anjos trazem copos que contém


a benção - logo - Tua Palavra Viva
Me faz reviver

Canto ao Senhor, me alegro


Busco ao meu Senhor, me encontro
Fecho os meus olhos e
Enxergo Seu Poder
Eu canto...
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Fórmulas Matemáticas
Fórmulas matemáticas, invenções astronáuticas,
Lógica econômica, avanço na ciência atômica.
Concepções logísticas, imaginação artística,
Mente em desenvolvimento, sede de conhecimento.

Hoje o Homem está, procurando a verdadeira razão pra viver,


Mas em meio a fantasia, não consegue ver,
Que a única resposta é Jesus

Saber tanto assim, e não ter a Cristo dentro do seu coração,


Não ter Sua paz, não sentir o Seu perdão,
Ê viver num mundo de ilusão

Biologia, cibernética,
Estudos sobre genética
Dúvidas sobre o futuro,
Mas como se sentir seguro ?

Cristo é a segurança, a vida, a esperança,


Ele a solução pro mundo, neste século absurdo.

Sim, a solução, é receber a Cristo dentro do seu coração,


É aprender com Ele como ter novo viver,
É a felicidade conhecer.
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Gesto Político
Já me perguntaram qual é minha posição,
Se sou da esquerda, direita ou do Centrão.
Se sou anarquista, comunista, sim ou não,
E a resposta sai, do fundo do meu coração:

Meu gesto político é viver pra falar,


Do meu Senhor Jesus, que morreu pra me salvar,
Milito numa causa que supera as demais:
Anunciar que Cristo, somente Ele satisfaz

Acorda Brasil e toma posição:


Entrega a Jesus Cristo toda direção.
Quando este País a Deus se entregar,
Feliz será esta Nação
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Oração
Quando eu me sinto abatido, eu
A Ti clamo e sou ouvido
E o Teu amor vem me curar

Vejo então
Que nada tenho pra Te dar
Que pague Teu amor sem par,
A Tua compaixão

Mas quero Te amar, Senhor


Preciso Te amar, Senhor
Para que o meu louvor
Te agrade, ó Pai

Minha vida Te dou, Senhor


De Ti mesmo sou, Senhor
Derramo meu coração
Sobre o Teu altar
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Não temas
Nas horas de maior dificuldade
Eu paro pra pensar em Jesus,
Que brilhou nas trevas com grande luz
E por nós morreu lá na cruz

Nas horas de maior dificuldade


Eu paro pra pensar no Senhor
Que livrou do Egito, o povo seu
E a terra seca em mananciais converteu

Então, ouço a voz do meu Senhor


Ecoando dentro em meu coração:

“Não temas que eu te ajudo,


Sê forte, crede em Mim.
Estou contigo, todo tempo, até ofim.

Não temas, que Eu te ajudo


Vitória certa te darei.
Sou Jesus, teu Senhor e Eterno Rei
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Trono de Justiça
Aleluia

Senhor dos Exércitos de Israel,


Como Tu não há na terra e nos Céus
Habitas num sublime trono
Mas Te inclinas pra ver o louvor do teu povo.

As abas de ouro do Teu manto,


Preenchem o Santo dos Santos
No qual eu penetro agora em louvor.

Tu és o Deus vivo, puro e santo,


Tu reinas de canto a canto
A Ti, ó Senhor, entreguei meu coração

Trono de Justiça, Glória e Verdade...


Sabei que o Senhor, é Rei e Majestade.

Povos e Nações, vinde ao Seu encontro...


Sabei que o Senhor é Deus e não há outro.
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Samba Consagrado
Jesus é meu Senhor, é Ele quem alegra
Minha alma brasileira
Em meio à recessão, o atraso do metrô,
E a crise financeira.

Vivo o meu viver, na esperança de um novo céu,


De uma nova cidade tôda linda,
Onde habita justiça,
Onde com Deus, prá sempre eu vou morar, la lalá laiá,

E lá eu vou ser coroado, ter Jesus Cristo ao meu lado,


E sempre, ser feliz.

Jesus quer te salvar, encher a tua vida,


De alegria verdadeira e mudar o teu viver,
Tornar o teu sofrer em louvor a vida inteira.

Venha com teu cantar, traga a cuíca, o tamborim,


E ofereça pra Deus um novo canto,
Um samba consagrado,
Entregue-se a Jesus, e venha ser feliz, la laiá laiá,

Ó venha a Cristo sem demora, sofrer está por fora,


Isso é Deus quem diz...
O venha a Cristo sem demora, sofrer está por fora,
Isso é Deus quem diz.
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Jazzsus
Jazzsus, melodia sem fim,
Orquestrada pelo Criador,
Com notas de amor...
Que toca na alma, fascina e transforma...
Jazz

Jazzsus...
O mais lindo dos blues,

Do manto carmin, à geração jeans,


Todo que Te ouve se torna feliz.
Jazz

Não Te ouço quando escuto a mim mesmo,


Não Te ouço quando fecho o coração

Ouço Tua voz quando Te busco em oração

Não te escuto quando ouço tantos sons,


De tanta gente querendo me iludir.

Mas abro o coração,


pois Jesus Cristo quero ouvir
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Louvor

Quando é que o louvor agrada a Deus?


Quando é que o louvor chega aos céus?
Quando é?

É quando sai dos lábios tão somente


Por amor...
É quando sai da vida reta e santa
Com fervor
É quando quer agradar ao
Nosso Senhor

Quando é que o louvor agrada a Deus?


É quando sai de um coração segundo o Seu...

Quando é que o louvor agrada a Deus?


É quando sai de um coração segundo o Seu...
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Consagração
Como um vaso nas mãos do oleiro,
Ó Deus, vem me amoldar
Dá nova forma ao meu ser,
Muda minha vida
Sempre que eu precisar

Como um vaso de bálsamo precioso,


Senhor faz minha vida ser
Que em mim, o suave perfume de Cristo,
Todos possam perceber

Como falas comigo, através da natureza


Quando paro e contemplo sua beleza.
Fala aos outros, meigo assim,
Através de mim

Feito torre edificada sobre um monte


Senhor faz minha vida estar
Que meu falar e proceder leve todos
A teu nome glorificar

Como andou Jesus Cristo, meu mestre


Assim também quero andar
Em Suas pegadas caminhar e a todo mundo,
Sua mensagem levar

Como falas comigo, através da natureza


Quando paro e contemplo sua beleza
Fala aos outros, meigo assim,
Através de mim
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Em
Amanhece, abro os olhos e começo a cantar,
O louvor flui do meu ser e sinto então,
Jesus, a me tocar.

Amanhece, e novamente eu pego no meu violão


E levanto a meu Deus uma oração,
na forma de uma simples canção

Em cada acorde um som,


em cada nota, em qualquer tom,
Louvo a Jesus, o Redentor.

Em cada letra então,


o amor se torna uma canção
Que eu ofereço a Deus meu Salvador, meu Senhor.

Anoitece, e os raios do Sol, longe se vão,


Ilumina, ó Espírito, o meu coração,
e ouve minha singela canção.
Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Amigo
Amigo, você anda tão sozinho;
A vida pra você, não tem mais sentido.
Você procura amor, e encontra incompreensão,
Não há mais nada, em seu mundo de ilusão,
Não há mais nada, em seu mundo de ilusão.

À noite, você sai e se embriaga;


Ou então toma drogas, pra fugir da vida.
Mas não percebe, que a cada segundo,
Você se afunda num poço sem fundo...hum...
(Mas...)

Jesus é forte e quer


Levantar-te com Seu poder,
Ele vida e quer
Dar-te novo viver
Ele te ama e quer
Alegrar o teu coração,
Ele quer te ver feliz,
Quer te dar a Salvação.

Você precisa de um amigo,


Alguém que te ajude,
Que fique contigo.

Jesus te ama, e te estende a mão


Venha até Ele e
Tenha paz no coração,

Venha até Ele e tenha paz no coração.


Lágrimas de Anjo
Marcos Alexandre

Fluir
Eu choro
e deixo a lágrima cair,
Eu rio,
e deixo o sorriso fluir,
Eu vivo,
e peço a Deus pra me dirigir.

O mundo é um mar
Suas ondas vão e vêm
Minha vida é um barco
Que Deus conhece bem

Eu iço as velas,
e rumo mais além
Pois quem crê nÊle
porto seguro tem
Lágrimas de Anjo

Considerações Finais

E
ste livro, de modo
peculiar, também fala
sobre “Deus”. Em
seu íntimo, cada um acredita em um
“Deus” diferente, pessoal, que é “dife-
rente” do “Deus” alvo da crença de
seu semelhante, porque cada homem
enxerga “Deus” e relaciona-se com Ele
de uma maneira estritamente particular,
pessoal e intransferível. É semelhante
ao pai que tem vários filhos. Mesmo
amando todos da mesma forma, cada
filho enxerga o mesmo pai de forma
diferente. Um dirá que o pai é “corajo-
so”, outro, que é “forte”, e um tercei-
ro, que é “grande”, e assim por diante.
De forma semelhante, cada
religião vê “Deus” de diferentes manei-
ras. O que não significa que o “Deus
Verdadeiro” seja como essas religiões
Marcos Alexandre

enxergam “Deus”. O “Deus Verdadeiro” não é exclusivo de


nenhuma religião, até porque não há dogma humano
preestabelecido que possa contê-Lo.
Isto posto, sinto-me livre para registrar minha
impressão particular sobre “Deus”. Ele é o Criador, o
Mantenedor do Universo, o Senhor que nos ama, e somente
através de Cristo Jesus, Seu Filho, podemos chegar até Ele,
aproximarmo-nos do alto padrão de comportamento e senti-
mentos que Ele espera que alcancemos. Em Cristo Jesus,
começa a Salvação de nós mesmos, de nossos erros, precon-
ceitos e mazelas. Salvação que será concluída quando nossos
corpos retornarem ao pó e nossos espíritos retornarem a
“Deus”, que nos criou.
Para conhecer o “Deus Verdadeiro”, basta buscar
Sua Palavra na Bíblia Sagrada e Sua Presença em oração.
Foi através da oração que “Deus” se revelou ao Patriarca
Abraão, no deserto da Caldéia, milhares de anos atrás. Ne-
nhum religioso revelou “Deus” a homem algum.
“Deus” revela-se a Si mesmo a quem O busca...
Buscai aO Senhor enquanto se pode achar...
Sem fanatismo, sem mistificação, sem
dogmatismo, busquemos a “Deus” e nos encontraremos nEle.
Que Ele nos abençoe a todos e perdoe as nossas
fraquezas.

De um dos menores
entre os menores servos do Senhor

Marcos Alexandre de Lima Oliveira


Lágrimas de Anjo

O autor

Marcos Alexandre de Lima Oliveira é roteirista e apresentador de


programas de TV, escritor, compositor e acumula mais de 10 anos de experi-
ências vividas nas redações de grandes jornais e assessorias de imprensa
como repórter, redator e editor-chefe. Suas atividades profissionais, no de-
correr de sua carreira, incluem atuações como:
Roteirista e apresentador na série de televisão “Profissão Brasileiro”
nos programas produzidos por Seimi Produções Artísticas, para IPC-TV
Network Corporation - série exibida no Japão todas as sextas-feiras, às
21h30 e reprisada aos sábados, às 10h20, pelo Canal 333, retransmissora
dos programas da Globo Internacional em todo o território japonês
Assessor de Imprensa da Prefeitura Municipal de Ferraz de Vascon-
celos-SP
Assessor de Imprensa da Prefeitura Municipal de Suzano-SP
Assessor de Imprensa da Delegacia Regional da Ordem dos Músicos
do Brasil
Assessor de Imprensa da Confederação Brasileira de Culturismo e
Musculação (filiada ao Comitê Olímpico Internacional - COI - e International
Federation Body Building - IFBB)
Editor do Jornal da Hora
Editor do Suplemento Suzano News (do jornal Mogi News)
Editor Responsável pelo Jornal Town News
Redator Comercial e Editor de Caderno em O Diário de Mogi
Fundador e Diretor do Jornal de Ferraz
Fundador e Diretor do Jornal Folha Aberta
Criador e Editor-chefe da Revista Classic
Editor do jornal A Comarca de Poá
Repórter e Editor de Caderno no Diário de Suzano
Autor de “Fragmentos” - libreto de prosa e versos sobre a realidade
dos alunos da Escola Pública (Edição independente - 1994)
Marcos Alexandre

Autor de “Mosaico” - 2.000 - livro de poesias ilustrado com compo-


sições sobre temas diversos
Autor de “Poesias” - libreto de prosa e versos (Edição independente
- 1988)
Colaborador nos jornais Diário Quatro Cidades, A Comarca de
Barueri, Diário do ABCDM, Folha Regional, Sol Viagem e Turismo e vários
outros.
Suas outras atividades incluem atuações como:
Co-fundador do Grupo Interdenominacional de Combate às Drogas
“Amor & Paz”
Representante de Ferraz de Vasconcelos no I Fórum de Educação da
Região Leste
Presidente do Grupo de Mocidade Alvorecer por quatro anos
Apresentou: Telejornal Folha Aberta (o primeiro telejornal de Ferraz
e Região, pela Rede Som e TV Imprensa (1994)
Compositor dos temas e “jingles” para comercias e campanhas pu-
blicitárias. Compositor de MPB e músicas cristãs, com músicas gravadas
por cantores em ascenção
Durante os últimos 15 anos, é apresentador ou palestrante convida-
do para inúmeros eventos e solenidades no Estado de São Paulo

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