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CAPTULO I
- No choraste, afinal de contas? No sentes sua falta?
- Chorei, u. Mas j faz meses.
- Mas era teu irmo.
- No entendi.
- Era uma pessoa prxima, u. Tu no achas que devias ter ficado devastado por meses a
fio? Que ainda devias estar devastado.
- Ests, por acaso, sugerindo que ficar triste seria, tipo, meu dever?
- Ah, no sei se chamaria de dever. Mas o normal, sei l. Tu que sabes.
- , acho que sim.
Loureno estava furioso. No que transparecesse. Deus livrasse e guardasse
Loureno de algum dia na vida fazer algo que confrontasse abertamente alguma pessoa.
Mas aquela leve e contida irritao que, a contragosto, se ouvia ao fundo de sua voz, e
que por si s j bastava para envergonha-lo e leva-lo a sentir-se incivilizado, era s a
pontinha do iceberg que era a fria despertada por aquela garotinha inconveniente.
Inconveniente para dizer o mnimo. Sim ela estava sendo terrivelmente inconveniente. E
tambm, claro, (e talvez por isso mesmo), terrivelmente certa. Loureno no podia
deixar de se perguntar. O que havia de errado com ele? No devia estar, de fato, mais
devastado, se no em profundidade, ao menos em quantidade de tempo?
Loureno deixou o silncio incmodo que tende a acompanhar respostas secas,
como aquela que tinha dado garotinha, pesar sobre a mesa da cantina em que estava
sentado. No fosse o fato de estarem em um ambiente aberto, como aquele terrao onde
as mesas da cantina da escola eram postas, teria sido possvel dizer que o silncio ecoara
por uns bons trinta segundos entre os dois. Ento, a garotinha se afastou, sem se
explicar. Como se sua curiosidade sobre os sentimentos ntimos de algum a respeito de
uma tragdia profundamente pessoal fosse auto explicvel e, francamente, algo de se
esperar.
O garoto deixou a raiva pulsar em suas tmporas por mais alguns segundos
antes de virar-se para dar ateno a sua antiga professora de geografia, cuja
aproximao pde notar graas a sua viso perifrica.