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Lucimare Ferraz 1
Denise Rangel Ganzo de Castro Aerts 2
Abstract This research aimed to study the daily Resumo Esta pesquisa teve como objetivo estu-
work of the communitarian health agent (CHA) dar o cotidiano de trabalho do agente comunitá-
in the Family Health Program (FHP) of Porto rio de saúde (ACS) no Programa Saúde da Famí-
Alegre. The outline used was the series of cases, lia (PSF) de Porto Alegre. O delineamento utili-
being the population under studies composed by zado foi o de série de casos, sendo a população em
114 CHAs and 46 FHP professionals of the teams. estudo 114 ACS e 46 profissionais das equipes do
The teams that had participated in this stage of PSF. As equipes que participaram dessa etapa da
the research had been selected in a stratified sam- pesquisa foram selecionadas em uma amostra-
pling of about 50% of the services of the FHP in gem estratificada de cerca de 50% dos serviços do
each Sanitary District of Porto Alegre. The data PSF presentes em cada Distrito Sanitário de Por-
collecting happened through half-structuralized to Alegre. Para a obtenção dos dados foram utili-
questionnaires and the technique of the focal zados questionários semi-estruturados e a técnica
group. The main activity of the communitarian do grupo focal. A principal atividade do agente
health agent is the home visit, mentioned by 2/3 comunitário de saúde é a visita domiciliar, desta-
of the professionals. The health education is the cada por 2/3 dos profissionais. A educação em
second most developed one done by agents. An- saúde é a segunda mais desenvolvida pelos agen-
other activity of the agent is the support work to tes. Outra atividade do agente é o trabalho de
the teams, assisting in the reception of patients, apoio às equipes, auxiliando na recepção de pa-
handbook searches; phoning and organization ciente, busca de prontuários; telefonia e organiza-
and control of the warehouse. Despite of being the ção e controle do almoxarifado. Apesar de a visita
communitarian agent’s main activity, the home domiciliar ser a principal atividade do agente co-
1 Centro de Ciências da visits weren’t carried through with total effective- munitário, a pesquisa revela que esta não é reali-
Saúde, UNOChapecó. ness, once part of its time is dedicated to the ad- zada com total efetividade, uma vez que parte de
Av. Senador Atílio Fontana
591-E, Bloco G, ministrative activities – not fitting, then, with its seu tempo é dedicada a atividades administrati-
89809-000, Chapecó SC. role. Moreover, the schedule designed for the visits vas o que descaracteriza sua função. Além disso, o
lferraz@unochapeco.edu.br is not adjusted to the local reality. The study horário destinado para as visitas não está ade-
2 Programa de
Pós-Graduação em Saúde shows strategies to maximize the agent’s work po- quado à realidade local. O estudo aponta estraté-
Coletiva, ULBRA. tential in the FHP in Porto Alegre. gias para potencializar o trabalho do agente no
Equipe de Informação, Key words Communitarian Health Agent, Fam- PSF em Porto Alegre.
Coordenadoria Geral
de Vigilância em Saúde, ily Health Program, Daily activities Palavras-chave Agente Comunitário, Programa
SMS-POA-RS. Saúde da Família, Cotidiano de trabalho
348
Resultados Sexo
feminino 101 88,6
masculino 13 11,4
O Programa Saúde da Família de Porto Alegre,
no momento da coleta de dados, contava com Faixa Etária (anos)
114 agentes comunitários de saúde, em sua 19 a 29 26 22,8
maioria mulheres, na faixa etária entre 30 e 49 30 a 39 38 33,3
anos (71%), possuindo entre 9 e 11 anos de es- 40 a 49 43 37,7
50 a 59 6 5,3
tudo, católicos, que viviam com companheiro,
>60 1 0,9
tinham um ou dois filhos e uma renda per ca-
pita entre 1,0 e 1,9 salários mínimos (Tabela 1). Escolaridade (anos)
Em relação ao tempo de moradia na região, <4 4 3,5
cerca de 73% eram moradores há mais de 10 5a8 51 44,7
anos na comunidade em que trabalham, sendo 9 a 11 57 50,0
> 12 2 1,8
que o tempo de permanência no PSF também
era alto, apresentando baixa rotatividade no Religião
programa: 64,8% trabalhavam há mais de três católica 84 73,7
anos e somente 8,8% não haviam completado espírita 11 9,6
um ano de trabalho (Tabela 2). evangélica 6 5,3
O agente comunitário de saúde desenvolve protestante 1 0,9
outras 3 2,6
várias atividades no Programa Saúde da Famí-
não tem religião 9 7,9
lia em Porto Alegre (Tabela 3).
A principal atividade é a visita domiciliar, Companheiro
seguida da educação em saúde. De acordo com sim 76 66,7
os agentes, nas atividades educativas, as orien- não 38 33,3
tações que mais costumam prestar às famílias Filhos (número)
referem-se à higiene; ao calendário vacinal; aos não tem 15 13,1
cuidados com recém-nascidos, puérperas, ges- 1 24 21,1
tantes; e uso correto das medicações. 2 33 28,9
Outra atividade bastante destacada pelos 3 23 20,2
profissionais das equipes foi o acompanhamen- >4 19 16,7
to de idosos, crianças, gestantes, puérperas e Renda per capita (sm*)
grupos de risco. Alguns profissionais (21,7%) < 1,0 16 14,0
relataram que os agentes também interagem 1,0 a 1,9 53 46,5
com a equipe na formação de grupos dos pro- 2,0 a 2,9 24 21,0
gramas de saúde. Para 19,6% dos profissionais 3,0 a 3,9 13 11,4
das equipes de saúde, o agente participa no 4,0 a 4,9 2 1,8
controle vacinal e no cadastramento das famí- > 5,0 6 5,3
lias da comunidade. A busca ativa de faltosos Total 114 100,0
acompanhados pelos programas também foi
* Salário mínimo federal.
citada por 15,2% dos profissionais como ati-
vidade importante desenvolvida pelos agentes
do PSF.
Um dado interessante é que, em 13% dos
relatos feitos pela equipe, uma das atividades
do agente em sua unidade é o trabalho de
apoio à equipe, isso é, trabalho administrativo.
Em contrapartida, no grupo focal essas ativi-
dades foram as mais discutidas.
Com relação à principal atividade do agen-
te, a “visita domiciliar”, investigaram-se algu-
350
colaridade mais condições terá o agente de in- por seu trabalho um salário que correspondia
corporar novos conhecimentos e orientar as fa- na época da pesquisa a dois salários mínimos
mílias sob sua responsabilidade. federais.
É importante conhecer a religião dos ACS, Segundo o Ministério da Saúde, um agente
pois as crenças pessoais podem influenciar em comunitário deve ganhar pelo menos um salá-
sua relação com a comunidade e no papel que rio mínimo por mês. Os recursos para efetuar
devem desempenhar. Além disso, é sabido que o pagamento do seu salário provêm em parte
o estado de saúde é determinado também por do governo federal, do governo municipal e,
valores culturais e religiosos (Waldman, 1999). em menor proporção, do governo estadual
Para alguns, a doença é considerada uma puni- (Brasil, 2001b). Outro ponto importante em
ção de Deus ou vinda de um mal feito por es- relação aos trabalhadores do PSF é que, nesse
píritos. Muitos aceitam a doença como uma programa, os recursos humanos não são con-
vontade divina ou destino (Helman, 1994). É tratados como funcionários públicos e podem
por essa razão que a forma como as pessoas ser remunerados por uma combinação de pro-
promovem ou preservam sua saúde está inti- cedimentos e produtividade, isto é, remunera-
mamente ligada ao modo como acreditam ad- dos por desempenho (Viana et al., 1998).
quirir as doenças (Waldman, 1999). Assim, res- A maioria dos agentes morava na mesma
salta-se a importância de capacitar os profis- comunidade em que trabalhava por um perío-
sionais para o reconhecimento dos fatores cul- do entre 10 a 19 anos, sendo que o tempo mí-
turais e religiosos que possam influenciar no nimo relatado foi de quatro anos. Preenchem,
comportamento dos indivíduos com relação à portanto, o pré-requisito do Ministério da Saú-
sua saúde. É certo que isso não significa para o de que estabelece que o agente deve estar mo-
trabalhador da saúde abdicar de suas crenças e rando, no mínimo, há dois anos no local onde
valores, mas sim a possibilidade de uma me- trabalhará, ressaltando que são os únicos tra-
lhor articulação entre os saberes técnicos e po- balhadores da atenção primária à saúde que
pulares. devem obrigatoriamente residir na área de
Tendo em vista que o agente vai assistir pes- atuação (Brasil, 1994a).
soas de outras crenças, é imprescindível prepa- Esse tempo de dois anos é solicitado como
rá-lo para lidar com as questões religiosas da uma condição necessária para que o agente co-
comunidade, inclusive com a sua, para que pos- nheça a comunidade. Por outro lado, é impor-
sa tratar com habilidade de assuntos como os tante considerar que a qualidade da relação en-
que estão ligados à sexualidade, por exemplo. tre agente e comunidade é apenas em parte de-
Quanto à família, dois terços dos agentes terminada pelo tempo de sua residência no lo-
viviam com companheiro(a), sendo que o res- cal, pois a sua empatia com a comunidade e vi-
tante morava sozinho, com amigos ou paren- ce-versa são fatores importantes para a integra-
tes. A grande maioria desses trabalhadores já ção desse trabalhador.
havia passado pelo exercício da maternidade Quanto ao tempo de trabalho no PSF, en-
ou paternidade, trazendo consigo vivências so- controu-se uma baixa rotatividade desses tra-
bre saúde infantil geradas por suas experiên- balhadores, sendo que alguns dos que estão há
cias no cuidado de seus filhos. Se por um la- menos tempo iniciaram suas atividades em ser-
do essas experiências podem facilitar o traba- viços recém implantados. O tempo de perma-
lho junto das famílias; por outro, o que deu nência no Programa é importante para o en-
certo em suas experiências pessoais pode não tendimento do papel do agente, que é construí-
ser o adequado para a população por eles assis- do nas suas práticas cotidianas.
tida. Mais uma vez, torna-se fundamental a A visita domiciliar é uma das principais ati-
educação permanente dos agentes e a supervi- vidades preconizadas pelo Ministério da Saúde
são constante desse trabalhador pela equipe de para o agente comunitário (Brasil, 2001b) e
saúde. também foi a mais referida no presente estudo.
A renda per capita dos agentes caracteriza- É por meio dela que o agente melhor conhece
os como população de baixa renda, tendo uma as necessidades das famílias e, principalmente,
inserção econômica muito semelhante a da po- desenvolve o trabalho educativo, citado como a
pulação por eles assistida. Esse resultado mos- segunda atividade mais realizada.
tra também que muitos deles têm um papel A maioria dos agentes comunitários de saú-
importante na sustentação econômica de suas de, quando perguntados nas entrevistas indivi-
famílias, uma vez que têm como remuneração duais sobre qual era o período do dia de maior
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rendimento para as visitas domiciliares, res- sim, considerando essas dificuldades, o agente
pondeu ser o período da tarde. Segundo eles, age coerentemente ao selecionar as famílias a
na parte da manhã é mais difícil a realização serem visitadas, garantindo que as que mais
das visitas, pois as pessoas dormem até tarde e necessitem não fiquem sem acompanhamento
as donas de casa estão mais ocupadas com os adequado.
afazeres domésticos, não dispondo de muito Evidencia-se, assim, a necessidade de rea-
tempo para atendê-los. Sobre isso, um agente dequação da atividade de visitas domiciliares,
referiu: “saímos pra rua às 9-9:30h e eles ainda de acordo com as características da população
estão dormindo”. de cada local, assim como o resgate junto às
Constata-se, entretanto, uma divergência equipes de saúde do significado e da importân-
entre o período mais favorável para a realiza- cia dessa prática para o Programa. É possível
ção das visitas domiciliares (tarde) e o período que, com a carga de doenças e de necessidades
em que os agentes estão desenvolvendo tal ati- desses grupos populacionais, o número de fa-
vidade (manhã). No turno da tarde, a maior mílias sob responsabilidade de cada equipe ex-
parte do tempo é utilizada em atividades den- trapole sua capacidade de resposta, necessitan-
tro da unidade de saúde. Com isso, está ocor- do talvez de um redimensionamento do núme-
rendo uma perda da eficiência dessas visitas. ro de profissionais que atuam em cada unidade
A visita domiciliar é o instrumento ideal do PSF.
para a educação em saúde, pois a troca de in- Com relação ao trabalho educativo presta-
formações se dá no contexto de vida do indiví- do pelo agente, Martins e colaboradores (1996)
duo e de sua família. As orientações não estão ressaltam que a participação desse em ações
prontas, pois cada casa apresenta uma realida- pontuais e simplificadas parece produzir im-
de e é baseada nessa realidade que acontece a pacto significativo e relevante em termos de
troca de informações. Saúde Coletiva, como, por exemplo, a orienta-
Segundo o relato de um dos agentes, mui- ção de uso do soro caseiro para a redução da
tas vezes as pessoas não percebem seus proble- mortalidade infantil e a cloração na água para
mas. No entanto, durante uma visita domici- a prevenção da cólera.
liar é possível observar as condições do pátio, Outra atividade do agente em sua unidade
da casa e iniciar uma conversa de “comadre” é o trabalho de apoio à equipe, referido como
sobre questões de saúde. Nessas ocasiões, o “trabalho burocrático”. Esse tipo de trabalho,
agente tem a oportunidade de identificar pro- apesar de ser citado em uma freqüência relati-
blemas e orientar, “trocar idéias”, no mesmo vamente baixa pelos profissionais das equipes
“papo” sobre cuidados em saúde. Como rela- (13%), foi intensamente relatado e discutido
tou um agente durante a entrevista: não basta pelos agentes, ficando claro que desenvolvem,
só bater na porta e perguntar se tem um proble- além das atividades inerentes a sua função, o
ma de saúde, tem que sentar e conversar. apoio administrativo às equipes do PSF.
O agente é responsável por 750 pessoas de O trabalho de apoio a que se referem são
sua comunidade, sendo esse número flexível, atividades como atender na recepção, entre-
pois depende das necessidades locais, e deve vi- gando fichas para consultas médicas; procurar
sitar cada domicílio pelo menos uma vez por prontuários de pacientes; atender ao telefone;
mês (Brasil, 2001b). No entanto, para a maio- entregar medicação na farmácia e marcar con-
ria dos agentes, não é possível visitar todas as sultas especializadas para a comunidade, por
famílias mensalmente, pois o número é mui- solicitação médica, na Central de Marcação de
to elevado. Essa situação foi evidenciada no Consultas na SMS. Segundo relatos de alguns
presente estudo, o que determina, segundo os agentes, a contabilidade da farmácia e o pedido
agentes entrevistados, priorizarem as famílias de materiais para a Secretaria Municipal de
que necessitam de um maior acompanhamen- Saúde também eram tarefas suas.
to, como aquelas com pessoas em tratamento Constatamos que na maioria dos serviços
médico, com tuberculose, AIDS, doença men- do PSF em Porto Alegre existe uma rotina pre-
tal, gestantes, puérperas e crianças em risco nu- estabelecida em relação ao trabalho do agente
tricional. na unidade de saúde. Em algumas, há uma es-
Além do excesso do número de famílias, o cala diária ou semanal do agente que ficará na
número de horas dispensadas para essa ativi- unidade para auxiliar a equipe. Outros serviços
dade é insuficiente e há a inadequação já referi- não possuem uma escala fixa, sendo solicitado
da do horário em que realizam as visitas. As- conforme as necessidades diárias.
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Os agentes referiram que permanecem boa sob sua responsabilidade (Brasil, 2001b). O es-
parte do seu tempo, na maioria das vezes no tudo mostrou que o agente vem desenvolvendo
período da tarde, auxiliando a equipe de saúde algumas atividades que descaracterizam o seu
em trabalhos burocráticos. Vale lembrar que o papel, uma vez que não estão preconizadas pe-
tempo que o agente permanece nas unidades lo Ministério da Saúde.
de saúde diminui sua disponibilidade para as Diante dos resultados obtidos, sugere-se al-
visitas. Outra ressalva é de que em alguns casos gumas ações que talvez possam potencializar o
as visitas podem estar sendo realizadas muito trabalho do ACS como, incorporar um auxiliar
rapidamente, comprometendo a qualidade da administrativo nas equipes do PSF; diminuir o
atenção à população assistida. número de famílias por ACS; e oferecer mais
O trabalho de suporte que o agente vem capacitações e educação permanente no Pro-
prestando às equipes de saúde sinaliza que, grama.
além de ser sobrecarregado com tarefas de sua Por fim, é importante ressaltar que, apesar
atribuição, passa a ser um “tapa-buraco” da ca- de os agentes atenderem às equipes nos aspec-
rência de outros profissionais nos serviços de tos práticos do funcionamento dos serviços de
saúde (Vasconcelos, 1997). Sobre isso, um agen- saúde, eles vêm também desenvolvendo impor-
te externou o que segue: Diz que chamaram o tante trabalho na vigilância da saúde da popu-
agente lá em Tramandaí (cidade do litoral do lação.
RS) de bombril: mil e uma utilidades. O agente é uma peça importante para o de-
Cabe aqui lembrar que o agente comunitá- senvolvimento do PSF, assim sendo, cuidar desse
rio de saúde tem como função identificar pro- trabalhador e valorizá-lo é de fundamental im-
blemas, orientar, encaminhar e acompanhar a portância, pois “aqueles que atuam e promovem
realização dos procedimentos necessários à saúde, ou seja, trabalhadores, são um bem públi-
proteção, à promoção, à recuperação e à reabi- co, uma utilidade pública” (Machado, 1995).
litação da saúde dos moradores de cada casa
Colaboradores
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