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DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE ITU Artigo de Revisão

ABORDAGEM
BORDAGEM DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA NA
TRATTO URINÁRIO - ITU
INFECÇÃO DO TRA
ITA PFEFERMAN HEILBERG*, NESTOR SCHOR
Trabalho realizado na Disciplina de Nefrologia da UNIFESP;
Ambulatório de Infecção Urinária da Universidade Federal de São Paulo

RESUMO – Os autores revisam aspectos recentes no diagnóstico e principais exames laboratoriais utilizados na diferenciação entre
no tratamento clínico de infecção do trato urinário. As diferentes ITU do trato urinário baixo ou alto foram revistos. Os autores
formas de apresentação da ITU como cistite, pielonefrite, síndrome concluem que é importante a compreensão destes diferentes as-
uretral bem como a relevância clínica da bacteriúria assintomática, pectos no manuseio e também na prevenção da recorrência em
contaminação e bacteriúria de baixa contagem são comentadas. pacientes com ITU e que os diferentes esquemas terapêuticos
Abordam-se os aspectos fisiopatogênicos relacionados à virulência estabelecidos de acordo com grupos específicos de pacientes com
da bactéria e também os fatores predisponentes do hospedeiro à ITU maximizam os benefícios terapêuticos, além de reduzir os
ITU como obstrução do trato urinário, refluxo vesico-ureteral, custos e as incidências de efeitos adversos.
cateterização urinária, gravidez, diabetes mellitus, atividade se-
xual, métodos contraceptivos, prostatismo, menopausa, idade UNITERMOS: Infecção urinária. Bacteriúria assintomática. Pielonefrite.
avançada e transplante renal. Os critérios diagnósticos de ITU e os Cistite. Síndrome uretral.

INTRODUÇÃO prostático são protetores. O papel da circun- tativa para bexiga e/ou rins, pois em condições
A infecção do trato urinário (ITU) é uma cisão é controverso, mas a menor ligação de normais há competição entre estes microor-
patologia extremamente freqüente, que enterobactérias à mucosa do prepúcio pode ganismos com a flora vaginal e perineal.
ocorre em todas as idades, do neonato ao exercer proteção contra ITU. A partir da 5ª a O espectro clínico de ITU é muito amplo
idoso, mas durante o primeiro ano de vida, 6ª década, a presença do prostatismo torna o reunindo diferentes condições:
devido ao maior número de malformações homem mais suscetível à ITU. Cistite: a aderência da bactéria à bexiga
congênitas, especialmente válvula de uretra A ITU é classificada como não complicada leva ao quadro de cistite bacteriana, ou infec-
posterior; acomete preferencialmente o quando ocorre em paciente com estrutura e ção do trato urinário “baixo”. A contagem de
sexo masculino. A partir deste período, du- função do trato urinário normais e é adquirida bactérias deveria permitir uma clara distinção
rante toda a infância e principalmente na fase fora de ambiente hospitalar. As condições que entre contaminação e infecção. Entretanto, a
pré-escolar, as meninas são acometidas por se associam à ITU complicada incluem as de utilidade e consistência do critério de Bacte-
ITU 10 a 20 vezes mais do que os meninos. causa obstrutiva (hipertrofia benigna de prós- riúria significante como³ 105 unidades forma-
Na vida adulta, a incidência de ITU se eleva e tata, tumores, urolitíase, estenose de junção doras de colônias por mililitro (UFC/mL) para
o predomínio no sexo feminino se mantém, uretero-piélica, corpos estranhos, etc); anáto- o diagnóstico de ITU tem sido freqüentemente
com picos de maior acometimento no início mofuncionais (bexiga neurogênica, refluxo questionadas. A valorização dos sintomas de
ou relacionado à atividade sexual, durante a vesico-ureteral, rim-espongiomedular, nefro- ITU, conforme descrição a seguir, deve preva-
gestação ou na menopausa, de forma que calcinose, cistos renais, divertículos vesicais); lecer, e portanto nos casos sintomáticos, con-
48% das mulheres apresentam pelo menos metabólicas (insuficiência renal, diabetes tagens³ 104 UFC/mL ou até menores, depen-
um episódio de ITU ao longo da vida 1. Na mellitus, transplante renal); uso de catéter de dendo do germe, podem sugerir ITU.
mulher, a susceptibilidade à ITU se deve à demora ou qualquer tipo de instrumentação ; Pielonefrite (PN) aguda : também denomina-
uretra mais curta e a maior proximidade do derivações ileais. A avaliação urológica em ITU da de infecção do trato urinário “alto” ou nefrite
ânus com o vestíbulo vaginal e uretra. deve ser indicada em neonatos e crianças, intersticial bacteriana, por refletir alterações
No homem, o maior comprimento uretral, infecção persistente após 72 h de terapia, ITU anatômicas e/ou estruturais renais, decorrentes
maior fluxo urinário e o fator antibacteriano recorrente em homens ou em transplantados de um processo inflamatório agudo acometendo
renais e também em mulheres com rein- o rim e suas estruturas adjacentes. A PN aguda
fecções freqüentes. não complicada pode acometer as mesmas mu-
Existe consenso de que os microor- lheres que desenvolvem cistite, mas a proporção
*Correspondência: ganismos uropatogênicos como a Escherichia de PN para cistite é de 18:1 ou 28:1. Clinicamen-
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Escola Paulista de Medicina,
Coli colonizam o cólon, a região perianal, e nas te, a PN costuma se diferenciar da cistite pela
R. Botucatu 740 – CEP: 04023-900 – São Paulo – SP mulheres, o intróito vaginal e a região perianal. presença de sintomas clínicos mais exuberantes
Brasil – Tel: (11) 5574 6300 – Fax: (11) 5573 9652 Posteriormente, processa-se a ascenção facul- e sistêmicos, conforme será descrito adiante.

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Bacteriúria de baixa contagem: Baixa con- Contaminação: É mais provável em pre- fímbrias ou pili ou adesinas, responsáveis pela
tagem pode significar contaminação, mas na sença de baixíssimas contagens bacterianas ou adesão da bactéria ao urotélio e transmissão
grande maioria dos casos os germes isolados crescimento de mais de um microorganismo. de informação genética a outras bactérias via
são típicos de ITU, como E. coli, outros Streptococcus α-hemolíticos, Lactobacilos, DNA dos plasmídeos. Existem dois tipos de
gram-negativos ou o Staphylococcus sapro- Gardnerella, espécies de Corynebacteria são pili: tipo I (manose-sensível) cujos receptores
phyticus. Portanto, a baixa contagem pode considerados contaminantes vaginais e ure- são a manose ou a proteína de Tamm-Horsfall
também refletir: a) fase precoce de ITU em trais. Infecção polimicrobiana verdadeira é e tipo 2 (manose-resistente) cujo receptor é
andamento; b) diluição urinária devido a rara, exceto em pacientes com derivações parte de um glicoesfingolípide (Gal-Gal). Os
maior ingestão de líquidos; c) crescimento ileais, bexiga neurogênica, fístula vesicocólica, fagócitos do hospedeiro, incluindo polimor-
lento de certos uropatógenos como o abscessos crônicos ou catéteres de demora. fonucleares neutrófilos e macrófagos, reco-
Staphylococcus saprophyticus ou ainda d) nhecem os pili tipo I e são capazes de fagocitar
síndrome uretral (vide descrição a seguir). Patogenia e matar a bactéria na ausência de anticorpo
Bacteriúria assintomática: Presença de A freqüência dos germes causadores de específico. É possível que anticorpos contra pili
bacteriúria na ausência de sintomas. Para ITU varia na dependência de onde foi adquiri- tipo I diminuam a resistência à infecção e é por
considerá-la significante e diferenciá-la de da a infecção, intra ou extra-hospitalar e tam- esta razão que este antígeno não deve ser
contaminação são necessárias pelo menos bém difere em cada ambiente hospitalar con- incorporado a uma eventual vacina. Bactérias
duas uroculturas em que o mesmo germe foi siderado. Os maiores responsáveis pela ITU que possuem pili tipo II aderem ao urotélio e
isolado e com contagem ≥ 105 UFC/mL ou são os germes gram-negativos entéricos espe- também a antígenos do grupo sangüíneo tipo
próximas a este valor. Para ITU por S. cialmente a E.coli, que é o mais freqüente P. Isto se deve à presença de antígenos do
saprophyticus ou Cândida, “cutoff” (valor de independente da série estudada, seguido dos grupo sangüíneo P na superfície de uroepitélio.
corte) de 104 UFC/mL é aceito. O tratamen- demais gram-negativos como Klebsiella, Ente- Devido à similaridade antigênica entre bactéri-
to desta condição é controverso, conforme robacter, Acinetobacter, Proteus, Pseudomo- as gram-negativas e este ou outros grupos
será comentado adiante. nas, etc. Além destes, na maioria das séries sangüíneos (Lewis, ABO), a determinação de
Síndrome Uretral2 ou Síndrome Piúria- americanas, o Staphylococcus saprophyticus, fenótipos relacionados aos grupos sangüíneos
Disúria ou “Abacteriúria sintomática”: diferen- um germe gram-positivo, tem sido apontado serve como marcação de populações com
temente da condição anterior, os sintomas de como segunda causa mais freqüente de ITU risco de desenvolverem ITU de repetição.
disúria e maior freqüência urinária são exube- não complicada. O diagnóstico de ITU por S. Existem também vários fatores predispo-
rantes, mas não se acompanham de urocultura saprophyticus é por vezes difícil, pelo fato de nentes do hospedeiro que participam na
positiva e sim por sedimento urinário normal apresentar um crescimento muito lento em patogenia da ITU4 :
ou com leucocitúria (leucocitúria estéril). Po- urocultura (vide acima em causas de bac- Obstrução do trato urinário: a estase
dem significar: a) infecções por germes teriúria de baixa contagem) e também porque urinária leva a condições propícias de prolife-
fastídicos ou não habituais (não crescem nos este agente pode ser confundido com outro ração bacteriana e a própria distensão vesical
meios de cultura habituais) como a Chlamydia staphylococcus coagulase e DNAse-negativo, reduz a capacidade bactericida da mucosa.
trachomatis, Ureaplasma urealyticum, Neis- saprófita da flora comensal do trato urinário, Refluxo vésico-ureteral: inserção lateral do
seria gonorrhoeae, Mycoplasma, Mycobacteria, mucosas e pele, como o Staphylococcus epi- ureter na bexiga, sem constrição adequada
Trichomonas, Candida ; b) abscesso renal sem dermidis. O que o diferencia deste último é a durante a contração do detrusor, permitindo
drenagem para o trato urinário; c) tuberculose resistência ao antibiótico Novobiocina e ao Áci- refluxo de urina durante a micção e manuten-
do trato urinário, mais freqüente nos últimos do Nalidíxico. Nas ITU complicadas, a incidên- ção de posterior volume residual, propício à
anos; d) amostras urinárias obtidas durante cia de Pseudomonas é maior e de gram-positi- proliferação de bactérias5.
tratamento ou durante uso de agentes anti- vos resistentes como Enterococcus também. Cateterização urinária: cateteres de de-
sépticos. É muito importante o diagnóstico Existem fatores de virulência da bactéria mora predispõem à bacteriúria significante
diferencial com vaginites, vulvites, uretrites e que influenciam o grau de acometimento na (geralmente assintomática), especialmente em
outras causas de cistite não bacteriana como as infecção3. As enterobactérias se caracterizam condição de drenagem aberta (ITU em 48 hs),
virais, fúngicas, por tumores, corpos es- pela presença ou não das seguintes estruturas: e o risco de bacteriemia por gram-negativo
tranhos, radiação, químicas (ciclofosfamida, a) flagelo ou antígeno “H”, responsável pela que já é de cinco vezes, é proporcional ao
etc), imunológicas, entre outras. Ressalta-se motilidade da bactéria; b) cápsula ou antígeno tempo de cateterização. A leucocitúria não
também a necessidade de diagnóstico diferen- “K”, que confere resistência à fagocitose; c) tem uma boa correlação com presença de ITU
cial com Cistite Intersticial decorrente de um polissacarídios ou antígeno “O” sempre presen- em pacientes com catéter. Além de crescerem
defeito nos glicosaminoglicanos da camada de tes na membrana externa da bactéria, que são em suspensão, algumas bactérias produzem
mucina que reveste o uroepitélio vesical e cujo determinantes antigênicos de anticorpos es- uma matriz de polissacáride ou “biofilme” que
diagnóstico só é realizado através de cistos- pecíficos sendo, portanto, úteis na tipagem as envolve e protege das defesas do hospedei-
copia com achado de úlceras de Hunner ou sorológica (150 antígenos “O” definidos) e na ro, e também confere resistência aos antimi-
glomerulações. discriminação entre relapso e reinfecção; d) crobianos utilizados6. Adicionalmente, a pre-

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sença de germes neste biofilme cria um ambiente pielonefrite enfisematosa (90% dos casos suas implicações já descritas9, a ITU pode ser
favorável à formação de encrustrações na superfí- são diabéticos), abscesso perinéfrico e decorrente de estreitamento uretral e outras
cie interna do catéter, levando à obstrução. necrose papilar são muito mais comuns en- anormalidades anatômicas. Na mulher idosa,
Gravidez: a prevalência de bacteriúria tre os diabéticos. além da menopausa, alterações anátomo-
assintomática é de até 10% na gravidez, po- Relação Sexual / Métodos contraceptivos: a funcionais da bexiga relacionadas ou não à
dendo ser observada do início da gestação ao associação entre atividade sexual e cistite agu- multiparidade, como cistocele, etc., o próprio
3º trimestre e 25 a 57% destas bacteriúrias da (historicamente “cistite da lua de mel”), em acúmulo de infecções recorrentes, acabam
não tratadas podem evoluir para infecção sin- decorrência da bacteriúria pós-coito, está bem por também aumentar a incidência de ITU
tomática, inclusive pielonefrite, devido à dilata- estabelecida7. A menor ocorrência de bacte- nesta faixa etária. A própria infecção urinária
ção fisiológica do ureter e pelve renal facilitan- riúria assintomática entre celibatárias corrobo- estimula a hiperreflexia do detrusor e a endo-
do o refluxo. Há risco também de necrose ram com a existência desta associação. O uso toxina da E. Coli inibe as contrações α-adre-
papilar. A incidência de bacteriúria também do Diafragma e geléia espermicida como méto- nérgicas uretrais reduzindo a pressão esfinc-
aumenta em relação ao número prévio de dos contraceptivos também tem sido conside- teriana e resultando em incontinência urinária.
gestações. ITU em gravidez se associa a um rados fatores predisponentes à ITU. A presen- Para ambos os sexos, a presença de patologias
maior índice de prematuridade, baixo peso e ça do diafragma pode levar à uma discreta coexistentes como diabetes, acidentes vascu-
mortalidade perinatal, além de maior morbi- obstrução uretral que não se associa a maior lares cerebrais, demência, alterações na res-
dade materna. As alterações mecânicas e fisio- risco de infecção. No entanto, quando da posta imune e hospitalização e/ou instrumen-
lógicas da gravidez que contribuem para ITU associação com a geléia espermicida, ocorrem tação mais freqüente tornam a ITU mais
incluem: a) dilatação pélvica e hidroureter alterações do pH e da flora vaginal (perda dos prevalente nesta faixa etária
(vide comentários acima); b) aumento do ta- lactobacilos que mantém a acidez do pH Transplante Renal: a prevalência de ITU no
manho renal (1 cm) c) modificação da posição vaginal) que podem favorecer a ascendência pós-transplante é de 35% a 80%, sendo mais
da bexiga que se torna um órgão abdominal e de germes ao trato urinário. O uso de preser- freqüente nos primeiros 3 meses após o trans-
não pélvico; d) aumento da capacidade vesical vativos só propicia ITU quando contém plante10. A maioria das ITU são assintomáticas
devido à redução do tônus vesical hormônio- espermicidas. (rim denervados) mas em 45% dos casos são
mediado; e) relaxamento da musculatura lisa Prostatismo: a ocorrência de hipertrofia recorrentes. Os agentes infecciosos podem
da bexiga e ureter progesterona-mediados. prostática benigna ou carcinoma de próstata ser adquiridos a partir do rim do doador, da
Diabetes Mellitus: não existem evidências traduzem uma situação de obstrução ao fluxo ferida cirúrgica, do uso de cateteres urinários e
de que freqüência de ITU sintomática seja urinário com conseqüente esvaziamento vesi- do ambiente hospitalar. Microrganismos en-
maior em indivíduos diabéticos quando com- cal incompleto. Nestes casos a ITU decorre da dógenos latentes podem também ser reati-
parada a indivíduos normais do mesmo sexo e presença de urina residual e também da neces- vados devido ao uso de drogas imunos-
faixa etária. Existem relatos de maior fre- sidade mais freqüente de cateterização uri- supressoras. O risco de bacteriúria aumenta
quência de bacteriúria assintomática entre nária. Menopausa: O estrógeno estimula o com o tempo de cateterização. No caso de
mulheres diabéticas mas não entre homens crescimento e a proliferação da mucosa vaginal ITU recorrente, investigação urológica ou pes-
diabéticos. A bacteriúria não se correlaciona facilitando a remoção de bactérias. Adicional- quisa de refluxo urinário devem ser considera-
com os níveis de hemoglobina glicosilada, e mente, o estrógeno promove o acúmulo de das. Existem controvérsias quanto a uma pos-
portanto com o controle da diabete, mas a glicogênio pelas células epiteliais, o que favore- sível aceleração no processo de rejeição crôni-
presença de infecção certamente comprome- ce o crescimento de lactobacilos que reduzem ca entre aqueles que apresentam ITU recor-
te tal controle. Existem várias alterações nos o pH vaginal tornando-o hostil para germes rente. Normalmente são causadas por bacilos
mecanismos de defesa do hospedeiro diabéti- gram-negativos como as enterobactérias. gram-negativos e enterococcus. Entretanto,
co, que o tornam mais suscetível às complica- Portanto, a falta de estrógeno na menopausa tem sido relatada ITU por Corynebacterium
ções decorrentes de ITU como: defeito no expõe a mulher a um maior risco de urealyticum em 10% dos casos contra 2% na
poder quimioterápico e fagocítico dos leucó- bacteriúria e ITU sintomática, pela redução do população normal.
citos polimorfonucleares devido ao ambiente glicogênio, ausência de lactobacilos e elevação
hiperosmolar; doença microvascular levando à do pH vaginal. Sabe-se que a colonização va- Quadro clínico
isquemia tecidual local e fraca mobilização ginal por E. Coli é um pré-requisito para ascen- No indivíduo adulto os sintomas clínicos
leucocitária e por fim, a neuropatia vesical dência da bactéria ao trato urinário8. Em cultu- característicos de cistite são a disúria, pola-
(bexiga neurogênica). A infecção iatrogênica ras seriadas de intróito vaginal, 56% de pacien- ciúria ou aumento da freqüência urinária, ur-
decorre da necessidade freqüente de hospi- tes pós-menopausadas com ITU recorrente gência miccional, dor em baixo ventre, arrepi-
talização e cateterização nestes pacientes. O eram carreadoras de enterobactérias, espe- os de frio ou calafrios, com presença ou não de
papel da glicosúria ainda é muito discutido não cialmente de E. Coli . dor lombar. Podem fazer parte do quadro
tendo sido comprovada sua associação com Idade avançada: a freqüência de ITU au- clínico mal-estar geral e indisposição. No indi-
maior colonização bacteriana até o presente menta com a idade em ambos os sexos. No víduo idoso é comum dor abdominal ou dis-
momento. Certas complicações clínicas como homem idoso, além da doença prostática e túrbio de comportamento na ITU. Em crianças

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o principal sintoma pode ser dor abdominal11. róbios, vírus, etc. Dentre as leucocitúrias esté- mais do que um teste que diferencie ITU alta
Em recém-nascidos, o diagnóstico clínico de reis de origem não infecciosa se destacam a de baixa, o ACB é indicativo de comprometi-
ITU se torna suspeito quando na presença de nefrite intersticial, litíase, presença de corpo mento tissular (urotélio). É bastante específico
icterícia fisiológica prolongada associada ou estranho, rejeição de transplante, terapia com mas não muito sensível. Falsos positivos são
não à perda de peso (30% dos casos), ciclofosfamida, trauma gênito-urinário, glome- encontrados em prostatite, cistite hemor-
hipertermia, presença de complicações neu- rulonefrite aguda e crônica, neoplasias, conta- rágica, infecções muito recentes e especial-
rológicas (30%), diarréia, vômitos ou cianose. minação vaginal, etc.; b) Proteinúria: costuma mente, em crianças.
Em lactentes, o déficit pôndero-estatural, diar- ser discreta e variável; c) Hematúria: quando Outros exames: Teste de concentração
réia ou constipação, vômitos, anorexia ou fe- presente também é discreta. Como achado urinária máxima; elevação de enzimas uri-
bre de etiologia obscura, podem levar à sus- isolado está mais freqüentemente relacionada nárias (b-glucuronidase, DHL-isoenzima 5,
peita de ITU. Por fim, na faixa pré-escolar os à presença de cálculos, tumores, tuberculose b2-microglobulinúria), sugestivas de defeitos
sintomas podem ser febre, enurese, disúria ou ou infecções fúngicas do trato urinário; d) pH tubulares, sugerem presença de pielone-
polaciúria. No adulto, existe superposição en- — geralmente alcalino, exceto em infecção frite. Outro exame inespecífico, mas não
tre os sintomas clínicos de ITU “baixa” vs “alta” por micobactérias. Quando o pH é muito invasivo, que pode auxiliar no diagnóstico
(cistite vs pielonefrite). No entanto, a febre e a alcalino, superior a 8,0 pode sugerir infecção diferencial entre cistite e pielonefrite é a
dor lombar são muito mais comuns na pielo- por Proteus; e) Bacteriúria: geralmente pre- Proteína C-Reativa. A coleta de urina por
nefrite, que se acompanha também de toxe- sente, mas necessitando sempre ser confirma- sondagem vesical, após lavagem com antibió-
mia e queda do estado geral mais importante. da por cultura de urina; f) Cilindros leuco- ticos tipo neomicina ou polimixina, técnica de
Laboratorialmente, também tenta-se distin- citários: sugerem pielonefrite. “washout”, é sugerida por alguns autores, es-
gui-las como será comentado a seguir. Urocultura: A urina para urocultura deve pecialmente na ITU na infância (crianças com
ser obtida a partir do jato médio, e colhida cistite terão urina estéril após esta lavagem).
Diagnóstico Laboratorial através de técnicas assépticas, não em vigência A valorização de cada um destes exames
Fitas reagentes (“dipstick”): são especial- de antibioticoterapia. Apesar da primeira urina diagnósticos foi revisada recentemente12.
mente úteis na triagem de casos agudos suspei- da manhã conter potencialmente maior popu-
tos de ITU, principalmente em nível ambu- lação de bactérias, devido ao maior tempo de Imagem
latorial ou no consultório. As fitas detectam incubação, a sintomatologia exuberante da O diagnóstico por imagem é mais utilizado
esterase leucocitária (indicativa de piúria) ou ITU com elevada frequência urinária dificulta nos casos de ITU complicada, para identificar
atividade redutora de nitrato. A redução de esta medida. Desta forma, a urina de qualquer anormalidades que predisponham à ITU.
nitrato para nitrito é tempo-dependente e só é micção pode ser valorizada desde que obtida Ultra-som: útil para identificar presença de
positiva em ITU causada por enterobactérias com um intervalo de no mínimo duas horas cálculos que podem estar associados com os
pois só elas apresentam esta atividade. O valor após a micção anterior, período que corres- quadros agudos de ITU ou mesmo propiciá-
negativo da fita é o mais importante, pois ponde ao tempo de latência para o crescimen- los (ITU complicada), bem como a repercus-
quando negativas praticamente excluem ITU. to bacteriano, para que se evitem falsos nega- são dos cálculos no trato urinário. O ultra-som
Eritrócitos e leucócitos são lisados em urinas tivos. Em crianças procede-se a coleta em saco é útil também na identificação de outras condi-
com pH > 6,0, com reduzida osmolaridade coletor. Se negativa quase que exclui ITU. Se ções associadas a ITU como coleções, absces-
ou em análises tardias. Portanto, falso negativo duvidosa, pode-se confirmar através de pun- sos e rins policísticos.
na fita é mais difícil do que na microscopia. O ção suprapúbica. O número de colônias ne- Urografia Excretora (UGE): Não deve
pH urinário >7,5, detectado por fitas rea- cessário para o diagnóstico de bacteriúria ser realizada na fase aguda de infecção,
gentes também sugere fortemente ITU. significante é classicamente considerado como pois os resultados são pobres além da ex-
Sedimento urinário: o exame microscópico superior a 105 colônias/ml de urina. No entan- posição à nefrotoxicidade. Em quase 85%
é feito após centrifugação da urina a) to, progressivamente este critério tem sido das mulheres com ITU recorrente, a UGE
Leucocitúria: são consideradas anormais, con- questionado principalmente no que diz respei- é normal. Devido à reduzida sensibilidade
tagens superiores a 10.000 leucócitos/ml ou to à ITU. Em pacientes sintomáticos com con- deste exame, tem-se questionado bastan-
10 leucócitos/campo, independentemente da tagens inferiores a esta, torna-se difícil excluir te a validade da UGE em ITU a não ser na
morfologia destes leucócitos. Em laboratórios ITU (vide comentários acima sobre bacteriúria investigação de ITU complicada, para ob-
que se utilizam de tecnologia mais avançada, significante). ter informações sobre alterações anatô-
onde o exame microscópico de urina é realiza- Exames para Diagnóstico diferencial entre micas como dilatação calicial, pélvica e
do através de citometria de fluxo, contagem de ITU “baixa” e “alta”: ureteral, estenose de JUP, duplicidade
leucócitos de até 30.000/ml são consideradas Imunofluorescência do Sedimento Urinário pielocalicial e adequação do esvaziamento
normais em mulheres. A presença de ou ACB (“Antibody-Coated Bacteria”) : a base vesical ou identificar presença de obstru-
leucocitúria não é diagnóstica de ITU devido a conceitual deste teste é de que a bactéria ao ção ou cálculo. Deve-se salientar que no
inúmeras causas de leucocitúria estéril como invadir o tecido leva à produção local de caso de suspeita de cálculos a própria Ra-
tuberculose, infecção por fungos, Chlamydia, anticorpos que reagem com os antígenos de diografia Simples de Abdome e/ou o ultra-
Gonococcus, Lepstopira, Haemophilus, anae- superfície da própria bactéria. Na realidade, som podem sugerir o diagnóstico.

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DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE ITU

Uretrocistografia Miccional: Em crianças d)“Novas” Quinolonas: Norfloxacina 400mg anaeróbios podem ser tratadas com metro-
abaixo de dois anos com ITU recorrente, além 12/12hs, Ciprofloxacina 250 mg 12/12hs. nidazol ou clindamicina. Deve-se ter em men-
da UGE, indica-se a uretrocistografia miccional Outras como a Lomefloxacina, Ofloxacina, te que a diluição urinária reduz a população
(UCM), que é o “gold-standard” para o diag- Pefloxacina, etc. também podem ser utilizadas. bacteriana mas também a concentração do
nóstico de Refluxo-Vesicoureteral (RVU). Em e) Cefalosporinas: A mais utilizada de 1a antibiótico, sendo que a micção remove am-
adultos não está indicada a não ser em ITU geração por via oral é a Cefalexina 250 mg 6/ bos. Portanto, a eficácia ótima das drogas
recorrente no pós-transplante para afastar re- 6hs e das de 2a geração, o Cefaclor 250 mg 12/ ocorre no período pós-miccional. As concen-
fluxo ao rim transplantado. 12hs. As cefalosporinas de 2ª e 3ª geração trações urinárias dos antibióticos refletem as
Cintilografia com DMSA: A cintilografia com possuem espectro maior contra bactérias presentes na medula renal sendo portanto
o ácido dimercaptosuccínico (DMSA) marcado gram-negativas exceto enterococcus e a ativi- melhores guias de eficácia do que as concen-
com Tecnécio 99 (99mTc) tem sido muito utili- dade contra pseudomonas é variável. trações séricas, exceto quando da presença de
zada no acompanhamento de crianças com A sensibilidade aos antibióticos também insuficiência renal. As concentrações renais das
RVU para detectar a presença de lesões varia dependendo da população estudada. Em drogas por sua vez, dependem do mecanismo
corticais ou cicatriz renal secundária ao reflu- avaliação realizada no ambulatório de ITU da de excreção renal, fluxo urinário, pH e função
xo. Mais recentemente, o DMSA tem sido Disciplina de Nefrologia da Universidade Fe- renal. Abscessos tendem a ter pH e pO2 redu-
recomendado na fase aguda de ITU em crian- deral de São Paulo, a maioria dos patógenos zidos, e a penetração antimicrobiana em cistos
ças devido à sua maior sensibilidade em detec- isolados mostrou-se menos sensível à associa- também é precária.
tar danos corticais, auxiliando portanto no ção SMZ-TMP (resistência em torno de 30%), Recentemente, a duração ideal da terapia
diagnóstico diferencial com pielonefrite. fazendo com que as antigas e novas quinolonas antibiótica em ITU tem sido reconsiderada. A
Outros exames: a) Tomografia computado- fossem mais indicadas para tratamento de in- utilização de dose única se justifica devido à
rizada (TC) é raramente necessária a não ser fecções não complicadas e também na profi- superficialidade de infecção na mucosa em
para descartar presença de abscesso perine- laxia. Entretanto, existe variação quanto à sen- cistite bacteriana, concentração do antibiótico
frético e também em casos de investigação de sibilidade aos antimicrobianos nos diferentes pelo rim resultando em níveis urinários extre-
rins policísticos que podem estar associados Serviços, e além disto, quando se trata de mamente elevados e pelo fato de quase 30%
com ITU; b) Cistoscopia: a cistoscopia não tem primeiro episódio de ITU, adquirida fora de dos pacientes submetidos a lavagem vesical
indicação na ITU não complicada e deve ser ambiente hospitalar, a prescrição de SMZ- com solução de neomicina a 10% terem sido
realizada somente em condições de urina es- TMP deve ser considerada em primeira instân- efetivamente tratados.
téril ou após profilaxia antibiótica. Em pacien- cia, pois é barata e bem tolerada. As novas Dose única: a indicação mais apropriada
tes idosos e transplantados renais com ITU quinolonas se constituiriam em droga de esco- de tratamento de ITU por dose única é em
recorrente e hematúria, a cistoscopia está lha, pela facilidade na posologia (apenas duas mulheres com a primeira ITU não complica-
indicada para afastar câncer de bexiga. tomadas diárias) seguida das cefalosporinas, no da, acometendo trato urinário inferior (cisti-
caso de resistência às quinolonas. Todos os te) já que seu uso inadvertido em ITU alta
Tratamento antibióticos beta-lactâmicos como penicilina G, não reconhecida, mascara transitoriamente a
Estratégias envolvendo diferentes esque- ampicilina, amoxicilina, cefalexina, cefaclor são progressão da infecção, com evolução po-
mas terapêuticos de acordo com grupos espe- ativos contra os coliformes, mas as cefalos- tencial para pielonefrite. Dose única não é
cíficos de pacientes com ITU maximizam os porinas atingem níveis urinários mais elevados. eficaz para o tratamento de ITU por Sta-
benefícios terapêuticos, além de reduzir os Deve-se reservar as quinolonas de maior es- phylococcus saprophyticus. Uma alternativa
custos e as incidências de efeitos adversos13. pectro como a ciprofloxacina para uso em caso de antimicrobiano para a dose única para
Cistite não complicada: vários agentes de impossibilidade de uso das outras drogas cistite por provável E. Coli, é a Fosfomicina
antimicrobianos por via oral podem ser usa- para não induzir resistência. A ciprofloxacina é Trometanol (3g) que porém tem pouca ativi-
dos para o tratamento da cistite ou ITU não especialmente útil em pielonefrite de modera- dade sobre Klebsiella, Enterobacter, Acineto-
complicada: da severidade pois sua penetração tecidual é bacter, Proteus e Pseudomonas.
a) Sulfonamidas: dentre as sulfonamidas, superior à da norfloxacina. Tratamento de três dias: estudos controla-
quimioterápicos com ação bacteriostática, O grupo das Tetraciclinas (tetraciclina, dos indicam que tratamentos curtos por três
destaca-se a associação Sulfametoxazol-trime- oxitetraciclina, doxiciclina, minociclina) é espe- dias são os mais adequados14 no tratamento da
toprim (SMZ-TMP) ou Cotrimoxazol, preferen- cialmente efetivo no tratamento de infecções ITU “baixa”, com invasão superficial da mu-
cialmente em formulações “F” de 800mg de por Chlamydia Trachomatis (uretrite por cosa, não complicada, com um ótimo balanço
SMZ associados a 160mg de TMP para uso de Chlamydia deve ser tratada por 7 a 14 dias com entre eficácia e incidência de efeitos colaterais,
1 cp 12/12hs, ou na posologia habitual de 2 cp Tetraciclina ou Sulfonamida) sendo portanto quando comparados com dose única ou aos
12/12hs. indicados em síndrome uretral e prostatite. As cursos clássicos de 7 e 10 dias. Deve-se, no
b) Nitrofurantoína (Macrodantina), na dose penicilinas resistentes à ação de germes produ- entanto, estar atento à recorrência, quando se
de 100mg 6/6hs). tores de penicilinase como oxacilina, cloxa- utilizam cursos de três dias. O resultado do
c) Quinolonas: Ácido nalidíxico, 500mg 8/ cilina e dicloxacilina se reservam ao tratamento curso de três dias é nitidamente superior à
8hs, Ácido pipemídico, 400 mg 12/12hs de infecções estafilocócicas. Infecções por dose única.
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Tratamento de sete dias: ITU em homem pima) podem ser utilizadas de acordo com o controle glicêmico, portanto a monitorização
sempre deve ser tratada por sete dias e se a nível de gravidade. As cefalosporinas de 3a destes pacientes torna-se importante. Cistite
infecção persistir na urocultura de controle, geração são altamente eficazes contra entero- ou ITU não complicada devem ser tratadas por
mesmo após terapêutica adequada, devem ser bactérias em geral, mas não contra Pseudo- pelo menos 10 dias. As complicações são mais
investigados fatores complicadores. Pacientes monas. Alguns germes gram-positivos como freqüentes entre diabéticos conforme comen-
com tratamento pregresso e alta probabilida- Enterococcus e Staphylococcus também são tado anteriormente.
de de ITU por germes resistentes também pouco sensíveis. Os aminoglicosídeos como c)Transplante renal: No pós transplante
devem ser preferencialmente tratadas por Amicacina ou Gentamicina são bastante efica- imediato, em caso de bacteriúria assintomática
sete dias. zes para germes gram-negativos, mas deve-se ou de baixa contagem há indicação de trata-
Tratamento 10 a 14 dias: o tratamento da ter em mente o especial efeito nefrotóxico mento, embora controversa em alguns cen-
ITU “alta” ou “complicada” por outros fatores destes agentes. Quando possível, a realização tros . Segundo alguns autores, ITU nesta fase
geralmente requer tratamento por tempo do teste de gram pode auxiliar bastante na precoce deve ser tratada por um período
mais prolongado, 10 a 14 dias. identificação da presença de enterococcus. Se mínimo de 4 semanas. Em alguns Serviços, mas
Pielonefrite não complicada: o tratamento gram-positivos estão presentes ou se esta in- não em todos, regime de antibioticoterapia
de pacientes com fortes evidências clínicas e/ formação não está disponível, deve-se associar profilática é preconizado por 3 a 6 meses no
ou laboratoriais de infecção acometendo o Ampicilina endovenosa ou Vancomicina aos pós-transplante. No período tardio de follow-
tecido renal deve visar o controle ou a preven- aminoglicosídeos. Quando somente gram-ne- up de transplante, a monitorização de ITU é
ção do desenvolvimento de sepse e das conse- gativos estão presentes, torna-se preferencial importante e a indicação tratamento é mais
qüências inflamatórias da pielonefrite, além da o uso por via parenteral, desde a associação variável, mas cursos de 10 a 14 dias de antibi-
erradicação do microorganismo e controle da SMZ-TMP, até fluorquinolonas, aminoglico- ótico são suficientes. No caso de ITU por
recorrência precoce. Não há evidência que sídeos ou cefalosporinas de amplo espectro Corynebacterium urealyticum, o antimicro-
sugira que um antimicrobiano é superior a como a Ceftriaxona. Em pacientes com qua- biano de escolha é a Vancomicina. Deve-se ter
outro. A terapia parenteral deve ser pronta- dros mais complicados, história de pielone- em mente a interferência de certos antimicro-
mente instituída e assim que o paciente estiver frites prévias ou manipulação recente do trato bianos sobre as concentrações de ciclosporina
afebril por 24 horas, já pode receber antibio- urinário, deve ser considerado o uso de (ex: SMZ-TMP), bem como sinergismo de
ticoterapia oral. Na realidade, o mérito da monobactâmicos como Aztreonam, ou combi- nefrotoxicidade, e ajuste de dose quando da
terapia parenteral diz respeito à maior rapidez nação de inibidores de b lactam-b lactamase presença de insuficiência renal. A recorrência
com que se atingem níveis séricos adequados, como Ampicilina-Sulbactam, Ticarcilina-Ácido de ITU é freqüente. O relapso geralmente
e também são úteis nos pacientes com qua- clavulânico ou ainda de carbapenêmicos como indica que o tempo de tratamento não foi
dros acompanhados de vômitos. Não é obri- Imipenem-Cilastatina. adequado.
gatória a escolha de um antimicrobiano de Bacteriúria assintomática : o tratamento de d) Catéter: bacteriúria em pacientes
forma que o mesmo possa ser administrado bacteriúria assintomática em pacientes com assintomáticos em uso de catéter não deve ser
inicialmente por via parenteral e depois por via fatores complicadores irá depender da condi- tratada devido ao potencial desenvolvimento
oral. Esquemas utilizando altas doses de ção associada: de germes resistentes, incluindo Candida sp. A
aminoglicosídeos seguidas de ciprofloxacina por a)Gravidez: a única indicação absoluta de prevenção é a melhor medida e inclui inserção
via oral têm sido sugeridos. Em pacientes com tratamento de bacteriúria assintomática é a estéril e cuidados com o catéter, remoção
formas menos graves e sem vômitos, esque- gravidez, conforme mostrado no algoritmo de rápida quando for possível e uso de drenagem
mas exclusivos por via oral de fluorquinolonas bacteriúria assintomática, devido ao risco da fechada abaixo do nível da bexiga. Coletas de
com boa penetração tecidual como a cipro- bacteriúria predispor à pielonefrite e necrose urina devem ser obtidas não por desconexão
floxacina podem ser considerados. papilar. Tratamento de ITU na gravidez por do catéter e sim através de aspiração por
ITU complicada: torna-se mais difícil pa- dose única não é recomendado. O tratamento agulha na porção distal do catéter. Alternativas
dronizar a recomendação de antibióticos pois deve ser por no mínimo 7 dias. Os antimi- para os cateteres de demora incluem a auto-
o espectro clínico nas ITU complicadas, com crobianos que podem ser utilizados com segu- cateterização intermitente em caso de pacien-
alterações anatômicas do trato urinário, é rança na gravidez são Cefalexina, Ampicilina, tes com certa continência urinária, e também
muito amplo e o tratamento irá depender da Amoxacilina e Nitrofurantoína (Macrodantina). uso de cateteres supra-púbicos ou condoms
condição associada (pielonefrite, catéter, obs- Com a ciprofloxacina, os riscos não podem ser urinários.
trução, pós-transplante renal, diabetes, etc) e descartados, não devendo ser portanto reco- e)Homem: ITU não complicada no homem
do germe identificado. De maneira geral, nas mendada. Em casos de pielonefrite, o trata- adulto jovem é rara. Portanto, devem ser avali-
infecções graves com importante comprome- mento é preferencialmente por via parenteral adas presença de anormalidades anatômicas,
timento sistêmico, as cefalosporinas de 1ª gera- em nível hospitalar. cálculos ou obstrução urinária, história de
ção (p.ex. Cefalotina), de 2a geração, (p.ex. b)Diabetes Mellitus: o tratamento de bac- cateterização ou instrumentação recente, cirur-
Cefoxitina ou Cefuroxima), de 3ª geração (p.ex. teriúria assintomática é controverso, sendo gia. Afastadas estas causas associadas, o trata-
Cefetamet pivoxil ou Ceftazidima ou Ceftria- relativa a indicação. Por outro lado, a presença mento deve ter a duração mínima de sete dias.
xona) ou mesmo de 4a geração (p.ex. Cefe- de infecção pode comprometer o adequado Já em caso de ITU acompanhada de febre e

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DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE ITU

hematúria, ou em casos de recorrências com o formação de abscessos e destruição do parên- supostamente inibe a expressão de fimbrias da
mesmo microorganismo, deve-se considerar a quima renal causada por Proteus mirabilis ou E.coli (este suco não é disponível em nosso
possibilidade de Prostatite. O diagnóstico é feito Escherichia coli. O tratamento é a remoção meio). Em estudo controlado, o consumo de
com base no resultado de culturas seriadas de cirúrgica do rim, já que o diagnóstico pré- suco “cranberry” e não o de lactobacilos em
jato urinário inicial antes e após massagem operatorio é raramente feito. Outra entidade forma de bebida, cinco vezes por semana por
prostática, mas deve-se ter cuidado com esta rara é a Malocoplaquia, reação inflamatória um ano, reduziu a recorrência de ITU em
última pelo risco de bacteriemia. A prostatite histologicamente distinta em decorrência de relação ao placebo.
aguda responde melhor às Fluorquinolonas infeçcão crônica comumente no trato urinário
como a Ciprofloxacina, com melhor penetração com formação de placas contendo macró- SUMMARY
tecidual e tratamento é longo, por no mínimo 4 fagos, que se apresenta clinicamente como DIAGNOSIS AND CLINICAL MANAGEMENT
a 6 semanas para evitar relapso. Além dos ger- insuficiência renal aguda. OF URINARY TRACT INFECTION
mes habituais, após instrumentações frequen- A review about recent aspects on diagnosis
tes, há grande risco de ITU por Staphylococcus Profilaxia
and clinical management of urinary tract
Aureus para a qual devem ser utilizadas medica- A profilaxia de ITU está indicada principal-
infection (UTI) is presented. There is a wide
ções antiestafilocócicas. mente em mulheres com ITU recorrente, que
variation in clinical presentation of UTI which
f) Criança: o tratamento não difere muito apresentem mais do que duas infecções por
include different forms as cystitis, pyelonephritis,
do preconizado no adulto, ajustadas as doses ano, ou quando da presença de fatores que
urethral syndrome and the clinical relevance of
em crianças. No caso de ITU recorrente em mantém a infecção como cálculos. Para que se
asymptomatic bacteriuria and low-count bac-
crianças, especialmente entre as com cicatriz inicie a profilaxia é necessário que a urocultura teriuria that must be distinguished from
renal e refluxo vesico-ureteral, a profilaxia por se mostre negativa para evitar o tratamento de contamination. Pathogenetic aspects concer-
tempo prolongado com SMZ-TMP (2mg/kg/ uma eventual infecção vigente com sub-dose ning bacterial virulence as well as host factors in
dose em 1 ou 2 doses diárias do componente de antibiótico. susceptibility to UTI as urinary tract obstruction,
SMZ que fornece 10mg/kg/dose do compo- As drogas mais utilizadas com fins vesicoureteral reflux, indwelling bladder cathe-
nente TMP) ou Nitrofurantoína 2mg/kg/dia. profiláticos são a Nitrofurantoína, Sulfameto- ters, pregnancy, diabetes mellitus, sexual
g)Menopausa: bacteriúria assintomática xazol-Trimetoprim, e as antigas quinolonas activity, contraceptive methods, prostatism,
não deve ser tratada com antibióticos também como Ácido Pipemídico ou Ácido nalidíxico. A menopause, advanced age and renal trans-
devido ao risco potencial de desenvolvimento dose sugerida é de um comprimido à noite ao plantation are discussed. Diagnostic criteria and
de germes resistentes. Entretanto, cremes va- deitar (o clareamento bacteriano é menor do the most common tests utilized for diffe-
ginais contendo estrógeno tem sido preconi- que durante o dia) ou então 3 vezes por rentiation between lower and upper UTI have
zados tanto para tratamento de bacteriúria semana durante 3 a 6 meses. Quando a ITU been reviewed. The authors conclude that a
sintomática quanto para ITU recorrente nesta estiver relacionada com a atividade sexual careful evaluation of the underlying factors is
condição15. A reposição estrogência restaura a pode-se prescrever um comprimido após required for the correct diagnosis of UTI and to
atrofia da mucosa vaginal, reduz o pH vaginal, cada relação. prevent recurrence and that appropriate
impedindo a colonização por enterobactérias, Algumas recomendações para o manuseio strategies and specific therapeutic regimens may
seguida de colonização periuretral culminando não medicamentoso de pacientes com ITU maximize the benefit while reducing costs and
em ITU. Os cremes contendo Estriol podem recorrente ou com bacteriúria assintomática adverse reactions. [Rev Assoc Med Bras 2003;
ser aplicados por via intra-vaginal à noite duas incluem: a) aumento de ingestão de líquidos; b) 49(1): 109-16]
vezes por semana. Seu uso deve ser moni- urinar em intervalos de 2 a 3 horas; c) urinar
torizado e contra-indicado em suspeita de cân- sempre antes de deitar ou após o coito; evitar KEYWORDS: Urinary infection. Asymptomatic
cer de mama ou neoplasias estrógeno-depen- o uso de diafragma ou preservativos associa- bacteriuria. Cystitis. Pyelonephritis. Urethral
dentes, sangramento vaginal, presença de dos a espermicida (para não alterar o pH syndrome.
tromboflebites ou distúrbios tromboembólicos. vaginal); d) evitar banhos de espuma ou
h) Formas especiais de pielonefrite incluem aditivos químicos na água do banho (para não REFERÊNCIAS
a Tuberculose renal (TBC) que devido à dificul- modificar a flora vaginal); e) aplicação vaginal 1. Nicolle LE. Epidemiology of urinary tract
dade no diagnóstico pode permanecer clinica- de estrógeno em mulheres pós-menopau- infection. Infect Med 2001; 18:153-62.
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pode ser tratada com cursos de dois meses de Lactobacillus Casei uma vez por semana Pathogenetic aspects of uncomplicated urinary
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