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FACULDADE DE JORNALISMO
Humor na imprensa
AMARAL, Luiz. Jornalismo: matéria de primeira página. Rio de
Janeiro : Tempo Brasileiro/ MEC, 1978, p. 113-124
O humor, seja "a polidez do desespero" (Mark Twain), "a amável contemplação
das incongruências da vida" (Leacock), "uma revolta superior do espirito" (André
Breton) ou "uma forma de espírito que diverte sem querer e faz rir sem ter rido" (Mme
de stael) , tem presença disputada nos veículos de comunicação social. Além de
poder manifestar-se através das diversas matérias redacionais, detém espaços
exclusivos e permanentes, e constitui motivos de um número sem conta de revistas e
jornais especializados.
As funções do humor vão desde o puro entretenimento, com o intuito de
clarear um pouco o conjunto de textos ditos sérios, à atuação política e ideológica,
ao humor engajado que faz rir para refletir e, assim, quebrar a indiferença da opinião
pública. Expressões consagradas no gênero são as publicações Le Canard Enchainé
(Paris), Codorniz (Madri), Punch (Londres), Krokodil (Moscou) e Pasquim (Rio de
Janeiro).
Durante os conflitos bélicos, o humor surge como uma arma de
combate, na medida em que, exorcizando a angústia, dá confiança ao
combatente, e, esvaziando a ameaça, priva o adversário de sua arma
psicológica. Assim aconteceu, por exemplo, na II Grande Guerra, na Inglaterra
ameaçada pelas bombas V-2 de Hitler, na Franç8. ocupada pelos alemães, na União
Soviética.
Goebbels, mestre da propaganda, dele se valeu para dar ânimo ao povo alemão
e levá-lo às culminâncias da produção de guerra e da resistência ao sofrimento.
Terminado o conflito armado, outra guerra, não menos importante, a guerra
fria, viria aproveitar-se do humor. Firmaram-se os features sindicates nos Estados
Unidos, exportando histórias em quadrinhos e cartoons (com muitos dos seus
personagens figurando também em desenhos animados) e, com eles, ideologia e
filosofia de vida para todo o campo ocidental. O mesmo fenômeno ocorreu no mundo
socialista, onde se multiplicaram os esforços da imprensa sob a tutela do Estado. Em
épocas de relativa tranqüilidade, o humor alterna sua dosagem entre o otimismo triste
e o pessimismo alegre e se desenvolve à plena luz da consciência, em uma dialética da
sátira que põe em causa os homens e os deuses. Segundo a própria natureza do autor,
este tipo de humor pode nem chocar nem reconfortar a natureza humana: apenas
observa com um sorriso.
Seria difícil apresentar, como compartimentos estanques, as diversas funções
do humorismo, e estabelecer até que ponto a graça ligeira, circunstancial, não é crítica
de costumes, ou não envolve crítica social ou política ou administrativa. As fronteiras
restam sempre indefinidas e os mesmos princípios básicos do humor e a atitude dos
personagens diante dos homens, dos fatos e da vida, são aplicáveis a todas as
funções. Quanto aos meios de expressão do humor na imprensa - a caricatura (do
italiano caricatura, do latim caricare, carregar, atacar, exagerar, acusar, ridicularizar) e
o texto - podemos estabelecer as seguintes distinções:
Caricatura: portrait-charge - Retrato caricatural de uma pessoa determinada,
em cuja composição podem entrar também elementos alusivos às razões por que se
distingue a personalidade. Gênero de larga aceitação na imprensa brasileira até 25
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
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anos atrás, tendo em Alvarus. Mendez e Lan os seus mais recentes representantes, o
portait-charge foi usado para ilustrar notícias
FACULDADE políticas, páginas de esporte,
DE JORNALISMO
colaborações literárias, seções de mundanismo e as mais diversas colunas assinadas
em que o caricaturado era permanentemente o próprio colunista.
Com o desenvolvimento das técnicas gráficas de reprodução, permitindo o bom
aproveitamento de fotos, de que o protrait-charge era substituto, e com a consequente
dinamização do estilo jornalístico, este gênero, por suas exigências de elaboração,
desapareceu praticamente dos nossos jornais e revistas. Na imprensa estrangeira
verificamos, porém, que o portrait-charge conseguiu sobreviver, recorrendo à
especialização: em função de figuras esportivas (Argentina, Peru, Uruguai), de
literatos, pintores e escultores (França), de artistas de cinema e teatro (Inglaterra), de
personalidades da música popular e da politica (Estados Unidos).
Charge - Caricatura referente a acontecimentos imediatos, geralmente políticos,
veiculando necessariamente uma critica.
A charge política no Brasil, usada desde os tempos do Império, pela Revista
Illustrada, de Angelo Agostini, até o Estado Novo, teve acentuada participação nas
campanhas pela Abolição e Proclamação da República e, mesmo no Estado Novo, na
campanha de mobilização contra o Eixo. Derrubado o Estado Novo, para cujo desgaste,
veladamente, sempre contribuiu, a charge, entretanto, não mais recuperaria a força
antiga, pois, uma vez iniciado o processo de industrialização do país, as folhas se
transformaram em empresas jornalísticas, perdendo aquela liberdade de que
desfrutavam antes.
Os chargistas de então (Augusto Rodrigues, Nássara, Théo, para citar os mais
atuantes) já faziam incursões pelo cartoon, forma de humor mais amena, que se
originara da critica de costumes como a realizavam, entre nós, Raul Pederneiras,
Kalixto, J. Carlos e Fritz.
Comenta o caricaturista Ziraldo que
a preocupação dos jornais em sobreviverem como empresas, com papel subvencionado
e vínculos indiscutíveis com o Poder, talvez não tenha permitido o aparecimento de
novos chargistas que pudessem exercer sua arte em toda a plenitude. Sem real
liberdade de expressão, não pode existir o chargista. Contido, este artista não existe,
pois o nome de sua arte é preciso: ele tem que estar na frente da batalha,
comandando a artilharia, mandando sua bala. O chargista é, sem dúvida nenhuma, um
dos editorialistas do jornal em que trabalha. O mais objetivo, direto, sintético. Se a
linha do jornal dança conforme a música, o chargista cai duro. Chargista não sabe
dançar.
Atualmente a charge política, que teve como últimos representantes Hilde Weber e
Appe, vem sendo praticada também por cartunistas. Segundo o humorista Fortuna,
para quem ser apresentado como chargista é "o maior desprestígio hierárquico para o
humorista, há muito na ativa”, o fato se deve a que
Nas graves conjunturas, quando a chamada sensatez manda calar, o humorista sabe
que o mais sensato é rir alto para espantar os fantasmas.
Esta é uma atitude ditada pelo particular bom-senso, que nasce do senso de humor diz
Fortuna - É que o humorista, não passando ele porta-voz da voz geral, amplia-a
naturalmente, mesmo quando ela apenas sussurra (a função persiste, mesmo se a voz
se cala, ocasão em que o porta-voz amplia insuportavelmente o silêncio). Essa a
principal razâo por que eu, como Jaguar e Claudius, no livro Hay Gobierno?, mais o
Ziraldo e o Millôr na revista Pif-Paf, botamos a boca no mundo quando a situação ficou
mal parada.
O problema básico do chargista - prossegue Fortuna - até onde pude sentir neste
recente conlato com a caricatura política (e mais especialmente nos intervalos
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
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