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Um Seminário para uma candidatura operária ao serviço das lutas populares


Uma tática eleitoral pelo socialismo
Um programa pela revolução brasileira

Valerio Arcary, é professor do IFSP


(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), e doutor em História pela USP, é militante
do PSTU.

Não se deve elogiar o dia antes da noite.


Sabedoria popular alemã

O PSTU realizará no último fim de semana de junho, em São Paulo, um Seminário


nacional aberto para a elaboração coletiva de um programa da candidatura de Zé Maria à
presidência. A atualização do programa é um dos desafios mais complexos, mas, também,
um dos mais empolgantes de uma campanha eleitoral.
Todos os ativistas que defendem uma estratégia socialista estão convidados para debater
um programa para a economia, para o campo brasileiro, as relações internacionais do país,
a saude, a educação, a ecologia, contra a opressão às mulheres, negros e homossexuais, e
outros temas.
Em particular queremos convidar aos lutadores dos movimentos sociais e intelectuais e não
pertencem aos quadros do PSTU a vir colaborar com a elaboração do programa eleitoral da
campanha Zé Maria presidente.

O programa socialista, a proposta que os revolucionários apresentam aos


trabalhadores como projeto, nunca está pronto. Um programa socialista é uma crítica
implacável e irreconciliável da realidade que nos cerca. É através da discussão do programa
que os ativistas mais lúcidos e mais decididos da classe trabalhadora se elevam de
militantes sindicais à condição de líderes políticos, e se preparam para compreender o
Brasil, e o mundo no qual o Brasil está inserido, condição indispensável para disputar o
destino das lutas dos trabalhadores.
Não retomamos a discussão do programa sempre do início, porque recuperamos a
herança construída pelo marxismo revolucionário. Mas ele é uma obra em permanente
reavaliação. A esquerda marxista não pode ignorar que o Brasil, assim como a América
Latina, passou por transformações nas últimas décadas. Os ajustes neoliberais da década
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dos anos noventa significaram um processo de recolonização, cuja máxima expressão foi a
desnacionalização de setores produtivos estratégicos, privatizações de estatais e, em
conseqüência, o aumento do desemprego e da miséria para patamares ainda mais
devastadores do que aqueles, historicamente, muito altos que caracterizaram o capitalismo
periférico no continente.
Em perspectiva histórica, os últimos vinte e cinco anos foram o período mais longo
de regimes democrático-eleitorais da história da América Latina, no entanto, também, um
longo período de ataques aos trabalhadores. O crescimento econômico entre 2004/08, e a
ampliação de políticas compensatórias permitiram um temporário consolo social, depois de
cinco anos duríssimos de desemprego, intensificação dos ritmos de trabalho, pressões
inflacionárias e queda do salário médio. A crise econômica mundial de 2008 interrompeu
este processo. Entretanto, desde o final de 2009, se confirmaram indicações de que a
economia brasileira tinha recobrado um ritmo de crescimento. São os solavancos
provocados pela crise do capitalismo mundial. Mais turbulências virão, como deixou claro
a crise européia sob ameaça de moratória na Grécia.
Nessas circunstâncias é que devemos compreender a recuperação do prestígio do governo
Lula, efêmero diante da história, como todas as ilusões políticas de regulação social do
capitalismo. E contextualizar a campanha eleitoral no marco da reorganização do
movimento operário, sindical e popular que irá prosseguir, e é o processo mais significativo
para a esquerda socialista brasileira. Porque as lutas do futuro exigirão uma nova direção
para serem vitoriosas.
Uma nova direção significa dizer novas organizações, mas também um novo
programa. Não nos enganemos a nós mesmos, nem aos trabalhadores e à juventude: não
adianta nada novos líderes com velhas propostas. A reorganização veio exigindo novos
instrumentos de luta, como a Conlutas em unificação com a Intersindical, para ir além da
CUT, e a Anel, para ultrapassar a UNE. A essência do processo, contudo, é política e nos
remete à disputa pelo programa: a superação das ilusões reformistas de que o capitalismo
pode ser regulado, e o despertar de uma disposição de luta para derrotá-lo.
A disposição de luta só se levanta quando se perderam as ilusões. Quando se vence a
confusão, quando se dissipa o medo. É por isso que os revolucionários participam das
eleições: elas são uma tribuna de luta política-ideológica. Nessa luta, queremos ajudar as
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massas populares a recuperar a confiança em si mesmas. Queremos acender a chama das


mobilizações que virão, defendendo as lutas de hoje, e incendiando a imaginação dos
trabalhadores e da juventude de que é possível mudar a vida, de que sua mobilização é
muito mais forte do que imaginam, e de que o futuro lhes pertence.

Muitos candidatos, três campos políticos, dois projetos


A expectativa de que o capitalismo periférico brasileiro poderia realizar uma
regulação social do mercado, quando a ditadura militar acabou, era compartilhada por
milhões. Para os trabalhadores dos setores mais organizados do proletariado, a confiança na
direção do PT e em Lula, e as ilusões na estratégia eleitoral de que as mudanças seriam
possíveis através da colaboração de classes, sem rupturas com as instituições da democracia
liberal, ou seja, sem choques diretos com os grandes capitalistas, significaram uma
desesperadora espera de 20 anos.
Foram vinte anos entre 1982, a primeira participação eleitoral do PT, e 2002.
Dirigidas pelo PT e pela CUT, e apostando que mais cedo ou mais tarde Lula venceria as
eleições, as massas populares, pacientemente, aguardaram a hora da vitória eleitoral. Não
faltaram tragédias econômicas e comoções sociais nesses vinte anos: duas décadas de
crescimento econômico baixo, quase raquítico, em que as turbulências da superinflação dos
anos oitenta deram lugar ao desemprego crônico, alimentaram um crescente mal-estar
social e motivaram grandes lutas, algumas ofensivas – como a onda de lutas que começou
com as Diretas em 1984, e se estendeu até o Fora Collor em 1992 -, outras defensivas, entre
1992 e 2002.
Não obstante, o alarme constante diante de represálias dos donos da riqueza, que
mantiveram influência histórica sobre as instituições de poder; a insegurança social dos
trabalhadores em si mesmos e na sua capacidade de luta; a imaturidade política de uma
geração proletária inexperiente; e o papel desorganizador e desmobilizador de uma direção
sindical e política – CUT e PT - sempre disposta a inflar a força dos poderosos e diminuir a
força dos explorados; todos estes fatores favoreceram a estratégia reformista de prevenir as
lutas sindicais, quando evitável, conter a sua radicalização, quando possível, e impedir a
sua unificação, quando incontornável, e redirecionar o descontentamento para as eleições.
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Ainda assim, a tensão social crônica alimentou lutas de resistência que, rapidamente,
pareciam poder transbordar para além dos limites institucionais do novo regime
democrático. Foi possível, em mais de um momento, começar, seriamente, a medir forças
entre o proletariado e seus aliados sociais e a burguesia. E o que se viu nas ruas entre 1984
e 2002, foi a revolução brasileira engatinhando os seus primeiros passos. Descobriu-se um
Brasil urbano e muito concentrado, em que a força social de choque do proletariado era
capaz de atrair a maioria da classe média para o seu lado, e deixar isolado o grande capital.
Quando a massa popular saiu às ruas aos milhões para derrotar o Colégio Eleitoral da
ditadura exigindo Diretas Já em 1984; quando a maioria do povo aderiu aos métodos de
luta da classe operária, com as greves gerais contra Sarney, entre 1987 e 1989; quando a
juventude se sublevou e acendeu a ira de milhões contra Collor em 1992; quando as
ocupações de latifúndios e as marchas camponesas do MST despertaram a simpatia da
maioria da nação, em 1997; quando o Fora FHC foi capaz de unir cem mil na marcha a
Brasília em 1999. Em todos estes momentos decisivos, a burguesia brasileira se apequenou,
se acanhou, se descobriu socialmente isolada, e politicamente, dividida.
Paradoxalmente, a direção que alimentou as lutas contra Figueiredo e Sarney – os
combates que legitimaram a fundação do PT e da CUT, e a autoridade de Lula - passou a
refreá-las contra Collor e FHC. Mas, isso não impediu que se beneficiasse do desgaste dos
governos da Nova República, e vencesse as eleições em 2002. O mais importante,
entretanto, é que esse processo histórico de vinte e cinco anos confirmou que, nos limites
do regime democrático-liberal e seu calendário eleitoral, a vida das massas não poderia
mudar. Parece inegável que essa esperança reformista, com a perspectiva que os últimos
oito anos nos oferecem, foi frustrada.
As poucas reformas de conteúdo socialmente progressivo realizadas sob o regime da
democracia liberal, como a extensão da previdência social à população rural, ou a
implantação do Sistema Único de Saúde, o SUS, ficaram muito aquém das necessidades
reprimidas durante duas décadas pelo regime militar. As poucas reformas do governo Lula,
como o aumento do salário mínimo levemente acima da inflação foram muito pouco,
depois de tantas lutas e tanto tempo. As políticas compensatórias como o Bolsa-Família são
recomendadas pelo Banco Mundial para ajudar na sustentação política e eleitoral do plano
econômico neoliberal.
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A verdade precisa ser dita: a expectativa de que o Brasil tivesse uma verdadeira mudança
ao ter no governo sua principal liderança sindical foi frustrada. Mesmo os que apóiam o
governo Lula sabem que os salários continuam baixos, o desemprego segue alto, a reforma
agrária não saiu do papel. A sensação de alívio que existe hoje é muito mais uma
consequencia do periodo de crescimento econômico em comparação com a crise econômica
e os ataques que marcaram o governo FHC.
Todos os governos da democracia burguesa, desde Sarney a Lula, repetiram a ditadura
militar e foram incapazes de diminuir, significativamente, as desigualdades sociais
acumuladas. Isso não é produto de um “desenvolvimento” insuficiente do capitalismo,
como apregoam os seus defensores. Ao contrário, trata-se da expressão mais desenvolvida
e moderna do capital. O Brasil está sendo usado como plataforma de exportação de
minérios e produtos agropecuários para o mercado mundial, assim como de automóveis e
eletrodomésticos para a América Latina. Para isso, o capital estrangeiro implanta no país
plantas industriais com máquinas modernas e organização do trabalho “de ponta”. Grandes
unidades de produção do agronegócio produzem carne, soja e cítricos para exportação.
Gigantescas minas produzem ferro, imediatamente exportado para a China.
Mas todo esse dinamismo tem por fundamento também o mais desenvolvido arrocho
salarial: as multinacionais querem rebaixar o salário dos norte-americanos ao padrão latino
americano, e os brasileiros ao patamar chinês.
Esse é o segredo do governo Lula: durante a fase de cresciemnto da economia assegurou
um aumento de 400% nos lucros das grandes empresas, enquanto convenceu os
trabalhadores a aceitarem migalhas como se fossem produto da “preocupação social do
governo”.
Mas mesmo esse “alívio” temporário, produto da recuperação econômica entre 2004-08 foi
golpeado pelo impacto da crise mundial de 2008-09. A vulnerabilidade externa do Brasil
não só não foi revertida, como se agravou – a previsão é de um déficit em contra corrente
de US$ 50 bilhões em 2010 - apesar do aumento das reservas para um patamar em torno de
US$ 250 bilhões.
O agravamento da crise capitalista pela iminência de uma moratória da dívida externa da
Grécia, que seria um terremoto financeiro ainda maior do que a falência do Lehmann
Brothers, em 2008, sinaliza que estamos em uma nova situação mundial.
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Se até na Europa do Mediterrâneo, como na Grécia, Espanha e Portugal, a crise do


capitalismo está levando os governos dos Partidos Socialistas de Papandreou, Zapatero e
Sócrates a aumentar as alíquotas de impostos sobre o consumo, a impor a redução nominal
de salários entre 5% e 30%, e agravar a elevação da idade mínima de aposentadorias para
65 anos, indistintamente, entre homens e mulheres, podemos nos perguntar o que nos
espera em 2011 no Brasil.

As candidaturas Serra, Dilma, e Marina: três propostas de capitalismo regulado


Ainda que sejam muitas as candidaturas, serão três os campos políticos nessas
eleições – o governo Lula, a oposição de direita, encabeçada por Serra, e a oposição de
esquerda, através das candidaturas do PSTU, PSOL e PCB - e existem somente dois
grandes projetos estratégicos: os que defendem a regulação política do capitalismo, e os que
defendem a necessidade de uma ruptura anticapitalista.
São duas as grandes interpretações para este balanço histórico desanimador do capitalismo
brasileiro. A primeira visão organiza a visão liberal dominante na burguesia brasileira. Os
liberais-sociais do PSDB, os sociais-liberais do PT, e os ecologistas-liberais do PV, todos
travestidos, quando lhes convém, de keynesianos reguladores se regozijam porque vêm um
Brasil cada vez melhor. Têm quatro grandes acordos econômicos e políticos: (a) a
proporção da dívida pública em relação ao PIB foi reduzida para menos de 50%, o que
favorece, potencialmente, a atração de capital externo do cassino financeiro, mesmo com a
permanência da crise mundial; (b) o controle da inflação foi conquistado com a lei de
responsabilidade fiscal, e os superávits fiscais de, pelo menos, 3% do PIB, asseguraram a
confiança da burguesia na moeda nacional, e têm permitido que os interesses dos rentistas
estejam protegidos; (c) a abertura comercial e financeira dos anos noventa permitiu uma
plena integração no mercado mundial, as importações ajudaram a controlar a inflação,
favoreceram a reestruturação produtiva, e o Brasil se beneficiou do aumento da demanda
das commodities que exporta; (d) a manutenção da independência do Banco Central; o
favorecimento do agro-negócio exportador; o impulso do BNDES à formação de grandes
monopólios nacionais pela concentração de capital, inclusive, com financiamento público
das aquisições; (e) a preservação da relativa paz social alcançada com a parceria dos
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sindicatos e Centrais sindicais com os governos, e as políticas compensatórias para os


setores populares mais desorganizados.
Os porta vozes desta avaliação serão nas eleições de outubro, indistintamente, José
Serra, Dilma Roussef e Marina Silva. Haverá diferenças de tom, mas a música será a
mesma. Seus programas eleitorais serão, declaradamente, pró-capitalistas, com ênfases
variadas sobre o tipo de regulação mais ou menos social, ambiental e desenvolvimentista
que pretendem fazer do capitalismo. Os três candidatos reconhecem diferenças entre si, mas
admitem, também, e com estarrecedora franqueza, que são pequenas. Haverá uma enorme
poeira levantada no ar por polêmicas, essencialmente, secundárias. Não foi por outra razão
que Marina adiantou que, se eleita, convidaria para ministros quadros do PT e do PSDB.
Serra, para não ficar atrás, em generosa reciprocidade, respondeu que convidaria quadros
do PV e do PT. Não há porque duvidar que Dilma, se eleita, faria, também, os convites
mais esdrúxulos, já que o próprio Lula não hesitou em chamar Roberto Rodrigues para a
Agricultura e Meirelles para o Banco Central. Tudo isso é possível.
Defensores de Serra, de Dilma e de Marina estão igualmente satisfeitos e
reconciliados com: (a) a preservação intacta do aparelho repressivo das Forças Armadas e
Polícias Militares herdado da ditadura militar, inclusive, a anistia aos torturadores; (b) a
consolidação da democracia-liberal como regime político, com seus vícios escandalosos de
corrupção eleitoral financiada pelos monopólios, em uma espécie de bi-partidismo entre
governo e oposição, ampliado pelas coligações regionais que garantiram uma maioria
congressual nos últimos vinte e cinco anos (afinal o PV participou, alegremente tanto dos
governos Serra em São Paulo e César Maia no Rio, quanto Lula em Brasília); (c) as
desnacionalizações, privatizações e parcerias com o grande capital, incluindo a participação
estrangeira na exploração do pré-sal; (d) a manutenção da privatização da educação, da
saúde e da previdência.

Serra e a oposição burguesa: um programa para um novo ajuste antioperário


A visão de Serra remete às ansiedades da grande burguesia – bancos, empreiteiras,
monopólios, multinacionais – que insistem em uma apreciação econômica do que
consideram as fragilidades estruturais do país: o Brasil cresceu menos do que poderia
porque, em função das necessidades de legitimação do regime democrático depois de vinte
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anos de ditadura militar; o Estado agigantou-se, elevando a carga fiscal para patamares
incompatíveis com taxas de expansão mais altas; o peso dos gastos sociais inibiu os
investimentos estatais na modernização da infra-estrutura; a proporção do consumo das
famílias e do Estado sobre o PIB aumentou, e a poupança interna permaneceu muito
pequena, enquanto o déficit na conta corrente das transações externas cresce,
vertiginosamente, e só fecha em função dos investimentos estrangeiros.
A premissa é que para voltar a crescer o país precisaria consumir ainda menos. Sem um
aumento da super-exploração dos que vivem do trabalho seria impossível atrair
investimentos produtivos, e o Estado não pode e não deve ser o grande investidor, a não ser
em parcerias com o capital privado. O único critério é a saúde dos grandes negócios, ou
seja, as possibilidades maiores ou menores do capital se valorizar mais rápido, em um
contexto de grande competição internacional.
Destas premissas, retiram quatro conclusões: (a) não é possível aumentar impostos, e
seria melhor reduzir a carga fiscal do Estado, porque as economias periféricas com as quais
o Brasil compete têm encargos muito mais leves, e o peso do Estado desencoraja
investimentos que serão indispensáveis para explorar o petróleo do pré-sal; (b) não é
possível manter os atuais níveis de consumo do mercado interno, porque a poupança
nacional e a taxa de investimento são insuficientes, portanto, vai ser necessário reduzir
gastos de custeio do Estado, despesas públicas com políticas sociais e realizar um arrocho
salarial, porque a sociedade vive acima dos seus meios, e não pode continuar contando,
indefinidamente, com o financiamento externo; (c) não é possível financiar por mais tempo
o déficit externo nas contas correntes, porque o câmbio valorizado do real em relação ao
dólar e euro desestimula as exportações e favorece as importações, portanto, a
desvalorização da moeda está de novo no horizonte; (d) não é possível competir no
mercado mundial, em especial, com economias em estágio semelhante de desenvolvimento,
como China e Coréia do Sul, por exemplo, porque as pressões sociais por redução da
jornada de trabalho, expansão dos gastos sociais, seja em programas compensatórios como
o Bolsa-família, seja em políticas públicas universais como investimentos em educação,
SUS ou previdência, são incompatíveis como taxas de investimento estatais em infra-
estrutura.
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Dilma e a armadilha da política de colaboração de classes sem reformas


Os estatistas reguladores petistas - e seus aliados do PCdB, PSB, PDT, e etc.- estão
felizes da vida, porque, do alto dos índices de popularidade de Lula, sabem que Serra não
pode reivindicar o balanço do governo Fernando Henrique Cardoso, sem ser derrotado
antes da luta começar. No entanto, deveriam lembrar, também, que a transferência de votos
de Lula para Dilma é uma batalha ainda por fazer. Exemplos das eleições dos últimos vinte
e cinco anos, como a eleição de Fleury por influência de Quércia em 1990, de Pitta pela de
Maluf em 1996, e de Kassab pela de Serra em 2008, só para lembrar três processos,
confirmam Dilma como favorita, mas de forma muito diferente da eleição de Lula em 2006,
que já foi, por sua vez, muito distinta de 2002. As bases sociais da votação de Lula em
2006, e da sua popularidade em 2010, não são as mesmas que permitiram a vitória em
2002: o PT tem hoje muito menos autoridade nos setores organizados da classe
trabalhadora, embora o lulismo tenha mais influência do que nunca nos setores
desorganizados do proletariado.
Assim como FHC pediu que se esquecesse tudo o que tinha escrito antes de chegar
ao poder, Lula pediu que se perdoassem as bravatas de vinte anos de oposição.Os
trabalhadores ficaram sabendo que o fiasco do capitalismo seria produto, afinal, de um
cenário externo adverso, e das dificuldades internas de conseguir que o Estado pudesse
voltar a cumprir o papel de fomento que tinha tido antes de 1980, pelo peso das dívidas, ou
seja, aderiram, alegremente, à visão dos governos aos quais fizeram oposição.
Por isso, o governo Lula manteve como orientação central oferecer garantias aos
credores das dívidas externa e interna, ampliando as políticas compensatórias. Seu principal
lastro não foi nem o aumento do salário mínimo, nem o Bolsa família, nem o ProUni, nem a
ampliação do crédito consignado. Foi a recuperação econômica que reduziu o desemprego
entre 2004 e 2008. O prestígio de Lula, embora abalado pela crise do mensalão em 2005,
preservou-se.
A questão de fundo, todavia, é que essa recuperação foi transitória – acompanhou o
crescimento mundial, e já está no horizonte uma nova crise.
Para compreender as razões deste impasse é preciso perspectiva histórica. A sociedade
brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto
subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado
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mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, porque a concentração de renda aumentou, não


diminuiu. Mas existiu, durante cinco décadas, em função da conjuntura internacional do
boom do pós-guerra, um capitalismo com taxas aceleradas de crescimento econômico,
enquanto se realizavam as tarefas da urbanização e industrialização. Os dois processos
foram simultâneos, ainda que não tenham tido a mesma proporção em todo o país. No
entanto, o certo é que existiu mobilidade social na fase das grandes migrações do campo
para a cidade. Existiu, também, uma mobilidade relativa beneficiando a classe média.
O crescimento econômico foi mais significativo que a escolarização, mas é provável
que tenha ocorrido uma sinergia na confluência de causas. Logo, a promessa de que seria
possível ir além dos limites do capitalismo agro-exportador, e fortalecer um crescimento
apoiado na expansão do mercado interno e, portanto, viver melhor, através de reformas
como uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-
desenvolvimentismo - era uma promessa que alimentava esperanças. Garantia alguma
coesão social para a estabilidade dos regimes políticos entre 1945 e 1964. A força de
inércia das ilusões reformistas repousou nessa história, que culminou com a experiência
interrompida do governo JoãoGoulart. Lula foi, depois de 1980, o herdeiro destas ilusões.
As condições históricas que permitiram esse crescimento econômico se perderam no
pós-guerra. Reformas progressivas na época da decadência do capitalismo só foram
possíveis em situações excepcionais, como concessões para evitar a precipitação de
revoluções. As poucas reformas do período democrático pós-1985 foram efêmeras e
instáveis. Não se construiu um Estado de bem estar social: não ocorreu redução
significativa da jornada de trabalho. Ela caiu de 49 para 44 horas semanais, todavia, ainda
não se regulamentou a jornada semanal de 40hs, em vigência em quase todos os países
industrializados. Ao contrário, os planos neoliberais vão impondo a precarização do
trabalho, que já predomina no país. O desemprego se instalou como um drama social
estrutural, quando era residual até 1980.
Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que o capitalismo
brasileiro não pode sustentar uma real perspectiva de mobilidade social. Depois do
crescimento econômico dos últimos 25 anos, permanecemos com a mesma renda per
capita: duplicamos o PIB, mas duplicamos também a população.
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O “alívio” existente hoje, produto do crescimento econômico recente, não poderá se


traduzir em uma mudança real, e nem sequer garantir as pequenas coisas conquistadas.
O capitalismo brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social
muito baixa, e a educação deixou de ser um trampolim social. O salário médio dos setores
que alcançam uma escolaridade técnico-profissional como os operários qualificados, oscila
pouco acima do salário médio. O daqueles com escolaridade elevada, ou seja, o ensino
superior, mantém uma curva descendente contínua há mais de duas décadas: professores,
quadros intermediários da administração pública ou privada, profissionais assalariados,
como médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, etc.
Todas as informações disponíveis confirmam que a possibilidade de se conquistar
recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura e mais confortável através do
esforço individual, por exemplo, uma educação maior, está reduzida. Em outras palavras, a
mobilidade social relativa está estagnada, ou retrocedendo. A razão de fundo deste processo
é a própria estrutura do capital em sua fase de decadência. O dinamismo da economia se
apóia na superexploração dos trabalhadores. A mesma exigência do capitalismo para
conseguir lucros altíssimos se impõe nos baixos salários e um gigantesco exército industrial
de reserva para pressionar os empregados.
A crise crônica da sociedade brasileira já foi percebida, pelo menos parcialmente, pelas
massas trabalhadoras, e mesmo pelas camadas médias, ainda que esse mal estar não se
manifeste ainda, como nos anos oitenta, em uma elevação da participação política. Os anos
de suspiro entre 2004 e 2008, com seu crescimento baixo, foram recebidos com alívio por
uma geração que vivia entre recessões longas e curtas.
Mas, nos setores mais organizados da classe trabalhadora, avança a percepção de que
não há razões para esperar uma vida melhor pelo sacrifício individual. A função social da
educação na sociedade é cada vez mais estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a
perpetuação das relações sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações
sociais, somente as perpetua. As ilusões reformistas entrarão em choque, inevitavelmente,
com a realidade e, como esperanças frustradas, irão se dissolvendo. Mas, elas não morrem
sozinhas. Será necessária tenacidade e valentia para demonstrar às massas trabalhadoras
que a única forma de mudar a vida continua sendo a ação política coletiva, a mobilização
operária e popular contra a burguesia e o imperialismo.
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A urgência do programa socialista


A segunda grande visão dos destinos do Brasil é a marxista. Uma perspectiva
socialista coloca a luta do povo brasileiro no foco da avaliação. E constrói a análise da
realidade a partir do contexto histórico internacional.
Não é possível na época de decadência do capitalismo uma regulação social do
mercado. Não são mais possíveis reformas progressivas duradouras. Os sacrifícios que os
governos exigirão não serão transitórios. Não haverá recompensas futuras para quem
apertar agora o cinto. Os trilhões de dólares acumulados pelo capital financeiro na forma de
derivativos só poderão se valorizar à custa de mais e mais sacrifícios de quem trabalha. O
desemprego veio para ficar, pressionando para baixo os salários mínimos na Europa e nos
Estados Unidos, e o Brasil não estará imune. Não haverá descolamento em 2011. Quando
na Europa o capital precisa infligir aos trabalhadores condições de vida latino-americanas,
na América Latina precisará castigar com condições de vida chinesas.
É por isso que a urgência do socialismo nunca foi tão grande. Muitos operários e
jovens se perguntam o que significa o socialismo. A resposta pode ser dada com
simplicidade: a superação do capitalismo em que a sociedade trabalha para garantir lucros
altíssimos para uma ínfima minoria, os donos das grandes empresas. A estatização sob
controle das grandes empresas abre as portas para a construção de uma produção
planificada em função das necessidades dos trabalhadores e não dos lucros da GM, da
Volks, etc.
O socialismo não pode ser confundido com o regime ditatorial que governou na antiga
União Soviética. A ditadura stalinista não tinha nada de socialista. Mas os primeiros sete
anos da revolução russa, antes de sua burocratização, deram um exemplo histórico nunca
superado de democracia: pela primeira vez os trabalhadores puderam discutir e decidir
democraticamente o que fazer com a produção, com a guerra, etc. Uma riquíssima vida
cultural floreceu em plena liberdade, gerando contribuições geniais à poesia (como
Maiakovsky) e ao cinema (como Eisenstein).
O isolamento internacional da revolução naquele momento permitiu a degenderação
burocrática stalinista que afogou a democracia operária, burocratizou o estado e permitiu
mais tarde a restauração do capitalismo.
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Tampouco são socialistas as experiências em curso na Venezuela ou na Bolívia. A


regulação estatal do capitalismo é uma quimera que já foi ensaiada outras vezes em países
periféricos – como no Egito com Nasser nos cinqüenta, no Peru com Velasco Alvarado nos
anos setenta, na Nicarágua com os sandinistas nos anos oitenta, - e sempre fracassou. Os
limites políticos e sociais do nacionalismo burguês são insuperáveis.
Na Venezuela chavista, as multinacionais seguem explorando o petróleo, agora como
sócias do estado. Os bancos têm lucros gigantescos, extamente como no Brasil. As
nacionalizações chavistas mantiveram o controle da economia nas mãos das grandes
empresas privadas. Uma “boliburguesia” (um setor da burguesia que cresceu pelos favores
do estado) controla setores importantes da economia.
Os salários dos trabalhadores são semelhantes aos do Brasil, assim como os níveis do
desemprego. A corrupção é tão grande ou ainda maior que a brasileira, apoiada nas rendas
petroleiras. As posturas cada vez mais autoritárias do governo se chocam não só com a
oposição burguesa, mas com as greves operárias.
É porque se mantém nos marcos do capitalismo que o governo chavista não surge como
alternativa perante a crise econômica internacional. Ao contrário, a economia venezuelana
está sendo fortemente golpeada pela crise. Como a exploração capitalista segue intacta no
país, a insatisfação vai corroendo as bases populares do chavismo.
A verdadeira tragédia venezuelana é que está se impondo uma polarização entre o projeto
burguês autoritário do governo e o da oposição de direita. Grande parte da esquerda
latinoamericana, ao embarcar no projeto nacionalista burguês de Chavez, comete um crime
contra o socialismo, por tentar impedir a construção de uma alternativa própria e
independente dos trabalhadores.
Não existe nada de novo no “Socialismo do Século XXI” de Chavez. Trata-se das mesmas
propostas de capitalismo humanizado do nacionalismo burguês. É o mesmo tipo de
colaboração de classes com setores da burguesia praticados pelo stalinismo e a
socialdemocracia. Não é por acaso que Chavez é apoiado pelo governo Lula e pelos
partidos stalinistas de todo o mundo.
A urgência do programa socialista reclamada pelos anúncios de nova crise internacional
exige uma crítica radical tanto das ditaduras stalinistas do leste europeu como do
nacionalismo burguês chavista. O novo é a independência de classe dos trabalhadores em
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relação a todos os setores da burguesia. A audácia necessária é a defesa do programa de


estatização das grandes empresas que foi o centro do programa econômico tanto da
revolução russa em 1917 como da cubana de 1959.
O novo e urgente é o socialismo revolucionário. Só os trabalhadores livremente auto-
organizados serão capazes de unir o povo e reunir a força social para derrotar o capitalismo.

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