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dos anos noventa significaram um processo de recolonização, cuja máxima expressão foi a
desnacionalização de setores produtivos estratégicos, privatizações de estatais e, em
conseqüência, o aumento do desemprego e da miséria para patamares ainda mais
devastadores do que aqueles, historicamente, muito altos que caracterizaram o capitalismo
periférico no continente.
Em perspectiva histórica, os últimos vinte e cinco anos foram o período mais longo
de regimes democrático-eleitorais da história da América Latina, no entanto, também, um
longo período de ataques aos trabalhadores. O crescimento econômico entre 2004/08, e a
ampliação de políticas compensatórias permitiram um temporário consolo social, depois de
cinco anos duríssimos de desemprego, intensificação dos ritmos de trabalho, pressões
inflacionárias e queda do salário médio. A crise econômica mundial de 2008 interrompeu
este processo. Entretanto, desde o final de 2009, se confirmaram indicações de que a
economia brasileira tinha recobrado um ritmo de crescimento. São os solavancos
provocados pela crise do capitalismo mundial. Mais turbulências virão, como deixou claro
a crise européia sob ameaça de moratória na Grécia.
Nessas circunstâncias é que devemos compreender a recuperação do prestígio do governo
Lula, efêmero diante da história, como todas as ilusões políticas de regulação social do
capitalismo. E contextualizar a campanha eleitoral no marco da reorganização do
movimento operário, sindical e popular que irá prosseguir, e é o processo mais significativo
para a esquerda socialista brasileira. Porque as lutas do futuro exigirão uma nova direção
para serem vitoriosas.
Uma nova direção significa dizer novas organizações, mas também um novo
programa. Não nos enganemos a nós mesmos, nem aos trabalhadores e à juventude: não
adianta nada novos líderes com velhas propostas. A reorganização veio exigindo novos
instrumentos de luta, como a Conlutas em unificação com a Intersindical, para ir além da
CUT, e a Anel, para ultrapassar a UNE. A essência do processo, contudo, é política e nos
remete à disputa pelo programa: a superação das ilusões reformistas de que o capitalismo
pode ser regulado, e o despertar de uma disposição de luta para derrotá-lo.
A disposição de luta só se levanta quando se perderam as ilusões. Quando se vence a
confusão, quando se dissipa o medo. É por isso que os revolucionários participam das
eleições: elas são uma tribuna de luta política-ideológica. Nessa luta, queremos ajudar as
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Ainda assim, a tensão social crônica alimentou lutas de resistência que, rapidamente,
pareciam poder transbordar para além dos limites institucionais do novo regime
democrático. Foi possível, em mais de um momento, começar, seriamente, a medir forças
entre o proletariado e seus aliados sociais e a burguesia. E o que se viu nas ruas entre 1984
e 2002, foi a revolução brasileira engatinhando os seus primeiros passos. Descobriu-se um
Brasil urbano e muito concentrado, em que a força social de choque do proletariado era
capaz de atrair a maioria da classe média para o seu lado, e deixar isolado o grande capital.
Quando a massa popular saiu às ruas aos milhões para derrotar o Colégio Eleitoral da
ditadura exigindo Diretas Já em 1984; quando a maioria do povo aderiu aos métodos de
luta da classe operária, com as greves gerais contra Sarney, entre 1987 e 1989; quando a
juventude se sublevou e acendeu a ira de milhões contra Collor em 1992; quando as
ocupações de latifúndios e as marchas camponesas do MST despertaram a simpatia da
maioria da nação, em 1997; quando o Fora FHC foi capaz de unir cem mil na marcha a
Brasília em 1999. Em todos estes momentos decisivos, a burguesia brasileira se apequenou,
se acanhou, se descobriu socialmente isolada, e politicamente, dividida.
Paradoxalmente, a direção que alimentou as lutas contra Figueiredo e Sarney – os
combates que legitimaram a fundação do PT e da CUT, e a autoridade de Lula - passou a
refreá-las contra Collor e FHC. Mas, isso não impediu que se beneficiasse do desgaste dos
governos da Nova República, e vencesse as eleições em 2002. O mais importante,
entretanto, é que esse processo histórico de vinte e cinco anos confirmou que, nos limites
do regime democrático-liberal e seu calendário eleitoral, a vida das massas não poderia
mudar. Parece inegável que essa esperança reformista, com a perspectiva que os últimos
oito anos nos oferecem, foi frustrada.
As poucas reformas de conteúdo socialmente progressivo realizadas sob o regime da
democracia liberal, como a extensão da previdência social à população rural, ou a
implantação do Sistema Único de Saúde, o SUS, ficaram muito aquém das necessidades
reprimidas durante duas décadas pelo regime militar. As poucas reformas do governo Lula,
como o aumento do salário mínimo levemente acima da inflação foram muito pouco,
depois de tantas lutas e tanto tempo. As políticas compensatórias como o Bolsa-Família são
recomendadas pelo Banco Mundial para ajudar na sustentação política e eleitoral do plano
econômico neoliberal.
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A verdade precisa ser dita: a expectativa de que o Brasil tivesse uma verdadeira mudança
ao ter no governo sua principal liderança sindical foi frustrada. Mesmo os que apóiam o
governo Lula sabem que os salários continuam baixos, o desemprego segue alto, a reforma
agrária não saiu do papel. A sensação de alívio que existe hoje é muito mais uma
consequencia do periodo de crescimento econômico em comparação com a crise econômica
e os ataques que marcaram o governo FHC.
Todos os governos da democracia burguesa, desde Sarney a Lula, repetiram a ditadura
militar e foram incapazes de diminuir, significativamente, as desigualdades sociais
acumuladas. Isso não é produto de um “desenvolvimento” insuficiente do capitalismo,
como apregoam os seus defensores. Ao contrário, trata-se da expressão mais desenvolvida
e moderna do capital. O Brasil está sendo usado como plataforma de exportação de
minérios e produtos agropecuários para o mercado mundial, assim como de automóveis e
eletrodomésticos para a América Latina. Para isso, o capital estrangeiro implanta no país
plantas industriais com máquinas modernas e organização do trabalho “de ponta”. Grandes
unidades de produção do agronegócio produzem carne, soja e cítricos para exportação.
Gigantescas minas produzem ferro, imediatamente exportado para a China.
Mas todo esse dinamismo tem por fundamento também o mais desenvolvido arrocho
salarial: as multinacionais querem rebaixar o salário dos norte-americanos ao padrão latino
americano, e os brasileiros ao patamar chinês.
Esse é o segredo do governo Lula: durante a fase de cresciemnto da economia assegurou
um aumento de 400% nos lucros das grandes empresas, enquanto convenceu os
trabalhadores a aceitarem migalhas como se fossem produto da “preocupação social do
governo”.
Mas mesmo esse “alívio” temporário, produto da recuperação econômica entre 2004-08 foi
golpeado pelo impacto da crise mundial de 2008-09. A vulnerabilidade externa do Brasil
não só não foi revertida, como se agravou – a previsão é de um déficit em contra corrente
de US$ 50 bilhões em 2010 - apesar do aumento das reservas para um patamar em torno de
US$ 250 bilhões.
O agravamento da crise capitalista pela iminência de uma moratória da dívida externa da
Grécia, que seria um terremoto financeiro ainda maior do que a falência do Lehmann
Brothers, em 2008, sinaliza que estamos em uma nova situação mundial.
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anos de ditadura militar; o Estado agigantou-se, elevando a carga fiscal para patamares
incompatíveis com taxas de expansão mais altas; o peso dos gastos sociais inibiu os
investimentos estatais na modernização da infra-estrutura; a proporção do consumo das
famílias e do Estado sobre o PIB aumentou, e a poupança interna permaneceu muito
pequena, enquanto o déficit na conta corrente das transações externas cresce,
vertiginosamente, e só fecha em função dos investimentos estrangeiros.
A premissa é que para voltar a crescer o país precisaria consumir ainda menos. Sem um
aumento da super-exploração dos que vivem do trabalho seria impossível atrair
investimentos produtivos, e o Estado não pode e não deve ser o grande investidor, a não ser
em parcerias com o capital privado. O único critério é a saúde dos grandes negócios, ou
seja, as possibilidades maiores ou menores do capital se valorizar mais rápido, em um
contexto de grande competição internacional.
Destas premissas, retiram quatro conclusões: (a) não é possível aumentar impostos, e
seria melhor reduzir a carga fiscal do Estado, porque as economias periféricas com as quais
o Brasil compete têm encargos muito mais leves, e o peso do Estado desencoraja
investimentos que serão indispensáveis para explorar o petróleo do pré-sal; (b) não é
possível manter os atuais níveis de consumo do mercado interno, porque a poupança
nacional e a taxa de investimento são insuficientes, portanto, vai ser necessário reduzir
gastos de custeio do Estado, despesas públicas com políticas sociais e realizar um arrocho
salarial, porque a sociedade vive acima dos seus meios, e não pode continuar contando,
indefinidamente, com o financiamento externo; (c) não é possível financiar por mais tempo
o déficit externo nas contas correntes, porque o câmbio valorizado do real em relação ao
dólar e euro desestimula as exportações e favorece as importações, portanto, a
desvalorização da moeda está de novo no horizonte; (d) não é possível competir no
mercado mundial, em especial, com economias em estágio semelhante de desenvolvimento,
como China e Coréia do Sul, por exemplo, porque as pressões sociais por redução da
jornada de trabalho, expansão dos gastos sociais, seja em programas compensatórios como
o Bolsa-família, seja em políticas públicas universais como investimentos em educação,
SUS ou previdência, são incompatíveis como taxas de investimento estatais em infra-
estrutura.
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